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Experiência estética em Theodor

W. Adorno: diálogos com a


arte-educação

The Aesthetic Experience in Theodor W. Adorno:


Dialogues with Art Education
Resumo O artigo tem como objetivo trazer à discussão o concei-
to de experiência estética com ênfase na obra de Theodor W.
Adorno, em especial a partir de sua obra Teoria estética, mas tam-
bém das aulas ministradas pelo filósofo nos anos de 1958 e 1959
na J. W. Goethe Universität, em Frankfurt, Alemanha, as quais
se encontram publicadas com o título Estética 1958/59. Como
introdução à discussão, será apresentado, brevemente, um de-
bate sobre a experiência estética no contexto dos estudos em
arte-educação. Tal discussão permitirá compreender o alcance
e as implicações das diferentes posições assumidas em relação
ao conceito de experiência estética. Em seguida, será discutida Franciele Bete Petry
a posição defendida por Adorno, procurando mostrar como ela Universidade Federal de Santa
se torna peculiar em função de sua dimensão crítico-formativa. Catarina (UFSC)
Assim, ainda que alguns aspectos de sua teoria aproximem-se de ffpetry@yahoo.com.br
outras perspectivas relativas ao debate sobre experiência estéti-
ca, sua posição diferencia-se por reconhecer na arte um espaço
de utopia.
Palavras-chave: experiência estética; teoria crítica; Adorno;
arte-educação; formação.

Abstract This paper aims at discussing the concept of aesthetic


experience in Theodor W. Adorno’s work, especially from the
standpoint of the ideas developed in his book Aesthetic Theory,
but also in his lectures on Aesthetics given from 1958-1959 at the
J. W. Goethe Universität. At first, it focuses on arguments related
to the debate about the aesthetic experience in the field of Art
Education, which will enable us to understand the implications
of the different approaches to that concept. Then it discusses
Adorno’s theory about the aesthetic experience and how his
work could be seen as a very distinctive theory, mainly due to
his critical and formative dimension. So, although there are some
common features to other approaches related to the aesthetic
experience, Adorno’s theory has a very singular perception re-
garding art as the placeholder of utopia.
Keywords: aesthetic experience; critical theory; Adorno; art
education; formation.
* Este artigo é resultado de pesquisa realizada no âmbito do Programa Capes/
Daad Intercâmbio Científico de Curta Duração.
Introdução sino voltado para o estudo das grandes obras

N
este trabalho, discutiremos o concei- de arte, também recebe críticas por essa sua
to de experiência estética no contex- ênfase, chegando a ser rotulada de elitista ou
to da obra de Theodor W. Adorno, formalista (Cf. PARSONS, 2002, p. 25).
mostrando como ele possui um caráter crítico Uma das defesas de Smith é a de que
e formativo que o diferencia, apesar das afi- o objetivo da arte-educação consistiria em
nidades, de outras concepções. Além de sua promover uma experiência estética (SMITH,
obra clássica Teoria estética (2008), utilizare- 1995 apud PARSONS, 2002, p. 25). Essa ideia
mos as aulas de Adorno durante os anos de está presente em seu livro Culture and the
1958 e 1959 que estão publicadas na edição Arts in Education, em que Smith (2006) refere-
Estética (1958/59) (ADORNO, 2013). Antes, -se à educação estética como uma forma de
porém, de adentrarmos na estética adornia- desenvolver “uma disposição para apreciar a
na, apresentaremos brevemente algumas excelência na arte, o que implica a capacidade
concepções pertencentes ao campo de es- das obras de arte, em seu melhor, de intensi-
tudos em arte-educação a fim de dispormos ficarem e ampliarem o escopo da consciência
de teorias contrastantes acerca da noção de humana” (SMITH, 2006, p. 19, tradução nossa).1
experiência estética. Elas nos permitirão com- Ao falar de “excelência”, Smith tem em mente
preender quais são as questões que entram a concepção muitas vezes associada ao desen-
em jogo quando defendemos uma ou outra volvimento das “virtudes” do homem, o que,
posição sobre o modo pelo qual a experiência no contexto da educação estética, ocorreria
estética é possível. Dividimos o trabalho em por meio do estudo das grandes obras de arte.
duas seções: a primeira, relativa ao conceito Com base em trabalhos de outros autores, es-
de experiência estética no âmbito de teorias pecificamente Beardsley, Osborne, Goodman e
pertencentes ao campo da arte-educação, Kaelin, Smith mostra que a experiência estéti-
e a segunda, discutindo tal conceito a partir ca seria valiosa por quatro motivos, respectiva-
da obra de Adorno. Nesta segunda parte do mente defendidos por aqueles: pela qualidade
trabalho, o foco será explicitar a importância da gratificação que ela provoca, por estimular
que a experiência estética adquire no contex- uma percepção direta intrinsicamente valiosa,
to da crítica à racionalidade instrumental, os por sua contribuição a novas perspectivas ou
elementos que a constituem e, finalmente, compreensões do mundo e do eu e por asse-
destacar sua dimensão formativa. gurar o livre funcionamento da instituição da
arte (Cf. SMITH, 2006, p. 19).
Algumas considerações sobre Segundo Parsons, ainda que Smith de-
a experiência estética no contexto fenda que a experiência estética tenha tais
da arte-educação consequências desejáveis na vida de um indiví-
Em seu artigo Aesthetic experience and duo, não são elas que justificam a necessidade
the construction of meanings, Michael Parsons da arte-educação, mas sim o valor intrínseco
(2002) irá discutir, a partir de uma análise das que aquela apresenta. Smith partilharia a
ideias defendidas por Ralph Smith, posições ideia, também defendida por outros teóricos,
pertencentes a um debate dentro do cam- de que a experiência estética está relacionada
po do ensino de artes e do currículo que, ou à apreensão de determinadas qualidades do
parecem estar inclinadas a uma defesa mais objeto artístico. Assim, quanto mais complexo
“estética” do ensino ou, por outro lado, estão ele for, mais complexa, igualmente, será a ex-
voltadas para a compreensão do significado periência que se tem dele e, portanto, ela será
das obras de arte. A posição de Smith, como 1
“A disposition to appreciate excellence in art,
adverte o autor, pode ser considerada polê- where excellence in art implies the capacity of
mica, pois, ao mesmo tempo em que pode ser works of art at their best to intensify and enlarge
bem-vinda entre aqueles que defendem o en- the scope of human awareness”.

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mais valiosa. Nesse sentido, o autor se com- Observa-se, assim, que a posição de Smi-
prometeria com a defesa de que há obras de th em relação à experiência estética coloca a
arte superiores, as quais possibilitam aos indi- exigência de uma educação que considere a
víduos uma experiência estética efetiva. Esta, história da arte, o conhecimento do desenvol-
na medida em que envolve o conhecimento de vimento de estilos, ou seja, uma relação de
propriedades das obras, pode ser considerada familiaridade com a tradição na qual a obra
cognitiva. Como consequência, para que se se insere. Por isso, apreender as qualidades
possa “ensinar” alguém a ter uma experiência das obras torna-se um ato de cognição, o que
estética, torna-se necessária a relação direta pode permitir, inclusive, uma modificação em
com as obras de arte. Como afirma Parsons, nossas experiências futuras.
“dada essa perspectiva, é obviamente impor- A posição de Smith contrasta com outra
tante que os alunos tenham uma experiência discutida por Parsons, a saber, a de que a ex-
estética direta das obras de arte, ao contrário periência estética estaria mais relacionada à
de simplesmente falar ou refletir sobre elas” interpretação de significados do que à percep-
(PARSONS, 2002, p. 26, tradução nossa).2 ção de qualidades da obra. Isso faria com que
Parsons destaca um aspecto importante o sujeito tivesse uma atitude mais construtiva
em relação à posição de Smith: embora possa- em relação às obras, pois o significado emer-
mos ter uma experiência estética de qualquer girá por meio da interação que se estabelece
objeto, seja ele natural ou não, as obras de arte com elas. Como Parsons destaca, “o signifi-
proporcionariam o mais alto grau de tal expe- cado, por isso, depende, em parte, do sujeito
riência, uma vez que são produzidas com essa em particular e/ou da sua cultura. Ele não é,
finalidade. Ser capaz de experimentar as obras portanto, universal, o mesmo para cada sujei-
de arte nesse grau elevado de intensidade e to” (PARSONS, 2002, p. 30, tradução nossa).4
complexidade, ainda que seja algo possível a A ideia de que a experiência estética possa ser
todas as pessoas, não está dado naturalmente. explicada em termos de interpretação requer
É preciso que as pessoas sejam educadas para que conexões sejam feitas, que o significado
essa experiência. E, considerando o valor in- possa ser discutido, explicado a partir de rela-
trínseco que ela possui na vida humana, todos ções estabelecidas entre a obra e outras obras,
deveriam ter acesso a ela, algo que afasta Smi- ou entre as obras e ideias, por exemplo.
th de uma posição elitista. A arte-educação, Consequentemente, essa posição assu-
contudo, não produz uma experiência estética, me que a experiência estética envolve uma
apenas promove o desenvolvimento de uma mediação discursiva, e não simplesmente
capacidade de apreensão das qualidades das uma apreensão imediata, algo que também
obras que, aí, sim, possibilitarão ao indivíduo pode ser ensinado e aprendido. Ela contrasta,
realizar aquela experiência. Como afirma Par- à primeira vista, com a perspectiva de que as
sons, a arte-educação “somente pode desen- qualidades estéticas devem ser experiencia-
volver a habilidade para se ter tal experiência. das diretamente, que não variam de acordo
Esta habilidade consiste em uma disposição e com o sujeito que as percebe ou que não po-
em alguns tipos particulares de conhecimen- dem ser aprendidas nem ensinadas.
to, hábitos e valores, aos quais, juntos, Ralph Parsons defenderá uma aproximação
chama de ‘aesthetic percipience’” (PARSONS, entre as duas posições, baseando-se, por
2002, p. 28, tradução nossa).3 exemplo, na ideia de que ambas defendem
2
“Given this view, it is obviously important that que o conhecimento da história da arte pode
students have direct aesthetic experience of artworks, afetar o modo pelo qual a obra é percebida.
as opposed to only talking or reasoning about them”. Quanto mais se conhece os detalhes sobre
3
“It can only develop the ability to have such
o desenvolvimento da arte, mais aprofunda-
experience. This ability consists in a disposition and
some particular kinds of knowledge, habits, and 4
“Meaning therefore depends in part on the particular
values, to all of which together Ralph calls ‘aesthetic viewer and/or the culture of the viewer. Hence it is not
percipience’”. universal, the same for every viewer”.

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da torna-se a apreensão das qualidades das nossos objetivos, podemos escolher qual se
obras. Não só o conhecimento de história da apresenta como mais apropriada. A opção,
arte pode se fazer necessário, mas também entretanto, não seria teórica nem ideológica,
de contextos sociais e políticos, sem os quais apenas feita de modo conveniente.
a percepção estética das obras seria restrita. Parsons assume que há, contudo, di-
Nesses casos, observa-se, como defende Par- ferenças teóricas com implicações para a
sons, que os significados são construídos a prática educativa. Uma delas consiste em
partir de determinados contextos culturais. que, ao adotar-se a visão de que a experi-
Além disso, a aproximação entre as ência estética está relacionada à percepção
duas posições pode ser feita levando-se em de qualidades estéticas da obra, se compro-
consideração que, assim como na perspectiva mete com uma posição “objetiva”. De acor-
sustentada por Smith há qualidades estéticas do com ela, há uma resposta correta, pois,
intensas que devem ser apreendidas pela per- se bem preparado e educado, um indivíduo
cepção, na concepção interpretativa se assu- pode reconhecer as qualidades existentes
miria que há significados mais complexos do na obra. Já a perspectiva hermenêutica está
que aquilo que se pode dizer com as palavras, mais inclinada a identificar na relação do indi-
as quais são apenas uma indicação discursiva víduo com a obra a possibilidade de construir
de algo não discursivo exibido pela obra. Con- significados. Assim, uma vez que os significa-
tudo, sem elas, tampouco se constroem as dos não estão dados na obra, mas na relação
conexões que nos fazem reconhecer um sen- dela com um sujeito, eles não poderão ser os
tido na obra (PARSONS, 2002, p. 32). mesmos para todas as pessoas. Como afirma
O autor procura mostrar, assim, “que os Parsons, “isso permite múltiplas leituras de
significados têm qualidades estéticas e que uma obra e nenhum modo razoável de dizer
estas possuem um significado” (PARSONS, que uma é melhor que a outra” (PARSONS,
2002, p. 32). Falar de uma ou outra perspec- 2002, p. 34, tradução nossa).5 Tais leituras
tiva, segundo o autor, dependerá dos objeti- podem variar, não apenas de pessoa para
vos que se tem em mente: se pensarmos no pessoa, mas de acordo com a época em que
resultado desejado pelo educador, falaremos ocorrem. Parsons, porém, não subscreve
em termos de qualidades estéticas ou de ex- um relativismo que poderia derivar dessa
periência estéticas, mas, se estivermos inte- posição, pois uma interpretação pode ser
ressados nas atividades mentais presentes melhor do que outra, no sentido das razões
na construção de respostas apropriadas às que são oferecidas para sustentá-la, o que
obras, empregaremos a noção de constru- não impede a existência de diferentes e ra-
ção de significados (PARSONS, 2002, p. 33). zoáveis interpretações ou mesmo o fato de
Ou dependerá, também, do tipo de obra de que uma obra seja ambígua.
arte em questão, pois para algumas faz mais A segunda diferença teórica que o autor
sentido a apreensão de qualidades estéticas, aponta consiste na influência que determina-
enquanto outras requerem uma interpreta- dos contextos exercem sobre as respostas às
ção no sentido de construir relações entre obras. Para a posição de Smith, por exemplo,
elas e determinados contextos. De acordo ela significaria que a apreensão depende de
com Parsons, portanto, a relação com a obra certo conhecimento, de valores ou expectati-
de arte pode ser tanto de percepção direta de vas que o indivíduo possui, mas o autor esta-
certas qualidades como de uma construção ria considerando tais elementos no contexto
discursiva de significados. Apesar de existir do mundo da arte. Assim, a educação seria um
uma divisão entre as posições nos debates modo de fazer com que esses elementos fos-
da área, o autor procura mostrar que ambas
5 “This allows for multiple readings of one work and
as perspectivas partilham certos elementos no reasonable way of saying that one is better than
e que, então, dependendo do contexto e dos the other”.

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sem construídos segundo os valores próprios A importância da experiência estética
da tradição artística, o que exige o contato A experiência estética ocupa um lugar
direto com as obras de arte. Já a perspectiva privilegiado na teoria de Adorno, isso por-
hermenêutica reconheceria a força da cultura que ela se revela como um âmbito capaz de
visual na qual as pessoas estão inseridas e que desvincular-se da lógica da racionalidade ins-
direciona a atenção para determinados obje- trumental. Desse modo, é só no contexto da
tos, o que exige do educador uma atitude crí- crítica que Adorno desenvolve, juntamente
tica para entender e lidar com essa influência. com Horkheimer, na Dialética do esclarecimen-
Nesse sentido, trabalhar exclusivamente com to (ADORNO; HORHEIMER, 1985), que se pode
obras de arte na sala de aula, em um contex- compreender o modo pelo qual a experiência
to em que outras manifestações artísticas são estética torna-se tão decisiva para o sujeito na
muito mais presentes na vida dos estudantes, modernidade. Se, como defendem os autores,
não seria um método tão adequado. a vida passou a ser dominada e administrada
Ao longo desse breve comentário sobre por uma forma de pensar estritamente instru-
a posição de Parsons e sua crítica à concep- mental, a qual perde de vista as finalidades da
ção de Smith, podemos observar alguns dos própria vida humana, se, inclusive a esfera cul-
principais elementos envolvidos na discussão tural transformou-se em um fenômeno em que
sobre a noção de experiência estética. Elas predomina o caráter econômico e não o artís-
consistem, basicamente, em certa justificação tico, como possibilitar ao sujeito uma espécie
da importância dessa experiência, de sua qua- de fuga dessa dominação constante, um espa-
lidade cognitiva e objetiva, do modo como ela ço no qual ele possa resistir a ela? A resposta
se torna possível para o sujeito e da maneira de Adorno aponta, como uma das alternativas
como pode ser ensinada. Após termos anali- possíveis, para a experiência com as obras de
sado como tais questões são tratadas em um arte autênticas, aquelas que preservam sua au-
debate ligado ao campo da arte-educação, tonomia, que se guiam pelas regras da própria
passaremos a tratar da teoria estética defen- composição e não se sujeitam a funções ou de-
dida por Adorno, procurando abordar os ele- terminações externas. A experiência estética,
mentos acima indicados. Veremos que a posi- portanto, seria uma das possibilidades encon-
ção defendida pelo filósofo não se identifica tradas pelo sujeito para encontrar refúgio em
de forma completa com as abordagens discu- uma sociedade que funciona a partir de uma
tidas até este momento, ainda que mantenha lógica de dominação.
pontos em comum. Podemos aqui indicar, de forma mais pon-
tual, quais são os elementos que permitem a
A experiência estética na teoria de Adorno defender essa ideia. Em primeiro lugar,
Theodor W. Adorno a arte representa para o autor a possibilidade
Nesta seção, buscaremos dar continui- de expressão do não idêntico (ADORNO, 2008,
dade, agora no contexto da obra de Adorno, p. 206). Ela contém os impulsos miméticos que
à discussão sobre os aspectos envolvidos na foram reprimidos ao longo do processo de es-
experiência estética. Para isso, levaremos em clarecimento. Como afirma Adorno em uma de
consideração tanto a sua obra Teoria estética suas aulas: “el arte es una conducta mimética
quanto suas aulas sobre Estética, proferidas que está establecida, que está conservada, en
nos anos de 1958 e 1959, na J. W. Goethe Uni- una época de racionalidad” (ADORNO, 2013,
versität, em Frankfurt am Main. Procuraremos p. 139). Ela tem a capacidade, não somente de
organizar a exposição tratando dos aspectos contrapor-se a uma atitude racional e lógica,
já abordados na seção anterior, de modo características da ratio, mas também de confe-
que possamos entender as peculiaridades da rir à natureza reprimida um lugar, de dar voz
posição de Adorno. àquilo que foi silenciado pelo predomínio da
razão. Por isso, a arte, por meio de seus impul-

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sos miméticos, dissolve as barreiras existentes lações, ela oferece ao sujeito uma dimensão
entre sujeito e objeto: de liberdade. Com sua mera existência, a arte
permite-nos, como afirma Adorno, “dispen-
el arte, por cierto, es imitación, sarnos de la omnipotencia de, precisamente,
pero no imitación de un objecto, ese principio de realidad, por lo tanto, dispen-
sino un intento de reproducir a tra- sarnos de la omnipotencia del mecanismo de
vés de su gestualidad y de toda su una autoconservación a expensas de todo
conducta un estado en el que no aquello que, fuera de ella, hay en el mundo”
existía la diferencia entre sujeto y (ADORNO, 2013, p. 159).
objecto, en el que dominaba, por el Na medida em que a arte recusa a do-
contrario, la relación de semejanza minação própria da racionalidade instrumen-
– y, junto con ella, la relación de tal, transforma-se em uma espécie de reduto
afinidad – entre ambos, en lugar de para a natureza oprimida. Contudo, ela o faz
esa separación antitética que hoy de forma dialética, pois, para que se dirija a
existe entre los dos momentos. essa imagem de liberdade, também necessita
(ADORNO, 2013, p. 142). exercer uma dominação sobre os materiais.
Adorno expressará essa tensão ao mostrar
Nessa passagem, fica claro como Ador- que a arte só serve de voz à natureza oprimi-
no identifica na arte um potencial para esta- da quando pode se liberar da heteronomia da
belecer uma relação diferenciada entre sujei- natureza (ADORNO, 2013, p. 16). Essa tensão,
to e objeto. Uma experiência estética genuína portanto, constitui-a: a arte, ao dominar a na-
contrapõe-se, nesse sentido, às relações que tureza, transforma-a em possibilidade de ex-
se produzem no contexto da indústria cul- pressão.
tural, uma vez que os produtos culturais aí Se relembrarmos a seção anterior, po-
presentes mostram-se como reprodução, jus- demos perceber, até o momento, pelo me-
tamente, da dominação característica da so- nos uma diferença bem específica no que diz
ciedade. A experiência estética, ao contrário, respeito ao valor atribuído à arte nas teorias
recusa-se a compartilhar os fins imediatos da apresentadas no contexto da arte-educação
vida, proporcionando ao sujeito um momento e a de Adorno. Ela consiste no fato de que,
de participação em algo que os ultrapassa. Ela para este, há um aspecto formativo de cará-
traz a recordação da natureza oprimida pelo ter crítico em relação à sociedade. A partir do
processo progressivo de racionalização, ten- diagnóstico feito por Adorno em relação aos
tando fazer-lhe justiça. Adorno a reconhece mecanismos de repressão que se fortalece-
como “la esfera en que se ocultan y vuelven a ram ao longo do processo de racionalização, a
conservarse esas formas de comportamiento arte surge como espaço de liberdade por per-
que, precisamente, han sido destruidas en no- mitir uma relação entre sujeito e objeto que
sotros” (ADORNO, 2013, p. 158). não seja, justamente, de dominação.
Assim, em uma sociedade que se cons- Além disso, as obras de arte, ao alcan-
titui sobre a dominação, tanto da natureza çarem sua autonomia, desvinculam-se das
externa quanto interna, em que o sujeito aca- finalidades práticas características de uma ra-
ba tendo que se ajustar constantemente para cionalidade instrumental, desenvolvendo-se
nela poder viver, fazendo renúncias que sig- exclusivamente a partir de suas necessidades
nificam seu próprio enfraquecimento, a arte internas. Com isso, ela conquista a possibilida-
apresenta-se como modelo para uma forma de de ser expressiva, de apresentar um teor
de comportamento alternativo. Ela não “ser- de verdade escondido sob a aparência de
ve” ao sujeito como meio para alcançar ob- enigma, o qual provoca o sujeito a interpretá-
jetivos, nem realizar finalidades práticas. Ao -la, e, nesse momento, surge a necessidade da
elevar-se ao mundo empírico e às suas regu- reflexão sobre ela. Mas não é o caso de a obra

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permitir algo como novas concepções de obra. A experiência estética, para Adorno, não
mundo ou de nos dizer algo de forma imedia- pode ser nem imediata nem intuitiva:
ta. O conteúdo da obra está presente em sua
forma e, para alcançá-lo, faz-se necessária a a sua estrutura interna, que obede-
crítica. Nesse sentido é que Adorno aproxima ce sempre a uma lógica imanente,
a experiência estética de uma experiência fi- o que elas se tornaram em si, não é
losófica, pois a arte, segundo ele, tem que ser atingido pela pura intuição; e o que
pensada (ADORNO, 2008, p. 156). A reflexão nelas se apreende intuitivamente
não será um momento para além da experiên- é mediatizado pela sua estrutura;
cia estética, exterior a ela, mas, sim, constitu- contrariamente a esta, o seu carác-
tivo, sem o qual o sujeito ficaria restrito a uma ter intuitivo é inessencial e toda a
mera imediatidade, incapaz de apreender o experiência das obras de arte deve
teor de verdade que a obra esconde em sua ultrapassar o seu elemento intuiti-
forma. Para esclarecer essas afirmações, pas- vo. (ADORNO, 2008, p. 156).
saremos ao próximo ponto deste trabalho.
Adorno defende a necessidade de um
Elementos da experiência estética conhecimento técnico, da tradição, de tudo
Nesta seção, não pretendemos oferecer aquilo que possa contribuir com a reflexão so-
uma explicação em termos psicológicos de bre a forma da obra de arte, sobre a articula-
como uma experiência estética pode ocorrer ção entre seus momentos particulares com o
em um indivíduo. O objetivo é apontar para todo. Tais conhecimentos permitirão ao sujeito
elementos envolvidos nessa experiência que buscar o teor de verdade que se esconde no
nos permitem compreendê-la como um mo- caráter enigmático da obra. Assim, o primeiro
mento singular. Na obra de Adorno, podemos contato com uma obra de arte, que poderia
encontrar alguns aspectos que a caracteri- ser entendido como mais primário, dada sua
zam, os quais serão comentados a seguir. dimensão sensível, imediata, é apenas um mo-
Em primeiro lugar, podemos destacar mento da experiência estética. Entretanto, ela
o aspecto cognitivo da experiência estética. somente se torna completa quando acrescida
Adorno irá defender a ideia de que as obras da reflexão, da crítica e interpretação:
de arte, a partir da articulação entre os mo-
mentos de construção e expressão, apresen- sólo a través del comentario y la crí-
tam um teor de verdade que pode ser alcan- tica, por lo tanto, sólo a través de la
çado pelo sujeito. Assim, há uma objetividade reflexión que la obra de arte pone
presente nela que pode ser apreendida e que, en juego de acuerdo con su propia
no contexto da sociedade descrita por Ador- lógica, es verdaderamente posible
no, permitiria ao sujeito alcançar um momen- la experiencia completa de la obra
to de verdade sobre a própria realidade. de arte, y sólo a través de estos mo-
Como foi destacado anteriormente, a mentos la obra de arte regresa a sí
arte eleva-se ao mundo empírico, porém de misma o [también, sólo] a través de
uma forma dialética, pois conserva-o na medi- estos momentos pueden concebir
da em que se constitui a partir da técnica, do ustedes verdaderamente la obra de
domínio do material, da própria criação artísti- arte. (ADORNO, 2013, p. 353).
ca, algo que lhe confere uma relação de media-
ção com a sociedade. Por meio dessa domina- Recorrendo às considerações sobre a
ção do material, a obra de arte pode alcançar experiência estética no campo da arte-educa-
expressão e conter um teor de verdade que se ção, podemos perceber que há também uma
esconde sob seu aspecto enigmático. Para al- defesa, bastante forte na posição de Smith,
cançá-lo, não basta um simples contato com a de que é suficiente um conhecimento técnico

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para apreender as qualidades objetivas das lecem relações e constroem significados. Pa-
obras de arte e, consequentemente, haver rece bastante claro que Adorno concordaria
uma experiência estética. É esse conhecimen- com o argumento, uma vez que o modo pelo
to que deverá ser ensinado por meio do con- qual nos relacionamos com uma obra de arte
tato direto com as obras de arte. Adorno, tal será, também para ele, mediado. A possibili-
como nos parece, partilha algo dessa posição, dade da crítica está condicionada ao aparato
pois o conhecimento do desenvolvimento do técnico e teórico que dispomos e que permi-
material, dos estilos etc., é fundamental para tirá alcançarmos, ou não, o teor de verdade
decifrar a forma da obra de arte. O conheci- das obras de arte. Ainda que haja a defesa
mento técnico, porém, é condição para outro da objetividade das obras, isso não levará a
momento constituinte da experiência esté- uma interpretação única delas, pois seu teor
tica, que é a reflexão, a qual leva o sujeito a de verdade estará resguardado pelo caráter
apreender o movimento imanente da obra, a enigmático, que nunca será dissolvido.
interpretá-la na tentativa de alcançar seu teor Desse modo, para alcançar o teor de
de verdade. Assim, afirma Adorno,“sólo pue- verdade das obras, é necessário estar imerso
den experimentar completamente las obras na tradição que a torna viva, acompanhar o
de arte – si debo decirlo de una vez de ma- desenvolvimento histórico das formas artís-
nera extrema – cuando no sólo las contem- ticas aos quais as obras respondem pela do-
plan, sino cuando siempre piensan con ellas minação sempre crescente do material, mas,
a par” (ADORNO, 2013, p. 349), o que torna também, incorporando em sua estrutura um
a experiência estética também uma experi- momento de negação. Por isso que interpre-
ência espiritual. Ela não se reduz a uma mera tar a forma da obra de arte será trazer à luz
percepção de qualidades estéticas objetivas, conteúdos históricos e objetivos que nela se
exigindo o conceito para que a obra seja, tam- encontram sedimentados. Esse caráter enig-
bém, pensada. Na Teoria estética, de modo mático da obra, o qual se liga à sua qualida-
enfático, Adorno diz: “a genuína experiência de mimética, permite que as obras de arte
estética deve tornar-se filosofia ou, então não neguem as categorias produzidas socialmen-
existe” (ADORNO, 2008, p. 202). Embora haja te dentro da lógica da racionalidade instru-
uma afinidade entre a posição de Adorno e a mental, mas utilizando também elementos
desenvolvida por Smith, parece que o primei- racionais. Como mostrará Paddison, “o que
ro não compartilharia as conclusões a que o constitui a verdade e a qualidade da obra
segundo chega, a saber, de que há um modo ‘autêntica’, para Adorno, é o grau em que ela
único de se compreender a obra, dado o ca- retém essa contradição irreconciliada dentro
ráter objetivo da percepção das qualidades de sua estrutura e a confronta” (PADDISON,
estéticas das obras de arte. 1987, p. 366, tradução nossa).6
Ao introduzir o elemento da reflexão, a
posição de Adorno parece estar mais próxima A experiência estética e sua
daquela discutida por Parsons, qual seja, que dimensão formativa
concebe a experiência estética como uma É pela defesa de que a arte autêntica
interpretação de significados. Aqui se torna apresenta um momento de negação em sua
relevante, por exemplo, a importância dos forma que Adorno identificará um potencial
contextos culturais onde se encontram os crítico e utópico nela presente. Ao se recusar
indivíduos para sua capacidade de interpreta- a fazer parte do mundo empírico, ao fazer uso
ção, o que contrasta com aquela posição de de uma organização racional que se entrelaça
Smith. Além disso, Parsons mostra como, se-
gundo tal concepção, não se pode identificar
6
“What constitutes the truth and quality of ‘authentic’
art for Adorno is the extent to which it retains this
uma única leitura possível da obra, já que elas contradiction unreconciled within its structure and
dependerão dos sujeitos que com ela estabe- confronts it”.

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com momentos miméticos, as obras portam a contemplativa. Aquele que entra em uma
imagem de algo que pode acontecer, de uma relação apropriada com as obras de arte
relação entre sujeito e objeto que ainda não experimenta um momento de dissolução do eu,
se deu socialmente, mas que nela já é possível. mas que, contrariamente ao enfraquecimento
Apontam, também, para a falsidade presente real que ocorre no contexto da indústria
na realidade, para a felicidade e reconciliação cultural, fortalece o sujeito. O motivo é que ele
que são negadas socialmente. São, por isso, entrará em uma relação sensível com o objeto,
críticas, e contribuem para a formação da cons- mas irá para além dessa imediatidade, com-
ciência do sujeito ou, nas palavras de Adorno: pletando a experiência em termos espirituais,
como explicitado anteriormente. Nas aulas so-
pela afronta às necessidades domi- bre estética, Adorno explica:
nantes, pela mudança de iluminação
do que é familiar, a que tendem, as en tanto el arte exige al receptor
obras de arte correspondem à ne- una síntesis o una realización [Voll-
cessidade objectiva de uma transfor- zug] como ésa, la síntesis no puede
mação da consciência que poderia ser algo contemplativo meramente
mudar-se em modificação da realida- pasiva, es decir, ese ideal del arte
de. (ADORNO, 2008, p. 366). que casi toda la estética nos exige,
es – si puedo decirlo de una vez de
É esse elemento de formação de manera muy rotunda – verdadera-
consciência, comprometida com a superação mente ajena al arte; ella lleva a que
da injustiça existente na sociedade, que torna simplemente nos abandonemos a
peculiar a posição de Adorno. Assim, por mais los impulsos particulares que las
que possamos reconhecer afinidades com obras de arte nos transmiten. Pero
outras perspectivas, observamos o quanto o en cuanto nos abandonamos a es-
elemento crítico presente na teoria acaba por tos impulsos, sin que pongamos en
ser-lhe fundante. Isso pode ser observado no circulación ese esfuerzo del con-
modo como Adorno nega que o gosto possa cepto o ese trabajo de la síntesis
ser critério para julgar uma obra de arte. Dife- que está puesto en la cosa misma,
rentemente de outras teorias estéticas, como perdemos precisamente la obra de
a que o próprio Smith parece compartilhar ao arte. La reducimos a eso meramen-
defender que a arte é valiosa por causar cer- te material, a eso meramente sen-
ta gratificação, Adorno enfatiza que, em uma sual, que intenté mostrarles que no
sociedade reificada como a nossa, as obras de es precisamente el contenido esté-
arte devem, antes, provocar uma sensação tico. (ADORNO, 2013, p. 488).
incômoda no sujeito do que acomodá-lo à re-
alidade. O motivo é que as obras de arte que Desse modo, ocorre uma entrega à obra
afirmam a realidade acabam por subscrever a de arte, mas que não pode ser tomada em
dominação que nela está presente. Uma obra termos literais, como se fosse suficiente parar
de arte autêntica, ao contrário, trará as contra- em frente a ela e esperar que algo aconteces-
dições para si, por meio de sua forma, causan- se para apreendermos seu teor de verdade.
do no sujeito um estremecimento perante as A postura do sujeito pode ser compreendida
imagens que apresenta e levando-o a refletir. como uma forma de contemplação, no senti-
Um último aspecto que gostaríamos do de que a obra de arte não se torna um ob-
de discutir nesta seção diz respeito à posi- jeto de dominação, mas isso não significa que
ção do sujeito diante da obra. Adorno é en- ela seja passiva. Como mostrado anteriormen-
fático ao defender que, diante das obras, te, as obras de arte autênticas exigirão do su-
não se deve adotar uma postura meramente jeito a reflexão e a crítica para que seu teor de

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verdade seja apreendido, algo que não ocorre atividade de interação com as obras. De acor-
de forma espontânea ou intuitiva, mas, sim, do com essa posição, a intepretação pode ser
a partir de um momento de concentração, diferente para cada sujeito, uma vez que os
de um exercício cognitivo, pois, como afirma significados emergem a partir de contextos
Adorno, “experimentar el arte significa tanto sociais ou culturais específicos. A experiência
como conocerlo” (ADORNO, 2013, p. 489). estética, nesse caso, não se dá por uma apre-
É nesse sentido que se pode ensão direta de propriedades das obras, mas
compreender como a arte torna-se um campo requer a mediação discursiva para que inter-
privilegiado para um conhecimento e crítica pretações possam ser oferecidas.
da realidade, pois se desvincula da racionali- Parsons procura mostrar que essas posi-
dade instrumental, proporcionando ao sujei- ções não estão em uma relação de oposição,
to uma experiência alternativa com o objeto, pois, dependendo dos objetivos e também do
que já não passa pelos moldes da dominação, tipo de obra em questão, elas podem manter
sendo, assim, uma experiência de liberdade. pontos de contato. Muitas vezes, compre-
Além disso, as imagens que as obras de arte ender o significado de uma obra exige um
autênticas exibem - a partir das mediações processo de reconhecimento de vários ele-
que estão presentes em sua própria estrutu- mentos que nela estão colocados e isso se
ra - são modelos de uma reconciliação ainda aproximaria da ideia de experienciar a obra
não possível socialmente, mas que aparecem no sentido de perceber qualidades estéticas.
como promessa para o sujeito. Se estivermos preocupados com os resulta-
dos alcançados pelo educador em arte, em-
Considerações finais pregaremos o termo “experiência estética”,
Ao longo do trabalho, procuramos mas, se quisermos destacar as atividades
examinar algumas concepções relativas ao mentais que ocorrem em resposta às obras,
conceito de experiência estética no campo falaremos em “construção de significados”.
da arte-educação para poder, a partir delas, Parsons aponta para o fato de que, apesar
compreender a peculiaridade da posição de- da ênfase distinta com que cada perspectiva
fendida por Adorno. Os principais elementos refere-se à relação do sujeito com as obras
abordados dizem respeito à concepção do de arte, ambas assumem que a experiência
que seja a experiência estética, das suas quali- estética é influenciada por um certo conheci-
dades, do modo como ela ocorre e sua impor- mento anterior que permitirá a apreensão das
tância para o sujeito. Vimos que Parsons de- qualidades da obra ou sua interpretação.
fende uma aproximação entre duas posições Ainda que as teses sustentadas por
que, à primeira vista, se contrapõem. Uma Adorno possuam afinidades com as outras
delas é sustentada por Smith, que entende a perspectivas, como se tentou mostrar, pos-
experiência estética em termos de apreensão suem uma qualidade singular, na medida em
de qualidades objetivas. Quanto mais comple- que consideram a arte um espaço de não do-
xa for a obra, mais complexa, também, será a minação. O filósofo compartilha da ideia de
experiência que dela se tem, o que contribui- que a experiência envolve um momento de
ria para um aperfeiçoamento das virtudes do cognição e exige do sujeito um conhecimento
próprio sujeito. Dado o caráter objetivo da ex- da tradição e de todos os elementos que po-
periência estética, ela poderia ser aprendida dem proporcionar-lhe a apreensão do teor de
mediante um processo que procurasse desen- verdade das obras, o qual necessita ser bus-
volver no sujeito a habilidade para a percep- cado na forma artística. Desse modo, ainda
ção das propriedades das obras de arte. que a experiência envolva um momento de
Outra posição é aquela que compreende percepção da obra, vai além e exige a crítica
a experiência estética como uma construção e interpretação, quando, então, se completa-
de significados, o que exigiria do sujeito uma rá. A experiência estética, assim, não contém

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apenas uma dimensão sensível, mas transfor- como possibilidade utópica, ainda que negati-
ma-se em uma experiência espiritual. vamente, porque ela não é capaz de efetivar
O que diferencia, de forma bastante tal transformação. Contudo, ao apresentar a
pontual, a posição de Adorno, é o modo como imagem do que ainda não existe na realidade,
ele situa a experiência estética no contexto permite ao sujeito uma experiência que foge
da crítica à racionalidade instrumental: em aos limites impostos pela racionalidade instru-
uma sociedade marcada pela dominação e mental, uma experiência de negação da domi-
pela alienação progressiva das finalidades da nação, de crítica à sociedade e de liberdade,
vida humana, pela administração da vida em trazendo consigo a promessa de que uma so-
suas mais variadas instâncias, a arte revela-se ciedade reconciliada possa um dia existir.

Referências

ADORNO, T. W. Teoria estética. Tradução de Artur Morão. Lisboa: Edições 70, 2008.
ADORNO, T. W. Estética (1958/59). Tradução de Silvia Schwarzböck. Buenos Aires: Las cuarenta,
2013.
ADORNO, T. W.; HORKHEIMER, M. Dialética do esclarecimento: fragmentos filosóficos. Tradu-
ção de Guido A. de Almeida. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1985.
PADDISON, M. Adorno’s “Aesthetic Theory”. Music Analysis, v. 6, n. 3, p. 355-377, out. 1987.
PARSONS, M. Aesthetic experience and the construction of meanings. Journal of Aesthetic
Education, v. 36, n. 2, p. 24-37, Summer 2002. Disponível em: <http://www.jstor.org/sta-
ble/3333755>. Acesso em: 13 fev. 2014.
SMITH, R. A. Culture and the arts in education. Critical Essays on Shaping Human Experience.
New York: Teachers College, 2006.

Dados autorais:

Franciele Bete Petry:


Graduada em Filosofia pela Universidade Federal de Santa Catarina (2004),
mestrado em Filosofia (2007) e em Educação (2007), doutorado em Educação (2011)
e em Filosofia (2011) pela mesma instituição. É professora adjunta do Departamento
de Estudos Especializados em Educação (UFSC).

Recebido: 25/02/2015
Aprovado: 19/05/2015

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