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endodontia: tratamento de canais radiculares – princípios técnicos e biológicos

DEFINIÇÃO regularidade, por possuir saliências, reentrâncias


e fendas, conseqüentes da deposição de dentina
A Endodontia é a ciência e arte que en- reacional ou secundária.
volve a etiologia, a prevenção, o diagnóstico Topograficamente, essa cavidade é dividida em
e o tratamento das alterações patológicas duas porções.
da polpa dentária e de suas repercussões
na região periapical e conseqüentemente no PORÇÃO CORONÁRIA OU CÂMARA PUL-
organismo. Resumidamente, essa especialidade PAR - onde se aloja a polpa coronária, apresen-
cuida da prevenção e do tratamento do endodonto tando as seguintes partes:
e da região apical e periapical.
O endodonto é representado pela dentina, • Parede oclusal, incisal ou teto - é a porção
cavidade pulpar e polpa, enquanto a região apical de dentina que limita a câmara pulpar em di-
e periapical é constituída pelos tecidos de susten- reção oclusal ou incisal. Essa parede apresenta
tação do dente, que incluem e contornam o ápice saliências e reentrâncias que correspondem
radicular e que são: aos sulcos e ao lóbulos de desenvolvimento
(dentes anteriores) e às cúspides (pré-molares
e molares).
• limite CDC;
• canal cementário;
• coto pulpar;
• cemento;
• forame;
• membrana (espaço) periodontal;
• parede e osso alveolar.

Jusficamos tal definição, mesmo embriologi-


camente, pois dentina e polpa têm sua origem no
folículo dental, enquanto o cemento e o espaço
periodontal se diferenciam a partir do saco embrio-
nário (dental), em torno dos quais se desenvolvem
a parede e o osso alveolar.
Assim sendo, dentina e polpa são considera-
das como aspectos diferentes de um mesmo tecido
que mantêm entre si íntima relação histológica,
fisiológica, histopatológica e fisiopatológica, carac-
terizando o chamado complexo polpa-dentina (Tem
Cate106) (Fig. 1.1).
Esse conceito é novidade para um profissional
formado há mais de 20 anos, e que não procurou
se atualizar, sendo porém bastante corriqueiro para
um cirurgião-dentista atualizado cientificamente
e que acompanha os novos estudos e as novas
pesquisas, sabedor, portanto, de que o piso de
uma cavidade dentinária é um “assoalho de células
vivas”.
A cavidade pulpar (Fig. 1.2) é o espaço
presente internamente no dente, limitado em toda
Fig. 1.1
sua extensão por dentina, exceto ao nível do fora-
Complexo dentina-polpa (A) dentina, (B) pré-dentina, (C)
me ou forames apicais. Tem a forma aproximada camada odontoblástica, (D) camada sub-odontoblástica,
do exterior do dente, não apresentando a mesma (E) polpa.
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capítulo 1 ENDODONTIA: Considerações Iniciais – Definição – Importância

• Parede cervical ou assoalho - é a parede com seu maior diâmetro voltado para a câmara
dentinária oposta e mais ou menos paralela à pulpar e o menor para apical, ao nível da união
parede oclusal. Apresenta uma superfície conve- cemento-dentina-canal (CDC), constituindo o ca-
xa, lisa e polida na parte média, com depressões nal dentinário. A outra conformação, apresenta
nos pontos que correspondem às entradas dos geralmente o seu diâmetro menor também voltado
canais radiculares. para a união CDC e o maior voltado para a região
• Paredes mesial, distal, vestibular e lingual periapical, constituindo o canal cementário.
- são as porções de dentina da câmara pulpar Essa divisão é de grande importância bioló-
correspondentes às faces da coroa dentária. gica, pois de acordo com os trabalhos realizados
por Grove39, em 1931, por Ostby74, Fisher34 e, mais
PORÇÃO RADICULAR OU CANAL recentemente, por Kuttler55, existe uma diferença
RADICULAR9,69 - que aloja a polpa radicular. histológica entre os tecidos do canal dentinário
Didaticamente, o canal radicular apresenta-se e do canal cementário.
dividido em três terços: apical, médio e cervical, O primeiro é constituído por um tecido conjun-
enquanto biologicamente são distinguidos duas tivo mucoso, tipo embrionário e rico em dentino-
conformações: blastos, enquanto no canal cementário encontramos
um tecido conjuntivo maduro sem dentinoblastos e
a. canal dentinário; já pertencente à região periapical sendo entretanto,
b. canal cementário. diretamente relacionado com o anterior.
O canal dentinário, onde se localiza a pol-
Ao observarmos macroscopicamente a raiz de pa dental, é considerado o “campo de ação do
um dente, poderíamos imaginar que o canal radi- endodontista”, tendo por limite apical, a união
cular seria único e de conformação cônica, sendo CDC55 (Fig. 1.3).
porém, na realidade, constituído por duas con- A REGIÃO APICAL E PERIAPICAL, repre-
formações cônicas. Uma bastante ampla e longa, sentada pelos tecidos que incluem e contornam o
ápice radicular, estando intimamente relacionados
com a polpa. Devido à esse fato, essa região pode
sofrer as conseqüências das alterações patológicas
da mesma, quer pela ação dos produtos de sua
decomposição, quer pela ação direta das bactérias
ou de suas toxinas ou durante o tratamento de
canal radicular, pela própria intervenção profissio-
nal, ocorrendo assim, as mais variadas reações
periapicais.
Constituindo-se no centro nervoso, vascular e
linfático de todo periodonto, esta região, quando
traumatizada mecanicamente pelo próprio profis-
sional, como também pelo emprego de substâncias
citotóxicas, durante o tratamento do canal radicular,
ou irritada pelos produtos da decomposição pulpar,
bactérias e suas toxinas, poderá produzir uma res-
posta indesejável, em toda a estrutura periodontal,
com conseqüente estágio doloroso.
Considerada uma das áreas do organismo de
altíssima atividade metabólica16, a região apical e
Fig. 1.2
periapical na Endodontia atual possui um papel
(A) Esmalte, (B) dentina, (C) cavidade pulpar, (D) corno
pulpar, (E) teto da câmara pulpar, (F) câmara pulpar, (G)
fundamental quanto ao aspecto biológico.
assoalho da câmara pulpar, (H) entrada do canal radicular, Como vimos anteriormente, dentro das condi-
(I) canal radicular, (J) cemento, (K) membrana periodontal e ções normais, esta região é composta das seguin-
(L) forame apical. tes estruturas:
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endodontia: tratamento de canais radiculares – princípios técnicos e biológicos

1. Limite cemento-dentina-canal (CDC); 1. Limite cemento-dentina-canal (CDC)


2. Canal cementário; O “campo de ação do endodontista” em
3. Coto pulpar (coto-periodontal); casos de biopulpectomia tem por limite apical
4. Cemento; a união CDC. Essa estrutura anatômica assume
5. Forame apical; interesse especial na prática endodôntica atual
6. Membrana (espaço) periodontal; por ser considerada, pela maioria dos autores,
7. Parede e osso alveolar (coto-periodontal). como o ponto crítico e como o limite de se-
gurança, para a obtenção do sucesso clínico,
radiográfico, histológico e jurídico após o trata-
mento. De acordo com esses autores, em casos
de biopulpectomias, quando a instrumentação
e a obturação não ultrapassam esse limite, há
maior possibilidade para a ocorrência da mi-
neralização, ao nível foraminal, objetivo ideal
de um tratamento endodôntico (Fig. 1.4). Essa
reparação se realiza às expensas do cemento
que recobre o próprio canal cementário, além
do limite citado, assim como dos elementos ce-
lulares e vasculares, pertencentes à membrana
(espaço) periodontal.
Na prática, a própria natureza favorece a
intervenção endodôntica, pois o canal radicular
apresenta maior constrição a esse nível, sendo em
média 223 micrômetros para os jovens e 210 nas
pessoas idosas55.
Em trabalho de pesquisa efetuado em hu-
manos através de apicectomias realizadas após o
tratamento endodôntico58, observamos nos cortes
histológicos que a instrumentação e a conseqüente
obturação se limitavam ao “campo de ação do en-
dodontista” (canal dentinário), quando as mesmas
ficavam de 1 a 2 mm aquém do ápice radiográfico,
nos casos de biopulpectomia e necropulpectomia
I. Em casos de Necropulpectomias II a obturação
encontrava-se histologicamente dentro do canal
dentinário quando ficava radiograficamente a 1 mm
aquém do ápice.
Esses limites são baseados no mérito e em evi-
dências científicas e sedimentados através de ou-
tras centenas de pesquisas biológicas. Atualmente,
a instrumentação dos canais radiculares, em casos
de tratamento de dentes com vitalidade pulpar, até
o nível foraminal (“patência apical”) (Figs. 1.5A e
1-5B), que se diz inovadora, é exercida às expensas
da ciência e da própria biologia (ver Capítulo 5).
Um dos maiores argumentos para a realização
da patência apical (“apical patency”), em caso de
Fig. 1.3 biopulpectomia, é a de se evitar a compactação de
Canal dentinário, considerado como o “Campo de ação do raspas de dentina sobre o coto pulpar, impedindo a
endodontista”. reparação do mesmo. Nos dias atuais, aplicando-se
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capítulo 1 ENDODONTIA: Considerações Iniciais – Definição – Importância

Fig. 1.4
Região apical e periapical de Incisivo Central Superior de
dente de humano, 150 dias após Biopulpectomia, realizada
com base em princípios biológicos, evidenciando deposição
de tecido mineralizado (A) ao nível do coto pulpar (B),
íntegro (1,5 mm aquém do ápice) preservado durante o
tratamento (H.E. 40X).

as técnicas que aplicam o princípio coroa/ápice sem


pressão e principalmente, contanto com eficien-
tes métodos de irrigação/aspiração das soluções
irrigadoras, utilizados durante o tratamento, essa Figs. 1.5A e B
compactação de raspas de dentina é perfeitamente A – Radiografia de Incisivo Central Superior (11), eviden-
contornável, evitando-se assim, maior agressão ciando lima tipo K no 25, ao nível do forame apical, em caso
aos tecidos vivos apicais e periapicais ao ser rea- de Biopulpectomia;
B – Corte histológico, 40 dias após o tratamento, eviden-
lizada a “patência apical”. De acordo com Claudio
ciando o espaço aberto no coto pulpar (setas), dilacerado
Mello (1950), “não devemos trabalhar contra e presença de células inflamatórias, pela ação da “lima
a natureza, mas sim ajudá-la na medida do patência”, na porção mesial do forame que se abre para
possível, em sua inigualável capacidade de distal. Observar presença de tecido íntegro (seta), local não
reparar as estruturas lesadas”. atingido pela chamada patência apical (H.E. 40X).
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endodontia: tratamento de canais radiculares – princípios técnicos e biológicos

2. Canal cementário Por ocupar um papel importante na reparação


Revestido por cemento em toda sua extensão, apical e periapical pós-tratamento endodôntico, no-
corresponde, aproximadamente, de 0,5 a 3 mm da vas considerações serão feitas no Capítulo 7.
extremidade final do canal radicular, encontrando-
se completamente formado de três a cinco anos
após a erupção do dente. Apresenta-se geralmente
de forma afunilada, com o maior diâmetro volta-
do para o forame apical e o menor junto à união
cemento-dentina-canal (limite CDC). Kuttler55, estu-
dando histologicamente a porção apical de 436 ca-
nais principais, concluiu que o comprimento médio
do canal cementário é de 524 micrômetros para
os dentes de jovens e de 659 micrômetros, para
pacientes após os 55 anos.

3. Coto pulpar (coto endo-periodontal)


O canal cementário é preenchido por um te-
cido conjuntivo maduro, chamado comumente e
erroneamente de coto pulpar, embora já consagra- Fig. 1.6
do pelo uso. Pertencente ao ligamento periodontal, Corte histológico de ápice radicular de dente de humano,
é isento de dentinoblastos, porém rico em fibras com reação periapical crônica, evidenciando erosão apical
(H.E. 40X).
e células (cementoblastos) e de outros elementos
estruturais próprios desse tecido. A preservação de
sua vitalidade durante o tratamento endodôntico
é de grande importância na reparação apical e 5. Forame apical
periapical, razão pela qual será detalhadamente O forame é a abertura final do canal radicular
discutido no Capítulo 5. ao nível do terço apical da raiz dental. Essa aber-
tura nem sempre coincide com o vértice apical da
4. Cemento raiz, pois, de acordo com Kuttler55, em 68% dos
O cemento, tecido conjuntivo mineralizado, dentes jovens e em 80% nos adultos a parte ce-
diferencia-se da capa interna do saco dental sendo mentária (canal cementário) não continua na mes-
portanto, de origem mesodérmica. Tem por função ma direção da parte dentinária (canal dentinário).
primordial proteger a dentina e manter o dente im- Da mesma forma, Burch & Hulen12 informam que o
plantado no alvéolo. Essa função é verificada mes- forame abre-se aquém do ápice anatômico (vértice
mo após a morte da polpa, podendo ainda, nesses apical) em 92,4% dos casos. Essa abertura, que
casos, formar uma barreira protetora, obliterando tem em média 495 micrômetros nos dentes jovens
o forame apical e impedindo assim a passagem e 607 nos adultos55 e, eventualmente, abrindo-se 2
de agentes externos, irritantes ao organismo. O a 3 mm aquém do ápice anatômico, não permite
cemento pode ser celular ou acelular. estabelecer clínica e radiograficamente o limite api-
No terço apical, o cemento é celular e espes- cal do “campo de ação do endodontista” pela sim-
so, podendo sofrer alterações de acordo com as ples dedução da média do comprimento do canal
exigências fisiológicas e principalmente em razão cementário. A determinação desse limite é baseado
de problemas patológicos. Em casos de reação em trabalhos de pesquisa, geralmente realizados
periapical de longa duração, como por exemplo, em humanos, cujos resultados são extrapolados
nos granulomas apicais, poderá haver uma erosão para as condições clínicas de trabalho.
do cemento, em muitos casos chegando a dentina
(Fig. 1.6), apresentando os cementoplastos (espa- 6. Membrana (espaço) periodontal
ços ocupados anteriormente pelo cementocitos), Também denominada de pericemento, periodon-
agora repletos de microrganismos que nesses casos to apical, ligamento periodontal e membrana alveolo-
constituem a infecção extraradicular. dental. De origem mesodérmica, é através da parede
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capítulo 1 ENDODONTIA: Considerações Iniciais – Definição – Importância

externa do saco dental que se diferencia a estrutura em 1984, a Endodontia constitui-se, atualmente,
inicial da membrana periodontal. É um tecido con- num dos mais importantes ramos da Odontologia,
juntivo denso que tem por função primordial unir o sendo mesmo considerada por Kuttler54 como o
cemento, biológica e mecanicamente, à parede alveo- alicerce sobre o qual repousa o edifício odontológi-
lar. Biologicamente, por manter as trocas metabólicas co, com a Dentística, Prótese, etc. Não sendo bem
entre o cemento e o osso alveolar, desempenhando orientado e conduzido, poderemos ter o desmoro-
assim, funções nutritivas, defensivas e proprioceptivas namento desse edifício.
sensoriais. Mecanicamente, a membrana periodontal, Como vimos anteriormente, graças às pes-
por ser constituída por tecidos moles, principalmente quisas e contribuições de pesquisadores de toda
fibras colágenas e estruturas vasculares distribuídas parte do mundo, a Endodontia atingiu um nível de
numa substância intercelular gelatinosa, representa desenvolvimento que desperta o maior interesse
um verdadeiro “amortecedor hidrostático”, cujo sis- e entusiasmo dentre aqueles que se dedicam à
tema fluído atua na transmissão e neutralização de Odontologia, sendo isso, observado nos congres-
forças que agem sobre os dentes. sos odontológicos. A Endodontia atualmente já
Estando situada entre a parede alveolar e o realiza seus próprios conclaves, como a Sessão
cemento, a membrana periodontal é evidenciada, Anual da Associação Americana de Endodontia;
radiograficamente, como sendo uma linha radiolú- Reunião Anual de Endodontistas da Argentina,
cida, mais pronunciada nos jovens. COSAE, etc.
Como vimos em nossa edição anterior, 199861,
7. Parede e osso alveolar
essa especialidade, firmou-se com bases científicas
Também de origem mesodérmica e da capa
somente após o aparecimento dos raios X, em
externa do saco dental.
1895, descobertos por Roentgen e empregados
A parede alveolar (lâmina dura) consiste numa
na Endodontia, já em 1899, por Kells104, e poste-
fina camada de osso que limita externamente a
riormente com as críticas de Hunter42, em 1910,
membrana periodontal. Normalmente a lâmina dura
de Rosenow84, em 1934, e, finalmente, com os
é contínua e, sendo mais densa, radiograficamente,
estudos e pesquisas realizadas por Okell & Elliot71,
pode ser distinguida, do osso alveolar por ser mais
em 1935, por Fish e Mac Lean33, em 1936 e por
radiopaca.
Fish32, em 1939 e, recentemente, com os trabalhos
Através dos raios X, a sua normalidade é carac-
de Kakehashi et al.48, em 1965, Sabiston & Gold87,
terizada pela integridade (continuidade), radiopaci-
em 1974 e Sundqvist102, em 1976.
dade e nitidez de limite interno. Externamente se
Até então, a Endodontia era praticada utilizan-
confunde com o trabeculado do osso esponjoso.
do-se métodos, considerados hoje, como empíricos
O osso alveolar é composto de duas partes.
e inconvenientes, os quais foram modificados após
Uma, representada pelo osso compacto que limita a
os acontecimentos citados no parágrafo anterior.
parte esponjosa e, outra, o esponjoso propriamente
Infelizmente, aqueles métodos são ainda hoje
dito, constituindo os componentes de sustentação
empregados porque muitos profissionais não
alveolar dos dentes.
prestigiam as excelentes contribuições e as novas
Sendo de natureza mais plástica, o osso espon-
conquistas, esquecendo-se de que o tratamento
joso sofre rápida e facilmente a conseqüência dos
endodôntico não é apenas um problema téc-
processos inflamatórios da região periapical através
nico, mas sim e principalmente, biológico.
das reabsorções, que, ao atingirem a estrutura
Os motivos acima citados, possivelmente
compacta, após longo período de tempo, (cortical
podem explicar as razões pelas quais encontra-
óssea vestibular ou lingual) serão evidenciadas ra-
mos nos levantamentos que avaliam o índice de
diograficamente, constituindo elementos importan-
sucesso ou fracasso do tratamento endodôntico,
tes para o diagnóstico das lesões periapicais.
altíssimas porcentagens de canais radiculares mal
obturados, o que vem contribuir para o fracasso da
IMPORTÂNCIA terapêutica endodôntica. Como conseqüência, esse
fracasso pode determinar problemas sistêmicos aos
Reconhecida definitivamente, no Brasil através pacientes, acarretando ou não, recursos jurídicos
do C.F.O., como especialidade odontológica apenas e certamente, prejuízos econômicos aos mesmos,
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endodontia: tratamento de canais radiculares – princípios técnicos e biológicos

pela necessidade de realização de retratamentos ou o clínico geral, participe de cursos de educação


mesmo de cirurgias parendodônticas. continuada. Para os especialistas entretanto, faz-se
As interpretações desses fracassos tornam-se necessário oferecer, maiores conhecimentos téc-
difíceis, em razão de inúmeras variáveis: diferentes nico-científicos, através de cursos de atualização,
técnicas de tratamento utilizadas; limite apical de principalmente para o tratamento de casos mais
obturação; dentes, radiograficamente, com ou sem difíceis e complexos.
lesão periapical crônica prévia ao tratamento; pre- Como vimos anteriormente, alguns trabalhos
dicados técnicos inerentes ao profissional (especia- avaliaram o índice de sucesso ou fracasso entre
lista, clínico geral ou mesmo estudante); métodos estudantes universitários, analisando a qualidade
de avaliação empregados, etc. das obturações de canais radiculares efetuadas em
Também, ainda é acentuadamente elevada a dentes de alunos que cursam escolas de nível su-
prevalência de canais radiculares submetidos ao perior (Tabela 1.4)4,9,21,29,57,60,62,63,64,92,93,105,107.
tratamento que apresentam lesão periapical crô- Essa metodologia de avaliação é bastante signifi-
nica, principalmente como conseqüência da pobre cativa por ser realizada a partir de uma amostragem
obturação dos mesmos, dados esses descritos em privilegiada de nossa população, que são estudantes
levantamentos sobre a avaliação do sucesso/fracas- pertencentes ao nível superior os quais em nosso país
so após tratamentos endodônticos (40,01%). constituem uma verdadeira “elite”, por supostamente,
Quais as conseqüências sistêmicas dessas rea- pertencerem a um nível sócio-econômico mais dife-
ções inflamatórias crônicas periapicais? renciado. Em levantamentos realizados pelo Censo
Há mais de 90 anos, Willian Hunter, médico de Ensino Superior (MEC) (2003) somente 9% dos
inglês, ao proferir uma conferência na Faculdade jovens entre 18 a 24 anos, de nosso país, encontram-
de Medicina de Montreal (Canadá), condenou vio- se matriculados em nossas universidades.
lentamente a má Odontologia que se praticava na Considerando-se que o avanço técnico-científi-
época, criticando-a e responsabilizando-a por focos co da especialidade, nos últimos 20 anos, ocorreu
de infecção, e sugeriu que a inflamação crônica em ritmo acelerado e em nível bastante elevado
periapical poderia contribuir para a ocorrência de cientificamente, faz-se necessário a atualização de
doenças sistêmicas. Nas últimas décadas, novos conhecimentos para os profissionais, como também
achados à respeito dessa teoria estão sendo publica- de incutir-lhes o sentido de responsabilidade, pois:
dos96. É ainda hoje reconhecido que apenas pesso-
as com altos níveis de colesterol correm o risco de • a melhor interpretação do mecanismo bioquímico
ataques cardíacos. Entretanto, tem sido observado da inflamação, das infecções e da biologia apical
que a metade das pessoas acometidas de ataques e periapical;
cardíacos apresentavam níveis normais de coleste- • os recentes achados imunológicos;
rol. Pesquisas recentes80,82,96 têm demonstrado que, • os novos métodos de estudo da microbiota do
a existência de uma inflamação crônica, de longa sistema de canal radicular;
duração, localizada em qualquer ponto do organis- • a evolução da farmacologia e da terapêutica;
mo, pode triplicar o risco de ataques cardíacos. • a padronização dos instrumentos endodônticos e
Para Ridker et al.81,82, em trabalhos publicados materiais obturadores;
em 2000 e 2001, a inflamação crônica é considera- • o aparecimento de novos instrumentos, como os
da três vezes mais nociva para o coração quando de níquel e titânio, novas técnicas e aparelhos;
comparada ao colesterol. • a necessidade de um maior aprimoramento da
Uma infecção de longa duração, e de baixa habilidade manual e sensibilidade tátil;
virulência, pode manter as células imunes ativa- • a racionalização na seleção de casos para o tra-
das e elevar o nível de CRP (proteína plasmática tamento;
C-reativa)67. De acordo com Gorman & Park37, os • a possibilidade da complementação da rizogê-
níveis de CRP tem sido relacionados aos riscos de nese incompleta dos dentes que perderam a
ataques cardíacos, diabetes e artrites reumatóides. vitalidade pulpar;
Assim, maior atenção necessita ser adotada • a recente evolução cirúrgica, através das he-
pelas Faculdades de Odontologia, pelas associações misecções, radicectomias, transfixações endo-
de classe, para que o profissional, principalmente dônticas, transplantes intencionais, reimplantes,

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