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CAPOEIRAS JOGAM FÍSICA?!

Wagner de Souza a [profwagner@hotmail.com]


André L. C. Lourenço b [alcyel@yahoo.com.br]
a
CEFET/RJ
b
CEFET/RJ, PPGAS/MN

R ESUMO
O presente artigo trata da proposta de inserção da capoeira, uma arte popular
genuinamente brasileira, no contexto da escola de nível médio como facilitadora no
processo de aprendizado da Física. É uma constatação empírica que o Ensino da Física
esbarra em inúmeras dificuldades nas escolas brasileiras. Uma destas dificuldades reside
no preocupante grau de desinteresse pela Física, enquanto disciplina ensinada nas
escolas. O ensino repetitivo e mnemônico, aliado a falta de atividades experimentais,
vem privando a Física escolar de todo o caráter filosófico e cultural da ciência. Mesmo
com todo o progresso da pesquisa educacional, a Física escolar ainda está afastada do
cotidiano do aluno. Os estudantes têm dificuldade de ver a realidade do seu entorno, as
atividades vivenciadas por eles, aplicadas no contexto do conhecimento escolar. Neste
sentido a escola tem o dever de abraçar e incluir no seu universo a cultura popular.
Muitos educadores em Física podem acreditar que este não é o papel da ciência, que se
diz neutra. No entanto, em 2003 a Lei nº 10.639 reformou a LDB tornando, no artigo
26-A, obrigatório o ensino da história e cultura afro-brasileira em todo o currículo
escolar. Em 2005, a Lei nº 11.645 incluiu a temática indígena. Desta forma, agora estão
todos os educadores imbuídos da missão de incluir em algum momento de suas aulas a
temática da história e cultura dos negros e índios brasileiros. Este trabalho visa a
promover uma aproximação do conhecimento contido na cultura brasileira, na forma de
um artífice popular, a capoeira, aos conhecimentos científicos. Com isso, espera-se
motivar os alunos para a melhor compreensão dos conceitos físicos estudados.

INTRODUÇÃO

A CAPOEIRA: UM N OVO OBJETO H ISTÓRICO E FÍSICO

O saber histórico não é um conhecimento isento de preconceitos e posicionamentos. Com a


sua constituição como ciência acadêmica no século XIX, ele se estabelece a partir da construção dos
Estados -nações europeus. Esse contexto é uma das explicações do porquê de a história ministrada
nas escolas ainda estar presa a periodizações, definições e modelos europeus.

A aproximação da História com a Antropologia, intensificada na segunda metade do século


passado, fez com que o conhecimento histórico:
• enfrentasse novos problemas trazidos pela contemporaneidade – como a discussão a
respeito da clássica oposição sujeito-objeto;
• fosse capaz de desenvolver, novas a bordagens que o capacitassem a ampliar o escopo e o
alcance da visão da História – novas tecnologias, novos recursos tornaram isso possível;
• estivesse aberto a lidar com novos objetos, implodindo o modelo tradicional de história –
não se restringindo mais à política e à economia, o clima, o cinema, os odores e o corpo
ganharam uma análise histórica, o que permitiu outras visões dos processos históricos .
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BITTENCOURT (2004, p. 149), destaca que:

“O encontro da História com a Antropologia foi significativo para a compreensão


da própria noção de história, cuja existência se iniciava, segundo a maioria das
obras didáticas, apenas após a invenção da escrita. Os povos sem escrita,
esquecidos ou anulados pela 'história da civilização'. como é o caso das populações
africanas e indígenas, foram incorporados à historiografia, o que obrigou os
historiadores a recorrer a novos métodos de investigação histórica, introduzindo
novas fontes de importância fundamental em suas pesquisas, como a memória oral,
as lendas e mitos, os objetos materiais, as construções, entre outras.”

Esse processo foi, em parte, influenciado pelas transformações ocorridas no pós-Segunda


Guerra Mundial, como a Revolução Cubana, a Descolonização Africana e Asiática e o Movimento
pelos Direitos Civis nos Estados Unidos. Esses acontecimentos históricos, aliados às
transformações internas ao campo historiográfico, tornaram possível o aparecimento dos
“excluídos”. Até então, a História, geralmente, se preocupava mais com a elite, com os reis,
presidentes, políticos e ministros.

A visão europocêntrica teve um papel tão preponderante na construção do Ocidente que


ainda hoje ela está presente nos livros , como salienta DAVIES (1990, p.97):

“A Europa como centro – mais particularmente os grupos dominantes europeus – é


uma característica comum a quase todos os livros didáticos de história do Brasil. A
transição da Idade Média para a Idade Moderna, a expansão comercial e marítima
européia constituem os capítulos iniciais destes livros, o que subentende a
inexistência de história humana no território que viria a ser chamado Brasil, antes
da chegada dos portugueses.”

Independente da área seja ela a de Língua Portuguesa (que começa com o Trovadorismo
português), com a Biologia (que mostra as discussões sobre geração espontânea ocorridas no século
XVII), a Matemática (com as bases explicitadas através da geometria euclidiana), os referenciais e
exemplos são sempre europeus. Não que isso seja um erro.

As nossas referências científicas são em sua maioria de origem européia , mas a sua
exemplificação não precisa necessariamente ser. Dentro de uma nação periférica como o Brasil, que
apesar de suas tão decantadas precariedades, possui valores como André Rebouças, Carlos Chagas e
César Lattes, a busca da valorização de nossas tradições e referenciais é fundamental e possível.

É cada vez maior, dada a evidente descontinuidade entre a escola e a sociedade (a qual não
se vê dentro do ambiente escolar), a necessidade de rever essa situação. Em um país de inúmeras
distorções sociais, com uma população com um grande quantitativo de pobres – muitos dos quais
negros e mestiços –, uma história feita a partir dos pressupostos europeus e de uma elite nacional
não é representativa dos segmentos mais populares, como nos lembra DAVIES (1990, p.103):

“A história é sempre resultado dos conflitos entre camadas dominantes e


dominadas, resultado este não necessariamente favorável por inteiro às camadas
dominantes. São estes conflitos que explicam a evolução histórica, não apenas os
interesses das ca madas dominantes ou das metrópoles (no caso de relações
coloniais). A negação da participação popular significa atribuir inteiramente
passividade às camadas populares. o que dificulta a explicação das revoltas,
protestos, greves, etc. Esta atribuição conduz à coisificação das massas, à
transformação destas em objetos, portanto destituídas de vontade, de humanidade.”
3

Como foi dito, a maioria da população está excluída dos livros didáticos. Suas crenças,
costumes e práticas não são temas relevantes. Felizmente, essa situação tem mudado, como o
aumento às referências à importância dos saberes indígenas a respeito de ervas medicinais.
Entretanto, esse processo de inserção de toda uma gama de classes sociais, minorias e grupos que
até agora estavam colocados à margem dos processos históricos, é lento e ainda está nos seus passos
iniciais.

Qualquer revisão dos paradigmas e/ou modelos para a inserção de novos olhares, questões,
etc. é complexa e coloca problemas. A História, que tem tido um papel pioneiro nesse proc esso,
discute como lidar com essas mudanças, já que seu programa está pronto há quase duzentos anos,
criado nas academias européias e, em boa parte, reproduzido aqui pela maioria de nossa elite
acadêmica. Como pesquisar esses grupos marginais? Onde encontrar documentação?

“Cada vez que a história se orienta para novos 'territórios', ressurge a mesma
questão: existem documentos específicos que permitam responder às novas
problemáticas? No caso presente, a pergunta é mais árdua ainda: como ouvir a voz
dos marginais do passado, quando, por definição, ela foi sistematicamente abafada
pelos detentores do poder, que falavam dos marginais, mas não os deixavam falar.”
(SCHMITT, 284)

A utilização de fontes não escritas, como a história oral, o estudo de material iconográfico e
de práticas é uma saída. Daí percebe -se a importância da capoeira: além de uma característica da
cultura negra e que contribui para a compreensão da religiosidade dos muitos escravos negros que a
praticaram, fornece informações sobre seus costumes e tradições, etc.

ETNICIDADE E R ELATIVISMO C ULTURAL : POSSÍVEIS C ONTRIBUIÇÕES DA C APOEIRA


PARA O ENSINO

Logo, a capoeira aparece como uma possibilidade de se discutir uma diversidade de


questões, atendendo inclusive às exigências da lei 11.645, a qual reforça a obrigatoriedade do
ensino da temática da “História e Cultura Afro-Brasileira e Indígena” nas escolas. Com isso, a
capoeira surge como um tema transdisciplinar, pelo seu caráter de prática esportiva, patrimônio
cultural, atividade social, elemento religioso, etc. BURGUIÈRE (1988, p.148) destaca a
importância desta transdisciplinaridade:

“Os comportamentos menos discutidos de uma sociedade – como os cuidados com o


corpo, as maneiras de se vestir, a organização do trabalho e o calendário das
atividades cotidianas – refletem um sistema de representação do mundo, que nos
vincula em profundidade com as formulações intelectuais mais elaboradas, como o
direito, as concepções religiosas, o pensamento filosófico ou científico.”

A atenção dada ao estudo da prática da capoeira se insere nas discussões da História Cultural
e na forma como se pode construir um conhecimento que não remonte aos parâmetros eurocêntricos
vigentes. Assim, a arte da capoeiragem se insere na linha dos estudos da história do corpo, temática
atual e que tem antecedentes ilustres no Brasil, como Gilberto Freyre.

“Da década de 1930 em diante, por exemplo, o sociólogo-historiador brasileiro


Gilberto Freyre estudou a aparência física dos escravos tal como registrada em
anúncios de fugitivos publicados nos jornais do século XIX.” (BURKE, 1994)

Percebe -se que a preocupação com a pesquisa relativa às práticas corporais e aos usos
sociais do corpo pode fornecer elementos para uma discussão sobre a hegemonia do saber. O
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domínio das forças, dos ângulos, a maestria do equilíbrio exibida pelos capoeiristas coloca em
questão a importância de um saber empírico, como é possível perceber nesse documento de 1908:
“ – Então os capoeiras estão nos presepes para acabar com as presepadas...
– Sim senhor. Capoeiragem é uma arte, cada movimento tem um nome. É
mesmo como sorte de jogo. Eu agacho, prendo V.S. pelas pernas e vir V.S. virou
balão e eu entrei debaixo . Se eu cair virei boi. Se eu lançar uma tesoura eu sou um
porco , porque tesoura não se usa mais. Mas posso arrastar-lhe uma tarrafa mestra.
– Tarrafa?
– É uma rasteira com força. Ou esperar o degas de galho, assim duro, com os
braços para o ar e se for rapaz da luta, passar-lhe o tronco na queda, ou, se for
arara , arrumar-lhe mesmo o baú, pontapé na pança. Ah! V.S. não imagina que
porção de nomes tem o jogo. Só rasteira, quando é deitada, chama -se banda,
quando com força tarrafa , quando no ar para bater na cara do cabra meia -lua...”
(RIO, 2008: 130)

Esses praticantes agem dentro de um universo interpretado a partir de leis físicas as quais
desconhecem. Dessa forma, a capoeira aparece como algo “novo” no ensino da Física e capaz de
explicitar, dentro de nossas tradições, elementos das regras que regem a natureza dos movimentos.

Cabe lembrar a expansão do interesse na capoeira, a qual tem tido papel de destaque em
academias, projetos sociais, etc. Todo esse movimento contrasta em muito com a perseguição que a
mesma sofreu no passado. A capoeiragem por estar ligada aos marginalizados, aos mais humildes,
era vista como prática suspeita e até criminosa.

“No século XIX, ocorreu um aumento da participação de outras camadas sociais,


libertos e livres pobres, passando a ser praticada não só por africanos, mas por
crioulos e brancos. (...) Logo no início do século XIX houve um aumento das
ocorrências policiais contra a capoeira, notadamente no Rio de Janeiro, por conta
da chegada da corte portuguesa e do aumento da população escrava e africana na
cidade.” (MATTOS, 2007: 186)

A obrigatoriedade do ensino da História e Cultura Afro-Brasileira e Indígena traz uma


oportunidade de se repensar currículos, de se questionar periodizações, etc. A utilização da capoeira
como uma forma de exemplificar leis e conceitos da Física seria uma forma de se romper com uma
visão etnocêntrica que ainda está presente dentro dos manuais didáticos e currículos escolares.

“O currículo não é um elemento neutro e desinteressado na transmissão de


conteúdos do conhecimento social. Ele esteve sempre imbricado em relações
políticas de poder e de controle social sobre a produção desse conhecimento e, por
isso, ao transmitir visões de mundo particulares, reproduz valores que irão
participar da formação de identidades individuais e sociais e, portanto, de sujeitos
sociais.” (LOPES, p. 43)

Portanto, a capoeira não é útil apenas para os afro-descendentes, mas para os brasileiros em
geral, já que vem se tornando uma atividade praticada por pessoas de diferentes origens étnicas e
sociais.

U M POUCO DA H ISTÓRIA DA C APOEIRA

Não se sabe com certeza a origem da capoeira. Alguns mestres acreditam que foi uma
criação dos africanos no Brasil. Entretanto, a maioria afirma que as raízes vieram da África,
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oriundas de antigos rituais. São poucos os documentos referentes à capoeira pratica na época da
escravidão brasileira. Dessa forma, a maior fonte de conhecimento sobre a origem da capoeira é por
meio da transmissão oral. Conta-se que na África, em Angola, existia um ritual bastante violento
chamado n’golo ou “jogo da zebra”, no qual os negros lutavam aplicando cabeçadas e pontapés e os
vencedores tinham como prêmio as moças da tribo.

Os primeiros escravos africanos a chegar ao Brasil, e também os que vieram em maior


número, foram os negros bantos de Angola. Foram estes os que mais se distinguiram na prática da
capoeira, na Bahia. Uma das teorias sobre a origem da capoeira relata que, no cativeiro, os negros
utilizaram-se do artifício do disfarce, mascarando a luta em dança, com a introdução de
instrumentos musicais e movimentos cadenciados, para poderem praticá-la sem suspeitas. Mesmo
tendo desde aquela época um caráter marginal, alguns senhores permitissem aos senhorinhos (como
eram chamados os filhos dos senhores de engenho) o aprendizado da luta.

Devido aos maus-tratos recebidos, os negros freqüentemente fugiam para o mato e


refugiavam-se numa clareira ou capoeira, onde enfrentavam os feitores ou capitães-do-mato, que os
perseguiam, fugindo, em seguida, para os quilombos, onde praticavam livremente a luta.

O termo capoeira, hoje associado à luta, tem sua origem indefinida. Segundo KANDUS et al
(2006) termo caá-puêra vêm do Tupi-guarani e significa “lugar onde existiu mato virgem e que hoje
não há mais”. Conta-se que, quando um negro escravo fugia e o feitor retornava sem conseguir
capturá-lo, o feitor alegava que o negro o havia “pegado na capoeira”, referindo-se ao local onde
fora vencido. Outra teoria, levantada por Gerhard Kubik (apud Kandus et al, 2006) é que o nome
vem da palavra ka/pwe/re, verbo de origem angolana, da língua Umbundu (Mbundu), cujo
signi?cado é “bater as mãos”. Uma terceira hipótese é levantada por BUENO (2003) ao afirmar que
“capoeira” era o nome de uma espécie de gaiola que os escravos utilizavam para transportar galos
castrados, por extensão o termo passou a designar o próprio escravo. Os escravos colocavam as
gaiolas no chão para praticar a luta/dança e com o tempo o nome da atividade passou a ser
associada ao praticante.

A prática da capoeira foi vista como uma atividade marginal por muitos anos. Mesmo depois
de abolida a escravidão, os capoeiristas continuaram a sofrer perseguições da polícia e eram
malvistos pela sociedade. Apesar das dificuldades, a capoeira sobreviveu, mas foi-se modificando
ao longo dos tempos com a criação de novos movimentos e cânticos, de grande importância para o
folclore. Mas é importante destacar que a capoeira nasceu em nome da liberdade, na luta contra a
escravidão.

Atualmente, a capoeira é conhecida em dois estilos: a capoeira angola e a capoeira regional


baiana. O primeiro estilo busca resgatar a capoeira mais tradicional, aquela mais próxima à
praticada no tempo da escravidão. Já o segundo estilo deve-se a uma “adaptação” iniciada no início
do século XX na Bahia, tendo sua criação atribuída a Manuel dos Reis Machado, o Mestre Bimba.
Bimba teria mesclado movimentos da capoeira a golpes de outras artes marciais (principalmente
orientais) e, além disso, criado uma metodologia de ensino para o novo estilo, que viria ser ensinado
em academias e difundido pelo mundo. Hoje, a capoeira é praticada em mais de 150 países levando
a cultura brasileira internacionalmente. Um fato curioso a se destacar é que uma das imposições à
prática da capoeira é o aprendizado do português.

A CAPOEIRA NA FÍSICA E VICE-VERSA

A capoeira perdeu o seu caráter marginal e foi levada ao meio acadêmico. Hoje ela é alvo de
muitos estudos em vários centros universitários. No entanto, fora da História e da Educação Física,
6

existem poucos trabalhos acadêmicos sobre a capoeira. Uma pesquisa na internet revelou apenas
dois artigos interessantes sobre o tema.

O trabalho de AMADIO et al (2005), aborda a capoeira do ponto de vista biomecânico e trás


alguns exemplos que podem ser abordados nas aulas de Física. Neste artigo é feita uma análise
dinâmica de alguns movimentos da capoeira para determinar a Força de Reação do Solo (FRS), com
objetivo de trazer alguma contribuição ao jogador de capoeira a respeito da prática do esporte . Já o
artigo de KANDUS et al (2006) utiliza o berimbau, instrumento que dita o ritmo na roda de
capoeira, para trabalhar ondas mecânicas.

No ano de 2006, os autores deste artigo iniciaram um estudo de como aplicar a temática da
capoeira às aulas de Física. Desde então, vem sendo aplicada na Unidade do CEFET/RJ de Nova
Iguaçu uma proposta de inclusão da capoeira como motivadora para o ensino da Física como forma
de inserir a cultura afro-brasileira no currículo escolar desta disciplina. Essa iniciativa veio,
inclusive, ao encontro da Lei nº 11.645/2008 que reforma a LDB, incluindo a obrigatoriedade do
ensino da história e cultura afro-brasileira e dos povos indígenas.

Como esse artigo refere-se a relatar o uso da capoeira como elemento motivador e com
caráter demonstrativo, dispensaremos uma descrição matemática detalhada dos exemplos aqui
representados.

Exemplos de aplicação

1. Centro de massa

Em muitos casos não se pode desprezar a forma de um objeto ao se analisar o seu


movimento. Mas em muitas situações , no entanto, pode-se considerar que a massa do sistema
concentra -se em um ponto determinado – o centro de massa – e analisar certos movimentos em
função deste ponto como se o objeto em questão fosse uma partícula. Comumente os livros
didáticos abordam a questão do centro de massa tomando como exemplo movimentos de salto de
atletas (especialmente saltos ornamentais ou ginástica artística). Ao executar determinados
movimentos com o corpo um atleta consegue alterar a posição do seu centro de massa, porém o
movimento do centro de massa, em função de forças externas ao corpo do atleta não é alterado.

Figura 01
Figura 01 – Representação em pontilhado da trajetória do centro de massa numa prova de salto
ornamental.1

Propõe-se aqui que sejam incorporados a gama de exemplos sobre este tópico os
movimentos da capoeira. Por que negar ao estudo deste tema os movimentos do capoeirista? Ao

1
Fonte: RAMALHO, 1998.
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invés de se utilizar apenas exemplos pertinentes a esportes tipicamente da cultura ocidental


européia, porque não exemplificar com algo da cultura afro-brasileira? Na figura 02, percebe-se que
no jogo de capoeira estão presentes movimentos que representam bem os aspectos abordados no
estudo do centro de massa.

(a) (b)
Figura 02
Figura 02 – No movimento do capoeirista seu corpo gira no ar (a), mas o centro de massa executa um
movimento parabólico (b). 2

Outro aspecto que pode ser abordado sobre o centro de massa é o fato de que para que um
corpo apoiado sobre uma superfície não tombe é preciso que a linha de ação de seu peso intercepte
a região de apoio (figura 03).

Figura 03

Uma das maiores humilhações para o capoeirista é sujar seu abada 3. Quando ocorre uma
queda na roda de capoeira o jogador geralmente se irrita e sofre com as brincadeiras dos demais. No
jogo de capoeira, o jogador deve alterar sua postura corporal para que a linha de ação esteja sempre
na linha que intercepta o seu pé (figura 05).

Figura 04 Figura 05
Figura 04 – Movimentos da capoeira: Ataque com Bênção – Defesa com Negativa. 4
Figura 05 – Para não cair o jogador altera a posição do centro de massa para que a linha de ação do
peso esteja sempre sobre a linha que passa pelo ponto de apoio. 5

2
Adaptada de RAMALHO , 1998.
3
O Abadá é o nome da roupa do capoeirista, comumente na cor branca.
4
Fonte: AMADIO, 2005
5
Adaptada de AMADIO, 2005
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2. Dinâmica de Rotação

Um tópico pouco abordado no Ensino Médio, ao menos no Estado do Rio de Janeiro, é o


estudo da dinâmica de rotação. É comum os livros didáticos para o Ensino Médio ignorarem este
tópico. Quando não, ele é relegado ao segundo plano sendo lhe reservado pouca visibilidade.
Porém, nas poucas oportunidades em que este tópico é tratado os exemplos mais citados fazem
referência ao movimento de uma patinadora ou de uma bailarina (Figura 06).

Figura 06

Figura 06 – A patinadora altera o momento de inércia ao fechar os braços. Como o momento


angular é conservado sua velocidade angular aumenta.6

Na proposta deste trabalho utiliza-se o movimento do jogador de capoeira para exem plificar
o mesmo fenômeno (Figura 07).

Figura 07

Figura 07 – No golpe chamado de “Armada” o jogador gira em grande velocidade na posição


2, enquanto na posição 3 a velocidade angular diminui em virtude do aumento no momento de
inércia.

3. Ondas mecânicas com o Berimbau

A música representa um papel fundamental na capoeira. É o som que dita o ritmo do jogo e
confere a esse esporte um caráter lúdico. Além dessa função, as letras das “xulas” – como são
chamadas as músicas na capoeira – contam a história não apenas do jogo, mas também do povo
negro e de sua luta pela liberdade.

Como uma tentativa de incorporação dos aspectos culturais brasileiros , os autores vêm
utilizando nas aulas de Física o berimbau, instrumento que dita o ritmo na roda de capoeira, para
trabalhar ondas mecânicas, em particular o som. Como referência pode citar-se o trabalho de
KANDUS et al (2006) sobre a aplicação do berimbau no estudo das oscilações.

6
Fonte: RAMALHO, 1998.
9

(a) (b)

Figura 08

Figura 08 – O berimbau é composto de uma cabaça pressa a um fio de aço, ambos conectados
ao “pau de beriba”.

O berimbau é um instrumento feito a partir de uma madeira conhecida como “pau de


beriba”. Uma curiosidade é que a madeira é cortada e enterrada por vários dias antes de ser utilizada
na confecção do instrumento. Às extremidades do pau de beriba são conectadas um fio de aço que
servirá como corda vibrante. O berimbau toma forma de um arco. Uma cabaça, geralmente em
formato esférico, é presa ao arco (Figura 08b). O termo cabaça ou porongo (Lagenaria siceraria ou
Lagenaria vulgaris) é a designação comum a plantas da família das cucurbitáceas e a uma da
família das bignoniáceas. Também são chamadas de cabaceira, porongueiro e cabaceiro .

A cabaça funciona como o ressonador ou caixa de ressonância. No fenômeno da


ressonância, quando a freqüência da fonte coincide com a freqüência natural de oscilação de um
corpo, a amplitude de oscilação atinge valores elevados. O barbante que prende a cabaça ao arco
tem a função também de dar afinação ao instrumento. Ele “ajusta” a tensão do fio de aço que
funciona como corda vibrante. Para fazer o fio de aço vibrar bate-se nele com um graveto
(geralmente um palito de churrasco). Além disso, compõe o berimbau um dobrão de bronze usado
em contato ou não com o fio de aço para conter as vibrações e o caxixi. O caxixi é uma estrutura
trançada que contém conchas ou pedrinhas e ele é agitado ao ritmo do berimbau conforme a canção.

Freqüentemente os exemplos abordados no Ensino Médio para tratar de ondas numa corda
são os de instrumentos considerados “clássicos”, como o violão ou o violino. Estes instrumentos,
embora façam parte do nosso cotidiano, trazem informações culturais referentes à influência
principalmente eur opéia, eles não carregam nenhum componente cultural no que diz respeito ao
papel da nossa origem africana. Por que negligenciar exemplos tão fortes da presença africana nas
raízes brasileiras? Por que não inserir estes elementos que fazem parte do dia-a-dia dos estudantes e
que refletem a história da formação do povo brasileiro?

CONCLUSÃO

Como prática pedagógica, e analisando os aspectos qualitativos da aplicação, pode -se


concluir que a utilização da capoeira nas aulas de Física contribuiu positivamente no processo de
aprendizagem. Os estudantes demonstraram grande interesse pelo tema e interagiram muito durante
as aulas. Apenas essa mudança de atitude por parte dos alunos já justificaria a introdução deste tipo
de elemento às aulas de Física.

Entretanto, outras vertentes deste trabalho podem ser citadas para justificar sua aplicação.
Encontra-se na literatura alguns exemplos de que a abordagem da ciência por meio de elementos
cotidianos tem trazido bons resultados. Várias pesquisas têm destacado a importância da
contextualização dos temas escolares para construção de um ensino próximo ao dia -a-dia do
educando, o que daria mais significado ao que é ensinado, auxiliando na compreensão e na
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apropriação dos saberes. Esse tipo de projeto com a inserção da capoeira mostrou como é
importante trazer para escola experiências da vida cotidiana do seu entorno, situando-a como parte
da comunidade em que ela própria está inserida. O saber cultural pode e deve ser valorizado pela
escola, pois ele é parte da vida dos estudantes e compõe importante aspecto da sua formação.

Espera-se assim ter contribuído no sentido de motivar os alunos ao estudo da Física e ao


mesmo tempo realçar a riqueza da nossa história e cultura popular.

R EFERÊNCIAS :

AMADIO, A. C., BRENNECKE, A. e SERRÃO, J. C. “Parâmetros dinâmicos de movimentos


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BURGUIÈRE, A “A antropologia histórica” IN: LE GOFF, J. A História Nova. São Paulo, Martins
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BURKE, O que é História Cultural? Rio de Janeiro: Zahar, 2005.
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KANDUS, A., GUTMANN, F. W. e CASTILHO, C. M. C. “A Física das oscilações mecânicas em
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Implementação das diretrizes curriculares para a educação das relações étnico-raciais e o
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MATTOS, R. A. História e cultura afro -brasileira. São Paulo: Contexto, 2007.
RAMALHO, F.; NICOLAU, G. F. E.; TOLEDO, P. A. Os Fundamentos da Física . São Paulo:
Editora Moderna , 1998. Tópicos especiais, disponível em:
http://www.moderna.com.br/moderna/didaticos/em/fisica/fundamentos/temas/centrodemassa
.pdf - Acessado em: 01/01/2008.
RIO, J. do. A alma encantadora das ruas. São Paulo: Companhia das Letras, 2008. [1908]
SCHMITT, Jean-Claude “A história dos marginais” IN: LE GOFF, J. A História Nova . São Paulo,
Martins Fontes, 1988. pp. 261-289.

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