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ENSAIO SOBRE O PENSAMENTO CONSTITUCIONAL BRASILEIRO – SUA

EFETIVIDADE E A SIDROME DE DA CONDIÇÃO PERIFÉRICA QUE O


PERMEIA.

___________________________________________________________

ESSAY ON BRAZILIAN CONSTITUTIONAL THOUGHT - ITS EFFECTIVENESS AND


SIDROME OF THE PERIPHERAL CONDITION THAT PERMEATES IT.

Haroldo Alves de Lima


Doutorando em Direito Constitucional pela Universidade Veiga de Almeida. Advogado
inscrito na OAB/SC. Bacharel em Direito e em Administração de Empresas. Pós-
Graduado em Administração de Pessoas (lato sensu)– RH, pela Universidade Federal
do Paraná. MBA Executivo em Gestão Empresarial (lato sensu) – pela UNIVALI
(Universidade do Vale do Itajaí). Pós-Graduação em Direito do Trabalho em nível de
Especialização pela Damásio Educacional.

RESUMO: O presente texto consiste em analisar de forma suscita o


pensamento constitucional brasileiro e sua nuances relacionadas à condição de
um país distante do centrismo teórico europeu onde a condição de país
periférico atribuída ao Brasil resultou na construção de poucos conhecimentos
filosóficos, políticos e constitucionais, pela falta de grandes pensadores ou
intelectuais, que de certa forma, optassem por abandonar idéias e teorias
importadas de outras culturas que não a nossa, e buscassem na nossa história,
nas nossas raízes, apesar da nossa cultura ser demasiadamente jovem em
relação às demais fortalecer o pensamento constitucional brasileiro e
esboçassem uma ponta de criação de uma teoria própria.

PALAVRAS CHAVES: Pensamento constitucional. Teoria. Centrismo.


Periférico. História. Efetividade. Constituição.

ABSTRACT: This text consists in analyzing in a way arouses Brazilian


constitutional thought and its nuances related to the condition of a country
distant from European theoretical centrism where the condition of peripheral
country attributed to Brazil resulted in the construction of little philosophical,
political and constitutional knowledge, for the lack of great thinkers or
intellectuals, who in a way chose to abandon ideas and theories imported from
cultures other than ourown, and seek in our history, in our roots, although our
culture is too "young" in relation to the others strengthening Brazilian
constitutional thinking and sketching a tip of creation of its own theory.

KEY WORDS: Constitutional thinking. Theory. Centrism. Peripheral. History.


Effectiveness. Constitution.

SUMÁRIO: Introdução; 1. O Panorama geral do pensamento constitucional no


Brasil;2. Por uma Teoria Constitucional Brasileira;Conclusão; Bibliografia.

Introdução

Este trabalho tem por objetivo, fazer uma análise de uma forma
superficial sobre o pensamento constitucional brasileiro, colocando-se as
opiniões dos pensadores e doutrinadores, que de alguma forma influenciam na
sua compreensão e que discutem se efetivamente possuímos ou não um
pensamento constitucional em construção.

Nas palavras do jurista e atual Ministro do Supremo Tribunal Federal,


Luis Roberto Barroso verifica-se a importância do tema e do sentimento
constitucional que, após 1988, vem tomando cada vez mais força:1

Sob a Constituição de 1988, o direito constitucional no Brasil


passou da desimportância ao apogeu em menos de uma

1
BARROSO, Luis Roberto. Neoconstitucionalismo e Constitucionalização do Direito (o triunfo
tardio do direito constitucional no Brasil). 2017. Disponível:
http://www.luisrobertobarroso.com.br. Acesso em: 25 out. 2019.
geração. Uma Constituição não é só técnica. Tem de haver,
por trás dela, a capacidade de simbolizar conquistas e de
mobilizar o imaginário das pessoas para novos avanços. O
surgimento de um sentimento constitucional no País é algo que
merece ser celebrado. Trata-se de um sentimento ainda tímido,
mas real e sincero, de maior respeito pela Lei Maior, a despeito
da volubilidade de seu texto. É um grande progresso.
Superamos a crônica indiferença que, historicamente, se
manteve em relação à Constituição. E, para os que sabem, é a
indiferença, não o ódio, o contrário do amor.

Segundo ainda o ilustre professor e doutrinador Christian Edward Cyril


Lynch et al, “desde o final dos anos noventa, o direito constitucional brasileiro
foi objeto de extraordinária ascensão, tendo desbancado a hegemonia da
processualística e do direito civil.”2 Posição corretíssima essa, simplesmente
pelo fato que o direito constitucional deve sempre prevalecer em detrimento de
qualquer outro, que subordinados devem ser à lei maior.

Já dizia nosso maior jurista Rui Barbosa3em sua grade obra “Oração aos
Moços”, dizer esse, que trazendo-o a nossa época, encaixa-se como uma luva
aos nossos estudos do direito constitucional brasileiro e a maior efetividade de
nossa grandiosa constituição, ultrapassando as barreiras de qualquer tempo,
sendo atualíssimo em qualquer época:

Na Constituição Brasileira, a mão que ele não via na sua


república e em sua época, a mão sustentadora das leis, aí
temos, hoje, criada, e tão grande, que nada lhe iguala a
majestade, nada lhe rivaliza o poder. Entre as leis, aqui, entre
as leis ordinárias e a lei das leis, é a justiça quem decide,
fulminando aquelas, quando com esta colidirem.

2
LYNCH, Christian Edward Cyril et MENDONÇA, José Vicente Santos de. Por uma história
constitucional brasileira: uma crítica pontual à doutrina da efetividade. Ver. Direito e Práx., Rio
de Janeiro, Vol. 08, n. 2, 2017, p. 974-1007.
3
BARBOSA, Rui. Oração aos Moços. Edições Casa de Rui Barbosa. Rio de Janeiro. 1999. p.
37.
Mais de trinta e um anos se passaram desde a promulgação de nossa
Constituição, muito esta sendo estudado sobre os direitos nela previstos,
muitas divergências de interpretação estão vindo a tona, consensos são
poucos, interpretações contrarias são muitas, por vezes calcados em
interesses estranhos aos interesse da sociedade, interesses de poucos em
detrimento de muitos. Nossa Constituição não é apenas um amontoado de
artigos expressos em folha de papel, é sim, a aspiração de todo um povo pela
preservação de seus direitos fundamentais e necessários para a base de uma
sociedade sólida e consistente, fundada num verdadeiro estado de direitos. 4

A essência Constitucionalista desprende-se de um arcabouço de teses


jurídicas, de pensamentos filosóficos e políticos, construído ao longo do tempo
da civilização. É um direito vivo, que se amolda à cultura do povo, às
mudanças de pensamento, às novas necessidades, e, sobretudo, ao
fortalecimento dos direitos e garantias individuais. Está integrado aos tratados
internacionais e aos direitos humanos que mantém a sociedade em busca de
constante evolução daquilo que é necessário para a sua própria preservação.

2. Panorama geral do pensamento constitucional no Brasil

Muito se tem discutido no Brasil, como país periférico que lhe intitulam,
se possuímos ou não um pensamento constitucional genuíno, ou, se
simplesmente, usurparmo-nos de “teorias constitucionais” prolatadas nos
países ditos “cêntricos” e importadas por juristas e doutrinadores, que pelo
sentimento de inferioridade que sempre assolou-nos em todos os campos do
conhecimento, como um adjetivo intrínseco tomado de forma perpetua, somos

4
Espindola, Ruy.Samuel. Princípios Constitucionais e Democracia. Habitus Editora. 2019. pp.
145-146. “A constituição há muito deixou de ser entendida como mero documento de belas e
boas intenções políticas; carta de exortações morais aos poderes públicos; apostila de
recomendações aos gestores da coisa pública; epístola de aspirações realizáveis ao sabor das
contingências do momento político, e do fígado dos ocupantes temporais do poder. Há muito
morreu a idéia de carta política sem força de direito. Também, a idéia da Constituição como um
instrumento de governo, insensível às políticas públicas sociais, e só envolvida com a proteção
da liberdade individual e as garantias de cada individuo, já se tornou opinião da história das
idéias político-constitucionais do limiar do século passado.”
apenas repetidores de idéias e pensamentos, como se não tivéssemos uma
identidade própria, mas tivéssemos algo criado para nós e aceito por
unanimidade. Nas palavras de Christian Lynch explicito está essa condição
perversa:

Não há como desvincular o estudo da história do pensamento


brasileiro da visão de mundo daqueles que o produziram, de
acordo com a qual o Brasil se achava na periferia do mundo
“civilizado”. Assim é que, nela, o emprego da palavra
“pensamento” no lugar de “teoria”, para designar os seus
produtos intelectuais, parece já embutir o reconhecimento da
sua inferioridade.Havia implícita uma espécie de divisão do
trabalho intelectual: os países cêntricos produziriam a “teoria”,
ou a “ciência”, ou a “filosofia”, ou seja, reflexões de alcance
“universal” e, portanto, mais densas, mais abstratas, mais
generalizantes, ao passo que os países periféricos produziriam
somente “pensamento”, reflexões de alcance puramente
particular ou local, de caráter menos abrangente e contingente,
orientado para a ação prática. Quem produzia teoria era um
autor, isto é, um especialista, um acadêmico, um cientista.
Quem produzia pensamento, ao contrário, era um ator, voltado
para a aplicação da teoria para um contexto mais circunscrito
no tempo e no espaço. O pensamento se caracterizaria pela
aplicação prática, por parte dos atores dos países periféricos, à
sua realidade política específica, concreta e particular, da teoria
político-social produzida por autores que, instalados nos países
cêntricos, elaborariam uma reflexão dotada de um nível maior
de abstração e uma pretensão de validade universal.5

Paulo Bonavides 6 explica, de uma forma clara e sucinta, como essa


condição de inferioridade refletiu para que hoje, ainda nos debatêssemos sobre

5
.LYNCH, Christian Edward Cyril. Por que pensamento e não teoria? A imaginação
políticosocial brasileira e o fantasma da condição periférica (1880-1970). Dados Revista de
Ciências Sociais, Rio de Janeiro, v. 56, n. 4, p. 758, 2013.
6
BONAVIDES, Paulo. A evolução constitucional do Brasil. Conferência feita pelo autor na
Academia Piauense de Letras em 27 de julho de 2000. Estudos Avançados 14 (40), p.156.
idéias de pensamento constitucional em detrimento de algo mais concreto, ou
até algo que mais se assemelhasse a uma breve teoria:

O constitucionalismo europeu teve por premissa de luta e


contradição o absolutismo de uma sociedade já organizada e
estruturada, a saber, a sociedade feudal do ancien régime.
Tinha história e tradição. Tinha riqueza e cultura. Tinha
profundas raízes espirituais O nosso constitucionalismo, ao
revés, levantou-se sobre as ruínas sociais do colonialismo,
herdando-lhe os vícios e as taras, e ao mesmo passo, em
promiscuidade com a escravidão trazida dos sertões da África
e com o absolutismo europeu, que tinha a hibridez dos
Braganças e das Cortes de Lisboa, as quais deveriam ser o
braço da liberdade e todavia foram para nós
contraditoriamente o órgão que conjurava a nossa recaída no
domínio colonial.

Luiz Roberto Barroso7 nos traz que, pelo fato de nossa Constituição ser
recente, em relação a países que há muito consolidaram seu direito
constitucional, a doutrina e a jurisprudência ainda não passaram da fase da
juventude e muito ainda há para se consolidar:

No caso brasileiro, como no de outros países de


constitucionalização recente, doutrina e jurisprudência ainda se
encontram em fase de elaboração e amadurecimento, fato que
potencializa a importância das referências estrangeiras. Esta é
uma circunstância histórica com a qual precisamos lidar,
evitando dois extremos indesejáveis: a subserviência
intelectual, que implica na importação acrítica de fórmulas
alheias e, pior que tudo, a incapacidade de reflexão própria; e a
soberba intelectual, pela qual se rejeita aquilo que não se tem.
Nesse ambiente, não é possível utilizar modelos puros,

7
BARROSO, Luiz Roberto. Neoconstitucionalismo e Constitucionalização do Direito (O triunfo
tardio do direito constitucional no Brasil). Disponível em
http://www.luisrobertobarroso.com.br/wp-content/uploads/2017/09/. Acesso em 25 out. 2019.
concebidos alhures, e se esforçar para viver a vida dos outros.
O sincretismo – desde que consciente e coerente – resulta
sendo inevitável e desejável.

Já, Virgílio Afonso do Silva8 sustenta que é possível uma teoria brasileira
do Direito Constitucional, desde que coloque-se em primeiro lugar a realidade
brasileira, frente a sua evolução e sua história político-social-econômica9:

A interpretação constitucional pressupõe uma discussão acerca


da concepção de constituição, da tarefa do direito
constitucional, da interação da realidade constitucional com a
realidade política do Brasil e, ainda, acerca da contextualização
e da evolução histórica dos institutos constitucionais brasileiros.
É necessário, em suma, que se desenvolva uma teoria
constitucional brasileira. Isso implica, por exemplo, discutir que
tipo de constituição era a Constituição de 1988 ao ser
promulgada e se as mudanças constitucionais ocorridas desde
então alteraram seus fundamentos políticos, sociais e
econômicos.

Em suma, busca-se alocar a necessidade de consolidar o Pensamento


Constitucional Brasileiro de uma forma não estanque, não numa visão simplista
ou nebulosa, mas como um direito sopesado nos fatos históricos e nas teorias
que o conceberam, sopesar a jurisprudência e o contexto de suas
fundamentações, entender e buscar sua utilidade para dirimir os conflitos que
permeiam as contradições jurídicas e o entendimento de seus princípios
norteadores, buscar a compreensão de sua efetividade e o alcance de suas

8
SILVA, Virgílio Afonso da. Interpretação constitucional, São Paulo: Malheiros, 2005:
9
No vislumbre de termos um pensamento constitucional totalmente importado de culturas tão
diversas da brasileira, Virgílo Afonso da Silva traz que não é difícil perceber que a doutrina
jurídica recebe de forma muitas vezes pouco ponderada as teorias desenvolvidas no exterior.
E, nesse cenário, a doutrina alemã parece gozar de uma posição privilegiada, já que, por
razões desconhecidas, tudo o que é produzido na literatura jurídica germânica parece ser
encarado como revestido de uma aura de cientificidade e verdade indiscutíveis. v. Virggílo
Afonso da Silva. p.116.
preposições, e quem sabe assim poderemos chegar a um esboço de uma
teoria constitucional brasileira.

3. Por uma Teoria Constitucional Brasileira

Muito se tem discutido se seria possível termos uma Teoria


Constitucional originalmente brasileira, ou que ao menos não fosse totalmente
recheada de idéias de um modelo cêntrico que não se adéqua a nossa
realidade. Somos um país que, desde sua origem, não foi colonizado, mas
sempre explorado em todas as suas vertentes, situação fática essa que nos fez
adotarmos teorias alienígenas ao direito brasileiro, modos de interpretação
distantes da nossa cultura, um estrangeirismo exacerbado. Barroso e Barcellos
discorrem sobre o dilema e sua causa10:

A falta de efetividade das sucessivas Constituições brasileiras


decorreu do não reconhecimento de força normativa aos seus
textos e da falta de vontade política de dar-lhes aplicabilidade
direta e imediata. Prevaleceu entre nós a tradição européia da
primeira metade do século, que via a Lei Fundamental como
mera ordenação de programas de ação, convocações ao
legislador ordinário e aos poderes públicos em geral. Daí
porque as Cartas brasileiras sempre se deixaram inflacionar
por promessas de atuação e pretensos direitos que jamais se
consumaram na prática. Uma história marcada pela
insinceridade e pela frustração.

Mas como chegar a um modelo teórico que realmente nos tire da esteira
do pensamento singular de direito constitucional e que “desse um pontapé
inicial” ao delineamento de uma cultura constitucional mais concreta e
10
BARROSO, Luiz Roberto e BARCELLOS, Ana Paula de. O Começo da História. A nova
interpretação constitucional e o papel dos princípios no direito brasileiro. Disponível em:
http://www.camara.rj.gov.br/setores/proc/revistaproc/revproc2003/arti_histdirbras.pdf
tupiniquim? Como se constrói uma teoria constitucional num país periférico?
Pergunta essa de difícil resposta. Christian Lynch11 faz uma pequena reflexão
sobre essa questão discorrendo sobre o pensamento político brasileiro o qual
compatibiliza-se perfeitamente sobre o pensamento constitucional brasileiro:

O processo de superação da “condição periférica”, ao menos


no que diz respeito à avaliação do pensamento político-social
brasileiro, sofreria uma primeira importante inflexão na década
de 1970, com a pesquisa de Wanderley Guilherme e o debate
sobre o pensamento autoritário brasileiro; e uma segunda, nos
últimos quinze anos, ao longo dos quais erodiram muitos dos
pressupostos porque se justificara, no passado, a crença da
inserção subalterna da nossa cultura no quadro mundial. Para
tanto, contribuíram a denúncia das concepções culturais
etnocêntricas vigentes na nossa sociedade desde a segunda
metade da década de 1980 e a própria crise do eurocentrismo,
agravada nos últimos anos pela estagnação econômica
daquele continente e sua decadência relativa frente aos novos
poderes emergentes oriundos de sua antiga periferia – entre os
quais o próprio Brasil. Por fim, com a crise do marxismo
soviético, esgotou-se a própria filosofia da história. Hoje, raros
são os estudiosos brasileiros que ainda têm a coragem de
proclamar - em público, ao menos – a inutilidade do estudo do
pensamento nacional em razão de sua “inferioridade”. Mas
essa reorientação parece ter ocorrido antes de modo intuitivo
do que em função de uma crítica adequada à matriz anterior

Seguramente, refletido a citação anterior, os primeiros passos que esta


se dando para que seja possível uma teoria constitucional brasileira é se
desvencilhar dos antigos conceitos e idéias daqueles intelectuais presos ou
amarrados em concepções advindas de um país periférico, dependente da
teoria de outros e influenciados por história, fatos, política, etc., que não são
nossas, contudo se enraízam de forma tal que acreditamos ser. Segundo

11
LYNCH, Christian Edward Cyril. Op. cit. pp. 759-760.
12
Thomaz Henrique Junqueira de Andrade Pereira “Apenas uma teoria
constitucional que leve a sério as especificidades históricas, políticas e
institucionais brasileiras, conjugando teoria política, ciência política, história e
direito, pode responder adequadamente essas perguntas."

O direito é fruto de evolução social, existe uma historicidade do direito a


ser reconhecida, existindo modos fixos que se repetem e isso ajuda a
interpretar o presente. Há a necessidade de termos uma constituição13 efetiva14
para termos um verdadeiro Direito Constitucional, e firmar a concepção de
inefetividade constitucional somente serve para aqueles que discursam a
necessidade de se passar uma “tábua rasa”, romper com o passado e iniciar a
história constitucional do zero, servindo ainda para firmar a posição que muitos
juristas, depois de 1988, justificam a não existência de um direito constitucional
no Brasil e como Luis Roberto Barroso e Ana Paula de Barcellos, em artigo
intitulado o “Começo da História. A Nova Interpretação Constitucional e o Papel
dos Princípios no Direito Brasileiro”, antes de 1998 “tínhamos uma pré-história
constitucional15 e pelo nosso compreender seria o único jeito de iniciarmos uma
história constitucional exclusiva brasileira, sem as influências do passado,
fundadas em idéias, ativismos, conjecturas, tradições e culturas, dentre outros
fatores, que nunca fizeram parte de nossas raízes, mas colocadas,
principalmente pela falta de doutrinadores e juristas que colocassem
primeiramente em questão, se idéias, conceitos, teorias ou pensamentos se
encaixariam em nossas raízes.16

12
PEREIRA,Thomaz Henrique Junqueira de Andrade. É fundamental desenvolver teoria
constitucional realmente brasileira. Revista Consultor Jurídico. 2017.
13
v. BARROSO e BARCELLOS: A Constituição de 1988 tem sido valiosa aliada do processo
histórico de superação da ilegitimidade renitente do poder político, da atávica falta de
efetividade das normas constitucionais e da crônica instabilidade institucional brasileira. Sua
interpretação criativa, mas comprometida com a boa dogmática jurídica, tem se beneficiado de
uma teoria constitucional de qualidade e progressista. No Brasil, o discurso jurídico, para
desfrutar de legitimidade histórica, precisa ter compromisso com a transformação das
estruturas, a emancipação das pessoas, a tolerância política e o avanço social.
14
v. BARROSO et Barcellos: “Efetividade significa a realização do Direito, a atuação prática da
norma, fazendo prevalecer no mundo dos fatos os valores e interesses por ela tutelado.”
15
___________: A Constituição de 1988 foi o marco zero de um recomeço, da perspecti va de
uma nova história. Sem as velhas utopias, sem certezas ambiciosas, com o caminho a ser feito
ao andar. Mas com uma carga de esperança e um lastro de legitimidade sem precedentes,
desde que tudo começou. E uma novidade. Tardiamente, o povo ingressou na trajetória política
brasileira, como protagonista do processo, ao lado da velha aristocracia e da burguesia
emergente.
16
___________. “A experiência política e constitucional do Brasil, da independência até 1988, é
a melancólica história do desencontro de um país com sua gente e com seu destino. Quase
Em análise, sem se levar a efetivação a cabo da nossa constituição,
nunca teremos uma teoria constitucional ou um verdadeiro constitucionalismo,
mesmo que no limite de pensamento, que com o tempo, buscando-se a maior
efetividade dos direitos constitucionais, e os interpretes e doutrinadores usem
nossas raízes e nossa cultura, recheadas de historicidade de mais de 500 anos
de lutas e buscas pelos direitos individuais e coletivos, certamente o
estrangeirismo alienígena que tomou conta dos nossos entendimentos e
interpretações, será realocado para segundo plano.Segundo ainda Lynch e
Mendonça, “A história constitucional também ainda teria algo a dizer do ponto
de vista hermenêutico a distância crescente das constituições, em relação ao
tempo de sua edição, e a complexidade de sociedades, cada vez mais plurais,
enfraqueceram a vontade constituinte como fórmula de interpretação.”17

De Acordo ainda com Zagrebelsky (2008, p.91 apud Lynch e


Mendonça,p.979)18:

As constituições do nosso tempo miram o futuro mantendo


firme o passado, isto é, o patrimônio da experiência
históricoconstitucional que querem salvaguardar e enriquecer.
(...). Passado e futuro se ligam em uma única linha e, assim
como os valores do passado orientam a busca do futuro, assim
também as exigências do futuro obrigam a uma continua
atualização do patrimônio constitucional que vem do passado
e, portanto, a uma incessante redefinição dos princípios da
convivência institucional. A „história‟ constitucional não é um
passado inerte, mas a continuar e elaboração das raízes
constitucionais do ordenamento que nos é imposta no presente
pelas exigências constitucionais do futuro. A dimensão histórica
do direito constitucional não é, então,um acidente anedótico,
algo que satisfaça apenas nosso gosto pelas antiguidades ou a
curiosidade pelas realizações do espírito humano. Poderia ser
um elemento constitutivo do direito constitucional atual, o que

dois séculos de ilegitimidade renitente do poder, de falta de efetividade das múltiplas


Constituições e de uma infindável sucessão de violações da legalidade constitucional. Um
acúmulo de gerações perdidas.”
17
v. LYNCH e MENDONÇA. Op. Cit p. 978-979.
18
. LYNCH e MENDONÇA. Apud Op. Cit p. 979.
lhe permitiria dar um sentido à sua obra quando a ciência do
direito constitucional resolvesse compreender que não existe
um amo que requeira ser servido, ao contrário do que
aconteceu no passado.

Conforme nos traz Wingler Alves Pereira19:

No estudo do imaginário político e social brasileiro há a linha


específica relacionada à análise do pensamento do intelectual
periférico. Esta vertente busca estudar a consciência que estes
pensadores fazem da sua própria realidade, dos seus
problemas, em diálogo com o que é pensado nos países
“desenvolvidos”. A questão central deste tipo de estudo
consiste em discernir se o intelectual da periferia busca
soluções para os problemas de seu país a partir de sua própria
história, de sua sociedade de passado colônia, ou se suas
idéias são aqui transplantadas do mundo “civilizado” sem um
confronto com as circunstâncias particulares de seu meio.

Trazendo ainda a baila grandes considerações feitas por Lynch e


Mendonça:

Porque nossos intelectuais consideravam que não existia o


povo? Em algum momento, mudaram de diagnóstico? De que
modo os “males da formação nacional” afetaram a percepção
da qualidade ou da própria existência do pensamento político
nacional? Como foi que cada modalidade de filosofia da
história–aliberal, apositivista, aculturalista e amaterialista –
impactou no processo de cognição sócio política nacional e se
refletiu, em cada época, na forma de se avaliar nossos
produtos intelectuais? Compreendido de modo detido a
maneira porque o pensamento político foi fabricado na

19
PEREIRA, Wingler Alves. O dilema do pensamento constitucional brasileiro: tupi or not tupi.
Rev. Direito & Práxis. Rio de Janeiro, Vol. 9, N. 1, 2018, p. 297-322
periferia, será possível, mais adiante, sugerir um método
alternativo de estudá-lo, apto a suprimir a distinção qualitativa
entre “teoria política” (“universal”–cêntrico–superior) e
“pensamento político” (“local”–periférico –inferior). Essa tarefa
passa, também, pela superação da consideração das “idéias
políticas” como dotadas de vida e lugar próprios, bem como de
sua indeclinável historicidade.20

Encontramos nas perguntas feitas, algumas de forma retórica, outras


possíveis mas difíceis de responder, uma visão do porquê do panorama atua
do pensamento constitucional brasileiro e se podemos usar o adjetivo de
“síndrome de periferia” para intelectuais que se auto denominam doutrinadores,
mas que ao mesmo tempo não procuram romper com o passado adotado de
outras culturas, deixando nossa história ao segundo plano e valorizando-se
idéias e produtos de povos de outras fronteiras.

Conclusão

Conclui-se com o presente trabalho que o possuímos no Brasil apenas


pensamentos constitucionais fundados em idéias e pensamentos importados
de outras nações, de outras épocas, de outros comportamentos e culturas, e
que estamos ainda muitos eqüidistante de uma teoria genuinamente brasileira,
fundamentada na nossa história e cultura, não sendo no nosso ponto de vista,
necessário passar uma “tábua rasa” em todo o direito constitucional existente,
iniciando-se do zero, como alguns intelectuais defendem, ao invés, temos que
aprofundar ainda mais nossos estudos voltados para o direito constitucional,
buscar interpretar as leis com base na cultura do povo brasileiro e seus reais
anseios, buscar dar efetivação a todos os nossos princípios constitucionais e
relegar idéias e concepções que em nada nos representa. Sugere-se que
nossos intelectuais do direito, doutrinadores e juristas, se afastem do adjetivo

20
v. LYNCH e MENDONÇA. Op. cit. p. 760
subjetiva de país periférico e começem a construir uma teoria constitucional
genuinamente latina e brasileira.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRAFICAS

BARROSO, Luis Roberto. Neoconstitucionalismo e Constitucionalização do


Direito (O triunfo tardio do direito constitucional no Brasil). 2017. (Disponível:
http://www.luisrobertobarroso.com.br.)

BARROSO, Luiz Roberto e BARCELLOS, Ana Paula de. O Começo da


História. A nova interpretação constitucional e o papel dos princípios no direito
brasileiro.Disponível:http://www.camara.rj.gov.br/setores/proc/revistaproc/revproc200
3/arti_histdirbras.pdf

BONAVIDES, Paulo. A evolução constitucional do Brasil. Conferência feita pelo


autor na Academia Piauense de Letras em 27 de julho de 2000. Estudos
Avançados 14 (40), p.156.

LYNCH, Christian Edward Cyril et MENDONÇA, José Vicente Santos de. Por
uma história constitucional brasileira: uma crítica pontual à doutrina da
efetividade. Ver. Direito e Práx., Rio de Janeiro, Vol. 08, n. 2, 2017, p. 974-
1007.

LYNCH, Christian Edward Cyril. Por que pensamento e não teoria? A


imaginação político social brasileira e o fantasma da condição periférica (1880-
1970). Dados Revista de Ciências Sociais, Rio de Janeiro, v. 56, n. 4, p. 758,
2013.
BARBOSA, Rui. Oração aos Moços. Edições Casa de Rui Barbosa. Rio de
Janeiro. 1999. p. 37.

Espindola, Ruy.Samuel. Princípios Constitucionais e Democracia. Habitus


Editora. 2019. pp. 145-146.

SILVA, Virgílio Afonso da. Interpretação constitucional, São Paulo: Malheiros,


2005:

PEREIRA,Thomaz Henrique Junqueira de Andrade. É fundamental desenvolver


teoria constitucional realmente brasileira. Revista Consultor Jurídico. 2017.

PEREIRA, Wingler Alves. O dilema do pensamento constitucional brasileiro:


tupi or not tupi. Rev. Direito & Práxis. Rio de Janeiro, Vol. 9, N. 1, 2018, p. 297-
322.

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