Você está na página 1de 28

 

1
PAQUEIRA, Eduardo dos Santos; BAZZANELA, Sandro Luiz. A Função Social da Engenharia
Elétrica no Século XXI: Desafios Humanos Diante dos Avanços da Técnica.

A FUNÇÃO SOCIAL DA ENGENHARIA ELÉTRICA NO SÉCULO XXI:


DESAFIOS HUMANOS DIANTE DOS AVANÇOS DA TÉCNICA

A SOCIAL FUNCTION OF ELECTRICAL ENGINEERING IN THE XXI CENTURY:


HUMAN CHALLENGES IN THE FACE OF TECHNICAL ADVANCES

Eduardo dos Santos Paqueira1 


Sandro Luiz Bazzanella2 

RESUMO
Com o avanço do conhecimento técnico e científico, a função do engenheiro eletricista destaque-se no
mercado de trabalho globalizado do século XXI. Tendo a responsabilidade pela pesquisa e
desenvolvimento de novos produtos elétricos e eletrônicos, além da implantação de matrizes
energéticas, o engenheiro eletricista depara-se com um cenário diferente dos apresentados nos
séculos passados, como a preocupação da sociedade com o uso adequado dos recursos naturais e
humanos. Com esse panorama, o profissional da engenharia elétrica necessita de uma formação
acadêmica ampla, compreendendo ciências humanas e exatas para criação de um pensamento
sistêmico articulado as diversas áreas do conhecimento, com a possibilidade de solução dos
problemas com que se depara no dia a dia de forma a contribuir com a sociedade. Os anseios e
necessidades sociais Os
literatura ocidental. são pressupostos
levantados neste projeto
éticos sãocom base emcom
debatidos interpretações clássicas
as propostas presentes
técnicas para na
o
desenvolvimento de uma sociedade mais sustentável economicamente e socialmente. Considerando o
engenheiro eletricista como articulador da inovação da tecnologia, propõem-se ideais coletivos que
possibilitem voltar o fazer técnico característico da engenharia elétrica para uma visão social com
maior amplitude e abrangência, tendo o humano como fim em si mesmo.
 Engenharia Elétrica; Tecnologia; Sociedade.
PALAVRAS-CHAVE: Engenharia
PALAVRAS-CHAVE:
ABSTRACT
With the advancement of scientific and technical knowledge, the function of this electrical engineer-that
in the globalized labor market of the twenty-first century. Taking responsibility for research and
development of new electrical and electronic products, besides the implementation of energy matrices,
the electrical engineer is faced with a different scenario from those presented in past centuries, as the
concern of society with the proper use of natural resources and human. With this scenario, the provider
of electrical engineering requires a broad academic background, including human and exact sciences to
create a systems thinking articulated the various areas of knowledge, with the possibility of solving the
problems faced in day to day to contribute to society. The social needs and aspirations are raised in this
project based on classical interpretations found in Western literature. The ethical assumptions are
discussed with the technical proposals for the development of a more economically and socially
sustainable. Considering the electrical engineer as the articulator of technology innovation, we propose
that enable collective ideals back to the technical characteristic of electrical engineering to a social
vision with greater depth and breadth, and the human as an end in itself.
KEYWORDS:: Electrical Engineering; Technology; Society.
KEYWORDS

1
 Graduando em Engenharia Elétrica pela Universidade do Contestado, onde participa de projetos de
pesquisa, inclusive sobre “A Função Social da Engenharia Elétrica no Século XXI”. Currículo:
http://lattes.cnpq.br/0464001388497202.
2
 Doutor em Ciências Humanas pela Universidade Federal de Santa Catarina, mestre em Educação e
Cultura pela Universidade do Estado de Santa Catarina e graduado em Filosofia pela Faculdade de
Filosofia, Ciências e Letras Dom Bosco. Professor da Universidade do Contestado. Currículo:
http://lattes.cnpq.br/8758284212355714.

Revista Brasileira de Educação e Cultura – ISSN 2237-3098 Número VI Trabalho 01


Centro de Ensino Superior de São Gotardo Jul-dez 2012 Páginas 01-28
http://www.periodicos.cesg.edu.br/index.php/educacaoecultura periodicoscesg@gmail.com
 

2
PAQUEIRA, Eduardo dos Santos; BAZZANELA, Sandro Luiz. A Função Social da Engenharia
Elétrica no Século XXI: Desafios Humanos Diante dos Avanços da Técnica.

1 – INTRODUÇÃO
I NTRODUÇÃO

A proposta deste artigo é relacionar os parâmetros culturais


característicos da civilização ocidental e as diversas formas que a razão assumiu em
determinados momentos civilizatórios. O fio condutor da discussão procura articular
os posicionamentos assumidos pelo homem nos mais diversos contextos da
antiguidade clássica à modernidade, no que se refere às questões relativas à ciência
e a tecnologia e, em especial à engenharia elétrica.
Devido aos avanços científicos e tecnológicos ocorridos principalmente no
século XIX e XX, a forma de pensar e se relacionar com o mundo, com a natureza e
do ser humano consigo mesmo mudou. Na cultura em que estamos inseridos a
razão se apresenta como condição pela qual se pretende compreender a totalidade
do mundo no qual estamos imersos. Em nossa sociedade contemporânea, o que se
constata é que a razão está pautada em modelos, fórmulas e equações
matemáticas, as quais têm o anseio de explicar tudo cientificamente, com a
pretensão de domínio científico e técnico da natureza. Porém, pensar e pautar o
desenvolvimento humano prioritariamente a partir de uma razão técnico-científica é
algo questionável, no que se refere à complexidade e, sobretudo da vida humana.
De acordo com tais pressupostos o problema assim se apresenta: Como
deve agir um engenheiro eletricista, cuja formação privilegia a dimensão científica e
técnica, para contribuir com a melhoria da condição humana, social e ambiental
atual?

2 – A SOCIEDADE OCIDENTAL

A civilização ocidental em sua fase moderna deve ser entendida como a


síntese de idéias e esforços antropocêntricos através dos séculos com pretensões
científicas e técnicas de explicação dos fenômenos naturais e da existência em sua
totalidade. Desta forma, o que a torna singular é que as explicações físicas e
matemáticas da natureza começam a ter cada vez maior importância na vida e na
cosmovisão dos civilizados. É possível partimos do pressuposto de que nos

Revista Brasileira de Educação e Cultura – ISSN 2237-3098 Número VI Trabalho 01


Centro de Ensino Superior de São Gotardo Jul-dez 2012 Páginas 01-28
http://www.periodicos.cesg.edu.br/index.php/educacaoecultura periodicoscesg@gmail.com
 

3
PAQUEIRA, Eduardo dos Santos; BAZZANELA, Sandro Luiz. A Função Social da Engenharia
Elétrica no Século XXI: Desafios Humanos Diante dos Avanços da Técnica.

primórdios dos povos que originaram a cultural ocidental, os seres humanos


procuravam observar e contemplar a natureza, a partir do espanto e da admiração
por ela causada. A partir do período Medieval até os dias atuais, os centros de
aprendizado voltaram-se ao estudo científico de cada parte que compõe a natureza,
potencializando descobertas e avanços tecnológicos, voltados, sobretudo, à
produção, especializando os conhecimentos dos indivíduos cada vez mais para
trabalharem a partir de pontos específicos de pesquisa e de desenvolvimento social
e econômico.
Os conceitos outrora derivados da contemplação do homem diante do
mundo em sua totalidade, pensados e colocados à prova do cálculo, passam a
compor o campo das experiências diretas sobre a natureza, aumentando cada vez
mais o número de cientistas e especialistas em determinadas áreas do
conhecimento que investigam o mundo com a pretensão da validação das teorias
por eles formuladas. Partindo de uma concepção do mundo como máquina, a
natureza passa a ser refletida com os olhos da matemática em seu funcionamento
mecânico.
Analisando a trajetória histórico-conceitual da formação da sociedade
moderna, é possível compreender as bases relacionais que os homens estabelecem
entre si e com a natureza. A princípio, com a crise
crise das explicaç
explicações
ões religiosas, nossa
sociedade passa por transformações, sendo a principal a qual define a ciência como
uma forma de busca pela verdade mais pura, através de um método. Isso se deve à
“(...) crescente credibilidade alcançada pelo pensamento científico” 3, levando,
posteriormente, a uma sacralização da ciência, quando “(...) seu método havia
obtido o reconhecimento necessário para substituir a religião na explicação da
origem, do desenvolvimento e da finalidade do mundo” 4. Nos primórdios da
civilização ocidental, o mundo e a vida em sua totalidade eram explicados a partir
das forças míticas, das relações que os deuses estabeleciam com o mundo. Com o
advento da ciência moderna, esta passa a ocupar o lugar dos deuses e, do Deus
dos cristãos determinando as perspectivas científicas e técnicas características de

3
 COSTA, 1987. P. 35.
4
 Ibidem , p. 38.

Revista Brasileira de Educação e Cultura – ISSN 2237-3098 Número VI Trabalho 01


Centro de Ensino Superior de São Gotardo Jul-dez 2012 Páginas 01-28
http://www.periodicos.cesg.edu.br/index.php/educacaoecultura periodicoscesg@gmail.com
 

4
PAQUEIRA, Eduardo dos Santos; BAZZANELA, Sandro Luiz. A Função Social da Engenharia
Elétrica no Século XXI: Desafios Humanos Diante dos Avanços da Técnica.

mundo da civilização ocidental.


Diversos foram os motivos para que nos séculos XVIII e XIX o
desenvolvimento da forma de percepção do mundo com os olhos da ciência fosse
praticado, entre eles: “(...) os efeitos dos novos inventos, como o pára-raios e as
vacinas, os quais eram amplamente verificáveis e pareciam coroar de êxitos as
atividades científicas” 5. No mesmo período, pensadores desenvolvem a Ilustração, a
qual “(...) além de preocupar-se com o conhecimento da natureza e seu controle,
queria encontrar o meio racionalmente mais adequado para chegar àquele objetivo”
6
. Com esse pensamento, desenvolveu-se o método científico, hoje amplamente
utilizado.
Com base nos conhecimentos acumulados pela civilização ocidental, a
modernidade constitui-se com possibilidades cognitivas, capaz de controle e
transformação do meio ambiente, com o intuito de melhor atender as necessidades
humanas. Desenvolvem-se métodos de pesquisa gerando hipóteses explicativas e
orientativas de investigações sobre objetos e situações outrora desconhecidas, mas
agora vinculadas ao desejo humano de conhecimento e avanço do conhecimento
científico e técnico sobre o mundo.

3 – PRESSUPOSTOS ÉTICOS, POLÍTICOS E TÉCNICOS DA CIVILIZAÇÃO


OCIDENTAL

A civilização ocidental contemporânea é marcada pelo uso intenso da


técnica para tirar bom proveito do que a natureza pode nos oferecer. Com isso,
volta-se prioritariamente às questões das máquinas, ou do funcionamento mecânico
do mundo, em detrimento com a preocupação e as especificidades dos seres
humanos. Dessa forma, a moral do sábio perde sua efetividade com o aparecimento
e afirmação dos conhecimentos advindos da atividade do especialista numa
determinada área. Na medida em que se ganha profundidade num determinado
campo do saber, perde-se a visão da totalidade, das causas e consequências

5
 Ibidem , p. 35.
6
 Ibidem , p. 36.

Revista Brasileira de Educação e Cultura – ISSN 2237-3098 Número VI Trabalho 01


Centro de Ensino Superior de São Gotardo Jul-dez 2012 Páginas 01-28
http://www.periodicos.cesg.edu.br/index.php/educacaoecultura periodicoscesg@gmail.com
 

5
PAQUEIRA, Eduardo dos Santos; BAZZANELA, Sandro Luiz. A Função Social da Engenharia
Elétrica no Século XXI: Desafios Humanos Diante dos Avanços da Técnica.

advindas de conhecimentos particularizados.


Nos primórdios da civilização ocidental, que originou o atual processo
civilizatório, os seres humanos desenvolviam suas atividades produtivas de forma
artesanal, dependentes até certo ponto do trabalho animal para seu
desenvolvimento. Porém, o sucesso da técnica a partir da substituição da força
orgânica pela anorgânica alargou o seu campo de intervenção sobre a natureza,
potencializando a autonomia humana e sua capacidade de desenvolvimento. Sob
tais pressupostos, a civilização da máquina se afirma justificada por sua significativa
capacidade produtiva em escala geométrica.
Sob tais conjecturas, formou-se uma a cultura a partir de um espírito
mágico próprio da civilização da máquina, que se caracteriza por maravilhar-se com
as novas possibilidades de transformação dos elementos da natureza para melhorar
as condições de vida dos seres humanos. Porém, para as culturas primitivas dos
egípcios, dos gregos e romanos, a técnica era algo próprio das divindades, sendo
que “(...) durante uma grande parte da sua história, a humanidade não dispôs de
mais do que recursos técnicos muito modestos, apesar de corresponderem a
invenções altamente engenhosas para a época.” 7. A forma de vida humana era
concebida com os olhos dos deuses, “(...) o mundo e o homem nele integrado era
visto como um processo cíclico, rítmico e automático” 8.
A fascinação apresentada em relação ao automatismo da vida é um fator
primordial que impulsiona a forma pré-racional e estratégica da técnica. A
observação da natureza faz com que o homem tenda a querer repetir estes
movimentos e superá-los com o uso das formas de conhecimento adquiridas com a
experimentação. Esta postura de aposta nas potencialidades científicas e técnicas,
característica da sociedade moderna, alteram as relações políticas e éticas que os
homens estabelecem entre si, com os outros e com a natureza. Relações marcadas,
sobretudo, pela pragmaticidade, pelo utilitarismo, pela transformação do mundo e do
outro em mera condição de meio para as satisfações da voracidade desejante das
sociedades de massa.

7
 SOUZA, 1998. P. 6.
8
 Ibidem , p. 7.

Revista Brasileira de Educação e Cultura – ISSN 2237-3098 Número VI Trabalho 01


Centro de Ensino Superior de São Gotardo Jul-dez 2012 Páginas 01-28
http://www.periodicos.cesg.edu.br/index.php/educacaoecultura periodicoscesg@gmail.com
 

6
PAQUEIRA, Eduardo dos Santos; BAZZANELA, Sandro Luiz. A Função Social da Engenharia
Elétrica no Século XXI: Desafios Humanos Diante dos Avanços da Técnica.

4 – O PAPEL DA TÉCNICA NA CIVILIZAÇÃO OCIDENTAL

A técnica acompanha os seres humanos desde suas raízes, que se


perdem na noite dos tempos. Em sua origem etimológica grega, techne , significa
arte. Arte de fazer coisas, de construir instrumentos necessários à sobrevivência
humana. Porém, a partir do século XIX aumenta sua força de aplicalidade. Com o
avanço das pesquisas e desenvolvimento de inovações tecnológicas, a técnica é
aceita pela civilização ocidental e amplamente apoiada como uma área de inúmeras
possibilidades de crescimento econômico, político e social.
As teorias científicas são desenvolvidas com os avanços do
conhecimento técnico. Estas começam a ter maior fundamento e extinguem as
explicações dadas a partir de pressupostos provenientes das culturas baseadas nas
divindades, sendo que, para CHALMES, “(...) teorias precisas, claramente
formuladas, são um pré-requisito para proposições de observação precisas.” 9.
Assim, as teorias vêm antes da observação e implicam em um argumento baseado
em mais áreas do conhecimento do que antes. Para explicar certos fenômenos
recorre-se à química, à física, à matemática, a biologia, ou seja, áreas específicas
para estudar a natureza, dividindo-a em partes com enfoques diferenciados.
A ciência e a técnica ganham espaço e se afirmam na civilização da
máquina. A partir do momento em que se parte dos princípios de explicação da
natureza com fórmulas matemáticas, criam-se sistemas, articulados às teorias
precisas, aceitas por satisfazerem o maior número de casos possíveis e por
sobreviver à refutação do maior número de pesquisadores possíveis. Com isso, as
coisas do mundo passam de seus nomes comuns a nomes e justificações
científicas. O estudo, a compreensão e as possibilidades de interferência sobre o
mundo e as coisas, passam a ser significativamente valorizadas em detrimento de
outras formas de percepção ou conhecimento do mundo.
Inicialmente as pessoas trabalhavam como artesãos, porém, com o
advento da revolução industrial substitui-se a energia do homem pela energia da
máquina. A revolução industrial pode ser pensada como uma grande mudança na

9
 CHALMERS, 1993. P. 47.

Revista Brasileira de Educação e Cultura – ISSN 2237-3098 Número VI Trabalho 01


Centro de Ensino Superior de São Gotardo Jul-dez 2012 Páginas 01-28
http://www.periodicos.cesg.edu.br/index.php/educacaoecultura periodicoscesg@gmail.com
 

7
PAQUEIRA, Eduardo dos Santos; BAZZANELA, Sandro Luiz. A Função Social da Engenharia
Elétrica no Século XXI: Desafios Humanos Diante dos Avanços da Técnica.

forma de produzir o mundo humano. Mudança causada pelo uso intensivo da


técnica, onde o aumento da produtividade é considerado evidência da melhora no
padrão de vida. Pensava-se que dessa forma, o ser humano não precisaria mais
submeter-se aos imperativos do trabalho, considerados aniquiladores de suas
energias vitais e, que consequentemente todos teriam acesso aos bens produzidos
de que necessitavam.
Nesse momento, o importante é saber o que fazer com toda a técnica
adquirida durante séculos de estudos, pesquisas e desenvolvimentos. Notavelmente
o homem de um fim em si mesmo, tornou-se meio dos inventos e avanços técnicos.
A técnica assumiu na sociedade contemporâ
contemporânea
nea a condição de fim em si mesma. A
técnica implica em áreas específicas do conhecimento do comportamento humano,
visto que outras funções complexas e especializadas são cotidianamente
articuladas, e que a adaptação humana a essas situações se tornou para o indivíduo
um problema de difícil solução.

5 – A HEGEMONIA DA RAZÃO INSTRUMENTAL NA CONTEMPORANEIDADE

A razão instrumental tomou lugar na vida das pessoas, pois é


considerada uma forma de conquista do automatismo inerente ao homem, trazendo
nesse sentido problemas à fundamentação de uma ética na contemporaneidade
marcada pelo desequilíbrio e superficialidade. A razão a serviço dos homens sofreu
forte abalo e distorção, sendo que, a partir desse momento, devido principalmente à
influência dos sistemas econômicos, começa a ter como objeto por excelência o
próprio homem e seu ser e seu fazer, em sua contemplação e ação.
Em relação aos meios de produção, “(...) a vocação da indústria não é,
contudo, a de produzir segundo uma tradicional tabela fixa de necessidades, mas,
inversamente, a de fabricar as próprias necessidades” 10. Sendo assim, a função
inicial da razão assume a tarefa de criar as coisas para um mercado consumidor
focando no automatismo da sociedade, concebendo os seres humanos a partir da
dualidade produtiva e consumidora a que estão submetidos.

10
 SOUZA, 1998. P. 22.

Revista Brasileira de Educação e Cultura – ISSN 2237-3098 Número VI Trabalho 01


Centro de Ensino Superior de São Gotardo Jul-dez 2012 Páginas 01-28
http://www.periodicos.cesg.edu.br/index.php/educacaoecultura periodicoscesg@gmail.com
 

8
PAQUEIRA, Eduardo dos Santos; BAZZANELA, Sandro Luiz. A Função Social da Engenharia
Elétrica no Século XXI: Desafios Humanos Diante dos Avanços da Técnica.

Em se tratando de automação, a civilização da máquina cria cada vez


mais possibilidades de adaptar os acontecimentos do dia-a-dia a um automatismo
inerente ao homem, considerando que diversas funções do corpo humano trabalham
sem que necessite de um comando consciente (como batidas do coração e
respiração, por exemplo). “O que se passa é que com o progresso da técnica o
homem transfere para a natureza inanimada (aparelhagem técnica criada pelo
próprio homem) um princípio de organização que já vigora em diversos pontos do
nosso organismo.” 11.
Juntamente com isso, o advento da indústria fez com que a produção em
massa fosse capaz de globalizar os artefatos, levando-os para todos os mercados
consumidores do mundo, através de negociações internacionais. O sistema
econômico, por sua vez, tende a favorecer o comércio baseado em uma economia
capitalista sem restrição e controle. O mundo foi transformado num grande mercado,
onde são oferecidos em quantidades inimagináveis produtos e bens de consumo
aos ávidos consumidores globais. A corrida para ganhar os mercados consumidores
fez a sociedade, a partir do século XIX, com a Revolução Industrial, voltar-se ao
estudo da técnica como forma de desenvolver meios de atender o comércio com
inovações cada vez mais especializadas para o bem estar dos consumidores.
Isso implica considerar que o homem deixa de ser um fim em si mesmo e
transforma-se em meio, ou seja, o processo de produção em massa o transforma
apenas em consumidor de diversas bugigangas desenvolvidas e produzidas nas
indústrias na contemporaneidade. Nesse sentido, “(...) as funções sociais são, em
muitos casos, simplesmente realizadas e não vividas” 12. Deixando de viver as
funções sociais, o homem perde as relações interpessoais, tão necessárias a sua
existência. Também por esse motivo, na sociedade moderna se desenvolve redes
virtuais, utilizando a rede mundial de computadores, invenção humana, com intuito
de manter e criar amizades, porém, sem o compromisso da amizade real, resultante
de sua condição política, ética e estética.

11
 Ibidem , p. 12.
12
 Ibidem , p. 17.

Revista Brasileira de Educação e Cultura – ISSN 2237-3098 Número VI Trabalho 01


Centro de Ensino Superior de São Gotardo Jul-dez 2012 Páginas 01-28
http://www.periodicos.cesg.edu.br/index.php/educacaoecultura periodicoscesg@gmail.com
 

9
PAQUEIRA, Eduardo dos Santos; BAZZANELA, Sandro Luiz. A Função Social da Engenharia
Elétrica no Século XXI: Desafios Humanos Diante dos Avanços da Técnica.

6 – A PRIMAZIA DA POLÍTICA E DA
D A ÉTICA SOBRE A TÉCNICA

Diversas formas de pensamento influíram para as mudanças na nova


organização sócio-econômica transcorrida nos últimos séculos e, retomada com a
releitura da maneira de pensar o mundo levada adiante pelo Iluminismo do século
XVIII, propondo “(...) uma relação otimista com a ciência e a técnica modernas,
focalizando a idéia do desenvolvimento no crescimento dos potenciais produtivos” 13.
Entre os estudos de sistemas econômicos se destacou no decorrer da história,
principalmente, os de cunho marxista.
Foi Marx, um dos primeiros pensadores no século XIX que “(...) deu
destaque ao papel da técnica no contexto de uma teoria social e econômica de
longo alcance” 14, salientando a forma de o homem ser capaz de produzir suas
próprias ferramentas. Além disso, propôs que “(...) as relações de produção sofrem
uma constante pressão inovadora” 15. Porém, para ele as relações de produção
dificultavam a evolução da sociedade humana, e não a técnica em si.
Pensando a partir desse contexto, de seus imperativos éticos e políticos,
propõe-se a primazia da política e da ética sobre a técnica. A ética e a política são
princípios basilares e, necessitam a constante reflexão prática, desde os primórdios
da civilização ocidental, sendo objetivo de diversos estudos e posicionamentos, que
inspiraram e ainda inspiram pensadores a respeito destas questões.
Na obra: “A Política”, Aristóteles desenvolveu estudos aprofundados em
relação ao assunto. Para ele, a política é a ciência com a missão de estudar as
partes que compõe o Estado, ou seja, sua população, seu território, autoridade
política, formas de governo. Logo “(...) é evidente, pois, que a Cidade faz parte das
coisas da natureza, e que o homem é naturalmente um animal político” 16, sendo
assim, ele observou que antes da parte existe o todo, e que, “(...) se cada indivíduo
isolado não se basta a si mesmo, assim também se dará em relação ao todo. (...) A

13
 BRÜSEKE, 2005. P. 1.
14
 Ibidem .
15
 Ibidem , p. 2.
16
 ARISTÓTELES. 2011. P. 21.

Revista Brasileira de Educação e Cultura – ISSN 2237-3098 Número VI Trabalho 01


Centro de Ensino Superior de São Gotardo Jul-dez 2012 Páginas 01-28
http://www.periodicos.cesg.edu.br/index.php/educacaoecultura periodicoscesg@gmail.com
 

10
PAQUEIRA, Eduardo dos Santos; BAZZANELA, Sandro Luiz. A Função Social da Engenharia
Elétrica no Século XXI: Desafios Humanos Diante dos Avanços da Técnica.

natureza compele assim todos os homens a se associarem” 17.


No início das sociedades burguesas, nos séculos XV e XVI, viu-se que a
ciência e a técnica eram indispensáveis para o avanço econômico e social da
civilização. Além disso, “(...) os cientistas da pequena burguesia cultivavam a ‘razão’
como conceito central do projeto da civilização do mundo” 18. A partir das duas
Guerras Mundiais do século XX, volta-se a discutir com mais enfoque os conceitos
da técnica, sendo essa dividida por pensadores em duas vertentes: por um lado,
“(...) emancipada de qualquer dimensão metafísica e artística” 19, por outro, “(...) uma
promessa salvacionista, utópica ou heróica, não obstante, totalmente absorvida por
uma concepção materialista do mundo, concebido, enquanto, campo de batalha” 20.
No século XIX, com a Revolução Industrial, iniciada na Europa, os
governantes, fascinados com os avanços da técnica, apoiaram vários segmentos de
pesquisa científica, pois se notava grande aprovação por parte dos cidadãos, porque
“(...) aos olhos dos homens da época, eram vitoriosas as conquistas do
conhecimento humano, no sentido de abrir caminho para o controle sobre as leis da
natureza” 21.
A partir desse período, o conhecimento começa a parecer como sinônimo
de poder, ou seja, o homem mais esclarecido é mais requerido nas sociedades. Já
no final do Século XIX, visto a grande aceitação e encanto, “(...) capitalistas
financeiros, investindo na atividade científica, fizeram surgir à segunda Revolução
Industrial” 22. Com base nesses aspectos, consolidava-se uma nova forma de
organização econômica e social, baseada, sobretudo, nos estudos da ciência e
desenvolvimento de tecnologias.

17
 Ibidem , p. 22.
18
 BRÜSEKE, 2005. P. 2.
19
 Ibidem , p. 3.
20
 Ibidem .
21
 COSTA, 1987. P. 35.
22
 Ibidem , p. 36.

Revista Brasileira de Educação e Cultura – ISSN 2237-3098 Número VI Trabalho 01


Centro de Ensino Superior de São Gotardo Jul-dez 2012 Páginas 01-28
http://www.periodicos.cesg.edu.br/index.php/educacaoecultura periodicoscesg@gmail.com
 

11
PAQUEIRA, Eduardo dos Santos; BAZZANELA, Sandro Luiz. A Função Social da Engenharia
Elétrica no Século XXI: Desafios Humanos Diante dos Avanços da Técnica.

7 – OS FUNDAMENTOS DA FORMAÇÃO DO ENGENHEIRO ELETRICISTA

Com o decorrer do processo civilizatório desenvolveram-se métodos e


didáticas para o aprendizado das diversas técnicas em suas especializações. Nesta
perspectiva, urge pensar os fundamentos da formação do engenheiro eletricista, a
fim de estabelecer critérios com os quais se relacionam a vida social, ética e política
com a formação técnica.
Desde o começo dos cursos de engenharia, até os dias atuais, muitas
modificações foram efetuadas nas matérias e disciplinas vinculadas à formação do
engenheiro. Nesse contexto, vale ressaltar as mudanças mundiais, destacadas por
SILVEIRA:

Novas tecnologias, como a pesquisa operacional, a informática, as


telecomunicações e as biotecnologias, as quais não só deram origem a
novas ferramentas, exigindo uma formação complementar, mas alteraram
profundamente os processos de trabalho e suas representações 23.

Considerando essas inovações nos modelos mundiais e na pesquisa


constante de novos conhecimentos e aplicações tecnológicas, além das “(...)
mudanças socioeconômicas que afetam atualmente a atividade do engenheiro” 24, o
perfil da formação passa a enfatizar cada vez mais a especialização em certas
áreas. Algumas engenharias, que eram capazes de abranger grandes áreas do
conhecimento técnico agora passam a ser divididas, a fim de atender cada parte
com maior ênfase.
Na área da engenharia elétrica, mudanças significativas são percebidas,

“(...) no passado recente (há 20 anos) exigia-se que estes engenheiros fossem
apenas competentes em projetar e gerenciar sistemas de geração, transmissão e
distribuição de energia elétrica” 25. Ou seja, o acadêmico de engenharia elétrica tinha
em sua formação diversos conteúdos técnicos, com objetivo de sair da universidade
capaz de efetuar suas atribuições técnicas. Todavia, “(...) outras características,
como liderança ou competência administrativa, eram apenas mencionadas como

23
 SILVEIRA, 2005. P. 1.
24
 Ibidem , p. 2.
25
 Ibidem , p. 3.

Revista Brasileira de Educação e Cultura – ISSN 2237-3098 Número VI Trabalho 01


Centro de Ensino Superior de São Gotardo Jul-dez 2012 Páginas 01-28
http://www.periodicos.cesg.edu.br/index.php/educacaoecultura periodicoscesg@gmail.com
 

12
PAQUEIRA, Eduardo dos Santos; BAZZANELA, Sandro Luiz. A Função Social da Engenharia
Elétrica no Século XXI: Desafios Humanos Diante dos Avanços da Técnica.

desejáveis, não como determinantes” 26.


Atualmente, a formação do engenheiro eletricista passou por diversas
atualizações para adaptação às necessidades do mercado, onde desempenhará
suas funções com diversos outros profissionais para execução de projetos, bem
como para elaboração de novos. Em meio a esse novo modelo, um projeto deve
“(...) começar a ser discutido a partir das conveniências econômicas, das políticas
ambientais, para só então e, em função delas, passar à discussão técnica” 27.
Estabelecidos os modelos acadêmicos, no que concerne a formação dos
engenheiros em contextos distintos e, comparados às atuais exigências e
necessidades do mercado de trabalho, apresentam-se as novas obrigações do
profissional, passando dos conteúdos totalmente técnicos para as áreas humanas,
com intuito da formação de pessoas capazes de reconhecer os impactos sociais e
econômicos de seus atos e projetos técnicos. Engenheiros capazes de administrar
projetos e desenvolver novas ideias com equipes de diversas outras áreas do
conhecimento. Essas novas funções “(...) giram em torno da capacidade que tem o
engenheiro bem formado de enfrentar problemas, pensando com clareza e
considerando as possibilidades e os limites técnicos” 28.
Portanto, o que esta em jogo é o acadêmico de engenharia elétrica
buscar no decorrer de seus estudos, “(...) uma noção do papel que desempenhará
futuramente, não apenas no campo estritamente técnico, mas também como
cidadão” 29. É necessário compreender a dinâmica das relações humanas e sociais
em que está inserido para um melhor desempenho da profissão.
Para ocorrer essa interação entre as diversas áreas do conhecimento, a
formação do engenheiro eletricista deve abranger conteúdos das ciências sociais, da
filosofia, da sociologia, da psicologia humana e social, a fim de compreender os
resultados de seus atos técnicos com visões diferentes do mesmo problema, dessa
forma, “(...) o engenheiro, por formação, deve desenvolver um raciocínio analítico” 30,
para que com ele, saiba aplicar seus conhecimentos de forma mais eficaz à
26
 Ibidem .
27
 Ibidem .
28
 Ibidem , p. 7.
29
 BAZZO, 2008. P. 85.
30
 Ibidem , p. 84.

Revista Brasileira de Educação e Cultura – ISSN 2237-3098 Número VI Trabalho 01


Centro de Ensino Superior de São Gotardo Jul-dez 2012 Páginas 01-28
http://www.periodicos.cesg.edu.br/index.php/educacaoecultura periodicoscesg@gmail.com
 

13
PAQUEIRA, Eduardo dos Santos; BAZZANELA, Sandro Luiz. A Função Social da Engenharia
Elétrica no Século XXI: Desafios Humanos Diante dos Avanços da Técnica.

sociedade, conduzindo seu trabalho de forma mais contextualizada e, respeitosa no


concerne às necessidades humanas e ambientais.

8 – A REPRODUÇÃO DA RACIONALIDADE INSTRUMENTAL

Com o estudo da técnica e do desenvolvimento da sociedade em torno


dela, alguns fatores diferenciaram a forma de organização econômica e social em
que a civilização ocidental se estabeleceu. Entre os diversos fatores, a
racionalização instrumental é a que mais nos diferencia das outras culturas
civilizacionais, bem como de nossas bases ocidentais. Atualmente, o processo de
racionalização no campo da organização econômica e técnica determinam os ideais
de vida da sociedade burguesa moderna.
Nesta perspectiva, destacam-se as investigações de Max Weber em torno
dessa racionalização. Para ele, a cultura ocidental desenvolveu formas de
racionalizar os conhecimentos produzindo diferentes formas de adequação da
natureza às nossas necessidades. Além disso, fazem parte de nossa civilização as
racionalizações da vida econômica, da técnica, entre outros e, tudo isso é resultado
do trabalho livre, o qual só é visto nessa forma de organização social.
A Engenharia é uma das responsáveis pelas modificações das
sociedades. Ela parte ao estudo dos objetos e da inovação deles, além da sua
execução e prática nas indústrias, com intuito de produção e comercialização em
massa. Por esse motivo, “(...) é fácil percebermos uma dependência cada vez maior
da sociedade moderna em relação aos produtos tecnológicos, (...) e isso, em grande
parte, é decorrência da evolução da engenharia” 31. A Engenharia desenvolveu e
melhorou diversos utensílios que auxiliam no dia-a-dia das pessoas, tais como,
equipamentos para medicina, com objetivo de cuidar da saúde, dos transportes e,
entre diversos outros. Contudo, a Engenharia também auxiliou na ampliação do
poder bélico dos países que investiram nesse ramo de pesquisa.
Diversos são os problemas gerados pelo avanço científico e técnico da
Engenharia, porém, os principais, para BAZZO & PEREIRA, são: “(...) a

31
 Ibidem , p. 83.

Revista Brasileira de Educação e Cultura – ISSN 2237-3098 Número VI Trabalho 01


Centro de Ensino Superior de São Gotardo Jul-dez 2012 Páginas 01-28
http://www.periodicos.cesg.edu.br/index.php/educacaoecultura periodicoscesg@gmail.com
 

14
PAQUEIRA, Eduardo dos Santos; BAZZANELA, Sandro Luiz. A Função Social da Engenharia
Elétrica no Século XXI: Desafios Humanos Diante dos Avanços da Técnica.

desigualdade social, a crescente depredação da natureza ou a dominação de povos


pela força do poderio bélico” 32. Visto esses pontos, a racionalidade instrumental, em
sua perspectiva pragmática, utilitária passa a ser objeto de indagação: A que
perspectiva de desenvolvimento esta racionalidade, que em certa medida se
apresenta nas engenharias esta a serviço?
As reflexões em torno dos pressupostos da racionalidade instrumental
características dos nossos tempos necessita transcorrer a formação do engenheiro
eletricista, para que este possa orientar sua ação profissional com compromisso
ético e político em relações aos paradoxos e contradições sociais, onde se encontra
inserido. Ou seja, de desenvolver produtos sustentáveis aos pré-requisitos de
cuidado com a natureza e, ainda assim, atenderem às necessidades da vida
humana.

9 – A INSTRUMENTALIDADE DO FAZER E A OBSOLESCÊNCIA PROGRAMADA

Com os avanços das tecnologias no mundo contemporâneo, o fazer


científico implantou diversas mudanças, inclusive, na forma dos seres humanos se
relacionarem. Nesse sentido, desenvolveram-se grupos sociais dos mesmos modos
que a produção de objetos: através da razão, considerando o custo e o benefício
dessas relações. Assim, o desenvolvimento ocorre com a “(...) humanização da
natureza por intermédio do controle humano das potências naturais, acompanhada
da correlativa humanização das relações sociais” 33.
As engenharias ajudaram na forma do homem entender a si mesmo, pois
através de programas e de projeções advindas dos sistemas de informação, eles
conseguem imitar ações humanas e facilitar o estudo com a simulação a partir de
softwares. Com isso, hoje em dia é possível conhecer funções específicas de cada
parte do corpo humano, sendo que, “(...) tais recursos potencializam, em escala
antes inimaginável, as faculdades e as disposições ‘naturais’ do organismo humano,
de modo que o cyber-man é muito mais que ficção científica” 34.

32
 Ibidem .
33
 GIACOIA, 2004. P. 2.
34
 Ibidem , p. 3.

Revista Brasileira de Educação e Cultura – ISSN 2237-3098 Número VI Trabalho 01


Centro de Ensino Superior de São Gotardo Jul-dez 2012 Páginas 01-28
http://www.periodicos.cesg.edu.br/index.php/educacaoecultura periodicoscesg@gmail.com
 

15
PAQUEIRA, Eduardo dos Santos; BAZZANELA, Sandro Luiz. A Função Social da Engenharia
Elétrica no Século XXI: Desafios Humanos Diante dos Avanços da Técnica.

Entretanto, o avanço do fazer científico nem sempre atende a todos as


necessidades dos humanos, principalmente em relação aos efeitos desses avanços
sobre a natureza. Sabe-se que os recursos naturais são escassos. O aumento do
lixo tecnológico na sociedade moderna se deve, principalmente, a um fenômeno
industrial conhecido como descartabilidade. Ela tem por base tornar os produtos
obsoletos por insatisfação do consumidor, ou pela limitação de sua “vida útil”,
decretando sua ineficiência, sendo necessária a substituição por um produto mais
moderno. Isso ocorre a partir da dinâmica da sociedade da plena produção e
consumo em que estamos inseridos. Assim, os produtos modernos passam por uma
constante inovação tecnológica para que dure o menor tempo possível.
Nesse sentido, os avanços tecnológicos esvaziam o horizonte de sentido
e finalidade que os objetos podem ter na composição do mundo humano.
Destituídos plenamente de significado, pois, a partir do momento em que se vive
para consumir, não há mais sentido para a valorização do ser humano, tomando os
produtos como objeto de felicidade, o que transgride a condição ética e política do
homem em sua busca do bem viver e da felicidade. Com isso, se o homem deixa de
ser fim em si mesmo estando “(...) franqueada à perspectiva de uma
instrumentalização em grande estilo das condições de existência humana” 35, ou
seja, o homem passa a ser para o outro um meio para satisfação dos seus
interesses.

10 – A FORMAÇÃO HUMANA E TÉCNICA DO ENGENHEIRO ELETRICISTA


DIANTE DOS DESAFIOS DO SÉCULO XXI

Com um modelo econômico baseado no mercado de livre comércio


mundial, globalizando a economia, as tecnologias e as informações e, com o
aparecimento dos problemas sociais e ambientais, o engenheiro eletricista sente
dificuldade ao tentar incorporar perspectivas das ciências humanas em sua
formação. Neste sentido, há necessidade de rever os currículos e suas
possibilidades de permitir ao engenheiro eletricista compreender o mundo e se

35
 Ibidem , p. 5.

Revista Brasileira de Educação e Cultura – ISSN 2237-3098 Número VI Trabalho 01


Centro de Ensino Superior de São Gotardo Jul-dez 2012 Páginas 01-28
http://www.periodicos.cesg.edu.br/index.php/educacaoecultura periodicoscesg@gmail.com
 

16
PAQUEIRA, Eduardo dos Santos; BAZZANELA, Sandro Luiz. A Função Social da Engenharia
Elétrica no Século XXI: Desafios Humanos Diante dos Avanços da Técnica.

inserir nele segundo a formação técnica adquirida, assim, aplicando-se no


desenvolvimento de projetos com fins de melhorias nas condições humanas como
prioridade geral.
O profissional da engenharia elétrica necessita conhecer “(...) os
fundamentos das leis da física, da estrutura da matéria, do comportamento dos
fluídos, das ligações químicas, da conversão de energias (...)” 36 para desempenhar
de forma satisfatória suas atividades como profissional, além de manter-se a par dos
outros aspectos humanos, sociais e políticos da sociedade e do mundo atual.
Porém, o conhecimento teórico em si não faz com que o engenheiro projete,
construa ou opere dispositivos complexos. A aplicação de seus conhecimentos
implica na familiarização com a tecnologia, além da experiência com atributos
empíricos do meio.
As dificuldades cuja solução é requerida ao engenheiro, fazem com que
ele busque novos conhecimentos fora da área específica da qual é formado, sendo
que, as áreas de busca de informação desse profissional, para BAZZO & PEREIRA:

(...) estendem-se pelos campos da economia, da psicologia, da sociologia,


da ecologia, do relacionamento pessoal e de muitos outros, dentre os quais
hoje se destacam os estudos no campo CTS – sigla para designar Ciência,
Tecnologia e Sociedade –, que auxiliarão na análise de diversos problemas
37
.

Há certa dificuldade, porém, do profissional desta área em agir de acordo


com as novas necessidades da indústria e da sociedade. Isso se deve ao fato de
que o currículo do curso sobrepõe conteúdos técnicos, deixando a parte social,
política e cultural de lado.
O pensamento e a cultura difundida pelos positivistas a partir dos séculos
XVIII e XIX influenciaram fortemente a cultura ocidental. Porém, não houve os
resultados esperados. Os pressupostos éticos em relação à sociedade se
transformaram junto com as linhas culturais. Com o fato que cada vez mais povos e
países foram adotando essa forma de relação entre homem e máquina, “(...) o
desenvolvimento industrial fazia emergir a todo o momento novos conflitos sociais”38.

36
 BAZZO, 2008. P. 92.
37
 Ibidem , p. 91.
38
 Ibidem , p. 45.

Revista Brasileira de Educação e Cultura – ISSN 2237-3098 Número VI Trabalho 01


Centro de Ensino Superior de São Gotardo Jul-dez 2012 Páginas 01-28
http://www.periodicos.cesg.edu.br/index.php/educacaoecultura periodicoscesg@gmail.com
 

17
PAQUEIRA, Eduardo dos Santos; BAZZANELA, Sandro Luiz. A Função Social da Engenharia
Elétrica no Século XXI: Desafios Humanos Diante dos Avanços da Técnica.

Os engenheiros, atuando como articuladores desse meio devem superar


a racionalidade instrumental e voltarem-se as necessidades do ser humano nas
aplicações de suas pesquisas. Isso significa reposicionar o uso das máquinas como
objeto e retomar a sociedade como principal objetivo dos projetos. Isso sugere “(...)
trocar ideias com clientes, operários, políticos, diretoria da empresa, usuários” 39,
afim de realmente solucionar os problemas, pensando no resultado atual da
aplicação e, no que se refere ao futuro dessa inovação gerada, ou seja, minimizar os
problemas e impactos sociais e econômicos.
Uma formação capaz de desenvolver atitudes características de cidadãos,
capazes de execução de sua função profissional na área técnica e, preocupados
com as repercussões sociais, remete à necessidade do mercado de trabalho atual,
mas também da sociedade moderna. Percebe-se que os serviços estão mais
dependentes da capacidade de organização próprias à engenharia. Partindo desse
princípio, a mudança na formação do engenheiro eletricista deve seguir relacionando
o estudo técnico com as áreas do conhecimento das ciências humanas.
No processo histórico da civilização ocidental, houve uma mudança no
século XX, marcada pela “(...) aceleração do processo de industrialização e o
aumento de nações concorrentes na corrida imperialista as quais fizeram um novo
surto de modernização” 40. Tal surto transformou os mercados consumidores em
mercados globais e, mudou o modo de produção capitalista, baseado agora no livre
comércio mundial. Com o mercado global entre os Estados e nações, desenvolvem-
se sistemas modernos de transporte, de comunicação e de exploração de recursos
naturais, com a finalidade de atender à urgência necessária à industrialização dos
produtos de consumo.
Com a expansão do consumo, diversas áreas do conhecimento começam
a se destacar no processo de inovação, sendo que a engenharia, empregada como
tecnociência, passa a ser dividida em diversas áreas a fim de atender aos
desdobramentos técnicos e as demandas criadas a partir de problemas próprios dos
processos industriais. Diversas foram as engenharias criadas, sendo que, “(...) cada

39
 BAZZO, 2008. P. 93.
40
 COSTA, 1987. P 114.

Revista Brasileira de Educação e Cultura – ISSN 2237-3098 Número VI Trabalho 01


Centro de Ensino Superior de São Gotardo Jul-dez 2012 Páginas 01-28
http://www.periodicos.cesg.edu.br/index.php/educacaoecultura periodicoscesg@gmail.com
 

18
PAQUEIRA, Eduardo dos Santos; BAZZANELA, Sandro Luiz. A Função Social da Engenharia
Elétrica no Século XXI: Desafios Humanos Diante dos Avanços da Técnica.

uma delas possui características próprias e se ocupa de atividades características


de um ramo específico de atuação” 41. Entre as derivações, a que destacamos é a
engenharia elétrica, com seu objeto constituído no estudo das mais variadas formas
de geração,
geração, transmissão, controle e gerenciamento de energia elétrica. Na
engenharia elétrica o profissional sai formado com possibilidades de atuar “(...) de
forma geral, em indústrias de material elétrico e eletrônico, automobilística,
construção civil ou em qualquer indústria na parte de projeto” 42.
No Brasil, a formação do engenheiro eletricista passou por diversas
modificações, chegando à atual, constituída por matérias específicas para formação
técnica, e algumas sociais, como a filosofia, a sociologia e a ética. Porém, ainda
estamos defasados na formação dos engenheiros eletricistas. É importante que o
profissional seja capaz de entender os resultados de seu trabalho como profissional,
antes mesmo de tal objeto ser levado ao uso da indústria. Esta matriz curricular em
nosso entendimento tem deficiências no que concerne a formação do profissional da
engenharia elétrica, na medida em que se constata que os acadêmicos em sua
maioria não alcançam a compreensão analítica e interpretativa do resultado de seus
atos além do âmbito técnico, não conseguindo desenvolver uma solução abrangente
nas diversas áreas do conhecimento.
Aprender o sentido da polis  é
 é um passo para que o engenheiro eletricista
possa trabalhar voltado para ela. Destacam-se os projetos que buscam um bem
coletivo, com intuito de uma melhora na qualidade de vida dos indivíduos,
diferentemente dos quais se voltam ao uso e desuso destes. Para ARISTÓTELES,
“(...) todos procuram a felicidade cada qual a seu modo, e a diferença na vida dos
indivíduos produz a diferença dos governos” 43. Compreendendo a definição e
importância da cidade-comunidade para a constituição do ser humano, o engenheiro
eletricista necessita se envolver com as decisões coletivas, partindo de clareza e
compromisso com pressupostos políticos e éticos, voltando-se à condição humana,
pois, “(...) na ordem da natureza, o Estado se coloca antes da família e antes de

41
 BAZZO, 2008. P. 227.
42
 Ibidem , p. 236.
43
 ARISTÓTELES. 2011. P. 153.

Revista Brasileira de Educação e Cultura – ISSN 2237-3098 Número VI Trabalho 01


Centro de Ensino Superior de São Gotardo Jul-dez 2012 Páginas 01-28
http://www.periodicos.cesg.edu.br/index.php/educacaoecultura periodicoscesg@gmail.com
 

19
PAQUEIRA, Eduardo dos Santos; BAZZANELA, Sandro Luiz. A Função Social da Engenharia
Elétrica no Século XXI: Desafios Humanos Diante dos Avanços da Técnica.

cada indivíduo, pois que o todo deve, forçosamente, ser colocado antes da parte” 44.
Para desenvolver ideias, articuladas com as demais áreas do
conhecimento, vários pensadores propõem métodos científicos, sendo DESCARTES
(1596-1650), filósofo e matemático francês, o fundador do pensamento moderno. Ele
sugere em seu Discurso do Método, que o primeiro momento da procura pela
resposta para algum problema “(...) consistia em nunca aceitar, por verdadeiro, o
que não conhecesse como evidente” 45, ou seja, devia-se evitar a precipitação, os
preconceitos, o senso comum e a visão unilateral do mundo e da vida.
A partir das perspectivas da filosofia cartesiana, o engenheiro eletricista
pode articular seu pensamento e desenvolver a criatividade, capaz de realmente
inovar algum processo de pesquisa, e solucionar problemas mais complexos, como
citado por BAZZO, “(...) de uma concepção preliminar, mesmo que pobre, pois isso
pode fornecer um importante auxílio na geração de novas ideias” 46.
O princípio ético vem como complemento a todo processo de pensamento
do problema levantado pelo engenheiro eletricista, considerando como um resultado
satisfatório do projeto, quando este seja capaz de solucionar as dificuldades sem
fugir os pressupostos éticos, ou seja, que não prejudique grupos de pessoas,
sociedade e povos, somente para satisfazer outros interesses individualizados, de
grupos, ou mesmo corporações.

11 – A AÇÃO TÉCNICA DO ENGENHEIRO ELETRICISTA NA POLIS  

O estudo da eletricidade foi iniciado na Grécia Antiga, com Tales de


Mileto. Ele foi o primeiro pensador do qual se tem registro, cuja pesquisa buscava
entender a natureza, sua origem, movimento e transformação. Em suas
investigações, ele atritava o âmbar com a pele de animal, assim, o âmbar adquiria a
capacidade de atrair pequenos pedaços de palha. Com base nesse princípio, tem
início uma nova forma de conhecimento sobre fenômenos físicos, no caso a
eletricidade.

44
 Ibidem , p. 22.
45
 DESCARTES, 2011. P. 40.
46
 BAZZO, 2008. P. 147.

Revista Brasileira de Educação e Cultura – ISSN 2237-3098 Número VI Trabalho 01


Centro de Ensino Superior de São Gotardo Jul-dez 2012 Páginas 01-28
http://www.periodicos.cesg.edu.br/index.php/educacaoecultura periodicoscesg@gmail.com
 

20
PAQUEIRA, Eduardo dos Santos; BAZZANELA, Sandro Luiz. A Função Social da Engenharia
Elétrica no Século XXI: Desafios Humanos Diante dos Avanços da Técnica.

Contudo, somente no século XVI, na Inglaterra, Willian Gilbert, descobriu


que era possível realizar a mesma experiência de Tales com diferentes materiais.
Nesse momento, começa o uso de um método mais elaborado para
desenvolvimento das investigações científicas no campo da eletricidade. Nos
séculos posteriores, várias experiências foram feitas, além dos experimentos criados
pelos pesquisadores, como o entendimento dos materiais condutores e não
condutores, ou seja, os primeiros conceitos do que nos levaria ao conhecimento
científico concreto do que chamamos de eletricidade na sociedade moderna atual.
O engenheiro, no princípio era o responsável por construir engenhos.
Com o passar dos anos, e os novos desafios humanos, essa profissão foi se
diversificando até chegar aos patamares atuais: articulando-se em diversas
especializações técnicas. Hoje em dia, cada área da tecnologia tem engenheiros
especializados para incrementar processos, tais como, engenheiros civis,
eletricistas, mecânicos, de produção, entre outros.
A importância dos engenheiros eletricistas na sociedade atual cresceu
muito nos últimos anos, pelo fato de serem os responsáveis por “(...) planejar,
supervisionar e executar projetos nas áreas de eletrotécnica, além de ser habilitado
a especificar, construir e aplicar sistemas de automação” 47. Aliás, no campo da
engenharia elétrica existem subdivisões e ramificações, como as especializações
nos campos de “(...) Eletrônica, Engenharia biomédica, Instrumentação,
Microeletrônica, Telecomunicações” 48.
Com o crescente número de pessoas vivendo, produzindo e consumindo
no mundo, uma das funções mais importantes do engenheiro eletricista, para seu
Estado, é a de manter um sistema de distribuição de eletricidade com qualidade e
eficiência para todos os cidadãos. Porém, para que isso seja feito, diversas áreas do
conhecimento são estudadas.
O engenheiro eletricista recebe responsabilidades, após algum tempo de
empresa, chegando aos cargos de administração da equipe técnica, “(...) tendo que
tomar decisões políticas, técnicas e financeiras, administrar recursos humanos e

47
 PERCÍLIA, 2011.
48
 Ibidem .

Revista Brasileira de Educação e Cultura – ISSN 2237-3098 Número VI Trabalho 01


Centro de Ensino Superior de São Gotardo Jul-dez 2012 Páginas 01-28
http://www.periodicos.cesg.edu.br/index.php/educacaoecultura periodicoscesg@gmail.com
 

21
PAQUEIRA, Eduardo dos Santos; BAZZANELA, Sandro Luiz. A Função Social da Engenharia
Elétrica no Século XXI: Desafios Humanos Diante dos Avanços da Técnica.

relacionar-se com o público” 49. Na área social, “(...) os papéis atribuídos aos
engenheiros não se confundem com suas funções técnicas, estando mais próximos
das imagens geradas pelo sistema de educação encarregado de sua formação” 50,
ou seja, a sociedade espera do engenheiro soluções aos problemas encontrados na
sociedade moderna.

12 – O PAPEL DE INOVAÇÃO DO ENGENHEIRO ELETRICISTA E A


RESPONSABILIDADE PELA TECNOLOGIA

Por ter uma ampla formação técnica, com base em disciplinas na área
das exatas, é requisitado, principalmente, na inovação de sistemas tecnológicos.
Nesse nicho de mercado, segundo SILVEIRA:

(...) todos trabalham sobre computadores, usando e adaptando programas,


mas pensando profundamente sobre as atividades da empresa e de como
torná-las mais eficientes, evitando perdas, integrando operações, mudando
a logística da operação e da troca de dados e informações. Neste campo
aparecem os maiores ganhos de produtividade no final do século XX (...).
Callcenters, despacho de energia de sistemas interligados, sistemas de
comutação e centrais (automatizadas) de controle são exemplos destes
sistemas interligados no centro das discussões e do trabalho dos
engenheiros51.

A inovação nos processos ganha maior importância na civilização da


máquina por ser uma forma de melhorar as condições de vida humana, sendo que a
sociedade fundamentou sua configuração da vida em trabalho e ócio sobre a
atualização de seu potencial técnico. Ou seja, a união de diversas áreas do
conhecimento, inclusive das engenharias, constroem uma base tecnológica e uma
inovação constante das tecnologias na atualidade.
Por outro lado, o engenheiro eletricista trabalha em uma sociedade
capitalista moderna, com base nos meios de produção em massa, desenvolvidos
pela indústria, as quais buscam a criação de produtos capazes de “(...) chegar à
ribalta da atenção pública, os bens, serviços e sinais devem despertar desejo e, para

49
 SILVEIRA, 2005. P. 7.
50
 Ibidem , p, 8.
51
 Ibidem , p, 3.

Revista Brasileira de Educação e Cultura – ISSN 2237-3098 Número VI Trabalho 01


Centro de Ensino Superior de São Gotardo Jul-dez 2012 Páginas 01-28
http://www.periodicos.cesg.edu.br/index.php/educacaoecultura periodicoscesg@gmail.com
 

22
PAQUEIRA, Eduardo dos Santos; BAZZANELA, Sandro Luiz. A Função Social da Engenharia
Elétrica no Século XXI: Desafios Humanos Diante dos Avanços da Técnica.

isso, devem seduzir os possíveis consumidores e afastar seus competidores” 52.


Quando a manufatura consegue esse feito, ela deve inovar com outros produtos,
com intuito de não parar a produção e os lucros. Os novos produtos devem sempre
nos remeter ao futuro, considerando que, “(...) a tentação não pode sobreviver muito
tempo à rendição do tentado, assim como o desejo nunca sobrevive a sua
satisfação” 53.
A inovação desenvolvida pelo engenheiro eletricista ajuda na criação de
novos moldes das relações sociais, entre capital e trabalho, pois com tecnologias de
ponta, as indústrias buscam melhores condições para aumento da produção, visão
essa exposta por BAUMAN:

Modernizar a maneira como a empresa é dirigida consiste em tornar o


trabalho ‘flexível’ – desfazer-se de mão de obra e abandonar linhas e locais
de produção de uma hora para outra, sempre que uma relva mais verde se
divise em outra parte, sempre que possibilidades comerciais mais lucrativas,
ou se mão de obra mais submissa e menos dispendiosa, acenem ao
54
longe .
Com o advento de novas tecnologias, as máquinas assumem novos
papéis nos sistemas produtivos, pois são capazes de uma produção muito maior
comparada a dos homens. Essa substituição do trabalho humano, por um lado, é
vantajosa, visto que a expectativa de vida aumenta, pois a saúde das pessoas não é
mais tão desgastada. Por outro lado, a troca da energia produtiva humana faz com
que o Estado, atuando como regulador da sociedade crie formas de reintegrar os
membros exclusos. Porém, “(...) a sociedade que obtém padrões de comportamento
para uma ordem mais estável daqueles que se viram expulsos de suas posições de

produtores e definidos como consumidores, desencorajam a fundamentação da


esperança nas ações coletivas” 55.
A forma como a sociedade atual modela seus membros é “(...) acima de
tudo pelo dever de desempenhar o papel de consumidor” 56. As indústrias, com suas
novas máquinas com alta produtividade, precisam escoar seus produtos com a

52
 BAUMAN, 1999. P. 86.
53
 Ibidem .
54
 BAUMAN, 1998. P. 50.
55
 Ibidem , p. 54.
56
 BAUMAN, 1999. P. 87.

Revista Brasileira de Educação e Cultura – ISSN 2237-3098 Número VI Trabalho 01


Centro de Ensino Superior de São Gotardo Jul-dez 2012 Páginas 01-28
http://www.periodicos.cesg.edu.br/index.php/educacaoecultura periodicoscesg@gmail.com
 

23
PAQUEIRA, Eduardo dos Santos; BAZZANELA, Sandro Luiz. A Função Social da Engenharia
Elétrica no Século XXI: Desafios Humanos Diante dos Avanços da Técnica.

mesma velocidade em que os produz, levando-os aos consumidores finais. Os


engenheiros eletricistas desenvolvem sistemas capazes de transformar todos esses
processos, automatizando-os e cumprindo com esse objetivo.
Contudo, a relação do homem com o trabalho adota outros caminhos. O
que nos primórdios da civilização era considerado um castigo, posteriormente, com
a reforma protestante e, sua proposta de alcançar riquezas através da graça de
Deus, agora é a forma pela qual se alcança possibilidades de consumo. A respeito
da sociedade atual, BAUMAN se expressa da seguinte forma:

O consumidor em uma sociedade de consumo é uma criatura


acentuadamente diferente dos consumidores de quaisquer outras
sociedades até aqui. Se os nossos ancestrais filósofos, poetas e pregadores
morais refletiram se o homem trabalha para viver ou vive para trabalhar, o
dilema sobre o qual mais se cogita hoje em dia é se é necessário consumir
para viver ou se o homem vive para poder consumir. Isto é, se ainda somos
capazes e sentimos a necessidade de distinguir aquele que vive daquele
que consome57.

Com o mercado econômico globalizado e construído sobre bases


produtivista e consumista, as crises econômicas tornam-se mais frequentes. Nos
anos de 2008 e 2011, as piores tensões na economia mundial fforam
oram causadas pelas
bolhas econômicas, os quais incentivaram as empresas privadas a abrir
financiamento da economia capitalista (riqueza produzida em forma de papéis). Com
a crença na capacidade produtiva da indústria privada, os investimentos nesses
chamados papéis foram muito maiores do que o da economia real. Quando os
investidores acreditaram na possibilidade de não ter seus títulos assegurados pelo
mercado, todos eles resolveram retirar seus investimentos, causando a quebra do
sistema econômico.
Grandes bancos quebraram, necessitando de uma intervenção financeira
do Estado. No mercado neoliberal, a intervenção do Estado era criticada, pois a
economia deveria ter autonomia própria para desenvolver os mercados financeiros.
Porém, sem regulação Estatal, as instituições financeiras “(...) fizeram operações
extremamente arriscadas, alavancando operações muito acima do seu capital. E, ao
quebrarem, colocaram todo o sistema financeiro e a economia real mundial numa

57
 Ibidem , p. 88.

Revista Brasileira de Educação e Cultura – ISSN 2237-3098 Número VI Trabalho 01


Centro de Ensino Superior de São Gotardo Jul-dez 2012 Páginas 01-28
http://www.periodicos.cesg.edu.br/index.php/educacaoecultura periodicoscesg@gmail.com
 

24
PAQUEIRA, Eduardo dos Santos; BAZZANELA, Sandro Luiz. A Função Social da Engenharia
Elétrica no Século XXI: Desafios Humanos Diante dos Avanços da Técnica.

situação de risco de colapso” 58.


Um dos responsáveis pela tecnologia e pelo desenvolvimento de sistemas
de gestão é o engenheiro eletricista. Esse profissional trabalha com ideais de
inovação de produtos e serviços destinados à produção e comercialização em
grandes centros comerciais. Porém, “(...) a apropriação privada da riqueza
produzida, impede a organização de uma forma de sociedade mais equitativa e
igualitária” 59. Sendo assim, espera-se do engenheiro eletricista uma visão mais
abrangente do problema cuja solução deve compreender várias áreas do
conhecimento.

13 – CONSIDERAÇÕES FINAIS

Nos primórdios da civilização ocidental, as sociedades eram formadas por


cidadãos vivendo de forma comunitária, desenvolvendo técnicas para melhorar as
condições da agricultura, da saúde, do transporte, entre outras necessidades da vida
humana. Com o passar dos anos, as ações coletivas passam por transformações.
Entre as principais destacam-se as promovidas pelos ideais da modernidade,
alicerçadas no desenvolvimento da ciência e da tecnologia.
Os gregos, considerados os criadores da cultura ocidental,
desenvolveram ideias e princípios políticos, éticos e estéticos que incidiam sobre o
modo de viver na cidade-comunidade. Eles se organizavam politicamente em
cidades-estados, cada qual com sua organização interna e, em relação com as
cidades vizinhas. Porém, todas se mantinham a partir de sua população que falava a
mesma língua, e compartilhavam a mesma cultura. Principalmente pela sua posição
geográfica, desenvolveram formas de comercialização de mercadorias, baseadas
em troca de especiarias.
As formas de organização econômica, política, social e cultural, passaram
em diversos séculos por modificações. Diversos fatores, como a religião, a ciência e
a técnica, fizeram com que as bases da sociedade moderna fossem criadas no

58
 PRADO, Cadernos IHU em formação. 2009. P. 13.
59
 NAKATANI, Cadernos IHU em formação. 2009. P. 61.

Revista Brasileira de Educação e Cultura – ISSN 2237-3098 Número VI Trabalho 01


Centro de Ensino Superior de São Gotardo Jul-dez 2012 Páginas 01-28
http://www.periodicos.cesg.edu.br/index.php/educacaoecultura periodicoscesg@gmail.com
 

25
PAQUEIRA, Eduardo dos Santos; BAZZANELA, Sandro Luiz. A Função Social da Engenharia
Elétrica no Século XXI: Desafios Humanos Diante dos Avanços da Técnica.

sistema conhecido como capitalismo. Esse sistema é baseado pela produção e


comercialização de produtos em larga escala nas sociedades de massa em que
vivemos.
Até o século XIX, os modos de produção tinham moldes em pequenas
indústrias de beneficiamento de produtos agrícolas. Com a Revolução Industrial,
iniciada na Inglaterra neste mesmo século, a técnica ganha espaço com a criação de
máquinas capazes de maior produção em menor quantidade de tempo. Esse modo
de produção era justificado com a melhora da condição humana de trabalho e,
consequentemente de vida, pois a partir desse momento, as máquinas fariam o
serviço mais difícil. Porém, com maior produção era necessário melhorar o
escoamento desses produtos industrializados.
O advento da máquina sempre foi relativamente bem recebido pela
civilização, a qual sempre considerou magnificamente as engenhocas capazes de
imitar movimentos da natureza e desafiar as formas antigas para execução dos
mesmos trabalhos. Quando mais a civilização aceitava as máquinas, mais força
ganhava as pesquisas e desenvolvimentos científicos e técnicos.
Algumas pessoas especializam-se, na sociedade moderna, para inovar e
criar novas máquinas e desenvolver sistemas mais seguros, rentáveis e estáveis de
tecnologia. Contudo, basear a sociedade em um modo de produção capitalista traz
diversos problemas de ordem social.
Para haver produção e consumo cíclico, estratégias são adotadas a fim
de manter a engrenagem da indústria capitalista sempre girando. Entre elas, estão
as inovações tecnológicas para que os mesmos produtos criados anteriormente
possam durar menos, sendo necessária a compra de um novo produto em menos
tempo. A essa prática chamou-se obsolescência programada. Ela pode ser
demonstrada de duas formas tradicionais: criando prazo para estragar certos
componentes do produto ou inovando o mesmo, tornando o modelo anterior
ultrapassado. Ambas as formas são pensadas pela dinâmica da sociedade da plena
produção e do pleno consumo em que estamos inseridos.
O engenheiro eletricista, atuando na área do desenvolvimento de
produtos, tem como missão, entre outros pontos, de inovar sistemas de forma a

Revista Brasileira de Educação e Cultura – ISSN 2237-3098 Número VI Trabalho 01


Centro de Ensino Superior de São Gotardo Jul-dez 2012 Páginas 01-28
http://www.periodicos.cesg.edu.br/index.php/educacaoecultura periodicoscesg@gmail.com
 

26
PAQUEIRA, Eduardo dos Santos; BAZZANELA, Sandro Luiz. A Função Social da Engenharia
Elétrica no Século XXI: Desafios Humanos Diante dos Avanços da Técnica.

melhorar a qualidade e confiança dos consumidores na máquina. Trabalhando na


indústria, é responsável por manter a fábrica sempre em pleno funcionamento.
Porém, no início, as máquinas serviam para melhorar as condições de
bem viver das comunidades. Entretanto, com o desenvolvimento da civilização da
máquina, as tecnologias, de certa forma, fazem com que as pessoas tenham
necessidades que seus antepassados não tinham. Essas necessidades são de certa
forma, criadas pela indústria, logo, pelos engenheiros, também.
Além disso, a matriz curricular dos cursos de formação do engenheiro
eletricista é deficiente nas disciplinas humanas, as quais desenvolvem os
pensamentos sociais e éticos, voltando-se, em geral, a capacitação técnica sem a
criação de ideais coletivos. Com isso, os formados em engenharia elétrica buscam
inovação tecnológica e ampliação da oferta de produtos sem a devida preocupação
com os resultados refletidos para a sociedade. É necessário mudar a grade dos
cursos com a finalidade de complementação do ensino técnico com o social,
formando engenheiros eletricistas que, além do embasamento teórico, sejam
capazes de atuar no mercado de trabalho voltando-se às questões humanas.
A atuação do profissional em engenharia elétrica não deve ser banalizada
em construção de necessidades e resolução delas. Não é possível falar que
desconhece as desigualdades sociais e econômicas criadas por um sistema
econômico que se baseia no lucro de uma classe minoritária e aumento da distância
econômica entre os burgueses e do proletariado. O engenheiro deve desenvolver
um trabalho que não seja voltado ao modo de produção capitalista e sim capaz de
incluir diversas classes econômicas e sociais em um modo de vida que supra as
necessidades vitais dos seres humanos, prioritariamente, às das máquinas,
contribuindo, assim, para a criação de um mundo mais desenvolvido humanamente,
criando novas possibilidades de bem viver, atendendo a toda a população.

Revista Brasileira de Educação e Cultura – ISSN 2237-3098 Número VI Trabalho 01


Centro de Ensino Superior de São Gotardo Jul-dez 2012 Páginas 01-28
http://www.periodicos.cesg.edu.br/index.php/educacaoecultura periodicoscesg@gmail.com
 

27
PAQUEIRA, Eduardo dos Santos; BAZZANELA, Sandro Luiz. A Função Social da Engenharia
Elétrica no Século XXI: Desafios Humanos Diante dos Avanços da Técnica.

14 – REFERÊNCIAS

ARISTÓTELES. A Política. 
Política.  Introdução de 
de  Ivan Lins; tradução de Nestor Silveira
Chaves. Ed. Especial – Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2011.
BAUMAN, Zygmunt, 1925 – Globalização: as conseqüências humanas. 
humanas.  Tradução
Marcus Penchel. – Rio de Janeiro: Jorge Zahar. Ed., 1999.
BAUMAN, Zygmunt, 1925 – O mal estar da sociedade pós-modernidade. 
pós-modernidade.   Tradução
Mauro Gama, Cláudia Martinelli Gama: revisão técnica Luís Carlos Fridman. – Rio
de Janeiro: Jorge Zahar. Ed., 1998.
BAZZO, Walter Antonio. & PEREIRA, Luiz T. do Vale. Introdução   à engenharia:
conceitos, ferramentas e comportamentos. 2°
comportamentos. 2° Edição. Florianópolis: UFSC, 2008.
BRÜSEKE, Franz Josef. Ética e técnica? Dialogando com Marx, Spengler, Jünger,
Heidegger e Jonas. Ambiente
Jonas. Ambiente & Sociedade – Vol. VIII nº. 2 jul./dez.
jul. /dez. 2005.
CHALMERS, Alan F. O que é Ciência Afinal?   Tradução: Raul Filker. Editora
Brasiliense, 1993.
COSTA, Maria Cristina Castilho. Sociologia: Introdução à ciência da sociedade. 
sociedade.   1ª
edição.  São Paulo: Moderna, 1987.
edição.
DAWKINS, Richard. Deus, um delírio .  Tradução: Fernanda Ravagnani. - São Paulo:
Companhia das Letras, 2007. 
2007. 
DESCARTES, René. Discurso do Método .  Tradução, prefácio e notas de João Cruz

Costa. Ed. Especial – Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2011.


GIACOIA, Oswaldo Jr. Técnica   e Humanismo . Instituto Humanistas Unisinos.
Caderno IHU Ideias. ano 2 - nº 20 - 2004 - 1679-0316
PERCÍLIA, Eliene. Engenharia Elétrica. 
Elétrica.  Disponível em
<http://vestibular.brasilescola.com/guia-de-profissoes/engenharia-eletrica.htm>
Acesso em 09/10/2011.
SILVEIRA, Marcos Azevedo da. A formação do engenheiro inovador : uma visão
internacional . Rio de Janeiro PUC - Rio, Sistema Maxwell, 2005.

Revista Brasileira de Educação e Cultura – ISSN 2237-3098 Número VI Trabalho 01


Centro de Ensino Superior de São Gotardo Jul-dez 2012 Páginas 01-28
http://www.periodicos.cesg.edu.br/index.php/educacaoecultura periodicoscesg@gmail.com
 

28
PAQUEIRA, Eduardo dos Santos; BAZZANELA, Sandro Luiz. A Função Social da Engenharia
Elétrica no Século XXI: Desafios Humanos Diante dos Avanços da Técnica.

SOUZA, Américo de. Ética e Técnica na Cultura Contemporânea. 1998.


Contemporânea. 1998.
UNISINOS – Universidade do Vale do Rio dos Sinos. Cadernos IHU em formação. A
crise mundial do capitalismo em discussão. 
discussão. Ano 5, nº 34, 2009.
WEBER, Max. A Ética Protestante e o Espírito do Capitalismo . São Paulo: Martin
Claret, 2004.

Revista Brasileira de Educação e Cultura – ISSN 2237-3098 Número VI Trabalho 01


Centro de Ensino Superior de São Gotardo Jul-dez 2012 Páginas 01-28
http://www.periodicos.cesg.edu.br/index.php/educacaoecultura periodicoscesg@gmail.com

Você também pode gostar