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UNIVERSIDADE FEDERAL FLUMINENSE

INSTITUTO DE CIÊNCIAS HUMANAS E FILOSOFIA


DEPARTAMENTO DE ANTROPOLOGIA

TRABALHO FINAL DE ETNOLOGIA SUL AMERICANA

ALUNO: PEDRO HENRIQUE MARIANO DE MACEDO SOARES

MATRÍCULA: 113005020

DISCIPLINA: ETNOLOGIA SUL AMERICANA

PROFESSORA: JOANA MILLER


Introdução

Esse trabalho final de curso Etnologia Sul Americana tem como objetivo
desenvolver as noções de fabricação dos corpos nas sociedades indígenas sul-
americanas e a do perspectivismo ameríndio. Além disso, um dos objetivos é
articular essas noções e mostrar como a noção de corpo é central para o
entendimento do que ficou conhecido como perspectivismo.

Para esse esforço, tento traçar relações entre os textos estudados


durante a disciplina, principalmente os textos que abordam as questões do
corpo e do perspectivismo.

A fabricação dos corpos

Não se pode entender e falar das sociedades indígenas das terras


baixas sul-americanas sem recorrermos a noção de corpo. Históricamente
essas sociedades eram definidas através de categorias externas a elas. Com o
aumento dos trabalhos que pretender entender as sociedades através de suas
próprias categorias, observa-se que o que estrutura essas sociedades é a
noção de corpo (VIVEIROS DE CASTRO, 1979).

Nas sociedades ocidentais, o corpo (natureza) é o substrato no qual a


sociedade (cultura) se insere, nesse sentido o corpo é uma coisa dada, uma
substância pela qual a sociedade se forma. Nas sociedades indígenas o corpo
é fabricado (VIVEIROS DE CASTRO, 1979; SEEGER, et. al., 1979). Essa
noção abre as portas para o entendimento de como essas sociedades
entendem o mundo a sua volta.

Nesse sentido o corpo “necessita ser submetido a processos


intencionais, periódicos de fabricação” (VIVEIROS DE CASTRO, 1979). Esses
processos são constantes durante toda a vida dos indivíduos. Essa mudanças
são a causa e o instrumento das transformações da identidade social
(VIVEIROS DE CASTRO, 1979). Com isso o corpo é realmente fabricado,
moldado pela atividade social.

Esse processo de fabricação trás uma consequência importante para


essas sociedades: a de que a humanidade não é um atributo dado
naturalmente, ela é fabricada durante toda a vida do indivíduo, com o risco do
mesmo perder sua humanidade (VIVEIROS DE CASTRO, 1979; SEEGER et.
al, 1979). Essa noção denota um par de processos onde a fabricação de opõe
a metamorfose. Essa oposição fabricação/metamorfose é muito comum nos
mitos e caracteriza algumas doenças e o xamanismo (VIVEIROS DE CASTRO,
1979).

O processo de metamorfose consiste na transformação dos humanos


em animais oi espíritos. Ela é entendida como a modificação da essência,
podendo se manifestar desde o nível gestacional até a mudança da forma
corporal (VIVEIROS DE CASTRO, 1979).

A noção de fabricação dos corpos está inserida nos momentos sociais


críticos do ciclo de vida: o acesso a vida, quando os pais mantém relações
sexuais durante o período de gestação; na puberdade, traduzido na
capacidade de reproduzir; no fim da vida; e na quarta dimensão que seria o
xamanismo, sendo a capacidade de proteger ou restaurar a vida.

O Perspectivismo

A noção de corpo brevemente explicada acima introduz a ideia da


centralidade do corpo nas sociedades ameríndias, baseado no par
fabricação/metamorfose. Mas a noção de corpo ameríndio para os
antropólogos seria a de um corpo formado ou como um lugar de uma inserção
ritual ou artística (STOLZE, 1996). Essa noção dada pelos antropólogos não
parece se sustentar nas etnografias, sendo a noção de perspectivismo uma
teoria de como os ameríndios pensam o corpo (STOLZE, 1996; VIVEIROS DE
CASTRO; 1996).

Para a sociedade ocidental o corpo é algo físico, individual que não


precisa ter relação com outros corpos para existir, ou seja, só humanos são
pessoas e somente pessoas são humanos. A noção ameríndia se mostra
diferente, onde as partes do corpo são denotadas por palavras acompanhadas
de um pronome possesivo, como “seu braço” ou “meu braço” e não “o braço”
(VIVEIROS DE CASTRO, 1996).
Portanto não há um conceito abstrato dessas partes corporais e sim um
conceito de relação com alguém, essas partes são sempre referenciadas a um
sujeito. O corpo e alma são sempre referenciados a um sujeito, são produtos
de uma relação ou posições, não se mostram como abstrações assim como o
parentesco (STOLZE, 1996; VIVEIROS DE CASTRO, 1996)

Nesse sentido as noções de corpo e alma não funcionam em oposição a


realidade e sim como diferenças de perspectiva, a alma faz parte do corpo.
Portanto o corpo depende de um ponto de vista, o mundo ao entorno existe de
acordo com a perspectiva de alguém, sendo o Xamã o indivíduo que pode
adotar múltiplas perspectivas.

Nesse contexto o perspectivismo se diferencia da visão relativista,


porque o perspectivismo se apoia em uma visão multinaturalista e não
multiculturalista como o relativismo preconiza. Essa visão vem da ideia
ameríndia de que a natureza é múltipla, ela é dependente da ideia de quem
olha para ela, a natureza não é um dado observado com o qual a cultura é um
óculos que filtra a realidade (VIVEIROS DE CASTRO, 1996). A natureza ela é
dada em perspectiva, ou seja, o que muda é o mundo e não a representação
do mundo.

A noção de corpo é extremamente importante para o perspectivismo.


Isso se deve principalmente a ideia de metamorfose e transformação corporal.
Nesse sentido o cuidado que se deve ter com o corpo e com as ações
realizadas para fabrica-lo é o que garante a manutenção da perspectiva
humana do indígena. O perigo de metamorfose é constante, trazendo uma
importância da agência e a centralidade das relações sociais nas sociedades
ameríndias.

Referências Bibliográficas

LIMA, Tânia Stolze. 1996. ‘O dois e seu múltiplo: reflexões sobre o


perspectivismo em uma cosmologia tupi’. Mana: Estudos de Antropologia
Social 2(2): 21-47.
VIVEIROS DE CASTRO, Eduardo. 1996. ‘Os pronomes cosmológicos e o
perspectivismo ameríndio’. Mana: Estudos de Antropologia Social 2(2): 115-
144.

SEEGER, Anthony; DAMATTA, Roberto & VIVEIROS DE CASTRO, Eduardo.


1979. ‘A construção da pessoa nas sociedades indígenas brasileiras’. Boletim
do Museu Nacional 32: 2-19.

VIVEIROS DE CASTRO, Eduardo. 1979. ‘A fabricação do corpo na sociedade


xinguana’. Boletim do Museu Nacional 32: 40-49.

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