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UNIVERSIDADE FEDERAL FLUMINENSE

INSTITUTO DE CIÊNCIAS HUMANAS E FILOSOFIA


DEPARTAMENTO DE HISTÓRIA

TRABALHO FINAL DE HISTÓRIA DO PODER E POLÍTICA NO


BRASIL REPÚBLICA

ALUNO: PEDRO HENRIQUE MARIANO DE MACEDO SOARES

MATRÍCULA: 113005020

DISCIPLINA: HISTÓRIA DO PODER E POLÍTICA NO BRASIL REPÚBLICA

PROFESSORA: KARLA CARLONI


Introdução

Esse trabalho tem como intuito estabelecer um paralelo entre os autores


estudados no Bloco 51 da disciplina e como esses autores pensaram a
modernidade brasileira. Para se estabelecer esse paralelo utilizarei o conceito
de cultura política, o qual é definido como:

“[...]um grupo de representações, portadoras de


normas e valores, que constituem a identidade
das grandes famílias políticas e que vão muito
além da noção reducionista de partido político.
Pode-se concebê-la como uma visão global do
mundo e de sua evolução, do lugar que aí ocupa
o homem e, também, da própria natureza dos
problemas relativos ao poder, visão que é
partilhada por um grupo importante da sociedade
num dado país e num dado momento da história.”
(BERSTEIN, 2009: 31)

Nesse sentido a cultura política procura entender os processos


complexos de como essa cultura política varia em função dos lugares, das
épocas e dos tipos de civilização (BERSTEIN, 2009), ou seja, no contexto
político, histórico e social existente. As ideias que compõem esses fenômenos
complexos que estruturam a cultura política de uma época estão em circulação
no dado momento que estão sendo perpetuadas no tempo histórico de
produção, mas influenciam ideias no tempo histórico futuro. Mas então como
entender a cultura política, em suas formas complexas, que influenciaram o
pensamento atual?

A proposta desse trabalho é entender a cultura política que influencia o


pensamento moderno atual através dos diferentes intelectuais que estudaram
as sociedades que estavam inseridos e propuseram formas de solucionar os
problemas da modernidade em que se inseriam dentro de um projeto de nação.

1
Para a confecção do trabalho o programa da disciplina foi separado em cinco blocos de autores, onde o
aluno deveria articular as ideias dos autores de um bloco qualquer. Os blocos são: Bloco 1 – Aulas 2 e 3;
Bloco 2 – Aulas 5 até a 8; Bloco 3 – Aulas 9 até a 12; Bloco 4 – Aulas 13 até a 17; e Bloco 5 – Aulas 18 até
a 21.
O trabalho irá atravessar quatro conjuntos de textos estudados durante o
curso incluídos no contexto pós Revolução de 1930 e anterior ao golpe militar
de 1964: O Pensamento de Victor Nunes Leal; O Pensamento Nacional-
Desenvolvimentista do ISEB; A ruptura de Hélio Jaguaribe; e o Pensamento de
Celso Furtado. Esse recorte foi escolhido devido à importância que essas
ideias tiveram no debate que leva ao golpe militar de 1964, cujos ecos se
ouvem ainda nos dias atuais.

Coronelismo, enxada e voto: A decadência de uma forma de governo.

Victor Nunes Leal faz sua analise da sociedade brasileira baseado nos
dados do censo de 1940. A primeira versão do texto é de 1948 sob o título de
O municipalismo e o regime representativo no Brasil, sendo a mudança para o
título Coronelismo, enxada e voto ocorrido em 1949 por sugestão do editor
(LAMOUNIER, 1999). Para Victor Nunes, o fenômeno “coronelismo” estaria
restrito a um época, de 1888 a 1930. Sua tese central é que o “coronelismo”
seria decorrente da superposição do poder local dos proprietários rurais com o
poder público estadual, mas ao contrário do que se achava na época, esse
fenômeno ocorre devido a decadência do poder dos proprietários rurais em
oposição ao fortalecimento do poder público em relação ao poder privado
(LEAL, 1997; LAMOUNIER, 1999). Nisso o poder residual dos proprietários
rurais ainda influencia no regime representativo eleitoral.

Nisso, Leal (1997) coloca que o “coronelismo” é um compromisso, uma


troca de favores entre o poder público em fortalecimento e a influência social
dos chefes locais em decadência, que encontra respaldo na estrutura agrária
brasileira (LEAL, 1997: 20). Desse compromisso resultam algumas
características observáveis do coronelismo como: o mandonismo; o filhotismo;
o falseamento do voto; e a desorganização dos serviços públicos locais (LEAL,
1997: 20).

Embora no fenômeno do “coronelismo” a figura do coronel 2 esteja


ocupando o destaque na analise, nem sempre os chefes políticos são reais
coronéis. Com a difusão do ensino superior, muitos desses chefes políticos são

2
A figura do coronel não está ligada diretamente a patente do exército da época, mas sim aos
“coronéis” da Guarda Nacional imperial. Cf. LEAL, 1997: 19.
doutores, parentes ou aliados políticos dos coronéis, estes depois de
consolidado a liderança só retorna ao seu feudo político para descansar ou até
mesmo se reunir com suas lideranças locais. No entanto as lideranças locais
estão diretamente ligadas aos coronéis, os quais arregimentam uma
quantidade grande de votos de cabresto (LEAL,1997: 23), os quais estão
ligados a uma troca de favores diretos e até mesmo a custeio das despesas
eleitorais pelos chefes locais.

O “coronelismo” está diretamente ligado a uma dinâmica política na qual


os municípios têm pouca autonomia perante o estado e a federação. Essa falta
de autonomia é um dos principais fatores apontados pelo autor para a
existência do “coronelismo”, já que a dependência dos municípios do governo
estadual e federal é muito grande. Essa dependência causa uma dinâmica de
troca de favores entre os chefes locais e os políticos estaduais e federais, já
que o não pertencimento a corrente política dominante no governo estadual faz
com que o poder local não tenha benefícios do estado para benfeitorias
públicas.

Dois fatores importantes são observados como causas para a


decadência do “coronelismo”: o primeiro é a mudança de comportamento dos
eleitores nas eleições de 1945 e 1947, que devido ao êxodo rural, a difusão de
propagandas pelo rádio e o deslocamento de eleitores para outras áreas faz
com que o poder dos chefes locais diminua. O segundo, e mais importante
fator, é o aumento da autonomia aos municípios que são adquiridos pelas
Constituições de 1934 e 1946. Esse aumento da autonomia faz com que a
influência das esferas políticas superiores tenham menos influencia nas
decisões locais, enfraquecendo a dinâmica eleitoral da troca de favores.

Embora esses fatores tenham contribuído para a diminuição do


“coronelismo”, para Victor Nunes Leal seu efetivo fim só viria com a mudança
profunda da estrutura agrária brasileira. Essa mudança viria, não pela reforma
agrária que já se debatia na época em que o livro foi escrito, mas através da
industrialização e de outras transformações econômicas (LAMOUNIER, 1999).
Nacional-desenvolvimentismo: O ISEB, suas divisões e o projeto de
desenvolvimento nacional.

O Instituto Superior de Estudos Brasileiros (ISEB) foi criado em 1955 e


reuniu diversos intelectuais com o intuito de promover estudos para pensar a
superação do subdesenvolvimento brasileiro através do pensamento nacional-
desenvolvimentista (ABREU, 2001). Além desses estudos, o ISEB tinha como
objetivo influenciar o pensamento político com seus estudos através do
oferecimento de cursos para civis e militares, em contraposição a Escola
Superior de Guerra.

O pensamento do ISEB tinha seu projeto de desenvolvimento sob a


orientação de uma política nacionalista em conjunção com a intensificação da
industrialização. O projeto perpetuado se apoia na dicotomia entre o moderno,
visto como a aliança entre burguesia industrial nacional, os trabalhadores e
intelectuais, em oposição ao arcaico visto na figura dos latifundiários
exportadores associados ao capital estrangeiro (ABREU, 2001; LAMOUNIER,
1979).

Esse projeto descrito é produto de uma disputa interna dentro do ISEB


entre as diferentes concepções dos integrantes. Essa divisão se dá
principalmente devido a publicação do livro de Hélio Jaguaribe O nacionalismo
na atualidade brasileira (ABREU, 2001). Nesse livro Jaguaribe identifica que o
capital estrangeiro estaria sendo direcionado para o setor industrial,
viabilizando a industrialização. Essa discussão contraria a tese nacionalista
apresentada anteriormente, onde o capital estrangeiro estaria aliado aos
latifundiários exportadores.

Esse livro causa uma ruptura dentro do ISEB, onde dois grupos
disputam a orientação que deveria ser seguida pelo Instituto (ABREU, 2001). A
orientação teórica de Jaguaribe vence uma votação interna que teria definido
essa querela, causando a demissão de Guerreiro Ramos. Mesmo sendo
derrotado, o grupo opositor de Juaguaribe consegue que o presidente Jucelino
Kubitscheck promova uma reforma na organização do ISEB. Essa reforma
atinge diretamente Jaguaribe, fazendo com que o grupo de Jaguaribe peça
demissão do ISEB (ABREU, 2001).
Com isso ocorrendo a orientação de Jaguaribe perde força e o ISEB
muda sua área de ação, passando a atender um público mais amplo. Nisso a
tese nacional desenvolvimentista, contraria a de Hélio Jaguaribe, se torna
dominante fazendo com que o ISEB tenha aderência maior as ações políticas e
grupo políticos, principalmente o Partido Comunista Brasileiro (PCB).

A associação com o PCB na década de 1960 trás ao ISEB uma


radicalização socialista reformista (PEREIRA-BRESSER, 2004). Essa
radicalização trás de vota a interpretação nacional-desenvolvimentista
denotada pela orientação dicotômica moderno x arcaico já exposta, mas com a
inclusão do modelo do PCB onde a formação do Estado Nacional capitalista só
estaria formado quando o Brasil passasse por uma Revolução Burguesa. Essa
revolução burguesa só ocorreria através da aliança provisória entre a burguesia
industrial, trabalhadores e técnicos do Estado.

Essa visão é criticada pela escola sociológica da USP, cuja figura


principal é o sociólogo Florestan Fernandes. Para esses pesquisadores o ISEB
teria interpretado erroneamente que uma aliança entre a burguesia industrial e
trabalhadores, já que a burguesia industrial não seria nacionalista e estaria
atrelada ao capital estrangeiro. Esses pesquisadores, dentre outros, culpam o
ISEB pelo golpe de 1964 acusando os mesmos de um populismo. Lamounier
(1979) é um dos que relativiza essa críticas, colocando que o pensamento do
ISEB estava inscrito no contexto existente na década de 1950 e que o ISEB
teria uma experiência válida para a sua época.

Para Pereira-Bresser (2004) a experiência isebiana está inscrita no


entendimento que sua época permitia e a revolução capitalista se concretiza
entre os anos 30 e 70, mas não a revolução nacionalista. O ISEB teria
superestimado a capacidade do setor moderno da economia de absorver a
mão de obra marginalizada, e subestimou a capacidade do capital estrangeiro
de se renovar e se adaptar as fragilidades das economias e a falta de
consciência nacional das elites (PEREIRA-BRESSER, 2004).
CEPAL e Celso Furtado: Como superar o subdesenvolvimento?

Não se pode discutir o pensamento de Celso Furtado sem ter em mente


a importância que o pensamento da Comissão Econômica da América Latina
(CEPAL), através de Raul Prebisch, teve para o seu pensamento (EARP &
PRADO, 2007). Prebisch introduz os conceitos que são utilizados por Ceso
Furtado durante toda a sua vida: o de heterogeneidade estrutural e relação
centro/periferia. A heterogeneidade estrutural permite diferenciar os dois tipos
de sociedade existente: as dos países centrais que seria diversificada e
estruturalmente homogênea e a dos países periféricos, que seria especializada
e estruturalmente heterogênea. As sociedades periféricas seriam compostas
por dois segmentos extremamente separados: o setor moderno e o setor
tradicional. O setor moderno seria mais desenvolvido, ligado a alta
produtividade enquanto o setor tradicional estaria associado a padrões de
consumo muito baixos e em que a produtividade do trabalho era reduzida
(EARP & PRADO, 2007).

Para Prebisch esse padrão estava associado a América Latina o que


não permitiria o desenvolvimento desses países. Para ele, a industrialização da
América Latina estaria ligada a ação de um Estado planejador. Portanto, o
modelo de substituição de importações deveria estar associado a um
protecionismo transitório que seria o único meio de gerar renda para a
população marginalizada (EARP & PRADO, 2007).

Formado nessas ideias, Celso Furtado critica as teorias do


desenvolvimento, porque elas não levam em conta a dimensão histórica. Para
ele a Revolução Industrial como aconteceu na Europa seria um fenômeno
autônomo que só acontece devido a interdependência entre evolução
tecnológica e condições históricas (FURTADO, 2000). A derivação de um
modelo abstrato das economias desenvolvidas atuais e aplicar um princípio da
universalidade a esses modelos constituíram um erro que passa por cima da
dualidade cada vez maior entre países desenvolvidos e subdesenvolvidos.
Para não se incorrer nesse erro exige-se uma formulação teórica autônoma
(FURTADO, 2000).
Nesse sentido Furtado elabora uma pesquisa histórica da Economia
Politica, onde demonstra que a expansão da economia industrial europeia trás
efeitos híbridos para além de suas fronteiras, onde o impacto dessa expansão
sobre as estruturas arcaicas varia de região para região, criando estruturas
híbridas que trazem um comportamento dualista a economia dos países
periféricos constituindo o fenômeno do subdesenvolvimento:

“O subdesenvolvimento é, portanto, um processo


histórico autônomo, e não uma etapa pela qual
tenham, necessariamente, passado as economias
com um grau superior de desenvolvimento”
(FURTADO, 2000: 253)

Portanto o subdesenvolvimento seria um produto da relação entre as


economias dos países centrais e periféricos. Para Furtado (2000), o caso
brasileiro constituí um caso complexo com três diferentes setores: um ligado a
subsistência, outro a economia de exportação e um último industrial. Esse
último estaria ligado ao mercado interno e em desenvolvimento através de um
processo de substituição de importações em condições de concorrência com
produtos estrangeiros. Nisso as inovações tecnológicas trariam apenas um
ganho na equiparação de custos de produção com os produtos estrangeiros e
não uma transformação mais rápida da estrutura econômica (FURTADO,
2000).

O resultado dessa dinâmica seria a modificação lenta da estrutura


ocupacional do país, ode o contingente da população afetada pelo
desenvolvimento se mantém reduzido (FURTADO, 2000).

Considerações finais

Tentei traçar nos parágrafos acima uma espécie de síntese do


pensamento sobre o desenvolvimento brasileiro no pós-1930. Nesse sentido
vemos que os vários teóricos que estão analisando a sociedade brasileira
atuam pensando o Brasil através de seu passado, detectando as estruturas
remanescentes e elaborando projetos de nação futuros.
Esses projetos de nação estão sempre girando em torno do papel do
Estado na sociedade, seja pensando a centralização ou autonomia política das
esferas de organização, como Victor Nunes Leal, ou na preocupação da
intervenção do Estado na economia. Essa preocupação está diretamente
ligada a complexidade política e econômica que perdura no Brasil até o golpe
militar de 1964.

Esse contexto complexo não se encerra nas esferas políticas e


econômicas, elas são observadas também com reflexos na sociedade através
dos movimentos sociais existentes no campo e na cidade 3. Essas teorias que
estão sendo pensadas pelos intelectuais abrangidos nesse texto estão em
circulação4 na sociedade, isso fomenta os processos sociais de luta por
mudanças concretas (BOURDIEU, 2007; SIRINELLI, 2003).

Portanto a cultura política pode ser influenciada pelos intelectuais que


pensam as sociedades de sua época. Esse processo é lento e gradual e até
mesmo geracional (SIRINELLI, 2003). Nesse sentido vemos até hoje algumas
questões abordadas pelos autores ainda colocadas na sociedade brasileira
atual, mas logicamente que não de uma mesma forma que eram no passado, e
sim dentro de um outro contexto o que gera novas formas de entendimento e
de soluções.

3
A discussão das consequências desses pensamentos para a sociedade brasileira e seus movimentos é
de uma grande importância para entender o contexto complexo da cultura política brasileira como um
todo, mas ao mesmo tempo é de um fôlego que, infelizmente, não cabe nesse trabalho.
4
Essa circulação de ideias se dá de uma forma extremamente complexa na sociedade, mas ela é
dependente, dentre outros fatores, do que Boudieu chama de habitus de classe.
Referências Bibliográficas

BERSTEIN, Serge. “Culturas políticas e historiografia”. In: AZEVEDO, Cecília.


[et.al.]. Cultura política, memória e historiografia. Rio de Janeiro: FGV, 2009.

BOURDIEU, Pierre. A Economia das trocas simbólicas. São Paulo:


Perspectiva, 2007.

EARP, Fábio Sá & PRADO, Luiz Carlos Delorme. “Celso Furtado”. In:
FERREIRA, Jorge & REIS, Daniel Aarão. (orgs.). As esquerdas no Brasil.
Nacionalismo e reformismo radical (1945-1964). Rio de Janeiro: Cia. Brasileira,
2007.

FURTADO, Celso. “Elementos de uma teoria do subdesenvolvimento”. In:


BIELSCHONWSKY, Ricardo. (org.). Cinqüenta anos de pensamento da
CEPAL. Rio de Janeiro: Record, 2000.

LAMOUNIER, Bolívar. “Vítor Nunes Leal. Coronelismo, enxada e voto”. In:


MOTA, Lourenço Dantas. (org.). Introdução ao Brasil. Um banquete no trópico.
São Paulo: Editora SENAC São Paulo, 1999, cl. I.

LEAL, Victor Nunes. “Indicações sobre a estrutura e o processo do


‘coronelismo’”. In: LEAL, Victor Nunes. Coronelismo, enxada e voto. Rio de
Janeiro: Nova Fronteira, 1997.

PEREIRA-BRESSER, Carlos. “O conceito de desenvolvimento do ISEB


rediscutido”. DADOS – Revista de Ciências Sociais. Rio de Janeiro, Vol. 47, nº
1, 2004, pp. 49 a 84.

SIRINELLI, Jean-François. “Os intelectuais”. In: RÉMOND, René. (org.). Por


uma história política. Rio de Janeiro: FGV, 2003.

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