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Fundação João Pinheiro

Escola de Governo Paulo Neves de Carvalho


Curso Superior de Administração Pública

Políticas e Práticas na Gestão de Pessoas no Serviço Público

Área Política Brasileira Ano 2023 Semestre 2ºSemestre/23

Professor Ágnez Lelis

Bolsista Diogo Jorge

Questão 1) “As variações da apreensão da política não dizem respeito unicamente às


posições dos autores que defendem uma ou outra definição, mas também - e talvez
sobretudo - à diversidade das tradições e conjunturas. E o risco é sempre grande de elevar
à condição de essência da política uma maneira de vivê-la e compreendê-la que
corresponde tão-só à experiência de uma geração, em uma ou algumas décadas, em um
espaço geográfico limitado. Não se pode compreender seriamente Maquiavel sem levar em
conta as lutas internas e externas das cidades-Estado da Itália no século XV, Hobbes sem o
pano de fundo das guerras religiosas, Hegel sem as guerras napoleônicas, as lutas de
libertação sem a obra dos grandes Reformadores, etc.” (Colliot-Thélène, 1999, p.7)

A. Sobre o conceito de política, qual a advertência apresentada pela autora do


texto acima?

Os conceitos sobre política desenvolvidos ao longo da história são intrinsecamente


influenciados pela vivência social e cultural dos autores que os construíram. A autora
adverte sobre os riscos de se elevar à condição de essência da política uma definição, por
mais interessante que seja. Ou seja, assumir como universal um entendimento do termo e
aplicá-lo indiscriminadamente a contextos radicalmente diferentes daquele em que essa
definição foi estabelecida. Em outras palavras, a autora salienta que diferentes contextos e
culturas produzirão conceitos de política que se aplicam adequadamente a eles, mas que
provavelmente não correspondem à realidade da política em outras tradições e conjunturas.

As variações na apreensão da política não são meramente diferenças de opinião entre


autores; elas estão enraizadas na diversidade das tradições e circunstâncias históricas. É
nesse sentido que Colliot-Thélène adverte para o perigo de considerar uma única forma de
vivenciar e compreender a política como a essência universal desse campo. Destacando
figuras como Maquiavel, Hobbes e Hegel, ela ressalta a importância de contextualizar suas
teorias com os eventos, conflitos e contextos históricos que moldaram suas perspectivas.
Conclui-se, daí, que a compreensão da política vai muito além das ideias isoladas dos
pensadores; o que exige uma apreciação mais ampla das circunstâncias históricas e
culturais em que essas ideias foram geradas. Diferentes culturas e épocas produzem
conceitos políticos que são válidos dentro de seus próprios contextos, mas que podem ser
inadequados ou até mesmo inaplicáveis a outras realidades políticas.

b) Busque ou formule um conceito de política que abranja todas as dimensões e


variações que o texto apresenta.

O conceito de política apresentado no texto abrange a ideia de que a compreensão desse


campo vai além de uma definição estática e universal. Envolve a interseção dinâmica entre
as posições dos autores, as diversas tradições culturais e os contextos históricos
específicos. A política, nessa perspectiva, é um fenômeno multifacetado moldado pelas
experiências e realidades únicas de diferentes épocas, lugares e culturas. Essa definição
ampliada da política reconhece que as variações na apreensão desse campo não podem
ser reduzidas apenas às visões individuais dos teóricos, mas devem ser contextualizadas
pelas lutas, eventos e situações históricas que influenciaram seu pensamento. Portanto, a
política é mais do que um conjunto fixo de princípios; é um reflexo dinâmico e em constante
evolução das complexidades sociais, históricas e culturais que moldam as sociedades ao
longo do tempo.

Sendo assim, partindo das reflexões de vários autores ao longo da história humana acerca
da política, considerando que cada autor estava situado em um contexo espaço-temporal, e
sublinhando a importantíssima contribuição de Michel Foucault, a minha formulação sobre
política seria: política é a expressão do jogo de forças (físicas, discursivas, simbólicas)
existentes entre dois ou mais seres humanos. Esse feixe de relações é
instituinte/constituintes de modos de exisência e pode ser de sujeição, de objetificação, de
cooperação, de domínio ou resistência. Os jogos de forças, quando “cristalizados”, “aceitos”
ou acordados entre as partes, deixam de ser instituintes e passam a serem
instituições/constituições, que criam formas, regras, mores, tradições, cultura, até chegar ao
Estado e as formas complexas de instituições e dimensões ditas “políticas”.

C) Por que o termo política se articula com o conceito de Estado, governança e


governabilidade?

O termo "política" se articula com o conceito de Estado, governança e governabilidade por


diversos motivos. Em primeiro lugar, a política se relaciona às atividades que moldam e
determinam como o Estado é organizado, como as leis são estabelecidas e as decisões são
tomadas. Max Weber defende que Estado é a instituição política central de uma sociedade,
e a política é o meio pelo qual o Estado exerce seu poder e autoridade. Em segundo lugar, a
governança envolve os processos de tomada de decisão, distribuição e controle do poder,
assim como a forma como políticas públicas são desenvolvidas e aplicadas. Para Robert
Dahl, a política é um elemento fundamental da governança, pois é o meio pelo qual as
decisões são tomadas e as políticas públicas são implementadas. Em terceiro lugar, a
governabilidade reflete a capacidade do Estado de gerenciar eficazmente os assuntos
públicos e responder às demandas da sociedade. Bresser-Pereira (2007) define a
governabilidade como "a capacidade do governo de gerar consenso e apoio social para
suas políticas e ações". A política é um fator importante da governabilidade, pois é o meio
pelo qual o Estado obtém o apoio da sociedade para suas políticas e ações.

Além disso, a maneira como a sociedade percebe e legitima as relações de poder e a


organização social influencia diretamente a definição dos conceitos de Estado, governança
e governabilidade. A política é um produto da sociedade, e as concepções de política de
uma sociedade refletem as suas crenças e valores. Portanto, a inter-relação entre política,
Estado, governança e governabilidade é essencial para compreender como as sociedades
são estruturadas, como o poder é exercido e como as políticas públicas são implementadas
e aceitas pela população em diferentes contextos sociais e históricos. A citação de Colliot-
Thélène (1999) reforça a ideia de que o conceito de política é dinâmico e plural, e que sua
compreensão deve levar em conta as tradições e conjunturas específicas de cada
sociedade. Nesse sentido, a política é um processo contínuo de negociação e disputa entre
diferentes atores sociais, que buscam influenciar o Estado, a governança e a
governabilidade.

Assim, a política é um elemento fundamental da organização e dinâmica das sociedades, e


sua articulação com os conceitos de Estado, governança e governabilidade é essencial para
compreender como as sociedades funcionam.

Bibliografia

BRESSER-PEREIRA, L. C. Governabilidade e Estado em Mudança. São Paulo: Fundação


Getúlio Vargas, 2007.
Fundação João Pinheiro
Escola de Governo Paulo Neves de Carvalho
Curso Superior de Administração Pública

Políticas e Práticas na Gestão de Pessoas no Serviço Público

Área Política Brasileira Ano 2023 Semestre 2ºSemestre/23

Professor Ágnez Lelis

Bolsista Diogo Jorge

OBS: JÁ ENTREGUEI IMPRESSA NA TERÇA ESSA QUESTÃO

Questão 2) A primeira república no Brasil recebeu várias denominações decorrentes do viés


de análise dos estudiosos. “As mais sugestivas são as de República Oligárquica, República
dos Coronéis, República do Café com Leite”. (Fausto, 2001, p. 261)

a) Por que o termo República oligárquica é um dos mais adequados para caracterizar
as estruturas políticas da primeira república?

A expressão “República Oligárquica" é um termo adequado para caracterizar as estruturas


políticas do início republicano brasileiro pois ressalta o fato do domínio da política nacional
por um pequeno grupo de oligarquias regionais. Durante esse tempo, o Brasil passou por
um sistema político conhecido como "República das Oligarquias", caracterizado pelo
domínio político de poucas famílias poderosas em várias regiões do país. Essas
oligarquias, compostas por grandes fazendeiros, cafeicultores e membros da elite agrária,
exerciam influência significativa sobre a política local e nacional.

Essa influência política se dava por práticas que garantiam a fidelidade política das
populações locais em troca de favores e benefícios, tais como o controle do poder local por
meio do "voto de cabresto" e do coronelismo. O voto de cabresto refere-se a uma prática
em que os políticos controlavam o voto dos eleitores, principalmente nas áreas rurais,
através de meios coercitivos ou manipulativos. O termo "cabresto" remete ao instrumento
utilizado para guiar o gado, e nesse contexto, sugere que os eleitores eram controlados
como animais, direcionados a votar nos candidatos apoiados pelos grandes proprietários
de terras, sem liberdade de escolha real. Já o coronelismo é um sistema político, uma
complexa rede de relações que vai desde o coronel até o presidente da República,
envolvendo compromissos recíprocos. Tem um período específico de duração (1898-1930)
e tem seu fim em de 1937, quando as estruturas políticas centralizam-se na esfera federal.
Para Leal (1980) “o coronel entrou na análise por ser parte do sistema, mas o que mais me
preocupava era o sistema, a estrutura e a maneira pelas quais as relações de poder se
desenvolviam na Primeira República, a partir do município” (LEAL, 1980, p. 13). Esse
período também foi marcado pela política do café com leite, um arranjo político em que as
oligarquias de São Paulo (representando a produção de café) e de Minas Gerais
(representando a produção de leite) se revezavam no controle da presidência da
República. Esse acordo fortalecia o domínio das oligarquias sobre o governo central e
perpetuava o poder entre esses grupos regionais. Tal estrutura política contribuiu para a
manutenção de desigualdades sociais e econômicas, além de limitar a participação política
das classes menos privilegiadas. Esse período da história do Brasil é crucial para entender
as raízes de muitos problemas sociais e políticos que o país enfrentou e ainda enfrenta.

b) Explique o que foi e como funcionava a chamada política dos governadores durante
a primeira república

A política dos governadores foi um acordo político estabelecido durante a gestão do


presidente Campos Sales (1898-1902), e se constituiu mais do que um simples arranjo
entre o governo federal e as elites regionais. Esse pacto se configurou como o alicerce
estratégico que consolidou o controle das oligarquias estaduais sobre o cenário político
durante a Primeira República (1889-1930). A dinâmica desse acordo era construída
através de mecanismos de trocas: o governo federal concedia aos governadores estaduais
uma autonomia considerável, permitindo-lhes controle administrativo e acesso a recursos
financeiros. Em contrapartida, esses líderes regionais comprometiam-se a assegurar a
eleição de candidatos alinhados com o governo central para ocuparem assentos no
Congresso Nacional.

Esse sistema, embora eficiente para a estabilidade política, foi sustentado por práticas
questionáveis. Estratégias como o voto de cabresto (explicado acima, na questão 1a),
fraudes eleitorais e coerção foram instrumentos recorrentes para manter o status quo,
minando a representatividade democrática e perpetuando o poder nas mãos de uma
minoria. Os maiores beneficiários desse acordo foram as oligarquias agrárias, cujo domínio
sobre a economia do país, principalmente na produção de café, conferia-lhes uma
influência desproporcional. A riqueza gerada por essa atividade econômica crucial garantia
às elites regionais uma posição política privilegiada, enquanto marginalizava vozes
populares.

Esse arranjo político teve impactos profundos na democracia brasileira. A ausência de uma
cultura política participativa e a exclusão das classes menos favorecidas restringiram a
representatividade e perpetuaram desigualdades sociais. A corrupção e a violência
também foram frutos desse sistema concentrador de poder. Entretanto, o advento da
década de 1920 testemunhou um crescente movimento operário e popular, questionando
essa estrutura oligárquica. A crise de 1929 e suas repercussões também desempenharam
um papel crucial, desestabilizando o sistema e pavimentando o caminho para a sua queda.
Finalmente, a Revolução de 1930 marcou o fim desse período, encerrando uma era
marcada pelo controle político das oligarquias regionais.

c) Quais eram as relações entre as oligarquias estaduais e a Política dos


Governadores na primeira república

Na Primeira República, as oligarquias estaduais controlavam de forma substancial a


política local. Os governadores, representantes dessa elite, exerciam amplo domínio
sobre a gestão estadual, influenciando aspectos administrativos, econômicos e sociais.
Esse controle fortalecia suas bases de poder, conferindo-lhes independência
considerável em relação ao governo central. Para manter sua supremacia política, as
oligarquias recorriam a estratégias como o voto de cabresto, coronelismo e clientelismo.
Esses métodos, distorcendo o processo eleitoral, asseguravam a fidelidade dos
apoiadores, consolidando assim a estrutura de poder estabelecida.

O governo federal, por sua vez, dependia do respaldo dessas oligarquias para garantir a
governabilidade nacional. Em troca do apoio político e eleitoral, concedia aos
governadores autonomia administrativa, recursos financeiros e vantagens econômicas.
Esse arranjo, conhecido como política dos governadores, foi crucial para a estabilidade
política na Primeira República. Contudo, a concentração de poder nas mãos de uma
elite e a marginalização das classes populares foram consequências inevitáveis desse
sistema.

Apenas com o surgimento de movimentos sociais e a crise política que culminou na


Revolução de 1930, a política dos governadores foi desafiada. Com o fim da República
Velha, esse modelo foi abolido, abrindo caminho para a instauração de um novo sistema
político no Brasil. Esse período de transição marcou um ponto de ruptura fundamental
na história política do país.

Bibliografia
LEAL, Victor Nunes. (1948), Coronelismo, Enxada e Voto Rio de Janeiro, Forense.

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