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Fundação João Pinheiro

Escola de Governo Paulo Neves de Carvalho


Curso Superior de Administração Pública

CSAP XLIV
Disciplina Teoria Política A 2022 Semestre 2ºSemestre/22
no
Professor Dr. Bruno Lazzarotti
Atividade Trabalho
Alunos Carolina Queiroz
Diogo Oliveira
Felipe Rozinholi

Referências

WEBER, Max. Ciência e Política: Duas Vocações. São Paulo: Editora Cultrix, 1996.
LINCOLN. Direção de Steven Spielberg. Los Angeles: Touchstone Pictures, 2012. 1 DVD
(150 min.).
THE MAN Who Shot Liberty Valance. Direção de John Ford. Los Angeles: Paramount,
1962. 1 DVD (123 min.).

Reflexões a partir de Weber e filmografia sugerida

A presente reflexão advém da busca de diálogo entre três fontes: o ensaio “A política como
vocação” de Max Weber (1996 [publicado pela primeira vez em 1919]), o filme “Lincoln”
(2012, EUA) e o filme “O homem que matou o facínora” (1962, EUA).

Max Weber foi um importante intelectual alemão e é considerado um dos pais da Sociologia,
e fundador da Ciência Política. Em seu ensaio “A política como vocação”, ele analisa
criticamente a atividade política, se preocupando em abordar temas tais como a diferença
entre viver da política e viver para a política; a cultura política americana (e seu “ditador
plebiscitário”) em contraposição com a cultura europeia (insular e continental); a questão do
monopólio legítimo da força e da violência; as diferenças entre a ética das convicções e a
ética da responsabilidade e a formação do Estado moderno. Esses dois últimos temas
merecerão maior atenção na presente reflexão, a partir de um olhar permeado pelos dois
filmes sugeridos pelo professor.

1. A formação do Estado moderno segundo Weber e as reflexões a partir do filme


“O homem que matou o facínora”

Nessa primeira parte, será discutida a formação do Estado moderno segundo Weber a partir
do filme “O homem que matou o facínora”. Esse filme foi lançado em 1962, dirigido por
John Ford e roteirizado por Willis Goldback, e traz em seu âmago o questionamento da
eficácia da violência no cumprimento da lei e na manutenção da ordem.

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Já em seu ensaio, Max Weber inicia sua reflexão com um questionamento: do ponto de vista
sociológico, “O que é um Estado?” (WEBER, 1996, p. 55). Para o autor, o que distingue o
Estado de outras instituições é o meio específico que lhe é peculiar, a saber, “o uso da coação
física” (WEBER, 1996, p. 56). Isso quer dizer que, apesar de possuir outros meios legítimos
para agir, o instrumento específico do Estado é o uso legítimo da violência física reivindicado
de forma monopolística. A formação do Estado moderno tem início na pretensão do príncipe
trazer para si os poderes administrativos, militares, financeiros e coercitivos que estavam
espalhados nas mãos dos senhores medievais (WEBER, 1996, p. 61). Logo, os meios
políticos de gestão foram se concentrando nas mãos do soberano, privando “a direção
administrativa, os funcionários e trabalhadores burocráticos de quaisquer meios de gestão.”
(WEBER, 1996, p. 62). Mas, ao longo do desenvolvimento do Estado moderno, vai se
desenrolando uma “expropriação dos expropriadores”, na medida em que, por usurpação ou
eleição, chefes e representantes da população foram controlando “o conjunto administrativo e
de bens materiais” (WEBER, 1996, p. 62) a partir da legitimação dada pelos governados. Isso
culminará naquilo que Weber descreveu como “o Estado moderno atual”: “um agrupamento
de dominação que apresenta caráter institucional e que procurou (com êxito) monopolizar,
nos limites de um território, a violência física legítima como instrumento de domínio e que,
tendo esse objetivo, reuniu nas mãos dos dirigentes os meios materiais de gestão.” (WEBER,
1996, p. 62). Ou seja, através dos déspotas esclarecidos europeus, com suas inovações
políticas em face aos riscos de perda de poder, foi se constituindo um modo de dominação em
que os reis e imperadores eram teoricamente considerados como servidores do povo, e que a
soberania popular deveria prevalecer política e juridicamente. Esse novo modo de dominação
racional-legal, baseado em ordenamentos jurídicos, constituição, instituições governamentais
e administrativas, ritos e tradições laicas e seculares, seria estruturado naquilo que se
convencionou a chamar de organização burocrática, baseada na divisão racional feita dos
trabalhos da administração pública em repartições (bureaus) e nos poderes advindos da
criação ou mobilização de recursos, normas e funcionários.

O filme “O homem que matou o facínora” apresenta ao público uma história que se passa em
um contexto de mudanças e transformações políticas em uma localidade norteamericana. Ali
em um povoado do far west norteamericano, em um primeiro momento, prevalecia a lei do
“mais forte e mais pandilha”, que convivia com outras “leis”, tais como a lei das armas e a
“lei do olho por olho”. Um advogado, trazendo em si um ideal de justiça e retidão, apregoava
o devido processo legal e do exercício da democracia e do cumprimento das leis racionais,
buscando difundir entre a população do povoado uma cultura do poder racional-legal, em
detrimento dos modos de dominação tradicional e carismáticos que ali imperavam. Embora a
resolução do caso especificado no filme - as mazelas provocadas por um “fora-da-lei” e sua
caterva - tenha sido por meio da força/violência de um justiceiro, já se era possível perceber
as raízes de novas dinâmicas sociais e novos processos de cunho (proto) democrático-legal
ocorrendo no povoado. O aprendizado escolar, o estudo das leis e da Constituição, a busca e a
concretização do exercício de uma (proto) democracia através dos votos de uma assembleia
popular (de homens brancos) já indicavam um novos modos de organização social e
estruturação institucional permeando e penetrando nos rincões da mais nascente democracia
norteamericana, evidenciando assim a emergência do Estado moderno nos Estados Unidos.

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2. A relação entre a ética da responsabilidade e a ética das convicções segundo
Weber e as reflexões a partir do filme “Lincoln”

Nessa segunda parte, será discutida a relação entre a ética da responsabilidade e a ética das
convicções segundo Weber a partir do filme “Lincoln”. Esse filme foi lançado em 2012 e
apresenta a história do grande estadista estadunidense Lincoln.

De início podemos dizer que os dois institutos trazidos por Weber são diversos e antagônicos
e as atitudes pautadas pela ética da convicção são opostas àquelas decorrentes da ética da
responsabilidade (WEBER, 1996, p. 76). Entretanto, segundo o autor, elas se completam e
juntas formam o homem autêntico - capaz de pretender a vocação política (WEBER, 1996, p.
83), uma vez que ele precisará usar as duas em diversos momentos da vida política.

A ética da convicção fundamenta-se na ausência de responsabilização do agente pelas


consequências dos seus atos, principalmente se o resultado for negativo. A responsabilidade
recai sobre sobre o mundo, sobre a imbecilidade das pessoas, sobre Deus, enfim, qualquer
entidade que não o causador da ação. O representante da ética da convicção entende que é
responsável pela manutenção da chama da doutrina acesa, para que ela não venha a se
extinguir. A análise dos seus atos indica irracionalidade e falta de previsão das
consequências, mas sob a lente da manutenção da chama da doutrina, a conduta ganha
sentido. Sob tais fundamentos percebe-se que o partidário dessa ética tem mais possibilidade
de realizar atos imorais, sob a justificativa de alcançar um fim considerado bom. E nesse
ponto reside uma grande crítica sobre a ética da convicção (WEBER, 1996, p. 78).

No filme de Steven Spielberg o conflito entre os dois tipos de ética se faz presente em
diversas passagens, já que a narrativa se dá num espaço tipicamente político. Lincoln é
uma figura que marcou a história da política de seu país, sendo conhecido mundialmente
por isso. Embora o cenário de fundo seja a Guerra de Secessão, o foco do filme foi o
empenho do Presidente e seus aliados para a aprovação da 13ª Emenda à Constituição
Americana, que colocava fim na escravidão que existia no país. A finalidade da Emenda é
a melhor possível tanto ética quanto moralmente, portanto, o fim a ser alcançado é
legítimo. Entretanto, essa não era a opinião de diversos congressistas ⎼ seja por
princípios morais, religiosos ou econômicos ⎼ e era preciso convencê-los para que a
medida fosse aprovada.

Nesse contexto, Lincoln e seus colaboradores precisam se valer de diversos artifícios para
alcançar seu objetivo e nem todos eram moralmente corretos. Fica evidente que não havia
como não se enveredar para a corrupção e para a violência para obter sucesso. As
contradições entre as duas éticas se apresentam na medida em que Lincoln assume com a
nação o compromisso de extinguir a escravidão (ética da responsabilidade), ao mesmo tempo
essa finalidade se torna uma doutrina e seus correligionários adotam condutas duvidosas para
que ela se concretize, em alguns momentos colocando a integridade física ou o futuro político
em risco. Agindo de acordo com a ética da responsabilidade, várias pessoas negras são

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levadas ao plenário no dia da votação da Emenda, a fim de pressionar os congressistas
contrários a mudarem de opinião .

Como exemplos de ética da convicção, temos a atuação do personagem W. N. Bilbo (James


Spader) vai em busca de várias pessoas e faz várias abordagens com o intuito de convencê-las
a votar a favor da emenda. Algumas são bem sucedidas, como o oferecimento de cargos no
serviço dos correios, mas outras não, como o momento em que quase é baleado pelo seu
interlocutor. Um outro momento marcante ocorre quando Thaddeus Stevens (Tommy Lee
Jones) faz um discurso no plenário e se contradiz, uma vez que até então havia defendido a
igualdade plena entre brancos e negros. Porém, se ele reafirmasse essa posição, os
congressistas indecisos teriam receio de votar a favor da emenda e posteriormente ver que os
negros receberam vários direitos, entre eles o direito a voto. Diante disso, Thaddeus diz ser a
favor da igualdade de todos perante a lei e, ao ser refutado por um adversário passa a ofendê-
lo, alegando que ele não merecia o amparo da lei e se ele o tinha, os negros também poderiam
ter. Essa mudança de discurso colocou o futuro político de Stevens em grande risco, e pode-
se dizer que foi irresponsável, mas ele preferiu assumir essa postura a ficar com a
responsabilidade do fracasso na votação.

Como Weber explica, “quem deseja a salvação da própria alma ou de almas alheias deve,
portanto, evitar os caminhos da política que, por vocação, procura realizar tarefas muito
diferentes, que não podem ser concretizadas sem violência” (1996, p. 81). No filme fica claro
que se Lincoln e seus colaboradores tivessem agido somente de acordo com o moralmente
correto, a 13ª Emenda não teria sido aprovada e toda a licitude e correção não teriam
adiantado. Para atuação na política são necessários coragem, segurança, poder de persuasão e
nem todos possuem essas características e estão dispostos a pagar o preço que o poder cobra.
Muitas ações são condenáveis e prejudiciais (à sociedade e ao autor da ação) e a ética da
convicção não resguarda o agente como ele pensa. Por isso é preciso dosá-la com a ética da
responsabilidade, assim como é importante ponderar sobre as causas que são defendidas, para
que haja uma atuação política no mínimo adequada. Por essas razões concordo com a
posição de Weber.

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