Max Weber apresenta-se para nós como um dos grandes intelectuais alemães da
virada do século XIX para o XX. Suas obras abarcam diversos assuntos, e dentre eles,
como sabemos, a religião configura-se como um dos mais importantes. Buscamos aqui
analisar os escritos políticos de Weber, enfatizando duas características fundamentais: O
papel desempenhado pela liderança carismática e a dualidade entre a ética universal e a
ética própria da atividade política.
Max Weber, presenciava a imersão alemã em uma crise social e política. À
época de seu principal escrito sobre a política, originalmente uma conferência na
Universidade de Munique em 1918, A Política como Vocação, a Alemanha sofria com
as conseqüências desastrosas do pós – guerra. A trágica República de Weimar, a
inflação galopante e suas conseqüências, conduziram o país a um caos político,
econômico e social. Neste período o estado alemão sofria com a perda daquilo que
Weber considerava função fundamental do estado: O monopólio estatal da violência.2
1
Granduanda em História pela Universidade Federal de Ouro Preto. E-mail: walkiria_ufop@yahoo.com.br.
2
Sobre a perca do monopólio estatal da violência bem como a expansão da violência extra-estatal na
Alemanha durante a República de Weimar, ver: ELIAS, Nobert. “O declínio do monopólio estatal da
violência na República de Weimar”; “ Lúcifer sobre as ruínas do mundo”. In. ______: Os Alemães: a luta
pelo poder e a evolução do habitus nos séculos XIX e XX. Tradução de Álvaro Cabral. Rio de Janeiro:
Jorge Zahar Editor, 1997. pp.196-208. Sobre a relação de Max Weber com a primeira grande guerra, tanto
no aspecto pessoal, como intelectual, ver DIGGINS, Jorn. “ Subjetividade na moral, determinação na
política: Alemanha, Estados Unidos e a Primeira Guerra Mundial”. In. ______: Max Weber: A Política e
o Espírito da Tragédia. Rio de Janeiro: Record, 1999, pp. 219-239.
1
como política apenas a liderança, ou a influência sobre a liderança, de uma
associação política, e daí hoje, de um Estado3
3
WEBER, Max. “A Política Como Vocação”. In. ______: Ensaios de Sociologia. Rio de Janeiro: Editora
Guanabara: 1982, p. 97.
4
Há três tipos de dominação, segundo Weber: A dominação legal que impõe-se a partir de regras
racionais que se afirmam com a ajuda da burocracia ; a dominação tradicional que apoiada por um
costume já existente , pode misturar-se com a dominação legal; e por fim, a dominação carismática. É
necessário frisar que estes tipos puros de dominação não existem isolados na realidade. Essas três formas
na maioria das vezes encontram-se misturadas simultaneamente.
5
WEBER, Max. “A Política Como Vocação”. In. ______: Ensaios de Sociologia. Rio de Janeiro: Editora
Guanabara: 1982, p. 100.
6
WEBER, Max. Gesammelte Politische Schrifen. Tubinga, 1971, p.20. Citado por: MOMMSEN,
Wolfgang. Max Weber: Sociedade, Política e História. Buenos Aires: Editora Alfa, 1981. p.56.
7
WEBER, Max. “A Política Como Vocação”. In. ______: Ensaios de Sociologia. Rio de Janeiro: Editora
Guanabara: 1982. p. 100.
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de autoridade, que implica um poder de ordenar e de ser obedecido, liga-se
substancialmente à personalidade do líder carismático. No entanto, não devemos,
precipitadamente, entender o vínculo entre o líder e aqueles que o seguem como algo
completamente irracional. Pelo contrário, o líder não pode deixar-se guiar apenas por
suas paixões pessoais. Embora, como bem nos aponta Mommsem, o líder seja guiado
diversas vezes por ideais “extramundanos”, exige-se deste líder, e isso é um dever de
todo político, que ele dê conta de seus atos racionalmente frente a si mesmo e àqueles
que o seguem. A personalidade deve prestar contas racionalmente dos motivos e das
conseqüências de suas próprias ações, e este compromisso, segundo Weber, não deve
ser jamais rejeitado ou transferido. 8 Por isso Weber,
No entanto isso não significa que o líder não possua autonomia. Ora, esta última
é uma de suas principais características. Embora devesse portar essa
“autoresponsabilidade”, o líder político carismático, tal como o príncipe de Maquiavel,
devia seguir suas próprias convicções para conquistar e manter o povo a seu lado.
O líder possui o poder de conduzir, nas palavras de Weber, o
“leme da história”. O líder carismático em ação, carrega em suas mãos a
possibilidade de interromper o devir histórico e criar uma nova realidade social.
Segundo Mommsem esta pode ser considerada a principal função das grandes figuras
carismáticas. Os líderes carismáticos, “em virtude de sua capacidade para professar
valores e declará-los obrigatórios para si mesmos e para os demais, podem impor metas
8
Aqui entra a relação da personalidade e da ciência. A ciência não é capaz de dotar de sentido a vida, mas
constitui-se em instrumento para a solução de problemas práticos e em um meio para orientar-se
racionalmente no mundo. A ciência auxilia a personalidade em ação, clareando as conseqüências dos seus
atos. Sobre isso ver: WEBER, Max. “A Ciência como Vocação”. In. ______: Ensaios de Sociologia. Rio
de Janeiro: Editora Guanabara, 1982. p. 177. Ver também: WEBER, Max. A “objetividade” do
conhecimento nas ciências sociais. Edição organizada por Gabriel Cohn. São Paulo: Ática, 2006.
sobretudo as págs. 13-20.
9
MOMMSEN, Wolfgang. Max Weber: Sociedade, Política e História. Buenos Aires: Editora Alfa, 1981.
p.127.
3
ao acontecer social.”10 Neste sentido, o líder carismático, como afirma Mommsem, tem
o poder de fazer com que ideais “extramundanos” transformem-se em valores
“intramundanos”, pois, as grandes transformações sociais possuem raízes
10
Idem, p. 126. Mommsem destaca a importância de se comparar essa característica do líder carismático
com as idéias de Friedrich Nietzsche. Segundo Mommsem, “A concepção nietzscheana segundo a qual a
tarefa dos grandes indivíduos é impor novos valores na sociedade, sem preocupar-se com os valores
tradicionalmente transmitidos, encontra continuação direta na ‘ética decisionista da responsabilidade’ de
Max Weber”. (p. 126).
11
MOMMSEN, Wolfgang. Max Weber: Sociedade, Política e História. Buenos Aires: Editora Alfa,
1981. p.140.
12
WEBER, Max. “A Ciência como Vocação”. In. ______: Ensaios de Sociologia. Rio de Janeiro: Editora
Guanabara, 1982. p. 165.
4
faziam da política sua profissão. Neste contexto, a política sofreria com uma falta de
condução, ou seja, de seu propulsor, o líder. Mommsen enfatiza ainda o fato de que o
avanço do “desencantamento do mundo” ameaçava as fontes “extramundanas” de onde
a personalidade carismática extraía suas forças para transformar sua realidade.
No entanto, mesmo na política racionalizada, dominada por partidos altamente
burocratizados e dominados por “políticos profissionais” e administrados como uma
empresa capitalista, Weber enxerga na liderança carismática um meio para diminuir os
impactos da racionalizaçao.
Para Max Weber o campo político é o lugar onde se dá a luta pelo poder, e onde
homens dominam outros homens. É no campo da política onde explodem forças sociais
contraditórias, e o mais importante, é o lugar da renovação social.
Assim, o Estado possuía uma característica primordial: Cabia e ele o direito de
usar a violência dentro de um determinado território. Da mesma forma que Maquiavel,
13
WEBER, Max. Wirtschaft und Gesellschaft. Tubinga, 1956, p. 66. Citado por: MOMMSEN,
Wolfgang. Max Weber: Sociedade, Política e História. Buenos Aires: Editora Alfa, 1981. p.143-144.
5
também Weber afirma que todo Estado se funda no força. A violência é um instrumento
específico do Estado14.
[...] o Estado é uma comunidade humana que pretende, com êxito, o monopólio do
uso legítimo da força física dentro de um determinado território [...] ‘território’ é
uma das características do Estado. [...] o direito de usar a força física é atribuído a
outras instituições ou pessoas apenas na medida em que o Estado o permite. O
Estado é considerado como a única fonte do ‘direito’ de usar a violência. Daí
‘política’, [...] significar a participação no poder ou a luta para influir na distribuição
de poder, seja entre Estados ou entre grupos dentro de um Estado.15
14
A soberania de um Estado depende em grande medida da eliminação de ameaças internas e externas. O
Estado não pode sofrer com invasões estrangeiras, e deve manter a unidade interna. Só quando a paz
externa e interna é garantida pode-se falar em Estado e em poder estável. Isso é válido tanto para
Maquiavel quanto para Weber.
15
WEBER, Max. “A Política como Vocação”. In. ______: Ensaios de Sociologia. Rio de Janeiro: Editora
Guanabara, 1982. p. 98.
6
O líder político tem por obrigação, segundo Weber, ser responsável pelas
conseqüências de suas ações. Por isso, o líder deve prever as conseqüências que sua
ação política16, pode acarretar. 17
Além disso, o líder dever prestar contas frente aos
seus seguidores dos motivos da sua ação, bem como daquilo que dela é conseqüência.
Neste sentido, o líder choca-se com a responsabilidade de suas escolhas, entre o que
será benéfico ou não para o Estado, tendo a consciência de que
[...] quem se dedica à política, ou seja, ao poder e força como um meio, faz um
contrato com as potencias diabólicas, e pela sua ação se sabe que não é certo que o
bem só pode vir do bem e o mal só pode vir do mal, mas que com freqüência ocorre
o inverso. Quem deixar de perceber isso é, na realidade, um ingênuo em política.18
Para Weber, uma única ética não poderia dar sentido a todas as atividades da
19
vida . Ora, “[...] qualquer ética do mundo poderia estabelecer mandamentos de
conteúdo ideal para as relações eróticas, comerciais, familiares e oficiais; para as
relações com nossa mulher, como o verdureiro, o filho, o réu?”20. Weber opõe-seaos
ideais cristãos universais de moral guiada para fins últimos situados para além da
realidade. A ética do amor incondicional não pode estar presente na condução da
política de um Estado, pois não é possível tomar decisões importantes na realidade
concreta, a partir destes valores. A atividade política conduzida pela ética da
responsabilidade distingue-se, de maneira geral, do comportamento social que coloca
como modelo certos ideais éticos de comportamento.
16
John Patrick Diggins define ação política em Weber como “ a reinvidicação deo direito de dominar um
território, e de poder [...] recorrer ao uso da força contra a vontade de um adversário.” Cf. : DIGGINS.
John Patrick. “Subjetividade na moral, determinação na política: Alemanha, Estados Unidos e a Primeira
Guerra Mundial”. In. ______ : Max Weber: A política e o espírito da tragédia. Rio de Janeiro: Record,
1999, p. 226.
17
Como foi dito acima, aqui entra a relação do líder com o conhecimento científico. Ver nota de rodapé
25.
18
WEBER, Max. “A Política como Vocação”. In. ______: Ensaios de Sociologia. Rio de Janeiro: Editora
Guanabara, 1982. p. 147.
19
Aqui podemos fazer uma aproximação entre o pensamento de Weber com as idéias de Peter Berger e
Thomas Luckmann. Para estes dois autores há, no mundo moderno, uma pluralidade de sentido que leva o
indivíduo a uma desorientação. Com o advento do mundo moderno não é mais possível que uma única
ética abarque toda a realidade. Por isso, cada área da vida acaba sendo guiada por uma ética própria. Cf:
BERGER, P. L.; LUCKMANN, T. Modernidade, Pluralismo e Crise de sentido: A orientação do homem
moderno. Petrópolis: Editora Vozes, 2004.
20
WEBER, Max. “A Política como Vocação”. In. ______: Ensaios de Sociologia. Rio de Janeiro: Editora
Guanabara, 1982. p. 142.
7
Referências Bibliográficas:
DINIZ, Eli. “Ética e Política”. In. ______: Revista de Economia Contemporânea. nº. 5,
jan. - jun., 1999.
WEBER, Max. “A Política como Vocação”. In. ______: Ensaios de Sociologia. Rio de
Janeiro: Editora Guanabara: 1982.
WEBER, Max. “A Ciência como Vocação”. In. ______: Ensaios de Sociologia. Rio de
Janeiro: Editora Guanabara: 1982.