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Revista Brasileira de Marketing

E-ISSN: 2177-5184
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Universidade Nove de Julho
Brasil

Oliveira Gozetto, Andréa Cristina


Movimentos sociais e grupos de pressão: duas formas de ação coletiva
Revista Brasileira de Marketing, vol. 7, núm. 1, 2008, pp. 57-65
Universidade Nove de Julho
São Paulo, Brasil

Disponível em: http://www.redalyc.org/articulo.oa?id=471747517007

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Movimentos sociais

Cenários da Comunicação
e grupos de pressão:
duas formas de
ação coletiva
Andréa Cristina Oliveira Gozetto
Doutorada em Ciências Sociais – Unicamp;
Professora do curso de Direito – Departamento de Ciências Sociais Aplicadas – Uninove.
São Paulo – SP [Brasil]
acjoliveira@gmail.com

Neste trabalho, faz-se uma discussão teórica, com-


parando a trajetória e a forma de atuação dos movi-
mentos sociais e dos grupos de pressão. Esses dois
modelos de ação coletiva não costumam ser anali-
sados conjuntamente, pois, do ponto de vista dos
especialistas, não possuem o mesmo grau de legi-
timidade. Argumentamos que, apesar de os movi-
mentos sociais terem trazido à política brasileira
uma nova maneira de expressão e ação, os grupos
de pressão ganharam legitimidade ao se fortalece-
rem com o processo de redemocratização pós-1985.
Em razão da mudança no formato de representação
de interesses no Brasil, hoje a classe trabalhadora se
organiza tanto em movimentos sociais quanto em
grupos de pressão quando se trata de garantir seus
direitos, principalmente no âmbito legislativo.
Palavras-chave: Ação coletiva. Grupos de pressão.
Movimentos sociais. Representação de interesses.
Cenários da Comunicação, São Paulo, v. 7, n. 1, p. 57-65, 2008. 57
1 Introdução influenciar os legisladores para que mais direitos
fossem incorporados à Carta Magna.
Partimos do pressuposto de que o que dis-
O formato de representação de interesses no tingue essas duas formas de ação coletiva são as
Brasil foi grandemente modificado com o surgi- estratégias utilizadas por esses agentes e as mudan-
mento de um novo arranjo institucional estatal, ças institucionais pelas quais o nosso sistema
após o período de abertura política. Um padrão político passou após o processo de redemocratiza-
diferente, porém igualmente legítimo de represen- ção iniciado em 1985.
tação e defesa de interesses, foi posto em prática É inegável que os movimentos sociais trou-
pelos cidadãos para assegurar e iniciar novos direi- xeram à política brasileira uma nova maneira de
tos e promover bens públicos. A fragmentação da expressão e ação. Porém, da mesma forma que
classe trabalhadora, descentralização e multipli- se organiza em movimentos sociais, a classe tra-
cação de interesses na sociedade contemporânea balhadora também o faz em grupos de pressão,
contribuíram para que a ação coletiva se deslocasse principalmente quando se trata de garantir seus
do âmbito público para o privado. Assim, discutir direitos em âmbito legislativo.
ação coletiva implica analisar esse novo formato O estudo sobre grupos de pressão, apesar de
que inclui tanto formas tradicionais de repre- recente, é reconhecidamente relevante pelo papel
sentação política – como os movimentos sociais primordial que desempenham na defesa de inte-
– quanto a ação dos grupos de pressão. resses de vários segmentos da sociedade civil
Neste trabalho, o objetivo é comparar a atu- perante os poderes públicos, principalmente após
ação dos movimentos sociais e grupos de pressão a década de 1990. Com sua ação, os grupos de
sob o prisma da ação coletiva. É importante res- pressão permitem a expressão das minorias, o que
saltar que essa não é uma tarefa fácil nem usual, atenua conflitos e possibilita maior participação
pois os movimentos sociais sempre foram tratados da sociedade civil no processo estatal de tomadas
pelos analistas como ação mais legítima do que a de decisão, democratizando-o.
dos grupos de pressão – resultado da noção precon- Este trabalho foi dividido em duas partes: na
ceituosa que dissemina a idéia de que grupos de primeira, apresentamos a conceituação de movi-
pressão são comumente representantes de grandes mentos sociais, sua trajetória e forma de atuação;
corporações poderosas tanto econômica quanto na segunda, utilizamos as mesmas categorias ana-
politicamente. Os movimentos sociais sempre líticas para os grupos de pressão.
estiveram relacionados à representação de interes-
ses da população menos favorecida, duplamente
explorada tanto pelo Estado quanto por essas gran-
des corporações e que lutaram bravamente por sua
inserção na vida política do país a partir da década
2 trajetória
Movimentos sociais: conceituação,
e formas de atuação
de 1970. Os movimentos sociais são organizações mais
Assim, com a análise da literatura pertinente ou menos estruturadas e têm como objetivo con-
sobre o tema, pretendemos mostrar que tanto os gregar pessoas que possuam interesses comuns,
movimentos sociais quanto os grupos de pres- com o intuito de defender direitos ou promover
são podem ser vistos como formas legítimas de bens coletivos. Ganharam projeção na vida polí-
ação coletiva. Desse modo, para representar seus tica nacional na década de 1970, e articularam-se
interesses legitimamente grandes, corporações, e continuam articulando-se em torno de vários
associações ambientalistas ou movimentos sociais temas: meio ambiente, moradia, reforma agrária,
como o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem direitos do consumidor, direitos humanos, gênero,
Terra (MST) podem organizar-se como movimen- orientação sexual, raça, etnia etc.
tos sociais ou como grupos de pressão. Uma das primeiras ações a gerar movimentos
Um bom exemplo do argumento acima é populares, em meados da década de 1970, foi a
observado quando analisamos o trabalho da luta pela regularização dos loteamentos clandesti-
Assembléia Nacional Constituinte, em 1987. O nos. O movimento da zona leste de São Paulo por
que se viu naquele momento foi uma profusão de creches e melhores condições para garantir a saúde
movimentos sociais e grupos de pressão empre- também foi muito importante nesse contexto his-
endendo ações coletivas com o mesmo objetivo: tórico (SILVA, 1994).

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Cenários da Comunicação
A principal característica dos movimentos vinculação ideológica e política entre a
sociais é o caráter espontâneo de seu surgimento. O necessidade e seus condicionantes estrutu-
tipo distintivo de sua ação política é a ação direta, rais. (apud GANZELI, 1993, p. 12).
ou seja, utilizam-se de greves, manifestações públi-
cas, desobediência civil, ocupações de prédios e No entanto, esses movimentos foram enca-
bloqueio de estradas. rados muitas vezes como maneiras inferiores de
A forma de atuação dos movimentos sociais mobilização, que deveriam evoluir para formas
estava ligada, desde seu surgimento, a mobilizações mais plenas e satisfatórias de atuação política: a
populares de grande visibilidade. Eles orientaram partidária e a sindical, consideradas como modos
sua ação pela defesa da autonomia, auto-organiza- tradicionais de representação de interesses. Os
ção, importância da organização de base e prática movimentos sociais apareciam como substitutos
da democracia direta. Havia um repúdio total às “empobrecidos” dos movimentos “verdadeiros”
formas institucionalizadas de fazer política, bem (DUHRAM, 1984).
como uma profunda desconfiança com relação a Os movimentos sociais se mobilizam e se
elas (SILVA, 1994; SADER, 1988). desmobilizam livremente e a participação dos
Para Durhram (1984), os movimentos sociais cidadãos é voluntária. Esse é um dos motivos que
constituem uma forma específica de mobilização levam autores como Vigevani (1989, p. 98) a afir-
popular com espaço próprio, diverso daquele ocu- mar que
pado por partidos e sindicatos. Segundo essa autora,
não foi necessariamente a miséria crescente, mas a […] a grande maioria dos movimentos
consciência da pobreza que contribuiu para que os sociais está restrito ao atendimento de rei-
movimentos sociais se mobilizassem na década de vindicações localizadas, de necessidades
70 do século XX. emergentes, reflexo da incorporação da
No entanto, é a carência que define a coletivi- noção de direito do cidadão. Em geral, tais
dade possível, dentro da qual se constitui a efetiva necessidades são limitadas no tempo e no
colaboração dos participantes do movimento. A espaço, sendo de relevância apenas para a
passagem do reconhecimento de uma carência comunidade afetada.
para a formulação da reivindicação é mediada
pela afirmação de um direito. Assim, esses movi- Apesar de não apresentarem projetos bem
mentos não devem ser vistos como de luta contra definidos para o futuro, os movimentos sociais,
o empobrecimento crescente e, sim como aque- sobretudo os novos que surgem no Brasil, na década
les que passam a exigir o atendimento de novas de 1970, construíram as bases para uma vida mais
necessidades. democrática e mais socializada.
Ao lutarem por maior acesso ao espaço polí- Essa década trouxe à cena uma camada popu-
tico e pela inclusão dos cidadãos de baixa renda lar mais participante, isso porque setores sociais
nos benefícios do desenvolvimento econômico, tradicionalmente excluídos da política passaram
os movimentos sociais efetuaram uma espécie de a se organizar para reivindicar maior igualdade,
alargamento do espaço político. Em oposição à sentindo-se parte desse sistema político (embora
política tradicional e “politizando” questões do constituindo a mais fraca). Um conjunto de novos
cotidiano em seus locais de trabalho e moradia, problemas e de reivindicações sociais gerou a
esses grupos criaram novas formas de fazer polí- formação e o desenvolvimento de uma ampla varie-
tica (DURHAM, 1984; SADER, 1987). dade de movimentos populares de base, correntes
Para Jacobi (1989), existe um conjunto de de um processo de rearticulação dos moradores
mecanismos próprios aos movimentos sociais da periferia em torno de lutas por melhorias nas
que possibilitam a passagem da necessidade à rei- condições de vida urbana. Esse período da história
vindicação. caracterizou-se como o de maior repressão, mas,
mesmo assim, assistiu-se a uma revitalização das
O elemento de conscientização se dá no manifestações da vontade popular (CARDOSO,
plano da organização de base, através 1984; JACOBI, 1983).
de assembléias nos bairros, onde mora- Vários grupos populares começaram a rei-
dores, organizados em clubes de mães, vindicar seus direitos. Primeiro, reivindicaram
Sociedades Amigos de Bairros, Associações o direito de ter direitos. Essas ações levaram a
de Moradores, configurando em geral uma uma revalorização de práticas sociais presentes

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no cotidiano popular, obscurecidas pelas formas Enquanto expressões de luta pelos direi-
dominantes de sua representação. “Nessa represen- tos mínimos de cidadania, esses movimentos
tação a luta social aparece sob forma de pequenos constituíram uma resposta à própria violência
movimentos que, num dado momento, convergem institucional do Estado, que afetou o cotidiano
fazendo emergir um sujeito coletivo com visibili- dessas populações. Dessa forma, o Estado funcio-
dade pública” (SADER, 1987, p. 29). nou como fator de contenção dos movimentos,
A espontaneidade e o senso de justiça foram o que incorreu no processo de negociação que
apontados como características inovadoras na par- se desenvolveu entre ambas as partes, e também
ticipação popular; por esse motivo, os movimentos pôs em prática propostas de colaboração. Essa
populares foram apresentados como instrumen- interação, em vez de reverter em benefício das
tos políticos novos, uma vez que questionavam o populações, acabou por redundar em algum tipo
Estado autoritário, obrigando a uma democratiza- de intervencionismo, sufocando iniciativas origi-
ção; faziam reconhecer a presença dos oprimidos nais da localidade que poderiam ser positivas em
como novos atores políticos; colocavam-se ao lado desdobramentos posteriores.
dos partidos e sindicatos, renovando-os, e possu- Foi no processo de legitimação do movimento
íam a capacidade de intervir autonomamente na ante o Estado, e vice-versa, que foi criada uma nova
correlação de forças (CARDOSO, 1984). forma de cidadania. Esses movimentos buscaram
A partir de 1974, a crise da legitimidade do inverter as políticas sociais implementadas pelo
regime, com o fim do período do “milagre econô- “estado capitalista” sem, no entanto, negá-lo como
mico”, teve como reflexo a luta pela volta do estado estrutura de poder (DUHRAM, 1984).
Segundo Carvalho (1998), se a década de
de direito e o início do debate em torno da questão
1970 podem ser caracterizados pela disseminação
dos direitos humanos (JACOBI, 1983).
de uma multiplicidade de organizações populares
O crescente processo de exclusão dos bene-
“de base”, nos anos 1980 temos sua articulação em
fícios da urbanização implicou a emergência dos
federações municipais, estaduais e nacionais, enti-
movimentos populares urbanos com um novo
dades representativas desses movimentos, cujas
caráter pautado pela autonomia. Isolados em seus
expressões mais fortes são a construção da Central
bairros, os cidadãos enfrentaram o Estado de forma
Única dos Trabalhadores (CUT) e do Partido dos
desarticulada e fragmentada, competindo pelos
Trabalhadores (PT). O PT, no dizer de Lula, seu
mesmos recursos. A unidade desses demandantes
fundador, nasce da percepção de que os trabalha-
foi dada pelo Estado, a um só tempo inimigo e
dores precisam também fazer política partidária
legitimador. Além disso, a força desses movimen-
para garantir “na lei” as conquistas obtidas nas
tos foi considerada uma “cultura” própria em que
lutas reivindicativas.
se preservou a rebeldia, e, ao preservá-la, a classe O processo constituinte, o amplo movimento
trabalhadora abandonou sua imagem de submis- de “Participação Popular na Constituinte”, que ela-
são e de estar totalmente inserida na sociedade borou emendas populares à Constituição e coletou
de consumo. Deslocamentos sutis, pequenos atos subscrições em todo o país, marcou esse momento
e manifestações incapazes de incidir eficazmente de inflexão, e uma nova fase anterior, predominan-
sobre a institucionalidade estatal começaram a temente reivindicativa, de ação direta ou “de rua”,
ser valorizados como expressão de resistência, de é sistematizada e traduzida em propostas políticas
autonomia e de criatividade (SADER, 1987). mais elaboradas e levadas aos canais institucionais
Desde 1976, esses movimentos que surgi- conquistados, como a própria iniciativa popu-
ram e se multiplicaram nos mais distantes bairros lar de lei que permitiu as emendas constituintes
desenvolveram diferentes formas de organização, (CARVALHO, 1998).
resultado da capacidade de articulação dos mora- Os movimentos sociais vão mudando sua
dores na luta pelo direito à cidadania, questão forma de atuação e, assim, causando certa decepção
significativa que se coloca na prática política das em analistas acadêmicos e políticos, pois passam
classes populares. Os movimentos por creches e a participar do jogo democrático, que é progres-
centros de saúde representaram, assim, um dado sivamente restabelecido por meio dos partidos
novo nas lutas populares por equipamentos de políticos e da interação com o sistema político-
consumo coletivo, além de uma transformação administrativo.
qualitativa no enfrentamento com o Estado e avan- Nos anos 1990, os movimentos sociais vivem
ços com relação ao controle popular. uma nova fase que enfatiza a necessidade de capa-

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Cenários da Comunicação
citação técnica e política de suas lideranças, para cooptação, mas, sim, como construção de espaços
que possam ocupar, de modo qualificado, os espa- públicos, cuja estruturação se dá pela construção
ços de co-gestão conquistados. de referências comuns de justiça e de responsabili-
São exigidas eficácia e eficiência nos movimen- dade coletiva.
tos sociais. Essas foram entendidas, muitas vezes,
como burocratização desnecessária, abandono
dos ideais transformadores, do estilo informal, da
rebeldia e da valorização das organizações autô-
nomas da sociedade como centro de estratégias
3 Grupos de pressão: conceituação,
trajetória e formas de atuação
de mudança social. Essa ação é influenciada pelas A nosso ver, um grupo de pressão é um grupo
Organizações Não-Governamentais (ONGs) inter- de interesse que exerce pressão, e é dessa maneira
nacionais. que o definimos. Um grupo de interesse só se torna
Depois da Constituição de 1988, há uma apro- grupo de pressão ao empreender ação para influen-
priação e generalização, por parte do Estado e dos ciar as decisões dos poderes públicos. Dessa forma,
partidos políticos no poder, das propostas de ges- estudar os grupos de pressão é analisar os grupos
tão participativa e de controle social formuladas de interesse em sua dinâmica externa e, especial-
pela sociedade e pelos parlamentares, no processo mente, em sua atividade política.
constituinte e no reordenamento jurídico que o Entendemos como grupo de interesse “[…]
seguiu. Em conseqüência, temos uma grande oferta qualquer unidade ativa, desde o indivíduo isolado
de canais institucionais de participação, principal- até a mais complexa coalizão de organizações […]
mente concelhos vinculados ao repasse de verbas que se engaja em atividade baseada em interesses
federais aos municípios como os concelhos muni-
relativa ao processo de formulação de políticas
cipais de educação e saúde.
públicas […]” (SALISBURY, 1984 apud RAMOS,
O grande desafio para os membros dos movi-
2005, p. 36).
mentos sociais no processo de redemocratização
A pressão é a atividade de um conjunto de
brasileiro foi buscar qualificação técnica e política,
indivíduos que, unidos por motivações comuns,
em decorrência da necessidade cotidiana das lide-
buscam, por meio de sanções ou da ameaça de usá-
ranças populares em relacionar-se com assessores,
las, influenciar sobre decisões que são tomadas
ONGs, universidades e entidades profissionais,
pelo poder político, tanto para mudar a distribui-
com o objetivo de apropriar-se tanto de conhe-
ção prevalecente de bens, serviços e oportunidades
cimentos técnicos relativos às políticas públicas
quanto conservá-la ante as ameaças de interven-
quanto dos trâmites administrativos que lhes são
ção de outros grupos ou do próprio poder político
próprios. Eles perceberam também a necessidade
(SCHWARTZENBERG, 1979).
de aprender a prática da negociação, ou seja, trocar
os confrontos característicos da fase mais reivindi- Os grupos de pressão se esforçam para enfren-
cativa por um “confronto propositivo”. tar um problema imediato e pontual e, depois, se
O resultado dessa busca é o espaço conquistado transformam para prestar serviços necessários aos
nas arenas institucionais de poder. O investimento seus membros. Diferentemente dos partidos, não
em maior qualificação de seus membros, por meio se colocam, já no momento da sua constituição,
da educação formal, capacitou-os para cumprir como representantes de muitos interesses nem pas-
um novo papel, mais propositivo e negociador. No sam a defender causas diferentes daquelas pelas
entanto, é inegável que os movimentos sociais já quais foram criados para resguardar.
não possuem mais tanta visibilidade nas ruas e nas A interpretação das ideologias e das preocupa-
mídias. Esse “recolhimento”, essa necessidade de ções materiais restringe singularmente a distinção
se capacitar, esse excesso de incumbências levou entre os grupos que defendem idéias e os que repre-
a um distanciamento entre o representante e sua sentam interesses – comumente particularistas.
base, o que gerou, em muitos casos, um esvazia- De maneira geral, os grupos de pressão
mento do movimento. atuam numa faixa própria de interesses dos seus
Porém, segundo Paoli (1995), há novas inven- membros em um ambiente supra-ideológico e
ções democráticas dos movimentos em sua inserção suprapartidário; no entanto, no Brasil, ocorrem
na política apresentadas como modernos modos claras vinculações entre grupos de pressão e par-
de negociação. A atuação desses movimentos tidos políticos como o vínculo inegável entre a
sociais nesses novos tipos não deve ser vista como CUT e o PT. Entretanto, os grupos possuem caráter

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ultrapartidário e, diferentemente dos partidos, não etapas: a primeira com a presença de representan-
buscam o exercício direto do poder. tes credenciados perante a Câmara dos Deputados,
Segundo Schmitter (1971), a atuação organi- para fins de monitoramento e assessoria. Em 1977,
zada de grupos de pressão sobre o Poder Legislativo estavam credenciados a Confederação Nacional
no Brasil é comprovada desde o século XIX, quando dos Trabalhadores na Agricultura (Contag),
atuava a Associação Comercial da Bahia, entidade a Confederação Nacional dos Trabalhadores
fundada em 1811, que defendeu os interesses de em Comunicação e Publicidade (Contcop) e a
seus associados e de entidades co-irmãs, perante o Federação Nacional dos Condutores Autônomos
Congresso Nacional, durante a Primeira República de Veículos Rodoviários (Fencavir).
(apud ARAGÃO, 1992). A segunda etapa deu-se com a criação do
Com o golpe militar de 1964, a ação dos gru- PT. A decisão de criar o partido originou-se da
pos de pressão no Congresso Nacional perdeu constatação de que os trabalhadores não esta-
impulso diante do deslocamento do eixo das deci- vam efetivamente representados no Congresso
sões políticas para o Executivo controlado pelos Nacional. Havia total desarticulação das lideran-
militares. Esse golpe interrompeu um vigoroso ças de trabalhadores com as lideranças políticas do
processo associativo que tendia ao fortalecimento Legislativo.
na medida em que a prática democrática continu- A terceira ocorreu ao largo das intensas polê-
asse a ser exercida pela sociedade1. Ainda segundo micas sobre quem exerceria a hegemonia das
Schmitter (1971), não existia no Brasil, pré-64, um lideranças sindicais, com a criação do Departamento
genuíno pluralismo na organização dos interesses Intersindical de Assessoria Parlamentar (Diap)2,
(apud ARAGÃO, 1992). em 1983, como resposta à intensificação das
O retorno dos grupos de pressão ao Congresso ações dos grupos de pressão de natureza empre-
Nacional, no fim da década de 1970, foi um reflexo sarial no Congresso (AR AGÃO, 1994). Em 1983,
da “abertura política” e da real perspectiva de que a atuação do DIAP foi bastante intensa, embora
as oposições poderiam assumir o poder. outros canais de influência tenham sido utiliza-
As eleições de 1982 foram bastante impor- dos pelas lideranças de trabalhadores. Reunindo
tantes. Com a vitória do Partido do Movimento lideranças sindicais adversárias, obteve apoio que
Democrático Brasileiro (PMDB) nas eleições para a proporcionou conquistas para os trabalhadores,
Câmara dos Deputados e com as vitórias oposicio- culminando em resultados significativos no pro-
nistas no Rio de Janeiro, São Paulo e Minas Gerais, cesso constituinte.
os grupos de pressão que possuíam maior visibi- Para Aragão (1992, p. 86),
lidade no Congresso Nacional, principalmente os
empresariais, temendo a ascensão das oposições A profissionalização dos esforços de defesa de
ao poder, aproximaram-se do Congresso Nacional interesses no Congresso Nacional é fenômeno
e passaram a criar departamentos de assessoria recente, ocorrido com maior vigor após a der-
parlamentar e a contratar consultores externos rubada do regime militar em 1985. Assim,
(ARAGÃO, 1994). não podemos afirmar que exista um padrão
Assim, podemos perceber que foi a partir das de planejamento comum entre os vários
eleições de 1982 que o empresariado passou a se grupos de pressão. Além do que, a estrutura
preocupar com a oposição no Congresso. Porém, organizacional, a disponibilidade de recur-
antes dessa data, algumas entidades já realizavam sos também são fatores determinantes para a
serviços regulares de monitoramento legislativo, ocorrência – ou não – de um planejamento
entre as quais as seguintes: Confederação Nacional estratégico claramente definido.
da Indústria (CNI), Confederação Nacional do
Comércio (CNC), Confederação Nacional da Diversos projetos de lei discutidos e aprovados
Agricultura (CNA), Confederação das Associações ao longo dos anos de 1980 tiveram participação
Comerciais e Empresariais do Brasil (Cacb), decisiva dos grupos de pressão, como a revenda
Associação Brasileira das Emissoras de Rádio e de veículos automotores (1980), o aumento da
Televisão (Abert), Federação do Comércio de São contribuição previdenciária e das taxas sobre
Paulo (Fecomercio) e Federação das Indústrias do supérfluos (1981), a reserva de mercado na infor-
Estado de São Paulo (Fiesp). mática (1984), o estatuto da microempresa (1984)
Segundo Aragão (1992), os trabalhadores mar- e a proibição da demissão imotivada do traba-
cam seu retorno ao Congresso Nacional em três lhador (1983/1985) (ARAGÃO, 1992). Durante a

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Cenários da Comunicação
elaboração da Constituição de 1988, mais de 383 entre as quais: coleta de informações, propostas
grupos de interesse atuaram com a intenção de ver políticas, suporte as demandas, confecção de pes-
suas reinvindicações atendidas. Essa movimenta- quisas e procura por aliados. A informação é um
ção incomum até aquele momento, decorrente de dos pilares da ação dos grupos e sua importância
aspectos inerentes ao sistema político brasileiro, é inegável. Ao oferecerem dados imparciais, con-
fez com que o interesse sobre o papel institucio- fiáveis e contrastáveis aos tomadores de decisão,
nal desses grupos ressurgisse, notadamente, ante os grupos de pressão alcançam credibilidade,
o poder Legislativo (ARAGÃO, 1994). O impor- transformando-se em fontes de informação. Ao
tante papel que os grupos desempenharam nesse se tornarem confiáveis, esses grupos abrem um
momento de nossa história pode ser visto a partir canal de interlocução com o Estado, garantindo
da organização da Frente Verde de Acão Ecológica. que os interesses de seus clientes sejam ouvidos.
Diversas entidades da sociedade civil se organi- Essa relação, sem dúvida, é sustentada pela credi-
zaram e obtiveram a inclusão de um detalhado bilidade daquele que fornece a informação e, por
capítulo acerca do meio ambiente na Constituição, isso, os grupos de interesse a tratam de maneira
além de 23 outros dispositivos que, direta ou indi- tão cuidadosa (OLIVEIRA, 2004).
retamente, tratavam do tema, resultando em uma
das mais avançadas legislações constitucionais
sobre meio ambiente.
Podemos observar que, após o processo de
redemocratização, houve um claro fortalecimento
4 Considerações finais
do Congresso Nacional como poder político e, Neste trabalho, exploramos a trajetória e a
conseqüentemente, dos grupos de pressão que reto- maneira de atuação dos movimentos sociais e gru-
maram seu lugar no processo democrático, fazendo pos de pressão, com o intuito de distinguir essas
pressão e tentando influenciar os legisladores. duas formas de ação coletiva. O surgimento e o for-
As mudanças institucionais garantem aos gru- talecimento dos movimentos sociais e dos grupos
pos de pressão maior participação no processo de pressão, como atores legítimos de representação
decisório e também alteram sua estrutura organi- de interesses, ocorreram em momentos diferentes
zacional. Eles passam a se organizar para alertar de nossa história e profundamente influenciados
seus associados sobre a iminência de mudanças pelas condições institucionais do sistema político.
e para produzir material informativo3, fazendo o A partir da década de 1970, os movimentos
chegar a quem decide. Isso quer dizer, acompa- sociais se legitimaram e criaram identidade, tendo
nhar as atividades não só de pouco mais de 500 o Estado como inimigo, uma vez que estávamos
deputados e senadores, mas também de governa- sob a égide de um regime ditatorial. Os grupos de
dores, deputados estaduais, prefeitos, vereadores pressão, entretanto, possuíam uma atuação muito
e milhares de burocratas que ditam normas nos tímida, pois o processo decisório estava centra-
ministérios ordinários e extraordinários e nas cen- lizado no Poder Executivo e o Legislativo tinha
tenas de autarquias, fundações, empresas públicas pouco espaço para atuar. Com a abertura política
e outros órgãos da administração indireta, nos três iniciada em meados da década de 1980, esse pano-
níveis de governo. rama alterou-se e mudanças institucionais severas
É importante ressaltar, no entanto, que nem foram postas em curso.
todos os grupos de pressão brasileiros têm capa- No processo de redemocratização, os movi-
cidade financeira para manter essa estrutura mentos sociais foram levados a atuar em esferas
organizacional, e um dos fatores responsáveis por institucionais de poder. No entanto, foi preciso
isso é a pouca idade de seus componentes. algum tempo para se adaptarem, pois precisa-
É necessário destacar que os grupos de pressão vam investir na qualificação de seus membros por
afetaram o processo legislativo. Sem maioria no meio da educação formal. Apesar de disporem
Congresso e sem condições de imporem suas deci- de uma grande oferta de canais institucionais de
sões, o regime militar e as oposições tinham de participação, principalmente conselhos como os
negociar o andamento de projetos de lei, abrindo de educação e saúde vinculados ao repasse de ver-
maior espaço para a participação desses grupos no bas federais aos municípios, muitos movimentos
sistema decisório. sociais consideravam essa atuação política menos
Para influenciar o processo legislativo, os transformadora, menos legítima. Portanto, foi pre-
grupos de pressão se valem de várias estratégias, ciso aceitar esse espaço político como legítimo e

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representativo. Como resultado desse processo de Social movements and pressure groups:
aceitação, as mobilizações de rua arrefeceram e os two ways of collective action
movimentos sociais passaram a ter vez e voz junto The theoretical discussion presents a comparison
ao Estado. between the course and the form of actuation of
Os grupos de pressão voltaram à cena, pois o the social movements and the pressure groups.
These two kinds of collective action are not usually
Poder Legislativo havia retomado sua autonomia
analyzed together because the points of view of
para legislar. Esses grupos passaram a perceber que
the analysts do not have the same legitimacy level.
as decisões tomadas pelo Estado, tanto no âmbito We argue that despite the social movements had
do Poder Legislativo quanto no do Executivo, brought to Brazilian politics a new way of expres-
influenciavam-nos e podiam ser influenciadas por sion and action, pressure groups won legitimacy
eles. Essa percepção e o maior espaço no processo when start increasing their strength through the
decisório garantido por um Poder Legislativo post-1985 redemocratization process. In view of
fortalecido são fatores responsáveis pela modifi- the change in the way of representation in Brazil,
nowadays the working class organizes itself both
cação do formato de representação de interesses
in social movements and pressure groups in order
no Brasil. to guarantee their rights, especially in the legisla-
Assim, diferentemente dos movimentos tive scope.
sociais que apresentavam um caráter mais comba- Key words: Collective action. Interest representa-
tivo, rebelde e autônomo em relação ao Estado, os tions. Pressure groups. Social movements.
grupos de pressão fortalecem-se com o claro obje-

Notas
tivo de atuar nas esferas institucionais de poder e
influenciar o processo decisório. Para isso, esses
grupos necessitavam de membros qualificados e
capazes de compreender as engrenagens do poder, 1 Não podemos esquecer, no entanto, que o golpe mili-
uma vez que é preciso entender as regras do jogo tar teve ampla sustentação por parte de setores organi-
político para jogá-lo. zados da sociedade civil, revelando a interferência dos
grupos no sistema político do país.
Dessa forma, a ação dos grupos de pressão foi
pautada pela busca de eficácia e eficiência. Coletar 2 O Diap se auto-intitula lobby do trabalhador no Con-
gresso Nacional.
informações, sistematizá-las, moldá-las às suas
intenções e oferecê-las aos tomadores de decisão 3 Existem empresas especializadas que vendem assina-
turas de boletins legislativos dirigidos para setores de-
para depois pressioná-los a fim de defender seus terminados ou com a prestação de serviços de caráter
interesses é o principal objetivo dos grupos de pres- individual.
são. Não existe repúdio por parte desses grupos no
que se refere às formas institucionalizadas de fazer
política; ao contrário, sua atuação as privilegia.
Acreditamos que a distinção possível entre
movimentos sociais e grupos de pressão enquanto Referências
formas de ação coletiva se insere na contraposi- ARAGÃO, M. Os grupos de pressão no congresso nacional:
ção de duas visões de mundo. O que se pretende abordagem ao papel dos grupos no Legislativo, seus
lançando mão da ação coletiva? Transformar ou procedimentos e legislação pertinente. Dissertação
reformar a sociedade em que se vive? Mestrado – Faculdade de Estudos Sociais Aplicados,
Departamento de Ciência Política e Relações Inter­
A nosso ver, os movimentos sociais apresen-
nacionais, Universidade de Brasília, Brasília, DF, out, 1992.
tam um discurso e uma ação mais transformadora
______. Grupos de pressão no Congresso Nacional: como
e menos institucionalizada. Já os grupos de pressão
a sociedade pode defender licitamente seus direitos no
jogam o jogo segundo as regras predeterminadas poder legislativo. São Paulo: Maltese, 1994.
pelo Estado e, assim, buscam reformá-lo. Dessa
CARDOSO, R. C. L. Movimentos sociais urbanos:
forma, com canais participativos a seu dispor,
balanço crítico. In: SORJ, B. (Org.). Sociedade e política no
ambos são capazes de escolher que caminho seguir, Brasil pós-64, 2. ed. São Paulo: Brasiliense, 1984.
o do enfrentamento ou o da negociação.
CARVALHO, M. do C. A. A. Participação social no Brasil
Em razão do alto grau de profissionalização de hoje. In: Pólis Papers, nov. 1998.
seus membros e da opção por atuar principalmente
DURHAM, E. R. Movimentos sociais – A construção da
no âmbito legislativo, parece-nos que os grupos de cidadania. In: Novos Estudos CEBRAP, São Paulo, n. 10, p.
pressão têm escolhido o caminho da negociação. 24-30, out. 1984.

64 Cenários da Comunicação, São Paulo, v. 7, n. 1, p. 57-65, 2008.


Cenários da Comunicação
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recebido em 4 abr. 2008 / aprovado em 27 maio 2008


Para referenciar este texto:
GOZETTO, A. C. O. Movimentos sociais e grupos
de pressão: duas formas de ação coletiva. Cenários da
Comunicação, São Paulo, v. 7, n. 1, p. 57-65, 2008.

Cenários da Comunicação, São Paulo, v. 7, n. 1, p. 57-65, 2008. 65

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