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Charles C. Mueller
NEPAMA
Departamento de Economia – UnB
(Abril de 2004)
A economia ecológica, entretanto, rejeita essa postura; para essa corrente, não é
ilimitada a capacidade do meio-ambiente de absorver os impactos do sistema econômico.
Ela trata o sistema econômico como um ser vivo, que intercambia energia e matéria com
seu meio externo; e considera que, atualmente, a escala do sistema econômico, e natureza
de seus impactos são tais que se sua expansão continuar nos moldes recentes, a resiliência
do meio-ambiente poderá ser seriamente afetada, com conseqüências potencialmente
catastróficas.
O livro faz uma avaliação crítica abrangente dessas duas vertentes da economia do
meio-ambiente.
PARTE I. A ECONOMIA E A QUESTÃO AMBIENTAL
2
Para que se possa melhor avaliar a situação, bem como para estabelecer uma base factual
para o estudo da economia do meio-ambiente, julgamos, pois, necessária a presente discussão
introdutória. Ela forma o pano de fundo para o estudo das principais contribuições, e das
maiores deficiências das principais correntes de pensamento da economia do meio-ambiente.
Essa evolução está associada à expansão recente do sistema econômico global. A partir
da década de 1950 essa expansão se acentuou consideravelmente, exigindo quantidades
crescentes de recursos naturais e gerando volumes cada vez maiores de emanações ao meio-
ambiente de rejeitos nocivos. A atual preocupação com os impactos ambientais causados pela
sociedade humana resulta, pois, da escala elevada da economia mundial dos nossos dias.
Enquanto esta era reduzida, os impactos globais da atividade econômica eram pequenos e
localizados; com sua ampliação, esses impactos aumentaram significativamente.
Em termos muito gerais, a escala (o tamanho, a dimensão) da economia global tem dois
componentes básicos: a magnitude da população humana; e o nível de renda per capita médio
– ou melhor, o nível da produção material por habitante. E esses dois componentes têm fortes
relações com a questão ambiental.
Com efeito, por mais pobre que seja uma sociedade, se a sua população cresce a uma
taxa elevada, aumenta o número de pessoas que requerem alimentos e um mínimo de bens e
serviços; aumentam os requerimentos de espaço para abrigar e alimentar essas pessoas; e se
ampliam as emissões de resíduos, de rejeitos. Aumenta, pois, sua escala. A degradação
ambiental de países pobres superpovoados e de elevado dinamismo demográfico tende a ser
qualitativamente diferente da que ocorre nos países ricos, mas ela existe e é preocupante. Inclui,
por exemplo, o lixo que se acumula próximo a residências e os dejetos humanos não recolhidos
e tratados; a poeira nos aglomerados urbanos; a fumaça da queima de lenha e esterco dentro das
residências; a destruição dos solos e das florestas associados à ocupação de terras, a erosão e a
degradação das águas causadas por populações de regiões de elevada densidade demográfica e
de taxas elevadas de crescimento populacional.
Por sua vez, mesmo que tenha população estável (uma população que não cresce), um
país cuja renda per capita se expande acentuadamente usa quantidades crescentes de recursos
naturais e gera emanações de rejeitos, de poluição, cada vez maiores. Via de regra, o aumento
da renda per capita está associado a uma produção material cada vez maior. E, para que esta
ocorra, tornam-se necessários cada vez mais recursos naturais. Ademais, os processos de
produção e de consumo em expansão, trazem consigo poluição e degradação ambiental
crescentes. A ciência e a tecnologia podem amenizar a situação, mas as leis da natureza
impedem com que sejam eliminados esses efeitos da expansão da produção material.
Y = Y/P x P ; e, (1)
DA = Ω(Y) (2),
onde Y é o produto real total (o Produto Interno Bruto real) da economia em um dado período
(digamos um ano), tomado como indicador da escala da sua produção material no período; P
representa a população da economia naquele momento do tempo; e DA, a degradação
ambiental que se observa então. A primeira equação – que, na verdade, é uma tautologia – diz
que o produto real total em um dado período é igual à renda per capita da economia no período,
multiplicada por sua população. Em essência, essa representação ressalta os dois grandes
elementos determinantes da escala. Por sua vez, a equação (2) afirma que a degradação
ambiental é uma função Ω da escala da produção material da economia.
É importante ressaltar que não há uma relação fixa e estável entre Y e DA. Essa relação
pode ser diferente entre países e, dentro de um mesmo país, pode variar ao longo do tempo. A
configuração da função Ω(Y) depende da composição da produção e da tecnologia adotada na
produção. Existem países com estruturas de demanda que requerem produtos cuja manufatura
envolve mais recursos naturais, geram mais poluição e, além disso, produzem mais lixo na etapa
do consumo. E, para um determinado nível de produto real, existem tecnologias de produção
que são mais eficientes na conversão de materiais básicos (recursos naturais) em produtos, e que
causam menos poluição que outras. Assim, para um país em um dado momento, a relação Ω(Y)
vai depender da composição da produção que a sociedade demanda, e da tecnologia adotada
para gerar essa produção.
Escala da Grau de
economia Composição “limpeza” Degradação
da das tecnolo- ambiental
(Y=Y/P . P) produção gias usadas (DA)
Tomando a economia do globo terrestre como um todo, não é válido afirmar que existe
uma relação linear e estável entre a degradação ambiental, DA e a escala Y da produção
material. É de se esperar que a DA cresça com Y, mas é possível que essa expansão ocorra a
taxas decrescentes. Em outros termos se, com o crescimento da economia global, houver
transformações na estrutura da demanda no sentido de bens que usem menos recursos naturais
escassos e que podem ser produzidos com menores emanações, com menos poluição; e se, ao
mesmo tempo, a produção em expansão envolver o emprego crescente de tecnologias que
poupam recursos naturais escassos, será possível continuar ampliando a produção (e o padrão de
vida da população) com incrementos moderados na degradação ambiental. Entretanto, também
pode ocorrer o contrário; a demanda em expansão pode privilegiar produtos intensivos em
recursos naturais escassos e as tecnologias podem não evoluir no sentido de uma produção com
5
menor degradação ambiental por unidade de produto. Nesse caso, os impactos do crescimento
da produção sobre DA poderão vir a ser dramáticos.
O ponto que se deseja enfatizar é que o padrão de degradação ambiental de cada país é
fortemente afetado por seu estilo de desenvolvimento.2 E, em larga medida, o estilo de
desenvolvimento de uma sociedade resulta da forma como a renda é apropriada pelos seus
diferentes segmentos. Essa apropriação afeta a estrutura da demanda e, portanto, se reflete na
composição da produção levada a efeito para atender a essa demanda. Influenciando na
configuração da estrutura produtiva do país, a estrutura de demanda é, pois, fator na
determinação das características das tecnologias empregadas, das intensidades de uso de fatores
de produção como a mão-de-obra e o capital; e também afeta a intensidade e os tipos de
recursos naturais empregados na produção e a natureza e intensidade de resíduos, rejeitos e
poluição que são gerados.
2 Para uma discussão do conceito de "estilo de desenvolvimento" e sua relação com o meio ambiente, ver Sunkel,
1980.
6
RECURSOS ESTADO
NATURAIS GERAL
COMO DO MEIO
INSUMOS AMBIENTE
Rejeitos Rejeitos
MEIO-AMBIENTE Degradação Degradação
SISTEMA
ECONÔMICO
Produção Consumo
Reciclagem
POLÍTICAS
Observa-se, ademais, que políticas públicas podem afetar, tanto os fatores dinâmicos
(alterando, por exemplo, a distribuição da renda), como os fatores estruturais (por exemplo,
facilitando a importação de tecnologias, ou “abrindo” a economia para o exterior).
7
O meio-ambiente, por sua vez, possui certa resiliência, ou seja, certa capacidade de se
auto-regenerar das agressões do sistema econômico. Entretanto, essa resiliência tem limites.
Uma agressão muito forte pode produzir mudanças drásticas no meio-ambiente, afetando a sua
resiliência. E o comprometimento da resiliência do meio-ambiente pode provocar situações
irreversíveis, com efeitos dramáticos sobre o próprio funcionamento do sistema econômico. É o
que acontece, por exemplo, em nível de ecossistemas que experimentam o processo de
desertificação causada pela ação humana.
Voltando à relação entre a escala da economia e o meio-ambiente, vimos que, dado o seu
estilo de desenvolvimento, a evolução da degradação ambiental gerada por uma sociedade vai
depender da dinâmica dos dois componentes da escala da economia (Y): a da sua população (P),
8
e a da sua produção (material) per capita (Y/P). A seguir, esboçam-se as tendências recentes das
dinâmicas desses dois componentes da escala da economia.
2. A dinâmica demográfica
Tabela 1. População Estimada e Projetada para o Mundo, para Grupos de Países em Classificados
em Termos de Grau de Desenvolvimento, e de Grandes Áreas Geográficas, 1950 e 2000 (população
estimada), e 2050 (população projetada). Taxas Médias Anuais de Crescimento, 1950-2000 e 2000-
2050.
Grandes Regiões
África 221 796 1.803 2,56 1,64
Ásia 1.398 3.680 5.222 1,94 0,70
América Latina e Caribe 167 520 768 2,27 0,78
Europa 547 728 632 0,57 -0,28
América do Norte 172 316 448 1,22 0,70
Oceania 13 31 46 1,74 0,79
Fonte: United Nations, Department of Economic and Social Affairs, Population Division, World
Population Prospects: the 2002 Revision. United Nations, fevereiro, 2003 (www.unpopulation.org.)
1. Os dados das Nações Unidas mostram que, entre 1950 e 2000 a população do mundo
aumentou cerca de 141%, de 2,5 bilhões a quase 6,1 bilhões de habitantes. A taxa média de
crescimento nesses 50 anos foi de 1,76% ao ano. No período a população mundial apresentou
um incremento de quase 3,6 bilhões de pessoas.
9
Não obstante tal desaceleração, porém, no começo do século XIX o mundo ainda registrava
um incremento de cerca de 77 milhões de pessoas por ano; e, segundo as Nações Unidas, a
população do nosso globo deverá ultrapassar os 8,9 bilhões de pessoas em 2050. Se essa
projeção se confirmar, ao término da primeira metade do século XXI a população mundial terá
tido um incremento de quase três bilhões de pessoas em relação à de 2000.
O que explica a diferença na evolução demográfica desses dois grupos são as respectivas
taxas de crescimento médio anual; enquanto a população dos PDs aumentou a uma taxa média
de apenas 0,7% ao ano em média entre 1950 e 2000, a dos PEDs aumentou à elevada taxa média
anual de 2,1 %.
No grupo dos PEDs, a população dos Países em Desenvolvimento mais Pobres (PDMPs)
expandiu-se a elevada taxa média anual de 2,4%, passando de 200 milhões de habitantes em
1950 a 668 milhões em 2000. A taxa de crescimento desse grupo mostrou-se bastante elevada,
mas o incremento absoluto foi de apenas cerca de 448 milhões de pessoas. Mesmo assim, sua
participação relativa aumentou de 7,9% da população mundial em 1950, para 11,0% em 2000.
♦ A população dos Países em Desenvolvimento como um todo, por sua vez, deverá crescer à
taxa média anual de 0,91%. Pode não parecer muito, mas essa taxa deve ser avaliada com
base na população total desse grupo de países, que é enorme – em 2000 ela totalizava
quase 4,9 bilhões de habitantes. Por isso, as projeções das Nações Unidas são de um
crescimento absoluto de mais de 2,8 bilhões de pessoas no período 2000-2050, ou mais de
2,3 vezes a população total da China em 2000.
10
♦ Chamam a atenção as diferenças entre os dois países mais populosos do mundo, ambos
pertencentes ao grupo dos OPDs: a China e a Índia. A China, com política drástica de
controle da natalidade, reduziu substancialmente sua taxa de crescimento demográfico
para próximo de zero; já a Índia, cuja população recentemente ultrapassou a casa do
bilhão de habitantes, vem se mostrando mais complacente em relação à expansão de sua
população, que vem crescendo a taxas relativamente elevadas.
♦ No grupo dos PDs, há um contraste entre países com expectativas de declínio demográfico
no período, como o Japão e alguns países da Europa, e o Estados Unidos, que deve
apresentar incremento demográfico na primeira metade do século XXI.
11
♦ No grupo dos mais pobres (os PDMPs ) também existem contrastes; alguns países deste
grupo deverão apresentar crescimento muito elevado, mas outros terão crescimento quase
nulo. Isso é discutido em mais detalhe no próximo item.
1. Terá o nosso globo a capacidade de, por volta de 2050, alimentar os seus quase 9
bilhões de habitantes? Será possível esperar uma melhora na nutrição das camadas
mais pobres dessa população, particularmente nos países em desenvolvimento?
O diagrama que se segue apresenta um esboço simplificado dos principais fatores que
afetam a taxa de crescimento demográfico de um dado país ou região.
12
Fecundidade NATALIDADE
Serviços de Saúde e
MORTALIDADE VARIAÇÃO
de Saneamento DEMOGRÁFICA
MIGRAÇÃO LÍQUIDA
(imigração – emigração)
Note-se que, na Europa, a média dos nascimentos por mulher nem mesmo repõe a
unidade básica responsável por sua ocorrência (o casal). Isso não obstante, a população desse
continente não vem experimentando declínio – como se vê na Tabela 1, no período 1950-2000 a
taxa média anual de crescimento da população européia foi de 0,57%. Isso ocorre em razão da
imigração, ou seja, das pessoas que ingressaram na Europa oriundas de outros continentes. Já na
África ao sul do Saara, a taxa de fertilidade (6,0 nascimentos por mulher) é muito maior que a
necessária para substituir o casal; esse é um fator na alta taxa de crescimento de sua população,
a despeito da também elevada (e crescente, em virtude da epidemia de AIDS) taxa de
mortalidade do continente. Essa é uma das razões porque a dinâmica demográfica dessa região
vem causando preocupação.
3
Dados demográficos de World Resources Institute, World Resources – 1994-95. Nova Iorque: Oxford University
Press, 1994, cap. 16, Tabela 15.2.
13
Tomando o país como um todo, entre 1960 e 2000 a taxa de fecundidade caiu de 6,3 para
2,3 filhos por mulher. Essa redução ocorreu inicialmente de forma lenta, de 6,3 para 4,4 filhos
por mulher em 1980, mas deste último ano a 1991 e queda se acentuou; nesse período a taxa de
fecundidade passou de 4,4 e para 2,3 filhos. E uma evolução semelhante ocorreu em todas as
grandes regiões do país, embora tenham se mantidas as diferenças nos níveis da taxa de
fertilidade entre elas em cada ano.
As diferenças entre as regiões têm a ver com diferenças nos seus graus de
desenvolvimento. Como no resto do mundo, para um dado ano a fecundidade é maior nas
regiões mais pobres que nas mais desenvolvidas. Em 1960, por exemplo, as taxas de
fecundidade das regiões Norte e Nordeste foram de 8,6 e 7,4 filhos por mulher, enquanto que as
das regiões Sudeste e Sul foram de 6,3 e 5,9 filhos por mulher, respectivamente.
Semelhantemente, em 2000 as taxas de fecundidade das regiões Norte e Nordeste foram 3,2 e
2,6 filhos por mulher, e as das regiões Sudeste e Sul foram de 2,1 e 2,2 filhos por mulher,
respectivamente. Todas as regiões experimentaram forte declínio de fecundidade, mas as
diferenças se mantiveram.
• Um fator importante está no fato de que as famílias no meio rural dos países pobres
necessitam ter muitos filhos. Isso porque é alta a probabilidade de alguns morrerem; o casal
quer ter a certeza de que um número suficiente de filhos sobreviverá para ajudar nos trabalhos
do campo e para prover o seu sustento na velhice. Com o desenvolvimento da economia, com a
urbanização, com a melhoria de padrão de vida e com o desenvolvimento da previdência social
isso cessa de ocorrer. Ocorrendo essas mudanças, um casal típico passa a desejar menos filhos;
ademais, nas cidades é bem maior o acesso à educação e tendem a ser disponíveis mais
informações sobre como realizar controle da natalidade.
4
Idem, ibidem, p. 29.
15
Na verdade, avanços da medicina e de práticas na área da saúde pública fizeram com que
a mortalidade dos países em desenvolvimento também caísse rapidamente, levando suas
esperanças de vida a aumentar mais que a evolução das suas rendas per capita permitiria prever
cerca de meio século atrás. Para se ter uma idéia, se em 1950 a esperança de vida dos países em
desenvolvimento ainda era de cerca de 40 anos, em 1995 já havia alcançado os 62 anos.
• A fase inicial (até o ano To, no gráfico) em que, tanto a taxa de natalidade como a de
mortalidade são elevadas e o crescimento vegetativo da população não é muito alto. Em To
começam a ser sentidos os efeitos sobre a taxa de mortalidade de programas de saúde pública,
de vacinação e de saneamento básico. Além disso, ocorrem mudanças na economia: a
industrialização se intensifica, se aprofunda a diversificação produtiva e se acelera a
urbanização. Em conseqüência, a taxa de mortalidade passa a declinar rapidamente. Como a
taxa de natalidade experimenta reduções muito mais lentas, ocorre um forte aumento na taxa de
crescimento vegetativo (a diferença entre as duas taxas).
Natalidade
Mortalidade
To T1 T2 Tempo (anos)
No Brasil, a segunda fase teve início após a II Guerra Mundial. A taxa de mortalidade
experimentou acentuada redução, fazendo a taxa de crescimento vegetativo da população
alcançar níveis altíssimos (esta chegou a cerca de 3% em 1950). Vimos que, por volta do fim de
meados da década de 1960 começou a ocorrer firme queda da taxa de fecundidade e, depois, da
taxa de natalidade. Em conseqüência, houve contínua redução na taxa de crescimento
vegetativo, que no período 1991/2000 se situou em apenas 1,63% ao ano (conforme dados dos
Censos Demográficos). E a tendência dessa queda é de continuar. Na verdade, a transição
demográfica no Brasil ainda não se concluiu; projeções do IBGE estimam que, por volta de
2020, a taxa de crescimento da população do país atingirá cerca de 0,7% ao ano – menos da
metade da taxa para década de 1990.
muitos desses países observa-se, também, a abertura indiscriminada de áreas virgens, com
rápida eliminação da vegetação nativa e conseqüente alteração de habitas e destruição de
biodiversidade. Em tese, esses processos podem ser controlados, mas, em situações de rápida
expansão demográfica e de acentuada pobreza isso se torna virtualmente impossível. Como
esperar que haja controle da degradação da natureza com uma população pobre que cresce
rapidamente e que depende fundamentalmente de recursos naturais para sobreviver?
Nas grandes cidades brasileiras, por exemplo, – mesmo nas mais prosperas – uma
proporção considerável da população enfrenta condições de vida precárias. A degradação
associada à pobreza é altamente visível ali. Os problemas ambientais urbanos comuns aos países
industrializados – a poluição do ar e da água – são exacerbados por um crescimento
demográfico desordenado que vem gerando problemas do seguinte tipo:6
5
Como, por exemplo, a Cidade do México, São Paulo, Rio de Janeiro, Shangai, Beijing, Bombaim, Calcutá, Nova
Deli, Manila, Lagos, entre outras.
6
Para maiores detalhes, ver Mueller, 1997, p. 81-101.
18
concentração de população propicia o contágio de doenças, contágio esse facilitado pelos baixos
níveis de resistência dos indivíduos, causados por desnutrição e por estados de saúde precários.
Por último, os habitantes das aglomerações de baixa renda localizadas próximas a rodovias
movimentadas e a zonas industriais também enfrentam níveis especialmente elevados de
poluição atmosférica.
O padrão acima delineado longe está de ser exclusivo do Brasil; ele é representativo do
que acontece na maioria das grandes metrópoles do Terceiro Mundo. Na verdade, em muitas as
condições são mais difíceis que as do nosso país.
7 De acordo com a OMS, a intensa migração do campo para a cidade no Brasil foi um fator na transformação da
esquistossomose em doença urbana (OMS, 1988, p. 25). Obviamente isso também foi causado pelas condições
precárias de saneamento de assentamentos pobres, favorecendo o estabelecimento do vetor da esquistossomose nas
zonas urbanas.
8
Ver United Nations, 1987.
19
• A melhoria, ou pelo menos a manutenção, do bem estar dos atuais habitantes dos
países e regiões industrializados.
• E, a garantia de que tudo isso ocorra sem prejudicar as oportunidades das gerações
futuras.
Em suma, uma parcela significativa dos miseráveis do nosso globo se concentra nos
países e regiões mais pobres. E estas são as áreas que mais vêm sentindo o impacto da
degradação ambiental resultante da pobreza. O pior é que são pouco otimistas as
perspectivas para o futuro. A Tabela 2 apresenta projeções aproximadas, para 2030, da renda per
capita de grupos de países em estágios semelhantes de desenvolvimento. São estimativas
grosseiras e que, se fossem refeitas agora, talvez apresentassem resultados até mais dramáticos,
dados os problemas recentes da economia mundial. Entretanto, fornecem uma indicação das
magnitudes relevantes e, de forma muito especial, das disparidades entre grupos de países e das
evoluções previstas para o período.
9
Ver Banco Mundial, 1992, p. 31.
20
Focalizando as projeções para 2030, constata-se que não dá para esperar significativa
redução nas disparidades. Na verdade, projetam-se ganhos muito reduzidos para a África ao sul
do Saara (cuja renda per capita passaria para apenas cerca de US$ 550 por habitante/ano), mas
estima-se que a renda real per capita dos países ricos aumentará mais de 2,6 vezes em relação a
de 1990, ultrapassando os US$ 41.000 anuais. As projeções indicam que a região Ásia e
Pacífico deverá multiplicar sua renda per capita aproximadamente 3,6 vezes, a América Latina e
Caribe cerca de 3 vezes, o Oriente Médio e Norte da África quase 2,5 vezes, e o grupo composto
pela Europa Oriental e antiga URSS, quase duas vezes. Se as projeções se tornarem ralidade, em
2030 alguns grupos de países em desenvolvimento apresentarão consideráveis melhorias, mas
ainda haveria muita miséria, notadamente na África e em partes da Ásia e Pacífico. E, como
vimos acima, os países mais pobres continuarão a ter populações em rápida expansão,
multiplicando miseráveis.
Tudo indica, portanto, que partes do globo terrestre continuarão a exibir acentuação da
degradação ambiental associada à pobreza. No fim do período, alguns países certamente estarão
em situação crítica, enfrentando processos de degradação irreversível. É um panorama
preocupante para parcelas significativas do nosso globo.
Hoje esse pessimismo se amainou, mas a questão ainda é objeto de controvérsia. Embora
reconhecendo que, em certas circunstâncias, a ampliação da escala para níveis muito elevados
pode causar graves impactos ambientais, o relatório de 1992 do Banco Mundial, por exemplo,
insiste que políticas e instituições apropriadas de manejo e ordenamento ambiental – em
associação ao desenvolvimento tecnológico – podem compatibilizar o crescimento com a
proteção do meio-ambiente. O relatório não nega que o crescimento econômico significa usos
cada vez maiores de materiais e de energia e a produção ascendente de resíduos e dejetos, mas
argumenta que só seria direta a relação entre o crescimento (entre o aumento da escala) e danos
ao meio-ambiente se vivêssemos em um mundo de tecnologias imutáveis e de coeficientes fixos
de usos de recursos naturais e de emissão de dejetos na produção. Uma vez que o crescimento
econômico pode vir acompanhado de mudanças qualitativas e de políticas de proteção do meio-
ambiente, o crescimento não necessariamente significaria aumentos preocupantes de degradação
ambiental.
O relatório de 1992 do Banco Mundial introduziu uma hipótese especial para a relação
entre o desenvolvimento e a degradação ambiental. Tomando a renda per capita, Y/P, de um
país como indicador de desenvolvimento, e observando a relação empírica entre esse indicador e
certos índices de qualidade ambiental, desenvolveu a hipótese do U invertido. Segundo esta, só
em economia com baixos níveis de renda per capita, aumentos desta seriam acompanhados de
uma acentuação na deterioração ambiental. Entretanto, se uma economia dessas continuasse a
crescer, após um determinado ponto aumentos de Y/P acabariam propiciando reduções na
degradação do meio-ambiente. A figura abaixo descreve a relação sugerida pela “hipótese do U
invertido” entre as duas variáveis; a relação descrita pela hipótese também é conhecida como a
curva de Kuznets ambiental.10
Índice de Degradação
Ambiental
10
Na década de 1950 o economista (Prêmio Nobel) Simon Kuznets, apoiado em estudos empíricos, introduziu a
hipótese de que a distribuição de renda e a renda per capita de uma economia que se desenvolve teriam, ao longo
do tempo, uma relação que, representada em um gráfico, descreveria uma linha com o formato de U invertido. Ou
seja, nas fases iniciais do processo de desenvolvimento, aumentos de renda per capita piorariam a distribuição de
renda; mas em estágios mais avançados do desenvolvimento, aumentos de renda per capita viriam acompanhados
de melhora na distribuição de renda. Por analogia, hoje se fala de uma curva de Kuznets ambiental.
22
Um exame mais detido do relatório de 1992 do Banco Mundial, entretanto, revela que a
relação sugerida pela teoria do U invertido foi estabelecida empiricamente apenas para o caso de
alguns poluentes de impacto local muito visível, como as emissões de particulados, de dióxido
de enxofre e de monóxido de carbono. Estudos empíricos de seção transversal (ou seja,
comparando aspectos da degradação ambiental de países com renda per capita diferentes em um
mesmo ano) encontraram, por exemplo, uma relação entre a renda per capita e a concentração
urbana de matéria particulada semelhante à representada na Figura 4, abaixo.
11
Vimos que a hipótese do U invertido se originou do Informe Sobre o Desenvolvimento Mundial de 1992, do
Banco Mundial, enfatizando a relação entre desenvolvimento e meio-ambiente. Um exemplo de tentativa de
validação da hipótese está em trabalhos do volume coordenado por Goldin e Winters, sob o patrocínio do
Development Center da OCDE. Ver Goldin, Ian e L. Alan Winters (editores), The Economics of Sustainable
Development. Cambridge, Inglaterra: Cambridge University Press, 1994, especialmente os artigos de Goldin e
Winters, e de Gene Grossman. As conclusões desses trabalhos são bastante otimistas – a hipótese do U invertido é
considerada essencialmente correta. Reconhece-se, entretanto, que a hipótese não é valida para todos os tipos de
poluição.
23
1.800
0
100 100.000
Renda real per capita
(escala logarítmica)
Para a relação entre a renda per capita e a concentração urbana de dióxido de enxofre na
atmosfera, os estudos encontraram relação semelhante a esboçada na Figura 5, abaixo.
Microgramas por
metro cúbico de ar
50
24
0
100 100.000
Renda real per capita
(escala logarítmica)
100
0
100 100.000
Renda real per capita
(escala logarítmica)
Não só se constataram padrões como os acima, de relação inversa entre a renda per
capita e certos indicadores de degradação ambiental, como se verificou que com a passagem do
tempo a curva referente a cada tipo de poluente (de degradação) tendia a se deslocar para baixo.
Foram esses achados que serviram de base para o otimismo em relação aos impactos ambientais
do crescimento. Os três casos acima indicam que, fazendo aumentar a renda per capita, o
crescimento econômico acaba propiciando melhoras nas condições ambientais, e não aumentos
de degradação como se acreditava anteriormente. Para a corrente otimista, as evoluções no
tempo do Produto Real da economia mundial e de um indicador de qualidade ambiental seriam
aproximadamente as seguintes:
Índice de
degradação
25
Tempo (anos)
Há sérias razões, entretanto, para não aceitar essa visão otimista. Para começar, a curva
do “U” invertido se aplica a apenas alguns poluentes – geralmente aqueles com impactos locais
e de curto prazo. E mesmo nesses casos, os estudos empíricos nos quais se apoia devem ser
tratados com alguma reserva. Esses estudos pecam, por exemplo, por não avaliar o panorama
global. A diminuição das emissões de um poluente em um dado país pode significar aumentos
da emissão de outros poluentes no mesmo país, ou a transferência da poluição a outros países,
via exportação de indústrias “sujas”. Ou pode resultar da transformação de resíduos altamente
visíveis (diversos tipos de poluição atmosférica) em poluição não tão visível, mas igualmente
danosa (resíduos tóxicos de filtragens).
Além disso, como se verá adiante, em nível global a hipótese do U invertido só teria
validade em condições muito especiais, que requerem a manutenção do atual status quo em
termos de distribuição de renda e riqueza entre países e regiões.
Um outro reparo que se faz à hipótese do "U" invertido é que em alguns casos o
otimismo da hipótese não se justifica. É o que veremos em seguida.
O ponto que precisa ser ressaltado é o de que a relação da curva de Kuznets ambiental
entre a renda per capita e o grau de degradação ambiental não é válida em todos os casos. De
forma especial, ela não se aplica a poluentes com efeitos duradouros e de amplo alcance
espacial – como a emissão de dióxido de carbono, com seus impactos em termos do efeito
estufa. Em outras palavras, a expansão da renda per capita pode estar associada a melhorias em
alguns indicadores ambientais, mas isso não nos permite concluir que basta o crescimento
econômico para garantir uma melhoria ambiental generalizada; e nem que os impactos
ambientais do crescimento podem ser ignorados e, de forma especial, que a base de recursos do
globo terrestre é capaz de sustentar indefinidamente o crescimento econômico.
É ilustrativa, nesse sentido, a relação empírica ente a renda per capita e a emissão de
dióxido de carbono – o principal agente causador do efeito-estufa (Figura 8). Como se pode ver,
há uma relação direta e fortemente ascendente entre a emissão de CO2 per capita e a renda per
capita.
Toneladas/habitante/ano
26
50
0
100 100.000
Renda real per capita
(escala logarítmica)
As emissões de CO2, boa parte das quais se acumulam na alta atmosfera, tem efeitos
globais mais que locais; além disto, estes efeitos tendem a não ser facilmente detectados no
curto prazo. Na verdade, foram cientistas – e não a população de um país ou região – que
perceberam o problema e que alertaram para as conseqüências potencialmente catastróficas de
uma ampliação continuada da emissão de dióxido de carbono para a atmosfera. Por isso, o
grosso da opinião publica, mesmo de alguns países desenvolvidos, vem apresentando reações
mornas em relação ao problema, especialmente quando os remédios sugeridos envolvem
moderação no crescimento material, redução nos níveis de emprego e penalização das atividades
no país que emitem muito CO2. Por essa mesma razão está sendo muito difícil a concretização,
em nível internacional, de um acordo entre países que venha a promover reduções significativas
das emissões de dióxido de carbono. Os países industrializados – de forma especial, os Estados
Unidos – temem que essas reduções signifiquem aumentos de custos de suas empresas, com
conseqüente perda de competitividade internacional; receiam a redução no crescimento e o
aumento de desemprego que possam resultar das medidas requeridas para a redução expressiva
de emissões. E os países em desenvolvimento querem primeiro crescer, aumentar suas rendas
per capita de forma significativa, para depois considerar a possibilidade de vir a limitar suas
emissões de CO2. Todos parecem ver o problema como muito remoto; com isso, vem sendo
cada vez mais difícil a introdução de medidas que permitam enfrentar decisivamente o
problema.
Quilogramas/ habitante/ano
600
100 100.000
Renda real per capita
(escala logarítmica)
Um outro ponto precisa ser ressaltado. A hipótese do “U” invertido certamente não é
válida para estoques de recursos naturais. A redução desses estoques vem se acelerando em
resposta ao crescimento econômico. Deve preocupar, nesse sentido, não tanto o esgotamento de
recursos minerais que, na pior das hipóteses, ocorrerá em um futuro muito distante, mas sim a
degradação de recursos do solo e da cobertura vegetal, a destruição de florestas, habitats e da
biodiversidade – partes fundamentais do nosso capital natural. Merecem especial atenção as
perdas da capacidade de regeneração – da resiliência – de ecossistemas, que estão ocorrendo em
ritmos preocupantes, ritmos estes que tendem a aumentar com o crescimento econômico.
Além das objeções acima esboçadas, há fortes razões para se suspeitar que, mesmo que a
hipótese do U invertido fosse válida para todos os poluentes no contexto de países individuais,
seria fisicamente impossível que um crescimento generalizado no longo prazo de todos os países
do nosso globo pudesse vir acompanhado de redução global da degradação ambiental.
Vamos raciocinar com uma situação hipotética. Admitimos, apenas para raciocinar que,
para altos níveis de renda per capita exista, de forma generalizada, a relação inversa entre a
renda per capita e o impacto ambiental postulada pela teoria do U invertido. Supomos, também,
que haja um bem sucedido esforço em larga escala da comunidade internacional que faça com
que, com o passar do tempo, todos países em desenvolvimento – inclusive os hoje em situação
crítica, como vários países da África ao sul do Saara – consigam registrar significativos
aumentos de renda per capita. Conforme demonstrou Common,12 porém, no longo prazo essa
evolução hipotética de U invertido da degradação ambiental não garantiria um declínio da
degradação global; um declínio desses não estaria assegurado nem mesmo se a renda per capita
de todos os países viesse a atingir níveis que os colocassem na faixa descendente do U invertido
– a faixa em que se observa a relação inversa entre a renda per capita e a degradação ambiental.
Analisando essa questão, o autor considerou duas hipóteses, que podem ser ilustradas
com base na Figura 10, que se segue:
Impacto
ambiental por
unidade de produto
real
a
Produto real per catita
y*
y’
O modelo que Common usou para efetuar suas projeções supõe um mundo composto de
dois países: um país A, desenvolvido, e um país B, em desenvolvimento. Supôs, também, que,
desde o momento inicial da projeção, ambos os países crescem a uma mesma taxa anual, g. A
diferença entre os países A e B é que, no momento inicial da projeção, A tem um uma renda per
capita bem superior a de B tendo ultrapassado o nível crítico, 0y*; ou seja, para o país rico, a
continuação do crescimento implica em degradação ambiental por unidade de produto cada vez
menor. Já o país B, em desenvolvimento, tem, no momento inicial, renda per capita muito
inferior a 0y*, mas supõe-se que o crescimento do seu PIB seja superior ao da sua população e
que, com a passagem do tempo a sua renda per capita venha a atingir e a ultrapassar 0y*. Desta
forma, num horizonte temporal o suficientemente longo, todos os dois países estariam na faixa
em que a renda per capita e a degradação ambiental apresentam relação inversa.
Tempo (anos)
A Figura 12, por sua vez, esboça a trajetória temporal de muito longo prazo da
degradação ambiental no caso da segunda hipótese – a de que existe um nível mínimo de
degradação ambiental por unidade de renda, k, abaixo do qual não se pode ir. Ou seja, em
termos da Figura 10, por mais elevada que seja a renda per capita de cada um dos países, a
degradação ambiental não pode ser inferior a k por unidade de produto real. Assim, com a
passagem do tempo e com o crescimento, ambos os países ingressam na fase descendente do U
invertido, e apresentam níveis de degradação por unidade de renda cada vez menores; mas, com
o tempo, tanto A quanto B atingirá o patamar mínimo de degradação k. Isso significa que,
quando ambos os países tiverem atingido a renda per capita 0y', com a continuidade do
crescimento haverá uma incremento proporcional na degradação ambiental. E esse incremento
continuará a ocorrer indefinidamente, enquanto os dois países mantiverem o crescimento de
suas economias à taxa g. O processo seguirá se desenrolando até que a capacidade de suporte do
meio-ambiente atinja seu limite e haja uma ruptura. A capacidade de suporte do meio-ambiente
seria, pois, o fator limitante da expansão de economia mundial.
Tempo
Esse tipo de argumento está em linha com o ‘teorema da impossibilidade’ proposto por
Herman Daly.13 Apoiado em hipóteses razoáveis sobre as inter-relações entre a economia e o
meio-ambiente, esse autor demonstrou que, se todos os habitantes do mundo hoje tivessem o
mesmo padrão de uso de recursos do Norte-Americano (do residente nos Estados Unidos)
médio, a atual escala da economia mundial seria multiplicada por 7. Daly mostrou, também, que
esse incremento de escala seria impossível de ser concretizado, pois iria de encontro a limites,
não só da disponibilidade de recursos naturais, como principalmente da capacidade do meio-
ambiente de assimilar os resíduos e rejeitos – a poluição – gerados pela humanidade.
A simulação de Daly tomou por base a população mundial desse início de milênio. Mas
se a população mundial crescer no século XXI conforme as projeções recentes das Nações
Unidas, ela deverá se estabilizar num nível próximo aos 9 bilhões de pessoas no início da
segunda metade do século. Se fosse dado a todos esses 9 bilhões usufruir um padrão de vida
confortável, mesmo que bastante inferior ao dos Norte-Americanos de hoje, o crescimento da
produção material, do uso de recursos, da poluição e da degradação do meio-ambiente
associados a essa expansão demográfica acompanhada de padrões de vida mais elevados seria
gigantesco. E, segundo tudo o que se sabe hoje, esse crescimento não seria viável. Daí o termo
‘teorema da impossibilidade’.
Parece, portanto, válido afirmar que a visão otimista sobre o futuro da expansão da
produção mundial, ou parte de quem não tem exata idéia do que isso significa, ou se apoia, pelo
menos implicitamente, na hipótese de que permanecerão as disparidades distributivas entre
países, e que o progresso continuará a se concentrar essencialmente nos atuais países ricos.
Essas questões serão retomadas em outras partes deste volume, no contexto do exame que
faremos do pensamento das principais escolas da economia ambiental.
13
Ver Daly, 1996.
31
1. Introdução
RECURSOS ESTADO
NATURAIS GERAL
COMO DO MEIO-
INSUMOS AMBIENTE
Rejeitos Rejeitos
MEIO-AMBIENTE Degradação Degradação
SISTEMA
ECONÔMICO
Produção Consumo
Reciclagem
Para dar uma idéia, embora aproximada, da complexidade desses fenômenos, este capítulo
oferece uma descrição, em nível muito geral, da natureza das inter-relações sumariados no
diagrama acima. A seção 2 examina aspectos do fenômeno que recebe a denominação de
“poluição”; a seção 3, por sua vez, especifica as categorias do que, de forma compacta,
chamamos “recursos naturais”.
33
Parcela absorvida
pelo meio-ambiente
e tornada inofensiva.
Acumulação (estoque)
de poluentes
Danos totais da
poluição
Meio que recebe a poluição: a água. Os dois processos básicos que caracterizam
o funcionamento do sistema econômico – o de produção e o de consumo – geram consideráveis
emanações de poluentes despejadas em corpos d’água. Como exemplos temos, do lado da
produção, resíduos líquidos de fábricas de papel e celulose; resíduos de matadouros; resíduos de
usinas de álcool (o vinhoto); na agricultura, o corrimento de pesticidas, de fósforo e nitrogênio;
resíduos do garimpo (principalmente o mercúrio) lavados para os rios; vazamentos (acidentais
ou não) de petróleo e derivados para o mar. Do lado do consumo, temos os despejos de esgotos
(tratados ou não) em corpos d’água.
Observe-se que, no caso da poluição para o meio água, os principais impactos são locais
ou regionais. A médio prazo os impactos globais são menos expressivos. Merece destaque o
papel da urbanização nesse tipo de degradação. É nas grande aglomerações urbanas –
especialmente nos países em desenvolvimento – que se manifestam os problemas associados aos
esgotos e às águas servidas não tratados. E a produção industrial tende a se desenvolver grandes
aglomerações urbanas. É esta a origem da forte degradação de vários rios que passam próximos
de grandes cidades – como acontece com o rio Tietê, no estado de São Paulo.
Meio que recebe a poluição: a atmosfera. Como se pode ver no Quadro 2, são
inúmeros os tipos de emanação para a atmosfera, originadas nos processos de produção e
consumo. Compreendem partículas em suspensão (poeira; cinza; detritos minúsculos que
flutuam no ar) e várias emanações gasosas de efeitos perniciosos sobre o meio-ambiente e sobre
a saúde humana. São diversos, também, os agentes responsáveis por esse tipo de agressão,
incluindo as indústrias, as usinas termoeléctricas, os veículos, a mineração, a agricultura. E os
seus efeitos são os mais variados: alguns têm impactos diretos sobre a saúde, outros danificam o
patrimônio (edifícios; florestas), outros alteram habitats e ecossistemas; e ainda outros têm o
potencial de causar sérias mudanças climáticas e nas defesas de nosso planeta contra radiações
perigosas do sol.
A abrangência espacial dos impactos das emanações para a atmosfera também variam de
caso a caso. O âmbito de ação das emissões de particulados, de monóxido de carbono, e de
ozônio, por exemplo, tende a ser local; essas emissões têm efeito predominantemente sobre as
localidades em que atuam os agentes emissores dos poluentes. Outras – como por exemplo, as
emissões de dióxido de enxofre – tendem a causar impactos regionais. O dióxido de enxofre se
combina com a água das nuvens e umidade da atmosfera, gerando ácido sulfúrico que se
precipita, na forma de chuva ácida, quase sempre longe do local onde atua o agente poluidor. E
ainda outras emanações têm impactos globais; isto é, seus efeitos se fazem sentir sobre partes
extensas ou sobre a totalidade do globo terrestre. Isso acontece, por exemplo, com as emissões
de dióxido de carbono resultante da queima de combustíveis fósseis nos centros urbano-
industriais, e da abertura de terras (desmatamento e queima) em zonas de fronteira agrícola.
Como vimos, as emissões de dióxido de carbono configuram caso de poluição de estoque. Esse
poluente se acumula na atmosfera causando o efeito-estufa que, segundo a avaliação de grande
parte dos entendidos, está elevando a temperatura média do nosso globo, com impactos de longo
prazo potencialmente catastróficos.
Quanto aos principais originadores desses tipos de emanações – se regiões ou países
ricos, ou se regiões ou países pobres –, conforme indica o Quadro 2, na maioria dos casos são os
processos de produção e de consumo de países industrializados e de regiões ricas dos países em
desenvolvimento os principais responsáveis pela geração desse tipo de poluentes. Muitos desses
países e regiões vêm adotando medidas que resultam na atenuação de emanações para a
atmosfera – com a adoção de técnicas de filtragem, com o uso de catalisadores no sistema
escape de veículos, por exemplo. Muitas vezes, entretanto, essas técnicas reduzem as emissões
37
de elementos prejudiciais à atmosfera mas criam outras formas emanações problemáticas, como
por exemplo, as de lixo tóxico.
Saúde
Chumbo (combust. Chumbo Veículos X x
tetra-etila)
No que diz respeito aos países pobres ou às regiões remotas dos países em
desenvolvimento, há casos de participação preocupante de emanações para a atmosfera. É o que
ocorre, por exemplo, com as emanações de dióxido de carbono resultantes da abertura de terras
em zonas de fronteira agropecuária – por exemplo, o processo de ocupação e abertura da
Amazônia brasileira.
em desenvolvimento várias das maiores cidades de nosso planeta. Muitas delas carecem de
infra-estrutura adequada e não têm recursos para investir na luta pela proteção do meio-
ambiente; apresentam, assim, estados preocupantes de degradação ambiental. Em muitas se
combinam, a degradação da pobreza, resultante da aglomeração nas grandes cidades de elevados
contingentes de pobres e miseráveis, e a degradação da riqueza – originária das fábricas e dos
veículos.
longo, de provocar impactos globais negativos, que podem vir a alterar a estabilidade do
ecossistema global. Esse ponto será examinado em outras partes deste manual.
3.1. A classificação
Recursos exauríveis, ou não renováveis. Se caracterizam por ter dotação finita; assim,
um maior uso no presente significa uma disponibilidade menor no futuro. Existem duas
categorias desses recursos:
•• Recursos pesqueiros.
•• A madeira extraída de florestas nativas.
• Solos aráveis.
• Água renovável, de superfície ou subterrânea. Água renovada pelo ciclo
hidrológico.
Serviços ambientais essenciais, muitos dos quais não são, nem de forma indireta,
transacionados em mercados. Dentre outros, incluem a fertilidade dos solos, o ar limpo, as
paisagens não degradadas pela ação humana, os grandes ciclos de nutrientes do mundo natural –
os do carbono, do oxigênio, do nitrogênio, do enxofre e do fosfato –, a diversidade biológica e a
resiliência do meio-ambiente – ou seja, a sua capacidade de assimilar resíduos e dejetos e de se
regenerar. Esta última é recurso fundamental, mas que tende a receber pouca atenção da
corrente hegemônica da economia do meio-ambiente.
Na maioria dos casos nos nossos dias, ainda há considerável margem de manobra, que
permite ampliar a oferta de recursos como o petróleo. Influem, nesse sentido, o preço do recurso
e do desenvolvimento de tecnologias de exploração e de extração.
41
E
C
O RESERVAS CORRENTES
N
Ô
M
I
C
A
S
SUB-
ECO-
NÔ-
MI-
CAS
RECURSOS ESTADO
NATURAIS GERAL
COMO DO MEIO-
INSUMOS AMBIENTE
Rejeitos Rejeitos
MEIO-AMBIENTE Degradação Degradação
SISTEMA
ECONÔMICO
Produção Consumo
Reciclagem
Entretanto, se déssemos a essa pessoa uma coleção dos mais conceituados livros-texto
de teoria econômica – onde se consolida o estado das artes das ciências econômicas – para
que neles procurasse encontrar semelhanças com o acima esboçado, certamente acabaria
46
surpreso, senão frustrado. Sem dúvida encontraria o termo ‘sistema econômico’ mencionado
em muitos contextos; se depararia, também, com referências a sub-sistemas do sistema
econômico – como o sistema monetário, o sistema financeiro, o sistema produtivo, o sistema
tributário. Mas acabaria constatando que, pelo menos nos tomos que tratam do corpo principal
da análise econômica, não existe quase análises das inter-relações entre o sistema econômico
e o meio externo em que este está inserido – o meio-ambiente. É como se somente tivesse
importância o que ocorre dentro da caixa do sistema econômico da Figura 1, sendo
irrelevantes as conexões entre este e o meio-ambiente.
Mas isso tem que mudar se desejarmos adotar uma visão ‘biológica’ do funcionamento
do sistema econômico. Esta visão trata este sistema como um organismo vivo, complexo e
multifacetado que, como todo ser vivo, retira energia e matéria de alta qualidade de seu meio
externo – o meio-ambiente –, as emprega para se manter, crescer, evoluir, e as devolve a esse
meio externo degradados, na forma de energia dissipada, resíduos, de poluição. Uma análise
das inter-relações entre os dois sistemas nesse contexto pode ser enriquecida, em muito, com
o emprego de elementos da teoria de sistemas.
No dia a dia, o termo "sistema" é usado em uma variedade de maneiras, quase sempre
sem muita precisão; e isso também ocorre no âmbito do corpo principal da análise econômica.
Neste caso, porém, a falta de precisão resulta da hipótese que é feita sobre as inter-relações
entre a economia e o seu meio externo. Se supusermos que essas inter-relações são
irrelevantes, o foco quase exclusivo de atenção acaba sendo o sistema econômico
propriamente dito. Se o sistema econômico mantém apenas relações tênues com outros
sistemas, para que realizar um esforço para definir as fronteiras do sistema e de detalhar a
natureza de tais relações? É por essa razão, a maior parte dos economistas não vê na teoria de
sistemas um instrumento de especial interesse. Se desejarmos, porém, analisar as inter-
relações entre o sistema econômico e o sistema maior em que este está inserido, é importante
que se tenhamos uma noção da teoria de sistemas. Como este é o caso da economia do meio-
ambiente, no que se segue apresentamos elementos desta.
A teoria de sistemas foi popularizada na década de 1950 por Ludwig von Bertalanffy
(1958; e 1968), um biólogo austríaco. Ao desenvolver esse esquema conceitual, von
Bertalanffy reagia à metodologia de conceptualização mecanicista da ciência clássica, ainda
dominante. Conforme ressalta Rapaport (1968, p. 452), em meados do século passado as leis
da ciência ainda tendiam a ser consideradas “manifestações de leis da mecânica – em outras
palavras, o universo seria um mecanismo estritamente determinado, cuja operação poderia
ser completamente compreendida por inteligência o suficientemente vasta para abranger a
totalidade de suas partes componentes e as relações entre elas.” O problema com essa
abordagem, segundo von Bertalanffy (1968, p. 12), é que ela nega a essência do fenômeno da
vida; e como biólogo, recusou-se a aceitar essa postura. Desenvolveu, assim, a teoria de
sistemas como uma nova direção para a filosofia da ciência.
Inicialmente o foco de Von Bertalanffy foi a biologia; foi para o seu estudo que criou
a nova metodologia de análise. Mas, entusiasmado com as possibilidades da teoria de
sistemas, dedicou-se demonstrar as oportunidades de seu uso em outros campos da ciência. O
autor definiu sistema de forma simples: para ele, sistema é “um conjunto elementos que
interagem entre si.” Considerou, mesmo, que essa definição contem tudo o que é necessário.1
Deixou claro, entretanto, que um sistema não é mera coleção de partes, reunidas ao acaso,
mas sim um conjunto de elementos inter-relacionados, sendo as relações entre os elementos
estabelecidas por leis.
1
Ver Bertalanffy, 1968, pp. 19; também pp. 38, 55 e 83.
2
Essa definição, e a origem de von Bertalanffy, nos levam a visualizar sistemas em termos de seres vivos, da
sociedade. Entretanto, existem sistemas de pensamento, amplamente usados na matemática e na filosofia. Para
essas disciplinas, um sistema compreende um conjunto de fatos, princípios, regras, classificados ou arranjados
de forma regular, ordenada, de forma a mostrar um plano lógico ligando as várias partes. Ver Branco, 1989.
48
É fechado o sistema que intercambia apenas energia com o seu meio externo, não
ocorrendo intercâmbio de matéria; esta circula continuamente dentro do sistema. Um exemplo
de sistema fechado é o globo terrestre, que intercambia energia, mas não a matéria, com o seu
meio externo.
3
Ver, Branco, 1989, p. 65-67.
4
Von Bertalanffy não distinguia entre sistema isolado e sistema fechado. No seu General System Theory
(Bertalanffy, 1968) classifica sistemas apenas como fechados e abertos. Fica claro, porém, que os primeiros
incluem os sistemas acima classificados como isolados e os classificados como fechados.
49
Por sua vez, é aberto o sistema que intercambia, tanto a matéria como a energia com o
seu meio externo. Um exemplo de sistema aberto é um ser vivo; para funcionar, é
fundamental que este intercambie energia e matéria com o seu meio externo. Outro exemplo é
o sistema econômico do ponto de vista de uma abordagem biológica.
Para ilustrar o significado de sistema aberto, mas também tendo em vista assentar as
bases para a nossa análise das correntes de pensamento da economia do meio-ambiente, esta
seção esboça o funcionamento de um ecossistema da perspectiva da cadeia alimentar, e
estabelece as condições para a sua estabilidade. Um ecossistema – como, por exemplo, uma
floresta tropical úmida, uma savana, um manguezal, um recife de coral – não pode ser
caracterizado como mero recorte do espaço geográfico ou como um aglomerado de seres
vivos atuando autônoma e isoladamente. Para compreender o que representa o ecossistema e
como opera, é necessários que se examinem as diferentes categorias de seres inseridos em um
dado ambiente físico, e que se especifiquem relações de cada categoria com esse ambiente e
com outras categorias de seres vivos.
● O solo, como suas características físicas, com a sua fertilidade natural, com a sua
capacidade de retenção de água, etc.
5
Para maiores detalhes do material aqui tratado, ver Riclefs e Miller, 1999, cap. 9: e Tauk e Salati, 1996.
50
Para que o ecossistema funcione, os seus elementos devem estar organizados de forma
a garantir a passagem do fluxo de energia oriunda do sol. Essa energia atua de várias formas
na determinação das condições climáticas que o ecossistema enfrenta; e é captada pelas
plantas mediante o processo da fotossíntese – o processo pelo qual as plantas se valem da luz
solar para combinar o dióxido de carbono e a água, gerando carboidratos de alto teor de
energia, como os açucares, o amido e a celulose. E um dos resíduos da fotossíntese é o
oxigênio. (Ehrlich, 1993, p. 5). A energia captada pelas plantas é importante não só para
assegurar que elas cresçam e se desenvolvam, mas também para sustentar outras categorias de
organismos em sucessivos níveis tróficos6 ao longo da cadeia alimentar.
Como se pode ver na parte superior esquerda da Figura 2, o processo se inicia com
esses conversores de energia solar. Os vegetais compõem a categoria dos chamados
organismos produtores. A existência dos demais seres vivos do ecossistema depende, direta
ou indiretamente, da energia contida nas plantes, num processo que, por assim dizer, segue o
caminho inverso ao da fotossíntese, pois envolve a reação do oxigênio com os carboidratos,
que libera como um resíduo o dióxido de carbono.
6
Conforme o Dicionário Aurélio, o trófico se refere à nutrição.
51
organismos decompositores – organismos que vivem da energia que conseguem captar nos
restos e dejetos de animais, e em vegetais mortos. Estes incluem, tanto os decompositores de
grande porte – os animais e aves que se alimentam de carniça,7 e os decompositores miúdos –
os insetos, invertebrados, fungos e bactérias que atuam decompondo os restos do consumo de
predadores e de outros decompositores, e de plantas mortas. O conjunto dos decompositores
realiza o importante trabalho de reduzir a compostos inorgânicos os compostos orgânicos dos
animais e plantas que morrem e os dejetos de animais, tornando-os, assim, disponíveis aos
organismos produtores. Trata-se de nutrientes fundamentais para a ‘produção’ efetuada por
essa categoria de organismos
Perda de ener-
gia térmica
ENERGIA SOLAR pela respiração
PRODUTORES CONSUMIDORES
PRIMÁRIOS
(Plantas; com a ALIMENTAÇÃO
energia solar, pro- (Animais herbívoros)
duzem compostos
orgânicos pela Mortos e dejetos
fotosíntese) orgânicos
ALIMENTAÇÃO
CONSUMIDORES
SECUNDÁRIOS
(Animais carnívoros;
predadores)
MATÉRIA
ORGÂNICA
MORTA ALIMENTAÇÃO
DECOMPOSITORES
(Consomem
organismos mortos
e outros dejetos)
Decomposição
físico-química
Decomposição
biológica
Nutrientes DEPÓSITO DE NUTRIENTES
inorgânicos INORGÂNICOS
ENERGIA
EXPORTAÇÃO NUTRIENTES
7
Nem todos os decompositores grandes se alimentam exclusivamente de restos de animais deixados por
predadores; muitos também atuam como predadores.
52
Conforme ressalta Ehrlich (1993, p. 260), a maioria dos ecossistemas naturais exibe
estabilidade. Mas não se pode dizer que um ecossistema desses possui um estado de equilíbrio
natural ao qual tende a voltar automaticamente depois de qualquer perturbação. Existe,
entretanto, a realidade de uma crescente perturbação humana sobre ecossistemas naturais.
Será que essas perturbações podem ocorrer sem grandes conseqüências? Terão os
ecossistemas a capacidade de se regenerar em face a tais perturbações? E, o que é mais
importante, numa biosfera cada vez mais sujeita a ações humanas, quais os impactos destas
sobre a estabilidade (sobre a resiliência) de ecossistemas? Que perturbações afetam mais
fortemente a ecossistemas: mudanças de clima; doenças importadas de outros ambientes; ou a
ação humana colonizadora de ecossistemas naturais?
53
A busca de respostas a questões deste tipo exige que se analise em maior detalhe o
papel da energia no funcionamento de ecossistemas. Esse papel é determinado pela operação
de leis fundamentais da natureza: as duas primeiras leis da termodinâmica – o campo da física
que trata de transformações de energia e de matéria. 8
Em termos menos precisos, mas de grande apelo intuitivo, a segunda lei nos assegura
que, quando uma quantidade de energia de baixa entropia, que podemos descrever como
energia potencialmente disponível para realizar trabalho,10 é usada com esta finalidade, esse
potencial se perde e a energia é convertida em energia de alta entropia. Ou seja, a energia de
alta entropia é energia dissipada, que não pode mais ser usada para realizar trabalho. A
energia contida numa determinada quantidade de gasolina do tanque de um automóvel, por
exemplo, é de baixa entropia, pois ela tem o potencial de fazer o veículo se mover. Mas, se o
veículo, com o emprego daquela quantidade de gasolina, se deslocar ao longo de uma
determinada distância, o potencial da gasolina de realizar trabalho – de movimentar o veículo
8
As leis da termodinâmica e o seu papel na economia do meio-ambiente são focalizados em maior detalhe na
Parte IV deste volume.
9
Massa é a quantidade de matéria contido em um corpo, geralmente não infinitesimalmente pequeno.
10
Definimos trabalho aqui de forma bem ampla, como fenômeno ou conjunto de fenômenos que ocorrem em
um sistema que, pela ação forças, de alguma forma alteram sua natureza ou forma.
54
Focalizando ainda um sistema isolado, podemos, de uma forma geral, dizer que,
quanto mais elevada a sua entropia, maior a proporção do total da energia que o sistema
contém, irreversivelmente transformada em calor, e assim, menor a proporção de sua energia
livre. Portanto, é mais reduzida a capacidade do sistema de efetuar trabalho. Com isto, o
sistema isolado se aproxima de um estado de equilíbrio termodinâmico.
Vimos que a lei da entropia foi concebida tendo em vista sistemas que, embora
isolados, não estão em equilíbrio termodinâmico, pois neles há trabalho (neles as coisas
mudam, se movimentam). Mas, pela lei da entropia, por serem isolados, estes tendem
inexoravelmente a um estado de equilíbrio termodinâmico. Contudo, como na maioria dos
sistemas de nosso interesse – um ser vivo, um ecossistema, o sistema econômico – as coisas
estão sempre acontecendo, podemos dizer que estes não são sistemas que tendem ao
equilíbrio termodinâmico.
11
O mesmo pode ser dito com relação ao sistema econômico, que, na realidade, pode ser encarado como um
ecossistema no qual a intervenção humana é significativa.
55
É necessário tomar cuidado, entretanto, para não se concluir que ecossistemas estáveis
nunca sofrem alterações. Ao longo do tempo um ecossistema pode mudar, evoluir; e pode
mesmo vir a sofrer alterações consideráveis como resultado de impactos externos o
suficientemente fortes. Mas, dadas a sua estrutura e suas relações funcionais, em princípio, o
ecossistema pode operar indefinidamente, desde que seja mantido o seu acesso à energia de
baixa entropia oriunda do sol.
Mas a importância dos ciclos de nutrientes vai além do que, a primeira vista, pode
transparecer da discussão acima. As maneiras pelas quais os seres vivos afetam os
ecossistemas não se restringem apenas às relações tróficas. O oxigênio do ar é mantido por
um sistema cíclico de reações químicas, envolvendo seres vivos, e há ciclos semelhantes para
as águas, o nitrogênio, o enxofre, o fósforo, o cálcio, o cloro, o iodo, entre outros. Em alguma
medida, todos eles operam, direta ou indiretamente, mediante interferências biológicas; e
todos dependem para funcionar, do fluxo de energia solar. São ciclos fechados, impulsionados
pela dissipação de energia solar; sua operação assegura que a matéria seja continuamente
reciclada. Esses ciclos são essenciais para a existência da vida em um ecossistema e, de forma
56
Esta seção discute aspectos da inter-relação entre a ‘economia global’, e o seu sistema
externo. Não deve haver dúvida, a estas alturas, a respeito da significância da abordagem
sistêmica para um exame da tal inter-relação, exame este que está – ou deveria estar – no
âmago da disciplina economia do meio-ambiente. Ao contrário do que transparece da
modelagem efetuada pela análise econômica convencional, a economia longe está de ser um
sistema isolado. Para que ela funcione – para que produza e consuma, para que cresça, se
desenvolva – depende de matéria e de energia fornecidos pelo meio-ambiente; além disso,
despeja neste os resíduos e as emanações dos processos de produção de consumo. Como vem
fazendo isto de forma cada vez mais acentuada, acabaram surgindo e se acentuando
problemas ambientais.
Mas por que a ênfase acima à descrição do funcionamento de ecossistemas? Ela tem a
ver com o fato de que o meio externo do conjunto do nosso sistema econômico – o
ecossistema global –, compreende a totalidade do nosso planeta que, num esforço de
abstração, consideramos um enorme ecossistema. Trata-se de sistema fechado, composto de
uma grande quantidade de subsistemas abertos – todos os ecossistemas – e incluindo,
também, o sistema econômico global. A questão é que, como vimos, a partir do início da
Revolução Industrial há mais de 250 anos, a escala da economia mundial se ampliou
enormemente, e isto se fez às custas de um uso crescente de recursos energéticos e de outros
recursos retirados do ecossistema global; além disso, numa contrapartida a essa extração de
recursos do meio-ambiente, a economia não só vem despejando no meio-ambiente grandes
quantidades de resíduos e emanações como, cada vez mais, vem interferindo – e de forma não
trivial – no funcionamento de outros sub-sistemas do nosso globo, com efeitos cada vez mais
preocupantes.
seja, dissociada dos materiais que a contém, na inter-relação entre os dois sistemas. O
ecossistema global é uma estrutura dissipativa que opera longe do equilíbrio termodinâmico;
os subsistemas do ecossistema global, que também são estruturas dissipativas, funcionam
graças à energia solar que atinge o ecossistema global, e a energia acumulada no seu interior.
Isso também acontece com o sistema econômico; mas este usa muito mais energia do que a
captada de forma mais imediata do sol. Diferentemente dos outros subsistemas, suplementa
maciçamente a energia solar – a ‘renda energética’ fornecida cotidianamente pelo sol – com a
energia dos combustíveis fósseis, como o carvão, o petróleo e o gás natural. Esses recursos
energéticos são oriundos do, por assim dizer, do ‘capital energético’ contido no nosso planeta.
Na verdade, o sistema econômico global só atingiu a sua atual escala, graças à suplementação
obtida a partir desse capital energético. É óbvio que, se não existissem os combustíveis fósseis
e o urânio, ou seja, se a humanidade tivesse que contar exclusivamente com a energia da
renda energética para funcionar, a atual escala da economia mundial seria muito menor do que
é. O nosso globo teria uma população bastante inferior que a atual, e a produção material per
capita média da economia global seria uma pequena fração da de hoje.
ele opere, mantendo-se em um estado estável longe do equilíbrio termodinâmico; e para tal, é
fundamental o sistema de ecociclos. O que esta por detrás do funcionamento do sistema de
ecociclos é o fato de que, como vimos, todos os organismos naturais ingerem e transformam
matéria para dela retirar a energia de que necessitam para viver e se reproduzir; e que, no
processo, excretam matéria indesejada. Mas essa excreção freqüentemente é alimento para
outros organismos. Em essência, este mecanismo permitiu a evolução no nosso globo, de uma
variedade de ecociclos sustentados biologicamente, fundamentais para a existência da vida.
O papel da biodiversidade
12
Uma discussão interessante dos impactos desestabilizadores da redução da biodiversidade está em Holling et
al., 1995, bem como outros artigos da mesma coletânea de textos. Para uma discussão mais aprofundada dos
riscos de ruptura da estabilidade do ecossistema global promovida pela atuação do sistema econômico, ver a
Parte IV, adiante.
60
1
Para uma cobertura bastante completa da evolução da teoria do consumidor, ver Simonsen, 1971, 1ª. Parte.
2
Ver Georgescu-Roegen, 1967, Parte II.
62
Para se obter uma lista de todos os processos ótimos, é necessário que se tenha visão
clara das categorias individuais que participam da produção. Para isto é extremamente útil a
representação analítica do processo produtivo desenvolvida por Georgescu-Roegen. Do
3
Ver, de forma especial, Georgescu-Roegen, 1969, e o capítulo IX da obra máxima do autor, The Entropy
Law and the Economic Process Georgescu-Roegen, 1971.
63
Sistema e Processos
Ao analisar um sistema com os seus processos a ciência deve, pois, começar com a
delimitação da fronteira analítica entre essas duas partes; mas esta não é uma tarefa trivial.
Como o Todo não apresenta dobras ou costuras, não é fácil estabelecer onde traçar a
fronteira analítica de um processo parcial (ou, para encurtar, de um processo). E não
existindo estas marcas, pode-se cortar a realidade da maneira que se deseje. “Isso não
significa, porém, que um recorte de fronteira por mero impulso irá estabelecer um
processo que faça sentido para a ciência. A ciência já compartimentou a realidade em
campos de especialização, cada um com o seu propósito. E cada ramo da ciência traça a
fronteira do processo guiado por esse propósito.” (Georgescu-Roegen, 1971, p. 213).
Embora a análise econômica convencional também proceda assim, vimos que suas
hipóteses ambientais levam-na a considerar a economia um sistema isolado. Não surge,
pois, a necessidade de realizar um esforço mental para delimitar a fronteira analítica do
sistema econômico e para definir as relações entre esse sistema e o seu meio externo. 4 A
necessidade desses cuidados preliminares, entretanto, fica clara na representação analítica
de Georgescu-Roegen do processo produtivo. 5
4
Como se pode ver na Parte III deste volume, a economia ambiental neoclássica mudou essa concepção;
entretanto, mesmo este ramo da análise econômica ainda considera o meio-ambiente neutro, passivo; desta
forma, também não se preocupou em delinear, com mais precisão, a fronteira analítica do sistema econômico.
5
Ver Georgescu-Roegen, 1969, 1971 (cap. IX), e 1977.
6
Georgescu-Roegen, 1971, p. 229 conceitua um sistema estacionário como um sistema que, seja lá o que ele
faça, possa ser repetido identicamente vez após vez. Para ilustrar um sistema em estado estacionário o autor
cita o modelo de reprodução simples de Marx.
65
funcionamento e mantidos desta forma pelo homem. E mais, tanto quanto as mercadorias,
os processos econômicos são produzidos.” Para que possamos entender o crescimento
econômico, é essencial, assim, considerar a produção de processos. “Desde que a evolução
da humanidade atingiu a fase em que o homem usa mercadorias para produzir
mercadorias, a produção de mais mercadorias teve que ser precedida pela produção de
processos adicionais. E, a produção de um processo implica no uso de mercadorias já
existentes. Numa visão terra a terra, a produção de processos adicionais consiste no
investimento, e a poupança é a alocação de mercadorias já existentes a essa produção.”
(Georgescu-Roegen, 1971, p. 269).
O autor começa caracterizando com especial cuidado – o que tende a não acontecer
nas abordagens da economia convencional – os elementos básicos do processo produtivo:
os fatores de produção. Em essência, estes se apresentam em duas categorias:
● A dos fatores de fundo. Esses fatores constituem a base material do processo. São
os agentes do processo, os elementos que prestam serviços na transformação de insumos
em produtos.
L = Terra ricardiana;
K = Capital (máquinas, equipamentos, ferramentas, construções);
H = Força de trabalho.
O mesmo pode ser dito em relação ao fator de fundo força de trabalho. Como
mostra Georgescu-Roegen, na análise de Marx o trabalhador é claramente um fator de
fundo: para Marx, a força de trabalho compreende o conjunto de habilidades físicas e
mentais existentes em um trabalhador, que este exercita quando produz valor de uso de
qualquer tipo.8 O papel do trabalhador no processo produtivo é o de prestar serviços na
transformação de insumos em produtos; nenhuma parte dele deve se incorporar à produção.
Se, em uma ocasião, isso vier a acontecer teremos, outra vez, um incidente lamentável,
como bem ilustra a situação em que um fio de cabelo do cozinheiro é encontrado no prato
de sopa do cliente de um restaurante. O papel do cozinheiro é o de prestar serviços na
transformação de ingredientes na sopa, mas, dentre esses ingrediente certamente não se
incluem partes do corpo do trabalhador.
7
A terra agrícola é, na verdade, um complexo no qual se une o aspecto de espaço físico fundamental para
conter as plantas, captar a chuva e a radiação solar, e um repositório de insumos – ou seja, de fatores de fluxo
– que se incorporam como nutrientes às plantas cultivadas. Note-se que o espaço físico onde se realiza a
produção agrícola não se incorpora às plantas; são os nutrientes que a terra contem que se incorporam a estas.
Por isto estes últimos precisam ser repostos, mediante o uso de fertilizantes, senão a produção acaba se
inviabilizando. É importante se ter em mente esse papel duplo da terra agrícola.
8
Conforme Marx, Capital, vol. I, p. 186, apud de Georgescu-Roegen, 1971, p. 233.
67
R = Insumos da natureza;
I = Insumos correntes (produzidos);
M = Manutenção.
9
O solo como agente ricardiano pode, entretanto, ser alterado por práticas agrícolas inadequadas. Isso
acontece, por exemplo, se tais práticas promoverem erosão extrema, com a formação de voçorocas que
impossibilitem o cultivo.
68
Q = Produtos;
W = Resíduos; rejeitos; poluição.
Essa relação é, no jargão matemático, uma funcional, ou seja, uma função que
relaciona a variável dependente (a produção) a outras funções; note-se que todas as
variáveis contidas em F{•} são função do tempo.
Q = F(X, Y, Z, ...) .
q = f(x, y, z, ...).
Isso pode parecer elementar. Mas se dissermos, por exemplo, que o estoque do
fundo de capital fixo de um país aumentou entre dois anos? Será correto, em face à
distinção acima entre fatores de fundo e fatores de fluxo, caracterizar o capital, estritamente
falando, como estoque? Tratando desses pontos, Georgescu-Roegen (1971, p. 225-28)
concorda que uma unidade de equipamento de uma empresa é um estoque, e que o mesmo
pode ser dito a respeito da totalidade das máquinas, equipamentos e construções de um país
em uma determinada data, computada pelo seu sistema de contas nacionais. Medida em
termos monetários, esta é uma expressão do estoque de capital fixo desse país. Entretanto, o
sentido do termo ‘estoque’ nesses dois casos é totalmente diferente do empregado quando
nos referimos a um estoque de uma certa matéria prima usada por uma empresa; ou, ainda –
tendo, outra vez, em vista as contas nacionais de um país – quando nos referimos à variação
de estoques, um item da conta capital, ao longo de um ano. Como diferem esses dois
sentidos da expressão ‘estoque’?
Elaborando a distinção, imaginemos o estoque de uma dada matéria prima que uma
empresa emprega na sua produção, que se acumule ao longo de um intervalo de tempo; isso
ocorre pela adição concreta de quantidades físicas da matéria prima. No período, entra uma
quantidade da matéria prima que excede às retiradas do estoque para uso. No caso do
estoque denominado de ‘fundo’ isto não ocorre. Conforme ressalta Georgescu-Roegen
(1971, p. 227), “uma máquina não é criada pela acumulação dos serviços que ela fornece
como um fundo: ela não é obtida pela acumulação de quantidades de serviços, uma após
outra, da mesma forma como estocamos em um depósito provisões para o inverno.
Serviços não podem ser acumulados de forma semelhante aos dólares em uma conta de
poupança, ou aos selos em uma coleção.” Além disso, a existência de um dado fundo de
serviços – como o equipamento de uma empresa, ou o capital fixo de um país – torna
disponíveis serviços ao processo de transformação de insumos em produtos; e, em um dado
período, só há duas alternativas para esses serviços: ou estes são usados, ou são
desperdiçados – é o que acontece com parte do capital fixo de uma economia em recessão.
Nesta há desperdício desses serviços porque não dá para ‘guardar’ para futuro uso os
serviços não utilizados; se no período seguinte a demanda se aquece e a capacidade
produtiva não for suficiente para atendê-la, não é possível usar, em adição à capacidade
produtiva existente naquele momento, a parte do potencial produtivo não utilizado do fundo
durante a fase recessiva – nesta, parte do potencial foi desperdiçado.
Ou seja, com base na função de produção convencional somos levados a crer que
recursos naturais podem ser facilmente substituídos pelo capital e/ou pelo trabalho. Tendo-
se em conta, porém, a natureza fundamentalmente diferente do fluxo R, de recursos
naturais, e dos fundos de capital (K) e de força de trabalho (H), surgem dúvidas sobre a
extensão dessa substitutabilidade entre esses fatores. Esta existe, mas está longe de ser
ilimitada. Esse ponto será desenvolvido em maior detalhe na discussão da sustentabilidade,
do próximo capítulo.
10
Ver, por exemplo, Fisher, 1981, Cap. 6.
Capítulo 5. Sustentabilidade, Capital Natural e Capital Produzido
1
A produção é enfatizada por se tratar de atividade fundamental para o funcionamento da economia; e ela
depende de recursos ambientais e tem impactos significativos sobre o meio-ambiente.
74
deve ser rapidamente disciplinada, para que seres vivos como um todo possam ter
condições de sobreviver no futuro. O seu enfoque é biocêntrico. O enfoque do Our
Common Future, em contraste, não está voltado à preservação da natureza, mas sim ao
funcionamento do sistema econômico. A economia é vista como dependendo
fundamentalmente de recursos naturais fornecidos pelo ecossistema global, bem como da
capacidade deste de suportar a agressão espacial promovida pela humanidade e de assimilar
os resíduos, a poluição, resultante dos processos de produção e de consumo. E a questão
central que o relatório da CMMD coloca é: pode se sustentar esse padrão de funcionamento
do sistema econômico?
E por ‘todos’, a Comissão se refere aos seres humanos – não só os da atual geração,
como também os que virão em um futuro, que deve se estender por muito tempo. Ao
enfatizar a satisfação de aspirações e desejos humanos, bem como a necessidade de
conservar a base material para tornar isso possível, a abordagem do relatório da Comissão
não só é antropocêntrica, como, antes de tudo, é econocêntrica.3 O foco central do relatório
é o bem estar presente e futuro da humanidade, embora reconheça que este depende de um
manejo adequado da natureza, e assim, dos outros seres vivos. Ou seja, a inter-relação entre
os dois sistemas é vista a partir do prisma do sistema econômico, ou melhor, de um sistema
social, do qual a economia é um subsistema fundamental. Mas, para que essa inter-relação
continue sem sobressaltos, é necessário evitar desestabilizar o ecossistema global. Esta é a
essência da sustentabilidade.
Mas, o que, na verdade, se deseja sustentar? Uma natureza intocada? Defender isto
pode ser muito nobre, mas totalmente irrealista. Como fazer isto e ao mesmo tempo
assegurar a satisfação de aspirações e desejos humanos? Será factível esse objetivo? Até
3
É antropocêntrica a abordagem que coloca o ser humano no centro das atenções. É econocêntrica a
abordagem que tem no funcionamento do sistema econômico o foco central das atenções.
4
Santo Agostinho se referia, nas suas Confissões, à dificuldade de explicar o sentido de ‘tempo’, embora
todos tenham idéia do que significa. Na frase citada, Faber e seus co-autores substituíram ‘tempo’ por
‘desenvolvimento sustentável’.
Faber, Malte, Reiner Manstetten e John Proops, Ecológical Economics – Concepts and Methods.
Cheltenham, UK, Edward Elgar, 1998.
76
que ponto, num prazo muito longo, isso poderá ocorrer sem que se esgotem recursos
naturais básicos e sem que haja mudanças drásticas na atual estabilidade longe do equilíbrio
do ecossistema global?
Vale a pena explorar um pouco mais a visão desse autor. Ao defender por que
considera errado tentar tornar mais preciso o conceito de desenvolvimento sustentável, ele
parte da premissa básica de um forte compromisso ético da humanidade com as gerações
futuras. Aceitando esta premissa, o que o conceito nos manda fazer é evitar executar ações
que tenham efeitos detrimentais sobre os nossos descendentes – não apenas os mais diretos,
mas também os situados em um futuro mais distante. Argumenta que uma conceituação
mais precisa de desenvolvimento sustentável talvez nos obrigasse a fazer algo que não seja
possível – como, por exemplo, deixar aos nossos descendentes uma natureza intocada, um
mundo exatamente igual ao que recebemos dos nossos antepassados. Isto é, obviamente,
impossível; e sendo impossível, uma conceituação de sustentabilidade assentada nessa
exigência nos desobrigaria a atuar visando implementá-la na prática. Isto porque ninguém
pode ser moralmente obrigado a fazer o que não é possível. No máximo, o que podemos
exigir de nós mesmos é que atuemos visando a sustentabilidade conceituada de outra forma
– a de deixar para as gerações futuras a possibilidade de ter níveis de bem-estar pelo menos
iguais aos nossos hoje. Colocado de outra forma, o desenvolvimento sustentável deve ser
encarado como um mandamento para que o nosso atual padrão de vida não seja conseguido
às custas de um empobrecimento das gerações futuras.
5
Palestra apresentada por Robert Solow aos ambientalistas do Marine Policy Center do Woods Hole
Oceanographic Institution, Woods Hole, Massashussetts, em 14 de junho de 1991.
77
Na verdade, essa visão que Solow tentou passar a ambientalistas nada mais é que
uma versão em linguagem mais fácil para o público em geral compreender, de mensagem
que há mais de 30 anos atrás o autor passou a economistas, então preocupados com a
insustentabilidade do padrão contemporâneo de crescimento da economia mundial. Na sua
aula magna de 1973 à American Economic Association (a maior associação de economistas
dos Estados Unidos), o autor delineou a argumentação que viria a prevalecer. Segundo a
sua exposição, se admitirmos que é relativamente fácil substituir nos processos
econômicos, recursos ambientais pelos fatores de produção ‘trabalho’ e, de forma especial,
‘capital’, e se acreditarmos que, com o crescimento econômico ocorrerá progresso técnico
que facilite a poupança e/ou a substituição de recursos naturais, não há razão para
preocupação. Uma substitutabilidade elevada entre os fatores de produção produzidos – os
bens de capital – e recursos naturais asseguraria a continuidade da expansão da escala da
78
economia mundial, e uma “exaustão [de recursos naturais seria] apenas um evento, e não
uma catástrofe. E quanto ao progresso técnico, "se o futuro for semelhante ao passado, por
muito tempo ainda haverá consideráveis reduções nos requerimentos de recursos naturais
por unidade de produto”. (Solow, 1974, pp. 10-11).
Com base na análise de Solow, podemos dizer que, do ponto de vista da análise
econômica convencional, o desenvolvimento sustentável compreende o fluxo máximo de
produto/renda que pode ser gerado a partir de um estoque de capital em expansão,
obedecida a exigência da sua conservação. A exigência da conservação tem um papel
fundamental; se a atual geração deixar para as gerações futuras um estoque de capital que
não seja menor que o estoque existente no presente, os nossos descendentes terão condições
de usar esse capital para gerar, pelo menos, o mesmo nível de bem-estar que o usufruído
por nós hoje. E os nossos descendentes devem usufruir desse bem estar obedecendo a
mesma exigência da conservação do estoque de capital.
Vimos que, para Solow, a medida que aumenta a escala da economia, o capital
natural, Kn, pode, sem muito problema, ser substituído por outras formas de capital,
notadamente o capital produzido, Kp, e o capital humano, Kh. Para este autor e seus
seguidores, o que se quer conservar para que haja sustentabilidade é o estoque de capital
total, K, da economia, e não apenas Kn, o capital natural. O capital total K compreende o
agregado de todas as categorias de capital. Ou seja, é igual:
K = Kp + Kn + Kh + Ks
Embora essa conceituação do capital tenha certo apelo intuitivo, até recentemente a
análise econômica tendia a considerar quase exclusivamente Kp, o capital produzido. Uma
das razões para isto está na relativa facilidade de se medir em termos monetários essa
categoria de capital. Para as demais categorias, as dificuldades de mensuração em termos
monetários são muito maiores. Na discussão que se segue fugimos das complicações de
mensuração e agregação dessas categorias, fazendo a hipótese de que existem formas
aceitáveis de mensurar em termos monetários todos os componentes de K.
modelos não podem, pois, ignorar os recursos e serviços fornecidos pelo capital natural. E
são forçados a tratar dos efeitos sobre o capital natural do crescimento.
Para a visão da sustentabilidade fraca (Sfra), o capital total e o produto têm como
crescer de forma quase ilimitada, basicamente porque se considera que Kp e Kn podem,
com facilidade, substituir um ao outro. Assim, se o capital natural se tornar escasso ao
longo do processo de expansão econômica, o preço relativo de seus serviços aumentará. Ao
se tornar mais caro, ocorrerá a sua substituição pelo capital produzido. Se o crescimento
econômico reduzir, portanto, o estoque de Kn da sociedade, o crescimento poderá
continuar a ocorrer com Kp tomando o lugar de Kn. Para que isto ocorra basta que
mercados funcionem bem, sinalizando a necessidade da substituição. E a substituição será
ainda mais fácil se houver desenvolvimento tecnológico. A visão da Sfra tende a prevalece
na corrente da economia do meio-ambiente que emanou diretamente da análise econômica
convencional: a da economia ambiental neoclássica.
Existe uma diferença fundamental entre essas duas categorias: suponhamos um dos
componentes do fundo de capital fixo – digamos, uma máquina usada em um processo
produção específico. Neste a máquina presta serviços na transformação de componentes em
produto; mas ao fazer isto, não se incorpora fisicamente ao produto. Terminada a produção,
depois de feita sua manutenção, este componente deixa o processo produtivo como entrou,
e, em uma outra jornada, voltará a prover serviços no processo produtivo. Já a outra
categoria do patrimônio de capital – a das matérias primas e componentes que são
transformados pela máquina – seus elementos, que se originam, ou de estoques ou de outros
processos produtivos, se incorporam em parte, aos produtos, e em parte, se compõem
resíduos. Mas, ao longo da realização da produção ocorre, pois, uma transformação da
natureza intrínseca desses materiais e componentes. Por isto, ao contrário do que ocorre
com o componente de fundo ‘máquina’, os elementos transformados não estarão mais
disponíveis, em outra jornada, para a produção.
Do nosso ponto de vista, porém, o que interessa é tratar dessa mesma divisão entre a
função de agente no processo produtivo e a de estoque de matéria e energia de Kn, do
capital natural. Como no caso do capital produzido, Kn também compreende a categoria –
enormemente importante, mas que os economistas tendem a negligenciar – de fundos de
serviços Kns da natureza, e de estoques de insumos fornecidos pela natureza, Kne. Vamos
começar com esta última categoria:
é necessário que não haja ruptura na atual estabilidade longe do equilíbrio termodinâmico
do ecossistema global. Apenas para ilustrar, seguem alguns exemplos dos serviços
essenciais fornecidos gratuitamente pelo ecossistema global:
6
Conforme o ecologista Ehrlich (1989, p. 10), “ecossistemas fornecem à humanidade um conjunto
absolutamente indispensável de serviços, dentre os quais se destacam a manutenção da qualidade gasosa da
atmosfera, condições climáticas adequadas à vida, a operação do ciclo hidrológico (fundamental para o
controle de enchentes e para a provisão de água doce para a agricultura, a indústria e aos domicílios), a
assimilação de resíduos, a reciclagem de nutrientes essenciais à agricultura e à atividade florestal, a geração
de solos, a polinização de safras, a provisão de alimentos do mar, e a manutenção de uma imensa biblioteca
genética da qual a humanidade retirou as verdadeiras bases de sua civilização.” E conclui que, embora
gratuitos estes serviços são impossíveis de ser substituídos.
85
Além disto, ainda existe enorme incerteza sobe o funcionamento de vários dos
componentes do fundo de serviços da natureza. Sabemos que, como qualquer fundo de
prestação de serviços, Kns também necessita, por assim dizer, da ‘manutenção’ da sua
capacidade de prestar serviços; sem isto essa capacidade pode vir a ser seriamente
prejudicada. Não há dúvida de que muitos dos componentes do fundo de serviços da
natureza são dotados de resiliência, de capacidade de regeneração em face de impactos,
tanto naturais como resultantes do funcionamento do sistema econômico. Mas, a ciência
nos informa que existem limites para essa capacidade de regeneração que, se excedidos,
podem desestabilizar ecossistemas e originar catástrofes. Mas o que a ciência ainda não fez
de forma convincente foi fornecer detalhes concretos e confiáveis sobre esses limites –
como fica abundantemente claro da controvérsia ainda não resolvida sobre os impactos
sobre o clima global do efeito ‘estufa’.
Uma outra diferença entre Kps e Kns é que, se ocorrerem rupturas como as acima
indicadas, pode não haver volta. No caso de muitos componentes desse fundo, uma
expansão insuportável da escala da economia pode provocar ruptura impossível de ser
corrigida. Ou seja, ocorrendo tal ruptura ela pode ser irreversível. Conforme ressalta Ayres,
(1993), a perda de espécies, a destruição de habitats, o acúmulo crescente de gases do efeito
estufa, a intoxicação de solos, das águas subterrâneas, do lodo dos lagos e dos estuários por
metais e químicos tóxicos não são reversíveis por nenhuma técnica que possa ser
desenvolvida nas próximas décadas. Estes são apenas alguns exemplos de rupturas
irreversíveis da capacidade de geração de serviços de componentes de Kns; em muitos dos
ecossistemas individuais em que isto aconteceu observaram-se rupturas de uma situação de
estabilidade longe do equilíbrio a outra, sem possibilidades de volta. E há aqui uma enorme
diferença em relação ao que tende a acontecer em casos de mau uso de um componente do
fundo de capital produzido – um maquina, por exemplo. Quando isto acontece, quase
sempre é, pelo menos tecnicamente, possível recuperar, reconstruir a máquina; o impacto
gerado pelo uso inadequado pode ser revertido, o que não acontece, por exemplo, com um
ecossistema que, por mau uso sofre a ruptura da desertificação.
Face à discussão acima, parece claro que a visão da sustentabilidade fraca, Sfra,
tende a focalizar principalmente o componente Kne do capital natural.Como vimos, por
suas características os fluxos de insumos oriundos do capital natural exibem
substitutabilidade e esta é tornada ainda maior pelo desenvolvimento tecnológico. Foi
principalmente a esse tipo de componente de Kn a que Solow se referiu em sua aula magna
de 1973, na qual, como vimos acima, praticou verdadeira profissão de fé em relação à
substitutabilidade entre recursos naturais e recursos produzidos. E, na ocasião, essa ênfase
do autor sobre o fluxo de insumos energéticos e de materiais se justificava em razão do
pessimismo que a crise do petróleo havia infundido na opinião pública mundial, que antevia
problemas terríveis para a humanidade decorrentes de iminente escassez desse insumo
energético. E é necessário reconhecer que esse pessimismo se mostrou exagerado; poucos
hoje deixam de concordar com a visão da Sfra do prisma apenas do componente Kne do
capital natural.
86
7
Para Georgescu-Roegen (1976), a epistemologia mecanicista da análise econômica convencional a leva a
considerar o processo econômico “um análogo mecânico, consistindo – como todos os análogos mecânicos –
de um princípio de conservação e uma regra de maximização.” O autor mostra que, ao contrário do que
aconteceu com a física, a química, a biologia e a cosmologia, ramos da ciência que há muito rejeitaram a
velha epistemologia, a análise econômica continua a nela se assentar.
87
8
Em certo sentido, vem sendo esta a postura de alguns países no contexto das medidas de contenção das
emissões de gases do efeito estufa, preconizadas pelo Protocolo de Kioto, e que objetivam evitar mudanças
climáticas potencialmente catastróficas para a humanidade.
88
1. Introdução
Conforme indicado acima, até recentemente a teoria econômica deixava em plano muito
secundário as inter-relações entre o sistema econômico o meio-ambiente. No extremo, temos
inclusive modernas e sofisticadas teorias modernas de equilíbrio geral e de crescimento
econômico que focalizam a economia como um sistema isolado, isto é, um sistema que não
intercambia nem matéria nem energia com seu meio externo. Uma caricatura da concepção que
predominou até recentemente é a do diagrama de fluxo circular de livros texto, que descreve o
processo econômico por intermédio de fluxos de bens e serviços e de rendas ou receitas
monetárias entre empresas e famílias. As empresas e as famílias produzem e consomem bens e
serviços, e a matéria, a energia assim como a moeda, circulam no interior do sistema econômico
sem que se observem trocas com o meio-ambiente.
Com efeito, até recentemente prevalecia na análise econômica moderna a hipótese das
dádivas gratuitas da natureza; em conseqüência, ou se ignorava o meio-ambiente ou este era
considerado uma cornucópia de recursos naturais e um depósito sem limites para os dejetos e
resíduos do sistema econômico. A hipótese das dádivas gratuitas é parte, tanto da economia
neoclássica como da teoria marxista, nos seus ramos convencionais. O corpo central dessas
correntes de pensamento simplesmente desconhece o fato crucial de que a atividade econômica
não pode perdurar sem trocas contínuas com o meio-ambiente, trocas estas que o afetam de
forma cumulativa.
Essa situação predominou amplamente até fins década de 1960. Desde então, surgiram e
se firmaram correntes de pensamento da economia do meio-ambiente, desenvolveram-se e se
fortaleceram associações de economistas ambientais, apareceram periódicos especializados e as
revistas de economia tradicionais passaram a aceitar regularmente trabalhos na área. Com isso, a
economia ambiental foi acumulando um apreciável volume de contribuições.
Foram os economistas clássicos que, a partir do final do século XVIII – nos primórdios
da Revolução Industrial inglesa –, fizeram do estudo da economia uma disciplina específica.
Uma das preocupações centrais dos clássicos consistiu em estabelecer se o incipiente capitalismo
industrial de sua época tinha condições de se firmar e de continuar a se expandir. Parte
importante de suas contribuições emanou, portanto, de tentativas de explicar o crescimento
econômico – ou como queria Adam Smith, o fundador dessa corrente de pensamento, de
determinar as causas do “progresso das nações”. E os clássicos fizeram isto visualizando
90
O que levou os clássicos a adotar uma hipótese ambiental explícita foi o estágio ainda
incipiente da industrialização da Inglaterra de seu tempo – ainda um país agrícola. Vale registrar
que, no fim do século XVIII e no início do século XIX a agricultura européia ainda dependia
fortemente da natureza, ou seja, de condições do meio-ambiente. Quanto a adoção da hipótese
simplista de um meio-ambiente neutro, passivo, esta se explica pelo fato de que ainda era muito
reduzida a escala da economia inglesa de então; não havia, pois, o receio de que o meio-
ambiente pudesse reagir de forma significativa às agressões do sistema econômico.
1
No final do século XVIII a produção manufatureira inglesa ainda não empregava muito equipamento; a decisão do
capitalista de investir era, essencialmente, a decisão de usar de fundos para empregar mão de obra na produção. É
essa, inclusive, a razão para a ênfase da análise de Adam Smith na divisão do trabalho como fator de “progresso”.
2
Adam Smith, Wealth of Nations, ... Vol. I, p. 96.
91
Como mostra Deane (1980, p. 62-63), entretanto, os sucessores de Adam Smith – David
Ricardo, Thomas Malthus, Stuart Mill, entre outros – consideraram o estado estacionário uma
possibilidade concreta. Como no início do século XIX a população inglesa vinha crescendo
aceleradamente, e estavam terminando as terras que podiam ser incorporadas à produção
agrícola, a segunda geração de clássicos passou enfatizar os efeitos dos retornos decrescentes
gerados por uma população em expansão sobre uma base fixa de recursos naturais.
Em suma, juntamente com o capital e a mão de obra, os recursos naturais eram parte
explicita da teoria clássica do crescimento. E, como os clássicos consideravam estes últimos
limitados, tratavam-nos como fatores de retornos decrescentes. Embora não ignorassem o
progresso técnico, os clássicos não acreditavam que este poderia contornar as limitações
impostas pela disponibilidade fixa de recursos naturais. A tendência seria, portanto, a do
atingimento do estado estacionário.
Um ponto deve ser ressaltado. Em linha com o pensamento científico da sua época, na
análise das inter-relações entre a economia e o meio-ambiente a escola clássica adotou
epistemologia mecanicista. Isso começou com Adam Smith; nas palavras de Deane (1980, p. 34),
“As premissas filosóficas básicas de Smith eram materialistas e mecanicistas”. E os demais
economistas clássicos assumiram tais premissas. Todos viam o meio-ambiente como neutro e
passivo; as restrições que este imporia ao crescimento decorriam apenas da disponibilidade
limitada de recursos naturais – notadamente de terras para a agricultura.
3
É de David Ricardo a exposição mais rigorosa e consistente da teoria clássica do crescimento (Dean, 1980, p.64).
92
natureza foi, cada vez mais, ficando em posição secundária na análise neoclássica. A hipótese
das dádivas gratuitas e de livre disposição de dejetos do sistema econômico tornou-se implícita e,
gradualmente, os neoclássicos evoluíram no sentido de tratar a economia como um sistema auto-
contido, isolado. Conforme ressalta Georgescu-Roegen (1975, p. 348-9), isso levou o
mainstream da análise neoclássica a negligenciar um fato crucial – o de que o processo
econômico “não pode perdurar sem trocas contínuas com o meio-ambiente que o afetam de
forma cumulativa, e não pode deixar de ser afetado por tais alterações”. A análise neoclássica
“decidiu ignorar completamente o problema dos recursos naturais”, preferindo apegar-se à
epistemologia mecanicista introduzida pelos clássicos, e que hoje está “defunta até na física”.
O mais grave é que essa postura também se incorporou aos modelos dinâmicos
neoclássicos (às suas teorias de crescimento econômico). Esses modelos foram fortemente
influenciados por contribuições de von Neuman, as quais visualizavam a economia funcionando
de forma totalmente independente do meio-ambiente. Como destaca Perrings (1987, p. 8), “foi
ignorando as funções físicas do sistema econômico que [von Neumann] pode generalizar para
modelos dinâmicos os resultados do equilíbrio geral estático do sistema walrasiano” [a base dos
modelos de equilíbrio geral e da teoria do bem-estar social neoclássicos]. Dada a influência desse
autor, até recentemente os modelos de crescimento neoclássicos consideravam que a economia
pode crescer indefinidamente, apoiada apenas na expansão da força de trabalho e na acumulação
do capital físico construído (máquinas, equipamentos, construções). E a expansão desse dois
fatores seria inteiramente determinada por forças endógenas ao sistema econômico.
Era essa a situação que predominava no campo neoclássico até fins da década de 1960.
Desde então, surgiu se firmou importante corrente de pensamento de economia ambiental
neoclássica – hoje fortemente hegemônica no campo da economia do meio-ambiente. As
características dessa escola e a natureza da sua hipótese ambiental serão discutidas em detalhe
adiante. É interessante ressaltar, entretanto, que até hoje o mainstream neoclássico adota a
hipótese de um sistema econômico isolado, auto-contido. Os problemas decorrentes das inter-
relações entre o sistema econômico e o seu meio externo não foram assimiladas pelo mainstream
neoclássico; essa questão foi relegada à economia ambiental neoclássica, que se desenvolveu
como um caso especial – como um campo de especialização – do mainstream neoclássico. E
ambos continuam a adotar a epistemologia mecanicista, tão criticada por economistas ambientais
de outras escolas.
Para Soddy os economistas só acreditam que isso acontece porque cometem o absurdo,
do ponto de visita físico, de confundir a degradação da matéria e a dissipação de energia do
estoque energético do nosso globo com a acumulação de capacidade produtiva. O autor vê o que
os economistas chamam de acumulação de capital, como um processo de destruição de recursos
naturais não renováveis, acompanhado de aumentos do endividamento.
4
Soddy, um químico e professor da Universidade de Harvard, recebeu o Prêmio Nobel em 1921 por suas contribuições à
teoria da estrutura atômica. Sua crítica à análise econômica está no seu livro Wealth, Virtual Wealth, and Debt (Soddy,
1926). Ver Daly, 1980, e Martínez-Alier, 1987.
5
Ver, por exemplo, Georgescu-Roegen, 1971 e Boulding, 1966.
94
Como bom marxista, o autor foi adiante; procurou demonstrar que, se as relações entre
insumos e a produção podem ter expressão física, para entendermos como se efetua a
distribuição da produção é necessário analisar as relações entre as classes sociais. Reconheceu,
assim, que a expropriação de valor criado pelo trabalho em sociedade capitalista não encontra
explicação em relações físicas. A energia despendida pelo trabalhador na agricultura fixa uma
quantidade elevada de energia, mas o trabalhador só recebe parte da energia fixada; há uma
mais-valia energética, apropriada pelo capital.
Podolinski tentou, portanto, combinar a teoria do valor-trabalho com uma teoria do valor-
energia, procurando harmonizar a teoria da mais valia com conceitos da física. A idéia do autor
era que “os princípios da ecologia humana e da economia podem ser analisados em termos do
conceito do retorno energético ao insumo de energia humana, apoiado em estrutura conceitual
da reprodução de um sistema social”. (Martinez-Alier, 1987, p. 52).
Esses dois são exemplos de contribuições isoladas, que não repercutiram sobre a
evolução da análise econômica. Como se verá a seguir, a economia ambiental começa a surgir
bem mais recentemente, como resultado de uma série de eventos.
6
Para detalhes da formulação de Podolinski, ver Martinez-Alier, 1987, especialmente p. 45-53.
95
À medida que se firmou a consciência da seriedade desses problemas, ficou claro que a
economia convencional precisava ser adaptada ou modificada para tratar dos mesmos. Para a
análise neoclássica, a intensificação da poluição em fins da década de 1960 foi, sem dúvida, o
principal fator no que se convencionou chamar de "revolução ambiental".8
7
Ver Ayres e Kneese, 1969, Kneese, Ayres e d'Arge (1970) e Mäler (1974)
8
Uma avaliação nesse sentido está em Croper e Oates, 1992, p. 675.
9
Ver, por exemplo, Paddock e Paddock, 1967, Ehrlich, 1968, e Commoner, (1971).
10
Ver Meadows et al., 1972. Uma discussão resumida dos resultados das simulações está em Randers e Meadows,
1975.
96
Essas três séries de eventos esquentaram o debate sobre as inter-relações entre o sistema
econômico e o ecossistema. Levaram, também, à formação de estrutura institucional, tanto nas
Nações Unidas e em outras organizações internacionais, como em diversos países, e estimularam
o surgimento de organizações não-governamentais. No campo das ciências econômicas, fizeram
deslanchar a economia do meio-ambiente – o foco de análise deste manual. O próximo capítulo
apresenta uma classificação, apoiada em elementos da noção de desenvolvimento sustentável e
em suas hipóteses ambientais, das principais correntes desse campo do conhecimento.
97
Nesse sentido, há um ponto que merece ser ressaltado: a aderência que se observa, na
opinião pública, ao conceito de desenvolvimento sustentável reside em sua simplicidade e no
fato de que quase todos concordam com seus grandes objetivos. Quem não vê com simpatia a
combinação da eficiência, com a equidade e a defesa do meio-ambiente, especialmente quando
não se explicitam os custos e a viabilidade disso tudo? Conforme ressalta Lélé (1991, p. 613):
os impactos dos processos econômicos sobre o meio-ambiente. Uma decorrência deste estado de
coisas é o tratamento da economia como um sistema cujas inter-relações com o seu meio externo
são destituídas de importância.
RECURSOS ESTADO
NATURAIS GERAL
COMO DO MEIO-
INSUMOS AMBIENTE
Rejeitos; Rejeitos;
Degradação Degradação
MEIO-AMBIENTE
SISTEMA
ECONÔMICO
Produção Consumo
Reciclagem
● Condição Pareteana de que deve ser assegurada, pelo menos, a manutenção do bem estar
dos que hoje vivem nos países ricos e regiões prósperas. Ninguém deve perder, nem os
mais ricos.
● Prioridade a ser dada ao atendimento das “necessidades básicas dos pobres de todo o
mundo”, num esforço de redução das disparidades distributivas. E,
Do outro lado, é importante ter-se uma visão clara da hipótese ambiental das correntes de
pensamento da economia do meio-ambiente. Ou seja, saber se uma dada corrente adota:
No seu sentido vertical o Quadro 2 indica a ênfase dada por cada corrente de pensamento
da economia do meio-ambiente às três dimensões básicas do desenvolvimento sustentável; no
sentido horizontal se indicam as hipóteses ambientais que estão por detrás de suas análises. Com
base no cruzamento dessas duas dimensões básicas ressaltam-se as seguintes correntes de
pensamento:
Hipótese Ambiental
Análise centrada em
economias de mercado de Economia Ambiental
países ou regiões Neoclássica
desenvolvidos
Análise centrada na
capacidade das gerações Variante da “Economia da
futuras de atender suas Sobrevivência”, da Economia
necessidades (perspectiva de Ecológica
muito longo prazo)
Vimos, nesse sentido, que até recentemente a análise econômica adotava a hipótese de
que a economia domina inteiramente o meio-ambiente. Conforme ressalta Perrings (1987, p. 5-
6), os economistas clássicos reconheciam as “dádivas gratuitas da natureza”, mas como a escala
da economia global de seu tempo era reduzida, o meio-ambiente foi considerado passivo, e as
inter-relações da economia com o seu meio externo acabaram sendo tratadas de forma
superficial. E, com a consolidação da indústria como o setor dinâmico da economia nos países do
Primeiro Mundo, a economia neoclássica que tomou o lugar do pensamento clássico acabou
virtualmente ignorando a natureza, passando a tratar economia como um sistema isolado e
autocontido. E o “mainstream” da economia marxista tradicional adotou postura semelhante.
Para a escola neoclássica, todas as situações podem ser analisadas por suas teorias.
Qualquer evento que ocorra na sociedade humana é caso especial de alguma teoria apoiada no
funcionamento de mercados livres. Mas, como vários aspectos da inter-relação entre a economia
e o meio-ambiente se desenrolam fora do âmbito do funcionamento de mercados, a teoria das
externalidades (ver adiante) deixou de se referir apenas a situações excepcionais e assumiu papel
103
Certas análises enfatizam os obstáculos à elevação do bem-estar da geração atual dos que
habitam os países em desenvolvimento, especialmente os mais pobres. São análises heterogêneas
e variadas, que ainda não constituem uma escola de pensamento minimamente estruturada. Um
elemento comum nas mesmas é a idéia de que há mecanismos (imaginários ou reais),
estabelecidos pelos países industrializados, que estariam levando o Terceiro Mundo a degradar o
meio-ambiente. Esses mecanismos impediriam, tanto o progresso, como uma reversão da
degradação ambiental nos países em desenvolvimento.
13
Ver: Martinez-Alier, 2002.
PARTE III
III.1. INTRODUÇÃO
"Em uma economia fechada (sem exportações ou importações) na qual não haja acumulação
líquida de estoques (construções e equipamentos, estoques das empresas, bens de consumo
durável, ou construções residenciais), a quantidade de resíduos inserida no meio-ambiente
natural é aproximadamente igual ao peso dos combustíveis primários, dos alimentos e das
matérias primas que ingressam no sistema produtivo, com a adição do oxigênio retirado da
atmosfera".
Desta forma, incorporou-se à análise econômica o princípio do balanço de materiais.
Passou-se a reconhecer a existência de processo unidirecional e, pelo menos no caso da energia,
107
irreversível – pode haver reversibilidade parcial no caso dos materiais, mas a um custo. Admitiu-
se, também, que, em um mundo finito, essas unidirecionalidade e irreversibilidade podem levar à
crescente escassez de certos materiais; e, que os rejeitos e a poluição crescentes gerados pelo
sistema econômico podem exceder a capacidade de assimilação do ecossistema, causando
preocupante degradação ambiental, não só em âmbito local, como global. Além disso, a análise
neoclássica passou a focalizar os impactos do meio-ambiente sobre o bem-estar dos indivíduos ao
fornecer amenidades, formas de lazer.
(4) Quais os melhores instrumentos de que a sociedade dispõe para atingir níveis
eficientes de proteção ambiental?
1 Existem, evidentemente, exceções. Modelos dinâmicos como, por exemplo, o de d'Arge e Kogiku, 1973,
consideram simultaneamente a extração de recursos naturais e a geração de rejeitos, mas sua importância dentro da
economia ambiental neoclássica ainda é reduzida.
108
(1) Qual o padrão ótimo de uso de recursos naturais específicos? O que deve guiar o
emprego ótimo de tais recursos?
(3) Como manejar adequadamente um recursos renovável mas que pode ser exaurido por
extração excessiva?
(4) Poderá a disponibilidade limitada de alguns recursos naturais vir a estabelecer limites
físicos ao crescimento econômico?
Vimos que poluição é o nome genérico dado ao fluxo de dejetos gerado pelo sistema
econômico e despejado no meio-ambiente, com efeitos detrimentais, tanto sobre o bem-estar
humano como sobre a sanidade e estabilidade de sistemas ecológicos. Compreende múltiplos
elementos, com características e impactos os mais diferentes. Apresentamos novamente o
diagrama examinado no Capítulo 2, esquematizando aspectos da poluição gerada pelo sistema
econômico, pois o mesmo permite ressaltar aspectos centrais focalizados pela teoria neoclássica
da poluição.
MEIO-AMBIENTE
Parcela absorvida
pelo meio-ambiente
e tornada inofensiva
Acúmulo de poluentes
(poluentes de estoque)
Danos totais da
poluição
110
fatores de produção, cada um se esforçando para maximizar sua satisfação (bem-estar) ou o seu
lucro, conduz o sistema econômico a uma situação de equilíbrio geral eficiente. Os agentes
econômicos são basicamente os indivíduos e famílias atuando em mercados como consumidores
(como demandantes) de bens e serviços e como ofertantes da fatores de produção; e as empresas
que usam fatores de produção organizam a produção e oferecem nos mercados bens e serviços.
As condições de eficiência nos modelos de equilíbrio geral usualmente pressupõem funções de
utilidade (de satisfação) dos indivíduos e de produção das empresas bem comportadas, livre
concorrência (ausência de monopólio), ausência de intervenção distorciva do governo, e não
existência de externalidades. Nessas condições ideais, a teoria do equilíbrio geral demonstra que
funcionamento de mercados livres de produtos e de fatores de produção conduz o sistema
econômico à situação ótima – a um estado de eficiência econômica.
Em essência, a teoria da poluição se vale de modelos de equilíbrio geral nos quais uma
dessas condições não é satisfeita – a da ausência de externalidades. A poluição é uma
externalidade, no sentido de que os agentes econômicos que a emitem impõem, geralmente de
forma involuntária, custos a outros agentes econômicos – consumidores e a outras empresas.
Uma empresa que despeja dejetos em um rio pode estar provocando doenças e perdas de dias de
trabalho a indivíduos que usam as suas águas, e fazem com que outras empresas que também
usam a água do rio incorram em custos de purificação. E quando maior o nível de produção da
empresa poluidora, maiores os custos externos que provoca. Os modelos de equilíbrio geral
demonstram que, com externalidades da poluição, o funcionamento de mercados livres não
conduz a economia a um estado de eficiência econômica.
Para determinar solução Pareto-eficiente (ver adiante a definição desse conceito) para o
modelo, supõe-se que exista um planejador onisciente que, conhecendo as funções-utilidade de
todos os indivíduos e as funções de produção de todas as empresas da economia, bem como as
demais informações relevantes, está em condições de fazer os cálculos necessários. O planejador
obtém uma solução maximizando a utilidade de um dos indivíduos da sociedade, dadas as
funções-utilidade de todas as outras pessoas, e com a condição de que ninguém pode ter sua
utilidade total diminuída.
O problema está no caráter de bem público da "fumaça" e no fato de que, para as empresas,
lançar a "fumaça" no meio-ambiente nada custa. Assim, agindo racionalmente, estas são levadas
a poluir em excesso, forçando os indivíduos a "consumir" bem mais fumaça do que na solução
eficiente, determinada pelo planejador onisciente. Ou seja, por falta de "preços" de equilíbrio
competitivo para a "fumaça", a solução competitiva seria ineficiente e a poluição excederia o seu
nível ótimo.
Para que uma solução ótima seja obtida pelos mecanismos de mercado, bastaria, portanto,
introduzir tais "preços". Demonstramos no Apêndice, que a solução do modelo competitivo
eqüivale à solução obtida pelo planejador onisciente desde que se introduza um imposto por
unidade de poluição, onerando as empresas que emitem "fumaça".
2 Ver Fisher e Peterson (1976, seção III). Para uma exposição completa e atualizada do estado atual da análise de
equilíbrio geral competitivo contemplando a inter-relação entre a economia e o meio-ambiente, bem como de seu
emprego para gerar sugestões de políticas ambientais, ver Baumol e Oates, (1988).
3 Os modelos dinâmicos usam a teoria do controle ótimo para maximizar o fluxo, ao longo de um dado horizonte
temporal, das utilidades e desutilidades do consumo de bens e serviços e dos estoques de rejeitos e de poluição,
descontados à taxa social de desconto, e sujeitos a restrições de função de produção -- definida para incluir os efeitos
negativos da poluição e o desenvolvimento tecnológico. São restrições, também, a evolução no tempo da
disponibilidade, tanto de recursos naturais, renováveis ou não, como de outros fatores de produção. Esses modelos
permitem traçar a trajetória ótima no tempo, de variáveis consideradas importantes. Mäler (1974) foi um dos
primeiros a empregar a metodologia com esse objetivo. Para exemplos do emprego da teoria do controle ótimo em
modelos para a análise do uso ótimo de recursos naturais e para estudos ambientais, ver The Review of Economic
Studies (1974), e Smith (1977). Para usos da metodologia no exame de questões ambientais em economias em
desenvolvimento ver Pezzey (1989), e Dasgupta e Mäler (1991).
113
No que se segue estaremos examinando a natureza básica dos modelos de equilíbrio geral
neoclássicos bem como aprofundando alguns dos conceitos acima esboçados, abrindo o caminho
para a apresentação de elementos da teoria da poluição.
Trata-se de visão essencialmente antropomórfica.4 Se, por exemplo, a ação em questão for
um aumento de produção, o que vale é o seu efeito sobre o conjunto de indivíduos que compõem
a sociedade humana. Se mais produção significar um maior bem-estar social, esse aumento é
essencialmente “bom”. Entretanto, o aumento de produção pode vir acompanhado de mais
poluição, e esta tende a ser considerada um “mal”. Para avaliar se o incremento de produção vale
a pena, cumpre comparar o aumento de bem-estar causado pelo aumento de consumo propiciado
pela produção adicional, com a redução de bem-estar causada pelo aumento de poluição que
resulta dessa produção adicional. Se a variação líquida de bem-estar for positiva, o aumento de
produção será considerado positivo. Caso contrário a avaliação será negativa.
A visão utilitária da análise neoclássica considera, portanto, o bem estar social como uma
função das satisfações (das utilidades) dos indivíduos em sociedade; os modelos de equilíbrio
geral neoclássicos consideram que os resultados de qualquer mudança econômica se expressam
exclusivamente em termos de alterações dessas satisfações individuais. É uma visão simplificada
de sociedade. Trata-se de sociedade sem classes – sociedade composta de um conjunto de
indivíduos, cada um agindo de forma isolada e obtendo satisfação (ou insatisfação) diretamente
do consumo de bens (ou males) e serviços. Os bens e serviços são escassos, e as demandas são
virtualmente ilimitadas; aumentos na produção de bens e serviços, incrementando a satisfação
dos indivíduos, aumentam o bem estar social.
4
Visão que coloca o ser humano no centro de tudo.
114
Umas palavras sobre a função de bem estar social da análise neoclássica. Como vimos no
início do Capítulo 4, os fundadores da ciência econômica imaginavam que a utilidade de um
indivíduo poderia ser medida cardinalmente e que seria apenas questão de tempo a descoberta de
um aparelho para realizar essa medição. Se isso fosse possível, seria muito fácil estabelecer uma
função de bem-estar social, pois esse bem-estar seria a soma das utilidades que os indivíduos
derivam do consumo. Como se sabe, a teoria moderna da demanda abandonou a hipótese da
medição cardinal da utilidade e trabalha com a idéia de que os indivíduos sabem ordenar
racionalmente suas escolhas. Considera apenas que a distribuição da renda é pré-determinada e
que cada pessoa age de forma racional na procura de um máximo possível de satisfação. A teoria
mostra que, sob certas condições o comportamento maximizador dos indivíduos em face a suas
rendas resulta em um máximo de bem estar social. Trata-se de um máximo condicionado – o bem
estar maior que se pode obter, dados a distribuição de renda em sociedade os recursos a seu
dispor.
A teoria do equilíbrio geral pode não ser o melhor instrumento para avaliar uma dada
distribuição inicial de renda, mas ela é útil para determinar se uma alocação de recursos
produtivos na economia é eficiente, e se há como aumentar a eficiência da alocação de uma dada
dotação de recursos. E essa eficiência é julgada em termos dos efeitos sobre o bem-estar social
propiciados por tal alocação.
Começamos conceituando mais precisamente o que se quer dizer com o termo “alocação
de recursos”. Em um determinado momento do tempo uma economia dispõe de um conjunto de
recursos produtivos, e os indivíduos que compõem a sociedade terão preferências pelos diversos
bens e serviços que podem ser produzidos a partir de tais recursos. Dadas as tecnologias de
produção disponíveis à sociedade, esses recursos produtivos podem ser alocados (usados) de
muitas formas, cada uma delas resultando em uma determinada configuração de produtos e
serviços. Do lado dos consumidores, uma dada configuração de produtos pode ser distribuída de
várias formas entre os indivíduos em sociedade. Diferentes formas de distribuição do acesso à
produção (de distribuição de renda) originam diferentes níveis de satisfação individual e, assim,
de diferentes níveis de bem estar social. Assim sendo, uma dada alocação de recursos define que
bens e serviços são produzidos, que combinação de insumos é usada na produção desses bens, e
como a produção é distribuída entre os indivíduos em sociedade.
A alocação de recursos se faz, tanto em um dado momento, como entre vários períodos de
tempo. A produção de bens que são consumidos no mesmo período da análise, por exemplo, traz
impactos sobre as utilidades dos indivíduos, e assim, sobre o bem estar social, que é sentidos
naquele período. Já a decisão de não consumir toda a renda – de realizar poupança –, assim como
produção e instalação de máquinas e equipamentos (bens de capital), têm a ver com um horizonte
temporal bem mais extenso, englobando vários períodos. Via de regra, poupa-se para poder
115
consumir mais no futuro; e as empresas investem os recursos poupados visando retornos, também
no futuro. E essas decisões sobre poupança e investimento determinam o crescimento da
economia.
A noção de eficiência pode ser ilustrado com o modelo de sociedade com dois indivíduos
– que exibem funções utilidade bem comportadas –, dois bens e duas empresas produzindo cada
um desses bens. A microeconomia elementar mostra que se pode obter com um modelo desses
uma Fronteira de Possibilidades de Utilidade, como a que está representada abaixo. Essa fronteira
estabelece todas as combinações de utilidade dos indivíduos 1 e 2, compatíveis com a
disponibilidade de recursos produtivos, de tecnologias e com as funções utilidade dos dois
indivíduos.
U1
A B
• D
116
U2
Fronteira de Possibilidades de Utilidade
Em relação ao ponto A, não será eficiente um rearranjo na alocação de recursos que leve
ao ponto D, na fronteira, pois esse movimento representa um aumento na satisfação do indivíduo
2, acompanhado de forte redução na satisfação do indivíduo 1. Em relação à alocação de recursos
inicial em A, só será eficiente, pelo critério de Pareto, o rearranjo na alocação de recursos que
leve a um ponto da fronteira entre B e C.
1. Existem mercados para todos os recursos produtivos, bens e serviços objetos de trocas.
Trata-se de hipóteses pouco realistas; no mundo real não existem mercados perfeitos e
dificilmente os efeitos das ações de um agente econômico deixam de afetar os níveis de produção
e de consumo de outros agentes. Mas as mesmas originam um paradigma interessante para a
análise de aspectos do funcionamento de economias.
utilidade ou a produção de outro(s) agente(s) de uma forma não intencionada, e quando não há a
compensação pelo agente que produz o efeito externo aos agentes afetados pelo mesmo. Num
mundo sem externalidades, a utilidade de cada indivíduo depende exclusivamente da quantidade
dos bens e serviços por ele demandados e consumidos; e a produção de cada empresa depende
exclusivamente das quantidades de insumos que a empresa decidir compara e usar na produção.
Na prática, porém, o comportamento dos consumidores e dos produtores é afetado, de formas não
desejadas e não compensadas, pelas utilidades obtidas por outros consumidores e pelas produções
geradas por outros agentes. O comportamento econômico quase sempre gera efeitos externos –
causa externalidades.
Suponhamos uma empresa que produz um único bem (um produto x), que pode vender no
mercado a preço determinado pela demanda do bem. Para simplificar, fazemos a hipótese de que
a empresa é tomadora de preços; isto é, para a empresa o preço de mercado P* é dado, e ela pode
vender quanto queira da sua produção a tal preço. A curva de Receita Total da empresa (a receita
que pode obter da venda de diferentes quantidades do bem que produz) está representada na
Figura 1, adiante.
Suponhamos, agora, que a função custo de produção do bem x, de curto prazo, seja
composta de um componente fixo – o custo que a empresa terá que cobrir seja qual for o nível de
produção (mesmo que este seja zero), e de um componente que varia com o nível de produção. A
5
O pano de fundo para a análise é o de modelo de equilíbrio geral, semelhante ao do Apêndice.
120
teoria microeconômica demonstra que, dadas certas hipóteses sobre o processo produtivo que não
serão discutidas aqui, o custo variável – e também o custo total – aumenta com a produção, e que
esse aumento é mais que proporcional ao incremento da produção. Ou seja, a representação
gráfica da função custo de curto prazo da empresa é a da Figura 2, abaixo; trata-se de
representação corrente da análise microeconômica elementar.
Custo Total
A diferença entre a receita total e o custo total da empresa de produzir cada quantidade de
x pode ser representada em um gráfico – ver a Figura 3. O gráfico estabelece a diferença vertical
entre RT e CT, a cada nível de x produzido e vendido. Vamos chamar esse gráfico de curva de
Benefício Total resultante da produção de x.
Benefício Total
(B)
Como se pode ver, a baixos níveis de produção, a receita será menor que o custo total de
produção e B será negativo. Para níveis mais elevados de x, a RT excederá o CT, e o Benefício
Total será positivo. Na verdade, acima do nível de produção x’, este cresce até xo; depois passa a
declinar. Mas depois de x”, a receita se torna novamente inferior ao custo de produção, e B é
novamente negativo.
121
Pode parecer que a curva da Figura 3 descreve apenas o que a empresa pode esperar
ganhar da produção e venda de diferentes quantidades de x; a teoria econômica demonstra,
entretanto, que, sob certas circunstâncias, a curva reflete o benefício social de diferentes níveis de
produção (e de consumo) de x. Isso porque, presumivelmente, a produção vendida gera bem-estar
a quem compra e consome o produto. Supondo dadas a renda e os gostos e preferências dos
consumidores, a teoria demonstra que o consumidor que decide pagar P* para consumir a
quantidades de x que adquire da empresa, o faz porque essa alocação de sua renda é a que maior
satisfação (bem-estar) lhe traz. Na verdade, a teoria demonstra que a solução ótima, tanto para a
empresa como para os que compram x, é a produção e venda da quantidade xo do produto. Se,
entre outras coisas, o mercado for livre, a informação perfeita e os produtores e consumidores
agirem racionalmente, esse nível de produção será eficiente, do ponto de vista social.
Entretanto, para a nossa análise necessitamos é, não do benefício total a cada nível de x,
mas a adição de benefício que a última unidade de x produzida e vendida traz – ou seja, o que a
teoria econômica denomina benefício marginal de x. Formalmente, o benefício marginal de x é a
variação no benefício total produzida por uma mudança muito pequena na produção e venda de x.
Podemos, de forma aproximada, representar o conceito com a seguinte fórmula:
6
Se fizermos ∆x tender para zero, a função Benefício Marginal será dB/dx. Ou seja, a derivada da função Benefício
Total a cada nível de x.
122
Benefício Total
(B)
∆B / ∆x
poluição é muito parecido ao formato da curva de Benefício Total das Figuras 3 e 4. O mesmo
pode ser dito com relação à curva de produto marginal da poluição. E, se as unidades de medida
forem adequadamente definidas, podemos fazer k = 1; temos, assim, as curvas de benefício
marginal da produção e da poluição representadas na Figura 5.
dB / dx
0
xo x (produção por período)
dB / dΨ
0
Ψo Ψ (poluição por período)
A teoria econômica mostra que, se fosse possível produzir sem emitir poluentes, o nível
de produção xo seria ótimo, tanto para a empresa que produz e vende x, como para os
consumidores desse produto, e que qualquer outro nível de produção pioraria a situação, tanto da
empresa, como dos consumidores. O nível de produção xo seria eficiente pelo critério de Pareto.
Com a poluição, entretanto, isso cessa de ser verdade. Isso porque, junto com o consumo de xo, a
sociedade – os consumidores e outras entidades – é forçada a “consumir” os efeitos negativos da
poluiçãoΨo decorrente da produção. Ou seja, a sociedade é obrigada a assumir os custos da
poluição que a companha a produção da empresa. Trata-se, pois, de situação não ótima.
124
dD / dΨ
Dano Marginal da Poluição
λo
0 Ψ (poluição)
Ψo
dB/dΨ
dD / dΨ
Dano Marginal da Poluição
Benefício Marginal
da Poluição
λo
0 Ψo Ψ (poluição)
Como se pode ver, o nível de poluição Ψo maximiza o benefício líquido da empresa, que
emite poluentes sem nada pagar por isso, mas causa um custo por unidade de poluente de λo, que
é assumido pelo resto da sociedade. Esta é, sem dúvida, uma situação desequilibrada; não parece
125
justo que a empresa não assuma os custos da poluição que emite. Como fazer com que isso
ocorra? Para tal temos que conhecer o que custaria à empresa reduzir suas emissões de poluentes.
Qual seria essa redução? Para dar uma resposta vamos supor que, em um primeiro momento, a
única forma de a empresa limitar os danos da poluição seja a de reduzir o seu nível de produção,
e assim, de emissões. Num prazo mais longo ela pode instalar equipamento para filtrar ou tratar
suas emanações, mas de imediato, a única forma da empresa reduzir a poluição é limitando sua
produção.
7
Excepcionalmente, entretanto, a emissão ótima de um determinado poluente pode ser zero. Isso ocorre se o
poluente for tão prejudicial que seja preferível nada produzir do bem que requer essas emanações toxicas.
8
Supomos funções bem comportadas do ponto de vista matemático, o que faz com que a condição de segunda
ordem de máximo seja assegurada.
126
dB/dΨ
dD / dΨ
Dano Marginal da Poluição
Benefício Marginal
da Poluição
λo E
A
λ *
0 Ψ* Ψo Ψ (poluição)
Será que Ψ* realmente maximiza BL? Com base no explanado no parágrafo anterior, o
benefício líquido social total de poluir a esse nível é igual à área debaixo da curva de Benefício
127
Marginal para a empresa, entre 0 e Ψ*; e o dano total decorrente desse nível de poluição é igual à
área debaixo da curva de Dano Marginal, também entre 0 e Ψ*. E o benefício líquido social total
nesse intervalo é a diferença entre essas duas áreas. Para que essa diferença também corresponda
ao máximo de BL, é preciso que não haja outros níveis de Ψ que originem um benefício líquido,
BL, maior.
Para ver que isso não acontece vamos considerar níveis de poluição acima e abaixo de
Ψ*. Vamos supor que, inicialmente a poluição emitida pela empresa estivesse no nível ótimo,
Ψ*, e que o nível de poluição passasse para Ψo. O critério das áreas em baixo das curvas
marginais entre as poluições Ψ* e Ψo nos permite ver, no diagrama da Figura 8, que esse
movimento traria um aumento de benefício líquido para a empresa correspondente à área Ψ*, A e
Ψo , mas que o aumento de dano ambiental seria igual à área Ψ*, A, E, Ψo. Examinado essas
duas áreas, verifica-se que haveria um benefício líquido total, BL, negativo na magnitude da área
delimitada pelos pontos Ψo , A e E. Ou seja, um aumento da poluição, acima do nível seu ótimo
Ψ*, provocaria uma redução no benefício líquido total.
Partindo outra vez de Ψ*, suponhamos agora que o nível de poluição caísse para zero. O
critério das áreas em baixo das curvas marginais nos permite determinar um declínio de benefício
total da empresa igual à área da curva de benefício marginal até Ψ*, e que a redução do dano
marginal seria igual a área em baixo da curva de dano marginal até Ψ*, ou seja a área 0 A Ψ*.
Como se pode ver, a redução do benefício da empresa seria muito maior que a redução do dano
social total. Abaixo de Ψ* a poluição seria muito leve e não causaria muitos danos, mas cessando
de produzir as empresa teria perdas enormes. Outra vez, haveria uma significativa redução de
BL.
Em suma, qualquer outro nível de produção, seja superior ou inferior ao nível de poluição
ótima (ou poluição eficiente), Ψ*, gerará um benefício líquido social total (BL) menor que o que
seria obtido ao nível Ψ*. Fora de Ψ* a poluição não seria eficiente no sentido de Pareto. Ou seja,
seria possível. Ou seja, seria possível ter-se outro nível de poluição no qual melhoraria, tanto a
situação da empresa como dos indivíduos em sociedade.
Até aqui estivemos supondo que a única forma da empresa reduzir a poluição que emite é
a de diminuir sua produção; com menos produção se reduzem suas emanações de poluentes. Essa
pode ser a única opção no curto prazo mas, com mais tempo para se ajustar, a empresa também
tem a opção de alterar seu processo produtivo de forma a reduzir suas emanações. Faz isso,
adotando processos de produção mais “limpos”, com o emprego de técnicas adaptadas à sua
estrutura produtiva, que reduzam a poluição por unidade de produto (por exemplo, introduzindo
filtro para reduzir as emanações à atmosfera; ou estação de tratamento de efluentes líquidos). É
importante se ter em mente, entretanto, que tais tecnologias significam aumentos de custo de
produção. Em conseqüência, ocorreriam mudanças nas curvas de benefício total e marginal de
poluir da empresa.
Não se pode afirmar, de antemão, como e em que sentido essas duas curvas se
deslocariam. É de se esperar, entretanto, que a curva de Benefício Marginal de Ψ para a empresa
continue negativamente inclinada. Isso porque, com poluição irrestrita (sem custo para a
empresa), não há custo nenhum de redução de poluição e a empresa estará em situação
semelhante à do nível de poluição Ψo, da Figura 8. Mas se a empresa for induzida a reduzir suas
128
emissões e se fizer isso adotando tecnologias de abate da poluição (ao invés de reduzir a
produção), essas tecnologias têm custos, que tendem a aumentar mais que proporcionalmente à
ampliação na contenção da poluição. Isso porque, a baixos níveis de contenção da poluição é
relativamente fácil reduzir um pouco as emanações. Mas, quanto maior a redução de Ψ que a
empresa promove, mais difícil se torna obter uma redução adicional. Deve-se, pois, esperar que,
quanto maior a redução da poluição, mais elevado será o custo de conseguir uma redução
adicional da poluição.
dBa/dΨ
dD / dΨ
Dano Marginal da Poluição
Benefício Marginal
R Ajustado da Poluição
λ*’ C D
A B
0 Ψ (poluição)
Ψ1 Ψ*’ Ψ2 Ψo
Observe-se que, no nível eficiente de poluição Ψ*’, os custos totais associados à poluição
correspondem à área A, em baixo da curva de dano marginal entre a origem eΨ*’ (que
corresponde ao dano social total desse nível de poluição), e a área em baixo da curva de benefício
marginal da empresa entre Ψ*’ e Ψo, assinalada pela letra B (o custo para a empresa de reduzir a
poluição de Ψo a Ψ*’). A soma das áreas A e B é igual ao custo total do nível de poluição
eficiente. Uma das razões porque se denomina esse nível de poluição de 'eficiente' é que o custo
total (A + B) é o menor custo que se pode obter para a situação representada na Figura 9. Em
qualquer outro nível de poluição a soma desses pois custos será maior. Se a empresa reduzisse a
poluição para Ψ1, abaixo do nível ótimo, por exemplo, o custo total aumentaria para (A + B +
C); a redução de Ψ*’ a Ψ1 na poluição causaria uma queda no dano total da poluição inferior ao
aumento no custo total da poluição para a empresa, sendo a diferença igual à área C, que teria que
ser adicionada à soma (A + B). Por outro lado, se a poluição fosse ampliada, de Ψ*’ para Ψ2,
haveria um aumento do dano total da poluição para a sociedade maior que a redução total do
custo de contenção da poluição para a empresa, e a diferença seria igual a área D; o custo total da
poluição Ψ2 seria igual a área (A + B + D), também maior que o custo total ao nível de poluição
eficiente.
129
APÊNDICE
(1) Existe um nível de poluição ótimo, ou seja, o nível associado a uma situação de
eficiência de Pareto?
(3) Se não existe, que instrumentos devem ser empregados para levar a sociedade a
alcançar o nível de poluição ótima?
Conforme ressalta Fisher (1981),9 o problema pode ser visto da seguinte forma: “A
produção de bens e serviços por empresas gera uma externalidade (que chamaremos de fumaça)
que, no agregado afeta a cada um dos consumidores. É conveniente imaginar a fumaça gerada
por cada firma como um fator de produção para a firma, no sentido de que ela pode ser
substituída por outros insumos (que têm custos), como o trabalho e o capital. Uma dada
produção pode, por exemplo, ser obtida por um processo que envolve a geração de 10 toneladas
de fumaça ou, alternativamente por um processo em que, pelo emprego de um aparelho que filtre
a poluição, gere apenas 5 toneladas de fumaça. Em ambos os casos a fumaça gerada pela
atividade de todos os produtores se constitui em externalidade que entra na função utilidade de
todos os consumidores.” O uso de um ou do outro processo depende dos custos envolvidos e das
políticas adotadas para o controle da poluição. O modelo de equilíbrio geral que se segue,
apoiado no de Fisher (1981, cap. 6), é exemplo de como a análise ambiental neoclássica trata do
problema. Embora simplificado, o modelo traduz a essência da abordagem neoclássica.
O Modelo
m indivíduos (j = 1, ... , m)
h empresas (k = 1, ... , h)
n produtos e insumo (i = 1, ... , n’, produtos; n’+1 , ... , n, insumos)
9
Para análise mais avançada da teoria neoclássica da poluição, ver Baumol e Oates, 1988.
130
Hipóteses básicas:
Onde:
a. s, a poluição total, é um bem público (ou melhor, uma ‘mal’ público); assim, entra na função-
utilidade de cada um dos m indivíduos da sociedade. Vale, pois, tanto para o indivíduo 1 ( a
quem se maximiza a utilidade), como para todos os demais.
b. Pela condição (2), a utilidade dos demais indivíduos não pode diminuir. Pode aumentar ou
ficar constante, mas não declinar. Essa condição decorre do critério de eficiência de Pareto,
comumente adotado pela teoria do bem-estar neoclássica.
10
A notação (•) é forma abreviada de representar a função já introduzida acima.
131
c. A restrição (3), afetando às funções de produção, determina que não se pode consumir mais
que o que os recursos e as tecnologias do conjunto de h empresas permitem produzir. Podem
consumir menos, deixando um resíduo ri .
e. Como vimos, a fumaça é tratada como se fosse um insumo produtivo (esta é forte !). Assim,
possui um produto marginal,
k
δy
k
δs
(6a) δ L/δ x = - λj U + ϖi = 0 ,
j j
(para todos os bens i e indivíduos j).
(6b) δ L/δ y = - µ k f + ϖi = 0,
k k
(para todos os bens i e empresas k).
j
Onde U é a utilidade marginal do bem i para o indivíduo j (ou seja, o incremento da
utilidade de j quando aumenta em uma unidade seu consumo de i, tudo mais ficando constante);
fk é o produto físico marginal para a firma k de um insumo i (o aumento de produção de k gerado
j
por uma unidade de i que a empresa adiciona à produção, tudo mais ficando constante); U é a
utilidade marginal da fumaça (da poluição) para o indivíduo j (o aumento de desconforto que j
k
sente quanto aumenta de uma unidade a poluição); e f é o produto físico marginal da fumaça
para a firma k (o incremento da produção da empresa k associado a uma unidade adicional de
fumaça). ϖi, λj, e µ k são multiplicadores de Lagrange.
132
- Σ λj U = µ k f
j k
(7)
Observe-se que no lado esquerdo da equação está a soma ponderada (por λj) das
utilidades marginais da fumaça (da poluição) de todos os m indivíduos da sociedade. E, do lado
direito está o valor do produto marginal da fumaça para a empresa k, ou seja, a adição de
produção da última unidade de fumaça usada (ou gerada), multiplicada pelo multiplicador de
Lagrange µ k, que pode ser interpretado como o preço de equilíbrio competitivo do produto que a
empresa gera. Ou seja, no equilíbrio de máximo do modelo, cada empresa produz a um nível tal
que o valor do produto marginal da fumaça (da poluição) é igual ao valor da soma das
desutilidades marginais provocadas pela poluição do conjunto das empresas da economia. Essa
soma de desutilidades marginais costuma receber a denominação de dano marginal da poluição.
escolhido para ser a unidade de conta da economia. Substituindo no termo do lado esquerdo da
equação (7), obtemos:
Tendo por base o termo (8), acima, vamos examinar, primeiro, a situação do ponto de
vista de um indivíduo, j. Na figura 1, do lado esquerdo temos a curva de indiferença entre dois
bens, x1 e x2, desse indivíduo. No ponto A da curva, a teoria do consumidor nos permite dizer
j j
que -(d x1/d x2), a taxa marginal de substituição (TMS2,1 ) entre os dois bens é igual à U / U .
Como se sabe, a TMS2,1 entre os dois bens em um dado ponto da curva de indiferença é igual a
quantidade adicional de x1 que o indivíduo j requer, para abrir mão de uma unidade de x2 e
permanecer no mesmo nível de satisfação, (de utilidade) – ou seja, ficar sobre a curva de
indiferença.
deriva de uma unidade adicional de x2 quanto mais desse bem ele consome, diminuindo o
j j
numerador da relação U / U . E, do outro lado, do fato de que ao reduzir seu consumo de x1 para
ficar na mesma curva de indiferença, aumenta cada vez mais a conseqüente redução de utilidade,
pois terá cada vez menos desse bem para consumir – ou seja, aumentando o denominador da
relação.
Figura 1
x1 TMS2,1
A A’
U*
x2 x2
A curva de TMS2,1 do bem x2 pode ser interpretada como a curva de ganho marginal de x2
para o indivíduo, em termos do bem x1. Matematicamente, pode-se estabelecer que em um ponto
da curva de indiferença (por exemplo, o ponto A), é dada pela equação
-(d x1 /d x2 ) = Uj / Uj
se demonstrar que o sacrifício marginal aumenta com s; na verdade, a intuição nos indica que
quanto maior a poluição, maior o sofrimento, o desconforto gerado por uma unidade adicional de
poluição, medido em termos de x1 (a ‘moeda’ da economia), conforme representado na figura 3,
a esquerda.
Figura 2
Dano (sacrifício)
S marginal da fumaça
U*
B B’
x1 S
11
Como veremos adiante, é importante comparar o sacrifício marginal de s para a sociedade como um todo, com o ganho
marginal da empresa poluidora de gerar s. Ambos são magnitudes positivas.
135
k
Passamos agora para a análise do lado das empresas. O termo µ k f da equação (7),
representa o Valor do Produto Marginal de sk, a poluição emitida pela empresa k. Vimos que o
modelo trata a poluição como um insumo do processo produtivo de cada empresa; e, como no
caso dos demais insumos, a teoria da produção e dos custos nos ensina que, quanto mais elevada
a poluição gerada pela empresa, menor a adição de produção que se verifica em decorrência do
incremento de uma unidade de poluição à produção. Como o produto da empresa é vendido a um
preço dado pelo mercado e fixo, o valor dessa adição de produção – o valor do produto marginal
de sk – será tanto menor quanto mais elevado o nível de s, conforme representado no gráfico à
direta da figura 3.
Figura 3
S Sk
Consumidores Empresa k
- Σ λj Uj = µ k fk
Outros níveis de poluição não são Pareto ótimos e um rearranjo pode melhorar a
situação de pelo menos um agente econômico, sem piorar a de ninguém mais. Se, por exemplo, a
poluição gerada por k estiver acima de so, o valor do produto marginal da poluição para e
empresa será menor que o sacrifício causado pela unidade marginal de poluição para o conjunto
dos consumidores. Assim, em princípio pelo menos, compensaria a estes pagar a empresa para
reduzir sua poluição para o nível so e o produtor apresentar ganhos sem que os consumidores
nada percam, pois diminui o seu sacrifício marginal. Observe-se que à direita de so a empresa
adiciona à produção um valor que é inferior ao valor do sacrifício adicionado aos consumidores.
Se a poluição estiver, entretanto, à esquerda de so, o modelo indica que a mesma deve
ser aumentada para o nível de equilíbrio, so. Isto porque, à esquerda do nível de poluição ótimo, o
valor do produto marginal será maior que o valor do sacrifício marginal da poluição; outra vez
em princípio, se necessário até valeria a pena à empresa ‘compensar’ aos consumidores para
136
Figura 4
Sacrifícios e
benefícios
marginais de S
Valor do
sacrifício
marginal
( (consumidores)
Valor do produto
marginal da
fumaça para k
_
S’’’ So S” S S
É interessante ressaltar aqui, que a solução acima vale para uma empresa individual do
lado da produção, mas para o conjunto dos consumidores, do outro lado. Isto porque, nos termos
do modelo, s é um bem (um mal) público, que afeta a todos na sociedade, seja qual for a origem
da ‘fumaça’; mas os emissores da fumaça são empresas individuais. Entretanto, na solução de
equilíbrio ótimo da economia, cada empresa estará gerando poluição em um nível determinado
pela mesma regra empregada em relação à empresa k – a do valor do produto marginal da
poluição se igualando ao valor do sacrifício marginal da sociedade, ambos expressos em termos
de x1, a unidade de conta. E o volume agregado de poluição será o determinado pelo sacrifício
marginal da poluição no nível de equilíbrio, so.
O problema com a solução do modelo que estabelece a poluição ótima é que a mesma
não corresponde à solução de mercado, por mais livre e sem regulamentos distorcidos que este
seja. Acontece que, no modelo (como freqüentemente na vida real) o fator s nada custa à
empresa. Ou seja, a empresa pode poluir sem nada pagar pela poluição que gera; em
conseqüência, é induzida a poluir em excesso. Para ilustrar, pelo funcionamento do livre mercado
a empresa da figura 4, acima, produzirá gerando o nível de poluição sk e não so. Conforme nos
mostra a teoria da produção e dos custos, uma empresa em situação de equilíbrio competitivo de
curto prazo usa o fator de produção variável (no caso, s) no nível em que o Valor do Produto
Marginal do fator se iguala ao preço do fator. Na solução acima do modelo, como o preço de s é
zero, a empresa emitira poluentes ao nível dado pela interseção da curva de Valor do Produto
Marginal da poluição com o eixo horizontal, e não no nível ótimo, so.
137
12
O modelo simplificado não inclui um setor financeiro que permita emprestar para consumir.
138
Lucro de k = Σ pi . yk - ( Σ pi . yk + tk . sk)
O termo a esquerda representa a receita da empresa com a venda dos produtos (1, ... ,
n’); o termo a direita representa o custo total decorrente da compra dos insumos (n’+1, ... , n),
adicionado ao custo total de poluir, introduzido por tk. Rearranjando os termos, podemos
escrever:
Lucro de k = Σ pi . yk - tk . sk
(10) Lk = Σ pi . yk - tk . sk - βk fk (•).
k
Como no caso do modelo da poluição ótima, f (•) é a função de produção da empresa
k. Esta condiciona a produção que pode obter dos insumos que utiliza no processo produtivo.
(11a) δ Lk /δ yk = pi - βk fk = 0
(11b) δ Lk /δ sk = - tk - βk fk = 0
j
Como seria de se esperar, t e tk aparecem nos sistemas de equação de equilíbrio
de mercado livre acima. Entretanto, nada se pode afirmar, ainda, sobre as magnitudes da
compensação tj e do impostos tk, compatíveis com o equilíbrio de máximo de bem-estar. Para
fazer isso, temos que comparar a solução de mercado, com a solução ótima e procurar estabelecer
em que condições – ou seja, em que níveis dos dois impostos – a solução de mercado seria
equivalente à solução ótima. Objetivando determinar tais condições colocamos, a seguir, lado a
lado, as duas soluções. Note-se que, em uma mesma linha estão equações equivalentes nas duas
soluções. As equações (9a) e (6a) se referem ao comportamento dos consumidores em relação aos
bens e serviços. As equações (11a) e (6b) focalizam o comportamento das empresas em relação à
produção de bens e serviços, e as equações (11b) e (6c) se referem ao comportamento de
consumidores e de empresa em relação à poluição.
(9a) Uj + α j ( tj - pi ) = 0 (6a) λj Uj – ϖi = 0
pi - β f = 0 - µ k f + ϖi = 0
k k k
(11a) (6b)
(11b) - tk - β k fk = 0 (6c) - Σ λj Uj - µ k fk = 0
considere.
Outro resultado interessante é o que estabelece que a solução eficiente não envolve o
pagamento de compensação aos atingidos pela poluição.
140
onde BLt é o valor presente do benefício líquido para a sociedade, da poluição; B(ψt) é o
benefício (o lucro) que os agentes poluidores obtém da poluição (uma vez que os seus produtos
têm processos produtivos que geram poluição); e, D(ψt) é o valor do dano social da poluição. O
problema consiste em determinar a trajetória da poluição que se acumula, que maximiza o valor
presente do benefício líquido da poluição para a sociedade.
13
Baseada em Perman et al. (1996), p. 204-208 e Apêndice 1.
141
uma renda num ano (t + i), onde t é o momento presente, e i é o número de anos no futuro, maior
será a taxa à qual a empresa desconta a renda futura.
Observe-se que, se a empresa desconta mais o futuro, o valor presente de uma certo
rendimento no futuro é menor; e que, para uma mesma taxa de desconto, quanto mais distante for
esse futuro, mais reduzido será o valor presente. Na Tabela 1 se vê que, para a empresa, R$
100,00 no ano 19 valem no presente R$ 37,69 se a taxa de desconto for de 5% a.a., e apenas R$
14,86 se a taxa de desconto for de 10% a.a.. Mas, em ambos os casos, chama atenção a
14
A matemática financeira fornece várias formulas para o calculo do valor presente de um fluxo de rendimentos. Se
chamarmos Rt o rendimento em cada período de tempo, e de r a taxa de desconto aplicada, e se estamos
considerando variações discretas (como as do exemplo) do rendimento entre os momentos no tempo to e t’, a fórmula
será:
t=t’
VP = Σ Rt / (1 + r)t; esta foi a fórmula empregada nos cálculos da Tabela 1.
t=to
Para o desconto no caso de variações contínuas (variações do rendimento em cada segundo, por exemplo), a
fórmula a ser aplicada será:
t=t’
VP = ∫ e–rt Rt dt .
t=to
142
magnitude da renda futura erodida pela prática do desconto; mesmo à taxa menor, R$ 100,00 no
ano 19 comparecem, no ano inicial, com apenas 37,7% do seu valor. Esse efeito da prática do
desconto terá um papel importante na avaliação crítica da economia ambiental neoclássica, feita
adiante. Como se verá, o desconto do futuro é elemento importante de várias das abordagens
dessa corrente de pensamento.
Dtf = Df (ψt)
Além disso, temos os danos do estoque de poluição – a poluição que se acumula ao longo
do tempo – que representamos por:
D*t = D* (Qt),
onde D*t é a parcela do dano total que resulta do nível atual do estoque do poluente, e Qt é
estoque do poluente no momento t.
onde α é a proporção (por hipótese fixa) de Qt que é regenerada pelo meio-ambiente. O que a
equação acima diz é que o estoque do poluente em um determinado momento é igual a soma das
emissões do poluente desde o momento inicial (o momento zero), até o período de tempo
considerado, menos a parcela do poluente que, ao longo do tempo, foi absorvida e tornada
inofensiva pelo meio-ambiente.
Podemos, pois, escrever a equação dano total, DTt = Dtf + D*t, como:
15
Nem todas as emissões de dióxido de carbono geradas em um dado ano se acumulam na alta atmosfera,
determinando o efeito-estufa. Uma parte é absorvida pelo meio-ambiente; pelas plantas que crescem, pelos oceanos.
143
t
Qt = ∫ {ψ (t) – α Q (t)} dt .
0
ºº
∫ { B(ψt) – Df (ψt) – D* (Qt) } e–rt dt, sujeita à restrição:
0
dQt / dt = ψt - α Qt .
Essa restrição, obtida da diferenciação da expressão para Qt, acima, estabelece que a
mudança que se verifica no estoque de poluição em um dado momento é igual ao fluxo da
poluição do período, menos a parte do estoque de poluição regenerada e tornada inofensiva pelo
meio-ambiente. Trata-se da adição líquida ao estoque de poluição.
Pode-se demonstrar que as duas equações que se seguem são condições necessárias (ou
como quer a matemática, condições de primeira ordem) para um máximo do valor presente do
benefício líquido:16
onde P é o preço de eficiência (o preço sombra) de uma unidade adicional do poluente. Ou seja, é
a perda de benefício líquido para todo o tempo no futuro que resultaria de uma unidade adicional
na emissão do poluente ψ. É o valor social marginal de uma unidade de poluição. Por sua vez, r é
a taxa social de retorno – a taxa de desconto do futuro.
16
Para os cálculos que levaram à solução do problema de otimização dinâmica, ver Perman et al., 1996, cap. 8,
Apêndice 1.
144
Interpretando a equação (1), acima temos, do lado esquerdo, {dB t /dψ t - dD t /dψ t}, que
representa o aumento no benefício líquido no momento t, resultante do incremento de uma
unidade de ψ. Trata-se do benefício marginal líquido da produção com a emissão de poluição;
traduz o que está ocorrendo no presente (no momento t). No lado direito da equação está P, que
representa a perda de benefícios líquidos futuros ocasionada pela adição, no momento t, de mais
uma unidade do poluente. Um incremento do nosso poluente hoje aumenta o estoque de poluição
em todos os períodos futuros levando, assim, a perdas em cada um desses períodos. E a equação
(1) nos diz que, em equilíbrio, o preço sombra da poluição – o valor presente dessa perda futura –
deve ser igual ao benefício marginal líquido da produção com a emissão de poluição.
O que essa situação de equilíbrio nos diz é que, ao poluir hoje, a sociedade está abrindo
mão de um fluxo de benefícios futuros, e só vale a pena poluir até o ponto em que o que se está
ganhando hoje excede, ou no limite, é pelo igual, a esta perda futura. Se o nível de poluição for
tal que o benefício no presente é inferior ao valor presente da corrente futura descontada de
benefícios futuros sacrificados em razão da poluição, esse nível de poluição não será eficiente.
Benefício Marginal
Dano Marginal
0 ψ* ψ
O equilíbrio ao longo do tempo. Para começar, vamos supor que o meio-ambiente não
regenera nada da poluição acumulada (ou seja, que α = 0). A representação gráfica acima é
válida apenas para o momento (T). Com a passagem do tempo, entretanto, a poluição ψ* se
adiciona ao estoque do poluente, fazendo o dano total aumentar. Ou seja, a emissão de ψ faz Q
aumentar e, em conseqüência, P aumenta. A Figura 11 representa a seqüência, no tempo, de P.
145
R$
P*(T+3)
P* (T+2)
P*(T+1)
P*(T)
0 ψ
A questão é, até que ponto isso pode continuar a ocorrer? Será que o acúmulo do poluente
não tem limite? Para responder, vamos supor que a curva de benefício marginal líquido da
poluição permanece inalterada no tempo. Ou seja, nada muda nem no mercado dos produtos cuja
manufatura requer a emissão de poluentes, nem na tecnologia que estabelece a relação produção-
poluição. Fazemos essa hipótese porque não se pode afirmar nada, a priori, sobre a evolução no
tempo da curva de Benefício Marginal líquido da poluição.
Para examinar o que ocorre, nesse caso, com a passagem do tempo, sobrepomos a
evolução temporal de P, à curva de Benefício Marginal líquido. É o que se faz na Figura 12.
Benefício Marginal
Dano Marginal
P(T+n)
Benefício Marginal líquido
P(T+4)
P(T+3)
P(T+2)
P (T+1)
P* P(T)
ψ*T+n = 0
dQt / dt = ψt - α Qt .
Vamos supor que inicialmente ψt seja maior que α Qt. Haverá, portanto, um incremento no
estoque do poluente, Qt. Mas, se os agentes econômicos puderem ser levados a seguir a trajetória
de poluição ótima determinada pela teoria, esse incremento fará a poluição ótima declinar, e isso
continuará a ocorrer até que ψt = αQt. Quando isso acontecer o estoque do poluente se
estabilizará; será atingido, então, o nível de poluição de steady-state. Nessa situação, o fluxo de
emissão do poluente continuará indefinidamente no mesmo nível – a menos que haja mudança
tecnológica.
Ou seja, como se pode ver na Figura 13, a poluição que se acumula evoluirá, ao longo do
tempo, no sentido do nível de poluição de steady state, ψ (T+z), nível em que a poluição se
estabilizará. Então o preço sombra da poluição, que também se estabilizará, será P (T+z).
Benefício Marginal
Dano Marginal
P(T+z)
P (T+2)
P(T+1)
P* P(T)
0 ψ (T+z) ψ*T ψ
Poluição ótima
ψ*T
147
ψ (T+z)
T (T+z) Tempo
P(T+z)
PT
Tempo
T (T+z)
Estoque do poluente
Q(T+z)
Q(T)
T (T+z) Tempo
O steady state é atingido, para as três variáveis, no momento (T+z). Então o fluxo do
poluente (ψt) é igual à regeneração do estoque do poluente (αQt), e o estoque (Qt) se estabiliza. E
se o estoque se estabiliza, o preço sombra do poluente (Pt) também se estabiliza. E se Pt não
muda mais, o fluxo do poluente (ψt) também se estabiliza.
Tomemos o caso de poluente perfeitamente persistente; vimos que nesse caso qualquer
emissão do poluente significa estoque cada vez maior, e que o steady state requer um fluxo de
poluição zero. Um programa de controle desse tipo de poluente deve se concentrar na redução da
poluição para esse nível. A não ser em casos de poluentes extremamente tóxicos, isso não precisa
148
ser feito instantaneamente; mas a proibição total deve ser a meta do estágio final do programa. E
essa meta deve ser perseguida sem nenhum viés doutrinário em relação às medidas adotadas. Um
exemplo de estratégia desse tipo é a que vem sendo adotada para a eliminação das emissões do
clorofluorcarbono – o gás que produz o ‘buraco de ozônio’.
É importante que se evite, nesses casos, copiar afoitamente sugestões de política que
emanam dos modelos estáticos da poluição de fluxo. Seria ingênuo sugerir que se pode resolver o
problema criado por um poluente que se acumula com a criação de um imposto de poluição que
varie ao longo do tempo, acompanhando P. Acontece que, com isso estaríamos correndo atrás do
problema e não procurando evitar as conseqüências, potencialmente catastróficas, de níveis muito
elevados de concentração desse poluente. A preocupação com a sustentabilidade – com a
preservação das oportunidades de bem-estar das gerações futuras – exige, ao invés, um forte
empenho em antecipar problemas mais graves. Políticas apoiadas em instrumentos de mercado
podem ser usadas, mas em caráter supletivo. A providência mais importante deve ser a de, com
base na opinião de cientistas, e tendo em conta os riscos e as incertezas associados, especificar
metas máximas de concentração admissível do poluente, e então usar de todos os meios possíveis
para, em um prazo razoável, reduzir as emissões a um nível condizente com o atingimento dessas
metas. Se mecanismos de mercado puderem ajudar, muito bem. Mas não se deve obsessivamente
procurar apoio nestas.
É isso que vem se tentando (embora ainda sem sucesso) no encaminhamento no questão
das emissões de dióxido de carbono – o gás do efeito estufa. Chegou-se à conclusão de que a
concentração máxima desse gás deve ser menor que a atual e há um esforço em marcha, para
tentar reduzir significativamente as emissões dos principais países que geram esse poluente.
Dentre os mecanismos para tal, temos sugestões do emprego do mercado de direitos
transacionáveis a poluir, de forma a induzir países e regiões ainda não densamente povoados e
industrializados a desenvolverem atividades que produzam seqüestro de carbono – como o
reflorestamento, e outras atividades envolvendo o cultivo em larga escala e a manutenção de
espécies vegetais que absorvam (que seqüestrem) CO2 da atmosfera. O mecanismo também seria
usado para induzir a conservação de florestas. Com isso os países industrializados poderiam adiar
ou amenizar as reduções que necessitam realizar para tornar viável o atingimento das metas
fixadas por tratados internacionais. Cumpre frisar, entretanto, que o mercado de direitos
transacionáveis a poluir é apenas um dentre muitos outros mecanismos que precisam ser
acionados para evitar concentrações catastróficas de CO2 na atmosfera.
Finalmente, é importante recordar que existe ainda muita incerteza sobre os efeitos de
alguns dos principais poluentes de estoque. Essa incerteza e, em alguns casos, os impactos
potencialmente catastróficos de níveis muito elevados de concentração requerem extrema
prudência no estabelecimento de metas de concentração, acompanhada de ações ousadas e
enérgicas para o atingimento das metas fixadas.
149
Não obstante seus modelos altamente abstratos, a teoria neoclassica da poluição tem
orientação nitidamente pragmática. Quando discute, por exemplo, a 'poluição ótima', esse ótimo é
construído com base nas teorias do equilíbrio geral e do bem estar social. Refletem, assim, o
ponto de vista dos indivíduos em sociedade e não a situação e a estabilidade de ecossistemas -- o
foco de atenção de ambientalistas. Ademais, a teoria da poluição vem sendo usada na orientação
a políticas públicas, tendo inclusive originado instrumentos de mercado para o controle da
poluição. O presente capítulo avalia a orientação de tais políticas e, com exemplos simples,
discute a natureza dos principais instrumentos de política oferecidos pela análise neoclassica.
Para simplificar, vamos supor casos envolvendo poluente de fluxo, cujo impacto se faz sentir na
mesma região onde atuam os agentes poluidores. A discussão pode ser ampliada para abranger
casos mais complexos, mas a natureza dos problemas e das medidas propostas não é muito
diferente.
Esta não é uma pergunta sem sentido para corrente de pensamento que enfatiza o
funcionamento de mercados livres, com um mínimo de interferência governamental. Quando se
considera uma sociedade organizada, com um sistema legal eficiente, e com agentes econômicos
bem informados e racionais, pode parecer supérflua a intervenção ativa do estado, apoiada em um
arsenal de intervenções e políticas para assegurar a defesa do meio-ambiente. Cabe a seguinte
pergunta : por que não esperar que a negociação entre agentes econômicos, ou o acionamento do
sistema legal e judiciário, ofereçam soluções para a questão ambiental? Por exemplo, se a
poluição causa danos a indivíduos e empresas, não caberiam negociações entre os poluidores e os
prejudicados pela poluição, para chegar a um compromisso que equilibrasse os interesses das
duas partes, minimizando tais danos? Alternativamente, porque os que se sentem prejudicados
pela poluição não ingressam na justiça contra os poluidores, com ações visando reparar os danos
provocados? Se isso acontecesse, as indenizações e outras penas certamente reduziriam as ações
poluidoras.
17
Portney, Paul R., "EPA and the evolution of federal regulation". IN: Portney, Paul (edit.) Public Policies for
Environmental Protection. Washington, DC, Resources for the Future, 1990, p. 7-25.
150
muitos outros casos essa alternativa é inviável. Isso porque, entre outras coisas, o acionamento do
sistema legal exige a clara determinação de direitos de propriedade.18 O uso que um agente
econômico faz do meio-ambiente pode provocar efeitos indesejáveis sobre outros. Se os direitos
de propriedade em relação aos atributos do meio-ambiente impactados pela ação do agente,
fossem claramente estabelecidos, os proprietários poderiam exigir retribuição pelos serviços
ambientais. No caso da poluição, o atributo relevante do meio-ambiente seria, por exemplo, o de
servir de depósito para dejetos da produção ou do consumo (para a poluição); aqueles que
controlam esses atributos poderiam proibir ou limitar o uso do meio ambiente pelos agentes
poluidores, ou cobrar destes uma taxa pelo seu uso. Poderiam até vender aos que desejassem
poluir os atributos ambientais. De qualquer forma, os agentes econômicos não teriam a liberdade
de poluir; e sendo oneroso poluir, seriam induzidos a limitar a poluição.
Acontece que, tanto em princípio como na prática, é muito difícil atribuir direitos de
propriedade bem definidos a atributos ambientais. A quem deve caber a propriedade do ar limpo?
E a de um meio-ambiente não conspurcado? Não é, de nenhuma forma claro, em sociedades
modernas e complexas, com quem está o direito de propriedade desses atributos. Outra
dificuldade está em estabelecer nitidamente os responsáveis e os prejudicados pela poluição. Os
livros texto usualmente exemplificam a externalidade da poluição com o caso de uma empresa
cujos custos de produção são aumentados pela produção de outro agente econômico localizado
nas sua imediações. O custo de produção da empresa em questão depende, não só do nível de sua
produção, mas também do nível de produção do outro agente econômico.19
Uma ilustração é dada no exemplo simplificado da Caixa abaixo. Vemos ali que, ao
produzir, a Empresa A emite gratuitamente poluição, gerando externalidade negativa à Empresa
B; o custo de produção desta é afetado, além de pelo seu uso de insumos e fatores na produção
usados para produzir b, mas também pelo nível de produção (e de poluição) de A. Isso acontece
porque ninguém é dono do da capacidade de absorção de resíduos do meio-ambiente para cobrar
de A pelo seu uso. Mas o meio-ambiente afetado pelos resíduos de A aumenta os custos de
produção da empresa B, que para tal precisa retirar deste os resíduos de A.
18
Schmidt (1995, p. 46) conceitua diretos de propriedade como "um conjunto de relações ordenadas entre pessoas,
que definem suas oportunidades, sua exposição às ações de outros, seus privilégios e suas responsabilidades."
19
Um exemplo clássico de livro texto é o de uma lavanderia situada na beira de um rio do qual retira a água que usa
na lavagem, e que tem gastos causados por abatedouro de animais, localizado na beira do rio à sua montante, no qual
despeja dejetos. Assim, o custo da lavanderia depende não só do seu próprio nível de atividade ( da quantidade de
roupa que lava), mas também do nível de atividade do abatedouro. Há uma externalidade.
151
Lucro Total das duas empresas nas quantidades de equilíbrio: (Lucro total de A +
Lucro Total de B) = R$ 1.600 + R$ 1.300 = R$ 2.900.
Em suma, quem, exatamente, são os "donos" dos atributos do meio-ambiente para entrar
na justiça? E contra quem? Em tese, é possível imaginar formas de organizar as vítimas,
estabelecendo o dano sofrido por cada uma, e de identificar os vilãos, determinando a
responsabilidade de cada um. Mas, na prática isso seria muito complicado, demorado e
extremamente dispendioso.
É por essas razões que as sociedades modernas desenvolveram e, via de regra, vêm
procurando aperfeiçoar, políticas ambientais -- conjuntos de medidas que objetivam controlar os
impactos ambientais negativos provocados pela atividade econômica. Dentre estas assumem peso
elevado políticas de combate à poluição.
Ao tratarmos dessa questão, temos que ter em vista que a poluição é, por assim dizer, um
preço que se paga pela produção e pelo consumo, pelo emprego e pela renda. Não existe
153
produção e consumo sem algum grau de poluição. Assim, de um lado, temos o bem estar
associado à produção e ao consumo e, do outro, o mal estar, o dano, provocados pela poluição
decorrente dessa produção e desse consumo. Para a economia ambiental neoclássica, não se trata
de eliminar totalmente a poluição, mas de encontrar um equilíbrio entre os benefícios da
produção e do consumo e os malefícios da poluição que estes geram.
Poluição zero, portanto, pode significar produção e consumo (e renda e emprego) zero.
Via de regra, o critério da proteção de risco zero não é viável. É evidente que, se um determinado
tipo de produção envolve emanações altamente carcinógenas, as quais, dado o estado das artes,
não podem ser reduzidas a um nível em que o risco de câncer se torne aceitável, é preferível que
não haja produção, pelo menos não em zonas com alguma concentração demográfica. Mas para
muitos poluentes é mais realista aceitar que haja alguma convivência entre a produção e o
consumo e a emissão de poluentes. Ou seja, aceitamos que a sociedade está de acordo em aceita
conviver com algum risco.
(2). O critério da melhor tecnologia. Por esse critério, os agentes poluidores seriam
obrigados a adotar sempre práticas de redução da poluição as mais desenvolvidas. Já que a
poluição é um mal, cumpriria à política ambiental atuar no sentido de forçar que as emissões e os
dejetos da produção e do consumo sejam os menores possíveis. A poluição seria admitida, mas
seria exigido que esta fosse sempre mínima. Esse critério pode parecer razoável, mas padece do
defeito de ignorar o custo das medidas de redução da poluição. Para começar, quase nunca
existem tecnologias as mais eficientes, do ponto de vista físico, para reduzir a poluição. A um
custo adicional, é sempre possível reduzir ainda mais a poluição. A questão é que, com isso, o
combate à poluição poderia se tornar tão dispendioso que não valeria mais a pena produzir ou
consumir. Uma legislação que impusesse esse critério poderia inviabilizar o funcionamento de
diversos segmentos da economia, reduzindo a produção, a renda, o emprego e o consumo. Além
disso, a tecnologia é dinâmica; está sempre mudando e o critério exigiria constantes alterações
nas práticas de controle da poluição associadas a processos de produção e de consumo, com
impactos desestabilizadores sobre as empresas envolvidas.
O problema com esse critério é que sua implementação também não é fácil. No extremo,
requerer a estimativa dos custos e benefícios de cada possível alternativa, para então estabelecer
as mais adequadas. Para tal, seria necessário a expressão de todos os possíveis impactos
favoráveis e desfavoráveis em termos monetários. Entretanto, boa parte dos impactos positivos e
negativos sobre o meio ambiente não podem, com facilidade, ser mensurados e expressos em
termos monetários; trata-se de bens e males que não são transacionados em mercados. Na
verdade, a despeito dos avanços já feitos nas técnicas de valoração de custos e benefícios
ambientais dessa natureza, em muitos casos o custo de efetuar as estimativas é elevado e a
precisão das mesmas não é muito grande. Se o critério tivesse que ser aplicado por organização
ambiental do governo, esta teria que constituir um corpo técnico de enormes proporções e se
equipar fortemente, tudo a custos muito elevados.
3. Principais categorias de políticas ambientais
154
A diferença essencial entre essas duas abordagens é que a primeira estabelece por
decretos, leis, regulamentos o que os agentes econômicos podem ou não fazer em matéria de
poluição. Basicamente, são estabelecidas quantidades máximas de poluição que produtores e/ou
consumidores podem emitir por período de tempo, sob pena de repressão, multa, embargo de
atividades e, no extremo, até de prisão. Já a segunda categoria atua com incentivos e penalizações
econômicas, objetivando induzir os agentes poluidores a se comportar de forma a serem
obedecidos os padrões ambientais fixados. Partindo da idéia de que, em mercados livres, os
agentes econômicos poluem demais porque nada lhes custa poluir, a abordagem de incentivos de
mercado recomenda que se criem mecanismos para obriga-los a internalizar os custos que
impõem sobre a sociedade, com a degradação que provocam. Trata-se da implementação do
princípio do poluidor pagador. Essa é a abordagem privilegiada pela economia ambiental
neoclássica. As próximas seções enfatizam esse tipo de abordagem.
Acontece que, mesmo em condições ideais, esse ótimo não surge automaticamente do
funcionamento de mercados livres. Isso porque a poluição é umas externalidade; isto é, dado que
em situações de mercado livre poluir nada custa, os agentes poluidores são induzidos a poluir
excessivamente. Em essência, com mercados livre a poluição excede ao ótimo e a política
ambiental neoclássica prega o emprego de instrumentos pigouvianos ou semelhantes para
conduzir a um nível ótimo de poluição -- à poluição eficiente (no sentido de Pareto).
Pode-se ilustrar melhor a questão com base em esquema teórico da na Figura 1, comum
na análise da economia ambiental neoclássica. Está representado ali o benefício marginal da
poluição para uma empresa (a Empresa k) que produz um dado bem gerando a emanação de
poluentes; a poluição é uma conseqüência necessária da produção, que por sua vez está na base
dos lucros da empresa. Está representada, também a função do dano marginal da poluição, para a
sociedade como um todo. Já vimos (Capítulo 6) a explicação do formato das duas curvas
marginais. Vimos, também, que o nível ótimo do poluição (o que maximiza o bem estar social)
seria Sk0, em que o benefício marginal a poluir da empresa é igual a dano marginal da poluição
para a sociedade como um todo. Nesse nível de poluição haveria equilíbrio entre o bem estar
associado à produção e ao consumo do bem fornecido pela empresa e o mal estar gerado pela
poluição.
Acontece, entretanto, que, se poluir nada custa à Empresa k, esta vai produzir gerando
poluição no nível S*. A poluição é uma externalidade; nada custa à empresa poluir, e esta estaria
maximizando seu lucro (seu benefício) poluindo ao nível 0S*, e não no nível 0Sk0 -- o nível de
poluição ótima. E produzindo e poluindo no nível 0S* a Empresa k maximizaria seu lucro mas
não o bem estar social. Haveria poluição excessiva além de má alocação de recursos. Para a
economia ambiental neoclássica a conclusão é imediata: para fazer a empresa reduzir a poluição
que gera para o nível ótimo, 0Sk0, seria necessária a imposição de uma taxa sobre a poluição, igual
a 0T, o preço sombra da poluição. Este preço, se cobrado, levaria à poluição ótima.
156
Assim, se fosse possível replicar em modelo para uma economia real o modelo acima e
estimar o preço sombra da poluição, a solução de política para o controle da poluição seria o de
se cobrar da empresa poluidora esse imposto. No exemplo acima, se a Empresa k tivesse que
pagar 0T de imposto por unidade de poluição que emitisse seria internalizada na sua função custo
o ônus social causado pela poluição emitida e a empresa reduziria a sua poluição de 0S* para o
nível ótimo 0Sk0. E se teria atingido situação de ótimo de Pareto.
A poluição ótima é a que se obtém igualando o benefício marginal social da poluição com
o dano (o custo) marginal social da poluição; para a economia ambiental neoclássica, este é,
idealmente, o padrão a ser perseguido pela política ambiental. Entretanto, como mostraram
Baumol e Oates (1971), dado que é extremamente difícil, na prática, medir os danos marginais
sociais da poluição, acaba sendo necessária a fixação exógena de padrões ambientais. Os autores
recomendam o estabelecimento de "um conjunto de padrões reconhecidamente arbitrários de
qualidade ambiental (e.g., que o conteúdo de oxigênio dissolvido na água de um rio seja superior
a x porcento pelo menos 99 porcento das tomadas de amostra), para então impor um conjunto
de taxas sobre a emissão de poluentes em nível o suficiente para que sejam atingidos esses
padrões. Embora esses preços de uso de recursos em geral não produzirão alocações de
recursos Pareto-eficientes, (...) eles possuem importantes propriedades de otimalidade além de
outras vantagens práticas." (p. 42). Destarte, para o estabelecimento de uma política ambiental
de inspiração neoclássica também acaba se valendo de padrões ambientais determinados
exogenamente.
Conforme ilustrado no exemplo da Figura 2, a seguir, dado que a função Dano Marginal
da Poluição não é observável, uma saída está e empregar o critério do custo-eficácia. Supõe-se o
caso de uma empresa que polui para produzir, cuja função Benefício Marginal é conhecida. Com
base na ciência, as autoridades ambientais fixam o nível máximo de poluição admissível;
determina-se, então, a taxa de tributação que leve a esse nível considerado aceitável.
No caso, a poluição máxima admissível para a empresa foi fixada em Sk0. Recorde-se que,
antes da aplicação da taxa sobre a poluição, como nada custava à empresa poluir, esta produzia e
poluía ao nível 0Z, nível em que maximizava o benefício (o lucro) total da produção e da
poluição. A implantação do tributo de R$ 0τ por tonelada de poluente emitida, modifica a
situação de equilíbrio da empresa. Se esta teimar em continuar a poluir ao nível 0Z, o imposto
significará um incremento de custo total igual à área (A + B + C) do diagrama. Entretanto, o
custo líquido para a empresa k de reduzir suas emissões, de 0z para o nível aceitável, 0Sk0, seria
apenas igual à área B; esse custo corresponderia à diferença entre a redução no imposto
determinada pela queda de poluição (A+B) menos a redução do benefício total decorrente da
redução de poluição do nível Z, para Sk0 (área A). Assim, a empresa perderia menos reduzindo a
poluição para 0Sk0 do que se continuasse a produzir e poluir no nível anterior. Nesse nível de
poluição, estaria minimizando suas perdas ocasionadas pela aplicação do imposto sobre a
poluição.
157
C A B
Benefício Marginal da Poluição
Emissão de Poluente S
0 Sk0 Z (Empresa k)
Note-se que a taxa de R$ 0τ por tonelada de poluente é taxa ótima no sentido de que induz
a empresa k a reduzir a poluição ao nível considerado adequado pelas autoridades ambientais. E
isso acontecerá desde que a empresa adote comportamento maximizador de lucros.
4.2 Solução de comando e controle versus solução via taxa sobre a poluição
que a usina 2 poluiria ao nível 0W. Em conjunto, as duas emitiriam a quantidade (0V + 0W) por
período de tempo, bem mais que o máximo admitido pelas autoridades ambientais (0S).
Como parcelar a redução das emissões entre as duas empresas? Pelo critério do comando
e controle as autoridades poderiam, por exempla, dividir igualmente o total 0S entre as duas,
ficando cada usina autorizada a emitir apenas 1/2 0S. Será que é possível melhorar a solução?
Figura 3 -- O caso de duas usinas termoelétricas com benefícios marginais a poluir diferentes
BMg1
BMg2
BMg1 BMg2
0 Q1 Q2 S Emissão de SO2
½S
159
Na figura 4, as funções de benefício marginal a poluir das duas usinas é combinada para
representar quanto de SO2 as duas, em conjunto, emitiriam a cada nível da taxa. É o que se pode
ver na curva (BMg1 + BMg2): se a taxa fosse fixada ao nível 0R, poluir seria tão dispendioso que
ambas as usinas cessariam de produzir energia. Se a taxa fosse 0Z, apenas a usina 2 produziria e
poluiria, pois seria muito dispendioso para a usina 1 produzir (e poluir). E se a taxa fosse fixada
ao nível 0τo, maximizando seus lucros a usina 1 emitiria 0Q1 de SO2, a usina 2 emitiria 0Q2 do
poluente, e a soma a poluição das duas seria igual a 0S, conforme se pode ver a partir da curva
(BMg1 + BMg2). Em outros níveis da taxa de poluição, o nível de poluição combinada das duas
usinas é dado por esta curva; já a quantidade de emissão do poluente de cada uma delas é dada
pela respectiva curva individual.
É interessante notar que, na solução com a taxa 0τo, não há divisão igual do nível máximo
de emissão do poluente admitido, 0S, entre as duas usinas. Maximizando seus lucros, a usina 1
emitiria bem menos do poluente que 1/2 de 0S, e a usina 2 emitiria bem mais que esse montante.
É que a usina 2 é mais eficiente que a usina 1, gerando bem mais benefício (lucro) a partir de
cada nível de emissão de SO2.
Na verdade, é fácil ver que a divisão eqüitativa de 0S entre as duas usinas não seria uma
solução eficiente. Se cada usina pudesse emitir até a metade de 0S, o benefício (lucro) total de
cada usina seria igual à área em baixo da respectiva curva de benefício marginal, da origem até
½0S. E, com sua maior eficiência a empresa 2 teria um lucro bem maior que a empresa 1. Na
verdade, aquela empresa teria um ganho líquido positivo de ressarcisse a empresa 1 por queda de
lucro total causada pela redução de poluição do nível 0½0S para o nível 0Q1, desde que pudesse
aumentar a sua poluição, de 0½0S para 0Q2. Com esse rearranjo de produção (e de poluição) a
redução no lucro da empresa 1 seria igual à área Q1AC½0S, e o aumento de lucro da empresa 2
seria igual à área ½0SDEQ2; e é visível na figura 4, que esta última área é bem maior que a área
que corresponde à queda de lucro da empresa 1. Assim, a mudança do critério de comando e
controle para o de incentivo de mercado (pela cobrança da taxa sobre a poluição) produziria um
aumento líquido no lucro combinado das duas empresas. Haveria, assim, um aumento de
eficiência (segundo o critério de Pareto) da economia.
Uma empresa tem duas opções em face aos certificados que recebe; uma é a de usa-lo na
produção até o limite máximo de poluição a ele associado; e outra é a de vender, em parte ou no
todo, os certificados que recebeu a outras empresas, que desejam ampliar sua produção acima do
permitido pelo seu limite de poluição. Há um mercado para esses certificados, regulado e
vigiado, mas livre. Procura-se fazer com que funcione o mais próximo possível de um mercado
em concorrência perfeita.
Uma ilustração. Pode-se demonstrar que um esquema desses chegaria a resultados muito
parecidos com o da solução da tributação da poluição. Usamos o mesmo exemplo acima, de duas
usinas termoelétricas que, para gerar e vender energia precisam poluir; existe um limite máximo
para a poluição -- ver o diagrama da Figura 5.
Figura 5 - Uso de incentivos de mercado: o funcionamento de mercado de direitos a poluir
Z
.
Po
(BMg1 + BMg2)
BMg1 BMg2
0 Q1 Q2 S Emissão de SO2 .
½0S Certificados de direito a poluir.
O diagrama mostra as curvas de benefício marginal das duas usinas e a combinação destas
em uma função (BMg1 + BMg2) que, como veremos, se constitui na demanda conjunta das
empresas por certificados a poluir. O nível máximo de emissões de SO2 por período de tempo
admitido é igual a 0S. É o máximo que as empresas 1 e 2, em conjunto, podem poluir por
161
período de tempo. Por hipótese, cada empresa recebe ½ 0S de certificados. Cada uma pode, ou
usar todos os seus certificados na produção, ou vender uma parte no mercado, reduzindo sua
produção, ou ainda comprar certificados no mercado, ampliando a sua produção.
Suponhamos, agora, que o preço de mercado do certificado fosse 0P2. Nesse caso,
agindo racionalmente, a empresa compraria a quantidade SkH de certificados no mercado, e
ampliaria sua produção para o nível 0H de emissão de SO2. Fazendo isso, a empresa teria um
aumento de custo no montante do gasto com os certificados (área SkFGH na Figura 6), mas
realizaria um incremento de lucro igual a área em baixo da sua curva de BMg, entre Sk e H (a
área SkEGH). Ao preço P2, compensaria à empresa comprar certificados transacionáveis a poluir
e ampliar sua produção; com isso estaria tendo um lucro adicional igual a área do triângulo EFG.
Note-se que o nível máximo de emissões de SO2, 0S, será atingido com as empresas
usando quantidades diferentes de certificados que os que receberam inicialmente. A usina 1
recebeu 0½0S de certificados mas acabou vendendo Q1 ½0S para a usina 2; e esta comprou os
certificados da usina 1 para ampliar sua produção. Entretanto, isso é feito mantendo a meta de
poluição máxima fixada pelas autoridades ambientais, e assegurando um ganho adicional, em
relação ao que as empresas teriam se produzissem usando integralmente a sua dotação inicial de
certificados. A mensagem neoclássica é: o funcionamento adequado do mercado de certificados
não só gera o resultado estabelecido pelas autoridades ambientais com economia de esforço e
coerção, como produz uma melhoria de eficiência segundo o critério de Pareto.
A Figura 7, representando a situação de uma empresa, ilustra o que pode ocorrer no longo
prazo. Suponhamos que tenha sido adotado o critério do imposto a poluir; antes da introdução do
imposto, a empresa maximizava o seu lucro sem tomar em conta a externalidade da poluição.
Poluía no nível 0W; o seu nível de contenção da poluição seria, pois, zero. Com o
estabelecimento do imposto no nível λ, entretanto, num primeiro momento a empresa é induzida
a reduzir sua poluição para o nível 0Q. Mas com o tempo passaria a procurar formas de reduzir o
custo por unidade de contenção da emissão do poluente, com a adoção de novas tecnologias.
Suponhamos que tais tecnologias fizessem sua curva de benefício marginal da poluição se
deslocar para a esquerda, de BMg a BMg’. Com isso, seria possível à empresa maximizar o seu
lucro reduzindo a poluição para 0Q'. E faria isso sem sacrificar muito sua produção. Na situação
de curto-prazo a redução da poluição só ocorre se houver redução da produção, pois a poluição
por unidade de produto não se altera. No longo prazo, graças à mudança tecnológica a empresa
pode reduzir a poluição mantendo ou mesmo aumentando sua produção, mas emitindo bem
menos poluição por unidade de produto.
λ
BMg
BMg'
A primeira vista, pode parecer que não é interessante à empresa adotar a nova tecnologia.
Isso porque esta faz com que a curva de BMg' se situe sempre abaixo da curva BMg, indicando
para cada nível de poluição um benefício total menor com a nova tecnologia do que sem esta.
Recorde-se, porém, que embora a poluição de equilíbrio após a mudança tecnológica seja menor
que a poluição de equilíbrio antes da mudança, a produção de equilíbrio tende a ser maior ou
igual que antes. Além disso, a queda do nível de poluição, de 0Q para 0Q', traz significativa
redução no gasto com o imposto sobre a poluição [igual a (QQ' x λ)]. É evidente que se poluir
nada custasse, a empresa não adotaria a nova tecnologia pois esta reduziria, de forma inequívoca,
o seu lucro total; mas com o imposto, poluir se torna dispendiosos e pode compensar a introdução
de tecnologia que faça a poluição associada a cada nível de produção ser bem menor.
APÊNDICE
Suponhamos dias empresas produtoras de energia termoelétrica, produção essa que resulta
na emissão de dióxido de enxofre. São as seguintes as equação de benefício marginal dessas
empresas:
Sem restrições a poluir, cada uma das empresas maximizaria seu lucro emitindo 20
unidades de poluição/ período. A poluição conjunta seria (q1 + q2 ) = 40 unidades/período
(explique por que).
A poluição, entretanto, tem efeitos maléficos sobre a saúde, o que leva às autoridade
ambientais a fixar um teto máximo da poluição conjunta, de 19 unidades/período. Fazem isso
deixando claro que a ultrapassagem desse teto será fortemente reprimida. Como dividir as 19
unidades entre as duas empresas?
Uma alternativa -- uma solução de comando e controle -- seria a de dividir o máximo total
admissível de emanações igualmente entre as empresas, cabendo a cada uma a quota de 9,5
unidades de emissões/período. As funções de Benefício Total correspondentes às funções
marginais acima são:
Vimos que existe duas vertentes para políticas de incentivos de mercado: a da tributação
ótima da poluição, e a do mercado de certificados para poluir. Nosso exemplo examina como
operam as duas.
Trata-se de estabelecer um tributo por unidade de poluição que minimize o custo conjunto
das duas empresas, de conter as emanações do poluente em 21 unidades/período, fazendo com
que seja atingida a meta de poluição total máxima estabelecida pelas autoridades ambientais (19
165
BMg1
4.000
3.000
2.000
1.000
q1
0 2 4 6 8 10 12 14 16 18 20
BMg2
2.000
q2
0 2 4 6 8 10 12 14 16 18 20
Para começar, qual o custo para as empresas de uma redução de sua emissão do poluente?
Este corresponde, em essência, à queda de lucro que resulta de tal redução. Quanto maior a
redução da poluição que a empresa tiver que efetuar, mais alto o custo em termos de lucro (de
Benefício Total) sacrificado. Com base na função de Benefício Marginal de cada empresa, pode-
se, pois, obter sua equação de Custo Marginal de reduzir emissões (de despoluir).
CMg1 CMg2
(Custo Marginal a (Custo Marginal a
despoluir de 1) despoluir de 2)
166
4000
2000
re1 re2
20 20
Com base nas equações de custo marginal de despoluir das duas empresas, pode-se
determinar o tributo por unidade de poluição emitida que minimiza o custo da redução da
poluição no conjunto das duas empresas. Vamos começar com a solução algébrica: trata-se de
exercício de minimização condicionada. As equações de Custo Total a despoluir (obtidas das
respectivas equações marginais), são:
Resolvendo esse sistema de equações, chegamos aos seguintes valores para as três
variáveis: re1 = 7 unidades de redução da poluição por período; re2 = 14 unidades; e λ = R$
1.400.
(1) a redução para 21 unidades de emissões por período que minimiza o custo da
despoluição requer que CMg1 = CMg2;
(2) o tributo por unidade de poluição emitida por qualquer uma das fontes de emissão é o
valor de equilíbrio de λ, ou seja, R$ 1.400 por unidade de poluição. Se for fixado esse nível do
tributo, maximizando seu lucro a empresa 1 reduzirá sua poluição de 20 unidades por período,
para 14 unidades, e a empresa 2 reduzirá as suas emissões, de 20 unidades para 7 unidades por
período. Nesses níveis de emissões, o custo marginal de despoluir de ambas as empresas será de
R$ 1.400, o montante de λ na solução de equilíbrio – o preço sombra da poluição; e,
167
(3) o custo de reduzir a poluição para as duas empresas será de R$ 4.900,00 para a
empresa 1, e de R$ 9.800,00 para a empresa 2, num total de R$ 14.700,00. Note-se que esse custo
é menor que o obtido na solução de comando e controle -- a da divisão igual do máximo
estabelecido para poluir -- (R$ 16.537,50). Pelo critério de Pareto, a alternativa da tributação é
mais eficiente que a da divisão igual do teto máximo.
Esse mesmo resultado pode ser obtido com a ajuda de diagrama. Na Figura 3, a seguir a
função Custo Marginal de reduzir a poluição da empresa 1 está representada normalmente, com a
redução de poluição, re1, aumentando da origem para a direita, no eixo horizontal, e o CMg1
representado no eixo vertical do lado esquerdo. O diagrama de Custo Marginal de despoluir da
empresa 2, entretanto, é representado invertido, com sua origem situada no nível de redução de
poluição de 21 da empresa 1; este é o nível zero de redução de poluição da empresa dois; sua
redução aumenta no sentido da direita para a esquerda, atingindo 21 unidades por período no
nível zero de emissões do poluente da firma 1 (na origem de 1). O Custo Marginal de reduzir sua
poluição da empresa 2 é representado no eixo vertical do lado direito.
Por que o nível máximo de redução da poluição de cada empresa é fixado em 21 unidades
por período de tempo? Simplesmente porque esta é a meta de redução da poluição determinada
pelas autoridades ambientais. O diagrama mostra que se coubesse apenas à empresa 1 reduzir a
poluição, a empresa 2 não teria que despoluir nada; e vice-versa, se a despoluição de 21 unidades
fosse feita pela empresa 2. Como usualmente a despoluição não cabe apenas à uma das empresa,
o diagrama superposto mostra qual a parcela da redução de 21 unidades na emissão do poluente
que cabe a cada uma das empresas. Mostra, também, o custo marginal de despoluir que cada uma
tem a cada divisão possível da responsabilidade de reduzir a poluição.
4.000 . . 4.000
3.000 . . 3.000
2.000 . 2.000
1.000 . . 1.000
re1
0 4 7 21
re2 . .
21 14 0
Não deve restar dúvida de que essa solução minimiza o custo para as duas empresas.
Suponhamos, por exemplo, que a divisão fosse alterada, ficando a empresa 1 com a incumbência
de reduzir em apenas 4 unidades suas emissões, e cabendo à empresa 2 ampliar sua redução de
poluição para 17 unidades por período, mantendo-se o tributo da poluição em R$ 1.400 por
168
unidade. Verifica-se que essa situação não seria boa para nenhuma das duas empresas. Reduzindo
sua contenção de poluição em 3 unidades, a empresa 1 teria uma redução de custo de contenção
da poluição igual a R$ 3.300, mas teria que pagar R$ 4.200 de imposto para ampliar em três
unidades sua poluição; teria, pois, um prejuízo (uma redução de benefício total) de R$ 900 com
essa nova divisão. Por sua vez, aumentando sua contenção da emissão do poluente para 17
unidades, a empresa 2 teria uma redução de R$ 4.200 no pagamento do imposto a poluir, mas o
seu custo de ampliar a contenção da poluição (de 14 a 17 unidades) seria de R$ 4.650. A empresa
2 teria, pois, uma queda de lucro de R$ 450 em relação à solução de equilíbrio.
Cada empresa decidirá comparando o preço do certificado com o seu benefício marginal
ao nível da sua dotação inicial de certificados (9,5 unidades). Para a empresa 1, ao nível de 9,5
unidades de emissão do poluente o benefício marginal seria de R$ 2.100, muito superior ao preço
do certificado. Seria, portanto, vantajoso à empresa comprara certificados no mercado e aumentar
sua produção (e poluição). Ao fazer isso, o seu benefício marginal diminuirá, mas enquanto este
ficar acima do preço do certificado, a empresa será induzida a comprar; e comprará certificados
até seja atingido o seu nível de produção e poluição de equilíbrio, em que seu benefício marginal
a poluir é igual a R$ 1.400, o preço do certificado. Na posição de equilíbrio, sua emissão total do
poluente totalizaria 14 unidades por período, sendo 9,5 unidades asseguradas pelos certificados
que recebe inicialmente, e 4,5 unidades decorrentes de certificados adquiridos no mercado.
20
É difícil imaginar um mercado em concorrência perfeita com apenas dois agentes demandadores. Uma
aproximação poderia existir se os certificados fossem leiloados, a cada período, por instituição independente. Na
verdade, o exemplo é simplificado; na vida real esquemas de certificados transacionáveis envolvem um número
relativamente elevado de empresas poluidoras.
169
4.000 .
3.000 .
1.400
1.000 .
BMg2
BMg1
SO2
0 2 4 6 8 10 12 14 16 18 20 22
E quem venderia essas 4,5 unidades? Evidentemente, a empresa 2. À sua dotação inicial
de 9,5 unidades o benefício marginal a poluir de 2 seria R$ 1.050, bastante inferior ao preço do
certificado (R$ 1.400). Para a empresa compensaria reduzir sua produção (e poluição) e vender
parte de seus certificados no mercado. Ao reduzir sua poluição, entretanto, o seu benefício
marginal aumentará. E continuaria a fazê-lo até o nível em que seu benefício marginal se torne
igual ao preço do título; isso ocorreria no nível de emissão do poluente de 6 unidades. Ou seja, a
empresa 2 usaria seus certificados produziria para produzir emitindo apenas 6 unidades do
poluente e venderia certificados correspondentes a 4,5 unidades de emissão do poluente à
empresa 1. E ambas, em conjunto, produziriam emitindo o máximo de 19 unidades do poluente
determinado pelas autoridades ambientais.
Note-se que pelo esquema dos certificados transacionáveis de poluir se atingiria a mesma
alocação ótima do máximo admitido de poluir, com uma enorme economia de informações. As
autoridades ambientais precisam apenas estabelecer a poluição máxima; não necessitam saber
nada sobre o funcionamento das empresas, suas funções benefício marginal, etc. Evidentemente,
precisam controlar o desempenho destas, evitando que transgridam o padrão de poluição
estabelecido.
170
Isso transparece claramente nos modelos acima examinados. Destes emanam a conclusão
de que, com base principalmente em mecanismos de mercado, complementados com
instrumentos de internalização de custos ambientais – tributos pigouvianos, licenças negociáveis
para poluir – a sociedade pode atingir um ótimo de Pareto. Ou seja, a economia pode ser levada a
um nível ótimo de poluição, nível este estabelecido com base na preferência dos indivíduos em
sociedade. Atribui-se a estes a capacidade de determinar claramente o equilíbrio entre o
desconforto da poluição resultante da produção e do consumo de bens e serviços, e a satisfação
proporcionada pelo consumo destes, e de compreender inteiramente as implicações -- presentes e
futuras -- da degradação ambiental.
Com efeito, a teoria supõe que a poluição ótima é ambientalmente sustentável, mesmo
num horizonte temporal mais extenso. Alega-se que essa sustentabilidade é garantida pela
suposição de que, quando externam preferências nos mercados, considerando os mencionados
tributos e licenças negociáveis, os agentes econômicos possuem todas as informações relevantes,
inclusive, presumivelmente, sobre os impactos ambientais mais distantes de suas ações.
poluição, mesmo que soubesse avaliar esse tipo de riscos corretamente o que, por sua vez,
também é bastante duvidoso (Pezzey, 1989, p. 12).
Esse tratamento dos problemas da poluição reflete bem a hipótese fraca atenuada da
análise ambiental neoclássica. O meio-ambiente é considerado um espaço neutro, benigno, ao
qual se pode poluir em maior ou menor grau, com reações previsíveis e reversíveis. Uma
conseqüência da adoção da hipótese ambiental tênue está no flagrante otimismo das avaliações
apoiadas nos seus esquemas analíticos. Existem duas visões de futuro: a dos que acreditam em
porvir de crescente e ilimitada prosperidade, apoiado na evolução da ciência, da tecnologia e da
organização social; e a daqueles que se preocupam com a fragilidade dos sistemas ambientais e
sociais, com a elevada taxa de crescimento da produção e, especialmente em partes do nosso
globo, da população, e com a possibilidade da ocorrência de efeitos indesejáveis da tecnologia.
Os economistas ambientais neoclássicos se incluem, claramente, entre os que detêm a primeira
dessas visões. Sem dúvida, esta tem muito a ver com a hipótese ambiental adotada.
21 No seu modelo dinâmico, D'Arge e Kogiku (1973, p. 63), economistas neoclássicos, incorporam a noção de
patamar mínimo crítico e mostram que se pode obter cenários preocupantes dos mesmos.
172
nível de poluição ótimo que não apresente conseqüências irreparáveis de mais longo prazo sobre
o meio-ambiente.
Como vimos, a teoria neoclássica se apoia em visão simplista das inter-relações entre o
sistema econômico e o meio-ambiente. Existem considerável incerteza sobre os efeitos globais de
muito longo prazo da poluição, não devidamente considerados pelo mainstream da economia
ambiental. Afastando, liminarmente, a idéia de que os economistas ambientais neoclássicos
ignoram esses problemas – dentre eles se incluem pessoas com vastos conhecimentos e
experiência – é de se crer que estes supõem que as atividades potencialmente poluidoras
continuarão a se restringir a um número reduzido de países – os países do Primeiro-Mundo – nos
quais supostamente o fenômeno pode ser mantido sob controle. Se fossem incorporasse todas as
implicações do critério da sustentabilidade, o mainstream de economia ambiental teria que
registrar preocupação em relação às complicações e incertezas associadas aos impactos de longo
prazo da poluição ótima sugerida por seus modelos.
22 No grupo de "industrializados" do nosso exercício foram incluídos os 24 países da OECD e os países da antiga
União Soviética. No grupo das economias em desenvolvimento estão os demais países. Reconhece-se que alguns dos
componentes do primeiro grupo (por exemplo, as repúblicas mais atrasadas da antiga União Soviética) deveriam
estar no segundo grupo, e que alguns países (por exemplo, a Hungria) deveriam sair do grupo de países em
desenvolvimento. Porém, a falta de dados impediu arranjo melhor. Os dados usados na projeção são do World
Resources Institute, 1998, Tabelas 7.1 (população) e 16.1 (emissão de CO2 oriundas da queima de combustíveis
fósseis e da manufatura de cimento).
pois, quase 2,4 vezes superiores às de 1995. O mais interessante é que 29% dessas emissões se
originariam nos países industrializados, e 71% nos países em desenvolvimento.24
É importante lembrar, também, que as emissões de outros gases poluentes e de resíduos
sólidos dos processos de produção e consumo, apresentariam incrementos semelhantes. O ponto a
ressaltar é que dificilmente o ecossistema global teria condições de assimilar sem maiores
conseqüências níveis tão elevados de poluição. A situação do final do século XX já era
considerada preocupante, a ponto de o Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas,
reunido no fim da década de 1980 sob os auspícios das Nações Unidas, ter concluído que, para
que sejam evitadas catástrofes climáticas no futuro, as emissões de CO2 precisam ser reduzidas a
um nível não superior a 60% das registradas no fim dos anos 80; só assim se estabilizariam as
concentrações de CO2 na atmosfera,25 afastando as ameaças do efeito-estufa.
Não há como escapar, pois, da conclusão de que, com sua hipótese de meio-ambiente
passivo e com seu otimismo em face do desenvolvimento tecnológico, a economia ambiental
neoclássica está implicitamente supondo a manutenção do status quo atual -- o de uma expansão
econômica restrita principalmente aos países industrializados e a uns poucos recém-chegados. Só
assim a poluição poderia ser mantida sob controle, e os instrumentos de política apoiados no
funcionamento do mercado teriam condições de sustentar o paradigma da poluição ótima.
Umas palavras de cautela. As críticas acima não significam que a abordagem neoclássica
à poluição de nada vale. Na verdade, a mesma tem muito a oferecer para concepção de estratégias
e políticas de médio prazo para enfrentar problemas decorrentes de vários tipos de poluição.
Existem duas categorias de políticas ambientais: políticas de comando e controle, apoiada em
leis, decretos, tratados, etc. E políticas de estímulo de mercado, como, por exemplo, as do
tributo pigouviano e dos direitos negociáveis à poluir. A economia ambiental neoclássica tende a
repudiar as políticas de comando e controle e a propor políticas de estímulo. Estas ofereceriam
formas ágeis de controle da poluição e promoveriam a eficiência na alocação de recursos. Trata-
se, entretanto, de instrumentos úteis apenas para os casos de poluição de fluxo, principalmente as
de impacto localizado. O princípio do poluidor pagador, de crescente aceitação em várias partes
do mundo, é uma decorrência da teoria neoclássica da poluição.
As críticas têm o sentido de afirmar que problemas mais graves e de impacto global,
como por exemplo, os do efeito estufa, resultante da acumulação de dióxido de carbono na
atmosfera, não podem ser adequadamente enfrentados apenas com o arsenal de medidas apoiado
na teoria neoclássica da poluição. Em certas circunstâncias os instrumentos de comando e
controle – que podem vir acompanhados de estímulos – são a única alternativa viável para
enfrentar um dado problema. É por essa razão que, desde 1992 as principais nações do nosso
planeta vêm tentando, numa série de reuniões internacionais, encontrar formas de promover uma
24 Em 1989 as proporções de emissão industrial de CO dos dois blocos foram quase as inversas: os países
2
industrializados contribuíram com 61% e os em desenvolvimento, com 39%.
ampla redução nas emissões de gases do efeito estufa – notadamente as dos principais países
industrializados. E a solução para esse problema, que ameaça a estabilidade, senão a
sobrevivência, da sociedade humana, terá que ser obtida no contexto da abordagem de comando e
controle. A teoria ambiental neoclássica tem pouco a oferecer de concreto para a solução do
problema.
III. 3 TEORIAS NEOCLÁSSICAS DOS RECURSOS NATURAIS
Vimos, no Capítulo 2, que a teoria dos recursos naturais está voltada à análise de
aspectos dos processos de extração pelo sistema econômico, de recursos naturais do ecossistema.
Neste campo, desenvolveram-se teorias e modelos voltados essencialmente à respostas das duas
seguintes ordens de questões:
1. Qual o padrão ótimo de uso de recursos naturais específicos? O que deve guiar o
manejo ótimo de tais recursos? Qual a taxa ótima de depleção de um recurso não
renovável? Como manejar adequadamente um recursos renovável mas que pode ser
exaurido por extração excessiva? E,
2 Nem sempre é nítida a distinção entre essas duas categorias de recursos naturais. Que tipo de recurso é, por
exemplo, uma espécie de peixe que desaparece como conseqüência de pesca a taxas superiores à taxa de renovação?
E um minério cujas reservas crescem exponencialmente em decorrência da pesquisa e da exploração?
177
Este capítulo esboça, em linhas gerais, a análise neoclássica dos recursos naturais não
renováveis. É apresentação simplificada da abordagem neoclássica; ressalte-se, entretanto, que se
trata de campo extenso, que inclui uma grande variedade de estudos e modelos cobrindo aspectos
da questão. As próximas seções apresentam a abordagem microeconômica da teoria – a que trata
de recurso específico; o capítulo seguinte avalia a abordagem neoclássica à questão: será que a
disponibilidade limitada de certos recursos naturais pode oferecer restrições físicas ao
crescimento econômico?
O planejador também verificaria que, dadas as reserva do recurso, na solução ótima o seu
custo de oportunidade (o sue royalty), teria que aumentar no tempo à taxa igual a taxa de
desconto. Assim, à medida que o recurso for sendo extraído, a eficiência requer que, dada a
técnica de extração, o preço do recurso aumente no tempo, e que esse crescimento ocorra a uma
taxa que, no limite, se aproxima da taxa social de desconto. A teoria demonstra que o preço do
recurso deve continuar a aumentar até que, por se tornar muito caro o recurso, desapareça a sua
demanda, ou até que passe a ser viável usar um substituto do recurso que, no início, tinha custo
muito alto para poder ser empregado.
Há, evidentemente, versões bem mais complexas e sofisticadas do modelo. Pode-se, por
exemplo, supor que, a um custo, vão sendo descobertas novas reservas do recurso, ou que
ocorram inovações que reduzam o custo de extração. Esses fatores explicam, por exemplo,
porque o preço do petróleo, um recurso exaurível, caiu ao invés de aumentar, ao longo da década
de 1980 e boa parte da de 1990.
179
1. Elementos do problema
P = CMg + R.
P = preço do recurso.
CMg = custo marginal de extração.
R = Royalty; custo de oportunidade.
y = Quantidade do recurso extraída
e vendida
P*
} Royalty R* (Note-se que R = P – CMg)
CMg
Demanda
y* y
3 Solow (1974, p.8) faz ironia com o comportamento conservacionista do monopolista. "...o divertido é que, se o
conservacionista é aquele que deseja ver os recursos conservados além do horizonte determinado pela competição,
então o monopolista é amigo do conservacionista. Sem dúvida, ambos se surpreenderiam se soubessem disso."
180
CMg
0 yo y
Para todo o horizonte temporal, esse benefício social líquido é igual a soma dessas áreas,
referentes a cada período. Ou seja, a soma de:
O problema requer que se calcule o nível de produção em cada um dos períodos, que
maximize a soma descontada, ao longo dos dois períodos, do benefício líquido. Suponhamos que
a taxa social de desconto seja de 10% ao ano (r = 0,10). Para resolver o problema, maximizamos
a expressão:
yo y1
L = ∫ [(10 - yo) - 2] dy + ∫{[(10 - y1 ) - 2] dy'}/ (1 + 0,10) + λ [10 - yo - y1 ]4
0 0
4
A integral ( ∫ ) indica que se está determinando a área em baixo da curva de demanda entre a origem e o nível de
extração considerado. No caso da figura 2, por exemplo, seria a área em baixo da demanda entre 0 e yo, menos o
retângulo em baixo da curva de custo marginal, também entre 0 e yo. Trata-se do benefício líquido da extração 0 yo
do recurso. No exemplo numérico faz-se isso para os dois períodos de extração.
181
δL/δλ = 10 - yo - y1 = 0
po = $ 4,86; e, p1 = $ 5,14.
Observe-se, também, que se a taxa social de desconto for mais elevada, o uso do minério
no primeiro período será maior, sobrando menos para o segundo período. No nosso exemplo, se
fizermos a taxa social de retorno, r = 20%, yo será 5,28 toneladas, sobrando para y1 apenas 4,72
toneladas. Quanto maior a taxa de desconto, mais rápido será o esgotamento do recurso natural
disponível em quantidade fixa.
A trajetória do preço. Com base em modelo gráfico desenvolvido por Perman et al.,
(1996, cap. 6), é possível determinar a trajetória no tempo, tanto do preço do recurso não
renovável, como de sua produção. Os elementos para a análise estão na Figura 3, a seguir. São
feitas as mesmas hipóteses acima: a da disponibilidade fixa do recurso, a de que a demanda não
muda, a do custo marginal de extração constante, e a do mercado competitivo para o recurso.
Preço (Pt)
(Pt = CMg + Rt)
rt
PT Pt = Po e
Demanda
Po
Tempo (t)
Ou seja, a trajetória ótima de extração do recurso requer que o preço do mineral cresça no
tempo a uma taxa igual a taxa social de desconto; é o que ocorre do diagrama. O royalty aumenta
cada vez mais, chegando a predominar na composição do preço. E, ceteris paribus, será atingido
um momento no tempo em que o preço se tornará tão elevado que a demanda cairá a zero.
Esse é o caso mais drástico. Pode-se argumentar, entretanto, que existem recursos que
possuem um sucedâneo que, pelo menos inicialmente, não é usado porque o seu custo marginal
de produção é mais elevado que o preço no momento inicial (Po) do nosso recurso. Entretanto,
como o preço do recurso aumenta com a sua extração, cedo ou tarde será atingido um momento
no tempo em que P ultrapassará o custo marginal do sucedâneo (CMg’), tornando viável o seu
uso. Na verdade, se esse substituto for considerado perfeito, cessaria a extração do recurso e o
sucedâneo passaria a ser usado no seu lugar. A trajetória do preço seria, pois, a da Figura 4.
Z
Algebricamente, o preço máximo é: PZ = CMg’ + Ro (1 + r) . E este é inferior a PT, o
preço que anula a demanda.
Figura 4: Trajetória do preço com a existência de sucedâneo de custo marginal mais elevado
Preço
Po
CMg (o CMg de extr. do minério)
Tempo
Produção (y)
Tempo
Produção (y)
Tempo
Descobertas
No que se segue, o modelo gráfico acima é empregado para analisar, em linhas gerais, o
efeito de mudanças, como a de aumento na demanda do recurso, de redução no custo marginal de
extração, ou de incremento no estoque do recurso. Como se verá, cada uma dessas mudanças
resultará em alterações nas trajetórias de extração e do preço. A análise considera cada mudanças
em isolamento, mantendo todo o resto constante.
Po’
D’ Po
Do
t
y yo’ yo T’ T
T’
PT
Po
D Po’ CMgo
CMg’
y yo’ yo T’ T t
T’
PT
Po
D Po’
CMg
0 t
y yo’ yo T T’
T’
t
187
A evolução após o momento inicial é semelhante à que ocorreria sem a descoberta; com a
extração do recurso, diminui o seu estoque e aumenta R, fazendo o seu preço se elevar. E isso
continuará a ocorrer até que seja atingido o preço PT, fazendo desaparecer a demanda pelo
recurso. Como se pode ver no quadrante superior direito da Figura 9, as duas trajetórias do preço
do recurso são semelhantes, situando-se a do estoque aumentado pela descoberta acima da
decorrente do estoque antes dessa descoberta. E, como há mais do recurso para extrair, o
momento do tempo em que o preço atinge o nível PT aumenta de 0T para 0T’. E, como se pode
ver, quando ocorre a descoberta, a produção aumenta, dando origem a um perfil da trajetória da
produção semelhante ao da Figura 6, acima.
Vamos indicar na Figura 10, adiante, o que acontece se houver monopólio na exploração
do recurso. Como se sabe, a regra de maximização de lucro do monopolista requer que este
produza ao nível que iguale o custo marginal, não o preço do recurso (como ocorre no caso de
concorrência perfeita), mas à sua receita marginal. Se a curva de demanda for negativamente
inclinada, isso implica que o monopolista estará restringindo a produção para obter um preço
mais alto do que o que prevaleceria em regime de mercado de concorrência perfeita.
PT
Pom
Po
D CMg
RMg y o’ 0
y yo t
T T’
T’
Como se pode ver na Figura 10, o monopolista restringe sua produção relativamente à da
solução competitiva, visando aumentar o preço do recurso. Ademais, inicialmente o preço
188
aumentará mais lentamente que na solução competitiva. E, o horizonte temporal ao longo do qual
o recurso será extraído é maior que na solução competitiva; nesta última
Foi em cima desse resultado que Robert Solow (1974, p. 8) comentou, com certa dose de
ironia:
“Não é difícil demonstrar que, em face a uma mesma curva de demanda, via de regra, o
monopolista exauriria uma mina mais lentamente que um mercado. (...) O aspecto divertido
(dessa constatação) é que, se um conservacionista é alguém que deseja que recursos sejam
conservados além do que ocorreria mediante o funcionamento do mercado livre, então o
monopolista é aliado do conservacionista. Sem dúvida, ambos se surpreenderiam se
soubessem disso.”
• Divergência entre as taxas privada e social de retorno. Se a taxa privada for maior que a
social e se esta for incorporada no processo de decisão intertemporal, a depleção do recurso será
muito rápida.
• Complicador – o impacto das incertezas, que são muito grandes nos casos de minérios.
1. Os estudos empíricos
de oportunidade) do recurso não renovável. Como vimos, é de se esperar que a renda aumente a
medida que se reduza a disponibilidade do recurso. Assim, se a tendência desse indicador fosse
ascendente, poder-se-ia afirmar que a escassez relativa do mesmo estaria se ampliando. O
problema, entretanto, é que a renda não é magnitude observável. Por isso, os trabalhos empíricos
usaram outros indicadores, dentre os quais ressaltam-se:
tendência dos preços reais pode ser afetada pelo funcionamento de monopólios ou cartéis.
Depois, em situação de equilíbrio competitivo, o preço de mercado de recurso não renovável tem
dois componentes: a renda e o custo unitário de extração do recurso. Assim, pode ocorrer que a
tendência do preço seja declinante, embora seja ascendente a tendência da renda (do custo de
oportunidade, que reflete a escassez). Isso aconteceria se, em decorrência do progresso
tecnológico, houvesse, pelo menos por algum tempo, quedas no custo unitário de extração que
mais que compensassem os incrementos de renda.
Barnett e Morse (1963) examinaram a tendência do custo de extração entre 1870 e 1957
para um grupo significativo de recursos naturais exauríveis, tendo encontrado tendência
declinante em quase todos os casos; a única exceção foi a do setor extrativo florestal, com
tendência ascendente. Para os autores, haveria, pois, superabundância e não escassez.
Cleveland (1991) discordou de tal conclusão. Para esse autor, o problema com as
estimativas de Barnett e Morse é que seus custos de extração são expressos em termos de dois
fatores primários de produção -- o capital e o trabalho. A energia empregada na extração,
considerada produto intermediário, juntamente com outros materiais, foi excluída da análise. Ao
proceder dessa forma, porém, o estudo acaba ignorando a quantidade cada vez maior de energia
que vem sendo usada no processo de transformação de recursos naturais -- o processo que vai
desde a descoberta, a extração e o refino, até a transformação do recurso, ou em insumo para a
produção, ou em bem de consumo. Em cada estágio do processo se usa, além dos serviços do
capital e da mão de obra, a energia. Por se concentrarem apenas nos dois primeiros fatores,
Barnett e Morse encontraram custos de extração decrescentes por unidade do recurso. Entretanto,
se tratassem a energia como fator primário, verificariam que houve forte substituição de mão-de-
obra e de capital por energia de origem fóssil, e portanto finita. Em 1870 -- o ano inicial do
período coberto pelo estudo -- uma parcela significante da energia empregada na extração ainda
provinha da queima da madeira. Essa foi sendo substituída por carvão mineral e outros
combustíveis fósseis, recursos não renováveis de alta qualidade, que tornaram possível a redução
no uso de trabalho e de capital. Uma avaliação em termos do uso de energia, entretanto, revelaria
custos unitários crescentes de extração de metais e de combustíveis fósseis.
192
Este e outros problemas revelam que o custo unitário de extração também não é um
indicador ideal.
Quanto ao progresso técnico, ..."se o futuro for semelhante ao passado, por muito tempo
ainda haverá consideráveis reduções nos requerimentos de recursos naturais por unidade
de produto. É verdade que, como alegam os pessimistas, esta é uma mera hipótese, que não
sabemos se se confirmará; mas supor o contrário também é mera hipótese, e bem menos
plausível."
Para que esse nível de consumo possa ser sustentado indefinidamente, devem ser
satisfeitas as seguintes condições: (a) a elasticidade de substituição entre o recurso natural e o
capital deve ser maior que a unidade; (b) a função de produção deve ter elasticidade de
substituição constante e igual a um (o que é garantido pela função de produção Cobb-Douglas),
com a participação do capital no produto maior que a do recurso não renovável; e, (c) a mudança
tecnológica, contínua, seja aumentadora do recurso.5
Em outros termos, Solow deduz as condições para que seja assegurada a sustentabilidade
do consumo per capita – o critério de sustentabilidade da economia ambiental neoclássica. O
autor deixa claro, o caráter simplificado de seu modelo e a natureza das suas hipóteses básicas.
Ressalta, também, que não há garantia de que o livre funcionamento de mercados conduzirá ao
crescimento sustentável, em razão das externalidades comuns à exploração de recursos naturais.
Além disso, reconhece que as incertezas associadas ao processo de exploração desses recursos
são consideráveis, que as imperfeições de mercado tendem a ser substanciais nesse campo e, de
forma especial, que há a tendência da taxa de juros de mercado a exceder a taxa social de
desconto (Solow, 1974, pp. 7-12). Alerta, inclusive, para o fato de que o crescimento sustentável
provavelmente requeira a intervenção do governo, ou pelo menos a criação de um intrincado
sistema de impostos e subsídios corretivos. Em suma, sua mensagem é otimista, mas com
ressalvas e reservas.
Essas reservas, entretanto, tendem a ser esquecidas pelos atuais praticantes da economia
ambiental neoclássica; estes tendem a se valer principalmente dos aspectos otimistas da análise
de Solow. Na verdade, outros economistas ambientais neoclássicos de renome também
expressaram ressalvas e reservas ao otimismo que se instalou na profissão. Por exemplo, ao rever
os papéis cruciais da substitutabilidade elevada entre o capital e recursos naturais e de um
progresso técnico poupador de recursos, Mäler (1986, p. 151) argumentou que, em razão da falta
de ..."estimativas empíricas (...) confiáveis, (...) simplesmente não sabemos se a elasticidade de
substituição é suficientemente elevada". Com isso, são inescapáveis as seguintes questões éticas
fundamentais: ..."uma vez que não estamos certos sobre as possibilidades de substituição, como
devemos alocar recursos entre as gerações presente e futuras (...)? Como dividir um bolo finito
entre um número infinito de gerações?" E se as possibilidades de substituição não forem
suficientes para assegurar a sustentabilidade, poderá o progresso técnico oferecer uma saída?
"Novamente, se não estamos certos a respeito da evolução futura do progresso técnico, qual o
critério ético relevante para a alocação intertemporal de recursos?"
Além disso, conforme argumenta Fisher (1981, pp. 73-74), mesmo que se possa
demonstrar que, no presente, a elasticidade de substituição entre capital e recursos não renováveis
é elevada, quem garante que isso não mudará? Será que a elasticidade permanecerá elevada
quando a substituição de recursos não renováveis por capital já tiver sido muito extensa?
Semelhantemente, será viável supor que o progresso técnico aumentador de recursos continuará
se expandir indefinidamente? Não existirão limites ao desenvolvimento técnico?
É interessante notar que esses dois autores exprimiram suas dúvidas de forma tímida e que
estas repercutiram pouco. Na verdade, o otimismo continua a prevalecer. Existem duas visões
relacionadas à evolução da ciência, da tecnologia e da organização social: a dos que acreditam em
um futuro de crescente e ilimitada prosperidade; e a daqueles que se preocupam com a fragilidade
dos sistemas ambientais e sociais, com a elevada taxa de crescimento da população e com a
possibilidade de efeitos indesejáveis da tecnologia (por exemplo, Norgaard, 1991, p. 196). Os
economistas ambientais neoclássicos incluem-se, claramente, entre os que detêm a primeira
dessas visões, razão porque as preocupações e as críticas emanadas de suas fileiras tendem a ser
expressas de forma reservada. Não só isso, como são mínimas as ressonâncias de tais reservas e
dúvidas; nas recentes avaliações do possível impacto da disponibilidade fixa de recursos naturais
não renováveis, as mesmas não são sequer mencionadas.
Uma dessas avaliações, a de Baumol, 1986,6 merece destaque, dado prestígio do autor.
Em essência, rejeita enfaticamente a visão pessimista sobre o impacto de possível exaustão de
recursos não renováveis sobre o futuro da humanidade. Sua principal conclusão é:
Conforme argumentam Baumol et al. (1989, p. 212), esta não é uma profecia de futuro
róseo e seguro, mas da demonstração de que a depleção de recursos não necessariamente
significa miséria e desgraça à humanidade. Não negam que essas podem vir a ocorrer,
especialmente se forem adotadas práticas e políticas erradas, mas insistem que esse destino, não
só não é inexorável como pode, sem maior problema, ser evitado.
"sou do ponto de vista de que a expressão 'desenvolvimento sustentável' (...) deixa muito a
desejar. Sustentar o desenvolvimento pode ser fácil devido à grande importância da acumulação
do conhecimento. É errado, pois, tratar a sustentabilidade do desenvolvimento como um
problema da mais alta prioridade."7
Para começar, sem radicais mudanças nas economias dos países industrializados, só a
manutenção do status quo evitaria um formidável aumento nos requerimentos de recursos
naturais e de energia, para não falar na pressão sobre a capacidade de assimilação de rejeitos do
meio-ambiente. Se houvesse um bem sucedido esforço global que reduzisse o hiato entre o
Primeiro e o Terceiro Mundos sem as mencionadas mudanças, isso seria inevitável. Para dar uma
idéia da ampliação nos requisitos de recursos naturais associada à concretização, embora parcial,
7 Conforme exposição feita por Mancour Olson Jr. na seção sobre Crescimento Econômico, Sustentabilidade e o
Meio-Ambiente da 65a. Conferência Anual da Western Economic Association, São Diego, Jul., 1990. Ver D'Arge et
al., 1991, p. 17.
8 Essa omissão ocorre a despeito do fato de que a maioria dos países industrializados está participando do esforço
para assegurar a sustentabilidade, tendo mesmo se envolvido em intensas negociações, iniciadas antes da
Conferência das Nações Unidas sobre o Meio-Ambiente e o Desenvolvimento (a Rio-92), e que continuam no
presente.
196
Para avaliar o impacto de uma mudança dessa natureza, suponhamos que, em decorrência
da ampliação na eficiência no uso de energia, em 2025 o requerimento per capita de energia do
mundo industrializado declinasse para o nível da Espanha de 1995. Com os aumentos de
consumo per capita do terceiro mundo para esse mesmo nível, a necessidade mundial de energia
de 2025 atingiria 746.835 petajoules, ou seja, cerca do dobro do requerimento de 1995. Isso
ocorre porque a magnitude da população dos países em desenvolvimento e as suas elevadas taxas
de crescimento demográfico trariam uma formidável expansão do consumo de energia, mesmo
que haja acentuada queda no requerimento per capita dos países industrializados.
Esse exercício deixa claro que são necessárias consideráveis mudanças para que haja
desenvolvimento sustentável. Os países em desenvolvimento teriam de reduzir substancialmente
as suas taxas de crescimento populacional, caberia aos países ricos não só limitar acentuadamente
o seu consumo de energia per capita, como transferir rápida e eficazmente tecnologia poupadora
de energia às economias em desenvolvimento.
9 Como no caso dos recursos naturais, parte da energia vem de fontes renováveis, e parte de fontes exauríveis.
10 Dados de uso de energia, de World Resource Institute, 1998, Tabela 15.1. O joule é uma medida de energia. Um
petajoule (1015 joules) é igual a 1.000.000 gigajoules. Um gigajoule é igual a 109 joules.
Ponto de vista semelhante está implícito no desabafo de Mancour Olson Jr. para quem, "se
cerca de dois bilhões de pessoas [nos países em desenvolvimento] tiverem que experimentar
rendas per capita semelhantes à dos países em desenvolvimento mais bem sucedidos, isso levaria
a aumentos colossais na demanda por produtos primários (...). Assim, hipóteses muito otimistas
sobre o desenvolvimento econômico em parcela significante do mundo em desenvolvimento
justificariam um relativo pessimismo sobre" [as limitações impostas pela disponibilidade de
recursos naturais].12
Entretanto, a leitura do restante da exposição do autor deixa claro que não compartilha de
tal pessimismo, simplesmente porque considera o crescimento rápido da maioria dos países em
desenvolvimento hipótese extremamente remota; ou seja, Olson Jr., e com ele o establishment
neoclássico, toma como certa a manutenção do status quo atual. Este dá substância ao otimismo
inerente à economia ambiental neoclássica.
"uma sociedade que começa pobre não encontrará justificativa para uma acumulação inicial que
possa assegurar um nível de consumo [per capita] mais alto no futuro" (Solow, 1986, p. 144). Ou
ainda, a sustentabilidade "requer um estoque inicial de capital suficientemente elevado para
originar um padrão de vida decente, caso contrário a pobreza será perpetuada" (Solow, 1974b,
p. 41).
12 Conforme exposição de Olson Jr. em simpósio sobre Crescimento Econômico, Sustentabilidade e o Meio-
Ambiente (ver D'Arge et al., 1991, p. 17). Recordando, trata-se do mesmo autor para quem o progresso tecnológico
teria retirado o desenvolvimento sustentável da lista de prioridades.
198
1. Introdução
Segundo Conrad e Clark (1986, p. 62), é renovável o recurso natural escasso em relação
às necessidades humanas que, do ponto de vista de escala temporal relevante ao homem,
apresenta a capacidade de se reproduzir e de se ampliar. Essa disponibilidade contínua do recurso
decorre, ou do crescimento de uma população, ou de fluxo constante ou periódico originário de
fonte inanimada de massa ou de energia.
Essa definição aponta para um dos elementos básicos da teoria dos recursos renováveis: a
função crescimento. Emprestada da biologia, a função crescimento estabelece a relação entre o
nível da população (ou do estoque do recurso) e a taxa de crescimento da população (do estoque)
no caso de não haver extração do recurso. A hipótese usual é a de que o crescimento da
população (do estoque) é função do seu nível, mas que essa relação não é monotônica; a taxa de
crescimento aumenta com o nível da população (do estoque), atinge um máximo e depois declina.
Em essência, esse comportamento é determinado pela capacidade de suporte do habitat no qual a
população está inserida. A função crescimento permite estabelecer a extração máxima sustentável
(EMS) do recurso, ou seja, a maior extração possível deste, mantido constante o seu estoque. A
EMS corresponde ao nível de extração associado ao estoque de crescimento máximo. Há a
tentação de usar o EMS como critério para a exploração ótima de um recurso renovável.
Fazendo-se isso, porém, ficam de fora considerações econômicas, notadamente as relativas ao
custo da extração do recurso.
A teoria usualmente considera que o custo de extração por período de tempo varia
inversamente à população (ao estoque) no início do período e diretamente ao fluxo de esforço (ou
seja, ao uso de recursos produtivos na extração) durante o período. Ceteris paribus, quanto maior
a população (o estoque), menor o custo; quanto maior o esforço, maior o custo.
A questão que se coloca ante esse resultado é: por que, no mundo real, há tantos casos de
extração excessiva de recursos renováveis, com drástica redução de estoques e até ameaça de
extinção? Para dar uma resposta a essa questão, desenvolveu-se a teoria da "propriedade
comum".13 O fato de que ninguém é dono do estoque de recursos renováveis (por exemplo, da
13 O problema da "propriedade comum" foi identificado por Gordon (1954). Esse autor cunhou a frase "tragédia da
propriedade comum" (tragedy of the commons), que ganhou notoriedade. Entretanto, conforme ressalta Bromley
(1991), o termo "propriedade comum" é enganoso; o que causa problema não é a propriedade comum, mas sim a
201
população de uma espécie de peixe no oceano) faz com que, havendo livre acesso e livre
extração, ocorra exploração excessiva.
Vamos usar como exemplo o caso do recurso pesqueiro. Suponhamos um lago ou zona
oceânica propícia à pesca. Há um mercado para o peixe, que é competitivo; o preço do peixe é
dado e não muda durante o período relevante para a análise. Faremos duas hipóteses diferentes
sobre o acesso à zona pesqueira: 1. a de que a entrada de barcos pesqueiros (cada um constituindo
uma ‘empresa’) é livre; e, 2. a de que a zona pesqueira tem um dono que deseja explorar a pesca
na mesma. Nos dois casos, supomos que as empresas objetivam maximizar seu lucro. Também
são dados o preço da mão de obra e dos demais insumos usado na captura e extração de peixe.
não-existência de propriedade. Bromley fornece exemplos da instituição da propriedade comum com alocação
racional de recursos naturais.
202
Aspectos biológicos. Suponhamos – com um certo grau de simplificação – que haja uma
relação, em termos médios, entre o tamanho da população da espécie de peixe (que chamaremos
de estoque de peixe, S) e o aumento líquido (ou, em caso extremo, decréscimo líquido) da
população de peixe em um dado período G(S).14 Ou seja, G(S) é igual ao nascimento de peixes,
menos a mortalidade, adicionada à saída (a emigração) de peixes da zona pesqueira, no período.
Variação no estoque
(toneladas/ano)
G(S* )
G(So)
S [estoque de
* o
0 S S S peixe (ton.)]
S+
14
Trata-se de média de longo prazo, em que se contrabalançam fatores como flutuações climáticas, de temperatura
da água e outros fatores que podem causar mudanças – que supomos não sejam muito acentuadas – na relação básica.
203
para nível abaixo de S+; nesse caso, haveria um incremento líquido da população de peixe,
fazendo aumentar o estoque até atingir S+.
As duas próximas figuras mostram como, da relação biológica, se pode construir relação
entre o esforço de pesca e a quantidade pescada. A Figura 2 tem dois eixos horizontais: um, que
é o mesmo da Figura 1; e, outro, orientado da direita para a esquerda, com a origem (0’) no nível
de estoque de equilíbrio natural (S+). Este último eixo indica a quantidade de esforço (E)
envolvido na extração de peixe; essa quantidade aumenta, da origem (0’) em S+, no sentido de S,
indicando que quanto menor for o estoque, maior será o esforço na obtenção da correspondente
captura sustentável. Uma unidade de esforço pode ser imaginada como decorrendo de um barco
com sua tripulação, alocado na zona pesqueira ao longo do período relevante, na captura de
peixe.
C(SM )
C(S’)=G(S’’)
0 S S’’ SM S’ S+ S [estoque de
peixe (ton.)]
E” EM E’ 0’
É importante ter em mente que estamos falando de pesca sustentável, isto é, pesca que,
em condições normais, pode ser repetida ano após ano. Assim, partindo situação em que o
204
cardume básico de peixe esteja no seu nível de equilíbrio natural (S+), se for realizado um esforço
que retire a quantidade C(S’) de peixe em um dado ano, o estoque de peixe será mantido no nível
(0S'), permitindo pescar aproximadamente a mesma quantidade C(S’) de peixe no próximo ano. É
evidente que seria possível pescar muito mais que isso no primeiro período, mas essa abundância
inicial seria seguida de considerável redução no estoque de peixe (no cardume básico), o que
levaria a uma forte queda no volume pescado em anos seguintes. A pesca abundante não seria,
portanto, sustentável; a grande profusão inicial seria seguida por elevada escassez em períodos
subsequentes.
O nível máximo sustentável é obtido com um esforço EM, com uma captura sustentável
igual a C( SM); essas coordenadas determinam o ponto C na Figura 3. Procedendo-se de forma
semelhante a partir da Figura 2, para diferentes níveis de esforço (E), obtém-se outros pontos da
Figura 3, relacionando o esforço à captura sustentável de peixe. Note-se que a Figura 3 é uma
espécie de função de produção sustentável de peixe. Ela mostra os níveis de pesca sustentável
compatíveis com diferentes níveis de esforço n a pesca.
Quantidade pescada
(toneladas/período)
C(SM) C
C(S*)
A B
C(S’) = C(S”)
Captura sustentável
captura sustentável e a outra. Para ilustrar, suponhamos que a situação inicial de equilíbrio
estivesse estabilizada no nível de esforço 0E', com uma captura sustentável C(S') (ver Figura 3), e
que, em razão de mudanças nas condições do mercado do peixe, houvesse o desejo de ampliar a
captura sustentável para o nível C(S*), que corresponde nível 0E* de esforço. Tendo em vista o
fato de que, ao nível de extração C(S') o cardume de peixes se encontraria relativamente
adensado, o aumento inicial de esforço para assegurar a captura maior seria menor que aquele
necessário quando o cardume tiver sido reduzido ao nível que assegure a nova captura
sustentável. Ou seja, na fase de transição o esforço de pesca capturaria não só o crescimento do
cardume que asseguraria a captura sustentável, como também parte do estoque (do cardume
básico), pois este teria que ser reduzido para o nível que assegurasse a nova captura sustentável.
Com o tempo, entretanto, o estoque declinaria para esse novo nível de equilíbrio, e o esforço de
captura teria que ser o indicado pela curva, ou seja, 0E*.
Uma palavra de alerta. A discussão do parágrafo anterior parece indicar que a transição de
um nível de extração sustentável para o outro sempre se fará de forma tranqüila, numa trajetória
quase linear. Na verdade, entretanto, essa trajetória pode ser sinuosa e, em certas circunstâncias, o
novo equilíbrio pode nem mesmo ser atingido ficando, tanto o esforço como a captura, flutuando
no entorno dos novos níveis. É preciso se ter em vista que, na fase de transição, o custo da
captura se reduz abaixo do seu nível na situação de estabilidade. Como veremos, esse custo varia
diretamente com o nível de esforço, e inversamente com a magnitude do cardume de peixe.
Como na etapa de transição, inicialmente o cardume é maior que o necessário para assegurar o
novo nível de captura sustentável, o custo unitário de capturar peixes é temporariamente menor.
Isso poderia aumentar temporariamente o lucro da atividade pesqueira, atraindo mais unidades de
pesca e ampliando o esforço de pesca para um nível superior a 0E*. Mas se isso ocorrer, o
tamanho do cardume acabará sendo reduzido a um nível inferior ao necessário para assegurar a
captura C(S*), fazendo algumas unidades pesqueiras deixarem de pescar (estas se transfeririam a
outra localidade pesqueira). Como ao nível do cardume com pesca excessiva o custo de pescar se
ampliaria marcadamente, é possível que a fuga de unidades pesqueiras (barcos e pescadores)
fosse excessiva, levando o esforço para um nível inferior ao desejado, 0E*. E em tal nível,
novamente se tornaria muito lucrativo pescar, levando a um excessivo aumento de esforço, e
assim por diante.
Aqui apenas chamamos atenção para a existência da transição, e para o fato de que esta
nem sempre se faz de forma suave e tranqüila. Na verdade, no restante do capítulo nos
abstrairemos de considerar a transição de um para outro nível de extração sustentável; estaremos
supondo que esta se faz de forma instantânea e focalizaremos os impactos de mudanças de uma
situação para a outra. É, porém, possível modelar trajetórias de transição.15
Um exame superficial do gráfico acima pode sugerir que captura máxima sustentável é o
nível de captura (de pesca) eficiente. Entretanto, isso não é verdade, pois o esforço de captura não
é gratuito. Como o esforço tem um custo, a captura eficiente terá necessariamente que ser menor
que C(SM). Definimos captura sustentável eficiente a que maximiza a diferença entre o benefício
total (a receita total) obtido com a venda do peixe capturado e o custo total do esforço de
captura. Novamente, por hipótese, o preço do peixe é dado aos pescadores e se mantém fixo; a
produção da zona pesqueira é pequena em relação ao total de peixe oferecido no mercado, de
forma que qualquer nível de oferta de seus pescadores não afetará o preço do peixe. Quanto ao
custo do esforço, fazemos a hipótese de que este é função direta do nível de esforço realizado na
pesca, e inversa do estoque de peixe. Em outras palavras, quanto maior E, mais barcos e mais
15
Para detalhes sobre a modelagem matemática da transição, ver, por exemplo, Conrad e Clark, 1987, capítulo 2.
206
gente estarão pescando e maior será o esforço de pesca; e quanto maior for S, a população de
peixe, mais fácil será a pesca, e menor será o custo total. Para simplificar, vamos supor que o
custo total (CT) da pesca seja dado pela relação:
(1) CT = a . E
onde a é igual ao custo unitário médio constante (e igual ao custo marginal) do esforço de
extração (E).
A Figura 4 mostra as curvas de custo total e de benefício total de cada nível de esforço. A
curva de custo total é obtida da equação (1), acima; a curva de benefício total é estabelecida a
partir da relação da Figura 3. Como o preço o do peixe, Pc, é constante, tomando-se a quantidade
de peixe capturada a cada nível de esforço (E) da Figura 3 e multiplicando esta por Pc, determina-
se a respectiva receita total (o benefício total). Por essa razão a curva de benefício da Figura 4
tem o mesmo formato da curva de captura da Figura 3.
Receita Total
Custo Total
(R$)
Equilíbrio eficiente
RTm Custo Total
RTe
a . Ee
Receita Total
Esforço
0 Ee Em Ec na pesca (E)
Na Figura 4, o nível de esforço eficiente (Ee), maximiza a diferença entre benefício e custo
totais. É o nível de E em que a distância vertical entre a curva de benefício e a de custo total é a
207
maior. Um exame cuidadoso das duas funções nos permite dizer que essa distância máxima é
igual ao nível de esforço estabelecido pela tangente à curva de benefício total com declividade
igual a da curva de custo total (declividade é igual a a). E a análise econômica nos ensina que a
declividade da curva de receita total é igual ao benefício marginal (ou seja, a receita da última
unidade de esforço adicionado à captura de peixe); semelhantemente, a declividade da curva de
custo marginal em cada nível de E, é o custo marginal – no presente caso, esta é constante e igual
a a. Assim, ao nível eficiente de captura de peixe a receita marginal é igual ao custo marginal; na
Figura 4 isso ocorre ao nível Ee de esforço, que corresponderia na relação da Figura 3 a um nível
(não representado) de captura C(Ee).
Começando com a situação (1), para maximizar seu lucro o dono do lago aumentaria o
seu nível de esforço – compraria barcos de pesca e contrataria pescadores como assalariados – até
atingir o ponto Ee, em que o seu custo marginal (igual ao custo médio) fosse igual ao seu valor do
produto marginal de E. Observe-se que este é o nível ótimo de captura sustentável de peixe. Esse
nível de esforço permite a geração de um lucro total igual à diferença entre a receita total [R(Ee )]
e o custo total [C(Ee)] em Ee.
208
Receita Total
Custo Total
(R$)
Equilíbrio eficiente
RTm Custo Total
RTe
Receita Total
(Valor do Produto Total)
E
Custo Médio
(=Custo Marginal)
Valor do Produto Marginal
E
0 Ee Em Ec
Na situação (2) o lago não tem dono e é livre a entrada de empresas pesqueiras. Nesse
caso, Ee não seria mais o nível de esforço de equilíbrio. Isso porque a esse nível de esforço, o
valor do produto médio de E de cada uma das unidades (conjunto barco-pescadores) de pesca
(por hipótese, são todas iguais) seria maior que o seu custo médio; haveria, pois, um lucro acima
do normal para cada conjunto barco-pescadores,16 e novas unidades seriam induzidas a entrar no
mercado. Incentivados pelo lucro elevado, outros viriam pescar no lago, aumentando o esforço
16
Define-se lucro normal como aquele que não induz, nem a entrada de outras unidades (empresas) no mercado, e
nem provoca a saída de empresas do mercado. Se o lucro for maior que o normal, novas empresas entrarão no
mercado; se for inferior ao normal, as empresas que atuam no mercado começarão a fechar as portas e a mudar de
ramo.
209
para além de Ee. Mas a medida que isso fosse acontecendo, diminuiria a diferença entre o valor
do produto médio de E e o custo médio. E isso continua a acontecer até que essa diferença se
tornasse nula. Observe-se que, na Figura 5, isso ocorre ao nível de esforço Ec;; a esse nível de
esforço, o valor do produto médio do esforço será igual ao custo médio; a receita total (o valor do
produto total) apenas cobre o custo total e o lucro total é nulo. Mas, o que é pior, o nível de pesca
sustentável será muito maior que o ótimo, com forte redução da correspondente população de
peixe, embora o volume de peixe capturado em Ec seja igual ao obtido em Ee.
Para recursos naturais como este – que costumam ser classificados como recursos de
propriedade comum – o funcionamento do mercado livre e competitivo não conduz ao equilíbrio
de ótimo. O mercado livre introduz, ao invés, dois tipos de problemas: (1) Problemas de alocação
excessiva de recursos à pesca – muitos barcos e pescadores são induzidos a pescar, um esforço
excessivo é despendido (recorde-se que com muito menos esforço, em Ee, a sociedade pode obter
a mesma oferta de peixe); em conseqüência, é reduzido o retorno obtido por cada pescador. E,
(2) A pesca excessiva provoca redução muito forte no estoque de peixe (na sua população),
tornando a espécie de peixe vulnerável a flutuações climáticas ou a doenças, que provoquem
quedas na capacidade de suporte de cada nível de estoque. Na verdade, com a acentuada depleção
do estoque da solução competitiva aumentam, não só os riscos ecológicos, como os riscos de se
tornar inviável economicamente a atividade pesqueira. Problemas desse tipo vêm afetando a
pesca oceânica, com significativos impactos sobre a sustentabilidade – tanto ambiental como
econômica – da atividade pesqueira em várias partes do mundo. O livre acesso resulta em
exploração excessiva do recurso natural. O monopólio, por sua vez, não só levaria a uma
alocação ótima de recursos na atividade pesqueira, como conservaria o estoque básico da
atividade – o cardume do peixe.
A discussão acima não deve, entretanto, ser interpretada como uma apologia ao monopólio.
Vimos que este pode conduzir à solução eficiente; entretanto, a mesma coisa pode ser conseguida
sem dar a uma empresa ou grupo o lucro extraordinário associado ao nível ótimo de atividade
pesqueira. São as seguintes algumas alternativas:
levam aos pescadores a adotar medidas defensivas, para contornar as restrições. Em face a uma
norma reduzindo o período de captura, por exemplo, os pescadores poderiam substituir o
equipamento de pesca (barcos, etc.) por unidades mais poderosas e melhor equipadas que os
permitisse intensificar a captura no período mais curto.
Além disso, regulamentos procurando reduzir por decreto o nível de esforço (leia-se o
número de unidades pesqueiras), tendem a provocar impactos distributivos negativos. Se, por
exemplo, o governo fosse bem sucedido em limitar por decreto o esforço (o número de unidades)
ao nível de eficiência Ee (ver Figura 6, abaixo), cada unidade que permanecesse produzindo teria
um lucro extraordinário muito substancial. E as unidades de esforço deslocadas pelo regulamento
– as que não receberiam licença para operar – seriam desativadas; os proprietários dos barcos que
perdessem a licença para operar (correspondentes a Ee Ec na Figura 6) teriam que mudar de ramo
e seus trabalhadores perderiam seus empregos. Os incluídos no esquema seriam altamente
beneficiados; os demais amargariam dificuldades, o que não parece justo.
Solução via tributação. Uma maneira óbvia de levar a atividade pesqueira para o nível de
captura eficiente seria mediante a aplicação de um imposto por unidade de esforço (barco,
equipamento auxiliar, pescadores), de tal forma a fazer com que o nível de esforço se ajustasse ao
requerido pela eficiência. Esse imposto unitário, que denominamos tp, aumentaria o custo de uma
unidade de esforço de a, para (a + tp), de forma a fazer o nível de esforço corresponder a Ee – o
nível eficiente; e isso sem eliminar os mecanismos de mercado competitivo. Ou seja, com o
imposto a curva de custo total do esforço na pesca sofreria uma rotação da posição CT = [a . E],
para a posição CT’ = [(a + tp). E] na Figura 6, resultando em um nível de esforço na extração Ee
– o nível ótimo.
Receita Total
Custo Total
(R$)
CT = [a . E]
RTe
Z
Receita Total
E
0 Ee Ec
pesqueiros) decidiriam logo sair do mercado; outros resistiriam um pouco mais mas acabariam
saindo, e ainda outros se disporiam a ficar mais tempo, a espera de melhora da situação. A
medida que algumas unidades fossem deixando de operar, entretanto, haveria redução no esforço
de captura de peixe fazendo, pelo menos até certo ponto, a produção aumentar – de acordo com
descrito pelo modelo biológico. Diminuiria a pesca excessiva e o estoque biológico – o cardume
de peixe – aumentaria, permitindo uma captura cada vez maior por unidade de esforço e
diminuindo o prejuízo dos pescadores. Mas o prejuízo continuaria a existir enquanto o esforço
não atingisse o nível 0Ee. Só então a receita seria suficiente para cobrir os custos mais o imposto.
Ao nível de esforço de captura 0Ee, da Figura 6, a receita total seria 0RTe, o custo (conjunto) de
operação das unidades pesqueiras seria 0Z, e a receita total do governo com o imposto
corresponderia a Z RTe. Note-se que RTe = 0Z + Z RTe.
Quanto à magnitude de tp, a teoria nos ensina que, para conduzir à extração (pesca) eficiente,
o tributo por unidade de esforço deve ser igual ao preço sombra do recurso pesqueiro ao nível de
estoque que corresponde ao esforço Ee.
Uma vez implantada essa alternativa, um empresário-pescador teria duas opções: a do uso
do direito de pescar possibilitado pelos seus certificados; e a da venda ou compra de certificados
no mercado. Se for arrojado, e se o seu custo de captura for baixo, o empresário-pescador
demandará certificados no mercado para expandir sua produção. Se for tímido, conservador, e se
seus custos de operação forem relativamente altos, o empresário-pescador venderia certificados.
O importante a ressaltar é que, com o sistema de certificados, o direito de pescar deixaria de ser
um bem livre; os certificados são ativos que têm um preço, que reflete o benefício (o lucro) que o
proprietário pode gerar da atividade da pesca. Assim, se o sistema for bem desenhado, o custo de
oportunidade do certificado acabará sendo embutido nos cálculos dos empresários-pescadores, e
o efeito final será igual ao da introdução imposto. O esforço na pesca seria reduzido para o nível
eficiente, ao qual a receita total seria igual ao custo total – inclusive o custo dos certificados.
Muitos empresários-pescadores deixariam o mercado, vendendo seus certificados, e investiriam
em outras linhas de atuação. Permaneceriam apenas os necessários para a captura de equilíbrio
eficiente.
O sistema precisaria ser concebido com muito cuidado. Por exemplo, o certificado deve se
referir a uma quantidade de peixe a ser pescada e não, por exemplo, a uma unidade de esforço
(um barco pesqueiro). A experiência internacional mostra que certificados permitindo a atuação
de barcos pesqueiros são eficazes em limitar o número de barcos mas, pelo menos a médio prazo,
não conseguem reduzir a quantidade pescada. Isso porque os ganhos potenciais da pesca levariam
os empresários-pescadores a aumentar o tamanho dos barcos, a adquirir equipamento que o
permitisse a intensificação da captura de peixe, e a pescar mais tempo. Assim, o sistema de
quotas de barcos acaba reduzindo o número de barcos pescando mas não a quantidade de peixe
capturada. Para atingir o nível eficiente, o que se precisa reduzir é captura de peixe para o nível
ótimo.
5. Comentário final
1. Introdução
• Na análise de projetos. Cada vez mais, vem se exigindo que a análise da viabilidade
econômica tome em conta, em adição aos custos e benefícios econômicos e sociais, os impactos
ambientais dos projetos ou políticas avaliados.
Os não iniciados podem ter as seguintes dúvidas em face às afirmações acima. Por
exemplo:
Dado que uma grande parcela dos bens e serviços ambientais não é transacionada em
mercados, por que a obsessão de medir em termos monetários os impactos ambientais de
processos econômicos?
Essa visão do papel da valoração pressupõe que o meio-ambiente seja neutro, benigno, e
que o principal resultado de intervenções humanas sobre este é o de gerar produtos e serviços
visando ampliar o bem-estar (a utilidade) dos indivíduos em sociedade. Reconhece-se,
entretanto, que essas intervenções também produzem efeitos em termos de desconforto, de mal-
estar, causados pela degradação ambiental. Acontece que, como boa parte dessa degradação se
manifesta na forma de externalidades – em que os agentes que geram a degradação impõem
danos e custos sobre a sociedade como um todo –, as transações habituais dos mercados da
economia tendem a não incluir esses custos; eles são disseminados por toda a sociedade. Assim,
via de regra, não se observam preços e outros valores diretamente associados à degradação. Por
isso, a análise neoclássica vem motivando o desenvolvimento e o emprego de métodos para
estimar em termos monetários esses custos e danos. E, por motivos semelhantes, é igualmente
importante que se achem formas de determinar, também em termos monetários, os efeitos de
medidas e ações que objetivem reduzir a degradação ambiental causada pelo funcionamento do
sistema econômico.
2. As técnicas de valoração
215
Esse método tem sido usado para estimar o benefício de certas destinações de recursos
naturais -- como, por exemplo, áreas de elevada concentração de biodiversidade, ou áreas de
importância histórica, estética e cultural. Em poucas palavras, a técnica emprega preços de
mercado para estimar o valor do emprego de um recursos de uma dada maneira, pelo exame do
valor de formas alternativas de uso. Por exemplo, o custo de preservar uma área de floresta
nativa, transformando-a em um parque ou uma floresta nacional, seria determinado pelo valor
presente dos benefícios futuros de que abriria mão ao se preservar a floresta. Esse benefício
poderia decorrer da extração da madeira e do subsequente cultivo da área, ou do seu uso em
formas de manejo sustentável da floresta.
1
Para exemplos, ver Freeman III, 1993. Ver, também, Nogueira, et al., 1998.
216
Trata-se de técnica de fácil compreensão e que tem sido amplamente usada em casos em
que se pode isolar claramente os impactos de uma forma de agressão ao meio-ambiente sobre a
produtividade de uma dada atividade econômica. Entretanto, nem sempre isso é possível;
ademais, é preciso ver se não há outros impactos que precisam ser avaliados.
Vamos considerar o caso do indivíduo 1, com um perfil de renda Yt1 e com um perfil de
probabilidades de sobrevivência Pt*: tendo como momento inicial o ano T, é possível calcular o
"valor presente" desse indivíduo, L1T, com a aplicação da seguinte fórmula:2
T'
L1T = Σ Yt1 . Pt* / (1 + r) (t - T),
T
Uma fórmula com essas características pode ser aplicada para o conjunto dos indivíduos
da área em consideração. Partindo de estratos da população da área, se existirem dados de censos
demográficos ou de pesquisas por amostras domiciliares que permitam calcular o perfil de
probabilidades de sobrevivência de cada grupos estabelecido na estratificação, bem como para
construir perfis temporais de rendimento dos componentes de cada estrato, será possível calcular
o valor presente dos indivíduos de cada estrato e o valor presente total do "estoque" de capital
humano, do ano inicial T até um ponto distante no futuro T'.
Suponhamos que tenha sido estimado o valor do capital humano da área no momento da
implantação do projeto, mas sem considerar o impacto produzido pela degradação ambiental
gerada por seu funcionamento; e que em seguida se calcule o valor do capital humano após a
implementação e computando os efeitos da degradação em termos da redução da probabilidade
de sobrevivência. Com isso, o valor presente do capital humano sofreria uma redução. A
diferença entre esse dois valores pode, assim, ser considerado um dos custos ambientais da
implantação do projeto. A este se poderiam acrescentar outros custos como o do aumento de
gastos médicos e o das perdas de dias de trabalho, causados pela degradação ambiental gerada
pelo projeto. Pode-se, também, tentar estimar o valor de custos psíquicos (como os decorrentes
do sofrimento dos afetados pela degradação, do pesar dos seus familiares em casos de
falecimento prematuro).
fossem máquinas, bens de capital, com vidas úteis e com características de produtividade
específicas. Em essência, o que a teoria diz é que L1T no exemplo acima é o valor da vida do
indivíduo 1; não é de estranhar que surjam objeções éticas ao emprego dessa técnica de
valoração.
Um outro exemplo de uso dessa técnica seria o de uma nova fábrica que lançasse à
atmosfera SO2, causando a formação de chuva ácida. O valor econômico dessa forma de
degradação ambiental poderia ser calculado em termos do custo de restauração dos danos
patrimoniais causados pela chuva ácida (danos sobre prédios afetados, sobre florestas
degradadas, entre muitos outros.
Em certos casos é possível valorar alterações do meio-ambiente com base nas mudanças
que estas provocam no valor de bens complementares ou substitutos com preços estabelecidos
em mercados. A hipótese básica por detrás de seu uso é a de que o comportamento dos agentes
econômicos pode revelar o valor implícito de aspectos do meio-ambiente. Assim, em alguns
casos, uma decomposição de preços em termos de elementos que afetam a sua determinação
pode servir de base para a atribuição de valores monetários a atributos do meio-ambiente que,
em si, não são transacionados em mercados.
Existem duas categorias básicas desse tipo de técnicas: a dos métodos de preços
hedônicos, e a dos métodos dos custos de viagem.
Técnicas de preços hedônicos têm sido usadas para isolar as contribuições que a
qualidade do meio-ambiente trazem para o valor de um ativo ou um recurso. Elas partem do
suposto de que o valor total de um item de patrimônio ou de um recurso é função de um conjunto
de características destes, das quais uma delas está nas condições do meio-ambiente. Cumpre,
pois, empregar técnicas estatísticas para determinar qual a contribuição destas.
Suponhamos que isso seja feito, que os resultados sejam significantes e que os sinais
sejam os esperados. Nesse caso, a diferença de preços entre duas casas idênticas em tudo menos
nas condições do meio-ambiente pode ser atribuída a estas últimas. Essa diferença revela a
valoração atribuída pelo mercado de residências à qualidade do meio-ambiente.
Com estudos estatísticos desse tipo, o custo ambiental de um projeto que modifique para
pior a qualidade do meio-ambiente em um bairro residencial, por exemplo, pode ser estabelecido
com base em seus resultados.
O problema com tais técnicas de valoração é que elas pressupõem um mundo idealizado,
de mercados funcionando em regime de livre concorrência perfeita e sem maiores atritos. Assim,
uma pessoa pode comprar ou vender uma residência sem dificuldades e impedimentos
burocráticos, o trabalhador pode escolher livre e facilmente entre diferentes empregos, não há
muito desemprego, todos têm informações perfeitas e nada distorce as escolhas, que são feitas
apenas com base nas preferências dos agentes econômicos. E, em nível prático, a dificuldade é
que as técnicas requerem quantidades muito elevadas de dados e informações, muitas das quais
não são fáceis de serem obtidas. E há problemas de qualidade dos dados que podem ser obtidos.
Esse método, desenvolvido para valorar locais de recreação, como parques e lagos ou
rios piscosos, centra-se nas despesas incorridas por indivíduos ou famílias para chegar nesse
locais desde suas zonas de moradia. A hipótese é que o custo de transporte, adicionado à despesa
com o ingresso à área de recreação (se for cobrado) e ao custo de oportunidade do tempo dos
viajantes, reflete a sua disposição a pagar pelo usufruto do local de recreação.
um determinado número de visitas dos habitantes de uma dada zona estabelece o respectivo
excedente do consumidor. E calculando o excedente do consumidor para as visistas dos
habitantes de cada zona se pode obter o excedente do consumidor total, que refletiria o valor
atribuído pelos agentes econômicos às condições do meio-ambiente do local de recreação.
Via de regra, nas técnicas via enquetes, os questionários tentam simular um mercado
hipotético (contingente) de um dado atributo ambiental; se procura fazer com que indivíduos da
amostra da população entrevistada revelem sua indiferença entre quantias de dinheiro e a
disponibilidade do atributo. Com isso, a média das quantias, estabelecidas na aplicação dos
questionários, em que há indiferença entre somas de dinheiro e a manutenção do atributo pode
ser agregada e a amostra expandida para toda a população relevante, completando a estimativa
de sua disposição a pagar pelo atributo.
O processo pode parecer simples, mas aplicações concretas geralmente exigem grandes
doses de imaginação criadora, tanto na determinação do que e de como perguntar aos
entrevistados, como em desenvolver questões que os induzam realmente a revelar suas
preferências em relação a atributos do meio-ambiente.
Esse método de valoração vem crescendo muito e, nos países desenvolvidos, existem
muitas instituições e empresas especializadas na sua aplicação a uma variedade de situações. A
vantagem do método é que ele não exige uma enorme quantidade de dados e informações e que,
embora o preparo e a aplicação de questionários seja trabalhosa e exija muita habilidade, as
estimativas se apoiam em técnicas estatísticas bastante simples. Mas também há críticas ao
método.3
3
Conforme se pode ver em Mitchell e Carson, 1989.
220
1. Introdução
A técnica começou a ser empregada nos Estados Unidos no início da década de 1950
para avaliar projetos de irrigação e de controle de enchentes, acabou sendo amplamente
disseminada como técnica de avaliação de projetos Inicialmente a ACB só considerava os custos
e os benefícios econômicos diretos associados ao projeto. Depois, porém, foram-se agregando
custos indiretos, inclusive sociais; mais recentemente, também se incluíram certos custos e
benefícios ambientais.
Este capítulo faz uma breve avaliação da metodologia de decisão apoiada na ACB, dando
ênfase à recente tendência de considerar custos e benefícios ambientais.
2. Um esboço da metodologia
Quando não se observam preços em mercados para elementos dos benefícios e dos
custos, há metodologias para atribuir valores monetários a estes. Vimos que já existe um
conjunto extenso e sofisticado de metodologia para efetuar estimativas desse tipo para impactos
ambientais. O assunto ainda inspira controvérsias, mas o fato é que tais metodologias vêm sendo
extensamente empregadas.
• Uma vez completadas com sucesso as etapas acima, se está em condições de fazer os
cálculos que fornecerão os elementos para se decidir sobre a execução ou não do projeto. A
maneira como isso é feito será vista a seguir.
Suponha que as etapas preliminares geraram uma estimativa dos benefícios brutos para
cada um dos T anos: B0, B1, B2, ..., BT. A soma desses benefícios brutos é:
B = B0 + B1 + B2 + ... + BT.
Do lado dos custos, suponhamos que, ao longo da vida útil do projeto estes tenham sido
estimados como sendo: C0, C1, C2, ..., CT. A soma dos custos é:
C = C0 + C1 + C2 + ... + CT .
Os menos avisados podem ser tentados a comparar B com C para avaliar a viabilidade do
projeto. Entretanto, isso não seria correto. O que se quer é, não o total dos benefícios e dos
custos estimados para o empreendimento, mas o valor presente desses benefícios e custos. Ou
seja, queremos o valor descontado desses fluxos de benefícios e de custos. E a taxa de desconto
aplicada deve ser a taxa social de desconto (o preço-sombra do capital), r. A fórmula usada é:
t=T
t=T
Se Bd > Cd, o projeto é viável; pode ser executado. Entretanto, se Bd < Cd, o projeto não
é viável. Não deve ser executado.4
t=T
E a regra de decisão requer que BLd seja positivo. Se BLd < 0, a soma do fluxo
descontado dos benefícios brutos esperados será inferior à doma do fluxo descontado dos custos
esperados, e o projeto não apresentará viabilidade econômica, não devendo ser executado.
4
Note-se que em Bd e em Cd se incluem apenas benefícios brutos e os custos que se estima resultarem
diretamente do funcionamento do empreendimento. Mas há danos e benefícios indiretos que devem ser
considerados. Estes são tratado adiante.
223
está nas colunas de valor presente da tabela. Como se pode ver, BLd depende da taxa de
desconto, r, empregada. Com r = 5% ao ano, o valor presente é de R$ 3.950. Com r = 10%, o
valor presente cai para R$ 1.120. E com r = 15%, BLd é negativo (- R$ 620). Isso ocorre porque,
quanto maior r, mais fortemente o futuro será descontado. E, no exemplo, os anos mais distantes
são os que apresentam maior benefício líquido. Há, pois, um viés contra o futuro associado à
prática do desconto, e que aumenta quanto mais alta for a taxa de retorno usada.
Esse viés contra o futuro pode ser observado nitidamente nas últimas três colunas da
Tabela 1 – as de fatores de desconto.5 Ali se vê quanto vale no presente R$ 1,00 pago em cada
ano, ao longo dos 14 anos do exemplo, no caso de cada uma das três taxas de desconto
consideradas. Se a taxa de desconto for 5%, R$ 1,00 obtido no último (14o) ano , por exemplo,
vale no presente R$ 0,50; se for 10% ao ano, vale apenas R$ 0,25; e vale meros R$ 0,14
centavos se r for 15% ao ano.
5
Para cada ano, o fator de desconto é obtido a partir da fórmula 1/(1 + r)t.
224
6
Ver Perman et al., 1996, p. 43.
225
Via de regra, não é muito difícil determinar, em termos monetários, Bd e Cd, os valores
presentes dos fluxos de benefícios e custos diretos e indiretos de executar o projeto. Entretanto, o
contrário ocorre com Bp. Existem técnicas para servir de apoio à medição de Bp, mas seu
emprego geralmente oferece alguma dificuldade.
• Vu, o valor de uso. Trata-se do valor presente do benefício líquido que os usuários do
meio-ambiente não afetado pelo projeto estimam usufruir dele. É o valor que se pode esperar
obter do uso do meio-ambiente inalterado (por exemplo, o valor do turismo de Sete Quedas,
sacrificado pela formação da barragem de Itaipú). O conceito é simples, mas nem sempre é fácil
identificar os elementos que compõem esses benefícios e medir o seu valor. Quando se
desenvolvem no local abrangido pelo projeto atividades regulares, gerando renda por venda de
produtos e serviços, a valoração é relativamente simples. Nem sempre é este o caso, há, por
exemplo, atividades de auto-consumo ou do setor informal, mais difíceis de serem valoradas.
Além disto, devem ser consideradas atividades potenciais a serem desenvolvidas em caso de se
decidir pela preservação – pela não execução do projeto.
•• O usuário em potencial tem poder aquisitivo suficiente para lhe permitir pagar para
que fiquem abertas as opções;
•• Esse usuário tem preferências muito definidas em relação a essas opções; sabe,
exatamente, qual a satisfação que teria se viesse a decidir exercer as opções.
Essas hipóteses geralmente estão por detrás das técnicas de valoração contingente, que
geralmente são empregas na determinação do valor de opção. Trata-se de técnica de entrevistas à
base de questionários, apoiadas em metodologias que levam aos entrevistados a revelarem suas
preferências em relação às opções de uso do recurso ambiental no caso de se decidir por sua
preservação. Mas nem sempre as condições acima são observadas. Esses problemas e outras
dificuldades complicam a determinação razoavelmente acurada do Vo. Essa magnitude pode ser
estimada, mas com alguma dificuldade.
• Ve, o valor de existência. Valor atribuído pela sociedade pela mera existência do
meio-ambiente preservado. Esse valor não decorre da possibilidade de uso do recurso ambiental;
na verdade, está associado à manutenção do recurso ambiental em estado pristino. (ex. o valor de
existência para as baleias e para os elefantes nos EUA e na Europa; o valor da floresta
amazônica preservada nesses países).
Também é possível o emprego da técnica da valoração contingente para tentar medir Ve.
Entretanto, isso pode requerer uma logística extremamente complicada, de custo muito alto, uma
vez que o âmbito de realização do valor de existência pode ser muito extenso, englobando, em
princípio, o mundo todo.
Supondo que seja viável estimar as três categorias de valores da preservação, o benefício
da preservação, Bp, compreende a soma desses três valores. Ou seja:
Bp = Vu + Vo + Ve.
É necessário, pois, que se procure exercer o máximo de cautela no caso de projetos que
modifiquem acentuadamente o meio-ambiente, especialmente nos casos em que esses três tipos
de impactos se verificam com muita intensidade.
Conforme Irving Fisher, um dos pais da teoria do capital, a taxa de retorno é a retribuição
ao ‘sacrifício’ envolvido no ato de poupar; ela assegura a transferência de recursos, do consumo
para a poupança, e assim, para o investimento – para a aquisição de máquinas e equipamentos,
para construções, etc. Ou seja, induzindo à poupança, a taxa de retorno cria condições para a
expansão do estoque de capital da economia; tem, pois, importância fundamental para o
crescimento da economia. De acordo com a teoria neoclássica do capital, a taxa de social de
retorno indica a retribuição da sociedade no futuro, para um incremento de poupança no
presente. Para ela, se não existisse essa taxa de retorno, a poupança da sociedade seria diminuta.
Uma parte muito grande da renda seria consumida e pouco sobraria para a efetivação de
investimentos; a economia tenderia a estagnar. Uma taxa de retorno positiva induziria a
poupança e, quanto maior essa taxa, maior a poupança e mais recursos estariam disponíveis para
o investimento.
228
Isto do lado da poupança. Entretanto, a taxa de retorno não cai do céu; ela depende da
rentabilidade do capital. Os empresários só aceitam tomar recursos para investir pagando uma
dada taxa de retorno se tiverem a expectativa de obter uma rentabilidade do investimento (o
retorno do investimento), igual ou superior ao que terão que pagar a quem fornece tais recursos –
o poupador. Em princípio, um dado empresário tem um elenco de projetos de investimento em
potencial, cada um com uma dada taxa esperada de retorno. Se os recursos dos poupadores
estiverem ao dispor do empresário a custo baixo – ou seja, se a taxa social de desconto for
reduzida – mais desses projetos serão rentáveis e ele tenderá a investir mais. E, se a taxa social
de retorno for elevada, menos projetos serão viáveis e menor será a sua inclinação a efetuar
investimentos. Se isto ocorrer com todos os empresários, observaremos para o conjunto da
economia, uma relação inversa entre o investimento e a taxa de retorno.
Para a teoria neoclássica do capital, a taxa social de retorno surgiria do encontro de tal
comportamento dos poupadores e dos investidores. A esta taxa, o montante de poupança
oferecido pelo conjunto dos poupadores na economia seria igual ao montante de recursos que as
empresas estariam desejosas de absorver na realização de investimentos.
A necessidade de ser paga ao poupador uma taxa de retorno é justificada com base na
hipótese da impaciência; supõe-se que os indivíduos apreciam mais o consumo no presente que
no futuro, exigindo um pagamento para adiá-lo. Mas como a produtividade do capital é positiva,
o montante de consumo adiado e investido, tende a gerar no futuro mais que o consumo
sacrificado, permitindo o pagamento dessa compensação ao poupador.
Não se deve confundir a taxa social de retorno com a taxa de lucro, ou com as taxas de
juros de mercado. A taxa de lucro é a remuneração do empreendedor; para a teoria neoclássica, a
capacidade empresarial é um recurso escasso e assim tem sua remuneração, na forma do lucro. Já
as taxas de juros de mercado – e existem muitas destas – são remunerações pela cessão de
recursos financeiros, que podem ter usos os mais diversos, e não só no investimento. Além disso,
existem taxas de juros diferentes porque tanto os riscos associados às diferentes formas de
empréstimo, como os custos de administração dos empréstimos são diferentes. Num dado
momento, uma empresa sólida e com um excelente histórico de cumprimento de obrigações
financeiras, poderá obter empréstimo a uma taxa de juros reduzida. Já um indivíduo em
dificuldades financeiras, que é levado a recorrer a um agiota, certamente enfrentará taxa de juros
extremamente elevada. A diferença entre os dois casos está, essencialmente, nos distintos riscos
associados cada um.
A análise neoclássica defende, pois, o conceito de taxa social de retorno. E insiste que
qualquer avaliação sobre o futuro, por exemplo, de um projeto, tome explicitamente em
consideração essa taxa. Por essa razão, adota a prática de descontar o futur a uma taxa social de
retorno nos modelos dinâmicos, alguns dos quais estão na base das teorias de recursos naturais
atrás examinadas.
Em suma, como a taxa social de retorno não é magnitude observável, ela precisa ser
estimada. Contudo, tais estimativas são fortemente afetadas pela técnica de estimação e pelos
dados usados.7 Além disso, como vimos, há objeção ética em relação à prática de descontar o
fluxo de benefícios líquidos no caso de atividades cujos efeitos se estendam sobre um horizonte
temporal de várias gerações. Nesses casos, ao se aplicar uma taxa de desconto, mesmo que
idêntica à taxa social, estar-se-á assegurando um uso mais intenso de recursos pela geração
presente. Ou seja, a prática do desconto significa que as preferências das gerações mais distantes
no tempo pesam menos que as das gerações mais próximas, com peso máximo para as da
geração atual, e um peso muito reduzido para as gerações que viverão em um futuro mais
distante. Ou seja, com o desconto do fluxo de benefícios à taxa social de retorno se está dando
importância desmesurada à geração atual. E, no caso de recursos naturais não renováveis, o
emprego do desconto justifica uma depleção mais rápida destes, sobrando bem menos para as
gerações mais distantes.
Vimos, no capítulo 18, que existe uma objeção ética do desconto dos benefícios líquidos
das gerações futuras em todos os casos envolvendo horizontes temporais longos. Vimos,
também, que este é um assunto controvertido mesmo no âmbito da análise neoclássica, e que
existem vários economistas de renome que criticaram o emprego do desconto do futuro nesses
casos; mas indicamos que também há renomados economistas neoclássicos que justificam, com
base em sólidos argumentos teóricos, a prática do desconto.
Em suma, merece ser ressaltado o do viés de curto e médio prazo instilado na modelagem
neoclássica pela prática do desconto do futuro. Embora seus modelos dinâmicos admitam a
projeção do futuro para o infinito, a prática do desconto assegura que o horizonte temporal
relevante será, quando muito, o de uma ou duas gerações; o peso de uma dada geração será cada
vez menor quanto mais remotamente esta se localize no tempo. Com isto, tendem a ficar em um
segundo plano os problemas causados pela exaustão de recursos naturais não renováveis, e
deixam de ter relevância, nas análises da poluição, os casos de impactos defasados no tempo, da
emissão e acúmulo de poluentes. Mas são estes os tipos de efeitos que mais preocupam aos que
centram suas atenções sobre a sobrevivência da humanidade em um horizonte temporal mais
amplo – de séculos e não de apenas umas poucas gerações (ver a Parte IV).
7 Portney, 1990. O autor menciona duas estimativas para os Estados Unidos, com dados e técnicas de estimação
apenas um pouco diferentes. A primeira estabeleceu que a taxa social de retorno estaria entre 1.6 e 2.0%; para a
outra, a taxa estaria no intervalo de 10 a 12%(p. S-64).
230
1. Introdução
A metodologia do SCN foi estabelecida sob liderança das Nações Unidas. A primeira
proposta de um SCN de ampla aceitação foi aprovada em 1953, mas o sistema foi aperfeiçoado,
tendo sido aprovadas revisões – a maioria de cunho metodológico – em 1958, 1968 e 1991. O
acompanhamento e a orientação da implementação do SCN nos diversos países vem sendo feito
pelo Escritório de Estatística da ONU; este também desenvolve estudos e apresenta propostas de
mudanças, que são examinadas pela Comissão de Estatística das Nações Unidas – composta de
representantes de países membros –, que as aprova ou não. A metodologia básica do SCN se
231
apoia fortemente em modelo macroeconômico keynesiano, mas também inclui elementos das
teorias microeconômicas do equilíbrio geral e do bem estar social.
O modelo básico que orienta a metodologia do SCN tem o mérito de dar coerência e
solidez conceitual a um conjunto de indicadores agregados, construídos a partir de um complexo
de informações de diversos segmentos da economia. Mas também resultam do modelo básico, e
das preocupações de curto prazo que orientaram a construção de principais agregados do SCN,
algumas das maiores deficiências – pode-se mesmo dizer, omissões – do sistema no registro das
inter-relações entre o sistema econômico e o meio-ambiente. O modelo no qual se apoia o SCN
trata a economia um sistema isolado, autocontido – ou seja, um sistema que não intercambia nem
energia, nem matéria com seu meio externo. Uma vez que o SCN ignora as inter-relações entre o
sistema econômico e o meio-ambiente, não tem mesmo o que registrar nesse campo.
Na época em que o SCN foi instituído, essa postura era compreensível. No início da
década de 1950 se sobressaiam problemas especialmente urgentes, como o do desemprego e o do
subdesenvolvimento, e a escala das economias, mesmo dos maiores países industrializados,
ainda era reduzida. Por isso não se considerou importante que o sistema focalizasse inter-
relações entre o sistema econômico e o meio-ambiente. Mais recentemente, porém, foi ficando
claro que os agregados do SCN não só não permitiam aferir os custos ambientais decorrentes do
forte aumentos da escala da economia mundial, como forneciam uma visão distorcida do
funcionamento da economia. Ou seja, começou a se perceber que esse agregados escondiam
custos e tratavam dispêndios associados à regeneração ambiental e à proteção dos indivíduos e
famílias dos efeitos da degradação ambiental como renda, portanto, como indicadores de bem-
estar. Tornou-se óbvio, também, o tratamento assimétrico dado a elementos do patrimônio de um
país – o capital construído (fábricas, máquinas, veículos, prédios), cuja variação é
cuidadosamente acompanhada pelo SCN, e o capital natural (recursos naturais como o solos, as
reservas minerais), cuja variação não é registrada pelo sistema. Esses e outros problemas fizeram
com que, no final dos anos 80, se desenvolvesse uma série de iniciativas para tentar corrigir
essas deficiências.
Agregados nominais versus reais. Via de regra, os agregados das contas nacionais são
computados aos preços correntes no período em exame. Entretanto, essa prática pode levar a
interpretações incorretas de variações ocorridas entre dois momentos do tempo. Se, por exemplo,
uma economia se encontra estagnada, produzindo o mesmo em um ano e no ano seguinte, mas
experimentar uma inflação de 10%, o PIB nominal do segundo ano apresentará um incremento
de aproximadamente 10%. Mas esse não é um crescimento real, pois a produção e o consumo
agregados permaneceram quase constantes. Focalizando variações nominais do PIB (e de outros
agregados do SCN) podemos, pois, gerar avaliações equivocadas.
Para contornar problemas dessa natureza, os agregados das contas nacionais de diferentes
anos podem ser computados aos preços de um mesmo ano. É como se tivéssemos um único vetor
de preços de bens e serviços, e as quantidades (físicas) produzidas de cada um dos anos fossem
multiplicadas pelos respectivos preços desse vetor. Desta forma, as variações que ocorrem em
um agregado entre dois momentos do tempo, refletiriam mudanças reais na produção e em outros
aspectos computados. Na verdade, não é necessário se trabalhar com um vetor de preços, pois a
conversão dos agregados a valores de um mesmo ano pode ser feita com certa facilidade,
mediante o emprego de índices de preços.
A renda per capita. Se dividirmos o valor do PIB (da renda interna bruta) pela população
do país, temos a renda per capita bruta do país no período. A renda per capita é um indicador
básico, amplamente empregado para refletir o bem-estar médio dos habitantes do país. Passou a
se aceitar que, quanto mais elevada a renda per capita, mais desenvolvido é o país.
Semelhantemente, o crescimento da renda per capita é considerado um índice de progresso. Se
um país tem taxa reduzida de crescimento da renda per capita, considera-se que sua economia
está estagnada; se essa taxa é elevada, aceita-se que o país está progredindo.
Outros agregados do SCN. Pode-se, também, mostrar que o PIB da economia (o seu
valor adicionado, a sua renda interna bruta) em um dado período é idêntico à Despesa Interna
Bruta – o valor dos bens e serviços que os usuários finais adquirem durante o período. E as
principais categorias desses usuários são os consumidores (indivíduos e famílias), as empresas
na sua qualidade de investidoras (adquirindo máquinas, equipamentos, realizando construções
para aumentar sua capacidade de produzir, etc.), o governo, além de outros países que
importam bens e serviços da economia (originando suas exportações).
Idealmente, o Produto Interno Bruto, a Renda Interna Bruta e a Despesa Interna Bruta
não são os melhores indicadores nas suas respectivas categorias. Isto porque incluem a parcela
que corresponde à reposição do capital fixo (máquinas, equipamentos, construções, infra-
estrutura) desgastado pelo processo produtivo. Em tese, se deveria deduzir de cada um desses
indicadores o valor do capital fixo desgastado no processo de produção -- a sua depreciação.
Uma analogia com o que tende a ocorrer com uma empresa é útil para ilustrar a questão;
uma empresa usa suas máquinas, equipamentos, veículos, construções, etc. – o seu capital fixo –
para produzir e vender mercadorias em um dado ano. Em conseqüência, gera um excedente
econômico, que pode ser positivo (lucro) ou negativo (prejuízo). Supondo que dê lucro, se todo
esse lucro for distribuído aos seus proprietários, no exercício seguinte a empresa não poderá,
sem se endividar, repor o desgaste dos seu capital fixo, ocorrido no ano, e seu patrimônio sofrerá
uma redução. Por isso a legislação fiscal permite a dedução do lucro bruto da empresa, de uma
parcela que compõe uma reserva para possibilitar a reposição do capital fixo desgastado,
mantendo intacta a sua capacidade de produzir. Trata-se da reserva de depreciação da empresa.
233
Em tese, como esses recursos a empresa manterá seus equipamentos e instalações – seu capital
fixo – em condições adequadas de produção.
Se isso é válido para uma empresa, também o é para a economia como um todo. Apenas
para raciocinar, se a Renda Interna Bruta de um período fosse inteiramente consumida, não
sobrariam recursos para repor o capital fixo da economia que se desgastou no processo
produtivo, e a sua capacidade produtiva sofreria uma redução. A economia se tornaria mais
pobre. Assim, seria mais adequado se, do montante do PIB (ou da Renda Interna Bruta e da
Despesa Interna Bruta) fosse deduzido o valor do desgaste do capital fixo – o valor da
depreciação – ocorrido no período. Sobrariam assim, o Produto Interno Líquido (PIL), a
Renda Interna Líquida e a Despesa Interna Líquida (magnitudes que, por construção, são
idênticas). E a Renda Interna Líquida poderia ser inteiramente consumida sem reduzir a
magnitude do patrimônio construído da economia (do seu capital fixo).
Tratando a economia como sistema isolado, o SCN ignora esses impactos da atividade de
produção e de consumo. Com isso, gera indicadores e agregados que fornecem visão distorcida
do que ocorre no sistema econômico. Conforme detalhado abaixo, são as seguintes as principais
deficiências e omissões do sistema:
Em que direção deve ir um esforço para contornar os problemas acima esboçados? Uma
resposta a essa pergunta requer que se adote postura apoiada no conceito de desenvolvimento
sustentável – um conceito surgido justamente das preocupações com a exploração predatória de
recursos naturais e ambientais associada à expansão recente da escala da economia mundial.
Vimos que, para a Comissão Mundial do Meio-Ambiente e Desenvolvimento (CMMD, 1987):
Essa percepção é essencial para que se estabeleça o contexto das tentativas que vem
sendo realizadas, de reforma do SCN com o objetivo de possibilitar um registro dos efeitos
ambientais da atividade econômica. É útil, nesse sentido, ter-se em conta o conceito de renda
sustentável, estabelecido por John Hicks, há mais de 50 anos. Segundo este:
“O propósito dos cálculos de renda na nossa vida diária é o de dar às pessoas uma
indicação do consumo que podem levar a efeito sem se tornarem mais pobres. Seguindo essa
235
idéia, parece correto definir a renda de uma pessoa como o valor máximo que esta pode
consumir em um período, chegando ao fim deste com o mesmo patrimônio que no início. Assim,
quando a pessoa poupa, reserva parte de sua renda para aumentar seu patrimônio, visando
assegurar condições de consumir mais no futuro; mas quando ela consome mais que a sua
renda, estará dilapidando seu patrimônio.”
Parece claro que, se considerarmos, não um indivíduo, mas um país, uma sociedade, esse
critério também serve de guia ao estabelecimento de um sistema aperfeiçoado de contas
nacionais. Este deve procurar medir a renda da sociedade no mesmo sentido indicado por Hicks,
mas o patrimônio da sociedade deve ser definido de uma forma mais ampla que a
tradicionalmente empregada pelo SCN – isto é, considerando tanto o patrimônio produzido,
como o patrimônio natural e o capital humano da sociedade. O conceito de renda apropriado
seria, pois, o total do produto que poderia ser destinado ao consumo, em um dado período, sem
que haja redução, no fim do período desse patrimônio amplo.
Esforços visando reformar o SCN para fazer com que tome em conta aspectos da
dimensão ambiental, tiveram início em meados da década de 1980, num trabalho conjunto do
Escritório de Estatística das Nações Unidas, do Banco Mundial e de organizações de estatística
de alguns países. Depois de extensa discussão em vários grupos de trabalho e reuniões técnicas,
decidiu-se que não seria viável reformular radicalmente o SCN; julgou-se essencial que
continuassem a ser calculados os indicadores agregados do sistema, acima apontados, mantendo
assim a comparabilidade no tempo. Ao invés, deveria ser desenvolvido um sistema auxiliar,
composto de um conjunto de contas satélite ambientais, a ser acoplado ao núcleo central do
SCN, possibilitando a geração de indicadores agregados que captem aspectos das inter-relações
entre o sistema econômico e o meio-ambiente. Surgiu, assim, o Sistema Integrado de
Contabilidade Econômica e Ambiental (SICEA).9 Segue-se uma discussão dos principais
aspectos desse sistema.
Visando corrigir o tratamento inadequado dado pelo atual SCN à depreciação do estoque
de capital, a recomendação foi a de que se passe a valorar o estoque de capital natural da
economia, para então determinar sua depreciação. Com isso, o valor da depleção e desgaste do
8
Ou seja, a sustentabilidade não requer que se mantenha o mundo intacto, preservando todos os recursos naturais e
ambientais, o que, ademais, seria impossível. Não se espera que a composição do patrimônio social em termos de
capital natural, de capital produzido e de capital humano, permaneça sempre imutável. Esses recursos são
parcialmente fungíveis; até certo ponto, os de um tipo podem substituir outros.
9
A versão do SICEA aprovada em 1993 pode ser vista em Nações Unidas, 1993.
236
Uma ilustração da natureza dessa proposta está no caso de países produtores de petróleo
do Oriente Médio. Nas regras atualmente em vigor no SCN, a receita líquida que o país obtém da
venda do petróleo (a receita bruta menos os insumos e serviços necessários para extrair e tornar
disponível o petróleo) é considerada valor adicionado e faz parte do PIB da economia. E, ainda
nas regras atuais, o Produto Interno Líquido (PIL) desses países é obtido tomando em conta
apenas o valor da depreciação do capital construído (D); fica de fora a depleção das reservas de
petróleo do país. Ou seja, o Produto Interno Líquido é obtido com a tradicional fórmula:
PIL = PIB - D
PILS = PIB - D - DR
que isso longe está de ser verdade. Os processos de produção e de consumo geram custos
ambientais, que podem ser apreciáveis, não sendo legítimo que o SCN os ignore.
Assim, o SICEA pede a da criação de um sistema de contas satélite que torne possível
incorporar o valor da degradação ambiental causada pela produção e pelo consumo, deduzindo-o
dos agregados do SCN tradicional. Existem, entretanto, dificuldades em adotar essa
recomendação. Primeiramente, o que é significa, concretamente, a perda de qualidade do meio-
ambiente? Como definir a degradação? Todos temos uma intuição do que é degradação
ambiental, mas como medi-la? E, principalmente, como registra-la em termos monetários?
Essa sugestão parece simples, mas envolve vários problemas. Nem sempre é possível
determinar o custo de recuperar os padrões de qualidade. Muitas vezes lida-se com fenômenos e
processos que não são reversíveis. Qual o custo de recuperação se esta não é possível?
Problemas como estes vêm retardando, na prática, a inclusão pelo Sistema de Contas
Nacionais, da metodologia proposta pelo SICEA para considerar o custo da degradação
ambiental das atividades de produção e de consumo. Há países que já procedem dessa maneira
(por exemplo, a Holanda e o Canadá), outros aceitaram de forma parcial as sugestões de
mudanças (por exemplo, a Grã Bretanha), mas a maioria continua a computar suas contas
nacionais da forma tradicional.
Acontece que, pelos critérios do atual SCN, os custos da prevenção e defesa são parte da
produção de bens e serviços e, portanto, incluídos no cômputo do PIB e de outros agregados das
contas nacionais. Assim, os custos decorrentes dos esforços de prevenção acabam sendo fator de
expansão do PIB, indicando melhoria de bem-estar social.
238
Atividades de apropriação,
Recursos naturais transformação e uso de recursos Resíduos e dejetos
10
Ver Walschburger, 1990.
11
Ver United Nations, 1993.
239
Minerais
Solos Produção Consumo Materiais degradados
Água
Flora. Energia dissipada
Fauna
Fontes de energia
Consumo
Valor Bruto da intermediário Valor Adicionado à
SETORES Produção (bilhões (matérias primas, Produção
de unidades produtos (bilhões de U.M.)
monetárias) intermediários)
(bilhões de U.M.)
No ano em pauta, o PIB de nosso país hipotético totalizou 288,2 bilhões de Unidades
Monetárias (UM). E, conforme vimos acima, esse montante é idêntico à Renda Interna Bruta do
país, e à sua Despesa Interna Bruta.
O SCN se contenta com este e com indicadores semelhantes; não considera a depleção, a
depreciação do capital natural resultante do processo de produção e de consumo e nem os danos,
a degradação, que este provoca no meio-ambiente. Para considerar tais elementos, torna-se
necessário computar os custos ambientais – os custos da degradação que a atividade econômica
240
Gastos defensivos
· Das famílias 11,3
· De setores econômicos 15,4
Com base nesses elementos, podemos fazer cálculos de produto sustentável. Começamos
com o PIB sustentável (PIBS). Este é igual a :
PIBS = PIB - custos da degradação ambiental - gastos defensivos das famílias; ou,
Pode parecer estranho deduzir apenas os gastos defensivos das famílias, e não os das
empresas. Acontece que estes últimos (os 15,4 b. de UM da Tabela 2, acima) já são deduzidos do
valor bruto da produção no cálculo do valor adicionado. Em outras palavras, ao se calcular o
valor que uma empresa adiciona à produção, a compra de filtros, de catalisadores, de reagentes e
de outros materiais usados para filtrar, para limpar a poluição que emitem para o ar ou para
corpos d’água, são deduzidos do seu valor da produção, de forma semelhante às matérias primas
e produtos intermediários. O mesmo não acontece, entretanto, com os gastos defensivos das
famílias. Como, por convenção, as famílias nada produzem, estas não usam insumos e não geram
valor adicionado. Para o SCN, as famílias são de interesse porque recebem renda e, em
conseqüência, consomem e poupam. E está implícita no SCN a noção de que os gastos em
consumo das famílias refletem bem-estar; quanto maior o consumo, maior o bem-estar. Mas os
gastos das famílias para sua proteção contra más condições do meio-ambiente são tratados como
consumo quando, na verdade, o que fazem é evitar quedas de bem estar. Ademais, esses gastos
implicam no desvio de parte da renda que, em condições de menor degradação ambiental
poderiam ser usados para propiciar maior bem-estar aos membros ou famílias.
Note-se que o PILS é bem menor que o PIL obtido pelo SCN convencional. No nosso
exemplo este é igual a 261,9 b. de UM (ou, 288,2 b. de UM - os 26,3 b. de UM de D). O PIBS é,
pois, apenas cerca de 70% do Produto Interno Líquido convencional.
242
Se dividirmos o PILS de nosso país hipotético por sua população, teremos o Produto
Líquido Sustentável per Capita. Supondo que essa população seja de 50 milhões de pessoas, o
PILS Per Capita seria 3.752 UM por habitante/ano. Esse montante seria um indicador bem mais
acurado da renda sustentável média da população do país, que os 5.238 b. de UM do PIL Per
Capita convencional.
A discussão da seção anterior abre uma dúvida. Ao longo de um dado ano, um país
desgasta seu patrimônio de capital natural; entretanto, nesse mesmo período, o país pode ter
ampliado esse patrimônio. Isso ocorre com a descoberta de novas reservas de minerais, com a
abertura de novas terras na fronteira agrícola, com investimentos que tornem possível o acesso a
florestas ricas em madeiras nobres, etc. Pode haver, também, gastos (investimentos) de
recuperação, por exemplo, de terras agrícolas erodidas, tornando-as aptas ao uso produtivo. Se
concentrarmo-nos apenas na contabilização dos fluxos associados ao processo de produção e ao
uso de insumos ambientais e de degradação ambiental, conforme feito acima, a impressão que
teremos é que o patrimônio de capital natural do país está constantemente se reduzindo.
Variação ocorrida no
período
Aumento no estoque de
ativos 68,0 1,4 164,0
Consumo de capital fixo -23,1
Uso de recursos ambientais -2,0 -73,0
Na parte central da tabela temos os registros dos fluxos ocorridos ao longo do ano, em
cada uma das categorias atrás examinadas. Observa-se, assim, um aumento bruto no valor do
patrimônio produzido, de 68,0 b. de UM, mas há a redução, correspondente ao consumo de
capital (depreciação; desgaste de máquinas e equipamentos, veículos e construções) de 23,1 b.
de UM; o aumento líquido deste elemento do patrimônio produzido é, pois, de 44,9 b. de UM, o
que faz o patrimônio econômico produzido do fim do período aumentar para 1.036,2 b. de UM;
ver a parte de baixo da tabela, ‘patrimônio tangível no fim do período’.
Esse mesmo tipo de evolução ocorre com os outros itens do patrimônio tangível. O
patrimônio natural produzido (matas plantadas; variações nos estoques pecuários; terras
recuperadas) registra um aumento de 1,4 b. de UM e uma depreciação de 2,0 b. de UM, o que faz
o valor do patrimônio natural produzido declinar de 83,1 b. de UM no início do ano, para 82,5 b.
de UM no fim do ano.
No que diz respeito ao patrimônio natural não produzido, temos um uso de recursos num
total de 73,0 b. de UM, e um incremento de ativos naturais (descobertas de novas reservas de
petróleo, de minerais, incorporação de terras na fronteira agrícola, delimitação de reservas de
florestas naturais para exploração sustentável) valorados num total de 164,0 b. de UM. No fim
do período, o patrimônio de ativos naturais do país terá aumentado para 1.865,4 b. de UM. A
despeito do uso desse tipo de recursos, no exemplo, as descobertas de novas reservas, a abertura
de terras, etc., geram um aumento líquido no valo de patrimônio de recursos naturais não
produzidos.
Esses registros não devem, porém, ser interpretados para significar que a sociedade
humana tem absoluto domínio sobre o meio-ambiente a ponto de estar sempre "produzindo"
mais e mais ativos naturais. O que eles pretendem é meramente estabelecer formas de
acompanhar melhor a evolução, não apenas do uso de recursos naturais, como da ampliação ou
redução do estoque básico desses recurso a disposição da sociedade humana. Na verdade, os
registros da Tabela 3 são mais da natureza dos de uma país com ainda abundantes fronteiras de
recursos. No caso de país em que essas fronteiras estejam amplamente exploradas, os aumentos
nos estoques de ativos naturais não produzidos será inferior à taxa de uso desses recursos e se
observará uma redução no valor dos ativos naturais do país. E essa redução seria definitiva; é
importante lembrar que, ao contrário do capital produzido, o capital natural não produzido
244
(incorporado ou não à atividade econômica) de um país é recurso não reproduzível que, se não
manejado adequadamente, poderá tornar não sustentável o seu desenvolvimento.
Em si, a metodologia das contas satélites ambientais, bem como a da medição das
variações do patrimônio tangível com a inclusão do capital natural não apresentam dificuldades
– desde que existam estimativas dos valores, em termos monetários, dos ativos e dos impactos
ambientais. Ou seja, desde que se possa resolver os problemas de mensuração em termos
monetários das variáveis ambientais. Os exemplos acima consideraram conhecidos em termos
monetários essas variáveis.
Todavia, na vida real, não é bem isso que acontece. Ocorre que muitos dos ativos e
impactos ambientais que precisam ser valorados são complexos. No caso de reservas de
minerais, de depleção (de uso) dessas reservas, as dificuldades são menores. Entretanto, que
valor atribuir aos custos da degradação ambiental? É preciso ter em vista que, muitas vezes, não
existem preços e valores monetários associados à degradação. Os impactos ambientais são
freqüentemente qualitativos, e há interações entre diversas formas de degradação, ainda não
inteiramente compreendidas. Nesses casos, torna-se necessário e emprego de hipóteses, muitas
vezes heróicas, para transformar esses impactos em valores monetários. E, no casos dos ativos de
recursos naturais, os preços que temos são os do presente ou do passado. Como muitas vezes
esses recursos têm duração que pode se estender por várias décadas, os preços relevantes seriam
os do futuro; entretanto, não se tem, nem de forma aproximada, como estimar esses preços.
Desde 1992 o Canadá, um dos países pioneiros no esforço de aperfeiçoar seu sistema de
contas e indicadores ambientais, vem desenvolvendo um novo sistema de contas satélites
ambientais e de recursos naturais -- a ser acoplado ao seu sistema de contas nacionais. Esse
sistema deverá incluir quatro componentes distintos (Smith, 1994, p. xi e xii):
245
A idéia é que esses elementos sejam parte de uma ampla matriz de relações intersetoriais,
permitindo o desenvolvimento de contas de estoques e fluxos, expressas em termos físicos e
monetários, pertinentes à avaliação da evolução do uso de recursos naturais e das condições do
meio-ambiente do país.
12
Para detalhes sobre o NAMEA, ver Keuning, 1996.
246
Outros países também estão trilhando caminhos semelhantes. Cada um destes procura
construir seu sistema de contas satélites para fazer com que se considerem os aspectos
ambientais mais relevantes. E o faz trabalhando variáveis críticas, não só em termos monetários,
como em unidades físicas. O sistema da Grã Bretanha, por exemplo, tem contas satélites que
incluem o acompanhamento da depleção das reservas de petróleo e de gás (tanto em unidades
físicas como em valor), as emissões para a atmosfera das indústrias e do setor consumidor, e os
dispêndios em proteção ambiental por setores críticos em termos de agressão ao meio-ambiente
(Edward-Jones, 2000, p. 175).
APÊNDICE AO CAPÌTULO 20
Segue-se uma breve explanação para os não iniciados, da metodologia e da natureza dos
indicadores do Sistema de Contas Nacionais.
O principal agregado das Contas Nacionais é o do Produto Interno Bruto (PIB). Como
indicado acima, este é obtido a partir da soma do valor da produção de bens e serviços da
economia em um dado período. A questão é: devem ser incluídos todos os bens e serviços? A
resposta é não. Incluem-se apenas os bens e serviços finais. As matérias primas e produtos
intermediários usados na produção são excluídos. Isso é feito para evitar contagem múltipla.
O exemplo adiante pode ajudar a esclarecer a questão. Suponhamos que, numa economia
em um determinado ano tivéssemos o seguinte setor produtivo composto de três ramos:
A primeira vista parece que basta somar a coluna de valor da produção (R$ 47.000). O
problema é que, fazendo isso estaremos realizando contagem múltipla. Nos R$ 47.000 obtidos,
o valor do trigo entra três vezes (uma na produção da agricultura, outra da dos moinhos e ainda
outra, na das panificadoras); e o valor da farinha é contada duas vezes (uma na produção dos
moinhos e outra na das panificadoras). O correto é, pois, registrar apenas o valor do produto
final: o pão. Fazendo assim, a contribuição desses ramos de atividade para o PIB da economia é
R$ 22.000.
Este é o método do produto final de medir o PIB. O problema com este métodos, porém,
é o de determinar, em situações concretas, o que é produto final e o que é matéria prima ou
produto intermediário. O pão, por exemplo, é bem final para a família que o consome, mas é bem
intermediário para uma loja de sanduíches. Operacionalmente, seria extremamente difícil
computar o PIB com base nesse método.
Usando o exemplo acima, suponhamos, para simplificar, que o trigo seja produzido
apenas com terra e mão de obra, sem o uso de qualquer insumo (matéria prima); que a única
matéria prima na produção da farinha seja o trigo; e que a única matéria prima na produção do
pão seja a farinha. Suponhamos também, que todo o trigo seja vendido aos moinhos para fazer
farinha, e que toda a farinha seja vendida às panificadoras para fazer o pão. Em outras palavras,
o trigo e a farinha são apenas produtos intermediários (matérias primas); nenhuma parcela destes
é produto final. O cálculo do valor adicionado é ilustrado a seguir:
Setor produtivo Valor bruto da produção Matéria prima comprada Valor adicionado à
de outro setor produção
(1) (2) (1) - (2)
Agricultura R$ 10.000 0 R$ 10.000
Moinhos R$ 15.000 R$ 10.000 R$ 5.000
Panificadoras R$ 22.000 R$ 15.000 R$ 7.000
TOTAL R$ 47.000 R$ 25.000 R$ 22.000
Note-se que a soma do valor adicionado em todos os estágios iguala a soma do valor
bruto da produção menos a soma das matérias primas adquiridas e usadas pelos ramos
produtivos. E este montante corresponde, no nosso exemplo, à contribuição do setor agricultura-
moinhos-panificadoras ao Produto Interno Bruto (PIB) da economia, no ano em questão. E é
igual, também, ao valor do produto final (do pão).
Por sua vez, o valor adicionado em cada estágio do processo produtivo é igual à renda
distribuída aos agentes envolvidos no processo. Ou seja, corresponde à soma dos salários pagos
aos trabalhadores, com a renda da terra, com os juros pagos no financiamento da produção e
248
com os lucros dos empreendedores. Vamos supor que, no caso acima, tenha sido a seguinte a
repartição do valor adicionado:
Note-se que a soma do Valor Adicionado é igual a soma das rendas distribuídas no
processo produtivo. Ou seja:
Produto Interno Bruto (PIB). Soma do valor de todos os bens e serviços finais
produzidos pela economia em um dado período. É, da mesma forma, igual a soma do valor
adicionado à produção, por todos os setores da economia, no período.
PIB = RIB em um mesmo período, pois, como vimos, o valor adicionado é igual à
soma das rendas geradas no período. Em outras palavras, o valor adicionado é distribuído
na forma de salários, ordenados, renda da terra, juros, lucros, impostos. Por isso a
identidade do PIB com a RIB.
Despesa Interna Bruta (DIB). É igual ao total dos gastos da renda gerada pela
economia no período. Compreende o total dos gastos em bens e serviços de consumo, em
bens de capital (investimento), os gastos do governo e as exportações menos as
importações. Para um dado período, DIB = RIB = PIB.
249
Renda per capita = RIB dividida pela população da economia no período. Neste caso,
temos a renda per capita bruta. Mas fazendo RIB - depreciação, teremos a Renda Interna Líquida
(RIL), e a renda per capita (líquida) seria igual a RIL / população.
O PIB nominal é computado tomando os preços médios dos bens e serviços vigentes em
cada período. Se houver inflação e esses preços sofrerem aumentos; e no ano seguinte o PIB
nominal também registrará incremento, mesmo que a economia não cresça.
O PIB real, por sua vez, é o PIB calculado com base em preços fixos de um determinado
ano, denominado ano-base. É como se o SCN tomasse as quantidades relevantes do ano e as
multiplicasse pelos preços vigentes no ano-base. Na prática, porém, calcula-se o PIB nominal
para cada ano e se usa índices de preços para ajustar o valor do PIB aos preços do ano-base.
Se temos o PIBt e PIBt+1 (ou seja, o Produto Interno Bruto em dois anos), o crescimento
da economia é calculado pela fórmula:
A contribuição para o PIB nominal desse setor passou de R$ 22.000 para R$57.750 entre
os dois anos. O crescimento da mesma, em termos nominais, foi:
13
Não se inclui no PIL a depreciação do capital natural; como vimos, este é um dos problemas com o SCN.
250
Essa taxa nada nos informa sobre o comportamento do setor produtivo da economia, pois
mistura alta de preços com o aumento de produção.
Para determinar o crescimento do PIB desse setor em termos reais, se o ano-base for (t),
calcula-se o valor do produto final do setor para os dois anos com base no preço vigente nesse
ano. Ou seja:
• Estabelecer o valor de muitos produtos e insumos é fácil. Entretanto, este não é o caso
com outros. Exemplos:
•••Serviços de residência habitada por proprietário que, portanto, não paga aluguel –
regra: imputar (estimar) o valor do aluguel do imóvel e incluir no PIB.
•••Valor dos serviços da dona de casa prestados no lar – regra: não computar.
•••Produtos e serviços considerados ‘mal’ social – regra: não incluir no cálculo do
PIB. Assim, a produção de drogas, os serviços do jogo ilegal, da prostituição, não são
registrados. Exemplo de problema com isso: no Brasil, hoje o jogo do bicho é ilegal e não se
computa a sua contribuição. Se, de uma hora para a outra, se legalizar o bicho, o PIB do Brasil
aumenta, sem que nada tenha mudado na economia.
Como se explica no texto, o SCN apresenta sérias deficiências no que tange aos registros
dos impactos sobre o meio-ambiente do funcionamento do sistema econômico.
PARTE IV
1. Introdução
1 A noção de visão pré-analítica é de Schumpeter (1954, p. 41, apud de Daly, 1991, p. 255). Para esse autor, o
"esforço analítico é necessariamente precedido por um ato cognitivo pré-analítico, que fornece suporte a esse
esforço analítico."
2 Ver Auer (1977, especialmente pp. 318-319). Para esse autor, mesmo que, ao longo do século XXI, a população
mundial aumente dez vezes, e que a demanda de energia tenha incrementos semelhantes, serão descobertas ou
tornadas viáveis novas fontes de energia (a energia solar, e/ou a atômica) quase ilimitadas, viabilizando tais
aumentos. Auer reconhece que existem limites físicos, mas está confiante que estes só virão a ter impactos mais
sérios num prazo de tempo tão longo a ponto de se tornarem irrelevantes para a humanidade, pois antes terão
ocorrido catástrofes naturais tornando quase impossível a vida na terra.
3 Ver Randers e Medows, 1975. Trata-se do estudo, já mencionado, que o Clube de Roma encomendou a um
grupo de cientistas do Massaschutes Institute of Technology (MIT), com o objetivo de avaliar as perspectivas de
longo prazo do mundo contemporâneo.
4
Ver, por exemplo, Georgescu-Roegen, 1975, pp. 364-66.
255
Vimos que, para ser relevante, uma corrente da economia ambiental deve contemplar,
pelo menos em parte, as três condições centrais do conceito de sustentabilidade: (1) a condição
pareteana de que seja assegurada, pelo menos a manutenção do bem-estar dos que, no presente,
vivem no Primeiro Mundo; (2) o requisito de se dar absoluta prioridade ao atendimento das
"necessidades básicas dos pobres de todo o mundo; e (3) a condição fundamental de que tudo
isso seja feito "sem o comprometer a capacidade das gerações futuras de atender às suas
necessidades".5 É necessário reconhecer, entretanto, que correntes de pensamento diferentes
dão mais ênfase a um ou a outro desses três elementos. Os modelos da economia ambiental
neoclássica, por exemplo, tendem a enfatizar os problemas associados à degradação ambiental
decorrente do funcionamento das economias de mercado avançadas, ressaltando a condição (1).
Em contraste, a economia da sobrevivência – aqui avaliada – ressalta os impactos das ações do
presente em termos do cumprimento do requisito da preservação das oportunidades das
gerações futuras, em linha com a condição (3).
Com a finalidade de estabelecer as bases para uma comparação entre as duas correntes
da economia do meio-ambiente, resumimos aqui a essência da visão neoclássica, ressaltando
aspectos das análises dessa escola hegemônica que vêm recebendo críticas. A Figura 1, abaixo,
apresenta esboço das inter-relações entre o sistema econômico e o meio-ambiente. O sistema
econômico aparece interagindo explicitamente com o meio-ambiente; este fornece recursos
naturais essenciais à produção e recebe do sistema econômico fluxos de resíduos dejetos,
responsáveis por sua degradação. Dependendo do horizonte temporal que considere, e do seu
viés analítico, a abordagem de uma dada corrente de pensamento econômico pode ir, desde o
tratamento exclusivo de fenômenos que ocorrem dentro da caixa do sistema econômico, até
uma abordagem que privilegie as inter-relações entre o sistema econômico e o meio-ambiente.
Vimos que o “mainstream” neoclássico se concentrou nos fenômenos que ocorrem dentro da
caixa, ignorando os impactos dos processos econômicos sobre o meio-ambiente. E, que quando,
no final da década de 1960, a pressão dos acontecimentos fez surgir, quase que na forma de
uma variante setorial, de uma área de especialização, a economia ambiental neoclássica, esta
especificou inter-relações apenas superficiais entre o sistema econômico e o seu meio externo.
5
Em linha com a conceituação de ‘desenvolvimento sustentável’ da Comissão Mundial do Meio-Ambiente e
Desenvolvimento das Nações Unidas (CMMD, 1987, p. 43).
256
das ciências econômicas um confronto mais amplo, entre a epistemologia da ciência clássica e a
da ciência moderna. O Quadro 1 contém um trecho sugestivo a esse respeito, de autoria do
eminente físico e Prêmio Nobel Ilya Prigogine. Como se vê ali, a epistemologia mecanicista da
ciência clássica a fez conceber um mundo cujo funcionamento, governado por leis
fundamentais reversíveis no tempo, é simples, previsível e reversível. Mas, na sua maior parte,
a ciência moderna não aceita essa concepção; sua epistemologia considera um mundo
complexo, em que a irreversibilidade e o comportamento estocástico são a regra e não exceção.
RECURSOS ESTADO
NATURAIS GERAL
COMO DO MEIO-
INSUMOS AMBIENTE
Rejeitos; Rejeitos;
Degradação Degradação
MEIO-AMBIENTE
SISTEMA
ECONÔMICO
Produção Consumo
Reciclagem
Esse ponto foi ampliado por Perrings (1987); segundo esse autor, os modelos da análise
econômica convencional baseiam-se em uma das seguintes hipóteses ambientais: a hipótese
ambiental tênue, segundo a qual o meio-ambiente não é inteiramente dominado pelo sistema
econômico, mas o papel que desempenha é benigno e passivo; e a hipótese ambiental forte,
segundo a qual a economia domina completamente o seu meio externo, o que equivale a dizer
que o meio-ambiente não existe.
Vimos que, para os economistas clássicos (do final do século XVIII e parte do século
XIX) a hipótese ambiental tênue tomou, então, a forma de um meio-ambiente provedor de
258
6
Para mais detalhes, ver a Parte III. 2, acima.
7
Robert Solow (1974) tem uma justificativa bastante representativa dessa postura. Na sua celebrada Aula Magna
Richard T. Ely o autor afirma: “Nos mercados da vida real, as gerações futuras são representadas apenas por
nós, seus futuros ancestrais. Entretanto, as gerações se superpõem, de forma que eu me preocupo com meus
filhos, estes com os seus, e assim por diante. Não é, pois, fundamentalmente implausível considerar corretos ex
post os pesos que se tendem a atribuir ao bem-estar dos que só viverão daqui a mil anos. Nós nos demos muito
bem nas mãos dos nossos ancestrais. Se tivermos em vista a sua pobreza e a nossa riqueza, estes poderiam ter
poupado menos e consumido mais.” O autor parece considerar que a humanidade vem exercendo grande
comedimento no uso de seu capital natural.
259
quem cabe, com base em suas preferências (funções-utilidade) e custos, decidir soberanamente
o grau de degradação que consideram apropriado.
Sua teoria da poluição ilustra bem esse ponto. Vimos que a 8economia ambiental
neoclássica emprega modelos estáticos de equilíbrio geral competitivo para a análise dos
problemas decorrentes do despejo, pelos processos de produção e de consumo, de resíduos, de
poluição, no meio-ambiente, na linha da teoria das externalidades de Pigou (1932). Desse tipo
de análise emanou a convicção de que, com base principalmente em mecanismos de mercado, a
sociedade pode atingir um nível de poluição ótimo. A conclusão central é que, com
instrumentos de internalização de custos ambientais – tributos pigouvianos, licenças
negociáveis para poluir – a economia pode ser levada a atingir um nível ótimo de poluição,
nível este estabelecido com base na preferência dos indivíduos em sociedade. Atribui-se a estes
a capacidade de determinar claramente o equilíbrio entre o desconforto da poluição resultante
da produção e do consumo de bens e serviços, e a satisfação proporcionada pelo consumo
destes.
Não parece plausível supor que os indivíduos saibam avaliar fria e calculadamente as
conseqüências de suas escolhas na determinação de níveis ótimos de poluição. É difícil
imaginar que conheça os intrincados impactos da poluição sobre o meio-ambiente,
especialmente se considerarmos um horizonte temporal mais extenso. Alguns dos "trade-offs" e
substituições incorporadas aos modelos neoclássicos, ou são difíceis de serem avaliados, ou são
moralmente condenáveis. Não é plausível supor, por exemplo, que um indivíduo seja capaz de
determinar "quanto de consumo adicional (estaria disposto) a exigir como compensação por um
aumento substancial no risco de câncer" decorrente da ampliação do nível de um determinado
tipo de poluição, mesmo que soubesse avaliar esse tipo de riscos corretamente o que, por sua
vez, também é duvidoso (Pezzey, 1989, p. 12).
Vimos, também, que a teoria neoclássica da poluição vem deixando em segundo plano a
análise dos efeitos ambientais da poluição que não se dissipa – por exemplo, os impactos da
acumulação de CO2 na atmosfera – causadora do efeito estufa. Foram discutidos acima modelos
que focalizam a poluição de estoque, mas estes têm um papel quase marginal no corpo da
teoria. A análise neoclássica ignora a possibilidade de efeitos desestabilizadores sobre o meio-
ambiente da acumulação de quantidades muito elevadas de poluentes; os efeitos relevantes da
poluição acumulada também são avaliados em termos de desconforto dos indivíduos em
sociedade. Não reconhece a possibilidade de que, mesmo que a poluição ótima (do ponto de
vista dos agentes econômicos) seja atingida e se estabilize em um dado nível, muitos anos se
passarão antes que o ecossistema global alcance um equilíbrio; além disso, esse equilíbrio
poderá não ser compatível com a poluição ótima inicial.
8 Existem, evidentemente, exceções. Modelos dinâmicos como, por exemplo, o de d'Arge e Kogiku, 1973, vem
considerando simultaneamente a extração de recursos naturais e a geração de rejeitos, mas sua importância dentro
da economia ambiental neoclássica é reduzida.
260
9 No seu modelo dinâmico, D'Arge e Kogiku (1972, p. 63), economistas neoclássicos, incorporaram a noção de
patamar mínimo crítico, mostrando que se pode obter cenários preocupantes do mesmo.
10
Para exemplos do otimismo neoclássico, ver Mueller, 1996.
261
dE = energia dissipada;
dM = matéria dissipada;
11
A análise gráfica é de Georgescu-Roegen, 1977. A base analítica do modelo está em Georgescu-Roegen, 1971,
especialmente cap. IX.
262
MEIO-AMBIENTE
SISTEMA ECONÔMICO
Produtos
Setores cE cM K C Re Dp Hh Insumos
eE
eM
cE
cM
rGj
dE
dM
a explosão são matéria dissipada. Já parte significante do lixo urbano se inclui na categoria de
dejetos.
• Dois setores, cE e cM, que extraem, respectivamente, energia bruta (eE) e matéria
bruta (eM) do meio-ambiente e as transformam em energia controlada (cE) e matéria
controlada (cM), tornando-as aptas a serem usadas nos processos de produção e de consumo.
Esses dois setores fornecem insumos básicos a todos os setores da economia.
Por sua vez, o setor de bens de capital usa cE e cM para produzir K, para si próprio e
para os demais setores; produz, inclusive, para Hh (as residências; os bens duráveis). E o setor
de bens de consumo usa cE e cM para produzir C que, por definição, é totalmente absorvido
264
Todos os setores geram rGj, resíduos recicláveis, parte dos quais é fornecida a Re, o
setor reciclador. Semelhantemente, o setor despoluidor, Dp, efetua a despoluição de parte das
emanações, w, dos demais setores, inclusive do setor consumidor (dejetos humanos, emanações
de veículos e lixo). A importância e o peso de Re e Dp em uma economia dependem de fatores
tecnico-econômicos (das possibilidades e dos custos de reciclar e despoluir, do preço de
materiais reciclados; do ônus que a sociedade impõe sobre a poluição e a degradação ambiental
– taxas pigouvianas, multas) e legais-institucionais, que estimulam, exigem e condicionam a
reciclagem e a despoluição.
Como se pode ver na parte de baixo do diagrama, todos os setores emanam ao meio-
ambiente energia dissipada (dE), matéria dissipada (dM) e rejeitos (w). Alguns emanam mais e
outros menos desses elementos no meio-ambiente, mas setor algum está isento de ‘contribuir’
para a degradação do meio-ambiente; isso é verdade mesmo para os envolvidos na reciclagem e
na despoluição, pois não existem reciclagem e despoluição perfeitas.
Um exame do diagrama da matriz de fluxos pode levar a uma constatação que pode, a
primeira vista, parecer estranha: a de que, em essência, tudo que o processo econômico faz é
extrair recursos nobres da natureza para produzir energia dissipada e rejeitos. Evidentemente, é
muito mais amplo o escopo do sistema econômico. Conforme ressalta Georgescu-Roegen
(1971, p. 282):
“matéria-energia terrestres, bem como a radiação solar que chega ao nosso globo,
degradariam estando a vida presente ou não” (Georgescu-Roegen, 1977, p. 309), mas a vida
está aí, e de todas as formas de vida, a espécie humana é a que, de longe, mais danifica o meio-
ambiente, a que menos espaço deixa às demais formas de vida, e a que, com sua atuação, mais
prejudica as oportunidades futuras dos membros de sua própria espécie.
1. Introdução
A questão que se coloca é, por que deve o economista se preocupar com a energia? Por
que cabe à ciência da escassez tratar de algo que, embora fundamental para qualquer ser vivo,
parece abundante? Não seria melhor deixar o estudo da energia para a física? A economia
ecológica responde com um enfático ‘não’ a essas perguntas. As análises dos primeiros autores
dessa corrente de pensamento chamaram atenção para o fato básico de que boa parte da energia
que atualmente apoia a expansão da economia contemporânea é recurso finito de escassez
12
Conforme Davis, 1991, p. 2, a energia da irradiação solar que chega anualmente à terra é igual a 178.000
terawats. Deste total, 30% são refletidos de volta ao espaço, outros 50% são absorvidos, convertidos em calor e
novamente irradiados. Os 20% restantes dão origem aos ventos, impulsionam o ciclo das águas e são absorvidos
pelas plantas e transformados em energia química pela fotossíntese. E a humanidade só consegue aproveitar uma
parte pequena dessa energia.
13
Freqüentemente, os processos pelos quais se emprega uma dessas formas de energia, acabam dando origem à
energia de outro tipo, não aproveitável. Por exemplo, no motor de um automóvel, a energia da gasolina se
transforma em trabalho e em calor, sendo que parte significante deste se perde nas emanações do cano de escape.
E a energia que gerou trabalho também se dissipa (Rifkin, 1980, p. 34).
14
Instrumentos exossomáticos são aqueles que estendem e ampliam a ação dos nossos membros.
267
crescente em relação a necessidades cada vez maiores. E os autores mais recentes dessa escola
vêm se preocupando com os efeitos da degradação causada por nossa prodigalidade no uso da
energia. E as análises de ambos os grupos tomam emprestados conceitos da física, em especial,
as duas primeiras leis da termodinâmica.
Georgescu-Roegen foi pioneiro na análise rigorosa do papel das duas primeiras leis da
termodinâmica para a economia contemporânea; em suas contribuições, outros autores da
economia ecológica se valem dessa análise.15 O autor toma literalmente, e não em um sentido
metafórico, as duas leis.
15
Ver, as principais obras do autor na bibliografia; merece ênfase Georgescu-Roegen 1971, mas ver também,
Georgescu-Roegen, 1975, 1977 e 1986. O reconhecimento de outros autores dessa corrente de pensamento é
ilustrado na seguinte frase de Boulding: “O conceito de entropia teve impacto muito pequeno sobre a economia
até o surgimento do notável livro de Nicholas Georgescu-Roegen, A Lei da Entropia e o Processo Econômico.”
(Boulding, 1980, p. 184). A profundidade e o rigor da análise de Georgescu-Roegen são amplamente
reconhecidos.
16
Rudolf Claussius, Ann. Phys., vol. 125, 1865, p. 353. Apud Prigogine e Stengers, 1984, p. 119.
268
Na verdade, a lei da entropia nos assegura que, “para que a energia se transforme em
trabalho, deve existir uma diferença na concentração da energia (isto é, uma diferença de
temperatura) em partes distintas do sistema. O trabalho ocorre quando a energia se move de
um nível mais alto para um nível mais baixo de concentração (ou de uma temperatura mais
alta, para uma mais baixa). E, fundamentalmente, cada vez que a energia passa de um nível de
concentração a outro, resta menos energia disponível” (Rifkin, 1980, p. 35). Aumenta, assim, a
entropia.
17
Por exemplo, definições como: entropia = [incremento do calor transferido de corpo mais quente ao corpo mais
frio] ÷ [temperatura absoluta] (Georgescu-Roegen, 1971, p.129-130).
18
Georgescu-Roegen, 1975, p. 352. A não disponibilidade da energia de alta entropia é ilustrada pelo oceano; este
contém uma quantidade enorme de energia dissipada, e portanto, uniformemente distribuída e sem possibilidade de
uso pelo homem. Um navio só navega sobre esse enorme repositório de energia de alta entropia se tiver energia de
outra fonte, e de baixa entropia, para se locomover.
19
Essa decomposição da variação de entropia em dois termos foi introduzida em Prigogine, 1947, a tese que o
autor defendeu em 1945 na Faculté des Sciences de l’Université Libre de Bruxelles. Apud de Prigogine e Stengers,
1984, nota 18, cap. IV.
269
Denotando energia por E, e a variação ocorrida ao longo de um intervalo de tempo, dt, por dE,
mostram que “dE também é igual à soma de um termo deE,que resulta do intercâmbio de
energia, com um termo diE, a ‘produção interna’ de energia [a energia extraída do ‘capital
energético do sistema’]. Contudo, o princípio da conservação da energia estabelece que a
energia nunca é ‘produzida’, mas apenas transferida de um lugar a outro. A variação da
energia, dE, se reduz, pois, a deE.” Mas diE tem a ver com a mudança qualitativa da energia,
decorrente da lei da entropia. Ou seja, à ‘produção’ (extração para uso) de energia dentro do
sistema, diE, corresponde uma variação da entropia, diS, que é sempre positiva. “A ‘produção’
de entropia expressa, pois, a ocorrência de mudança irreversível dentro do sistema.”
20
Apud de Georgescu-Roegen, 1980, p. 262.
270
de um estado final de equilíbrio térmico. Com base na lei de Fourrier,21 aplicada ao universo,
concluiu que o “fim do mundo” ocorrerá em um futuro remoto, quando desaparecerem as
diferenças de temperatura. Quando isso acontecer, a entropia terá atingido o máximo, a
temperatura será uniforme em todo o lugar, e o mundo estará em estado de ‘morte térmica’.22
21
A lei de Fourrier estabelece que, em um sistema isolado com uma distribuição não homogênea de temperaturas,
a propagação do calor tem o efeito de equalizar progressivamente a distribuição de temperaturas até que seja
atingida a homogeneidade (Prigogine e Stengers, 1984, p. 104-105).
22
Prigogine e Stengers, 1984, p. 115-116.
23
Ver Georgescu-Roegen, 1971, página 13, por exemplo, onde argumenta que “a estrutura material de qualquer
ser vivo precisa obedecer (...) às leis da termodinâmica...”.
24
Ver Georgescu-Roegen, 1975, p. 352; 1977, p. 300-304; e 1986, p. 6-7.
271
A energia de baixa entropia não pode, portanto, ser considerada um recurso de oferta
ilimitada. Pelo contrário, relativamente às nossas crescentes necessidades, e dado o atual estado
das artes, é recurso cuja exaustão pode – pelo menos em um futuro mais estendido – vir a
ameaçar as condições de prosperidade da sociedade humana como a conhecemos. E tratando-se
de recurso escasso, seu uso é de interesse óbvio para a economia.
∆S = ∆Se + ∆Si ,
onde ∆Si > 0 é a entropia ‘produzida’ dentro do sistema por processos irreversíveis e ∆Se” é a
troca líquida de entropia com o meio externo do sistema. E, a despeito do fato de que, pela lei
da entropia, o termo ∆Si é sempre positivo, ∆S pode ter qualquer sinal, dependendo das
magnitudes absolutas de ∆Si e de ∆Se. Assim, se a ‘importação’ de baixa entropia do sistema
for maior que a entropia por ele ‘produzida’, ∆S < 0; a entropia do sistema diminui.
26 Para todos os efeitos, o globo terrestre é um sistema fechado. E, todos os seres vivos bem como o processo
econômico (no seu todo ou em suas partes), são sistemas abertos.
27
Pode-se alegar que o potencial de energia disponível e acessível oferecido pelo sol longe está de ser inteiramente
empregado. Entretanto, dados os preços relativos e o estado das artes, não é de se esperar que, mesmo com um
forte esforço de racionalização, a energia solar possa vir a substituir mais que uma pequena parcela da energia de
seu capital energético que a humanidade consome.
273
que o mesmo não pode ser renovado, essa depleção diminui em ritmo crescente o nosso ‘capital
energético’; aumenta, assim, inexoravelmente, a escassez.
No que se refere à economia industrial contemporânea, portanto, ∆Si é bem maior que a
magnitude absoluta de ∆Se, e o sinal de ∆S é necessariamente positivo. Em um dado intervalo
de tempo, a energia de baixa entropia fornecida pelo sol é suplementada a partir do ‘capital’ de
energia do nosso globo; e, em conjunto, essas duas fontes de energia de baixa entropia tornam
possível um formidável aumento líquido de entropia. Pode-se imaginar, entretanto, uma
sociedade primitiva, na qual o uso da ‘renda’ energética fornecida pelo sol se encontre bem
abaixo do potencial, e que use muito pouco da energia do ‘capital’ energético da terra. Nesse
caso, ∆S teria sinal negativo; como contrapartida, o capital energético estaria aumentando –
acumulando-se, por exemplo, em uma floresta em expansão. O ponto ressaltado pela economia
ecológica, entretanto, é que esse caso hipotético não pode ser usado como prova de que seja
possível à sociedade moderna gerar entropia líquida negativa e que, portanto, a disponibilidade
de energia de baixa entropia jamais constrangerá a expansão da economia, como alguns
parecem acreditar. É evidente, pois, a relação entre entropia e escassez.
Numa perspectiva de longo prazo não é legítimo, pois, menosprezar a relevância da lei
da entropia para a economia. Cumpre esclarecer, entretanto, que a economia da sobrevivência
não critica o fato de que, nas sociedades modernas, ∆S > 0. Considera que os recursos do
capital energético acumulado na crosta terrestre estão aí para serem usados, em adição à energia
de baixa entropia captada do sol. Mas recrimina enfaticamente o uso perdulário que vem sendo
feito dos mesmos. Para esse ramo da economia ecológica, atualmente a sociedade humana se
comporta como se a disponibilidade de energia de baixa entropia fosse ilimitada; com isso,
assegura uma elevada prosperidade no presente, acompanhada de crescentes riscos, se não a
para a sobrevivência, pelo menos para o bem estar e para as opções de desenvolvimento das
gerações futuras.
Deixando de lado por um momento o sistema econômico, para a maioria dos seres vivos
o processo de dissipação de entropia torna-se possível graças a um influxo contínuo de energia
solar de baixa entropia; mas para essas formas de vida é da ‘renda’ energética do sol,
unicamente, a energia de baixa entropia que alimenta o processo. Em conseqüência, é mínima a
aceleração entrópica produzida por esses seres vivos. Eles não ameaçam a estabilidade do
meio-ambiente, pelo menos não em uma escala global.
Conforme se pode ver na matriz geral de fluxos de matéria e energia esboçada a seguir,
o sistema econômico contemporâneo obtém energia de baixa entropia do meio-ambiente – tanto
a da renda energética oriunda do sol como a do capital energético de nosso globo –, que é
utilizada nos processos de produção e de consumo, e depois devolvida ao meio ambiente na
forma de energia de alta entropia, gerando, pois, um incremento de entropia por período de
tempo, ∆Si, de considerável magnitude, e que vem se acelerando substancialmente.
Sistema Econômico
Matéria do meio-ambiente
Produção
Consumo
28
Boulding, 1980, p. 184 e 187.
277
Para reduzir a chance disso ocorrer, seria fundamental que a humanidade passasse a usar
de forma mais prudente recursos escassos e finitos de baixa entropia. Há que “direcionar a
evolução no sentido da salvação ao invés de da destruição.” (Boulding, 1980, p. 188).
Boulding se mostrou, portanto, preocupado com futuro, mas esperançoso. Mas esta não
foi, pelo menos inicialmente, a posição de Georgescu-Roegen. Sua avaliação sobre o
comportamento da sociedade humana em relação aos recursos naturais levou-o a postura
extremamente pessimista. Chegou mesmo a considerar inexorável, em um prazo não muito
distante, acentuado declínio da humanidade. No seu artigo “Energy and the Economic Myths”,
por exemplo, após constatar a indiferença prevalecente em face às crescentes advertências de
entendidos sobre a inviabilidade do caminho que está sendo seguido pela humanidade,
desabafou: "Talvez o destino do homem seja o de ter vida curta, mas fogosa, ao invés de
existência longa, mas vegetativa e sem grandes eventos. Deixemos outras espécies – as
amebas, por exemplo – (...) herdar o globo terrestre ainda abundantemente banhada pela luz
29
Boulding ressalta que essas mudanças de probabilidades fazem com que a autopoese seja elemento fundamental
no processo de evolução.
30
Boulding (1980, p. 184). O autor fornece exemplos de sociedades primitivas que caçaram ou extraíram tanto,
que acabaram destruindo a capacidade de suporte do meio-ambiente, levando-as, ou à desintegração, ou à
readaptação em patamares mais baixos de atividade, geralmente acompanhada de forte emigração. A
sustentabilidade não é, portanto, problema exclusivo das atuais sociedades industriais.
31
Existiria sempre a possibilidade de, com o desenvolvimento tecnológico, serem descobertas formas de tornar
acessíveis novas fontes de energia disponíveis para realizar trabalho, que ainda não estão ao alcance da
humanidade. Ou seja, não estaria fechada a possibilidade da recriação do potencial destruído com o uso da
energia fornecida pelas fontes usuais; isso poderia ocorrer, tanto mediante a descoberta de novas fontes de energia
acumulada no nosso globo, como de formas de aumentar a acessibilidade à energia disponível oriunda do sol.
278
A crise foi, entretanto, contornada pelo Prometheus II, a tecnologia que “permitiu à
espécie humana obter força motriz de fonte mais abundante e bem mais poderosa: o fogo
alimentado por combustíveis minerais.” Há muito já se vinha usando o carvão mineral, mas se
tinha acesso apenas ao carvão próximo da superfície da terra, que acabou se esgotando. A
extração do carvão subterrâneo, que existia em grande quantidade, era obstaculizada pela água
dos lençóis freáticos, que se infiltrava nas minas. Contudo surgiu, no final do século XVIII, o
Prometheus II, a invenção, por Savery e Newcomen, de máquina que possibilitou a
transformação da energia térmica, obtida da combustão do carvão, em mecânica. A máquina a
vapor não só permitiu contornar o problema da água na mineração do carvão (impulsionando
bombas hidráulicas), como viabilizou a extração de bem mais recursos energéticos que os
usados na extração – recursos esses que foram colocados à disposição de outras tecnologias.
Mais adiante vieram o petróleo, as diversas formas de motor a explosão, e acelerou-se o ciclo
279
de progresso técnico. “Ainda vivemos sob a égide da tecnologia viável engendrada pelo”
Prometheus II. Entretanto, o desenvolvimento que essa tecnologia possibilitou também
“acelerou a depleção de sua base de suporte.” Por isso, “estamos agora nos aproximando de
nova crise tecnológica, uma crise energética”. (Georgescu-Roegen, 1986, p. 15-16).
Em suma, marcados que foram pela crise do petróleo da década de 1970, os dois
iniciadores da economia da sobrevivência identificaram como principal ameaça à
sobrevivência da sociedade humana, na perspectiva temporal relevante às suas análises, a
crescente escassez de energia de baixa entropia estocada no nosso globo. Reconheciam os
problemas da poluição e da degradação promovidas pelo sistema econômico, mas se mostraram
muito mais preocupados com a rápida depleção e com o risco de escassez crítica de capital
energético. Como se verá no próximo capítulo, contribuições recentes inverteram o âmbito da
preocupação central da economia da sobrevivência.
280
evolucionária. Mas quando fazemos isso, não é válido esperar que os parâmetros
evolucionários permaneçam imutáveis. A evolução biológica oferece exemplos de catástrofes
que alteraram fortemente parâmetros evolucionários. Uma catástrofe evolucionária é um
“evento improvável, seja uma catástrofe externa ou alguma mutação improvável”, [que gera
mudanças drásticas, criando] “novos nichos, novas espécies e, talvez, ampla extinção de
espécies antigas, após o que as coisas se acalmam e a evolução se desacelera.” (Boulding,
1991, p. 23).
Nesse ponto é importante recordar o que foi visto no Capítulo 24: a atual agressão
antrópica só vem sendo possível em virtude do acesso do homem ao capital energético do nosso
globo. Sem este teria sido impossível à espécie humana colonizar o planeta, transformando-o
virtualmente em um único ecossistema. E, fazendo isso, além de contribuir para a exaustão do
capital energético, a sociedade humana vem ampliando a possibilidade da ocorrência de
catástrofe evolucionária. Em suma, da forma como vem ocorrendo, o desenvolvimento aumenta
a prosperidade e o bem estar no curto prazo, mas também amplia a probabilidade da ocorrência
de catástrofes evolucionárias. Conforme ressalta Boulding (1991, p. 25), parece que nos
esquecemos que “somos criaturas biológicas, parte da biosfera, e que catástrofes na biosfera
inevitavelmente nos afetarão” .
A subseção anterior esboçou uma parte do contexto analítico das vertentes recentes da
economia da sobrevivência. Para completar, discutimos elemento importante de tal contexto: a
teoria dos sistemas dissipativos de Prigogine.32
32
Ver Prigogine e Stengers, 1984; e, também: Binswanger, 1993, e Perrings et al., 1995, especialmente p. 4.
33
Para a termodinâmica clássica, equilíbrio é o estado em que a energia se apresenta com temperatura uniforme
não podendo, pois, gerar trabalho. É o estado de 'morte térmica'.
34
Recorde-se que o Capítulo 3 contém uma abordagem introdutória a abordagem das estruturas dissipativas.
282
Para a abordagem longe do equilíbrio, um sistema vivo é uma estrutura que dissipa
entropia. O conceito de entropia assume papel diferente na formulação de Prigogine, do que o
da termodinâmica clássica. Parte da constatação de que todo o sistema vivo – inclusive o
sistema econômico – é uma estrutura que dissipa entropia. O sistema vivo é um sistema aberto,
que intercambia matéria e energia com seu meio externo, podendo originar, como
conseqüência, reduções na sua entropia interna; isso ocorre, por exemplo, com os fenômenos do
crescimento e da evolução. Entretanto, essas reduções de entropia interna só são possíveis
mediante aumentos na entropia do sistema maior no qual o sistema vivo está inserido.
∆S = ∆Se + ∆Si
Recordando, pela segunda lei da termodinâmica, ∆Si, a entropia produzida pelo sistema
num intervalo de tempo ∆t, é sempre positiva (ignoramos o caso limite da morte térmica). Se o
sistema for isolado, não existe ∆Se, o intercâmbio de entropia com o meio externo, e a mudança
de entropia, ∆S, também é positiva e igual a ∆Si. Mas em sistemas fechados e abertos, isso não
acontece; a variação de entropia ∆S pode ser positiva, nula ou negativa, dependendo das
magnitudes absolutas de ∆Se e ∆Si.
Inserindo-se, porém, a atual sociedade humana nesse cenário, o sistema logo funcionaria
– e cada vez mais – fora do sistema de ecociclos. E o que tornaria isso possível seria o emprego
de grande quantidade de energia de baixa entropia extraída dos estoques de recursos
energéticos não renováveis de nosso globo. Ao funcionar e se expandir, o sistema econômico
passaria a dissipar muito mais entropia no ecossistema global, que a passível de ser sustentada
pelo fluxo líquido de baixa entropia ∆Se. E sabemos que isso só é possível porque o sistema
econômico vem se valendo dos estoques de recursos não renováveis de nosso globo.
Vimos que, em artigo seminal, Robert Ayres e Allen Kneese lançaram as bases da
economia ambiental neoclássica (Ayres e Kneese, 1969). Entretanto, aparentemente pouco a
vontade com os rumos tomados por essa escola de pensamento, Ayres acabou se afastando do
circuito neoclássico e passou a realizar estudos na perspectiva da economia ecológica.
Recentemente vem liderando um grupo de pesquisa que investiga os efeitos das emissões
tóxicas resultantes da recente aceleração entrópica produzida pela sociedade humana. Para esse
36
Para os não iniciados, seria conveniente, nessa altura, uma releitura do esboço de ecossistema da seção 3,
Capítulo 18.
284
autor, a principal ameaça à estabilidade do sistema global está, não no iminente esgotamento de
recursos não renováveis de baixa entropia, mas sim nos efeitos do processo de aceleração
entrópica que o sistema econômico vem promovendo, sobre o equilíbrio fundamental da
natureza.37
Essa analogia entre o sistema econômico e um organismo biológico só é válida até certo
ponto. Na natureza, os dejetos de uma forma de vida tendem a ser elementos essenciais a outras
formas de vida. As plantas, por exemplo, captam a energia do sol e, com a fotossíntese
37
Ver Ayres, 1993; e 1995.
38
Ayres emprega o termo indústria em um sentido amplo, do conjunto de segmentos que compõem as atividades
produtivas, e não no seu uso corrente de empresa manufatureira, ou de empresas de um certo ramo.
285
produzem biomassa a partir do dióxido de carbono e da água; e geram como resíduo o oxigênio.
Mas o oxigênio é essencial para a sobrevivência de animais; e estes emanam justamente o
dióxido de carbono como resíduo, fechando o ciclo. Este é um dos ecociclos essenciais ao
funcionamento e à estabilidade do ecossistema global. Entretanto, o sistema econômico não
funciona assim; as emanações do seu metabolismo compreendem, não só resíduos como o
dióxido de carbono, excessivos em relação à capacidade de absorção de outros organismos, mas
também, grandes quantidades de dejetos tóxicos prejudiciais a quase todas as formas de vida. E,
segundo Ayres, as emanações tóxicas estariam alterando os mecanismos de auto-regulação do
sistema global, ameaçando a sua estabilidade. “O globo terrestre como um sistema tem certa
capacidade de assimilar elementos tóxicos e de se limpar e rejuvenescer. Mas as atividades
antropogênicas estão produzindo rejeitos muito mais rapidamente que o permitido pela
capacidade de regeneração da natureza”. 39
39
Ayres, 1995, p. 2-3.
40
Conforme demonstra Ayres, 1995, na seção 3. Ver, também, Ayres, 1993, p. 199-202.
41
Ver Ayres, 1995, p. 8-9; para abordagem semelhante, ver Holling et al., 1995, p. 51-52.
286
(a) (b)
(c)
Ayres, esta última analogia oferece uma perspectiva mais realista do comportamento do mundo
natural em face às agressões do sistema econômico. Baseia-se em um modelo de compromisso
que é fundamental o reconhecimento do grau de fragilidade da natureza. Tendo em vista essa
perspectiva, as questões relevantes são ? (Ayres, 1995, p. 9):
O que se deve fazer em face a essa situação? Para Ayres (1993, p. 205), a única
alternativa prudente é a de uma atuação firme visando controlar as interferências
antropogênicas desestabilizadoras dos processos naturais.
42
Ver Ayres, 1993, p. 204-205. Para o autor, intervenções humanas, especialmente as decorrentes da combustão
em larga escala de combustíveis fósseis e do uso maciço de nitrogênio e de fosfato na agricultura, já estão
perturbando seriamente os ciclos do carbono, do nitrogênio, do enxofre, e do fósforo.
288
Conforme ressaltam Holling et al., 1995, a ecologia tem duas concepções de resiliência.
Uma delas é a adotada pela ecologia de ecossistemas; esta considera a resiliência em termos da
resistência de um ecossistema a distúrbios e da velocidade do retorno deste a uma posição de
equilíbrio uma vez eliminados os distúrbios. Tais distúrbios provocariam deslocamentos nas
imediações de um equilíbrio globalmente estável, na linha do ilustrado na Figura 3 (a), acima.
A outra concepção – a da ecologia de comunidades – considera a dinâmica ecossistêmica em
situação de múltiplos equilíbrios locais, mais em linha com o ilustrado no painel (c) da Figura
3. Segundo essa concepção, resiliência é o montante de distúrbio que pode ser absorvida pelo
ecossistema antes que ocorra mudança fundamental na sua estrutura de controles, provocando
deslocamento de uma dada situação de equilíbrio local a outra. É essa a concepção dos
pesquisadores do Instituto Beijer.
43
Esta parte se apoia, principalmente, em Perrings et al., 1995, e em Holling et al., 1995; trata-se dos capítulos 1 e
2 de volume com resultados de pesquisas do Programa de Biodiversidade do Instituto Beijer.
44
Ver Perrings et al., 1995, p. 4-7.
289
percebida. Esta vai muito além do que vem sendo enfatizado pela imprensa, quando trata do
desmatamento das florestas tropicais úmidas – notadamente na Amazônia. A destruição vem
ocorrendo há séculos, em conexão com a ocupação humana de espaços, mas se acelerou em
função da simplificação promovida pela economia contemporânea. Está associada, por
exemplo, à monocultura, o esteio da atual agricultura tecnificada; à formação de extensas
pastagens; aos manejos inadequados de pastagens nativas e de áreas destinada à extração
vegetal; à indiscriminada drenagem de áreas alagadas; à pesca excessiva; e a ocupação do
espaço por cidades e pela infra-estrutura. Resulta, também, da intoxicação de habitats por
fertilizantes químicos e pesticidas e da introdução em ecossistemas de espécies exóticas. A
verdade é que a humanidade tem tratado os sistemas naturais de forma muito descuidada, e não
há sinais de que isso esteja mudando. Além disso, dada a expansão da economia contemporânea
e a atual dinâmica demográfica, esse comportamento assegura que a pressão sobre a
biodiversidade continuará forte. Ecologistas vêm constatando casos, cada vez mais freqüentes,
de alterações preocupantes de ecossistemas de diferentes tipos e mesmo de ruptura da
estabilidade, com mudança de um estado de equilíbrio local a outro. São florestas que se tornam
áreas de campo, é o colapso de zonas pesqueiras, a transformação de áreas de savana em semi-
desertos, são as áreas erodidas, acompanhadas de extenso assoreamento de cursos d’água.45
A analogia topográfica da Figura 4, adiante, ilustra essa dinâmica. O painel (a) mostra
um estado de equilíbrio localmente estável do sistema global; existem duas regiões possíveis de
equilíbrio, e o equilíbrio se dá em uma delas. Começam as perturbações, que modificam
gradualmente a estrutura organizacional do sistema [ver o painel (b)]. E, como se pode observar
comparando os painéis de (a) a (c), a mudança na estrutura organizacional faz com que
perturbações progressivamente menores sejam necessárias para mudar o estado de equilíbrio do
sistema de uma região a outra. Finalmente, as alterações são tais que, como ilustra o painel (d),
o sistema acaba mudando espontaneamente de estado de equilíbrio.
45
Ver Hollings et al., 1995, especialmente seção 2.2.
46
Perrings et al., 1995, p. 9-10.
290
(a) (b)
Mudança no estado
(c) (d) de quase equilíbrio
O mais grave é que não se conhece a magnitude dos danos – via destruição da
biodiversidade – que o sistema econômico pode impunemente infligir sobre o sistema global.
Essa destruição já atingiu níveis preocupantes, mas desconhecem-se detalhes dos seus impactos
sobre a estrutura organizacional do sistema. Não se sabe, pois, qual o atual grau de
comprometimento da capacidade do sistema de resistir a perturbações. E o pior é que boa parte
da opinião pública nem mesmo percebe o problema, embora alguns ecologistas venham
apresentando previsões bastante pessimistas a respeito.47
47
Para Erlich (1988), por exemplo, a continuação da destruição da biodiversidade às taxas recentes pode ter efeito
comparável de um inverno nuclear, por volta de meados do próximo século. Esta é uma previsão extrema, mas
para os entendidos, são grandes os perigos de um comportamento irresponsável nesse campo.
291
para o mesmo. Acreditam que a manutenção das tendências recentes reduzirá significantemente
a resiliência do ecossistema global, podendo levá-lo a um estado crítico de difícil reversão. E
recomendam que se de alta prioridade a pesquisas que nos ensinem como preservar a resiliência
de ecossistemas dos quais dependem o futuro da humanidade.
Concluindo o exame das duas vertentes recentes, cumpre salientar que a visão do
metabolismo industrial de Ayres, e a da resiliência fundada na biodiversidade do grupo do
Instituto Beijer, não são incompatíveis. As duas vertentes consideram o ecossistema global um
sistema não linear e auto-organizado em um estado de quase equilíbrio; para ambas, uma
expansão o suficientemente forte da escala da atividade econômica global pode gerar
perturbações desse sistema não linear, suficientes para desloca-lo da atual, para uma outra
região de equilíbrio estacionário. A diferença entre as duas abordagens é mais de ênfase: a
visão do metabolismo industrial ressalta os efeitos de um crescente envenenamento do meio-
ambiente causado pelas emanações e dejetos do sistema econômico; mas um desses efeitos é
justamente o da destruição de espécies fundamentais para o funcionamento adequado de
ecociclos. E o grupo do Instituto Beijer certamente reconhece o papel direto e indireto da
crescente intoxicação de ecossistemas na redução de suas resiliências. As formulações da
primeira vertente, mais agregada, adequa-se bem, por exemplo, à análise do ‘efeito estufa’, que
tanta preocupação vem causando. E as do grupo Beijer, de origem mais ‘micro’, põem em
evidência os perigos para a humanidade da redução de resiliência provocada por perturbações
antrópicas causadoras de extensa e crescente eliminação de espécies.
292
Este capítulo conclui a avaliação de ramo da economia ecológica que, embora não se
constitua em corrente de pensamento organizada e influente, se caracteriza por focalizar uma
questão fundamental: a da preservação das oportunidades das gerações futuras. Vimos que a
perspectiva de longo prazo dessa escola é pessimista: para ela, se forem mantidos os atuais
padrões de expansão do sistema econômico mundial, a humanidade enfrentará, não só rápida
depleção de recursos vitais, como sofrerá as conseqüências de impactos com o potencial de
desestabilizar o meio-ambiente. Este capítulo começa com o exame de avaliação feita por uma
'comissão de sábios' sobre a sustentabilidade do atual padrão de expansão da economia
mundial, que parece dar razão ao pessimismo da economia da sobrevivência; seguem-se
comentários conclusivos sobre as contribuições dessa escola.
Em 1994, o Instituto Beijer reuniu uma comissão de alto nível, composta por seis
economistas e cinco cientista ambientais, coordenada pelo Prêmio Nobel de Economia,
Kenneth Arrow,48 para avaliar a “hipótese do U invertido” – tratada no Capítulo 1 –, que vinha
ganhando crescente aceitação. Segundo essa hipótese, construída com base na observação da
relação empírica entre a renda per capita e certos indicadores de qualidade ambiental, só a
baixos níveis de renda per capita aumentos desta seriam acompanhados de crescente
deterioração ambiental. Mas isso aconteceria até um certo ponto, após o qual aumentos de
renda per capita fariam a degradação declinar. A explicação para essa relação entre as duas
variáveis se apoia na idéia de que, em um país pobre, o crescimento é prioritário e a
48
Ver Arrow et al, 1995. Além de Kenneth Arrow, participaram da comissão: Bert Bolin (do Departamento de
Meteorologia da Universidade de Estocolmo), Robert Costanza (do Instituto Internacional de Economia Ambiental
de Maryland, EUA), Partha Dasgupta (Departamento de Economia, Universidade de Cambridge, Inglaterra), Carl
Folke (Instituto Internacional Beijer de Economia Ambiental, Suécia), C.S. Holing (Departamento de Zoologia,
Universidade da Flórida, EUA), Bengt-Owe Jansson (Departamento de Sistemas Ecológicos, Universidade de
Estocolmo, Suécia), Simon Lewin (Departamento de Ecologia e Biologia Evolucionária, Universidade de
Princeton, EUA), Karl-Göran Mäller (Diretor do Instituto Beijer e economista ambiental de renome), Charles
Perring (Departamento de Economia Ambiental e de Manejo Ambiental, Universidade de York, Inglaterra), e
David Pimentel (Departamento de Entomologia, Cornell University, USA).
293
preservação do meio-ambiente e o combate à poluição são luxos. Contudo, quando o país atinge
um padrão de vida mais confortável, a qualidade do meio-ambiente acaba se tornando
prioritária, levando à introdução de legislação ambiental, ao desenvolvimento de instituições, à
promoção de tecnologias e de produtos “limpos” e à implementação de políticas de proteção
ambiental.49 Representando em um gráfico a relação entre a renda per capita e um indicador de
degradação ambiental, teríamos, pois, a figura de um U invertido. Ademais, o desenvolvimento
tecnológico e as pressões internacionais e internas da sociedade, fariam essa curva se deslocar
para baixo; esse deslocamento também resultaria da disseminação global de tecnologias limpas
e do aprimoramento institucional, também em nível mundial. Assim, ao longo do tempo um
mesmo nível de renda per capita estaria associado a uma degradação ambiental cada vez menor.
Segundo a ‘comissão de sábios’, entretanto, há sérias razões para se rejeitar essa visão
otimista: para começar, a curva do “U” invertido se aplica a apenas alguns poluentes –
geralmente aqueles com impactos locais e que não se acumulam (por exemplo, a poluição pela
falta de saneamento básico, as emissões de particulados, de dióxido de enxofre e de monóxido
de carbono); mas não é válida justamente para poluentes com impactos mais duradouros e de
amplo alcance espacial (por exemplo, a emissão de dióxido de carbono, com seus impactos em
termos do efeito estufa). Nas palavras da comissão, embora “o crescimento econômico possa
estar associado a melhorias em alguns indicadores ambientais, isso não quer dizer que basta o
crescimento para que haja melhoria ambiental generalizada, nem que os impactos ambientais
do crescimento podem ser ignorados e, com efeito, nem que a base de recursos do globo
terrestre é capaz de sustentar indefinidamente o crescimento econômico.” (p. 520)
Além disso, a hipótese do “U” invertido não é válida para estoques de recursos naturais.
A redução desses estoques vem se acelerando em resposta ao crescimento econômico. A
comissão expressou preocupação, não com o esgotamento de recursos minerais que, na pior das
hipóteses, deve ocorrer em um futuro muito distante, e sim com a degradação de recursos do
solo e de sua cobertura, com a destruição de florestas e outros ecossistemas, que estariam se
49
Vimos, no Capítulo 1, que a hipótese do U invertido se originou do Informe Sobre o Desenvolvimento Mundial
de 1992, do Banco Mundial, dedicado à relação entre desenvolvimento e meio-ambiente (World Bank, 1992).
Avaliações da hipótese, feitas por autores neoclássicos, projetam uma aura de otimismo sobre a discussão da
sustentabilidade (ver Goldin e Winters, 1994).
294
dando em ritmos preocupantes, ritmos estes que tenderiam a aumentar com o crescimento
econômico.
Registra, também, o fato de que, na maioria dos estudos empíricos feitos para validar a
hipótese, as reduções de emissões que acompanharam os aumentos de renda per capita
resultaram de ações em âmbito local, como a implantação de legislação ambiental e a
introdução de incentivos de mercado para a redução de degradação. Quase nunca essas ações
“resultaram de preocupação com conseqüências internacionais e inter-geracionais. Nos casos
em que os custos ambientais (...) são assumidos pelos pobres, pelas gerações futuras ou por
outros países, tendem a ser bastante pequenos os incentivos para corrigir problemas
ambientais.” (p. 521)
Não parece válido, pois, generalizar a relação do “U” invertido e nem supor que, nos
casos em que existe a relação inversa entre poluição e renda per capita, a redução na
degradação ocorrerá em tempo de evitar conseqüências importantes e irreversíveis sobre a
estabilidade do meio-ambiente. A comissão chama a atenção, nesse sentido, para possíveis
limitações associadas à capacidade de suporte do ecossistema global. Conforme Arrow, et al.,
1994, p. 521:
Será válido sermos otimistas em relação à sustentabilidade? Existem três motivos para
rejeitarmos esse otimismo, todos associados à perda resiliência de ecossistemas: 1. Essa perda
pode significar súbita redução de produtividade biológica e, portanto, da capacidade de suporte
da vida humana, conduzindo a mudanças descontínuas e irreversíveis no ecossistema, de
estados familiares a não familiares. 2. Essas mudanças descontínuas podem conduzir a
alterações irreversíveis no conjunto das opções disponíveis, se não à geração presente, às
gerações futuras. Um exemplo de tal situação é o da desertificação; outros, menos dramáticos,
são os da erosão dos solos, da perda de diversidade e do esgotamento de aqüíferas. E, 3. a
possibilidade crescente de que ocorram mudanças descontínuas é fator importante nas
incertezas associadas aos impactos ambientais das atividades econômicas.
295
A comissão lamenta que a natureza não nos envie sinais claros de danos à resiliência
ambiental. Sabemos que, no limite, a perda de resiliência resultante de pressão antrópica
extrema tende a ocorrer de forma abrupta e irreversível. Entretanto, “ essas mudanças abruptas
raramente podem ser antecipados a partir do sistema de sinais tipicamente recebidos pelos
tomadores de decisão no mundo de hoje. Via de regra, os sinais recebidos não são percebidos,
ou são erroneamente interpretados, ou não fazem parte da estrutura de incentivos da
sociedade. Isso acontece pela nossa ignorância sobre os efeitos dinâmicos das mudanças nas
variáveis ecossistêmicas (...) e pela presença de empecilhos institucionais (...). E o
desenvolvimento de instituições adequadas depende, entre outras coisas, de maior
compreensão da dinâmica ecossistêmica e do estabelecimento de um conjunto de indicadores
confiáveis.” (Arrow, et al., 1994, p. 521).
Dado o patrocínio da ‘comissão de sábios’ pelo Instituto Beijer, pode haver a suspeita
de que sua avaliação tenha sido viesada. Examinando a composição da comissão, no entanto,
vemos que, embora alguns de seus membros foram (ou são) ligados ao Instituto, seu presidente
(Kenneth Arrow) é economista Prêmio Nobel, com contribuições seminais ao mainstream da
análise econômica; são significativas, também, as contribuições de Karl-Göran Mäller e Partha
Dasgupta para a economia ambiental neoclássica. Certamente nenhum destes daria seu aval a
uma avaliação que considerasse errada.
Parece haver fortes razões para se supor que, numa perspectiva temporal longa – que
englobe várias gerações – os recentes padrões de uso de recursos naturais e de degradação
ambiental não têm condições de se manter. Ademais, não parece válido esperar que o
desenvolvimento tecnológico possa oferecer à humanidade receitas fáceis para escapar de tais
tendências. Este é o tema central focalizado pela economia da sobrevivência. Vimos que a
preocupação dos fundadores dessa corrente se voltou principalmente aos possíveis efeitos do
esgotamento de recursos naturais não renováveis – especialmente os que compõem o capital
energético do globo terrestre, mas também minerais estratégicos. As variantes mais recentes,
por sua vez, vêm enfatizando os efeitos de interferências antropogênicas sobre funções
ambientais vitais à estabilidade do ecossistema global. Os economistas dessa corrente passaram
a ‘internalizar’ em suas análises o fato de que existem várias funções ambientas vitais para a
humanidade, como as de fornecer proteção contra radiações indesejáveis do sol, a de sustentar a
temperatura na terra em intervalos de variação suportáveis por seres vivos – e, portanto, pelo
homem –, a de preservar a resiliência de ecossistemas e a função de neutralizar ou reciclar
resíduos de processos econômicos, entre muitas outras. Reconhecem explicitamente o fato de
que esses recursos naturais fundamentais são complexos, frágeis e passíveis de serem
danificados de forma irreversível; e que a expansão contínua e descontrolada da escala do
sistema econômico pode vir a afetar perigosamente a resiliência do ecossistema global.
296
Mas não é só isso; as variantes recentes se preocupam especialmente com o nosso ainda
elevado desconhecimento dos limites da natureza. Não conhecemos a extensão da capacidade
de regeneração do meio-ambiente, nem a degradação que este pode suportar antes que ocorram
mudanças descontínuas e irreversíveis. Além disso, não temos noção mais precisa das
conseqüências sobre o bem estar da humanidade desse tipo de ruptura. Para as vertentes
recentes, uma estratégia que coloque a sustentabilidade em um primeiro plano, precisa dar
máxima prioridade à defesa da resiliência dos sistemas ecológicos dos quais a humanidade
depende. Essa deve ser a principal diretriz de estratégia que coloque a sustentabilidade em um
primeiro plano.
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