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OS ECONOMISTAS E AS INTER-RELAÇÕES ENTRE O

SISTEMA ECONÔMICO E O MEIO-AMBIENTE

Charles C. Mueller
NEPAMA
Departamento de Economia – UnB
(Abril de 2004)

(Este volume é o resultado de um intenso


esforço de pesquisa e reflexão pelo autor,
tornado possível, em parte, pelos recursos do
Programa Pronex, do NEPAMA, ECO-UnB).
RESUMO

Este volume focaliza as duas principais variantes da economia do meio-ambiente,


uma disciplina que apenas recentemente se estabeleceu como ramo da economia. Antes a
análise econômica implicitamente considerava a economia um sistema auto contido; a nova
disciplina, entretanto, passou a focalizar a economia como um sistema inserido no meio-
ambiente, com o qual se inter-relaciona ativamente.

A economia do meio-ambiente se apresenta hoje basicamente em duas principais


vertentes: a da economia ambiental neoclássica, e da economia ecológica. A grande
diferença entre as duas está nas hipóteses ambientais de cada uma: a economia ambiental
neoclássica considera o meio-ambiente essencialmente benigno e volta suas atenções aos
efeitos de impactos ambientais causados pelo sistema econômico em termos de bem-estar
dos indivíduos em sociedade. Não nega que tais impactos causam danos ao meio-ambiente,
com repercussões negativas à sociedade humana; mas considera que esses danos podem ser
revertidos sem maiores problemas, desde que se adotem medidas de estímulo de mercado
para a remoção dos fatores que os causaram.

A economia ecológica, entretanto, rejeita essa postura; para essa corrente, não é
ilimitada a capacidade do meio-ambiente de absorver os impactos do sistema econômico.
Ela trata o sistema econômico como um ser vivo, que intercambia energia e matéria com
seu meio externo; e considera que, atualmente, a escala do sistema econômico, e natureza
de seus impactos são tais que se sua expansão continuar nos moldes recentes, a resiliência
do meio-ambiente poderá ser seriamente afetada, com conseqüências potencialmente
catastróficas.

O livro faz uma avaliação crítica abrangente dessas duas vertentes da economia do
meio-ambiente.
PARTE I. A ECONOMIA E A QUESTÃO AMBIENTAL
2

Capítulo 1 – Crescimento, desenvolvimento e meio-ambiente

Conforme já se mencionou, parcela importante do presente manual está voltado ao


exame das duas principais correntes de pensamento da economia ambiental, ressaltando tanto as
principais contribuições como os pontos fracos de cada uma delas. Entretanto, para que se tenha
uma compreensão mais precisa da essência dos fenômenos que essas correntes de pensamento
tratam, este capítulo apresenta um exame das questões e controvérsias que estão na origem da
economia do meio-ambiente. Em essência, as mesmas têm a ver com os impactos sobre o meio-
ambiente de um crescimento contínuo da escala da economia mundial. A população humana e a
produção material vêm se expandindo, levando, de um lado, a um aumento continuado da
extração de recursos naturais do meio-ambiente, e produzindo, do outro lado, volumes cada vez
maiores de emanações de resíduos e rejeitos para o meio-ambiente, muitos de elevado potencial
nocivo. A questão que se coloca é: será que não existem limites para essa expansão? Será que a
economia mundial pode continuar a se expandir indefinidamente sem provocar sérias
repercussões ambientais?

Associado às avaliações a respeito dessas questões está o enorme desafio de desenhar


estruturas institucionais e aparatos de políticas que possam reduzir os impactos ambientais mais
nocivos – tanto os que ocorrem em nível local como os impactos globais – decorrentes da
expansão das atividades humanas. Para enfrentar com sucesso a esse desafio, é desejável que se
forme um consenso a respeito dos problemas ambientais que mais preocupam, e sobre a
natureza dos instrumentos a serem usados para resolvê-los ou amenizá-los. Entretanto, esse
consenso está longe de ser alcançado. Como veremos, há formas diferentes de ver essas
questões e sugestões distintas de estratégias e políticas para enfrentá-las. Esses distintos pontos
de vista não se restringem à análise econômica, mas eles têm impactos importantes sobre a
evolução de corrente de pensamento da economia do meio-ambiente.

Para que se possa melhor avaliar a situação, bem como para estabelecer uma base factual
para o estudo da economia do meio-ambiente, julgamos, pois, necessária a presente discussão
introdutória. Ela forma o pano de fundo para o estudo das principais contribuições, e das
maiores deficiências das principais correntes de pensamento da economia do meio-ambiente.

1. A escala da economia, o estilo de desenvolvimento e o meio-ambiente

1.1. A escala da economia e o meio-ambiente

Começamos fazendo uma analogia biológica: consideramos a sociedade humana um


organismo vivo, complexo e multifacetado que, como todo ser vivo, retira energia e matéria de
alta qualidade de seu meio externo – o meio-ambiente –, as emprega para se manter, crescer,
evoluir, e as devolve a esse meio externo degradados, na forma de energia dissipada, resíduos e
dejetos – ou seja, de poluição. Desde o momento em que, nos primórdios dos tempos, o homem
se organizou em sociedade, esse fluxo de matéria e energia está na base do funcionamento da
economia humana – semelhantemente, aliás, ao que acontece com todo o ser vivo. Mas, por
muitos milênios isso ocorreu sem maiores problemas; há registros históricos, num âmbito
geográfico localizado, de esgotamento de recursos naturais básicos, com dificuldades para um
determinado país ou grupo social. Também há registros de poluição e de degradação ambiental
intensas, mas também em um domínio muito localizado.1
1
Isso ocorreu, por exemplo, nas cidades industriais inglesas nos séculos XVIII e XIX.
3

Depois da Segunda Guerra Mundial, entretanto, esses problemas começaram a ser


sentidos com uma intensidade e uma amplitude cada vez maiores. Recentemente a economia
mundial atingiu escala suficientemente elevada para fazer com que o ritmo de extração de
recursos naturais e o de emanações de rejeitos, de poluição, se tornassem fonte de crescente
preocupação. Na década de 1970 a preocupação mais intensa residia na possível escassez de
recursos energéticos; hoje a preocupam mais os possíveis impactos de poluição global que se
acumula, especialmente a que vem originando o ‘efeito-estufa’ – as mudanças climáticas
geradas por acúmulo crescente de dióxido de carbono e outros gases na atmosfera. Além disso,
em nível localizado, a poluição e a emanação e acúmulo de dejetos são motivos de ações
defensivas em quase todos os países, envolvendo esforços e recursos econômicos e financeiros
cada vez maiores.

Essa evolução está associada à expansão recente do sistema econômico global. A partir
da década de 1950 essa expansão se acentuou consideravelmente, exigindo quantidades
crescentes de recursos naturais e gerando volumes cada vez maiores de emanações ao meio-
ambiente de rejeitos nocivos. A atual preocupação com os impactos ambientais causados pela
sociedade humana resulta, pois, da escala elevada da economia mundial dos nossos dias.
Enquanto esta era reduzida, os impactos globais da atividade econômica eram pequenos e
localizados; com sua ampliação, esses impactos aumentaram significativamente.

Em termos muito gerais, a escala (o tamanho, a dimensão) da economia global tem dois
componentes básicos: a magnitude da população humana; e o nível de renda per capita médio
– ou melhor, o nível da produção material por habitante. E esses dois componentes têm fortes
relações com a questão ambiental.

Com efeito, por mais pobre que seja uma sociedade, se a sua população cresce a uma
taxa elevada, aumenta o número de pessoas que requerem alimentos e um mínimo de bens e
serviços; aumentam os requerimentos de espaço para abrigar e alimentar essas pessoas; e se
ampliam as emissões de resíduos, de rejeitos. Aumenta, pois, sua escala. A degradação
ambiental de países pobres superpovoados e de elevado dinamismo demográfico tende a ser
qualitativamente diferente da que ocorre nos países ricos, mas ela existe e é preocupante. Inclui,
por exemplo, o lixo que se acumula próximo a residências e os dejetos humanos não recolhidos
e tratados; a poeira nos aglomerados urbanos; a fumaça da queima de lenha e esterco dentro das
residências; a destruição dos solos e das florestas associados à ocupação de terras, a erosão e a
degradação das águas causadas por populações de regiões de elevada densidade demográfica e
de taxas elevadas de crescimento populacional.

Por sua vez, mesmo que tenha população estável (uma população que não cresce), um
país cuja renda per capita se expande acentuadamente usa quantidades crescentes de recursos
naturais e gera emanações de rejeitos, de poluição, cada vez maiores. Via de regra, o aumento
da renda per capita está associado a uma produção material cada vez maior. E, para que esta
ocorra, tornam-se necessários cada vez mais recursos naturais. Ademais, os processos de
produção e de consumo em expansão, trazem consigo poluição e degradação ambiental
crescentes. A ciência e a tecnologia podem amenizar a situação, mas as leis da natureza
impedem com que sejam eliminados esses efeitos da expansão da produção material.

Em nível global, portanto, os dois elementos da equação – a expansão da população e o


crescimento da renda per capita – vêm resultando em uma escala cada vez maior do sistema
econômico, com impactos ambientais negativos, que se tornaram altamente preocupantes.
Algebricamente, podemos escrever:
4

Y = Y/P x P ; e, (1)
DA = Ω(Y) (2),
onde Y é o produto real total (o Produto Interno Bruto real) da economia em um dado período
(digamos um ano), tomado como indicador da escala da sua produção material no período; P
representa a população da economia naquele momento do tempo; e DA, a degradação
ambiental que se observa então. A primeira equação – que, na verdade, é uma tautologia – diz
que o produto real total em um dado período é igual à renda per capita da economia no período,
multiplicada por sua população. Em essência, essa representação ressalta os dois grandes
elementos determinantes da escala. Por sua vez, a equação (2) afirma que a degradação
ambiental é uma função Ω da escala da produção material da economia.

É importante ressaltar que não há uma relação fixa e estável entre Y e DA. Essa relação
pode ser diferente entre países e, dentro de um mesmo país, pode variar ao longo do tempo. A
configuração da função Ω(Y) depende da composição da produção e da tecnologia adotada na
produção. Existem países com estruturas de demanda que requerem produtos cuja manufatura
envolve mais recursos naturais, geram mais poluição e, além disso, produzem mais lixo na etapa
do consumo. E, para um determinado nível de produto real, existem tecnologias de produção
que são mais eficientes na conversão de materiais básicos (recursos naturais) em produtos, e que
causam menos poluição que outras. Assim, para um país em um dado momento, a relação Ω(Y)
vai depender da composição da produção que a sociedade demanda, e da tecnologia adotada
para gerar essa produção.

A figura abaixo ilustra a relação. Ali se vê que a composição da produção e o grau de


“limpeza” das tecnologias usadas na produção determinam a natureza da ligação entre a escala
da produção e a degradação ambiental. Dependendo desses dois elementos, uma mesma escala
determina uma maior ou menor degradação ambiental. E, alterando a composição da produção e
o grau de “limpeza” das tecnologias usadas, as políticas econômica e ambiental podem, até certo
ponto, modificar os impactos de uma dada escala de produção.

Escala da Grau de
economia Composição “limpeza” Degradação
da das tecnolo- ambiental
(Y=Y/P . P) produção gias usadas (DA)

Tomando a economia do globo terrestre como um todo, não é válido afirmar que existe
uma relação linear e estável entre a degradação ambiental, DA e a escala Y da produção
material. É de se esperar que a DA cresça com Y, mas é possível que essa expansão ocorra a
taxas decrescentes. Em outros termos se, com o crescimento da economia global, houver
transformações na estrutura da demanda no sentido de bens que usem menos recursos naturais
escassos e que podem ser produzidos com menores emanações, com menos poluição; e se, ao
mesmo tempo, a produção em expansão envolver o emprego crescente de tecnologias que
poupam recursos naturais escassos, será possível continuar ampliando a produção (e o padrão de
vida da população) com incrementos moderados na degradação ambiental. Entretanto, também
pode ocorrer o contrário; a demanda em expansão pode privilegiar produtos intensivos em
recursos naturais escassos e as tecnologias podem não evoluir no sentido de uma produção com
5

menor degradação ambiental por unidade de produto. Nesse caso, os impactos do crescimento
da produção sobre DA poderão vir a ser dramáticos.

A tentação é a de afirmar que, dos dois cenários esboçados no parágrafo anterior, o


primeiro é o mais plausível. Entretanto, ao contrário do que parecem crer alguns economistas,
não há nenhuma lei, natural ou da economia, que nos garanta que isso aconteça. Há mesmo
quem suspeite que o contrário vem ocorrendo.

Não é aleatória, entretanto, a relação entre a escala da economia e a degradação


ambiental. Os diversos fatores que estabelecem essa relação são, em grande parte, determinados
pelo estilo de desenvolvimento da economia. Certos estilos de desenvolvimento fazem com que
uma mesma escala produza maiores impactos ambientais negativos em alguns países do que em
outros. Essa questão é examinada a seguir.

1.2. Estilos de desenvolvimento e meio-ambiente

O ponto que se deseja enfatizar é que o padrão de degradação ambiental de cada país é
fortemente afetado por seu estilo de desenvolvimento.2 E, em larga medida, o estilo de
desenvolvimento de uma sociedade resulta da forma como a renda é apropriada pelos seus
diferentes segmentos. Essa apropriação afeta a estrutura da demanda e, portanto, se reflete na
composição da produção levada a efeito para atender a essa demanda. Influenciando na
configuração da estrutura produtiva do país, a estrutura de demanda é, pois, fator na
determinação das características das tecnologias empregadas, das intensidades de uso de fatores
de produção como a mão-de-obra e o capital; e também afeta a intensidade e os tipos de
recursos naturais empregados na produção e a natureza e intensidade de resíduos, rejeitos e
poluição que são gerados.

Uma melhor compreensão de como o estilo de desenvolvimento se reflete no meio-


ambiente requer, pois, que se esclareçam elementos das caixas da relação, acima, entre a escala
da economia e o meio-ambiente. Isso é feito na Figura 1, abaixo; vemos ali o sistema econômico
inserido em um meio externo, com o qual interage. Uma vez que a sociedade estabeleça quem
demanda e o que é demandado (ou seja, que os bens e serviços os diferentes grupos sociais
requerem), a economia tem como principal função a de organizar atividades e alocar recursos
para a produção dos bens e serviços demandados. Estabelecem-se, assim, como se produz (com
que tecnologias), a partir de que recursos básicos se produz, e onde se localiza a produção.

Os elementos que influenciam a configuração de quem (quais os grupos da sociedade)


tem mais ou menos força nos mercados e o que é demandado por esses grupos, são
denominados fatores dinâmicos do estilo de desenvolvimento. Esses fatores incluem a renda per
capita; a distribuição da riqueza, da renda e das oportunidades; a estrutura de gostos e
preferências dos que tem mais renda para sustentar demandas; e os hábitos e preferências
importados do exterior (importante na atual era da globalização).

Como se pode ver na Figura 1, as características do sistema produtivo da economia são


determinadas pela natureza dos produtos que a sociedade demanda, pelas tecnologias
disponíveis, pela estrutura empresarial, por fatores de ordem espacial, e (com muito peso na era

2 Para uma discussão do conceito de "estilo de desenvolvimento" e sua relação com o meio ambiente, ver Sunkel,
1980.
6

da globalização), por influências internacionais. Todos estes configuram os fatores estruturais


do estilo de desenvolvimento.

FIGURA 1. INTE-RELAÇÕES ENTRE O SISTEMA ECONÔMICO E O MEIO-


AMBIENTE

RECURSOS ESTADO
NATURAIS GERAL
COMO DO MEIO
INSUMOS AMBIENTE

Rejeitos Rejeitos
MEIO-AMBIENTE Degradação Degradação

SISTEMA
ECONÔMICO

Produção Consumo

Reciclagem

• Como se produz • Quem demanda


• Onde ocorre a produção • O que se demanda
• A partir de que se produz

FATORES ESTRUTURAIS FATORES DINÂMICOS

• Tipos de produtos gerados • Renda per capita


• Tecnologias • Distribuição de renda, de
• Fatores espaciais riqueza e de oportunidades
• Estrutura empresarial • Gostos e preferências
• Fatores e influências inter- • Importação de
nacionais. hábitos de consumo.

POLÍTICAS

Se, num primeiro momento, os elementos estruturais do estilo de desenvolvimento são


determinados pelos fatores dinâmicos, estes por sua vez, acabam sendo afetados pelos elementos
estruturais. Do sistema produtivo emanam não apenas os bens e serviços demandados, mas
também renda, que é apropriada por diferentes segmentos da sociedade. Assim, no longo prazo,
a conformação e mudanças na estrutura produtiva podem alterar a distribuição de renda e da
riqueza da economia, modificando os seus fatores dinâmicos.

Observa-se, ademais, que políticas públicas podem afetar, tanto os fatores dinâmicos
(alterando, por exemplo, a distribuição da renda), como os fatores estruturais (por exemplo,
facilitando a importação de tecnologias, ou “abrindo” a economia para o exterior).
7

A Figura 1 representa o sistema econômico em um dado momento. Como já se indicou,


porém, ao longo do tempo a situação tende a se modificar. O funcionamento do sistema
produtivo pode, por exemplo, alterar a distribuição de renda, afetando os montantes demandados
e a composição da demanda; e essas mudanças requerem ajustes na estrutura produtiva. As
políticas públicas também atuam ao longo do tempo, provocando alterações, tanto nos fatores
dinâmicos como nos estruturais. Entretanto, exceto em caso de alteração radical na estrutura da
sociedade (por exemplo, a provocada por uma revolução), as mudanças, tanto do lado dos
fatores dinâmicos como no dos fatores estruturais tendem a ser lentas, graduais.

Em suma, o sistema econômico – considerado um organismo vivo e complexo – não atua


em isolamento. Ele interage com o meio-ambiente, do qual extrai recursos naturais
fundamentais, e no qual despeja dejetos. Além disso, o sistema econômico funciona num espaço
geográfico; e suas incursões nesse espaço tendem a alterá-lo consideravelmente. A economia
afeta, pois, o estado geral do meio-ambiente. O estilo de desenvolvimento tem, assim, muito a
ver com os impactos ambientais emanados do sistema econômico. Determinando as quantidades
e os tipos de bens e serviços a serem produzidos e consumidos, bem como a organização da
produção e as tecnologias que esta emprega, afeta, tanto a extração de recursos energéticos e
naturais do meio-ambiente, como as emanações de resíduos para o meio-ambiente e as incursões
sobre o espaço. É, assim, um fator importante na determinação da degradação que o sistema
econômico impõe sobre o meio-ambiente.

Em termos da relação (2), acima, o estilo de desenvolvimento é fundamental no


estabelecimento dos impactos de um dado nível de Y (produto real) sobre o meio-ambiente.
Países com um mesmo nível de Y em um dado ano, vão exibir impactos ambientais distintos,
dependendo dos respectivos estilos de desenvolvimento. Diferentes estilos de desenvolvimento
geram padrões de consumo e estruturas produtivas distintos e, portanto, impactos ambientais
diferentes. A distribuição de renda molda a demanda, o padrão de consumo, a estrutura
produtiva e natureza dos resíduos lançados no meio-ambiente. Além disso, determina, em larga
medida, as carências que os segmentos mais pobres da sociedade experimentam, e que também
produzem consideráveis impactos ambientais e sociais.

O meio-ambiente, por sua vez, possui certa resiliência, ou seja, certa capacidade de se
auto-regenerar das agressões do sistema econômico. Entretanto, essa resiliência tem limites.
Uma agressão muito forte pode produzir mudanças drásticas no meio-ambiente, afetando a sua
resiliência. E o comprometimento da resiliência do meio-ambiente pode provocar situações
irreversíveis, com efeitos dramáticos sobre o próprio funcionamento do sistema econômico. É o
que acontece, por exemplo, em nível de ecossistemas que experimentam o processo de
desertificação causada pela ação humana.

Os limites da resiliência do meio-ambiente são uma questão que a economia do meio-


ambiente deveria priorizar; mas, como veremos, a escola de pensamento dominante – a
economia ambiental neoclássica – tende a exibir forte otimismo a esse respeito, e focaliza, quase
exclusivamente, aspectos do funcionamento do sistema econômico. A economia ecológica – a
outra corrente de pensamento focalizada – enfatiza esses aspectos Essa questão é examinada em
maior profundidade em outros capítulos deste volume.

Voltando à relação entre a escala da economia e o meio-ambiente, vimos que, dado o seu
estilo de desenvolvimento, a evolução da degradação ambiental gerada por uma sociedade vai
depender da dinâmica dos dois componentes da escala da economia (Y): a da sua população (P),
8

e a da sua produção (material) per capita (Y/P). A seguir, esboçam-se as tendências recentes das
dinâmicas desses dois componentes da escala da economia.

2. A dinâmica demográfica

O número de pessoas que, em um dado momento no tempo, habitam o globo terrestre é


fator fundamental na determinação dos impactos da sociedade humana sobre o meio-ambiente.
Mais importante, porém, são a taxa de crescimento dessa população, e a distribuição geográfica
de tal crescimento. Essas questões são examinadas na presente seção; para tal, são focalizados
as estimativas e projeções demográficas da Divisão de População das Nações Unidas, resumidas
na Tabela 1 adiante.

Tabela 1. População Estimada e Projetada para o Mundo, para Grupos de Países em Classificados
em Termos de Grau de Desenvolvimento, e de Grandes Áreas Geográficas, 1950 e 2000 (população
estimada), e 2050 (população projetada). Taxas Médias Anuais de Crescimento, 1950-2000 e 2000-
2050.

População Estimada Taxa Média Geométrica de


(milhões de habitantes) Crescimento
(% ao ano)

1950 2000 2050 1950-2000 2000-2050

MUNDO 2.518 6.071 8.919 1,76 0,77

Países Desenvolvidos 813 1.194 1.220 0,77 0,04

Países em Desenvolvimento 1.705 4.877 7.699 2,10 0,91

Mais Pobres 200 668 1.675 2,41 1,84


Outros 1.505 4.209 6.024 2,06 0,72

Grandes Regiões
África 221 796 1.803 2,56 1,64
Ásia 1.398 3.680 5.222 1,94 0,70
América Latina e Caribe 167 520 768 2,27 0,78
Europa 547 728 632 0,57 -0,28
América do Norte 172 316 448 1,22 0,70
Oceania 13 31 46 1,74 0,79

Fonte: United Nations, Department of Economic and Social Affairs, Population Division, World
Population Prospects: the 2002 Revision. United Nations, fevereiro, 2003 (www.unpopulation.org.)

Merecem destaque os seguintes aspectos da dinâmica demográfica recente, revelados


pelos dados da tabela:

1. Os dados das Nações Unidas mostram que, entre 1950 e 2000 a população do mundo
aumentou cerca de 141%, de 2,5 bilhões a quase 6,1 bilhões de habitantes. A taxa média de
crescimento nesses 50 anos foi de 1,76% ao ano. No período a população mundial apresentou
um incremento de quase 3,6 bilhões de pessoas.
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2. Olhando para o futuro, a expectativa é a de que, em continuação à tendência observada no


período 1950-2000, na primeira metade do século XXI ocorra, em todo o mundo, acentuada e
generalizada desaceleração demográfica. Considera-se que a taxa de crescimento da população
mundial, que foi de 1,76% na segunda metade do século XX, em média, e que na virada do
milênio já havia caído para cerca de 1,2% ao ano, continuará declinando; a média esperada para
a primeira metade do século XXI é de cerca de 0,77% ao ano.

Não obstante tal desaceleração, porém, no começo do século XIX o mundo ainda registrava
um incremento de cerca de 77 milhões de pessoas por ano; e, segundo as Nações Unidas, a
população do nosso globo deverá ultrapassar os 8,9 bilhões de pessoas em 2050. Se essa
projeção se confirmar, ao término da primeira metade do século XXI a população mundial terá
tido um incremento de quase três bilhões de pessoas em relação à de 2000.

3. Chama a atenção na Tabela 1 a elevada participação da população dos Países em


Desenvolvimento (PEDs) na população mundial total. Em 1950 a população dos PEDs
totalizava 1,7 bilhões de habitantes, com participação de 67,7% do total mundial; e em 2000
esta ultrapassou a casa dos 4,8 bilhões de pessoas, tendo a sua participação atingido os 80,3%.
No mesmo período, a participação dos Países Desenvolvidos (PDs) caiu substancialmente, de
32,3% para 19,7%.

O que explica a diferença na evolução demográfica desses dois grupos são as respectivas
taxas de crescimento médio anual; enquanto a população dos PDs aumentou a uma taxa média
de apenas 0,7% ao ano em média entre 1950 e 2000, a dos PEDs aumentou à elevada taxa média
anual de 2,1 %.

No grupo dos PEDs, a população dos Países em Desenvolvimento mais Pobres (PDMPs)
expandiu-se a elevada taxa média anual de 2,4%, passando de 200 milhões de habitantes em
1950 a 668 milhões em 2000. A taxa de crescimento desse grupo mostrou-se bastante elevada,
mas o incremento absoluto foi de apenas cerca de 448 milhões de pessoas. Mesmo assim, sua
participação relativa aumentou de 7,9% da população mundial em 1950, para 11,0% em 2000.

A população do grupo dos Outros Países em Desenvolvimento, OPDs teve um aumento


absoluto expressivo, passando de 1,5 bilhões, para 4,2 bilhões de pessoas; a taxa de crescimento
de sua população foi de 2,06% ao ano em média no período, e sua participação relativa na
população mundial aumentou de 59,5% em 1950, para 69,2% em 2000.

4. As projeções para o período 2000-2050 indicam que essa concentração espacial do


crescimento demográfico deverá continuar. Observando as projeções verifica-se que:

♦ A população dos Países Desenvolvidos permanecerá virtualmente constante; a taxa de


crescimento médio da população dos PDs projetada para o período é de apenas 0,04% ao
ano no período.

♦ A população dos Países em Desenvolvimento como um todo, por sua vez, deverá crescer à
taxa média anual de 0,91%. Pode não parecer muito, mas essa taxa deve ser avaliada com
base na população total desse grupo de países, que é enorme – em 2000 ela totalizava
quase 4,9 bilhões de habitantes. Por isso, as projeções das Nações Unidas são de um
crescimento absoluto de mais de 2,8 bilhões de pessoas no período 2000-2050, ou mais de
2,3 vezes a população total da China em 2000.
10

♦ Merece atenção especial a projeção de crescimento do grupo de países em


desenvolvimento mais pobres (PDMPs). Vimos que, na segunda metade do século passado
a taxa de crescimento desse grupo de países, de 2,41% ao ano, foi a mais elevada dentre as
dos três grupos de países da Tabela 1. Embora em 1950 a sua população ainda fosse
diminuta (200 milhões de pessoas ou 7,9 do total mundial), esse crescimento significou a
adição de quase 470 milhões de pessoas, elevando sua participação relativa para 11,0% do
total mundial. Além disso, é importante ressaltar que as projeções das Nações Unidas são
de um crescimento da população dos PDMPs para o período 2000-2050 a uma taxa média
anual de 1,84%, quase 2,4 vezes maior do que a taxa estimada para o mundo como um
todo (0,77% a.a.). Se concretizada essa previsão, em 2050 o grupo dos países mais pobres
deverá ter uma população de quase 1,7 bilhões de pessoas, elevando sua participação
relativa na população mundial para 18,7%. A primeira vista esta proporção pode não
parecer muito elevada, mas é importante considerar que esse grupo de países continuará a
apresentar uma parcela substancial dos miseráveis do nosso planeta.

♦ O grupo dos outros países em desenvolvimento (OPDs) deverá, segundo as projeções,


crescer a taxa moderada de 0,72% ao ano no período 2000-2050. Entretanto, é importante
ter-se em vista a base extremamente elevada sobre a qual começa a incidir esse
crescimento (cerca de 4,2 bilhões de pessoas em 2000). Assim, a se cumprirem as
projeções das Nações Unidas, teremos um incremento absoluto de um pouco mais de 1,8
bilhões de pessoas a sua população ao longo da primeira metade do século XXI. Todavia,
tratando-se de países nos quais, em média, a pressão demográfica sobre sua base de
recursos é menos intensas do que a do grupo dos mais pobres, é menos grave – embora
não deixe de ser preocupante – a situação esperada para os OPDs.

5. A perspectiva da dinâmica demográfica de grandes grupos populacionais, acima


registrada, traduz a média do que deve acontecer em cada um desses grupos. Mas ela esconde
variações bastante significativas entre os países que compões tais grupos. Seguem-se alguns
exemplos:

♦ Chamam a atenção as diferenças entre os dois países mais populosos do mundo, ambos
pertencentes ao grupo dos OPDs: a China e a Índia. A China, com política drástica de
controle da natalidade, reduziu substancialmente sua taxa de crescimento demográfico
para próximo de zero; já a Índia, cuja população recentemente ultrapassou a casa do
bilhão de habitantes, vem se mostrando mais complacente em relação à expansão de sua
população, que vem crescendo a taxas relativamente elevadas.

Na verdade, não há um comportamento uniforme entre os países da Ásia, embora todos


registrem nítida tendência de desacelerarão demográfica. Tanto é que a projeção das
Nações Unidas para o período 2000-2050 é a de uma taxa de crescimento médio de 0,7%
ao ano para a Ásia, bem abaixo dos 1,94% ao ano que prevaleceram na segunda metade do
século XX. Entretanto, mesmo esses 0,7% ao ano preocupam, dada a imensa base de
população sobre a qual incide essa taxa; em 2000 a Ásia já detinha quase 3,7 bilhões de
habitantes e a projeção para 2050 é a de um total de mais de 5,2 bilhões de habitantes para
a região, que também inclui enormes bolsões de pobreza e miséria.

♦ No grupo dos PDs, há um contraste entre países com expectativas de declínio demográfico
no período, como o Japão e alguns países da Europa, e o Estados Unidos, que deve
apresentar incremento demográfico na primeira metade do século XXI.
11

♦ No grupo dos mais pobres (os PDMPs ) também existem contrastes; alguns países deste
grupo deverão apresentar crescimento muito elevado, mas outros terão crescimento quase
nulo. Isso é discutido em mais detalhe no próximo item.

6. Têm merecido atenção especial os impactos da epidemia de AIDS sobre a dinâmica


demográfica dos países da África ao sul do Saara – a maioria do grupo dos “mais pobres”. Só
para exemplificar, espera-se que o aumento de mortalidade provocada pela epidemia nos sete
países mais afetados na região, todos localizados no sul do continente, faça as suas populações
permanecerem virtualmente inalteradas no período 2000-2050 (ela deverá passar 74 milhões de
pessoas em 2000, para apenas 78 milhões em 2050). A expectativa é, inclusive, que países como
a África do Sul, Botswana, Lesoto e Swaziland terão declínios absolutos de suas populações.
Em contraste, os países do grupo menos afetados pela epidemia da AIDS deverão apresentar
crescimento demográficos expressivo, o que explica a taxa de 1,8% ao ano empregada nas
projeções das Nações Unidas para a primeira metade do corrente século.

São as seguintes as questões que se colocam em face a esse panorama da dinâmica


demográfica mundial:

1. Terá o nosso globo a capacidade de, por volta de 2050, alimentar os seus quase 9
bilhões de habitantes? Será possível esperar uma melhora na nutrição das camadas
mais pobres dessa população, particularmente nos países em desenvolvimento?

2. Poderão as cidades absorver vários bilhões de pessoas em condições adequadas de


saúde, educação, habitação, emprego e segurança? A expectativa é a de que, em 2050
bem mais da metade da população mundial esteja residindo em cidades.

3. Qual o impacto dessa expansão demográfica sobre o consumo de energia e de outros


recursos naturais? E sobre a poluição? Em outros termos, terá o nosso globo
condições de absorver o estresse causado pelo crescimento econômico necessário
para atender minimamente às aspirações dos habitantes dos países em
desenvolvimento? Ou seja, será que em 2050 o sistema econômico global terá
condições de oferecer padrões de vida aceitáveis a quase 9 bilhões de habitantes sem
impor profunda e irreversível degradação ambiental?

Essas questões são focalizadas em maior detalhe adiante. Antes examinaremos os


elementos da dinâmica demográfica, com o objetivo de estabelecer uma base analítica mínima
para uma avaliação desta.

2.1. Elementos da dinâmica demográfica

As projeções do crescimento demográfico de grupos de países, examinadas acima, não


foram feitas mediante mera extrapolação de tendências recentes. Elas se apoiaram, ao invés, em
hipóteses sobre a evolução de variáveis demográficas básicas que afetam a magnitude e a
evolução no tempo das taxas de crescimento demográfico. A demografia desenvolveu bases
teóricas que nos permitem ter certas expectativas sobre as mudanças desses variáveis em face a
estágios do desenvolvimento de sociedades de diferentes tipos.

O diagrama que se segue apresenta um esboço simplificado dos principais fatores que
afetam a taxa de crescimento demográfico de um dado país ou região.
12

Fecundidade NATALIDADE

Serviços de Saúde e
MORTALIDADE VARIAÇÃO
de Saneamento DEMOGRÁFICA

MIGRAÇÃO LÍQUIDA
(imigração – emigração)

Em um dado período, a variação líquida da população de um país, ou seja, a variação do


“estoque” de pessoas que habitam o país, é determinada pelas entradas e pelas saídas desse
“estoque” no período. As entradas no “estoque” se originam, de um lado, dos nascimentos; e do
outro, da imigração, ou seja, das pessoas de fora do país que para ele se deslocam e lá passam a
residir. Por sua vez, as saídas do “estoque” são determinadas, de um lado, pelos que morrem, e
do outro, pelos que saem do país, indo residir em outros lugares. Os nascimentos – a natalidade
– são determinados pela taxa de fecundidade (alguns a denominam de taxa de fertilidade), que
reflete o comportamento reprodutivo do país (ver adiante). A mortalidade, por sua vez, tem
muito a ver com as condições de saúde e sanitárias do país. Já a imigração e a emigração que
ocorre em um dado período – que estão representados como migração líquida no diagrama,
dependem de um complexo de fatores internos e externos (que não será detalhado aqui). Segue-
se a conceituação dos elementos que compõem a taxa de variação demográfica de um país.

A taxa de fecundidade (de fertilidade): trata-se do número de nascimentos vivos que,


em média, se estima que uma mulher de um país ou região tem ao longo de sua vida reprodutiva
(para fins estatísticos esta se situa entre os 15 e 49 anos de idade, em média). Refere-se a um
dado momento do tempo.

Se considerarmos um dado ano, veremos que a taxa de fecundidade de diversos países


tende a ser muito diferente. E o mesmo tende a ocorrer para um determinado país ao longo do
tempo. Em termos de grandes regiões do mundo, por exemplo, no período 1990-95 a taxa de
fertilidade da Europa foi de 1,7 crianças por mulher, enquanto na África essa taxa alcançou 6,0,
na Ásia 3,2 e na América do Sul, 2,9 crianças por mulher em condições de reproduzir.3

Note-se que, na Europa, a média dos nascimentos por mulher nem mesmo repõe a
unidade básica responsável por sua ocorrência (o casal). Isso não obstante, a população desse
continente não vem experimentando declínio – como se vê na Tabela 1, no período 1950-2000 a
taxa média anual de crescimento da população européia foi de 0,57%. Isso ocorre em razão da
imigração, ou seja, das pessoas que ingressaram na Europa oriundas de outros continentes. Já na
África ao sul do Saara, a taxa de fertilidade (6,0 nascimentos por mulher) é muito maior que a
necessária para substituir o casal; esse é um fator na alta taxa de crescimento de sua população,
a despeito da também elevada (e crescente, em virtude da epidemia de AIDS) taxa de
mortalidade do continente. Essa é uma das razões porque a dinâmica demográfica dessa região
vem causando preocupação.

3
Dados demográficos de World Resources Institute, World Resources – 1994-95. Nova Iorque: Oxford University
Press, 1994, cap. 16, Tabela 15.2.
13

Um outro aspecto a ser ressaltado é que, ao longo do tempo, a taxa de fecundidade de


um determinado país ou região tende a declinar. Na Europa, por exemplo, a taxa de fertilidade
caiu de 2,2 nascimentos vivos por mulher entre 1970 e 1975 para os já mencionados 1,7 entre
1990 e 1995. Na América do Sul a fertilidade declinou entre esses anos, de 4,6 a 2,9
nascimentos por mulher; na Ásia o declínio foi de 5,1 a 3,2 nascimentos. A África, entretanto,
apresentou declínio de fecundidade insignificante entre esses períodos, de 6,6 a apenas 6,0
nascimentos vivos por mulher.

A evolução da fecundidade no Brasil. O Brasil repete esse mesmo padrão. Os dados da


Tabela 2, a seguir, mostram que, em um dado ano, a fecundidade é maior nas regiões mais
pobres que nas mais desenvolvidas; e que, entre 1960 e 2000 a taxa de fertilidade declinou
acentuadamente em todas as regiões, e assim, no país como um todo.

Tabela 2. Brasil e Grandes Regiões – Taxa de Fecundidade, 1960-2000

Grandes Regiões 1960 1970 1980 1991 2000

Brasil 6,3 5,8 4,4 2,9 2,3


Norte 8,6 8,2 6,4 4,2 3,2
Nordeste 7,4 7,5 6,2 3,7 2,6
Sudeste 6,3 4,6 3,5 2,4 2,1
Sul 5,9 5,4 3,6 2,5 2,2
Centro-Oeste 6,7 6,4 4,5 2,7 2,2
Fonte: IBGE, Censo Demográfico 2000 – Fecundidade e mortalidade infantil:
Resultados preliminares da amostra. Rio de Janeiro: IBGE, 2002.

Tomando o país como um todo, entre 1960 e 2000 a taxa de fecundidade caiu de 6,3 para
2,3 filhos por mulher. Essa redução ocorreu inicialmente de forma lenta, de 6,3 para 4,4 filhos
por mulher em 1980, mas deste último ano a 1991 e queda se acentuou; nesse período a taxa de
fecundidade passou de 4,4 e para 2,3 filhos. E uma evolução semelhante ocorreu em todas as
grandes regiões do país, embora tenham se mantidas as diferenças nos níveis da taxa de
fertilidade entre elas em cada ano.

As diferenças entre as regiões têm a ver com diferenças nos seus graus de
desenvolvimento. Como no resto do mundo, para um dado ano a fecundidade é maior nas
regiões mais pobres que nas mais desenvolvidas. Em 1960, por exemplo, as taxas de
fecundidade das regiões Norte e Nordeste foram de 8,6 e 7,4 filhos por mulher, enquanto que as
das regiões Sudeste e Sul foram de 6,3 e 5,9 filhos por mulher, respectivamente.
Semelhantemente, em 2000 as taxas de fecundidade das regiões Norte e Nordeste foram 3,2 e
2,6 filhos por mulher, e as das regiões Sudeste e Sul foram de 2,1 e 2,2 filhos por mulher,
respectivamente. Todas as regiões experimentaram forte declínio de fecundidade, mas as
diferenças se mantiveram.

Terão os movimentos observados nas taxas de fecundidade, não só no Brasil como em


todo o mundo, sido obras do acaso? Esta questão é discutida a seguir.

Determinantes no declínio da taxa de fertilidade. As reduções ao longo do tempo da


taxa de fecundidade, têm sido determinadas por fatores como:
14

• Aumentos de renda per capita, da urbanização, do acesso à contracepção e a programas


de planejamento familiar ou de saúde reprodutiva, e da educação da mulher. Influíram, também,
fatores religiosos, culturais e tradições.

• Um fator importante está no fato de que as famílias no meio rural dos países pobres
necessitam ter muitos filhos. Isso porque é alta a probabilidade de alguns morrerem; o casal
quer ter a certeza de que um número suficiente de filhos sobreviverá para ajudar nos trabalhos
do campo e para prover o seu sustento na velhice. Com o desenvolvimento da economia, com a
urbanização, com a melhoria de padrão de vida e com o desenvolvimento da previdência social
isso cessa de ocorrer. Ocorrendo essas mudanças, um casal típico passa a desejar menos filhos;
ademais, nas cidades é bem maior o acesso à educação e tendem a ser disponíveis mais
informações sobre como realizar controle da natalidade.

O momento demográfico. Suponhamos, apenas para raciocinar, que em um país de


elevada fecundidade (digamos, de 5,5 nascimentos por mulher, em média), esta subitamente
caísse para um nível inferior a 2,1 nascimentos por mulher (o nível de reposição do casal).
Suponhamos ainda, que não haja movimentos migratórios e que a taxa de mortalidade
permaneça constante. A demografia demonstra que, apesar dessa drástica redução da taxa de
fecundidade, a população do país continuaria a aumentar por algum tempo. Isto porque países de
elevada fecundidade geralmente têm populações jovens; ou seja, exibem uma estrutura de idade
da população com elevada proporção de mulheres em idade reprodutiva. Assim, mesmo que se
reduzisse drasticamente a fecundidade, por algum tempo ainda permaneceria elevada a
proporção de mulheres em condições de ter filhos. Mesmo que estas tivessem apenas por volta
de 2 filhos, em média, como são numericamente expressivas, manteriam a população crescendo
por um período ainda substancial. Seriam necessárias algumas décadas para que a população
fosse “envelhecendo” e houvesse um declínio apreciável na proporção de mulheres em idade de
procriar. Só então o país passaria a experimentar redução expressiva na taxa de crescimento
demográfico. Esse fenômeno recebe a denominação de “momento demográfico”.

A taxa de natalidade: a taxa de fecundidade e a participação das mulheres em idade de


procriar na população determinam a taxa de natalidade de um país ou região. Trata-se da
proporção do número de nascidos em um período de tempo em relação à população total.

É evidente que, com a queda da taxa de fecundidade e com o “envelhecimento” da


população, diminui a taxa de natalidade; a procriação humana se reduz e, portanto, os
nascimentos diminuem. Mas, na melhor das circunstâncias, este tende a ser um fenômeno
gradual, que se desenrola ao longo de muitos anos.

Taxa de mortalidade: compreende o número de mortos anuais de um país ou região,


como proporção de sua população total. Nos últimos 150 anos quase todos os países registraram
um acentuado declínio de suas taxas de mortalidade. Para se ter uma idéia, na Europa de 1800 a
expectativa de vida – o número de anos que, em média, uma pessoa nascida em um dado ano
num país ou região, pode esperar viver – era de cerca de 35 anos apenas. Cem anos depois a
esperança de vida ainda era de cerca de 50 anos – um aumento de apenas 15 anos em um século.
Mas as subsequentes reduções de mortalidade fizeram a esperança de vida dos países
industrializados alcançar 66 anos em 1950, e cerca de 75 anos em 1995.4 Esse forte aumento da
esperança de vida tem a ver, não só com melhorias de padrão de vida, propiciados por aumentos
de renda per capita, mas de forma muito especial, com melhorias da nutrição, com avanços na
medicina, com o melhor acesso da população a serviços de saúde, com a descoberta de vacinas e

4
Idem, ibidem, p. 29.
15

a realização de campanhas de vacinação bem sucedidas, e com crescentes investimentos na


provisão de água tratada e em saneamento básico.

Na verdade, avanços da medicina e de práticas na área da saúde pública fizeram com que
a mortalidade dos países em desenvolvimento também caísse rapidamente, levando suas
esperanças de vida a aumentar mais que a evolução das suas rendas per capita permitiria prever
cerca de meio século atrás. Para se ter uma idéia, se em 1950 a esperança de vida dos países em
desenvolvimento ainda era de cerca de 40 anos, em 1995 já havia alcançado os 62 anos.

A taxa de crescimento vegetativo da população. Compreende a diferença entre a taxa


de natalidade de um país ou região, em um dado ano, e a sua taxa de mortalidade nesse mesmo
ano. Essa taxa deve, evidentemente, ser calculada sem computar a migração líquida do país ou
região no ano. Uma migração líquida positiva (imigração maior que a emigração) faz a taxa de
crescimento da população ser mais elevada que a taxa de crescimento vegetativo. O contrário
ocorre em país ou região com migração líquida negativa.

No período 1990-1995 a taxa média de crescimento demográfico dos países


desenvolvidos era de apenas 0,48%, graças a uma combinação de taxas de fecundidade e de
mortalidade muito reduzidas. Vimos que nesses países, há muito tempo a taxa de crescimento
vem apresentando gradual, mas contínua desaceleração, como resultado de reduções moderadas,
mas persistentes, nas taxas de fecundidade e de mortalidade, sendo que a desaceleração das
primeiras foi mais intensa.

Nos países em desenvolvimento, porém, a taxa de fecundidade só passou a declinar mais


acentuadamente nas três últimas décadas do século XX. Entretanto, a taxa de mortalidade
começou a cair sensivelmente já na década de 1950, graças a ampla difusão da vacinação e de
programas de saúde pública e de investimentos em saneamento básico. Como as taxas de
natalidade se mantiveram elevadas, as taxas de crescimento demográfico passaram a
experimentar fortes aumentos. Teve início, naqueles países, o processo de transição de elevadas
para reduzidas taxas de crescimento – a transição demográfica. Esse fenômeno é examinado a
seguir.

A transição demográfica. A evolução no tempo das variáveis demográficas que


caracterizam a transição demográfica é ilustrada na Figura 2, abaixo. Ali vemos uma trajetória
típica de países em desenvolvimento mais avançados, como o Brasil. Observam-se três fases
distintas:

• A fase inicial (até o ano To, no gráfico) em que, tanto a taxa de natalidade como a de
mortalidade são elevadas e o crescimento vegetativo da população não é muito alto. Em To
começam a ser sentidos os efeitos sobre a taxa de mortalidade de programas de saúde pública,
de vacinação e de saneamento básico. Além disso, ocorrem mudanças na economia: a
industrialização se intensifica, se aprofunda a diversificação produtiva e se acelera a
urbanização. Em conseqüência, a taxa de mortalidade passa a declinar rapidamente. Como a
taxa de natalidade experimenta reduções muito mais lentas, ocorre um forte aumento na taxa de
crescimento vegetativo (a diferença entre as duas taxas).

Figura 2 - Transição Demográfica


Taxas de
natalidade e de
mortalidade
16

Natalidade
Mortalidade

To T1 T2 Tempo (anos)

• A segunda fase: esta se inicia em T1 e, ao seu final terá se completada a transição


demográfica. Nesta fase, a taxa de fecundidade passa a registrar fortes reduções, levando a um
contínuo declínio da taxa de natalidade. Em razão do fenômeno do momento demográfico,
inicialmente esse declínio é reduzido; isso estaria ocorrendo, por exemplo, no momento T1.
Com o tempo, entretanto, o declínio da taxa de natalidade se acentua, aproximando-se outra vez
da taxa de mortalidade, que se reduziu rapidamente já em To. Quando isto acontece, a taxa de
crescimento vegetativo passa a diminuir consideravelmente. Na Figura 2, a segunda fase chega
ao fim em T2, quando as duas taxas se estabilizam, registrando quando muito, apenas reduções
graduais. Observe-se que no momento T2 a taxa de natalidade será apenas um pouco maior que
a da mortalidade, o que faz com que o crescimento vegetativo da população seja relativamente
reduzido.

No Brasil, a segunda fase teve início após a II Guerra Mundial. A taxa de mortalidade
experimentou acentuada redução, fazendo a taxa de crescimento vegetativo da população
alcançar níveis altíssimos (esta chegou a cerca de 3% em 1950). Vimos que, por volta do fim de
meados da década de 1960 começou a ocorrer firme queda da taxa de fecundidade e, depois, da
taxa de natalidade. Em conseqüência, houve contínua redução na taxa de crescimento
vegetativo, que no período 1991/2000 se situou em apenas 1,63% ao ano (conforme dados dos
Censos Demográficos). E a tendência dessa queda é de continuar. Na verdade, a transição
demográfica no Brasil ainda não se concluiu; projeções do IBGE estimam que, por volta de
2020, a taxa de crescimento da população do país atingirá cerca de 0,7% ao ano – menos da
metade da taxa para década de 1990.

2.2. População, pobreza e meio-ambiente

Por que os padrões de crescimento demográfico dos países em desenvolvimento tendem


a ser considerados ameaça ao meio-ambiente? Isso acontece essencialmente porque quase todos
os países com taxas elevadas de crescimento demográfico são pobres. Além disso, alguns destes
exibem consideráveis densidades demográficas. Nessas circunstâncias, o crescimento
demográfico implica em acentuada expansão na demanda de alimentos, combustíveis e outros
bens e serviços, resultando em substancial pressão sobre o meio ambiente. Junto com o avanço
recente da urbanização nos países em desenvolvimento, isso também implica na aglomeração de
segmentos mais pobres da população em espaços limitados, com igualmente forte
comprometimento do meio-ambiente.

Com efeito, em países densamente povoados o aumento na demanda por alimentos


geralmente conduz à adoção de processos de ocupação, abertura e uso descontrolados de terras,
com cultivos de zonas inadequadas (encostas de montanha, ecossistemas frágeis), resultando em
crescente degradação de solos, perda de fertilidade, erosão e, no limite, em desertificação. Em
17

muitos desses países observa-se, também, a abertura indiscriminada de áreas virgens, com
rápida eliminação da vegetação nativa e conseqüente alteração de habitas e destruição de
biodiversidade. Em tese, esses processos podem ser controlados, mas, em situações de rápida
expansão demográfica e de acentuada pobreza isso se torna virtualmente impossível. Como
esperar que haja controle da degradação da natureza com uma população pobre que cresce
rapidamente e que depende fundamentalmente de recursos naturais para sobreviver?

Como se mencionou, tem se verificado nos países em desenvolvimento forte tendência a


urbanização. Esse fato se torna óbvio quando se observa que quase todas as cidades de mais de
10 milhões de habitantes de nosso planeta estão em países em desenvolvimento.5 Acontece que
essa crescente concentração de população vem ocorrendo em países com baixa capacidade de
investimento em infra-estrutura social, o que acaba provocando formidáveis impactos
ambientais.

Com efeito, a pobreza, as desigualdades distributivas e a concentração de população nas


grandes cidades de muitos dos países em desenvolvimento vêm ocasionando dois tipos de
problemas ambientais: a poluição, a congestão de veículos e a degradação resultante dos
padrões de consumo de um grupo relativamente pequeno de pessoas de renda média e alta,
favorecidas em termos de acesso aos bens e serviços; e problemas ambientais resultantes da
carência de serviços básicos para as camadas de baixa renda. A congestão e a poluição causadas
por automóveis e outros veículos, e a degradação gerada pelo lixo são geralmente problemas
ocasionados pelo primeiro grupo. A congestão humana, a precária situação sanitária, o acúmulo
de lixo doméstico nas vizinhanças das residências, a degradação de terras marginais, juntamente
com as doenças e os acidentes oriundos dessas condições constituem as conseqüências
ambientais dos grandes bolsões de pobreza em áreas urbanas com serviços públicos
inadequados.

Nas grandes cidades brasileiras, por exemplo, – mesmo nas mais prosperas – uma
proporção considerável da população enfrenta condições de vida precárias. A degradação
associada à pobreza é altamente visível ali. Os problemas ambientais urbanos comuns aos países
industrializados – a poluição do ar e da água – são exacerbados por um crescimento
demográfico desordenado que vem gerando problemas do seguinte tipo:6

• A existência de grandes quantidades de pobres, amontoados em moradias inadequadas,


situadas geralmente em terrenos ilegais ou semi-legais, tais como áreas de encostas, áreas
sujeitas a enchentes ou localidades que apresentam elevados índices de poluição. Muitas vezes é
apenas em tais lugares que os mais pobres têm condições de erguer ou alugar suas moradias;
essa população pode se alojar em tais lugares exatamente porque os mesmos não possuem
estrutura sanitária e outros serviços básicos, e porque apresentam altos riscos de saúde e de
segurança, o que os tornam indesejáveis para os segmentos mais prósperos da população urbana.

Nesses assentamentos os domicílios são geralmente precários, pequenos e habitados por


muitas pessoas; além disso, não apresentam isolamento contra ruídos e variações de
temperatura, são vulneráveis à sujeira e aos ratos e insetos e têm acesso limitado a serviços
básicos. Muitas vezes a água utilizada pelos moradores é de baixa qualidade e de difícil acesso,
a coleta do lixo ocorre raramente e o esgotamento sanitário é deficiente. Ademais, a elevada

5
Como, por exemplo, a Cidade do México, São Paulo, Rio de Janeiro, Shangai, Beijing, Bombaim, Calcutá, Nova
Deli, Manila, Lagos, entre outras.
6
Para maiores detalhes, ver Mueller, 1997, p. 81-101.
18

concentração de população propicia o contágio de doenças, contágio esse facilitado pelos baixos
níveis de resistência dos indivíduos, causados por desnutrição e por estados de saúde precários.
Por último, os habitantes das aglomerações de baixa renda localizadas próximas a rodovias
movimentadas e a zonas industriais também enfrentam níveis especialmente elevados de
poluição atmosférica.

• As aglomerações urbanas de baixa renda são frágeis do ponto de vista ambiental, e a


concentração da população contribui para sua degradação. Além do mais, tendem a ser
perigosas. Vez por outra ocorrem desastres e tragédias; cidades como o Rio de Janeiro e São
Paulo têm registrado tais calamidades com alguma freqüência com vítimas que, na sua maioria,
pertencem às camadas mais pobres da população.

• Sendo ilegais, ou estando em desacordo com o zoneamento urbano, não há


investimento público e os assentamentos pobres apresentam consideráveis déficits de serviços
básicos necessários a uma vida saudável e adequada. Sua infra-estrutura urbana é precária
(faltam ruas pavimentadas, áreas verdes e sistemas de drenagem), e muitas vezes os
assentamentos estão sujeitos a alagamentos e a infestados com lixo, tornando-se criadouros de
ratos, insetos e outros transmissores de doenças. E, dada a grande concentração de população, é
elevada a incidência de acidentes.

• Tendem a se verificar problemas decorrentes de hábitos inadequados de higiene nos


assentamentos pobres. Isso acontece onde é elevada a concentração de migrantes recém
chegados da zona rural, portadores de doenças infecciosas e com deficiências educacionais. A
higiene pessoal precária, o lixo doméstico que se acumula próximo às casas e a falta de
condições sanitárias, criam condições propícias para a disseminação de doenças, algumas
tipicamente rurais.7

• Finalmente os ambientes físicos e sociais inadequados das zonas de concentração de


populações urbanas de baixa renda são propício a acidentes domésticos e de rua, à alienação, ao
estresse e à instabilidade social. Nessas zonas tendem a ser elevados o desemprego e o
subemprego, assim como os índices de criminalidade e violência.

O padrão acima delineado longe está de ser exclusivo do Brasil; ele é representativo do
que acontece na maioria das grandes metrópoles do Terceiro Mundo. Na verdade, em muitas as
condições são mais difíceis que as do nosso país.

2.3 Perspectivas globais de redução da pobreza

No final da década de 1980 a Comissão do Meio-ambiente e Desenvolvimento das


Nações Unidas introduziu o conceito de desenvolvimento sustentável, que acabou tendo forte
repercussão. Para a Comissão, o desenvolvimento sustentável requer que se cumpram,
simultaneamente, as três seguintes condições básicas: 8

7 De acordo com a OMS, a intensa migração do campo para a cidade no Brasil foi um fator na transformação da
esquistossomose em doença urbana (OMS, 1988, p. 25). Obviamente isso também foi causado pelas condições
precárias de saneamento de assentamentos pobres, favorecendo o estabelecimento do vetor da esquistossomose nas
zonas urbanas.

8
Ver United Nations, 1987.
19

• A melhoria, ou pelo menos a manutenção, do bem estar dos atuais habitantes dos
países e regiões industrializados.

• Vigoroso combate à pobreza, com acentuada redução nas disparidades de renda e


riqueza entre os países do Norte industrializado, e os do Sul, subdesenvolvidos, bem como
dentro dos países.

• E, a garantia de que tudo isso ocorra sem prejudicar as oportunidades das gerações
futuras.

Sem entrar no mérito da viabilidade técnica e política da concretização do paradigma do


desenvolvimento sustentável, parece claro que a questão ambiental está intimamente ligada a
esses três elementos da sustentabilidade. E é evidente que a redução da pobreza compõe um
desses elementos. Quais as perspectivas de médio e longo prazo de tal redução?

Iniciamos com um breve exame do desempenho em termos de redução da pobreza no mundo


nas últimas décadas. O relatório do Banco Mundial de 1992 registra a ocorrência de
consideráveis progressos nesse sentido nos últimos 25 anos. “Nos países em desenvolvimento o
consumo médio per capita aumentou 70% em termos reais, a esperança média de vida se elevou
de 51 a 63 anos e a taxas de matrícula no ensino primário atingiu 89%.” 9 Entretanto, essa
evolução não nos permite sermos otimistas. Esses ganhos longe estiveram de ser generalizados.
Na verdade, o progresso se concentrou num pequeno número de países – os países mais bem
sucedidos na promoção do desenvolvimento (dentre os quais alguns incluem o Brasil); e dentro
de cada país, o desenvolvimento atingiu principalmente certas regiões e certas camadas da
população, deixando outras nitidamente para trás. Assim é que em 1990 ainda havia cerca de 1,2
bilhões de pessoas, ou 1/5 da humanidade, vivendo em condições de miséria. Cerca de metade
desse total se localizava na Ásia, e mais de um quarto desse total, na parcela subsaariana do
continente africano. Ademais, países em estágio de desenvolvimento semelhante ao do Brasil
apresentam fortes contrastes entre as regiões mais e as menos prósperas. Mas a miséria – com
seus efeitos sobre o meio-ambiente – também deixa marcas nos países e regiões mais prósperos;
é o que se observa, por exemplo, em certas zonas de cidades como São Paulo, com grande
concentração de famílias vivendo em assentamentos irregulares, em condições muito precárias.

Em suma, uma parcela significativa dos miseráveis do nosso globo se concentra nos
países e regiões mais pobres. E estas são as áreas que mais vêm sentindo o impacto da
degradação ambiental resultante da pobreza. O pior é que são pouco otimistas as
perspectivas para o futuro. A Tabela 2 apresenta projeções aproximadas, para 2030, da renda per
capita de grupos de países em estágios semelhantes de desenvolvimento. São estimativas
grosseiras e que, se fossem refeitas agora, talvez apresentassem resultados até mais dramáticos,
dados os problemas recentes da economia mundial. Entretanto, fornecem uma indicação das
magnitudes relevantes e, de forma muito especial, das disparidades entre grupos de países e das
evoluções previstas para o período.

Tabela 2. Projeções Aproximadas da Renda Per Capita por Grupos de


Países, 1990-2030. (Renda em US$ de 1990 por habitante/ano).

Regiões (grupos de países) 1990 2030

África ao sul do Saara 480 550


Ásia e Pacífico (sem o Japão) 540 2.000

9
Ver Banco Mundial, 1992, p. 31.
20

América Latina e Caribe 1.850 5.700


Oriente Médio e Norte da África 1.750 4.300
Europa oriental e antiga URSS 4.700 8.900
Países de renda elevada (OCDE) 15.500 41.200
Fonte: Banco Mundial, 1992

Examinando os dados de 1990 – o ano-base para as comparações – chama a atenção as


enormes disparidades entre os diversos grupos de países. Num extremo estão os países mais
ricos (os países da OCDE), com uma renda per capita de cerca de US$ 15.500; no outro, temos a
África ao sul do Saara, com menos de US$ 500 por habitante/ano e a Ásia e Pacífico com um
pouco mais que isto. Aparecem em melhor situação a América Latina e o Caribe, e o Oriente
Médio e Norte da África. E ainda melhor, mas ainda bem abaixo do extremo superior, é a
situação dos países da Europa Oriental e antiga URSS.

Focalizando as projeções para 2030, constata-se que não dá para esperar significativa
redução nas disparidades. Na verdade, projetam-se ganhos muito reduzidos para a África ao sul
do Saara (cuja renda per capita passaria para apenas cerca de US$ 550 por habitante/ano), mas
estima-se que a renda real per capita dos países ricos aumentará mais de 2,6 vezes em relação a
de 1990, ultrapassando os US$ 41.000 anuais. As projeções indicam que a região Ásia e
Pacífico deverá multiplicar sua renda per capita aproximadamente 3,6 vezes, a América Latina e
Caribe cerca de 3 vezes, o Oriente Médio e Norte da África quase 2,5 vezes, e o grupo composto
pela Europa Oriental e antiga URSS, quase duas vezes. Se as projeções se tornarem ralidade, em
2030 alguns grupos de países em desenvolvimento apresentarão consideráveis melhorias, mas
ainda haveria muita miséria, notadamente na África e em partes da Ásia e Pacífico. E, como
vimos acima, os países mais pobres continuarão a ter populações em rápida expansão,
multiplicando miseráveis.

Tudo indica, portanto, que partes do globo terrestre continuarão a exibir acentuação da
degradação ambiental associada à pobreza. No fim do período, alguns países certamente estarão
em situação crítica, enfrentando processos de degradação irreversível. É um panorama
preocupante para parcelas significativas do nosso globo.

A se concretizarem as projeções, os países de renda média provavelmente não terão


problemas tão agudos quanto os dos grupos de países mais pobres. Entretanto, mesmo nestes a
desaceleração do crescimento da população decorrente da transição demográfica ainda levará
algum tempo para fazer declinar para níveis bastante baixos o crescimento demográfico. E, até
que isso ocorra, aumentará a degradação ambiental causada pela pressão da população sobre a
capacidade de suporte do meio ambiente. Em alguns desse países, isso ocorrerá de forma
preocupante.

3. O crescimento da produção material e o meio-ambiente

Vimos que o outro determinante da escala da economia é o produto material por


habitante. Este pode ser representado pela renda real per capita. Da relação Y = Y/P x P, se
tomarmos como dada a população de um país, quanto maior for Y/P, maior o nível do produto
real da economia, e maior a sua escala. A questão que se coloca nesta seção é: de que forma o
crescimento do produto afeta o meio-ambiente? Ao longo da década de 1970 firmou-se a
convicção de que existiria uma relação direta e rígida – quase inexorável – entre o nível de
produto e a degradação ambiental. O argumento era o seguinte: uma vez que os estoques de
recursos naturais básicos são dados e que a produção material necessariamente implica na
emissão de dejetos e de poluição, uma expansão continuada da atividade econômica não seria
sustentável. Isto porque ela iria de encontro a duas ordens de limites ambientais:
21

(1) O limite da disponibilidade fixa de recursos naturais. Quanto maior o nível do


produto – quanto maior a escala da economia – maior a absorção de recursos naturais. Com isso,
aumentaria a escassez destes, que tenderia a se tornar aguda; e,

(2) O da capacidade do meio-ambiente de absorver emanações de resíduos e dejetos do


sistema econômicos. Uma elevação muito acentuada da escala da economia ampliaria
excessivamente essas emanações, levando a degradação ambiental a níveis perigosos.

Hoje esse pessimismo se amainou, mas a questão ainda é objeto de controvérsia. Embora
reconhecendo que, em certas circunstâncias, a ampliação da escala para níveis muito elevados
pode causar graves impactos ambientais, o relatório de 1992 do Banco Mundial, por exemplo,
insiste que políticas e instituições apropriadas de manejo e ordenamento ambiental – em
associação ao desenvolvimento tecnológico – podem compatibilizar o crescimento com a
proteção do meio-ambiente. O relatório não nega que o crescimento econômico significa usos
cada vez maiores de materiais e de energia e a produção ascendente de resíduos e dejetos, mas
argumenta que só seria direta a relação entre o crescimento (entre o aumento da escala) e danos
ao meio-ambiente se vivêssemos em um mundo de tecnologias imutáveis e de coeficientes fixos
de usos de recursos naturais e de emissão de dejetos na produção. Uma vez que o crescimento
econômico pode vir acompanhado de mudanças qualitativas e de políticas de proteção do meio-
ambiente, o crescimento não necessariamente significaria aumentos preocupantes de degradação
ambiental.

3.1. A hipótese do U invertido

O relatório de 1992 do Banco Mundial introduziu uma hipótese especial para a relação
entre o desenvolvimento e a degradação ambiental. Tomando a renda per capita, Y/P, de um
país como indicador de desenvolvimento, e observando a relação empírica entre esse indicador e
certos índices de qualidade ambiental, desenvolveu a hipótese do U invertido. Segundo esta, só
em economia com baixos níveis de renda per capita, aumentos desta seriam acompanhados de
uma acentuação na deterioração ambiental. Entretanto, se uma economia dessas continuasse a
crescer, após um determinado ponto aumentos de Y/P acabariam propiciando reduções na
degradação do meio-ambiente. A figura abaixo descreve a relação sugerida pela “hipótese do U
invertido” entre as duas variáveis; a relação descrita pela hipótese também é conhecida como a
curva de Kuznets ambiental.10

Figura 3. A curva de Kuznets Ambiental

Índice de Degradação
Ambiental

10
Na década de 1950 o economista (Prêmio Nobel) Simon Kuznets, apoiado em estudos empíricos, introduziu a
hipótese de que a distribuição de renda e a renda per capita de uma economia que se desenvolve teriam, ao longo
do tempo, uma relação que, representada em um gráfico, descreveria uma linha com o formato de U invertido. Ou
seja, nas fases iniciais do processo de desenvolvimento, aumentos de renda per capita piorariam a distribuição de
renda; mas em estágios mais avançados do desenvolvimento, aumentos de renda per capita viriam acompanhados
de melhora na distribuição de renda. Por analogia, hoje se fala de uma curva de Kuznets ambiental.
22

Renda per Capita

A explicação para essa relação apoia-se no argumento de que, em um país pobre, o


crescimento da produção é prioritário e a preservação do meio-ambiente e o combate à poluição
são luxos. Contudo, se a economia do país cresce continuamente a taxas superiores a do seu
crescimento demográfico, cedo ou tarde sua renda per capita atingirá um nível tal em que o
padrão de vida da população será relativamente confortável; e quando isto acontece, a qualidade
do meio-ambiente acaba se tornando prioritária. Em conseqüência observa-se a introdução de
legislação ambiental, o desenvolvimento de instituições apropriadas, a promoção de tecnologias
e de produtos “limpos” e a implementação de políticas de proteção ambiental.11

Representando em um gráfico a relação entre a renda per capita e um indicador de


degradação ambiental, teríamos, pois, a figura de um U invertido, como a da Figura 3. Ademais,
o desenvolvimento tecnológico e as pressões da sociedade e de organizações internacionais,
fariam essa curva se deslocar para baixo; esse deslocamento também resultaria da disseminação
global de tecnologias limpas e do aprimoramento institucional, em nível nacional e mundial.
Assim, ao longo do tempo um mesmo nível de renda per capita estaria associado a uma
degradação ambiental cada vez menor.

Se verdadeira a ‘hipótese do “U” invertido’, estaria afastado o receio da


incompatibilidade entre crescimento econômico e a qualidade ambiental. Vimos que, na década
de 1970 tomou corpo o ponto de vista de que a continuidade e a generalização do crescimento
econômico resultariam em inexorável degradação ambiental, de conseqüências dramáticas para
a humanidade. Com a teoria do U invertido, ao invés de anátema, o crescimento econômico
passou a ser apontado como fator de amenização dos problemas ambientais da humanidade.

Um exame mais detido do relatório de 1992 do Banco Mundial, entretanto, revela que a
relação sugerida pela teoria do U invertido foi estabelecida empiricamente apenas para o caso de
alguns poluentes de impacto local muito visível, como as emissões de particulados, de dióxido
de enxofre e de monóxido de carbono. Estudos empíricos de seção transversal (ou seja,
comparando aspectos da degradação ambiental de países com renda per capita diferentes em um
mesmo ano) encontraram, por exemplo, uma relação entre a renda per capita e a concentração
urbana de matéria particulada semelhante à representada na Figura 4, abaixo.

11
Vimos que a hipótese do U invertido se originou do Informe Sobre o Desenvolvimento Mundial de 1992, do
Banco Mundial, enfatizando a relação entre desenvolvimento e meio-ambiente. Um exemplo de tentativa de
validação da hipótese está em trabalhos do volume coordenado por Goldin e Winters, sob o patrocínio do
Development Center da OCDE. Ver Goldin, Ian e L. Alan Winters (editores), The Economics of Sustainable
Development. Cambridge, Inglaterra: Cambridge University Press, 1994, especialmente os artigos de Goldin e
Winters, e de Gene Grossman. As conclusões desses trabalhos são bastante otimistas – a hipótese do U invertido é
considerada essencialmente correta. Reconhece-se, entretanto, que a hipótese não é valida para todos os tipos de
poluição.
23

Figura 4 - Concentração Urbana de Matéria Particulada


Microgramas de partículas
por metro cúbico de ar

1.800

0
100 100.000
Renda real per capita
(escala logarítmica)

Para a relação entre a renda per capita e a concentração urbana de dióxido de enxofre na
atmosfera, os estudos encontraram relação semelhante a esboçada na Figura 5, abaixo.

Figura 5 - Concentração urbana de dióxido de enxofre

Microgramas por
metro cúbico de ar

50
24

0
100 100.000
Renda real per capita
(escala logarítmica)

Observou-se, também, que a relação entre a renda per capita e a porcentagem da


população urbana sem saneamento básico adequado é inversa desde o início, indicando
acentuada melhoria nesse aspecto, desde as fases iniciais do processo de desenvolvimento. O
padrão encontrado foi semelhante ao esboçado da Figura 6.

Figura 6 - Proporção da População Urbana sem Saneamento Básico


(%)

100

0
100 100.000
Renda real per capita
(escala logarítmica)

Não só se constataram padrões como os acima, de relação inversa entre a renda per
capita e certos indicadores de degradação ambiental, como se verificou que com a passagem do
tempo a curva referente a cada tipo de poluente (de degradação) tendia a se deslocar para baixo.
Foram esses achados que serviram de base para o otimismo em relação aos impactos ambientais
do crescimento. Os três casos acima indicam que, fazendo aumentar a renda per capita, o
crescimento econômico acaba propiciando melhoras nas condições ambientais, e não aumentos
de degradação como se acreditava anteriormente. Para a corrente otimista, as evoluções no
tempo do Produto Real da economia mundial e de um indicador de qualidade ambiental seriam
aproximadamente as seguintes:

Figura 7 - Visão otimista da evolução do PIB mundial e da degradação


ambiental
PIB; e Índice de
degradação ambiental PIB real

Índice de
degradação
25

Tempo (anos)

3.2. Críticas à hipótese do U invertido

Há sérias razões, entretanto, para não aceitar essa visão otimista. Para começar, a curva
do “U” invertido se aplica a apenas alguns poluentes – geralmente aqueles com impactos locais
e de curto prazo. E mesmo nesses casos, os estudos empíricos nos quais se apoia devem ser
tratados com alguma reserva. Esses estudos pecam, por exemplo, por não avaliar o panorama
global. A diminuição das emissões de um poluente em um dado país pode significar aumentos
da emissão de outros poluentes no mesmo país, ou a transferência da poluição a outros países,
via exportação de indústrias “sujas”. Ou pode resultar da transformação de resíduos altamente
visíveis (diversos tipos de poluição atmosférica) em poluição não tão visível, mas igualmente
danosa (resíduos tóxicos de filtragens).

Além disso, os estudos empíricos da curva do U invertido geralmente consideram


poluentes altamente visíveis e que tendem a provocar crescentes reações de desagrado e protesto
nas populações atingidas. Isso explica porque, tão logo um país atinge certo estágio de
desenvolvimento, surgem pressões para a introdução de políticas que combatam, ou pelo menos,
amenizem, esses tipos de degradação ambiental. Passam-se leis, emitem-se decretos, adotam-se
medidas que penalizam os poluidores e que incentivam a contenção da poluição. Em resposta,
os agentes poluidores são induzidos (senão forçados) a adotar medidas para diminuir a
degradação que causam e a investir em mudança tecnológica e na substituição de processos que
degradam fortemente o meio-ambiente, por outros menos agressivos.

Além disso, como se verá adiante, em nível global a hipótese do U invertido só teria
validade em condições muito especiais, que requerem a manutenção do atual status quo em
termos de distribuição de renda e riqueza entre países e regiões.
Um outro reparo que se faz à hipótese do "U" invertido é que em alguns casos o
otimismo da hipótese não se justifica. É o que veremos em seguida.

A hipótese do "U" invertido em face à poluição que se acumula

O ponto que precisa ser ressaltado é o de que a relação da curva de Kuznets ambiental
entre a renda per capita e o grau de degradação ambiental não é válida em todos os casos. De
forma especial, ela não se aplica a poluentes com efeitos duradouros e de amplo alcance
espacial – como a emissão de dióxido de carbono, com seus impactos em termos do efeito
estufa. Em outras palavras, a expansão da renda per capita pode estar associada a melhorias em
alguns indicadores ambientais, mas isso não nos permite concluir que basta o crescimento
econômico para garantir uma melhoria ambiental generalizada; e nem que os impactos
ambientais do crescimento podem ser ignorados e, de forma especial, que a base de recursos do
globo terrestre é capaz de sustentar indefinidamente o crescimento econômico.

É ilustrativa, nesse sentido, a relação empírica ente a renda per capita e a emissão de
dióxido de carbono – o principal agente causador do efeito-estufa (Figura 8). Como se pode ver,
há uma relação direta e fortemente ascendente entre a emissão de CO2 per capita e a renda per
capita.

Figura 8 – Emissão de dióxido de carbono per capita

Toneladas/habitante/ano
26

50

0
100 100.000
Renda real per capita
(escala logarítmica)

As emissões de CO2, boa parte das quais se acumulam na alta atmosfera, tem efeitos
globais mais que locais; além disto, estes efeitos tendem a não ser facilmente detectados no
curto prazo. Na verdade, foram cientistas – e não a população de um país ou região – que
perceberam o problema e que alertaram para as conseqüências potencialmente catastróficas de
uma ampliação continuada da emissão de dióxido de carbono para a atmosfera. Por isso, o
grosso da opinião publica, mesmo de alguns países desenvolvidos, vem apresentando reações
mornas em relação ao problema, especialmente quando os remédios sugeridos envolvem
moderação no crescimento material, redução nos níveis de emprego e penalização das atividades
no país que emitem muito CO2. Por essa mesma razão está sendo muito difícil a concretização,
em nível internacional, de um acordo entre países que venha a promover reduções significativas
das emissões de dióxido de carbono. Os países industrializados – de forma especial, os Estados
Unidos – temem que essas reduções signifiquem aumentos de custos de suas empresas, com
conseqüente perda de competitividade internacional; receiam a redução no crescimento e o
aumento de desemprego que possam resultar das medidas requeridas para a redução expressiva
de emissões. E os países em desenvolvimento querem primeiro crescer, aumentar suas rendas
per capita de forma significativa, para depois considerar a possibilidade de vir a limitar suas
emissões de CO2. Todos parecem ver o problema como muito remoto; com isso, vem sendo
cada vez mais difícil a introdução de medidas que permitam enfrentar decisivamente o
problema.

Um outro exemplo de rejeitos do sistema econômico que tendem a aumentar com a


renda per capita é o do lixo urbano. Em um mundo que apresenta a evolução demográfica acima
caracterizada e que vem se urbanizando acentuadamente, aumentos de renda per capita
significam incrementos de consumo de produtos industrializados o que, entre outras coisas,
significa a geração de quantidades crescentes de lixo per capita. Esse lixo não desaparece; uma
parte pode ser reciclada, mas mesmo em países como a Alemanha, caracterizados por alta
propensão a reciclar, a emissão de rejeitos não recicláveis vem aumentando. Se houver um
esforço de disseminação do desenvolvimento, a expansão da geração de lixo pode vir a se tornar
um problema crítico. Há que se ter em mente que parte dos resíduos dos processos de produção
e de consumo dos países industrializados e dos em fase de industrialização é tóxica e que a
degradação ambiental que provoca requer manejo muito especial. A Figura 9 esboça a relação
empírica que o relatório de 1992 do Banco Mundial encontrou entre a renda per capita e a
emissão de lixo urbano por habitante.

Figura 9 – Emissão de lixo urbano per capita


27

Quilogramas/ habitante/ano

600

100 100.000
Renda real per capita
(escala logarítmica)

Um outro ponto precisa ser ressaltado. A hipótese do “U” invertido certamente não é
válida para estoques de recursos naturais. A redução desses estoques vem se acelerando em
resposta ao crescimento econômico. Deve preocupar, nesse sentido, não tanto o esgotamento de
recursos minerais que, na pior das hipóteses, ocorrerá em um futuro muito distante, mas sim a
degradação de recursos do solo e da cobertura vegetal, a destruição de florestas, habitats e da
biodiversidade – partes fundamentais do nosso capital natural. Merecem especial atenção as
perdas da capacidade de regeneração – da resiliência – de ecossistemas, que estão ocorrendo em
ritmos preocupantes, ritmos estes que tendem a aumentar com o crescimento econômico.

A hipótese do U invertido e o teorema da impossibilidade

Além das objeções acima esboçadas, há fortes razões para se suspeitar que, mesmo que a
hipótese do U invertido fosse válida para todos os poluentes no contexto de países individuais,
seria fisicamente impossível que um crescimento generalizado no longo prazo de todos os países
do nosso globo pudesse vir acompanhado de redução global da degradação ambiental.

Vamos raciocinar com uma situação hipotética. Admitimos, apenas para raciocinar que,
para altos níveis de renda per capita exista, de forma generalizada, a relação inversa entre a
renda per capita e o impacto ambiental postulada pela teoria do U invertido. Supomos, também,
que haja um bem sucedido esforço em larga escala da comunidade internacional que faça com
que, com o passar do tempo, todos países em desenvolvimento – inclusive os hoje em situação
crítica, como vários países da África ao sul do Saara – consigam registrar significativos
aumentos de renda per capita. Conforme demonstrou Common,12 porém, no longo prazo essa
evolução hipotética de U invertido da degradação ambiental não garantiria um declínio da
degradação global; um declínio desses não estaria assegurado nem mesmo se a renda per capita
de todos os países viesse a atingir níveis que os colocassem na faixa descendente do U invertido
– a faixa em que se observa a relação inversa entre a renda per capita e a degradação ambiental.

Analisando essa questão, o autor considerou duas hipóteses, que podem ser ilustradas
com base na Figura 10, que se segue:

Figura 10: Curva de Kuznets ambiental: duas hipóteses de limites inferiores no


muito longo prazo
12
Ver Common, 1995.
28

Impacto
ambiental por
unidade de produto
real

a
Produto real per catita
y*
y’

A primeira hipótese supõe que, com a economia crescendo continuamente, no muito


longo prazo o produto real per capita acabará atingindo o ponto a, da Figura 10. Em outros
termos, supomos aqui que se acabe descobrindo maneira de produzir e consumir sem, de
nenhuma forma, degradar o meio-ambiente.
A segunda hipótese, mais realista, estabelece um limite inferior para a relação entre
renda per capita e degradação ambiental – o nível de degradação k, da Figura 10. Essa hipótese
é mais realista, pois, sabemos que, por mais que se desenvolvam tecnologias e por mais que se
aprimorem esquemas de manejo racional do meio-ambiente, a produção e o consumo sempre
virão acompanhados de emanações de resíduos e dejetos, com impactos sobre o meio-ambiente.
Existe, pois, um limite para o declínio da degradação ambiental. Na figura, níveis de renda per
capita superiores a 0y’ seriam sempre acompanhados da degradação k por unidade de produto
real.

O modelo que Common usou para efetuar suas projeções supõe um mundo composto de
dois países: um país A, desenvolvido, e um país B, em desenvolvimento. Supôs, também, que,
desde o momento inicial da projeção, ambos os países crescem a uma mesma taxa anual, g. A
diferença entre os países A e B é que, no momento inicial da projeção, A tem um uma renda per
capita bem superior a de B tendo ultrapassado o nível crítico, 0y*; ou seja, para o país rico, a
continuação do crescimento implica em degradação ambiental por unidade de produto cada vez
menor. Já o país B, em desenvolvimento, tem, no momento inicial, renda per capita muito
inferior a 0y*, mas supõe-se que o crescimento do seu PIB seja superior ao da sua população e
que, com a passagem do tempo a sua renda per capita venha a atingir e a ultrapassar 0y*. Desta
forma, num horizonte temporal o suficientemente longo, todos os dois países estariam na faixa
em que a renda per capita e a degradação ambiental apresentam relação inversa.

A Figura 11, a seguir, mostra um esboço aproximado da trajetória temporal de muito


longo prazo da degradação ambiental, válida sob a hipótese otimista – a de que se acabará
descobrindo formas de produzir e consumir sem causar nenhuma degradação ao meio-ambiente.

Figura 11 – Trajetória temporal da degradação ambiental: a hipótese otimista


Impacto ambiental
29

Tempo (anos)

Os fortes incrementos de degradação registrados pela curva na fase inicial se devem a


que, então, o país desenvolvido ainda apresenta níveis altos, embora decrescentes, de
degradação ambiental e o país em desenvolvimento ainda está na fase ascendente da curva de U
invertido. Como ambos os países estão crescendo, a degradação ambiental aumenta em um
ritmo bastante elevado. Contudo, com a passagem do tempo e a continuação do crescimento B,
o país em desenvolvimento, acaba ingressando na fase descendente do U invertido, e a
degradação ambiental por unidade de renda de A, o país desenvolvido, evolui no sentido de
níveis cada vez mais reduzidos. Com isso, a trajetória da degradação ambiental conjunta atinge
um máximo mas acaba e se tornando descendente. E, dada a hipótese de que, com o tempo, a
produção e o consumo cessam de degradar o meio-ambiente, a curva de impacto ambiental
apresenta um declínio contínuo.

A Figura 12, por sua vez, esboça a trajetória temporal de muito longo prazo da
degradação ambiental no caso da segunda hipótese – a de que existe um nível mínimo de
degradação ambiental por unidade de renda, k, abaixo do qual não se pode ir. Ou seja, em
termos da Figura 10, por mais elevada que seja a renda per capita de cada um dos países, a
degradação ambiental não pode ser inferior a k por unidade de produto real. Assim, com a
passagem do tempo e com o crescimento, ambos os países ingressam na fase descendente do U
invertido, e apresentam níveis de degradação por unidade de renda cada vez menores; mas, com
o tempo, tanto A quanto B atingirá o patamar mínimo de degradação k. Isso significa que,
quando ambos os países tiverem atingido a renda per capita 0y', com a continuidade do
crescimento haverá uma incremento proporcional na degradação ambiental. E esse incremento
continuará a ocorrer indefinidamente, enquanto os dois países mantiverem o crescimento de
suas economias à taxa g. O processo seguirá se desenrolando até que a capacidade de suporte do
meio-ambiente atinja seu limite e haja uma ruptura. A capacidade de suporte do meio-ambiente
seria, pois, o fator limitante da expansão de economia mundial.

Figura 12 – A hipótese de um patamar mínimo k, da degradação ambiental por


unidade de renda
Impacto ambiental
30

Tempo

Apesar do caráter simplificado do modelo de Common, suas projeções encerram uma


importante lição – a de que se formos seguir todos o requisito do conceito de desenvolvimento
sustentável, não é correta a visão otimista associada à hipótese do U invertido. Se, de fato,
houver redução significativa da pobreza em todo o mundo, se os países mais pobres, que
abrigam cerca de 4/5 da população mundial, puderem prosperar e melhorar seus padrões de vida
de forma a aproximá-los, pelos menos, aos de países menos prósperos do grupo dos países
desenvolvidos (por exemplo, Portugal, Espanha, Grécia), a expansão demográfica e o
crescimento da renda per capita globais levariam a escala da economia mundial a níveis
extremamente altos, gerando extensa degradação ambiental.
Além disso, há serias dúvidas de que essa escala da economia teria condições físicas de
ser atingida; ou seja, de que existem recursos naturais (inclusive energéticos) nos montantes
necessários para possibilitar a produção global requerida. Há, também, dúvidas de que se
manteria a resiliência do meio-ambiente em face às emanações de resíduos e rejeitos associadas
a esse nível de produção global.

Esse tipo de argumento está em linha com o ‘teorema da impossibilidade’ proposto por
Herman Daly.13 Apoiado em hipóteses razoáveis sobre as inter-relações entre a economia e o
meio-ambiente, esse autor demonstrou que, se todos os habitantes do mundo hoje tivessem o
mesmo padrão de uso de recursos do Norte-Americano (do residente nos Estados Unidos)
médio, a atual escala da economia mundial seria multiplicada por 7. Daly mostrou, também, que
esse incremento de escala seria impossível de ser concretizado, pois iria de encontro a limites,
não só da disponibilidade de recursos naturais, como principalmente da capacidade do meio-
ambiente de assimilar os resíduos e rejeitos – a poluição – gerados pela humanidade.

A simulação de Daly tomou por base a população mundial desse início de milênio. Mas
se a população mundial crescer no século XXI conforme as projeções recentes das Nações
Unidas, ela deverá se estabilizar num nível próximo aos 9 bilhões de pessoas no início da
segunda metade do século. Se fosse dado a todos esses 9 bilhões usufruir um padrão de vida
confortável, mesmo que bastante inferior ao dos Norte-Americanos de hoje, o crescimento da
produção material, do uso de recursos, da poluição e da degradação do meio-ambiente
associados a essa expansão demográfica acompanhada de padrões de vida mais elevados seria
gigantesco. E, segundo tudo o que se sabe hoje, esse crescimento não seria viável. Daí o termo
‘teorema da impossibilidade’.

Parece, portanto, válido afirmar que a visão otimista sobre o futuro da expansão da
produção mundial, ou parte de quem não tem exata idéia do que isso significa, ou se apoia, pelo
menos implicitamente, na hipótese de que permanecerão as disparidades distributivas entre
países, e que o progresso continuará a se concentrar essencialmente nos atuais países ricos.
Essas questões serão retomadas em outras partes deste volume, no contexto do exame que
faremos do pensamento das principais escolas da economia ambiental.

13
Ver Daly, 1996.
31

4. Escala, meio-ambiente e análise econômica

Até meados do século XX os impactos ambientais da escala da economia não pareciam


se constituir, pelo menos em termos globais, em ameaça ao bem estar da humanidade. Até então
não se considerava que a disponibilidade de recursos naturais de nosso globo pudesse limitar a
expansão da economia mundial. Além disso, as emanações e o despejo de resíduos e dejetos no
meio-ambiente não provocavam mais que desconfortos localizados, que o desenvolvimento
tecnológico acabava por reverter. Não se considerava, pois, a hipótese de que o meio-ambiente
pudesse constranger o funcionamento do sistema econômico. Pelo contrário, se supunha que a
natureza estaria sempre disponível para fornecer dádivas gratuitas à humanidade. Por essa razão,
até recentemente a análise econômica virtualmente ignorou o meio-ambiente. Ou seja,
desconsiderou, quase totalmente, o meio externo em que se insere o sistema econômico; este era
tratado como um sistema isolado, um sistema auto-contido.

Vários fatores mudaram essa visão, levando ao surgimento da disciplina da economia do


meio-ambiente. Isso começou a acontecer de forma sistemática a partir do final da década de
1960, quando ficou claro que a escala da economia de alguns países ou regiões estava
originando impactos preocupantes sobre o meio-ambiente. A questão ambiental vinha tomando
corpo em todo o mundo e, desde então, se consolidaram correntes de pensamento econômico,
focalizando de forma explicita as inter-relações entre o sistema econômico e o meio-ambiente.
Foram aprimoradas e sistematizadas abordagens tratando dos efeitos do funcionamento da
economia em termos de extração de recursos naturais – renováveis ou existentes em quantidades
fixas –, e passou-se a considerar a poluição, não só como um distúrbio preocupante do meio-
ambiente, mas como elemento causador de efeitos negativos em termos de bem estar social.
Certos ramos da análise econômica passaram, portanto, a considerar o sistema econômico em
interação com o meio-ambiente, da maneira como ilustrada na Figura 1 no início deste capítulo.

É este o pano de fundo da nossa análise da evolução e estado atual da economia


ambiental. Examinamos, não apenas a corrente de pensamento dominante – a economia
ambiental neoclássica –, como também a economia ecológica e, notadamente um ramo desta,
que denominamos de economia da sobrevivência. A economia ambiental neoclássica tem um
viés de médio prazo e está mais bem adaptada ao exame de problemas ambientais das
economias industrializadas, embora tenha análises de questões que afetam outros ambientes
econômicos. A economia da sobrevivência, por sua vez, focaliza principalmente o muito longo
prazo; preocupa-se principalmente com as crescentes ameaças à sanidade e a estabilidade do
meio-ambiente implícitas na tendência recente da evolução da economia mundial.
32

CAPÍTULO 2 – ASPECTOS DA QUESTÃO AMBIENTAL

1. Introdução

Vimos, no Capítulo 1, que a escala de uma economia – determinada por fatores


demográficos e pela produção material per capita –, e o seu estilo de desenvolvimento,
estabelecem a natureza e a intensidade dos impactos da atividade econômica sobre o meio-
ambiente. O diagrama abaixo, baseado na Figura 1 daquele capítulo, resume os principais
aspectos examinados: o funcionamento do sistema econômico requer a extração do meio-
ambiente recursos naturais essenciais, que são transformados em bens e serviços, que, em última
instância, são consumidos. E tanto a produção como o consumo geram resíduos, dejetos, boa
parte dos quais acabam sendo devolvidos ao meio-ambiente. A extração de recursos naturais
não só altera a disponibilidade dos mesmos, como tem impactos sobre o estado geral do meio-
ambiente. E esse estado geral é fortemente afetado pela deposição no meio-ambiente de
resíduos, de rejeitos do sistema econômico; esta deposição existe mesmo em economias que se
esmeram na promoção da reciclagem e no combate à poluição.

RECURSOS ESTADO
NATURAIS GERAL
COMO DO MEIO-
INSUMOS AMBIENTE

Rejeitos Rejeitos
MEIO-AMBIENTE Degradação Degradação

SISTEMA
ECONÔMICO

Produção Consumo

Reciclagem

O diagrama e a discussão do parágrafo anterior podem dar a impressão de que as inter-


relações entre o sistema econômico e o meio-ambiente são relativamente simples. E essa
impressão tende a se consolidar quando se examinam os esquemas teóricos da economia do
meio-ambiente. Esta foi levada a simplificar a realidade no desenvolvimento de teorias que
tratam dos aspectos centrais dos fenômenos que focalizam.

Para dar uma idéia, embora aproximada, da complexidade desses fenômenos, este capítulo
oferece uma descrição, em nível muito geral, da natureza das inter-relações sumariados no
diagrama acima. A seção 2 examina aspectos do fenômeno que recebe a denominação de
“poluição”; a seção 3, por sua vez, especifica as categorias do que, de forma compacta,
chamamos “recursos naturais”.
33

2. O sentido da poluição para a economia

2.1. O que é poluição?

Poluição é a denominação genérica dos fluxos de resíduos, de dejetos materiais, gerados


pelo sistema econômico e despejados no meio-ambiente; esses fluxos têm o potencial de gerar
efeitos detrimentais, tanto sobre a sanidade e estabilidade de sistemas ecológicos, como sobre o
bem-estar humano. Numa perspectiva temporal o suficientemente longa, a quantidade de
resíduos e dejetos emanados pelo sistema econômico é igual, em massa, à quantidade de
combustíveis e matérias primas que ingressam no sistema e que são por ele transformados,
deduzidos os materiais que se acumulam na economia, e os por esta reciclados.

É importante que se ressalte a mudança qualitativa determinada pelo processo; a energia


e a matéria devolvidas ao meio-ambiente experimentaram alterações fundamentais –
transformaram-se em matéria degradada e em energia dissipada. Isso acontece porque, mesmo
nas melhores das circunstâncias, os processos de produção e de consumo não são totalmente
eficientes no sentido físico. Isto é, não podem deixar de gerar resíduos e dejetos que a sociedade
humana não tem mais como usar. E esses resíduos e dejetos são depositados em partes do que
chamamos de meio-ambiente – a atmosfera, as águas, o solo e a bióta – com impactos negativos
sobre os mesmos.

A magnitude desses danos depende da natureza e da intensidade da emissão de resíduos


e de dejetos, e da resiliência do meio-ambiente – da capacidade que este tem de absorver tais
emissões e de se regenerar. O meio-ambiente não é um espaço neutro, um poço sem fundo para
a deposição de resíduos e dejetos do sistema econômico. Em algumas circunstâncias, a sua
capacidade de absorção e regeneração é suficiente para absorver sem grandes problemas as
emissões do sistema econômico. Em outras, porém, as emissões são muito elevadas ou
altamente tóxicas, e os fluxos de poluentes se acumulam e exercem efeitos altamente negativos
sobre ecossistemas e sobre a responsável pelas emissões -- a sociedade humana.

A emissão e deposição sobre o meio-ambiente de resíduos e dejetos – a poluição –


engloba diferentes categorias, de características e impactos os mais variados. São fenômenos
complexos, muitos dos quais ainda não totalmente compreendidos, mesmo pela ciência. Para os
nossos fins, é necessário simplificar. É o que se faz na Figura 2, adiante, que esboça
esquematicamente a origem, a natureza e os impactos da poluição. Estão representadas ali as
emanações do sistema econômico, que capta matéria ordenada e energia livre (de baixa
entropia) do meio-ambiente, as transforma em produtos, que são consumidos. Os processos de
produção e de consumo originam fluxos de energia dissipada e de matéria degradada,
devolvidos ao meio-ambiente; surgem, assim, fluxos de poluição. Uma parte desses fluxos é
absorvida e tornada inofensiva pelo meio-ambiente. Como já se argumentou, até certo ponto
este tem a capacidade de regenerar a degradação causada pela poluição. Entretanto, nas
economias industriais modernas a poluição tende a exceder essa capacidade, e uma parte
significante e crescente dos fluxos emanados pelo sistema econômico acaba ocasionando
preocupante degradação ambiental.

Os danos totais da poluição em um dado período de tempo, decorrem tanto de fluxos de


poluentes, que afetam negativamente o bem-estar das pessoas e têm impactos perversos sobre
ecossistemas, como dos fluxos que se acumularam no passado, constituindo estoques de
poluentes acumulados no meio-ambiente. Este tende a absorver parte de tais estoques, tornando-
34

a inofensiva mas, com os aumentos da poluição, os estoques se acumulam e acabam exercendo


efeitos detrimentais preocupantes.

Figura 1. O funcionamento do sistema econômico e a poluição


MEIO-AMBIENTE

Recursos Naturais SISTEMA ECONÔMICO Resíduos, Rejeitos

Energia livre ( de Energia dissipada


baixa entropia) Produção Consumo
Matéria degradada
Matéria ordenada
FLUXOS DE
POLUIÇÃO

Parcela absorvida
pelo meio-ambiente
e tornada inofensiva.

Parte não absorvida dos


fluxos de poluição

Acumulação (estoque)
de poluentes

Parcela do estoque Danos provo- Danos provo-


tornada inofensiva cados pelos cados pelos
pelo meio-ambiente estoques de fluxos de
poluentes poluentes

Danos totais da
poluição

Exemplos de poluição de fluxo, a maioria atuando de forma localizada, são as emissões


de particulados, de dióxido de enxofre, de metano, os resíduos industriais, e os dejetos humanos
– ver adiante. Alguns destes resíduos e dejetos têm efeitos locais; outros acabam exercendo
impactos sobre outras localidades, e ainda outros originam efeitos negativos em zonas afastadas
das fontes de poluição (por exemplo, a chuva ácida, que geralmente cai longe das fontes de
emissão de dióxido de enxofre). São raros os casos puros de poluição de fluxo, pois na maioria
35

dos casos os poluentes apenas mudam de lugar ou se dissipam lentamente. Um exemplo de


poluição de fluxo pura é o do ruído. No momento que o barulho cessa, não permanece resíduo
algum.

O principal exemplo de poluição de estoque é o do dióxido de carbono, que se acumula


na atmosfera, gerando o efeito estufa. Dentro de limites, o efeito estufa não é maléfico; na
verdade, é graças a esse efeito que as temperaturas próximas à superfície do nosso globo variam
dentro de limites que tornam possível a vida como a conhecemos. Entretanto, há receios
fundados de que, com a ampliação do dióxido de carbono acumulado na atmosfera, o calor
irradiado da superfície do nosso globo não se dissipe como deveria, aumentando a temperatura
média aqui. Teme-se os efeitos negativos das mudanças climáticas trazidas pelo efeito estufa.

2.2. Uma classificação da poluição

A economia ambiental tende a tratar a poluição como uma variável unidimensional,


homogênea. Para simplificar a análise, é legítimo proceder dessa forma; mas é importante que se
tenha sempre em mente a heterogeneidade dos fluxos e estoques de poluentes. Na presente
seção se dá ênfase à natureza complexa do fenômeno da poluição.

Uma classificação de poluição pode se apoiar em diferentes características desta, como,


por exemplo, a natureza do agente emissor (fonte móvel ou estacionária), a toxicidade da
poluição, o domínio espacial desta, ou o elemento do meio-ambiente sobre a qual exerce seu
impacto mais direto – a água, a atmosfera e os solos. Adotamos aqui esta última característica,
mas, na discussão, se levantam aspectos das demais.

Meio que recebe a poluição: a água. Os dois processos básicos que caracterizam
o funcionamento do sistema econômico – o de produção e o de consumo – geram consideráveis
emanações de poluentes despejadas em corpos d’água. Como exemplos temos, do lado da
produção, resíduos líquidos de fábricas de papel e celulose; resíduos de matadouros; resíduos de
usinas de álcool (o vinhoto); na agricultura, o corrimento de pesticidas, de fósforo e nitrogênio;
resíduos do garimpo (principalmente o mercúrio) lavados para os rios; vazamentos (acidentais
ou não) de petróleo e derivados para o mar. Do lado do consumo, temos os despejos de esgotos
(tratados ou não) em corpos d’água.

O Quadro 1, a seguir, é uma apresentação sumária e simplificada dos principais tipos de


emanações para corpos d’água, que ressalta: a natureza do dejetos, os agentes responsáveis (os
domicílios, as indústrias e a agropecuária); a predominância dessas emanações em regiões ou
países ricos ou pobres; a natureza dos efeitos causados por cada tipo de emanação; e a
abrangência espacial dos impactos da poluição – se local, se regional, se global.

Observe-se que, no caso da poluição para o meio água, os principais impactos são locais
ou regionais. A médio prazo os impactos globais são menos expressivos. Merece destaque o
papel da urbanização nesse tipo de degradação. É nas grande aglomerações urbanas –
especialmente nos países em desenvolvimento – que se manifestam os problemas associados aos
esgotos e às águas servidas não tratados. E a produção industrial tende a se desenvolver grandes
aglomerações urbanas. É esta a origem da forte degradação de vários rios que passam próximos
de grandes cidades – como acontece com o rio Tietê, no estado de São Paulo.

QUADRO 1: A EMISSÃO DE RESÍDUOS E DEJETOS – MEIO: A ÁGUA


36

PRINCIPAIS PRINCIPAIS MANIFESTAÇÃO DOS


TIPO DE RESÍDUOS AGENTES DE EMISSORES EFEITOS IMPACTOS
AGRESÃO Ricos Pobres Local Regional Global

Dejetos humanos Domicílios X S/ saúde; perda de x x


oxigênio.

Resíduos industriais Indústrias; X X Perda de oxigênio x x


líquidos (restos orgâ- mineração Contaminação;
nicos; tóxicos; metais envenenamento
pesados)

Lavagem e lixiviação Agropecuária X X Contaminação; x x


de agrotóxicos e Envenenamento
fertilizantes

Partículas dos solos Agropecuária X X Assoreamento x x


lavados para dentro
de corpos d'água

Meio que recebe a poluição: a atmosfera. Como se pode ver no Quadro 2, são
inúmeros os tipos de emanação para a atmosfera, originadas nos processos de produção e
consumo. Compreendem partículas em suspensão (poeira; cinza; detritos minúsculos que
flutuam no ar) e várias emanações gasosas de efeitos perniciosos sobre o meio-ambiente e sobre
a saúde humana. São diversos, também, os agentes responsáveis por esse tipo de agressão,
incluindo as indústrias, as usinas termoeléctricas, os veículos, a mineração, a agricultura. E os
seus efeitos são os mais variados: alguns têm impactos diretos sobre a saúde, outros danificam o
patrimônio (edifícios; florestas), outros alteram habitats e ecossistemas; e ainda outros têm o
potencial de causar sérias mudanças climáticas e nas defesas de nosso planeta contra radiações
perigosas do sol.

A abrangência espacial dos impactos das emanações para a atmosfera também variam de
caso a caso. O âmbito de ação das emissões de particulados, de monóxido de carbono, e de
ozônio, por exemplo, tende a ser local; essas emissões têm efeito predominantemente sobre as
localidades em que atuam os agentes emissores dos poluentes. Outras – como por exemplo, as
emissões de dióxido de enxofre – tendem a causar impactos regionais. O dióxido de enxofre se
combina com a água das nuvens e umidade da atmosfera, gerando ácido sulfúrico que se
precipita, na forma de chuva ácida, quase sempre longe do local onde atua o agente poluidor. E
ainda outras emanações têm impactos globais; isto é, seus efeitos se fazem sentir sobre partes
extensas ou sobre a totalidade do globo terrestre. Isso acontece, por exemplo, com as emissões
de dióxido de carbono resultante da queima de combustíveis fósseis nos centros urbano-
industriais, e da abertura de terras (desmatamento e queima) em zonas de fronteira agrícola.
Como vimos, as emissões de dióxido de carbono configuram caso de poluição de estoque. Esse
poluente se acumula na atmosfera causando o efeito-estufa que, segundo a avaliação de grande
parte dos entendidos, está elevando a temperatura média do nosso globo, com impactos de longo
prazo potencialmente catastróficos.
Quanto aos principais originadores desses tipos de emanações – se regiões ou países
ricos, ou se regiões ou países pobres –, conforme indica o Quadro 2, na maioria dos casos são os
processos de produção e de consumo de países industrializados e de regiões ricas dos países em
desenvolvimento os principais responsáveis pela geração desse tipo de poluentes. Muitos desses
países e regiões vêm adotando medidas que resultam na atenuação de emanações para a
atmosfera – com a adoção de técnicas de filtragem, com o uso de catalisadores no sistema
escape de veículos, por exemplo. Muitas vezes, entretanto, essas técnicas reduzem as emissões
37

de elementos prejudiciais à atmosfera mas criam outras formas emanações problemáticas, como
por exemplo, as de lixo tóxico.

QUADRO 2. EMISSÃO DE RESÍDUOS E DEJETOS – MEIO: A ATMOSFERA


AGENTES PRINCIPAIS MANIFESTAÇÃO DOS
TIPO DE RESÍDUOS DE EMISSORES EFEITOS IMPACTOS
AGRESÃO Ricos Local Regional Global
Pobres

Partículas em suspensão Indústrias; X X Saúde x


construção;
veículos.

Dióxido de enxofre (SO2) { Indústrias; X Chuva ácida x x


energia ter-
moelétrica }

Monóxido de carbono (CO) Veículos X Saúde x

Ozônio (O3) Veículos X Saúde x

Dióxido de nitrogênio (NO2) Veículos X Saúde x

Hidrocarbonetos (HC) Veículos X Saúde x

Dióxido de Carbono de { Indústrias; X Efeito estufa x


origem industrial produção de
energia;
veículos}

Emissões resultantes do uso Indústrias, X Buraco de ozônio x


do clorofluorcarbono serviços

Saúde
Chumbo (combust. Chumbo Veículos X x
tetra-etila)

Emissões intra-domiciliares Combustível X X Saúde x


(ou intra-prediais) de cozinha
“Prédios
doentes”

Emissões associadas a Agricultura X Efeito estufa x x x


abertura de terras
(principalmente CO2)

No que diz respeito aos países pobres ou às regiões remotas dos países em
desenvolvimento, há casos de participação preocupante de emanações para a atmosfera. É o que
ocorre, por exemplo, com as emanações de dióxido de carbono resultantes da abertura de terras
em zonas de fronteira agropecuária – por exemplo, o processo de ocupação e abertura da
Amazônia brasileira.

Novamente, cumpre ressaltar o papel da urbanização. São das consideráveis


aglomerações de pessoas e empreendimentos que resulta a maior parte das emanações à
atmosfera. É importante que se tenha em vista, nesse sentido, que atualmente estão nos países
38

em desenvolvimento várias das maiores cidades de nosso planeta. Muitas delas carecem de
infra-estrutura adequada e não têm recursos para investir na luta pela proteção do meio-
ambiente; apresentam, assim, estados preocupantes de degradação ambiental. Em muitas se
combinam, a degradação da pobreza, resultante da aglomeração nas grandes cidades de elevados
contingentes de pobres e miseráveis, e a degradação da riqueza – originária das fábricas e dos
veículos.

Meio que recebe a poluição: a terra, o habitat. Intervenções associadas ao


funcionamento do sistema econômico também produzem consideráveis impactos sobre a terra e
o habitat. O Quadro 3, adiante, resume a natureza das intervenções e os principais desses
impactos.

QUADRO 3. EMISSÃO DE RESÍDUOS E DEJETOS -- IMPACTOS SOBRE A TERRA


E O HABITAT
AGENTES DE PRINCIPAIS MANIFESTAÇÃO DOS
TIPO DE AGRESÃO AGENTES EFEITOS IMPACTOS
INTERVENÇÃO Ricos Pobres Local Regional Global
Falta de coleta de Domicílios X Saúde X
dejetos sólidos
(lixo)

Problemas na Domicílios X X Saúde; x x


disposição do lixo degradação do
coletado ambiente.

Lixo tóxico; resí- Indústrias X Contaminação; x


duos radioativos envenenamento.

Contaminação dos Agropecuária; X X Alteração de x


solos mineração características.

Uso inadequado Agropecuária; X X Perda de fertilidade x x


dos solos mineração salinização; erosão;
desertificação.

Desmatamento Agricultura X Degradação e x x x


destruição de
habitats; perda de
biodiversidade

Novamente, são as mais variadas as intervenções e os correspondentes impactos


ambientais. Incluem-se a falta de coleta de lixo e do tratamento inadequado do lixo que é
coletado; a deposição nos solos de lixo tóxico por indústrias; a degradação e a contaminação dos
solos pela agropecuária e a mineração; e o desmatamento em áreas de fronteira agrícola. Esta
última categoria de intervenção e a do uso inadequado dos solos não são propriamente
emanações de dejetos, mas podem ter impactos ambientais semelhantes a mais perigosa
deposição de efluentes nos solos.

Os agentes de degradação são os domicílios, as indústrias, a agropecuária moderna, a


mineração e a agropecuária e a mineração em regiões de fronteira de recursos. Na maior parte
dos casos, os efeitos espaciais das degradações geradas são locais e regionais. Mas, segundo
alguns cientistas, a destruição de habitats e de biodiversidade têm o potencial, num prazo mais
39

longo, de provocar impactos globais negativos, que podem vir a alterar a estabilidade do
ecossistema global. Esse ponto será examinado em outras partes deste manual.

Quanto aos principais originadores desses tipos de agressão ao meio-ambiente – se


regiões ou países ricos ou regiões ou países pobres –, diferentemente do que acontece no caso
das emanações para atmosfera, resumidas no Quadro 2, como se pode ver no Quadro 3, são os
países e regiões pobres os principais agressores. Deficiências na coleta de lixo e na disposição
do lixo coletado, o uso inadequado e a contaminação dos solos pela agropecuária, e os impactos
da abertura de terras (desmatamento) em zonas de fronteira agrícola são formas de agressão ao
meio-ambiente nas quais a participação dos países em desenvolvimento é bastante significativa.
Entretanto, muitas delas também ocorrem nos países do Primeiro Mundo, embora de forma
diferente, e freqüentemente menos visível. A coleta e o tratamento de lixo nos países
industrializados, por exemplo, são feitos dentro de padrões corretos; todavia, esses países têm
sérios problemas com o lixo, simplesmente porque os volumes de lixo gerados são imensos e
torna-se cada vez mais difícil dispor adequadamente dos mesmos. Semelhantemente, a
agricultura moderna nesses países vem agredindo o meio-ambiente de uma forma sutil, mas
potencialmente devastadora a longo prazo.

3. Uma classificação de recursos naturais

Vimos que o funcionamento do sistema econômico requer a extração do meio-ambiente,


de recursos naturais. Além disso, o meio-ambiente desenvolve funções que são fundamentais
para a humanidade, dentre as quais talvez a principal seja a de absorver agressões do sistema
econômico e de se regenerar.

3.1. A classificação

Existem várias alternativas de classificação de recursos naturais mas, para os nossos


fins, a que melhor se adapta é a que distingue entre recursos não renováveis e recursos
condicionalmente renováveis.

Recursos exauríveis, ou não renováveis. Se caracterizam por ter dotação finita; assim,
um maior uso no presente significa uma disponibilidade menor no futuro. Existem duas
categorias desses recursos:

a. Recursos exauríveis, mas recicláveis. As reservas máximas de tais recursos são


fixas mas há a possibilidade, pelo menos parcial, de reciclagem. Como exemplos, temos:

• Materiais obtidos de minerais, como o cobre e o alumínio.


• Água fóssil. (estimativas de 1975 para os Estados Unidos indicavam a
existência de cerca de 16.000 trilhões de galões de águas subterrâneas, das
quais apenas 400 trilhões eram renováveis. O resto se esgotaria com o uso).

No contexto desse tipo de recursos, muitos podem ser reciclados. Entretanto, é


importante ressaltar que a reciclagem não é gratuita, e que não existe reciclagem perfeita.

b. Recursos esgotáveis e não renováveis. Trata-se de recursos naturais que existem em


quantidades fixas no nosso globo, ou cujos estoques aumentam muito pouco ao longo do tempo,
em comparação com a taxa de extração dos mesmos. Como exemplos, temos:
40

• Recursos energéticos fósseis, como o petróleo, o carvão e o gás natural.


• O urânio

Recursos (condicionalmente) renováveis. Ao longo do tempo há a reposição, pelo


menos parcial, do recurso extraído. E, no caso dos recursos do item (b), adiante, a sua renovação
é condicionada a uma extração que não destrua ou danifique severamente os estoques básicos do
recurso. Existem três categorias nesse grupo:

a. Recursos renováveis mas dispersos e de difícil captura

• O melhor exemplo dessa categoria é o da energia solar. O fluxo de energia que


o sol envia à terra todos os dias é enorme, mas essa energia chega aqui
dispersa e boa parte acaba sendo refletida de volta ao espaço. O problema é
como captar em grande escala essa energia para uso humano.

b. Recursos renováveis mas sujeitos à extinção.

• Recursos de propriedade comum. Ou seja, recursos dos quais ninguém é dono


e que podem ser explorados por qualquer agente que disponha de recursos
para custear a atividade de extração. Exemplos:

•• Recursos pesqueiros.
•• A madeira extraída de florestas nativas.

c. Recursos renováveis, mas sujeitos à degradação por manejo inadequado.

• Solos aráveis.
• Água renovável, de superfície ou subterrânea. Água renovada pelo ciclo
hidrológico.

Serviços ambientais essenciais, muitos dos quais não são, nem de forma indireta,
transacionados em mercados. Dentre outros, incluem a fertilidade dos solos, o ar limpo, as
paisagens não degradadas pela ação humana, os grandes ciclos de nutrientes do mundo natural –
os do carbono, do oxigênio, do nitrogênio, do enxofre e do fosfato –, a diversidade biológica e a
resiliência do meio-ambiente – ou seja, a sua capacidade de assimilar resíduos e dejetos e de se
regenerar. Esta última é recurso fundamental, mas que tende a receber pouca atenção da
corrente hegemônica da economia do meio-ambiente.

3.2. O que é um recurso natural não renovável?

São não renováveis os recursos que, em razão da finitude do globo terrestre, se


apresentam em quantidades que decrescem com a extração e o uso. Como exemplo, temos o
caso do petróleo; suas reservas totais necessariamente diminuem com o uso.

Na maioria dos casos nos nossos dias, ainda há considerável margem de manobra, que
permite ampliar a oferta de recursos como o petróleo. Influem, nesse sentido, o preço do recurso
e do desenvolvimento de tecnologias de exploração e de extração.
41

Os elementos que interferem na disponibilidade de um recurso mineral em um dado


momento pode ser vista com base na Figura 2, a seguir.

Figura 2 – Fatores na determinação, em um determinando momento, da reserva de um mineral

IDENTIFICADAS NÃO DESCOBERTAS


DEMONSTRADAS
Medidas Indicadas Inferidas Hipotéticas Especulativas

E
C
O RESERVAS CORRENTES
N
Ô
M
I
C
A
S

SUB-

ECO-

NÔ-

MI-

CAS

Embora se esteja considerando a reserva de recurso não renovável, com a passagem do


tempo, e com mudanças nas condições econômicas associadas ao minério e com o
desenvolvimento tecnológico, as reservas de um minério estão sujeitas a mudanças. Foi o que
aconteceu, por exemplo, com o petróleo após a “crise do petróleo” da década de 1970. Mas,
embora haja flexibilidade, em última instância a disponibilidade do mineral é finita e, uma
extração intensa do mesmo, cedo ou tarde levará ao esgotamento das suas reservas.
Ressaltam-se alguns conceitos relativos ao quadro acima:

a. Reservas correntes, são as quantidades conhecidas do recursos mineral, cuja


extração é economicamente viável. Assim, mesmo sem novas descobertas, as reservas de um
mineral podem aumentar, desde que aumente seu preço e/ou que diminuam os custos de
extração do mineral. Da mesma forma, uma queda no preço do mineral não acompanhada de
redução nos custos de extração, pode reduzir as reservas correntes do mesmo. Evidentemente, as
reservas correntes aumentam com novas descobertas. Assim, o montante de reservas correntes
de um mineral são determinadas por fatores de ordem geológica e econômica. A área de
42

“RESERVAS CORRENTES” do gráfico acima é, pois, fluida, podendo sofrer mudanças ao


longo do tempo.

b. Existem reservas potenciais. Incluem tanto as reservas sub-econômicas, como a


parcela ainda não descoberta das reservas. Como vimos, a transformação de reservas potenciais
em efetivas vai depender de fatores de ordem econômica (preços do mineral, custos de extração
e comercialização, etc.), tecnológica (novas tecnologias de exploração e de extração) e
geológica (novas descobertas, melhor caracterização de reservas identificadas).

c. Papel da tecnologia. O desenvolvimento tecnológico pode ter três ordens de impactos


nas reservas de um recurso mineral:

Impactos na extração. Podem ser desenvolvidas tecnologias que viabilizam a extração.


O aprimoramento da exploração de petróleo no mar, por exemplo, foi fator importante na
expansão das reservas de petróleo nos últimos 25 ano. O desenvolvimento tecnológico permitiu
aumentar a eficiência e reduzir o custo da extração.

Impactos sobre a exploração. Novas tecnologias podem facilitar as descobertas de


novas reservas.

Impactos sobre a reciclagem. O desenvolvimento de tecnologias de reciclagem de um


dado mineral (ou de materiais feitos com o mesmo) pode ampliar a sua oferta sem a necessidade
da ampliação da extração. Exemplo: a reciclagem de latas de alumínio.

Em suma, há muita incerteza com relação às reservas de um recurso não renovável. Em


outras palavras, a dimensão da caixa acima é variável; e a mesma pode aumentar, mesmo se
houver forte extração do recurso. Isso acontece não só em decorrência de novas descobertas,
mas também de inovações na tecnologia de extração. Alterações nos preços e custos associados
à atividade de extração do minério também alteram os elementos da caixa. Outro ponto a
ressaltar é que o grau de certeza em relação às reservas de um mineral aumenta no sentido das
duas setas representadas na Figura 2. Ou seja, tende-se a ter alguma certeza em relação às
reservas econômicas; mas a delimitação das reservas hipotéticas e especulativas é, na maior
parte dos casos, um exercício de adivinhação – mesmo quando baseada em bons dados
geológicos e de pesquisa mineral.

Finalmente, mudanças de preços e condições de mercado do mineral podem alterar


rapidamente a dimensão da caixa das “reservas correntes”. Esta é fortemente afetada por tais
condições, mesmo a curto prazo.

Os modelos da teoria neoclássica de recursos naturais, discutidos adiante se valerão, de


forma importante, da conceituação e classificação aqui apresentadas.
PARTE II

BASES CONCEITUAIS DA AVALIAÇÃO DAS PRINCIPAIS


ESCOLAS DA ECONOMIA DO MEIO-AMBIENTE
45

Capítulo 3. Uma abordagem sistêmica das inter-relações entre a


economia e o meio-ambiente

Vamos supor um não-economista, dotado de inteligência e uma certa dose de bom


senso; vamos imaginar, também que essa pessoa tenha idéia de como a ciência se organiza na
análise de temas. Se essa pessoa fosse solicitada a examinar o funcionamento, em grandes
linhas, do sistema econômico, certamente concluiria que este opera inserido no meio-
ambiente, com o qual interage, dele retirando recursos naturais essenciais para serem
transformados em bens e serviços tendo em vista, em última instância, o consumo. Pareceria
óbvio, também, que tanto a produção como o consumo geram resíduos, rejeitos, poluentes,
que, em boa parte, acabam sendo devolvida ao meio-ambiente. E um pouco mais de raciocínio
levaria essa pessoa a concordar que a extração de recursos naturais – notadamente os não
renováveis – não só altera a disponibilidade destes na natureza, como tem impactos sobre o
estado geral do meio-ambiente. Na verdade, com base na sua experiência pessoal, concluiria
que as condições do meio-ambiente podem ser fortemente afetadas pela deposição de
resíduos, pela emissão e concentração de poluentes originados do funcionamento da
economia.

Essa visão da inter-relação entre a economia e o meio-ambiente é esboçada na Figura


1, que se segue, que destaca as conexões entre o sistema econômico e o meio-ambiente.
Examinando esse diagrama, não seria de todo estranho se o nosso observador viesse a
imaginar que é neste contexto que as ciências econômicas focalizam o principal objeto de sua
análise.

Figura 1. Inter-relações da Economia com o Meio-Ambiente

RECURSOS ESTADO
NATURAIS GERAL
COMO DO MEIO-
INSUMOS AMBIENTE

Rejeitos Rejeitos
MEIO-AMBIENTE Degradação Degradação

SISTEMA
ECONÔMICO

Produção Consumo

Reciclagem

Entretanto, se déssemos a essa pessoa uma coleção dos mais conceituados livros-texto
de teoria econômica – onde se consolida o estado das artes das ciências econômicas – para
que neles procurasse encontrar semelhanças com o acima esboçado, certamente acabaria
46

surpreso, senão frustrado. Sem dúvida encontraria o termo ‘sistema econômico’ mencionado
em muitos contextos; se depararia, também, com referências a sub-sistemas do sistema
econômico – como o sistema monetário, o sistema financeiro, o sistema produtivo, o sistema
tributário. Mas acabaria constatando que, pelo menos nos tomos que tratam do corpo principal
da análise econômica, não existe quase análises das inter-relações entre o sistema econômico
e o meio externo em que este está inserido – o meio-ambiente. É como se somente tivesse
importância o que ocorre dentro da caixa do sistema econômico da Figura 1, sendo
irrelevantes as conexões entre este e o meio-ambiente.

E a frustração do nosso observador certamente aumentaria se fizesse um exame


circunstanciado das teorias convencionais de crescimento econômico. Certamente se
impressionaria com a sofisticação do instrumental analítico empregado na modelagem do
crescimento, mas, por outro lado, se surpreenderia ao constatar que a imensa maioria dessa
modelagem considera como os determinantes do crescimento, essencialmente a expansão da
mão-de-obra, a acumulação do capital produzido pelo próprio sistema econômico (as
máquinas, os equipamentos, as construções, etc.), e o desenvolvimento tecnológico. Nessa
modelagem do crescimento no longo prazo da economia é como se, outra vez, tivesse
importância apenas o que ocorre dentro da caixa do sistema econômico; as inter-relações entre
o sistema econômico e o meio-ambiente são irrelevantes para essa modelagem.

Em suma, o observador concluiria que, para o núcleo básico da teoria econômica, o


sistema econômico é autocontido, funcionando independentemente de seu meio externo. Por
essa razão, tal funcionamento não é visto como sendo passível de ser afetado por problemas
de esgotamento ou escassez de recursos naturais, nem por impactos ambientais negativos
decorrentes da emissão de resíduos, de poluição, gerados pelo sistema econômico.
Constataria, evidentemente, que vem tomando corpo uma disciplina de economia do meio-
ambiente onde assumiu importância as inter-relações entre a economia e o seu meio externo,
mas verificaria, também, que as abordagens desse ramo da análise econômica são
consideradas setoriais, tema para alguns especialistas, e que as mesmas não repercutiram no
corpo central da análise econômica.

Nesse contexto, a teoria de sistemas – o instrumento amplamente empregado no


exame das inter-relações entre sistemas – não parece ser de muita utilidade. Se estamos
focalizando quase exclusivamente o que acontece dentro da caixa do sistema econômico,
para que gastar tempo e esforço com esquemas para focalizar relações entre sistemas? Não é
de admirar, portanto, que esse instrumento não tenha merecido muita atenção da parte dos
economistas.

Mas isso tem que mudar se desejarmos adotar uma visão ‘biológica’ do funcionamento
do sistema econômico. Esta visão trata este sistema como um organismo vivo, complexo e
multifacetado que, como todo ser vivo, retira energia e matéria de alta qualidade de seu meio
externo – o meio-ambiente –, as emprega para se manter, crescer, evoluir, e as devolve a esse
meio externo degradados, na forma de energia dissipada, resíduos, de poluição. Uma análise
das inter-relações entre os dois sistemas nesse contexto pode ser enriquecida, em muito, com
o emprego de elementos da teoria de sistemas.

1. Noção de Teoria de Sistemas.

1.1. Conceituação de sistema


47

No dia a dia, o termo "sistema" é usado em uma variedade de maneiras, quase sempre
sem muita precisão; e isso também ocorre no âmbito do corpo principal da análise econômica.
Neste caso, porém, a falta de precisão resulta da hipótese que é feita sobre as inter-relações
entre a economia e o seu meio externo. Se supusermos que essas inter-relações são
irrelevantes, o foco quase exclusivo de atenção acaba sendo o sistema econômico
propriamente dito. Se o sistema econômico mantém apenas relações tênues com outros
sistemas, para que realizar um esforço para definir as fronteiras do sistema e de detalhar a
natureza de tais relações? É por essa razão, a maior parte dos economistas não vê na teoria de
sistemas um instrumento de especial interesse. Se desejarmos, porém, analisar as inter-
relações entre o sistema econômico e o sistema maior em que este está inserido, é importante
que se tenhamos uma noção da teoria de sistemas. Como este é o caso da economia do meio-
ambiente, no que se segue apresentamos elementos desta.

A teoria de sistemas foi popularizada na década de 1950 por Ludwig von Bertalanffy
(1958; e 1968), um biólogo austríaco. Ao desenvolver esse esquema conceitual, von
Bertalanffy reagia à metodologia de conceptualização mecanicista da ciência clássica, ainda
dominante. Conforme ressalta Rapaport (1968, p. 452), em meados do século passado as leis
da ciência ainda tendiam a ser consideradas “manifestações de leis da mecânica – em outras
palavras, o universo seria um mecanismo estritamente determinado, cuja operação poderia
ser completamente compreendida por inteligência o suficientemente vasta para abranger a
totalidade de suas partes componentes e as relações entre elas.” O problema com essa
abordagem, segundo von Bertalanffy (1968, p. 12), é que ela nega a essência do fenômeno da
vida; e como biólogo, recusou-se a aceitar essa postura. Desenvolveu, assim, a teoria de
sistemas como uma nova direção para a filosofia da ciência.

Inicialmente o foco de Von Bertalanffy foi a biologia; foi para o seu estudo que criou
a nova metodologia de análise. Mas, entusiasmado com as possibilidades da teoria de
sistemas, dedicou-se demonstrar as oportunidades de seu uso em outros campos da ciência. O
autor definiu sistema de forma simples: para ele, sistema é “um conjunto elementos que
interagem entre si.” Considerou, mesmo, que essa definição contem tudo o que é necessário.1
Deixou claro, entretanto, que um sistema não é mera coleção de partes, reunidas ao acaso,
mas sim um conjunto de elementos inter-relacionados, sendo as relações entre os elementos
estabelecidas por leis.

No seu artigo da Enciclopedia of Social Sciences, Rapoport (1968, p. 453) apresenta


definição um pouco mais detalhada. Para esse autor, sistema é “(1) algo consistindo de um
conjunto (finito ou infinito) de entidades (2) entre as quais se pode especificar um conjunto
de relações (...).” Para um não iniciado, entretanto, essa definição ainda é muito vaga. Uma
definição mais abrangente é a do Oxford English Dictionary – que, incidentalmente, apresenta
uma extensa lista de formas de emprego do termo, muitas das quais imprecisas; segundo o
dicionário, para a ciência, sistema é “um grupo, conjunto ou agregado de elementos, naturais
ou artificiais, interconectados formando um todo orgânico e complexo”.2

1
Ver Bertalanffy, 1968, pp. 19; também pp. 38, 55 e 83.
2
Essa definição, e a origem de von Bertalanffy, nos levam a visualizar sistemas em termos de seres vivos, da
sociedade. Entretanto, existem sistemas de pensamento, amplamente usados na matemática e na filosofia. Para
essas disciplinas, um sistema compreende um conjunto de fatos, princípios, regras, classificados ou arranjados
de forma regular, ordenada, de forma a mostrar um plano lógico ligando as várias partes. Ver Branco, 1989.
48

Merecem ser ressaltados, nessa definição: 3

• O conceito de elemento. O elemento é o componente mínimo do sistema. Por si só,


um desses componentes tem importância reduzida. O seu significado se estabelece quando o
elemento é considerado no contexto do funcionamento do sistema do qual faz parte.

• A noção de inter-relação entre elementos. Ou seja, a noção de que um sistema não é


mera soma de elementos, mas um complexo de componentes que interagem entre si.

• O conceito central na teoria dos sistemas, enfatizado por von Bertalanffy, é o de


organização. Organização pode ser definida como sendo o arranjo de relações entre
elementos ou componentes, produzindo um organismo atuante. Esse organismo é um ‘todo’,
com propriedades distintas das de seus componentes em isolamento.

• A noção de complexidade. Um sistema é, via de regra, um organismo dotado de


complexidade. Esta é maior ou menor, dependendo do número de elementos do sistema e do
número e tipos de relações estabelecidas entre esses elementos. Um sistema complexo se
caracteriza por uma grande variedade de elementos, arranjados segundo níveis hierárquicos, e
interligados por uma multiplicidade de interconexões estruturais e funcionais.

Empregada no estudo de seres vivos, do habitat, da sociedade, a teoria dos sistemas


considera essas entidades, não como meros aglomerados de partes encaixadas, funcionando
como máquinas, e sim como conjuntos organizados e inter-relacionados de elementos,
passíveis de mudanças, de evolução ou involução. Ou seja, o ser vivo, o habitat, a sociedade
são vistos como organizações intrinsecamente dinâmicas e primordialmente ativas.

Finalmente, um sistema pode ser composto de vários subsistemas, cada um destes um


sistema menor com funcionamento autônomo. Na verdade, é essa autonomia que diferencia
um subsistema de um elemento do sistema maior.

1.2. Classificação de sistemas

Em um nível elevado de generalidade, os sistemas podem ser classificados como


isolados, fechados e abertos. É isolado4 o sistema auto-contido, que não intercambia nem
energia e nem matéria com o seu meio externo. Estritamente falando, o único sistema isolado
é o universo; este contém toda a matéria e toda a energia. Entretanto, experimentos científicos
muitas vezes aproximam um sistema à categoria de isolado. O mesmo ocorre com construções
teóricas; como vimos, é isto que faz a análise econômica convencional.

É fechado o sistema que intercambia apenas energia com o seu meio externo, não
ocorrendo intercâmbio de matéria; esta circula continuamente dentro do sistema. Um exemplo
de sistema fechado é o globo terrestre, que intercambia energia, mas não a matéria, com o seu
meio externo.

3
Ver, Branco, 1989, p. 65-67.
4
Von Bertalanffy não distinguia entre sistema isolado e sistema fechado. No seu General System Theory
(Bertalanffy, 1968) classifica sistemas apenas como fechados e abertos. Fica claro, porém, que os primeiros
incluem os sistemas acima classificados como isolados e os classificados como fechados.
49

Por sua vez, é aberto o sistema que intercambia, tanto a matéria como a energia com o
seu meio externo. Um exemplo de sistema aberto é um ser vivo; para funcionar, é
fundamental que este intercambie energia e matéria com o seu meio externo. Outro exemplo é
o sistema econômico do ponto de vista de uma abordagem biológica.

2. Exemplo de um sistema aberto – o ecossistema5

2.1. Um esboço do funcionamento de um ecossistema

Para ilustrar o significado de sistema aberto, mas também tendo em vista assentar as
bases para a nossa análise das correntes de pensamento da economia do meio-ambiente, esta
seção esboça o funcionamento de um ecossistema da perspectiva da cadeia alimentar, e
estabelece as condições para a sua estabilidade. Um ecossistema – como, por exemplo, uma
floresta tropical úmida, uma savana, um manguezal, um recife de coral – não pode ser
caracterizado como mero recorte do espaço geográfico ou como um aglomerado de seres
vivos atuando autônoma e isoladamente. Para compreender o que representa o ecossistema e
como opera, é necessários que se examinem as diferentes categorias de seres inseridos em um
dado ambiente físico, e que se especifiquem relações de cada categoria com esse ambiente e
com outras categorias de seres vivos.

Todos os seres vivos, inclusive – os da espécie humana – são partes de ecossistemas e


deles dependem. Observando um ecossistema terrestre sem apreciável presença humana, por
exemplo, encontramos o ambiente físico, vegetais de diferentes tipos (gramíneas, arbustos e
árvores), uma gama de animais hervíboros, várias categorias de predadores, e finalmente,
muitos animais e organismos decompositores. As inter-relações entre estas formas de vida
com o ambiente físico, e umas com as outras, caracterizam o funcionamento de um
ecossistema.

A delimitação de um ecossistema é um tanto arbitrária, mas, por sua natureza, certos


ecossistemas podem ser considerados relativamente independentes, embora até estes
necessitam ser examinados no contexto de um ecossistema maior – uma região, um continente
ou mesmo a totalidade no nosso globo. Ale disto, um ecossistema destes tende a ser formado
por muitos subsistemas menores.

O ambiente físico afeta, de forma importante, o funcionamento do ecossistema. São os


seguintes os principais fatores que influem na natureza do ecossistema incrustado em um
determinado espaço geográfico:

● O clima, ou seja, a temperatura, a umidade, o padrão sazonal e geográfico de


precipitações pluviais, a variação das estações.

● O solo, como suas características físicas, com a sua fertilidade natural, com a sua
capacidade de retenção de água, etc.

Esses fatores estabelecem limites ao crescimento das plantas e, assim, influenciam


todas as formas de vida do ecossistema.

5
Para maiores detalhes do material aqui tratado, ver Riclefs e Miller, 1999, cap. 9: e Tauk e Salati, 1996.
50

No que diz respeito à parcela biológica do ecossistema, assumem importância especial


a cadeia alimentar. A análise dessa cadeia focaliza as inter-relações entre populações e
comunidades de seres vivos na forma de um sistema termodinâmico. Ou seja, considera o
ecossistema um sistema transformador de energia que, em última instância, é originária do
sol.

Nesta perspectiva, vemos o ecossistema composto de várias categorias de seres vivos,


cada uma com um papel, seja na captação e transformação da energia solar, seja na
transferência de energia entre diferentes categorias de seres. A operação do ecossistema
envolve, pois, a captação de energia do sol e a sua disseminação por diferentes formas de vida
no interior do ecossistema. Essa energia permite, ademais, com que o ecossistema se
estabilize longe do equilíbrio termodinâmico, ou que ele se modifique ou evolua. Mais que
uma unidade estrutural (um conjunto de partes formando uma estrutura), o ecossistema, é
uma unidade funcional – é uma organização viva, atuante.

A Figura 2, adiante, esboça o funcionamento de um ecossistema terrestre como o


acima exemplificado. Como ocorre com outros sistemas – inclusive o econômico –, esse
ecossistema é um organismo que funciona apoiado em uma base material. A energia tem
papel crucial nesse funcionamento. Em essência, a maior parte da energia que o ecossistema
necessita para operar vem de seu meio externo. Existe energia acumulada, de alguma forma,
no seu interior (por exemplo, a energia contida nos vegetais e na gordura do corpo de
animais), mas a fonte básica de energia para o ecossistema é externa; ela vem do sol. O
funcionamento do ecossistema envolve a circulação dessa energia e da matéria por intermédio
da atuação de seres vivos.

Para que o ecossistema funcione, os seus elementos devem estar organizados de forma
a garantir a passagem do fluxo de energia oriunda do sol. Essa energia atua de várias formas
na determinação das condições climáticas que o ecossistema enfrenta; e é captada pelas
plantas mediante o processo da fotossíntese – o processo pelo qual as plantas se valem da luz
solar para combinar o dióxido de carbono e a água, gerando carboidratos de alto teor de
energia, como os açucares, o amido e a celulose. E um dos resíduos da fotossíntese é o
oxigênio. (Ehrlich, 1993, p. 5). A energia captada pelas plantas é importante não só para
assegurar que elas cresçam e se desenvolvam, mas também para sustentar outras categorias de
organismos em sucessivos níveis tróficos6 ao longo da cadeia alimentar.

Como se pode ver na parte superior esquerda da Figura 2, o processo se inicia com
esses conversores de energia solar. Os vegetais compõem a categoria dos chamados
organismos produtores. A existência dos demais seres vivos do ecossistema depende, direta
ou indiretamente, da energia contida nas plantes, num processo que, por assim dizer, segue o
caminho inverso ao da fotossíntese, pois envolve a reação do oxigênio com os carboidratos,
que libera como um resíduo o dióxido de carbono.

O ecossistema contém vários níveis tróficos; o dos animais e seres herbívoros – os


consumidores primários –, que se alimentam da matéria orgânica produzida pelos vegetais,
dela obtendo materiais para compor seus corpos e a energia necessária para funcionar. O nível
trófico dos consumidores secundários — os carnívoros, ou predadores ––, que se alimentam
dos herbívoros (e de outros carnívoros), dos quais retiram matéria orgânica para o próprio
crescimento e energia para suas atividades. E a cadeia alimentar é completada com os

6
Conforme o Dicionário Aurélio, o trófico se refere à nutrição.
51

organismos decompositores – organismos que vivem da energia que conseguem captar nos
restos e dejetos de animais, e em vegetais mortos. Estes incluem, tanto os decompositores de
grande porte – os animais e aves que se alimentam de carniça,7 e os decompositores miúdos –
os insetos, invertebrados, fungos e bactérias que atuam decompondo os restos do consumo de
predadores e de outros decompositores, e de plantas mortas. O conjunto dos decompositores
realiza o importante trabalho de reduzir a compostos inorgânicos os compostos orgânicos dos
animais e plantas que morrem e os dejetos de animais, tornando-os, assim, disponíveis aos
organismos produtores. Trata-se de nutrientes fundamentais para a ‘produção’ efetuada por
essa categoria de organismos

Figura 2. Esboço do funcionamento de um ecossistema

Perda de ener-
gia térmica
ENERGIA SOLAR pela respiração

PRODUTORES CONSUMIDORES
PRIMÁRIOS
(Plantas; com a ALIMENTAÇÃO
energia solar, pro- (Animais herbívoros)
duzem compostos
orgânicos pela Mortos e dejetos
fotosíntese) orgânicos
ALIMENTAÇÃO

CONSUMIDORES
SECUNDÁRIOS

(Animais carnívoros;
predadores)
MATÉRIA
ORGÂNICA
MORTA ALIMENTAÇÃO

DECOMPOSITORES
(Consomem
organismos mortos
e outros dejetos)
Decomposição
físico-química

Decomposição
biológica
Nutrientes DEPÓSITO DE NUTRIENTES
inorgânicos INORGÂNICOS

IMPORTAÇÃO FRONTEIRA DO ECOSSISTEMA

ENERGIA
EXPORTAÇÃO NUTRIENTES

7
Nem todos os decompositores grandes se alimentam exclusivamente de restos de animais deixados por
predadores; muitos também atuam como predadores.
52

Completa-se, desta forma, o ciclo de nutrientes do ecossistema. Observa-se, portanto,


um fluxo permanente de energia dentro do ecossistema, mas este só se sustenta enquanto
houver captação da energia primária do sol.

No ecossistema, como em qualquer organismo, há a reposição natural de elementos


danificados, desgastados ou ‘consumidos’; isso ocorre através do mecanismo da reprodução.
Por sua vez, o número de elementos em cada categoria é controlado pela predação; esse
mecanismo desempenha um papel fundamental no controle do ecossistema, evitando que uma
dada categoria de elemento apresente crescimento explosivo, com o potencial de
desestabilizar o ecossitema.

O número de elementos do ecossistema também é afetado por mudanças no clima, por


variações sazonais e acidentais da disponibilidade de nutrientes e por catástrofes, tanto
naturais como as produzidas pela sociedade humana. Via de regra, entretanto, os ecossistemas
exibem considerável capacidade de auto-regulação em face a variações ambientais, a
acidentes, e mesmo a pequenas catástrofes. O mecanismo de auto-regulação – denominado
homeostase – confere resiliência ao ecossistema. Resiliência é habilidade de um ecossistema
de manter sua auto-organização em face a choques ou a estresse. É a capacidade que o sistema
tem de absorver impactos de variações como as mencionadas acima e de se regenerar.
Enquanto os limites da resiliência não forem ultrapassados, tais variações são absorvidas e o
ecossistema tende a se manter em condições de funcionar. Entretanto, como veremos adiante,
o impacto de catástrofes humanas ou ambientais pode fazer com que a capacidade de
regeneração de um ecossistema seja excedida, fazendo-no se desestabilizar.

Certas correntes de pensamento da economia do meio ambiente (ver a Parte IV) se


preocupam, de forma especial, com a resiliência de ecossistemas. Para estas, a degradação
ambiental provocada pela humanidade pode vir a exceder os limites da resiliência,
destruindo a capacidade de ecossistemas de se regenerar e afetando criticamente sua
capacidade de funcionar como base de suporte à vida humana em condições mínimas de
conforto. Mostram que isto já vem ocorrendo com ecossistemas particulares – é o que
acontece, por exemplo, em muitos casos de desertificação. Temem, entretanto, que uma
expansão descontrolada da escala da economia mundial possa vir a causar impactos
desestabilizadores globais.

2.2. As leis da termodinâmica e a estabilidade de ecossistemas.

Conforme ressalta Ehrlich (1993, p. 260), a maioria dos ecossistemas naturais exibe
estabilidade. Mas não se pode dizer que um ecossistema desses possui um estado de equilíbrio
natural ao qual tende a voltar automaticamente depois de qualquer perturbação. Existe,
entretanto, a realidade de uma crescente perturbação humana sobre ecossistemas naturais.
Será que essas perturbações podem ocorrer sem grandes conseqüências? Terão os
ecossistemas a capacidade de se regenerar em face a tais perturbações? E, o que é mais
importante, numa biosfera cada vez mais sujeita a ações humanas, quais os impactos destas
sobre a estabilidade (sobre a resiliência) de ecossistemas? Que perturbações afetam mais
fortemente a ecossistemas: mudanças de clima; doenças importadas de outros ambientes; ou a
ação humana colonizadora de ecossistemas naturais?
53

A busca de respostas a questões deste tipo exige que se analise em maior detalhe o
papel da energia no funcionamento de ecossistemas. Esse papel é determinado pela operação
de leis fundamentais da natureza: as duas primeiras leis da termodinâmica – o campo da física
que trata de transformações de energia e de matéria. 8

As duas primeiras leis da termodinâmica

Em poucas palavras, as duas leis podem ser enunciadas da seguinte forma:

● A primeira lei da termodinâmica – a lei da conservação da energia. Segundo esta,


em um sistema isolado, a quantidade total de energia é constante. A energia não pode ser
criada e nem destruída, embora possa mudar, tomando diferentes formas (como a energia da
luz solar, a energia elétrica, a energia cinética, o trabalho, o calor, etc). Na verdade, processos
que ocorrem dentro do sistema tendem a originar mudanças nas formas que a energia toma:
um pedaço de madeira que queima, por exemplo, não faz a energia química nele contida
sumir; o que ocorre é a sua transformação em outra forma de energia – o calor. Num sistema
isolado, podem, pois, acontecer mudanças nas diferentes formas que a energia toma, mas a
quantidade total da energia do sistema permanece a mesma. Em um sistema isolado, ela não
pode mudar.

Semelhantemente, a massa9 total de um sistema isolado também é constante. Como,


por definição, a matéria não pode ingressar ou deixar o sistema, a massa total do sistema não
tem como se alterar. A matéria também é conservada.

● A segunda lei da termodinâmica – a lei da entropia – trata da mudança qualitativa


da energia. Segundo ela, em um sistema isolado que não se encontre em estado de equilíbrio
termodinâmico, embora seja constante a quantidade total de energia que este contém, a
energia está sempre passando, de forma irreversível e irrevogável, da condição de disponível
para realizar trabalho, a de não disponível para essa finalidade. Ou seja, embora a energia
total do sistema seja constante, as quantidades de energia disponível e não disponível não o
são; ocorre contínua degradação da energia, do primeiro para o segundo desses estados. Para a
termodinâmica, a energia disponível para a realização de trabalho (também denominada
energia livre), é energia de baixa entropia; e a energia não disponível para esse fim é
denominada é energia de alta entropia (ou também, energia presa).

Em termos menos precisos, mas de grande apelo intuitivo, a segunda lei nos assegura
que, quando uma quantidade de energia de baixa entropia, que podemos descrever como
energia potencialmente disponível para realizar trabalho,10 é usada com esta finalidade, esse
potencial se perde e a energia é convertida em energia de alta entropia. Ou seja, a energia de
alta entropia é energia dissipada, que não pode mais ser usada para realizar trabalho. A
energia contida numa determinada quantidade de gasolina do tanque de um automóvel, por
exemplo, é de baixa entropia, pois ela tem o potencial de fazer o veículo se mover. Mas, se o
veículo, com o emprego daquela quantidade de gasolina, se deslocar ao longo de uma
determinada distância, o potencial da gasolina de realizar trabalho – de movimentar o veículo

8
As leis da termodinâmica e o seu papel na economia do meio-ambiente são focalizados em maior detalhe na
Parte IV deste volume.
9
Massa é a quantidade de matéria contido em um corpo, geralmente não infinitesimalmente pequeno.
10
Definimos trabalho aqui de forma bem ampla, como fenômeno ou conjunto de fenômenos que ocorrem em
um sistema que, pela ação forças, de alguma forma alteram sua natureza ou forma.
54

– é perdida. O potencial é usado, transformando-se em trabalho – no deslocamento do veículo


– e em calor. Torna-se, assim, energia de alta entropia. E é impossível captar de volta essa
energia para novamente usá-la no veículo; trata-se, pois, de um processo irreversível.

Focalizando ainda um sistema isolado, podemos, de uma forma geral, dizer que,
quanto mais elevada a sua entropia, maior a proporção do total da energia que o sistema
contém, irreversivelmente transformada em calor, e assim, menor a proporção de sua energia
livre. Portanto, é mais reduzida a capacidade do sistema de efetuar trabalho. Com isto, o
sistema isolado se aproxima de um estado de equilíbrio termodinâmico.

É importante examinar em mais detalhe o significado de um sistema em equilíbrio


termodinâmico. Diz-se que um sistema está em equilíbrio termodinâmico quando há
completa ausência de forças que façam-no mudar. Isto acontece quando não existem
diferenças de temperatura no interior do sistema. Enquanto existirem diferenças de
temperatura no espaço do sistema, poderão ocorrer mudanças no seu interior; o sistema não
estará, pois, em equilíbrio termodinâmico. A termodinâmica nos assegura que, “para que a
energia se transforme em trabalho, deve existir uma diferença na concentração da energia
(isto é, uma diferença de temperatura) em partes distintas do sistema. O trabalho ocorre
quando a energia se move de um nível mais alto para um nível mais baixo de concentração
(ou de uma temperatura mais alta, para uma mais baixa). E, fundamentalmente, cada vez que
a energia passa de um nível de concentração a outro, resta menos energia disponível”
(Rifkin, 1980, p. 35). Um sistema em equilíbrio termodinâmico é, pois, um sistema
caracterizado por ausência de mudanças; a temperatura no seu interior será uniforme.

As leis da termodinâmica e a estabilidade de ecossistemas

Vimos que a lei da entropia foi concebida tendo em vista sistemas que, embora
isolados, não estão em equilíbrio termodinâmico, pois neles há trabalho (neles as coisas
mudam, se movimentam). Mas, pela lei da entropia, por serem isolados, estes tendem
inexoravelmente a um estado de equilíbrio termodinâmico. Contudo, como na maioria dos
sistemas de nosso interesse – um ser vivo, um ecossistema, o sistema econômico – as coisas
estão sempre acontecendo, podemos dizer que estes não são sistemas que tendem ao
equilíbrio termodinâmico.

Via de regra, um ecossistema não é um sistema em equilíbrio termodinâmico.11 Além


disso – como um exame da Figura 2 deixa óbvio – o ecossistema também não é um sistema
isolado. Na verdade, ele é um sistema aberto, que certamente intercambia energia, e que pode
intercambiar matéria com seu meio externo. Se isso é verdade, qual o papel das leis da
termodinâmica na análise de seu funcionamento? Para entendermos isto se torna necessário
esboçar a teoria das estruturas dissipativas desenvolvida por Prigogine. Segunda essa teoria,
um ecossistema como o do exemplo acima, é um sistema aberto longe do equilíbrio
termodinâmico. Ou seja, é um sistema que não só não está em equilíbrio termodinâmico,
como nem mesmo tende a se aproxima desse equilíbrio. Um ecossistema maduro apresenta
certa estabilidade, que pode se manter por muito tempo. Há casos de ecossistema em
expansão, e a maioria dos ecossistemas naturais experimenta processos evolutivos, que os
modificam. Todos são organismos vivos que se reproduzem, que se mantém, que evoluem.
Estão, pois, longe de representar organismos próximos ao equilíbrio termodinâmico. Na
verdade, são sistemas que funcionam longe desse equilíbrio.

11
O mesmo pode ser dito com relação ao sistema econômico, que, na realidade, pode ser encarado como um
ecossistema no qual a intervenção humana é significativa.
55

Com efeito, conforme ressaltou Ayres, (1993, p. 202), os ecossistemas não se


constituem em meros agregados estáticos de elementos químicos. São, ao invés, sistemas nos
quais se observam processos físicos e químicos – alguns biológicos, alguns geoquímicos e
alguns biologicamente assistidos – que tendem a se manter em condição de estabilidade longe
do equilíbrio termodinâmico.

O conjunto desses processos origina contínua reciclagem de matéria no interior do


ecossistema, o que se torna possível graças à importação da energia de baixa entropia do sol.
Isso pode ser facilmente visualizado na Figura 2; a energia solar capturada pelo ecossistema
torna possível o ciclo de nutrientes da cadeia alimentar ali representada. Os processos que
constituem esse ciclo transformam a energia solar de baixa entropia – procedente do exterior
do ecossistema – em energia dissipada, a qual é radiada de volta a esse meio externo. A
energia solar passa pelo ecossistema; ela não é reciclada. A matéria, entretanto, é reciclada.
Os nutrientes que uma forma de vegetal captura do solo e que se tornam parte de seu
organismo, podem ser usados por um animal vegetariano, vindo a constituir em parte de seu
organismo; este, por sua vez, pode ser caçado por predador, que cedo ou tarde também morre,
sendo consumido por decompositores, que transformam a matéria morta novamente em
nutrientes para vegetais. Vemos, assim, que, ao contrário da energia, os nutrientes se movem
de forma circular dentro do ecossistema.

Cumpre assinalar que, graças ao funcionamento deste e de outros ecociclos, o


ecossistema se mantém em estado de relativa estabilidade – pelo menos enquanto não sofrer
impactos externos fortemente perturbadores. Ademais, em um sistema destes a entropia não
aumenta com o uso da energia; a energia de alta entropia é exportada para o seu meio externo.
É nesse meio externo que o aumento de entropia se faz sentir. Os ecossistemas são, pois,
estruturas dissipativas; são estruturas que se mantém em uma envoltória estável longe do
equilíbrio termodinâmico graças à dissipação da energia solar.

É necessário tomar cuidado, entretanto, para não se concluir que ecossistemas estáveis
nunca sofrem alterações. Ao longo do tempo um ecossistema pode mudar, evoluir; e pode
mesmo vir a sofrer alterações consideráveis como resultado de impactos externos o
suficientemente fortes. Mas, dadas a sua estrutura e suas relações funcionais, em princípio, o
ecossistema pode operar indefinidamente, desde que seja mantido o seu acesso à energia de
baixa entropia oriunda do sol.

Em suma, a energia solar é essencial para o funcionamento de ecossistemas naturais,


sejam estes fechados ou abertos; se um ecossistema cessar de receber energia solar por algum
tempo, ele deixará de operar. Mas seus ciclos de nutrientes também são fundamentais. Sem
eles, o ecossistema também se desestabilizaria. Além disso, se esses ciclos forem
substancialmente alterados, a natureza do ecossistema tenderá a sofrer fortes alterações.

Mas a importância dos ciclos de nutrientes vai além do que, a primeira vista, pode
transparecer da discussão acima. As maneiras pelas quais os seres vivos afetam os
ecossistemas não se restringem apenas às relações tróficas. O oxigênio do ar é mantido por
um sistema cíclico de reações químicas, envolvendo seres vivos, e há ciclos semelhantes para
as águas, o nitrogênio, o enxofre, o fósforo, o cálcio, o cloro, o iodo, entre outros. Em alguma
medida, todos eles operam, direta ou indiretamente, mediante interferências biológicas; e
todos dependem para funcionar, do fluxo de energia solar. São ciclos fechados, impulsionados
pela dissipação de energia solar; sua operação assegura que a matéria seja continuamente
reciclada. Esses ciclos são essenciais para a existência da vida em um ecossistema e, de forma
56

especial, para que essa vida se mantenha. (Ayres, 1993, p. 202-3).

É importante ressaltar um aspecto acima tratado: em um ecossistema natural sem


grande interferência humana, os resíduos de um dado organismo tendem a se constituir na
alimentação de outros. A excreção de uma forma de vida geralmente é usada por outra e, em
um ecossistema desses em estado estacionário, geralmente não ocorrem acúmulos tóxicos
desestabilizadores. Como veremos adiante, isso muda radicalmente como um dos resultados
da operação do sistema econômico contemporâneo.

3. O sistema econômico e o ecossistema global

Esta seção discute aspectos da inter-relação entre a ‘economia global’, e o seu sistema
externo. Não deve haver dúvida, a estas alturas, a respeito da significância da abordagem
sistêmica para um exame da tal inter-relação, exame este que está – ou deveria estar – no
âmago da disciplina economia do meio-ambiente. Ao contrário do que transparece da
modelagem efetuada pela análise econômica convencional, a economia longe está de ser um
sistema isolado. Para que ela funcione – para que produza e consuma, para que cresça, se
desenvolva – depende de matéria e de energia fornecidos pelo meio-ambiente; além disso,
despeja neste os resíduos e as emanações dos processos de produção de consumo. Como vem
fazendo isto de forma cada vez mais acentuada, acabaram surgindo e se acentuando
problemas ambientais.

Mas por que a ênfase acima à descrição do funcionamento de ecossistemas? Ela tem a
ver com o fato de que o meio externo do conjunto do nosso sistema econômico – o
ecossistema global –, compreende a totalidade do nosso planeta que, num esforço de
abstração, consideramos um enorme ecossistema. Trata-se de sistema fechado, composto de
uma grande quantidade de subsistemas abertos – todos os ecossistemas – e incluindo,
também, o sistema econômico global. A questão é que, como vimos, a partir do início da
Revolução Industrial há mais de 250 anos, a escala da economia mundial se ampliou
enormemente, e isto se fez às custas de um uso crescente de recursos energéticos e de outros
recursos retirados do ecossistema global; além disso, numa contrapartida a essa extração de
recursos do meio-ambiente, a economia não só vem despejando no meio-ambiente grandes
quantidades de resíduos e emanações como, cada vez mais, vem interferindo – e de forma não
trivial – no funcionamento de outros sub-sistemas do nosso globo, com efeitos cada vez mais
preocupantes.

3.1. Aspectos da inter-relação entre o sistema econômico e o ecossistema global

Em nível global, a inter-relação economia–meio-ambiente envolve, pois, dois


sistemas: o ‘ecossistema global’, um sistema fechado, e o sistema que denominamos ‘sistema
econômico global’, ‘economia global’ ou ‘econosfera’. Este último é um sistema aberto que
opera inserido no ‘ecossistema global’.

O seu funcionamento do sistema econômico vem exigindo do ecossistema global o


desempenho das seguintes funções básicas:

● O provimento de insumos econômicos denominados ‘recursos naturais’. O sistema


econômico extrai tais recursos do seu meio-externo, e os transforma pelo processo produtivo
em bens e serviços que, direta ou indiretamente, são consumidos.

● O fornecimento de energia. É importante ressaltar o papel da energia no abstrato, ou


57

seja, dissociada dos materiais que a contém, na inter-relação entre os dois sistemas. O
ecossistema global é uma estrutura dissipativa que opera longe do equilíbrio termodinâmico;
os subsistemas do ecossistema global, que também são estruturas dissipativas, funcionam
graças à energia solar que atinge o ecossistema global, e a energia acumulada no seu interior.
Isso também acontece com o sistema econômico; mas este usa muito mais energia do que a
captada de forma mais imediata do sol. Diferentemente dos outros subsistemas, suplementa
maciçamente a energia solar – a ‘renda energética’ fornecida cotidianamente pelo sol – com a
energia dos combustíveis fósseis, como o carvão, o petróleo e o gás natural. Esses recursos
energéticos são oriundos do, por assim dizer, do ‘capital energético’ contido no nosso planeta.
Na verdade, o sistema econômico global só atingiu a sua atual escala, graças à suplementação
obtida a partir desse capital energético. É óbvio que, se não existissem os combustíveis fósseis
e o urânio, ou seja, se a humanidade tivesse que contar exclusivamente com a energia da
renda energética para funcionar, a atual escala da economia mundial seria muito menor do que
é. O nosso globo teria uma população bastante inferior que a atual, e a produção material per
capita média da economia global seria uma pequena fração da de hoje.

● O ecossistema global recebe os resíduos e as emanações oriundas dos processos de


produção e de consumo da econosfera. Esta se constitui em uma estrutura dissipativa, que se
mantém em estado de relativa estabilidade longe do equilíbrio termodinâmico, transferindo
para o ecossistema global os resíduos, os rejeitos, a poluição, decorrentes de seu
funcionamento. Graças à assimilação destes pelo ecossistema global, o sistema econômico
vem mantendo, ou mesmo diminuindo a entropia no seu interior; mas, em virtude da operação
das leis da termodinâmica, uma das conseqüências disto é que estão se verificando
incrementos cada vez maiores da entropia do ecossistema global. Este vem mantendo sua
estabilidade mediante a exportação de parte desse incremento de entropia para o cosmo – o
meio externo do ecossistema global. Mas essa exportação de entropia não se dá de forma
rápida e simples. Parcela crescente desse elevado montante da alta entropia que a econosfera
emana para o ecossistema global permanece neste por muito tempo antes de ser dissipada no
cosmo. Provoca aquilo que, na Figura 1 acima, denominamos mudanças no estado geral do
meio-ambiente, o que vem acontecendo em um ritmo preocupantes.

● O ecossistema global oferece espaço para que os seus diferentes sub-sistemas


possam captar energia para funcionarem como estruturas dissipativas. Esses subsistemas não
operam no abstrato; ele precisam de espaço físico. Como vimos, o espaço é um dos
componentes básicos de um ecossistema.

3.2. A estabilidade do ecossistema global em face aos impactos da econosfera

Papel dos ciclos de nutrientes.

Conforme indicado acima, desempenham papeis proeminentes para o funcionamento


do ecossistema global um conjunto de ciclos fechados mediante os quais a matéria é
continuamente reciclada com a dissipação de energia solar, que cedo ou tarde é irradiada de
volta ao cosmo na forma de calor. Conforme ressalta Binswanger (1992), o ecossistema do
nosso globo vem usando a energia solar de forma altamente eficiente, possibilitando a
evolução de uma enorme quantidade de espécies complexas em muitos ecossistemas locais.
Essa eficiência vem sendo garantida graças à uma co-evolução, ao longo de milhões de anos,
de todos os seus ecossistemas.

Como no caso de ecossistema individual, as leis da termodinâmica também têm


importância fundamental no funcionamento do ecossistema global. Elas vêm garantindo que
58

ele opere, mantendo-se em um estado estável longe do equilíbrio termodinâmico; e para tal, é
fundamental o sistema de ecociclos. O que esta por detrás do funcionamento do sistema de
ecociclos é o fato de que, como vimos, todos os organismos naturais ingerem e transformam
matéria para dela retirar a energia de que necessitam para viver e se reproduzir; e que, no
processo, excretam matéria indesejada. Mas essa excreção freqüentemente é alimento para
outros organismos. Em essência, este mecanismo permitiu a evolução no nosso globo, de uma
variedade de ecociclos sustentados biologicamente, fundamentais para a existência da vida.

Em grandes linhas, os ciclos de nutrientes desempenham os seguintes papeis


fundamentais no ecossistema global (Ayres, 1993, 203-04):

● Eles estabilizam a temperatura, a umidade, a salinidade, a acidez (pH) e outras


condições climáticas dentro de limites que tornam possível a vida como conhecemos.

● Os ecociclos impedem que as emanações tóxicas de uma dada forma de vida se


constitua em ameaça à vida em geral. O resíduo de dióxido de carbono da respiração dos
animais aeróbicos, por exemplo, que é tóxico para estes, é nutriente para as plantas; por sua
vez, estas excretam o oxigênio, um tóxico para organismos anaeróbicos, mas que é
fundamental para os organismos aeróbicos. Semelhantemente, a amônia, que é um tóxico para
muitos animais, é um nutriente essencial para as plantas. Dentre os ciclos geo-bioquímicos
envolvendo comportamentos semelhantes, destacam-se os ciclos da água, do nitrogênio, do
enxofre, do fósforo, do cálcio, do potássio, do cloro, do iodo, entre outros. (Ayres, 1993, p.
202-03).

Na natureza, sem os impactos do atual sistema econômico, os ciclos, são, assim,


essenciais na manutenção do ecossistema global em estado de relativa estabilidade longe do
equilíbrio termodinâmico. Quais os impactos do funcionamento da econosfera, com os
elevados e crescentes volumes de emanações – possibilitadas pelo seu enorme emprego de
energia?

Respondendo, se considerarmos o sistema econômico como ele opera na vida real, e


não no abstrato, como ocorre na modelagem econômica, observaremos que, de certa maneira,
ele opera de forma semelhante aos ecossistemas naturais; ele também capta energia de seu
meio externo e excreta para este resíduos e emanações nocivas. Entretanto, diverge dos
ecossistemas naturais porque usa muito mais energia que a permitida pela captação da energia
do sol, graças a seu domínio de fontes de combustíveis fósseis, e excreta enormes volumes de
rejeitos que são tóxicos, não só para os humanos e para algumas espécies biológicas, mas para
quase todas as formas de vida no nosso planeta. Além disso, entretanto, essas emanações
tóxicas já assumiram níveis preocupantes. E, não só isto; elas continuam a se ampliar (Ayres,
1995, p. 3).

O problema é que essa crescente intoxicação causada pelo funcionamento da


econosfera ameaça de ruptura os ciclos biogeoquímicos do ecossistema global, fundamentais
para a vida, com resultados óbvios. Efeitos deste tipo estão amplamente comprovados em
nível de ecossistemas individuais. O ponto é que, em princípio, o mesmo pode vir a ocorrer
em nível global. Como no caso de ecossistemas individuais, o ecossistema global é,
indubitavelmente, dotado de mecanismos de auto-regulação que o capacitam a se recuperar de
perturbações que não sejam extremas. Mas perturbações suficientemente elevadas do sistema
cíclico responsável pela estabilidade longe do equilíbrio do ecossistema global têm o
potencial de conduzi-lo a um colapso irreversível. Ainda existe, evidentemente, muita
incerteza a respeito da resiliência do ecossistema global; a ciência está longe de estabelecer,
59

nem mesmo de forma preliminar, os limites de segurança dos impactos do funcionamento da


econosfera, nos padrões atuais, sobre o ecossistema global. Sabemos, entretanto, que a
interferência humana sobre processos naturais já é muito elevada, e que ela continua a se
ampliar. Para Ayres, 1993, é fundamental que se intensifiquem os esforços para conter e
disciplinar essa interferência.

O papel da biodiversidade

O processo de geração e dissipação de alta entropia do sistema econômico preocupa,


não apenas pela intoxicação que vem gerando, como por seus impactos em termos de
destruição de biodiversidade. Via de regra, os ciclos biogeoquímicos envolvem a atuação nos
processos cíclicos de uma multiplicidade seres vivos. Na maior parte dos casos, para que os
ciclos funcionem na manutenção da estabilidade de ecossistemas, é necessário que haja
biodiversidade.

A biodiversidade ocorre, evidentemente, no espaço. Mas, com a enorme quantidade de


energia de baixa entropia a seu dispor, a humanidade vem competindo por este com outras
formas de vida. Sua agropecuária vem exigindo a retirada em larga escala a cobertura vegetal
para, com uma simplificação construída, produzir alimentos e commodities diversos. O
crescimento de suas cidades, de seus núcleos indústrias, de seu setor minerador, de suas
represas hidroelétricas; a expansão de suas redes de transporte, de seus shopping centers, vem
significando uma crescente substituição da natureza, com acentuados impactos em termos de
redução de biodiversidade. E sem diversas formas de vida, os bioecociclos não têm como
operar, pelo menos em parcelas do espaço, para manter a estabilidade de ecossistemas.

Em termos localizados, há vários exemplos de ruptura de estabilidade de ecossistemas.


È o que ocorre, de forma extrema, nos casos de desertificação; esta se verifica quando, em um
dado ecossistema, fatores de ordem natural, ou então a atuação humana reduzem
drasticamente a biodiversidade a ponto de romper o seu estado de estabilidade longe do
equilíbrio, gerando, no seu lugar, um outro ecossistema altamente simplificado – no limite,
um ecossistema desertificado.

A questão que se coloca é, será que continuação da remoção em larga escala da


biodiversidade em diversos subsistemas do ecossistema global, promovida pela operação do
sistema econômico contemporâneo, não poderá ser fator de desestabilização em escala
global?12

É óbvio, entretanto, que os impactos sobre a estabilidade do ecossistema global


causados pela crescente intoxicação promovida pelo sistema econômico e os gerados por
ampla e crescente destruição da biodiversidade são, freqüentemente, aspectos de uma mesma
realidade. Ambos esses efeitos decorrem do enorme acesso que a humanidade vem tendo de
fontes de energia de baixa entropia, em boa medida a partir do capital energético do nosso
globo.

4. A inter-relação entre a economia e o meio-ambiente e a análise econômica.

12
Uma discussão interessante dos impactos desestabilizadores da redução da biodiversidade está em Holling et
al., 1995, bem como outros artigos da mesma coletânea de textos. Para uma discussão mais aprofundada dos
riscos de ruptura da estabilidade do ecossistema global promovida pela atuação do sistema econômico, ver a
Parte IV, adiante.
60

Como não poderia deixar de ser, todas as correntes de pensamento da economia do


meio-ambiente consideram o sistema econômico um sistema que interage explicitamente com
o meio-ambiente. Para todas, este fornece recursos naturais essenciais à produção e recebe os
fluxos de resíduos, rejeitos, poluição do sistema econômico. Mas as principais abordagens
não tratam da mesma forma essa inter-relação. Dependendo do horizonte temporal que
considere, e do seu viés analítico, elas vão desde abordagens focalizando principalmente o
que acontece dentro do sistema econômico em decorrência das inter-relações entre a
economia e o meio-ambiente, que são consideradas de forma superficial, até análises
privilegiando fortemente tais inter-relações.

As abordagens do primeiro tipo, da economia ambiental neoclássica, basicamente


pressupõem um meio-ambiente neutro, passivo, que pode incomodar se agredido, mas que se
corrige facilmente quando cessam as agressões. No contexto da discussão da seção anterior,
sua hipótese implícita é a de um meio-ambiente basicamente estável. Vamos denominar essa
pressuposição implícita sobre a inter-relação entre os dois sistemas, de hipótese ambiental
tênue. As abordagens do segundo tipo, entretanto, consideram que o meio externo do sistema
econômico – o ecossistema global – é complexo e dotado de certa fragilidade, existindo a
possibilidade de venha a passar por alterações potencialmente desestabilizadoras em
decorrência de pressões antrópicas cumulativas, em linha com a discussão da seção anterior.
Denominamos essa pressuposição implícita de hipótese ambiental aprofundada.

Tendo em vista os elementos da Figura 1, acima, a adoção da hipótese ambiental


tênue permite que análise se concentre em fenômenos que têm lugar dentro da caixa do
sistema econômico, mediante o estabelecimento de inter-relações apenas superficiais entre o
sistema e o seu meio externo. Para formulações com base nessa hipótese, a degradação
ambiental (por exemplo, a da poluição) é de interesse, não pelo que possa estar ocorrendo
com o meio-ambiente propriamente dito (este é neutro, passivo e se subordina à inteligência e
à tecnologia humanas), mas pelo reflexo de alterações ambientais sobre o bem-estar dos
indivíduos em sociedade. Nas formulações com base na hipótese ambiental aprofundada,
entretanto, a economia é explicitamente considerada um subsistema de um sistema maior com
o qual vem se inter-relacionando de forma preocupante. Elas procuram, assim, estabelecer de
forma clara – evitando o emprego de hipóteses excessivamente simplificadoras – as inter-
relações entre os dois sistemas. Análises que se valem dessa hipótese se fazem do prisma de
quem se situa na fronteira entre o sistema econômico e o meio-ambiente da Figura 1, e
observa cuidadosamente aspectos das inter-relações entre os dois sistemas. No limite,
reconhecem a possibilidade de ações humanas virem a desestabilizarem o meio-ambiente,
com impactos potencialmente preocupantes.

Essas duas hipóteses ambientais são usadas adiante, na discussão da sustentabilidade


feita nos Capítulos 5 e 7, neste último como elementos na classificação das principais
correntes de pensamento da economia do meio-ambiente.
Capítulo 4. O processo produtivo e o meio-ambiente.

1. Introdução – uma avaliação crítica à teoria convencional da produção

O funcionamento do sistema econômico envolve dois conjuntos básicos atividades –


os processos de produção e de consumo. Mesmo que numa economia real um grande
número de agentes econômicos produza uma variedade de bens e serviços que não são
oferecidos diretamente ao consumidor final, o objetivo de se produzir tais bens e serviços é,
em última instância, o de possibilitar a geração de bens e serviços para o consumo; é do
consumo que os indivíduos da economia derivam o bem-estar. Por essa razão os processos
inter-relacionados de produção e de consumo merecem destaque especial na análise
econômica.

Em nível microeconômico a análise do processo de consumo é focalizada de forma


especial, pela ‘teoria do consumidor’.1 E esta evoluiu no tempo, num penoso processo de
formação e reconstrução que culminou na moderna teoria do consumidor. A formulação
inicial da teoria foi complicada porque se acreditava que um consumidor demandava um
dado bem guiado pele utilidade que esperava derivar de seu consumo; e que essa utilidade
seria um atributo concreto, cardinalmente mensurável, do consumo do bem. Não existiam
formas de medir a utilidade do consumo, mas acreditava-se que cedo ou tarde seria criado
um aparelho para realizar tal mensuração. Essa postura acabou sendo demolida; vários
autores demonstraram a inconsistência da abordagem cardinalista e acabaram construindo,
com o uso de instrumental analítico sofisticado, a abordagem ordinalista à teoria do
consumidor. Esta partiu de uma observação bastante simples; a de que para se conhecer o
comportamento de um indivíduo em face ao consumo não é necessário dispor de uma
medida da utilidade; basta conhecer a maneira como o indivíduo ordena suas preferências.
Ou seja, é necessário apenas supor que o consumidor sabe ordenar suas preferências em
relação à s possibilidades de consumo e que este se comporta de forma consistente ao
realizar esse ordenamento. Esta abordagem está no âmago da atual teoria do consumidor.

O processo de reconstrução analítica da teoria do consumidor foi trabalhoso e


envolveu alguns dos melhores economistas da primeira metade do século passado, como,
por exemplo, o Premio Nobel Paul Samuelson (Simonsen, 1971, cap. 4). Dentre os que se
destacaram nesse procedimento, está a figura de Nicholas Georgescu-Roegen. Os principais
trabalhos no qual tratou do assunto estão no seu Analytical Economics,2 e sua participação é
reconhecida, com amplos elogios, no Prefácio do livro, por Samuelson. Acontece que
Georgescu-Roegen não se contentou em ver a teoria do consumidor depurada de seus
defeitos e inconsistência; foi adiante e dedicou-se a uma reconstrução do outro dos dois
processos inter-relacionados fundamentais no funcionamento do sistema econômico – o
processo de produção. E ao fazer isto, inclusive, o autor acabou se voltando à análise das

1
Para uma cobertura bastante completa da evolução da teoria do consumidor, ver Simonsen, 1971, 1ª. Parte.
2
Ver Georgescu-Roegen, 1967, Parte II.
62

inter-relações entre o sistema econômico e o meio-ambiente. Como veremos na Parte IV, é


de Georgescu-Roegen a incorporação das leis da termodinâmica para a análise dessa inter-
relação.

Uma coisa que Georgescu-Roegen desde logo constatou, é a forma descuidada em


que o processo de produção é tratado pela análise econômica dominante. Ficou claro que os
envolvidos na construção da teoria da produção não sentiram a “necessidade de levantar a
mesma espécie de dúvidas epistemológicas sobre a função de produção, que as que
angustiaram os estudiosos do comportamento do consumidor.” (Georgecu-Roegen, 1969,
p. 498). Para o autor, isso provavelmente se deveu ao fato de que a produção de
mercadorias emana de processos físico-químicos, que segue as leis da natureza; assim, é
passível de mensuração com alto nível de precisão. Essa mensurabilidade parecia assegurar
à teoria da produção uma maior simplicidade e confiabilidade que as da teoria do
consumidor, não obstante exista certa semelhança formal entre o instrumental analítico
usado nas duas teorias. A reconstrução de Georgescu-Roegen da teoria da produção, feita
com o auxílio de instrumental matemático sofisticado e apoiada em uma firme base
epistemológica,3 não teve, entretanto, o reconhecimento da parte da teoria econômica
convencional. Uma das razões para isto está, provavelmente no fato de que a sua
reconstrução, embora mais precisa, lançou fortes dúvidas sobre a pertinência de alguns dos
instrumentos e de determinadas formas de aplicação de uso corrente pela teoria da
produção dominante. Esta última sobreviveu, assim, quase a mesma até os nossos dias; a
teoria econômica convencional fez isto simplesmente não tomando conhecimento das
críticas de Georgescu-Roegen e continuando a focalizar o processo produtivo de forma
defeituosa, mas convenientemente simples, como se nada tivesse acontecido.

Do ponto de vista da disciplina economia do meio-ambiente, entretanto, é


importante considerar a reconstrução de Georgescu-Roegen da teoria da produção, pois ela
deixa nuas algumas das deficiências da abordagem corrente da teoria convencional das
inter-relações entre o sistema econômico e o meio-ambiente. Segue-se, pois, um exame, em
grandes linhas, da análise do processo produtivo desse autor.

2. Representação analítica do processo produtivo

Como se sabe, a teoria econômica apóia a sua análise do processo produtivo no


conceito de função de produção. Podemos definir função de produção como uma lista de
todos os processos ótimos pelo qual uma dada quantidade de um produto pode ser obtido de
cada combinação possível de fatores. Via de regra, muita combinações de fatores permitem
obter essa quantidade de produção, mas só tem interesse econômico os processos ótimos,
ou seja, processos que levem à produção máxima passível de ser obtida de uma
determinada combinação de uso de fatores de produção.

Para se obter uma lista de todos os processos ótimos, é necessário que se tenha visão
clara das categorias individuais que participam da produção. Para isto é extremamente útil a
representação analítica do processo produtivo desenvolvida por Georgescu-Roegen. Do

3
Ver, de forma especial, Georgescu-Roegen, 1969, e o capítulo IX da obra máxima do autor, The Entropy
Law and the Economic Process Georgescu-Roegen, 1971.
63

ponto de vista da análise desse autor, é fundamental que se comece estabelecendo


claramente o significado do termo processo. Vimos que um sistema pode ser decomposto
em subsistemas; ou, posto de forma diferente, um sistema, seja ele aberto ou fechado, está
inserido em um sistema maior, do qual é parte. Isso só não acontece com um sistema
isolado, cujo exemplo maior é o universo. O universo é o Todo, do qual fazem parte os
demais sistemas. E o funcionamento desse Todo envolve a operação de um imenso
processo, que também pode ser decomposto em inúmeros processos parciais, associados a
sub-sistemas.

Sistema e Processos

Vimos que, para a ciência, um sistema é um conjunto de elementos inter-


relacionados, organizado em função de um objetivo. O sistema se identifica por
características estruturais – os seus limites, seus elementos, seus reservatórios de matéria
e de energia, suas válvulas, seus amortecedores seus mecanismos de retroação (de
feedback). E por características funcionais – que têm a ver com a maneira pela qual os
fluxos de matéria e energia que são captados do meio externo, circulam no interior do
sistema, possibilitando seu funcionamento. Também tem a ver com a maneira pela qual
são devolvidos ao meio externo a matéria e a energia usados.

A um sistema, corresponde um ou mais processos. Os processos estão associados


ao funcionamento do sistema. De acordo com o Dicionário Aurélio, processo é
seguimento, curso, marcha; é sucessão de estados de mudança. Ou, como quer Georgescu-
Roegen, (1971, p. 214), “(u)m processo envolve, acima de tudo, algo acontecendo”. Os
sistemas da nossa experiência não são objetos inanimados e estáticos, e sim organizações
que tem propósitos; e esses propósitos são perseguidos com processos.

Não é comum, entretanto, ver-se estabelecida, de forma explícita, a relação entre


sistemas e processos. Von Bertalanffy (1968), por exemplo, enfatiza sistema; o termo
processo nem é parte do índice remissivo de seu General Systems Theory. Da mesma
forma, Georgescu Roegen (1971) enfatiza processo, e o índice remissivo de seu The
Entropy Law and the Economic Process não inclui o termo sistema. Mas a leitura desses
trabalhos deixa claras as conexões entre sistema e processo.

Na verdade, a ciência trabalha com subsistemas e com processos parciais porque


necessita realizar cortes em uma realidade complexa, realidade esta que tende a não
apresentar juntas ou linhas demarcatórias. Conforme argumenta Georgescu-Roegen (1971,
p. 212), na ciência a análise necessariamente avança “fazendo simplificações heróicas...”, a
primeira das quais é a “hipótese de que a realidade pode ser dividida em dois pedaços – um
representando o processo parcial [o sub-sistema] determinado pela área de estudo, e o
outro, pelo seu meio externo [o sistema maior, de que o sub-sistema é parte] (...). Desta
forma, tudo que acontece em um dado momento é parte, ou do processo [do sub-sistema],
ou do meio externo [do sistema maior].”
64

Ao analisar um sistema com os seus processos a ciência deve, pois, começar com a
delimitação da fronteira analítica entre essas duas partes; mas esta não é uma tarefa trivial.
Como o Todo não apresenta dobras ou costuras, não é fácil estabelecer onde traçar a
fronteira analítica de um processo parcial (ou, para encurtar, de um processo). E não
existindo estas marcas, pode-se cortar a realidade da maneira que se deseje. “Isso não
significa, porém, que um recorte de fronteira por mero impulso irá estabelecer um
processo que faça sentido para a ciência. A ciência já compartimentou a realidade em
campos de especialização, cada um com o seu propósito. E cada ramo da ciência traça a
fronteira do processo guiado por esse propósito.” (Georgescu-Roegen, 1971, p. 213).

Embora a análise econômica convencional também proceda assim, vimos que suas
hipóteses ambientais levam-na a considerar a economia um sistema isolado. Não surge,
pois, a necessidade de realizar um esforço mental para delimitar a fronteira analítica do
sistema econômico e para definir as relações entre esse sistema e o seu meio externo. 4 A
necessidade desses cuidados preliminares, entretanto, fica clara na representação analítica
de Georgescu-Roegen do processo produtivo. 5

O processo produtivo e a hipótese do estado estacionário

O autor começa argumentando que, quando descrevemos uma função de produção,


estamos implicitamente supondo o processo produtivo em estado estacionário – no sentido
de que seja lá o que o processo execute, isso possa ser sempre repetido.6 Ou seja, supomos
que, uma vez terminado um ciclo de execução, os elementos básicos do processo – a sua
estrutura – se mantêm inalterados, permitindo com que, no futuro, o processo possa ser
repetido da mesma maneira. Ou seja, supomos que, ao realizar a produção, o processo
também se auto-reproduz. A necessidade dessa hipótese de estado estacionário decorre do
fato de que, sem ela, ao final de cada ciclo de realização de uma determinada produção
teríamos não apenas o produto, mas também a estrutura do processo produtivo
transformada pelo desgaste de máquinas e pelo cansaço de trabalhadores.

Entretanto pode parecer que, se a produção é vista como processo em estado


estacionário, fica afastada a possibilidade do crescimento econômico; como se sabe, este
envolve, em essência, mudanças na estrutura do processo produtivo. Entretanto, a hipótese
da ausência de tais mudanças é adotada apenas para que se tenha análise coerente do
processo produtivo. Ela não significando que o crescimento deva ser ignorado. Na verdade,
Georgescu-Roegen examina o crescimento a luz da análise de processos. Ressalta, por
exemplo, que os “processos econômicos, mesmo em estado estacionário, são colocados em

4
Como se pode ver na Parte III deste volume, a economia ambiental neoclássica mudou essa concepção;
entretanto, mesmo este ramo da análise econômica ainda considera o meio-ambiente neutro, passivo; desta
forma, também não se preocupou em delinear, com mais precisão, a fronteira analítica do sistema econômico.
5
Ver Georgescu-Roegen, 1969, 1971 (cap. IX), e 1977.
6
Georgescu-Roegen, 1971, p. 229 conceitua um sistema estacionário como um sistema que, seja lá o que ele
faça, possa ser repetido identicamente vez após vez. Para ilustrar um sistema em estado estacionário o autor
cita o modelo de reprodução simples de Marx.
65

funcionamento e mantidos desta forma pelo homem. E mais, tanto quanto as mercadorias,
os processos econômicos são produzidos.” Para que possamos entender o crescimento
econômico, é essencial, assim, considerar a produção de processos. “Desde que a evolução
da humanidade atingiu a fase em que o homem usa mercadorias para produzir
mercadorias, a produção de mais mercadorias teve que ser precedida pela produção de
processos adicionais. E, a produção de um processo implica no uso de mercadorias já
existentes. Numa visão terra a terra, a produção de processos adicionais consiste no
investimento, e a poupança é a alocação de mercadorias já existentes a essa produção.”
(Georgescu-Roegen, 1971, p. 269).

O processo produtivo e o tempo.

A hipótese do estado estacionário é fundamental na abordagem de Georgescu-


Roegen do processo de produção. Não se deve concluir, entretanto, que a variável ‘tempo’
não tem nenhum papel na análise. O processo de produção tem uma dimensão temporal,
que decorre do fato de que leva tempo para que a produção se efetive. Esta ocorre ao longo
de um intervalo de tempo [0,T], sendo o momento 0 o instante em que o processo começa a
ser executado, e T o instante em que a produção se completa; o processo não existe antes de
0, e nem depois de T. Além disso, com exceção da produção em linha na indústria (ver
adiante), os insumos não penetram a fronteira do processo todos juntos e atuam
continuamente ao longo de sua realização. Há muitos casos em que a produção não ocorre
de forma instantânea – exemplos importantes estão na agricultura, na produção por
encomenda (inclusive de equipamento sofisticado com especificações especiais), na
construção civil (via de regra); e isto também acontece na produção artesanal. Nesses casos,
é fundamental estabelecer nitidamente o padrão temporal da participação dos insumos na
realização da produção.

O papel do tempo na análise do processo produtivo é examinado em maior detalhe


adiante. É necessário, antes, caracterizar melhor os elementos que compõem o processo.

Os fatores de produção na abordagem de Georgescu-Roegen.

O autor começa caracterizando com especial cuidado – o que tende a não acontecer
nas abordagens da economia convencional – os elementos básicos do processo produtivo:
os fatores de produção. Em essência, estes se apresentam em duas categorias:

● A dos fatores de fundo. Esses fatores constituem a base material do processo. São
os agentes do processo, os elementos que prestam serviços na transformação de insumos
em produtos.

● A dos fatores de fluxo, compreendendo os elementos empregados no processo


produtivo, ou seja, a energia, os materiais, os componentes transformados em produto ao
longo do processo. Observando este, vemos a atuação dos fatores de fundo sobre os fatores
de fluxo, transformando-os em produtos.
66

As coordenadas de fundo do processo produtivo tendem a ser classificadas segundo


sua natureza ou seu papel no processo. Com base na tipologia introduzida pelos
economistas clássicos, Georgescu-Roegen sugere as seguintes categorias:

L = Terra ricardiana;
K = Capital (máquinas, equipamentos, ferramentas, construções);
H = Força de trabalho.

Um aspecto fundamental dessa categoria de fatores de produção – aspecto este que a


teoria da produção convencional não explicita – está no fato de que no processo de
produção nenhum dos fatores de fundo se incorpora, fisicamente, ao produto. Todos eles
atuam prestando serviços fundamentais para a geração de produtos. A terra ricardiana – o
espaço físico no qual se realiza a produção – embora inerte, presta serviços fundamentais
em todo o processo de produção. Na agricultura, por exemplo, ...“de forma semelhante a
uma rede que, mesmo mantida inerte no mar, captura peixes, a terra ricardiana captura a
chuva e, acima de tudo, a radiação solar”. (Georgescu-Roegen, 1971, p. 232).7 E sabemos
que, sem esta última, não pode haver produção agrícola. Da mesma forma, a terra
ricardiana – o espaço físico – onde se localiza uma fábrica também é inerte, mas sem ela a
fábrica não pode existir.

O fator de fundo capital é outro agente de transformação de insumos em produtos; e


ele também não se incorpora ao produto. Conforme ressalta Georgescu-Roegen (1971), a
agulha de um alfaiate é implemento importante na produção de uma calça, mas ela não se
incorpora à calça; na verdade, se o consumidor encontrar uma agulha enfiada na calça, este
evento será tratado como um incidente lamentável. As máquinas e os equipamentos atuam
sobre fatores de fundo, prestando serviços na sua transformação em produtos; e é evidente,
que não se incorporam a estes.

O mesmo pode ser dito em relação ao fator de fundo força de trabalho. Como
mostra Georgescu-Roegen, na análise de Marx o trabalhador é claramente um fator de
fundo: para Marx, a força de trabalho compreende o conjunto de habilidades físicas e
mentais existentes em um trabalhador, que este exercita quando produz valor de uso de
qualquer tipo.8 O papel do trabalhador no processo produtivo é o de prestar serviços na
transformação de insumos em produtos; nenhuma parte dele deve se incorporar à produção.
Se, em uma ocasião, isso vier a acontecer teremos, outra vez, um incidente lamentável,
como bem ilustra a situação em que um fio de cabelo do cozinheiro é encontrado no prato
de sopa do cliente de um restaurante. O papel do cozinheiro é o de prestar serviços na
transformação de ingredientes na sopa, mas, dentre esses ingrediente certamente não se
incluem partes do corpo do trabalhador.

7
A terra agrícola é, na verdade, um complexo no qual se une o aspecto de espaço físico fundamental para
conter as plantas, captar a chuva e a radiação solar, e um repositório de insumos – ou seja, de fatores de fluxo
– que se incorporam como nutrientes às plantas cultivadas. Note-se que o espaço físico onde se realiza a
produção agrícola não se incorpora às plantas; são os nutrientes que a terra contem que se incorporam a estas.
Por isto estes últimos precisam ser repostos, mediante o uso de fertilizantes, senão a produção acaba se
inviabilizando. É importante se ter em mente esse papel duplo da terra agrícola.
8
Conforme Marx, Capital, vol. I, p. 186, apud de Georgescu-Roegen, 1971, p. 233.
67

Os fatores de fundo prestam serviços na transformação das seguintes categorias de


fatores de fluxo:

R = Insumos da natureza;
I = Insumos correntes (produzidos);
M = Manutenção.

O fator de fluxo R compreende os insumos fornecidos pela natureza: a energia


solar, as chuvas, o petróleo e o carvão no sub-solo, os nutrientes contidos nos solos
agrícolas, etc. Já ressaltamos a natureza complexa dos solos na produção agrícola. Ao
contrário do aspecto de ‘terra ricardiana’ do solo agrícola que, em princípio, não se altera
com a realização da produção,9 os nutrientes dos solos agrícolas são retirados destes pelas
plantas, incorporando-se a elas. Por essa razão, uma agricultura que se sustente requer a
reposição de nutrientes, com o emprego de fertilizantes.

Os fatores de fluxo I compreendem, por sua vez, insumos materiais que


normalmente são transformados, pelo processo produtivo, e que se originam de outros
processos de produção; por exemplo, as tabuas de madeira usadas por uma fábrica de
móveis; o aço usado por montadora de automóveis; o petróleo extraído para ser processado
por uma refinaria, os fertilizantes químicos empregados na agricultura.

Finalmente, a categoria dos insumos de manutenção, M, compreende os fluxos de


insumos necessários para deixar o equipamento usado na produção intacto; envolve peças
de reposição desse equipamento, lubrificantes, o cimento e a tinta usados em concertos de
prédios e instalações, etc. Parece estranho que a abordagem de Georgescu-Roegen não
inclua a reposição do fundo da força de trabalho, que também sofre desgastes (que se
cansa) ao longo do processo produtivo. O autor reconhece que, como ressaltou Engels, a
força de trabalho requer uma determinada quantidade de meios para a sua própria
subsistência e para a de sua família. A capacidade do trabalhador de produzir não
desaparece ao longo de uma jornada de trabalho, mas, para que permaneça intacta, requer
que parte do salário (ou todo ele) custeie a recuperação dessa capacidade, geralmente fora
das horas de trabalho, âmbito do lar. Entretanto, é extremamente difícil mensurar de forma
minimamente precisa os elementos do fluxo de manutenção da força de trabalho. Por esta
razão, a representação de Georgescu-Roegen do processo produtivo não inclui o a
‘manutenção’ da força de trabalho. Presume-se, meramente, que esta seja incorporada no
salário do trabalhador e que ocorra fora do local da produção.

Os fatores de fundo e de fluxo são os agentes e insumos do processo produtivo. Eles


penetram a sua fronteira ao longo do intervalo de tempo [0,T] em que se realiza o processo,
participando da produção. Mas, o que deixa a fronteira do processo? Sem dúvida, isto
acontece com os fatores de fundo – os agentes do processo. Mas, adicionalmente, deixam o
processo dois outros fluxos:

9
O solo como agente ricardiano pode, entretanto, ser alterado por práticas agrícolas inadequadas. Isso
acontece, por exemplo, se tais práticas promoverem erosão extrema, com a formação de voçorocas que
impossibilitem o cultivo.
68

Q = Produtos;
W = Resíduos; rejeitos; poluição.

A teoria convencional da produção considera que, ao término do processo, apenas


Q, a produção, deixe a sua fronteira do processo. Ignora, assim, o fluxo que
invariavelmente também emana do processo produtivo – e sem exceções: o fluxo de
resíduos, de rejeitos, de poluição, W. Em alguns casos há poucos resíduos, mas em muitos
outros eles podem ser consideráveis. Vimos, mesmo, que a geração de resíduos pelo
sistema econômico está no âmago da questão ambiental dos nossos dias. Eles decorrem do
funcionamento de duas leis da natureza: a lei da conservação da matéria e da energia, e a lei
da entropia. E estas não podem ser revogadas, por mais avançada que sejam as nossas
tecnologias. É um absurdo, assim, conforme ressalta Georgescu-Roegen, ignorar esse fluxo
fundamental.

Descrição do processo de produção

Vimos que, para a representação analítica de um dado processo de produção, é


fundamental que se estabeleçam com cuidado as suas fronteiras, e suas coordenadas
temporais. Examinando a operação de um determinado processo de produção, verificamos
que as categorias de fundo ingressam no processo no momento 0, participam das
transformações, e deixam o processo no momento T. Vimos, também, que a análise requer
que, quando termine a produção, esses fatores de fundo deixem o processo da mesma
forma como entraram. Georgescu-Roegen (1971, p. 228-29) reconhece que esta é uma
hipótese forte; estritamente falando, é como se no processo produtivo o trabalhador não se
cansasse e as máquinas não se desgastassem. Fica parecendo que os fatores de fundo são
imunes à lei da entropia, não sofrendo degradação. Mas essa hipótese não pode ser evitada.
Para torná-la aceitável, considera-se que os fatores de fundo são mantidos constantes pelo
próprio processo de produção, com a participação de fluxos oriundos de outros processos –
os fluxos de manutenção, indicados acima.

Vimos que os fatores de fundo participam do processo produtivo sem se integrar ao


produto. Entretanto, ao longo da operação do processo, o uso dos serviços desses serviços
na transformação dos fatores de fluxo em produto variam, de acordo com as necessidades
de cada etapa do processo. Há momentos em que um determinado fator de fundo
permanece ocioso, mas há outros em que é intensamente utilizado. Ao produzir um móvel,
por exemplo, um marceneiro usa sua serra em alguns momentos, mas em outros esta fica
ociosa. E o mesmo acontece com outras ferramentas que usa na produção. Um outro
exemplo vem da produção agrícola; na produção de cereais, a colheitadeira, que fica ociosa
em boa parte da duração da produção, tem seus serviços intensamente requeridos na época
da colheita. Há, pois, um padrão temporal dos serviços dos fatores de fundo prestados à
produção, que deve ser considerado.

Tendo em vista os elementos acima discutidos, um catálogo de todos os processos


parciais ótimos para a produção de um dado produto está contido em fórmula do seguinte
tipo:
69

Q(t) = F{L(t), K(t), H(t); R(t), I(t), M(t), W(t)}

Essa relação é, no jargão matemático, uma funcional, ou seja, uma função que
relaciona a variável dependente (a produção) a outras funções; note-se que todas as
variáveis contidas em F{•} são função do tempo.

A análise de Georgescu-Roegen contrasta com a representação da teoria da


produção convencional, difundida nos livros texto. O problema é que a representação
convencional é feita sem que se caracterize adequadamente o processo analisado. Conforme
ressalta Georgescu-Roegen (1969, p. 499), nos primórdios do desenvolvimento da teoria da
produção os economistas ainda se preocupavam em discutir, por exemplo, a natureza dos
fatores de produção, mas, quando se inventou o termo ‘insumo’, eles deixaram de lado esse
tipo de discussão e passaram a tratar todos os fatores de produção como de natureza
semelhante.

Assim, encontramos, mais recentemente, dois tipos de conceituação de função de


produção: a popularizada por Boulding, e a tornada corrente por Stigler.(Georgescu-
Roegen, (1969, seção II; e 1971, p. 234-36). A função de produção de Boulding é do tipo
receita de bolo: um tanto do insumo X, mais outras quantidades dos insumos Y e X, mais a
aplicação de calor por tantas horas resulta em uma certa quantidade de produção Q. A
função de transformação básica de uma empresa – a sua função de produção – mostraria
que quantidades de insumos se transformariam que quantidades de produto. Ou seja:

Q = F(X, Y, Z, ...) .

A função de produção de Stigler estabelece uma relação entre insumos do processo


produtivo por unidade de tempo e a produção por ele possibilitada por unidade de tempo.
Ou seja:

q = f(x, y, z, ...).

Essas formas de representar uma função de produção são freqüentemente


consideradas equivalentes. Entretanto, conforme demonstra Georgescu-Roegen, (1969),
isso só seria verdadeiro se o processo produtivo pudesse ser sempre descrito por função de
produção linearmente homogênea. Se isso fosse verdade, entretanto, a produção seria
necessariamente indiferente à escala, o que é absurdo do ponto de vista de generalização
empírica.

Examinando-se os livros texto de microeconomia recentes, observa-se o mesmo


tratamento superficial e descuidado do processo produtivo. Neles tende a prevalecer a
abordagem de Stigler, em que q = f(x, y, z, ...), e muito pouco é dito sobre a natureza de q, e
especialmente dos insumos x, y, z, ... . A descrição da relação descrita pela função de
produção é feita de passagem, os autores tendem a voltar mais sua atenção para as suas
propriedades estruturais, como a convexidade de isoquantas ou as leis de retorno à escala.

Georgescu-Roegen ressalta a óbvia diferença entre a sua representação –


conceitualmente bem mais rigorosa – e a da teoria da produção convencional. O autor
70

demonstra que a sua representação só se aproxima da comumente adotada pela análise


convencional em um caso especial: o da produção manufatureira em linha; ou seja, quando
é possível arranjar todos os fatores de fundo em linha, fazendo-os prestar serviços continua
e ininterruptamente na transformação dos fatores de fluxo. É o que se observa nas linhas de
montagem, comuns na indústria automobilística. A produção agrícola, entretanto, não se
enquadra nesse molde, e nem os diversos tipos de produção por encomenda, na qual uma
unidade de produto é diferente de outras produzidas pela empresa.

Estoques e fundos: uma diferenciação fundamental

São de domínio comum, pelo menos entre economistas, as diferenças analíticas


entre estoques e fluxos. Um estoque é uma quantidade de alguma coisa que se acumulou, e
que se refere a um dado ponto do tempo. E esse estoque é alterado por fluxos de entrada e
de saída dos elementos que o compõem. O estoque de mercadorias de uma loja, por
exemplo, se refere a uma determinada data; e esse estoque é modificado entre esta data e
uma outra, por fluxos de entrada e de saída de mercadorias. Assim, ao longo do tempo, um
estoque pode aumentar ou sofrer reduções, dependendo das magnitudes dos fluxos de
entradas e de saídas dos componentes do estoque. Se, entre dois momentos do tempo, as
entradas forem maiores que as saídas, haverá acúmulo de estoque; se forem menores, o
estoque terá sofrido decréscimo.

Isso pode parecer elementar. Mas se dissermos, por exemplo, que o estoque do
fundo de capital fixo de um país aumentou entre dois anos? Será correto, em face à
distinção acima entre fatores de fundo e fatores de fluxo, caracterizar o capital, estritamente
falando, como estoque? Tratando desses pontos, Georgescu-Roegen (1971, p. 225-28)
concorda que uma unidade de equipamento de uma empresa é um estoque, e que o mesmo
pode ser dito a respeito da totalidade das máquinas, equipamentos e construções de um país
em uma determinada data, computada pelo seu sistema de contas nacionais. Medida em
termos monetários, esta é uma expressão do estoque de capital fixo desse país. Entretanto, o
sentido do termo ‘estoque’ nesses dois casos é totalmente diferente do empregado quando
nos referimos a um estoque de uma certa matéria prima usada por uma empresa; ou, ainda –
tendo, outra vez, em vista as contas nacionais de um país – quando nos referimos à variação
de estoques, um item da conta capital, ao longo de um ano. Como diferem esses dois
sentidos da expressão ‘estoque’?

Na verdade, a maioria dos economistas trata os dois componentes da conta capital


como uma única coisa – como o estoque de capital do país. Mas isso não é estritamente
correto, pois a natureza básica desses dois componentes é muito diferente. O que distingue
os dois sentidos da expressão ‘estoque’, é o fato de que, enquanto um estoque carvão é
fisicamente ‘consumido’ quando de seu uso na alimentação da fornalha de uma máquina a
vapor, uma máquina em uso numa fábrica representa, por assim dizer, um estoque dos
serviços que a máquina pode prestar na produção. Mas – sempre supondo que hajam fluxos
de manutenção adequados – a prestação desses serviços pela máquina não a consome, pelo
menos não da mesma forma como o que acontece com o uso do carvão. Foi para diferenciar
os estoques de matérias primas e componentes em um processo produtivo dos estoques de
fatores de fundo usados no processo que Georgescu-Roegen (1969, p. 512), inspirado no
fisiocrata Jean Baptiste Say, denominou esses últimos ‘estoques’, fundos de serviços.
71

Elaborando a distinção, imaginemos o estoque de uma dada matéria prima que uma
empresa emprega na sua produção, que se acumule ao longo de um intervalo de tempo; isso
ocorre pela adição concreta de quantidades físicas da matéria prima. No período, entra uma
quantidade da matéria prima que excede às retiradas do estoque para uso. No caso do
estoque denominado de ‘fundo’ isto não ocorre. Conforme ressalta Georgescu-Roegen
(1971, p. 227), “uma máquina não é criada pela acumulação dos serviços que ela fornece
como um fundo: ela não é obtida pela acumulação de quantidades de serviços, uma após
outra, da mesma forma como estocamos em um depósito provisões para o inverno.
Serviços não podem ser acumulados de forma semelhante aos dólares em uma conta de
poupança, ou aos selos em uma coleção.” Além disso, a existência de um dado fundo de
serviços – como o equipamento de uma empresa, ou o capital fixo de um país – torna
disponíveis serviços ao processo de transformação de insumos em produtos; e, em um dado
período, só há duas alternativas para esses serviços: ou estes são usados, ou são
desperdiçados – é o que acontece com parte do capital fixo de uma economia em recessão.
Nesta há desperdício desses serviços porque não dá para ‘guardar’ para futuro uso os
serviços não utilizados; se no período seguinte a demanda se aquece e a capacidade
produtiva não for suficiente para atendê-la, não é possível usar, em adição à capacidade
produtiva existente naquele momento, a parte do potencial produtivo não utilizado do fundo
durante a fase recessiva – nesta, parte do potencial foi desperdiçado.

Pode parecer um preciosismo essa distinção entre estoque e fundo no contexto da


teoria da produção, mas, como veremos da discussão da sustentabilidade, ela tem
importantes implicações, especialmente no tratamento da relação entre o capital natural e o
capital produzido. A simplificação feita pela teoria da produção convencional origina
visões otimistas equivocadas da sustentabilidade do atual sistema econômico.

3. A abordagem de Georgescu-Roegen e a da teoria da produção convencional.

A discussão acima nos permite concluir que a conceituação convencional de função


de produção esconde aspectos essenciais do processo produtivo. Trata-se, porém, de
conceituação conveniente, pois permite o uso do cálculo matemático para derivar uma série
de proposições sobre o processo produtivo. Acontece que no caso da funcional de
Georgescu-Roegen, isso não é possível. Na verdade, adotando a abordagem mais completa
e rigorosa desse autor, tornam-se sem sentido as aplicações empíricas de estimação
econométrica de funções de produção. Georgescu-Roegen mostra que no caso da funcional,
carece de sentido falar de elasticidade de substituição entre capital homogêneo e trabalho
homogêneo, ou determinar produtividades físicas marginais e funções de demanda por
fatores de produção. Para o autor, “os teoremas que adornam a teoria marginalista da
determinação de preços são, em última instância, ornamentos analíticos enganosos. Na
verdade, para que possamos explicar a resposta da produção a mudanças de preços de
insumos [na maioria dos casos], não são necessários nem a substitutabilidade, nem a
produtividade física marginal dos neoclássicos. (...) Funções custo são os únicos elementos
que contam em tais problemas.” Para o autor, com a análise mais rigorosa do processo
produtivo, o único papel de funções de produção é o de tornar possível determinar quais os
fatores de produção que participam de um dado processo produtivo e em que quantidades,
para com isto então compor o custo de produção. Nas funções custo que Georgescu-Roegen
72

propõem – que, incidentalmente, não são as mesmas da abordagem convencional – as


diferenças qualitativas entre fatores submergem na entidade homogênea, moeda.

Mesmo se deixarmos de lado as preocupações com relação à essência da função de


produção convencional – ou seja, mesmo aceitando a representação da função de produção
convencional – a análise de Georgescu-Roegen do processo produtivo indica que, mesmo
assim, esta conduz a consideráveis distorções em termos da análise das relações entre o
sistema econômico, no âmbito do qual se realiza a produção, e o meio-ambiente. Para
ilustrar inadequações da conceituação convencional do processo produtivo, seguem-se dois
exemplos, tirados do ramo da economia do meio-ambiente que emanou da teoria
econômica dominante.

• Vimos que a teoria da produção convencional simplesmente ignora os resíduos,


W, do processo produtivo. Focaliza basicamente fluxos de insumos – todos de natureza
essencialmente semelhante – ingressando no processo produtivo, do qual saem apenas
fluxos de produtos; e isto sem que se tenham originado fluxos de resíduos. Por que, pois, a
preocupação com a poluição? Entretanto, quando a realidade forçou o ramo da economia
convencional – a economia ambiental neoclássica – a considerar a poluição como
fenômeno inerente ao processo produtivo, esta acabou sendo tratada de forma
absolutamente peculiar: como veremos na Parte III, de um subproduto do processo
produtivo, a poluição foi transformada em insumo, com produto marginal e tudo!10

• Para teoria econômica dominante (a economia ambiental neoclássica), a natureza


dos recursos ambientais não difere substancialmente da de outros recursos produtivos. É
como se aqueles pudessem ser alocados eficientemente pelo mercado, de forma idêntica,
por exemplo, a dos recursos produzidos. Assim, se, com a ampliação da escala da
economia, aumentar a escassez de um dado recurso fornecido pelo meio-ambiente, seu
preço subirá; e, em conseqüência desse aumento de preço, ocorrerá a substituição do
recurso ambiental por outros recursos, mais abundantes e mais baratos. Como a abordagem
convencional se apóia no fetichismo dos fluxos, não é feita a distinção entre os fatores de
fundo e os fatores de fluxo transformados por aqueles. Todos os fatores de produção são
considerados de natureza essencialmente semelhante e, assim, conclui-se que essa
substituição entre eles quase não tem limites. Basta, pois, que mercados funcionem
adequadamente.

Ou seja, com base na função de produção convencional somos levados a crer que
recursos naturais podem ser facilmente substituídos pelo capital e/ou pelo trabalho. Tendo-
se em conta, porém, a natureza fundamentalmente diferente do fluxo R, de recursos
naturais, e dos fundos de capital (K) e de força de trabalho (H), surgem dúvidas sobre a
extensão dessa substitutabilidade entre esses fatores. Esta existe, mas está longe de ser
ilimitada. Esse ponto será desenvolvido em maior detalhe na discussão da sustentabilidade,
do próximo capítulo.

10
Ver, por exemplo, Fisher, 1981, Cap. 6.
Capítulo 5. Sustentabilidade, Capital Natural e Capital Produzido

Um dos objetos de análise de correntes de pensamento da economia do meio-


ambiente tem, sem dúvida, a ver com o impacto sobre o futuro do funcionamento do
sistema econômico contemporâneo. A postura de uma dada corrente de pensamento a
respeito pode tanto ser de crítica como defensiva; ela pode tanto atacar o atual padrão de
crescimento econômico em termos de sua sustentabilidade, como pode defendê-lo. Mas
nenhuma abordagem de economia do meio-ambiente pode ignorar a questão, pois vem
sendo colocada em dúvida a capacidade do meio-ambiente de absorver sem maiores
problemas um sistema econômico de escala cada vez maior. Assim é que, após o exame dos
capítulos anteriores dos elementos de uma abordagem sistêmica da economia do meio-
ambiente e dos fundamentos da teoria da produção,1 é importante realizar um esforço de
tratar com alguma objetividade a questão da sustentabilidade do atual padrão de
funcionamento da economia mundial na perspectiva da análise econômica. É o que se faz a
seguir.

1. A noção de desenvolvimento sustentável

A dedada de 1970 se notabilizou por um extremado pessimismo no que tange aos


impactos do sistema econômico sobre o meio-ambiente. Esse pessimismo se assentou sobre
fatos como: a crise do petróleo e o receio de que estivesse se esgotando um recurso
energético básico; a poluição então quase insuportável nas grandes núcleos urbano-
industriais do primeiro mundo; e uma maior percepção da parte da opinião pública da
agressão que a humanidade vinha impondo sobre o ecossistema global. Além disso,
surgiram avaliações altamente pessimistas sobre o futuro da humanidade, como a do Clube
de Roma (Meadows et al.,1972) que, em boa medida, marcaram o clima de opinião da
Conferência de Estocolmo das Nações Unidas. Acabou crescendo e predominando a
percepção da necessidade de se enfrentar decisivamente os problemas ambientais.

O pessimismo extremado da década de 1970, entretanto, não perdurou. Na década


seguinte surgiram avaliações mais cuidadosas e menos emocionais; dentre estas, merece
destaque a iniciativa de 1983 da Assembléia Geral das Nações Unidas, instituindo a
Comissão Mundial do Meio-Ambiente e Desenvolvimento (CMMD), com o objetivo de
realizar um exame em profundidade da questão ambiental e de sugerir estratégias de
implementação, em todo o planeta, de um desenvolvimento que fosse, não apenas mais
justo do ponto de vista da repartição dos ganhos crescimento na geração presente, mas que
também que evitasse degradar de forma insuportável o meio-ambiente, deixando, assim,
espaço para as gerações futuras. Em outras palavras, coube à Comissão conceber formas de
compatibilizar o crescimento com a preservação ambiental.

1
A produção é enfatizada por se tratar de atividade fundamental para o funcionamento da economia; e ela
depende de recursos ambientais e tem impactos significativos sobre o meio-ambiente.
74

Foi este o contexto que levou à popularização da noção de desenvolvimento


sustentável, conforme esboçada no relatório da Comissão, o Our Common Future. Ali se lê
(CMMD, 1987, p. 43) que:

"Desenvolvimento sustentável é o desenvolvimento que garante o atendimento das


necessidades do presente sem comprometer a capacidade das gerações futuras de
atender suas necessidades. Engloba dois conceitos-chave:

.o conceito de necessidades, em particular as necessidades básicas dos pobres de


todo o mundo, aos quais se deve dar absoluta prioridade; e,

.o conceito de limitações, impostas pelo estado da tecnologia e pela organização


social, à capacidade do meio-ambiente de assegurar sejam atendidas as necessidades
presentes e futuras.”

O relatório da Comissão passa ao leitor a idéia de que, a despeito dos consideráveis


obstáculos no caminho do desenvolvimento sustentável, ainda é possível implementá-lo. As
limitações – não só as esboçadas no parágrafo anterior, como também as decorrentes do
estado dos recursos ambientais do nosso globo e da capacidade da biosfera de absorver os
impactos da atividade humana – seriam passíveis de superação, “abrindo caminho a nova
era de crescimento econômico" (CMMD, 1987, p.8). Isto a despeito do fato de que o
conceito de desenvolvimento sustentável da Comissão também demandar o atendimento
das necessidades básicas dos pobres de todo o mundo; é preciso ter-se em mente que,
conforme vimos na Parte I, acima, por si só esta já é uma exigência formidável. Ninguém
duvida que, para que seja cumprida será necessário um grande esforço internacional. E esse
esforço terá que ser ainda maior se também prevalecer o requerimento do não
comprometimento da capacidade das gerações futuras de atender suas necessidades.

A noção de desenvolvimento sustentável foi popularizada pelo relatório da CMMD


(1987). Entretanto, começou-se a usá-la, em vários sentidos, já no início da década de 1980.
(Lélé, 1991, p. 610). Costuma ser mencionado como um marco nesse sentido, a
conceituação de sustentabilidade do documento ‘Estratégia Mundial para a Conservação’
(EMC), divulgado pela União Internacional da Conservação da Natureza (IUCN, 1980); 2
trata-se do resultado de um esforço conjunto da IUCN, do Programa das Nações Unidas
para o Meio-Ambiente (PNUMA) e do Fundo Mundial para a Natureza (WWF). Mas, a
despeito de identificar o desenvolvimento sustentável como um objetivo fundamental, a
abordagem do EMC é, basicamente, conservacionista – a sua preocupação se volta
principalmente aos impactos antrópicos sobre todos os seres vivos.

Ou seja, tendo em vista a análise do Capitulo 4 da inter-relação entre o sistema


econômico e o ecossistema global, o foco de atenção do EMC é, basicamente, este último
sistema, embora ressalte que está no funcionamento do sistema econômico a origem dos
principais problemas que atualmente afetam o ecossistema global. Conclui que esta atuação
2
International Union for the Conservation of Nature and Natural Resources, World conservation strategy:
living resource conservation for sustainable development. IUCN-UNEP-WWF. Gland, Switzerland, 1980.
75

deve ser rapidamente disciplinada, para que seres vivos como um todo possam ter
condições de sobreviver no futuro. O seu enfoque é biocêntrico. O enfoque do Our
Common Future, em contraste, não está voltado à preservação da natureza, mas sim ao
funcionamento do sistema econômico. A economia é vista como dependendo
fundamentalmente de recursos naturais fornecidos pelo ecossistema global, bem como da
capacidade deste de suportar a agressão espacial promovida pela humanidade e de assimilar
os resíduos, a poluição, resultante dos processos de produção e de consumo. E a questão
central que o relatório da CMMD coloca é: pode se sustentar esse padrão de funcionamento
do sistema econômico?

O prisma econocêntrica do relatório transparece nitidamente na seguinte frase:

“A satisfação das necessidades humanas é o objetivo máximo do desenvolvimento...


O desenvolvimento sustentável requer que as necessidades básicas de todos sejam
atendidas e que sejam estendidas a todos a oportunidade de satisfazer suas aspirações por
um vida melhor.” (CMMD, 1987, p. 43-4)

E por ‘todos’, a Comissão se refere aos seres humanos – não só os da atual geração,
como também os que virão em um futuro, que deve se estender por muito tempo. Ao
enfatizar a satisfação de aspirações e desejos humanos, bem como a necessidade de
conservar a base material para tornar isso possível, a abordagem do relatório da Comissão
não só é antropocêntrica, como, antes de tudo, é econocêntrica.3 O foco central do relatório
é o bem estar presente e futuro da humanidade, embora reconheça que este depende de um
manejo adequado da natureza, e assim, dos outros seres vivos. Ou seja, a inter-relação entre
os dois sistemas é vista a partir do prisma do sistema econômico, ou melhor, de um sistema
social, do qual a economia é um subsistema fundamental. Mas, para que essa inter-relação
continue sem sobressaltos, é necessário evitar desestabilizar o ecossistema global. Esta é a
essência da sustentabilidade.

Entretanto, o que representa, o desenvolvimento sustentável? Visto de uma forma


muito geral, trata-se, sem dúvida, de conceito de amplo conteúdo intuitivo. Conforme
assinalam Faber et al., 1998, parafraseando frase de Santo Agostinho, “Eu sei muito bem o
que isso significa, desde que ninguém me pergunte”.4 Trata-se, sem dúvida, de conceito
extremamente vago, o que, aliás, pode estar na origem de tal apelo intuitivo.

Mas, o que, na verdade, se deseja sustentar? Uma natureza intocada? Defender isto
pode ser muito nobre, mas totalmente irrealista. Como fazer isto e ao mesmo tempo
assegurar a satisfação de aspirações e desejos humanos? Será factível esse objetivo? Até

3
É antropocêntrica a abordagem que coloca o ser humano no centro das atenções. É econocêntrica a
abordagem que tem no funcionamento do sistema econômico o foco central das atenções.
4
Santo Agostinho se referia, nas suas Confissões, à dificuldade de explicar o sentido de ‘tempo’, embora
todos tenham idéia do que significa. Na frase citada, Faber e seus co-autores substituíram ‘tempo’ por
‘desenvolvimento sustentável’.
Faber, Malte, Reiner Manstetten e John Proops, Ecológical Economics – Concepts and Methods.
Cheltenham, UK, Edward Elgar, 1998.
76

que ponto, num prazo muito longo, isso poderá ocorrer sem que se esgotem recursos
naturais básicos e sem que haja mudanças drásticas na atual estabilidade longe do equilíbrio
do ecossistema global?

Esboçamos, a seguir a maneira como os economistas vem tratando destas questões.

Uma abordagem fortemente econocêntrica: a análise de Robert Solow.

A partir do início da década de 1970, o Prêmio Nobel Robert Solow, um expoente


da análise econômica convencional, com grandes contribuições à teoria do capital, do
crescimento econômicos e, mais recentemente, dos recursos naturais, encarou de frente a
essas questões. Segundo esse autor, (Solow, 1992, p. 7), “se ‘sustentabilidade’ tiver que ser
algo além de um ‘slogan’ ou mera declaração emotiva, a expressão deve ser uma injunção
para a preservação da capacidade produtiva por todo o tempo”. Na verdade, é isto que
indica a definição da CMMD; Solow reconhece que esta definição – como também a sua –
é vaga, mas considera este é um atributo necessário.5

Vale a pena explorar um pouco mais a visão desse autor. Ao defender por que
considera errado tentar tornar mais preciso o conceito de desenvolvimento sustentável, ele
parte da premissa básica de um forte compromisso ético da humanidade com as gerações
futuras. Aceitando esta premissa, o que o conceito nos manda fazer é evitar executar ações
que tenham efeitos detrimentais sobre os nossos descendentes – não apenas os mais diretos,
mas também os situados em um futuro mais distante. Argumenta que uma conceituação
mais precisa de desenvolvimento sustentável talvez nos obrigasse a fazer algo que não seja
possível – como, por exemplo, deixar aos nossos descendentes uma natureza intocada, um
mundo exatamente igual ao que recebemos dos nossos antepassados. Isto é, obviamente,
impossível; e sendo impossível, uma conceituação de sustentabilidade assentada nessa
exigência nos desobrigaria a atuar visando implementá-la na prática. Isto porque ninguém
pode ser moralmente obrigado a fazer o que não é possível. No máximo, o que podemos
exigir de nós mesmos é que atuemos visando a sustentabilidade conceituada de outra forma
– a de deixar para as gerações futuras a possibilidade de ter níveis de bem-estar pelo menos
iguais aos nossos hoje. Colocado de outra forma, o desenvolvimento sustentável deve ser
encarado como um mandamento para que o nosso atual padrão de vida não seja conseguido
às custas de um empobrecimento das gerações futuras.

Solow (1991) argumenta que, para se dar maior precisão ao conceito de


desenvolvimento sustentável seria necessário que conhecêssemos com alguma certeza os
gostos e preferências – elementos fundamentais para se dizer algo sobre padrões de vida e
níveis de bem estar – das gerações futuras, mesmo aquelas que virão daqui a muito tempo
(digamos, daqui a mais de um século). Além disso, teríamos que ter uma idéia mais ou
menos segura a respeito das opções tecnológicas que serão criadas ao longo desse horizonte
temporal tão extenso. Não é razoável, entretanto, que se possa antecipar com um mínimo de
precisão esses elementos.

5
Palestra apresentada por Robert Solow aos ambientalistas do Marine Policy Center do Woods Hole
Oceanographic Institution, Woods Hole, Massashussetts, em 14 de junho de 1991.
77

Por isso, segundo o autor, o conceito de desenvolvimento sustentável deve


permanecer vago. O que ele requer de nós é que restrinjamos os impactos ambientais que
produzimos, para não inviabilizar a possibilidade das gerações futuras de usufruir níveis de
bem estar no mínimo iguais aos nossos. Mas, ao avaliar isto, não devemos apenas
considerar os recursos naturais que usamos e os que deixamos para o futuro; e o tipo de
meio-ambiente natural que existe agora e que deixaremos para trás, mas também aquilo que
construímos com a contribuição de recursos ambientais: as máquinas e equipamento e as
edificações que acumulamos em nossas economias. Devemos, também considerar o
desenvolvimento tecnológico que iremos gerar a partir do conhecimento que a humanidade
vem acumulando. Para o autor, é óbvio que na determinação de níveis de bem-estar social,
não pesam apenas as contribuições da natureza, mas também as que se acumulam em
decorrência do nosso esforço e da nossa engenhosidade. E, se aceitamos isto, temos que ter
em vista também o fato de que é possível haver substituição entre essas duas categorias de
determinantes de bem-estar: os oriundos da natureza e os resultantes do esforço humano.
Solow defende que, em princípio, um mesmo nível de bem-estar pode ser obtido tanto com
elevada contribuição da natureza e pouca da acumulação de artefatos humanos, como com
menos contribuição da natureza e maior participação de artefatos humanos. Aceitando isto,
se, ao longo do tempo, houver uma redução do cabedal de recursos e atributos da natureza,
isso não significa que estará se reduzindo o nível de bem-estar social, pois podem ter
surgido no seu lugar frutos do esforço e da engenhosidade humanos em quantidades que
compensem aquela redução.

Na visão de Solow, portanto, a substitutabilidade é um atributo fundamental para


que possamos determinar se há desenvolvimento sustentável. Essa substitutabilidade pode
se dar no âmbito do consumo, por exemplo, entre uma paisagem prístina e um ambiente
construído que cause satisfação aos que dele têm acesso; e pode se dar na produção, quando
um insumo da natureza é substituído por um insumo produzido, ou quando um fator de
produção construído substitui um atributo da natureza na produção. Se existirem
consideráveis substitutabilidades deste tipo, o atingimento do desenvolvimento sustentável
– na conceituação de Solow –, deixa de ser impossível. E, segundo este autor, a situação é
ainda menos preocupante se tivermos em conta as possibilidades que se abrem em razão do
desenvolvimento tecnológico. A substitutabilidade e o desenvolvimento tecnológico são,
assim, elementos essenciais da sustentabilidade, e é fundamental que se adotem estratégias
e políticas que maximizem o potencial de atuação destes.

Na verdade, essa visão que Solow tentou passar a ambientalistas nada mais é que
uma versão em linguagem mais fácil para o público em geral compreender, de mensagem
que há mais de 30 anos atrás o autor passou a economistas, então preocupados com a
insustentabilidade do padrão contemporâneo de crescimento da economia mundial. Na sua
aula magna de 1973 à American Economic Association (a maior associação de economistas
dos Estados Unidos), o autor delineou a argumentação que viria a prevalecer. Segundo a
sua exposição, se admitirmos que é relativamente fácil substituir nos processos
econômicos, recursos ambientais pelos fatores de produção ‘trabalho’ e, de forma especial,
‘capital’, e se acreditarmos que, com o crescimento econômico ocorrerá progresso técnico
que facilite a poupança e/ou a substituição de recursos naturais, não há razão para
preocupação. Uma substitutabilidade elevada entre os fatores de produção produzidos – os
bens de capital – e recursos naturais asseguraria a continuidade da expansão da escala da
78

economia mundial, e uma “exaustão [de recursos naturais seria] apenas um evento, e não
uma catástrofe. E quanto ao progresso técnico, "se o futuro for semelhante ao passado, por
muito tempo ainda haverá consideráveis reduções nos requerimentos de recursos naturais
por unidade de produto”. (Solow, 1974, pp. 10-11).

Como veremos na próxima seção, a substitutabilidade e o progresso técnico


assumiram elevada importância no debate mais recente no entorno dos requisitos
econômicos do desenvolvimento sustentável.

2. Do capital produzido e do capital natural no desenvolvimento sustentável

A substitutabilidade entre fatores de produção é um velho conhecido dos


economistas. Há muito que estes examinam temas como, por exemplo, a substituição da
mão-de-obra pelo capital em economias de mercado em que há escassez e, assim, um
encarecimento relativo do fator de produção trabalho. Quando isto acontece, o
funcionamento do mecanismo de preços induz a substituição do fator trabalho por
maquinas, equipamento (o fator capital). E visões como a de Solow da sustentabilidade,
conduziram a abordagens análogas, mas envolvendo a substituição daquilo que acabou
recebendo a denominação de ‘capital natural’ – essencialmente, recursos ambientais –, por
‘capital produzido’ – máquinas, equipamentos, construções, etc.

Com base na análise de Solow, podemos dizer que, do ponto de vista da análise
econômica convencional, o desenvolvimento sustentável compreende o fluxo máximo de
produto/renda que pode ser gerado a partir de um estoque de capital em expansão,
obedecida a exigência da sua conservação. A exigência da conservação tem um papel
fundamental; se a atual geração deixar para as gerações futuras um estoque de capital que
não seja menor que o estoque existente no presente, os nossos descendentes terão condições
de usar esse capital para gerar, pelo menos, o mesmo nível de bem-estar que o usufruído
por nós hoje. E os nossos descendentes devem usufruir desse bem estar obedecendo a
mesma exigência da conservação do estoque de capital.

Como, dentre o que se deve conservar assumem destaque elementos da natureza,


essa conceituação de desenvolvimento sustentável demanda uma definição bem mais
abrangente de capital que a comumente empregada pela análise econômica. De uma forma
geral – e sem muita precisão – podem-se conceber diferentes categorias de capital, como
por exemplo:

· Capital produzido (Kp), compreendendo o estoque de máquinas e equipamentos,


de construções, de infra-estrutura, etc., que uma sociedade dispõe em um determinando
momento do tempo. É o capital físico gerado e acumulado pelo sistema econômico. Trata-
se da categoria enfatizada nos modelos de crescimento da análise econômica convencional.

· Capital humano (Kh). Envolve a capacitação e as habilidades para produzir da


força de trabalho da sociedade em um dado momento do tempo. Para aumentar o seu
79

capital humano a sociedade necessita investir em educação, em treinamento, em


capacitação. Este componente vem recebendo muita atenção mais recentemente.

· Capital social (Ks). Inclui, em essência, a base institucional da sociedade em um


dado momento do tempo. Os economistas tendem a concordar que instituições adequadas
desempenham um papel central para o desenvolvimento de uma economia, e que o
desenvolvimento econômico depende da eficácia dessa base institucional.

· Capital natural (Kn). Trata-se de um item complexo, mas que, como se


demonstrará adiante, vem sendo tratado de forma um tanto descuidada. Inclui tanto os
estoques de energia de baixa entropia e de materiais que a natureza coloca à disposição da
humanidade, aos quais esta tem acesso em um dado momento do tempo, como os estados
biofísicos existentes no meio-ambiente (as condições climáticas, as características de
ecossistemas, a capacidade de regeneração do meio-ambiente de pressões antropogênicas,
etc) nesse mesmo momento.

Vimos que, para Solow, a medida que aumenta a escala da economia, o capital
natural, Kn, pode, sem muito problema, ser substituído por outras formas de capital,
notadamente o capital produzido, Kp, e o capital humano, Kh. Para este autor e seus
seguidores, o que se quer conservar para que haja sustentabilidade é o estoque de capital
total, K, da economia, e não apenas Kn, o capital natural. O capital total K compreende o
agregado de todas as categorias de capital. Ou seja, é igual:

K = Kp + Kn + Kh + Ks

Embora essa conceituação do capital tenha certo apelo intuitivo, até recentemente a
análise econômica tendia a considerar quase exclusivamente Kp, o capital produzido. Uma
das razões para isto está na relativa facilidade de se medir em termos monetários essa
categoria de capital. Para as demais categorias, as dificuldades de mensuração em termos
monetários são muito maiores. Na discussão que se segue fugimos das complicações de
mensuração e agregação dessas categorias, fazendo a hipótese de que existem formas
aceitáveis de mensurar em termos monetários todos os componentes de K.

Um exame dos modelos de crescimento da análise econômica convencional revela


que, para estes, o que vale é, paralelamente à expansão da força de trabalho e o progresso
técnico, a acumulação do capital produzido. Nesses modelos, K = Kp; e eles tendem a
mostrar que basta que o capital produzido se acumule a uma taxa adequada para que um
crescimento continuado – portanto sustentável na conceituação de Solow – ocorra.
Sabemos, porém, que, por necessidade, a economia do meio-ambiente – mesmo nas suas
variantes derivadas diretamente da análise econômica convencional – examina o
funcionamento do sistema econômico inserido no meio-ambiente, do qual retira recursos
naturais fundamentais, e no qual deposita resíduos, rejeitos dos processos econômicos; seus
80

modelos não podem, pois, ignorar os recursos e serviços fornecidos pelo capital natural. E
são forçados a tratar dos efeitos sobre o capital natural do crescimento.

Substitutabilidade, otimismo e pessimismo sobre o desenvolvimento sustentável.

Para a economia do meio-ambiente a sustentabilidade envolve, pois, algum grau de


conservação do capital natural, pois este é finito e, de muitas formas, frágil. Os ecologistas
vêm argumentando que a preservação das condições de bem-estar das gerações futuras
pode depender, de forma crucial, de tal conservação; um uso inadequado do capital natural
pode anular a possibilidade de que seja sustentável o desenvolvimento de uma sociedade.
Entretanto, a economia do meio-ambiente só aceita isto até certo ponto. Abordagens
diferentes desse ramo da análise econômica apresentam divergências no que tange à
importância efetiva do capital natural para o desenvolvimento sustentável. Existem dois
conceitos que ilustram tais divergências: o conceito de sustentabilidade fraca (Sfra) e o de
sustentabilidade forte (Sfor). E a diferença entre esses dois conceitos tem a ver com as
suas hipóteses sobre o grau de substitutabilidade entre diferentes tipos de capital.

Para simplificar a discussão, vamos focalizar apenas as categorias de capital mais


diretamente relevantes para a economia do meio-ambiente: a do capital produzido, Kp; e a
do capital natural, Kn. A idéia básica é que o crescimento que acompanha o
desenvolvimento sustentável requer ambos esses tipos de capital. Ou seja,

Crescimento do produto, ∆Y/∆t = F (∆K/∆t) = F {(∆Kp/∆t); (∆Kn/∆t)}

Para a visão da sustentabilidade fraca (Sfra), o capital total e o produto têm como
crescer de forma quase ilimitada, basicamente porque se considera que Kp e Kn podem,
com facilidade, substituir um ao outro. Assim, se o capital natural se tornar escasso ao
longo do processo de expansão econômica, o preço relativo de seus serviços aumentará. Ao
se tornar mais caro, ocorrerá a sua substituição pelo capital produzido. Se o crescimento
econômico reduzir, portanto, o estoque de Kn da sociedade, o crescimento poderá
continuar a ocorrer com Kp tomando o lugar de Kn. Para que isto ocorra basta que
mercados funcionem bem, sinalizando a necessidade da substituição. E a substituição será
ainda mais fácil se houver desenvolvimento tecnológico. A visão da Sfra tende a prevalece
na corrente da economia do meio-ambiente que emanou diretamente da análise econômica
convencional: a da economia ambiental neoclássica.

Já a visão da sustentabilidade forte (Sfor) é bem menos otimista em relação às


possibilidades da ocorrência do desenvolvimento sustentável. Esta se apóia na hipótese de
que a substitutabilidade entre Kp e Kn é limitada. Aceita que, até certo ponto esta pode
existir, mas considera que, se o crescimento for acompanhado de escassez relativa cada vez
maior do capital natural, a expansão da economia poderá ser inviabilizada. Isso aconteceria
porque acabaria prevalecendo relação de complementaridade entre essas duas categorias
de capital. Se há complementaridade entre elas, para que um certo montante adicional de
produto real seja gerado na economia, serão necessárias mais de ambas essas categorias de
capital. A expansão continuada do produto real da economia requererá, pois, a conservação
81

do capital natura; no extremo, se Kn se tornar muito escasso, o produto da economia


cessará de ter condições de crescer. A visão da Sfor tende a prevalecer em outra corrente de
pensamento da economia do meio-ambiente: a da economia ecológica.

Um exame do emprego que se faz dessas duas visões no debate sobre a


sustentabilidade da economia contemporânea, entretanto, revela que os que se valem tanto
de uma como de outra tendem fazê-lo de forma um tanto solta. Os debates a esse respeito
usualmente tendem a se apoiar mais em forte dose de fé do que em argumentos lastreados
em sólida base conceitual. De forma especial, esses argumentos se assentam em concepções
simplificadas e distorcidas de elemento central na promoção do crescimento econômico – a
acumulação de ‘capital’. Para as duas visões cada categoria de capital considerada (capital
produzido, capital natural, etc.) compreende um conjunto de elementos de caráter
semelhante. Como vimos, a diferença nas duas concepções de sustentabilidade está na
hipótese de maior ou menor substitutabilidade entre as categorias Kp e Kn no âmbito do
processo produtivo. Mas a categoria Kp, em si, é considerada relativamente homogênea, e
o mesmo ocorre com a categoria Kn. Fica, pois, difícil aos que defendem cada visão trazer
ao debate argumentos mais do que vagos.

Vamos, entretanto, pegar cada um dos dois componentes de K: Kp e Kn, e mostrar


como uma melhor especificação de suas naturezas pode contribuir para dar um pouco mais
de base para a discussão da sustentabilidade. Começamos com Kp, o capital produzido e
acumulado pelo sistema econômico. A natureza distinta dos dois conjuntos de elementos
que compõem Kp pode ser visualizada a partir de como se dá, na prática, a sua
mensuração.

Como estamos tratando do sistema econômico como um todo, a nossa abordagem é


agregada. Nos países em que o sistema de contas nacionais faz a contabilidade patrimonial
agregada, o capital de uma economia em um dado momento do tempo é tratado como um
estoque; e esse estoque compreende dois conjuntos de elementos de natureza
essencialmente distinta: o da totalidade das máquinas, equipamentos, construções, etc, da
economia; e o dos estoques – dos inventários – de mercadorias nas mãos das empresas (de
matérias primas, de produtos intermediários e de bens de consumo ou de capital produzidos
mas ainda não adquiridos por usuários finais). De forma semelhante, o sistema de contas
nacionais mede separadamente na conta investimento, a formação bruta de capital fixo
referente a um dado período, e a variação de estoques que ocorre no período. Em ambos os
casos, esses dois conjuntos são registrados separadamente, embora eles acabem sendo
expressos em termos monetários e somados como se fossem de natureza semelhante.
Compõem, assim, o patrimônio de capital produzido da economia, Kp, no primeiro caso, e
o investimento bruto – o item que responde pela acumulação de Kp – no segundo caso. O
sistema de contas nacionais convencional ignora o capital natural, Kn, mas não é este o
ponto enfatizado aqui. O que se quer destacar é a natureza essencialmente diferente dos
dois conjuntos de elementos que compreendem o capital de uma economia. E isto é feito
com base na abordagem de Georgescu-Roegen (1969; 1971) da teoria da produção.
82

Com base na concepção desse autor do processo produtivo, o conjunto das


máquinas, do equipamento, das construções, etc, que compõem o patrimônio de capital da
economia, constitui o agente produtivo ‘capital fixo’ da economia. Ou, na denominação do
autor, compõe o fundo de capital da economia. Trata-se de um dos agentes de
transformação no processo de produção; o que esse fundo faz no processo é fornecer
serviços que, juntamente com os de outros fundos (os serviços da força de trabalho e da
terra ricardiana – terra como espaço) atuam na transformação de fluxos de energia, de
materiais e componentes, em produção. Já o outro conjunto que compõem o patrimônio de
capital da economia – o das matérias primas, dos produtos intermediários, dos bens de
consumo ou bens de capital produzidos, mas ainda não adquiridos por usuários finais –
constitui essencialmente um estoque de materiais em processamento ou já transformados
em produtos.

Existe uma diferença fundamental entre essas duas categorias: suponhamos um dos
componentes do fundo de capital fixo – digamos, uma máquina usada em um processo
produção específico. Neste a máquina presta serviços na transformação de componentes em
produto; mas ao fazer isto, não se incorpora fisicamente ao produto. Terminada a produção,
depois de feita sua manutenção, este componente deixa o processo produtivo como entrou,
e, em uma outra jornada, voltará a prover serviços no processo produtivo. Já a outra
categoria do patrimônio de capital – a das matérias primas e componentes que são
transformados pela máquina – seus elementos, que se originam, ou de estoques ou de outros
processos produtivos, se incorporam em parte, aos produtos, e em parte, se compõem
resíduos. Mas, ao longo da realização da produção ocorre, pois, uma transformação da
natureza intrínseca desses materiais e componentes. Por isto, ao contrário do que ocorre
com o componente de fundo ‘máquina’, os elementos transformados não estarão mais
disponíveis, em outra jornada, para a produção.

Podemos decompor, assim, o capital Kp, em duas partes: a que compreende a


parcela de fundos de serviços, Kps; e a que compõe os estoques de materiais, peças e
componentes, e de mercadorias ainda não fornecidas aos usuários finais, Kpe. Uma das
implicações dessas duas partes do estoque de capital é que pode ser diferente a
substitutabilidade de elementos no interior de cada uma, ou entre as duas. Sabemos que os
serviços do fundo Kps podem, pelo menos até certo ponto, substituir ou ser substituído
pelos serviços de outros fundos (o da força de trabalho ou o da terra ricardiana).
Semelhantemente, os estoques de Kpe têm componentes diferentes – por exemplo, insumos
da natureza, e materiais e componentes oriundos do processo produtivo – que também
podem – pelo menos até certo ponto – substituir um ao outro no processo produtivo. Isso
inclusive faz com que, como resultado de mudanças nos preços relativos de insumos
materiais, tenda a ocorrer modificação na composição de Kpe. Entretanto, a
substitutabilidade entre os serviços do fundo de capital, Kps, que participa do processo
produtivo, e os estoques de Kpe tende, em princípio, a ser menor. Ela pode existir até um
certo ponto – a redução de Kpe é, inclusive, o que se pretendeu com as inovações recentes
no campo da administração (por exemplo, as técnicas do ‘just in time’) – mas não é
ilimitada. Isto porque a produção requer matéria e energia, juntamente com os fluxos de
serviços dos agentes que as transformam. A despeito de toda retórica da desmaterialização
83

da produção, é difícil imaginar como se podem produzir os serviços que um automóvel


fornece ao seu usuário separadamente da estrutura material do veículo. Em outras palavras,
há uma relação mais forte de complementaridade ente Kps e Kpe.

Do nosso ponto de vista, porém, o que interessa é tratar dessa mesma divisão entre a
função de agente no processo produtivo e a de estoque de matéria e energia de Kn, do
capital natural. Como no caso do capital produzido, Kn também compreende a categoria –
enormemente importante, mas que os economistas tendem a negligenciar – de fundos de
serviços Kns da natureza, e de estoques de insumos fornecidos pela natureza, Kne. Vamos
começar com esta última categoria:

● O estoque de insumos fornecidos pela natureza, Kne. Os economistas costumam


congregar os elementos desta categoria em dois grupos: o dos recursos naturais
condicionalmente renováveis, isto é, recursos naturais que, em condições de manejo
adequado, podem ser extraídos e usados, pois se renovam. E os recursos naturais não
renováveis, aqueles disponíveis em quantidade fixa em nosso globo e que se reduz com o
uso.

Dentre estes últimos se incluem os inventários de recursos minerais e, de forma


especial, os de combustíveis fósseis. Na década de 1970 parecia que esses estoques –
especialmente o do petróleo – estariam com seus dias contados em razão de sua intensa
extração e uso pelo sistema econômico; e houve quem visse nisto um sinal iminente de
limitação da expansão da escala da economia mundial. Entretanto, os eventos desde então
revelam que o progresso técnico, permitindo um uso mais eficiente desses recursos, bem
como viabilizando a sua extração a custos mais reduzidos e mesmo em situações cada vez
mais adversas, estendeu por muito mais tempo o acesso aos mesmos. Revelam, também,
que há a possibilidade de substituir recursos energéticos não renováveis por formas de
obtenção de energia a partir de recursos naturais renováveis – como é o caso, por exemplo,
do álcool combustível e do assim chamado ‘biodiesel’. Além disso, é intensa a pesquisa
com o intuito de facilitar tal substituição a partir da captação da energia do hidrogênio.
Estes exemplos longe são de ser exaustivos; há muito campo – e muito vem sendo feito –
para a promoção da substituição de recursos naturais não renováveis por renováveis.

Quanto a substitutabilidade de Kne por Kp, o capital produzido, a primeira vista


esta pode parecer substancial. Entretanto, é preciso ter-se em vista que o sistema econômico
necessita recursos naturais para produzir bens de capital. Na verdade, há uma relação
circular entre estas duas categorias: Kne é necessário para produzir Kp; e este último é
necessário para extrair da natureza os recursos naturais usados como insumos do processo
produtivo. Existe substitutabilidade que, outra vez, é facilitada pelo progresso técnico, mas
também há relação de complementaridade entre as duas categorias.

● A categoria de fundos de serviços, Kns,do capital natural. Como ocorre com o


fundo de capital produzido, a natureza também fornece ao sistema econômico serviços
essenciais. Na verdade, mais que a economia, toda a humanidade depende de tais serviços.
E, em condições apropriadas, esses serviços podem ser continuar a ser oferecidos. Para tal,
84

é necessário que não haja ruptura na atual estabilidade longe do equilíbrio termodinâmico
do ecossistema global. Apenas para ilustrar, seguem alguns exemplos dos serviços
essenciais fornecidos gratuitamente pelo ecossistema global:

A energia solar, as chuvas, os elementos químicos ‘naturais’ no ar e nos solos,


elementos absolutamente essenciais à agricultura.

Funções da natureza de suporte à vida, incluindo a regulação do clima, a


manutenção de ciclos biogeoquímicos do meio-ambiente, dos quais a vida no
nosso globo depende, a sustentação da resiliência de ecossistemas, etc.

A capacidade do meio-ambiente de assimilar resíduos do funcionamento do


sistema econômico e de se regenerar.

Estes são meros exemplos do complexo de serviços que a natureza presta à


humanidade. 6 E parece claro que o comprometimento do desempenho desses serviços pode
tornar inviável, não apenas a produção de certos setores da economia – como, por exemplo,
a agricultura –, como até a própria vida, inclusive a humana. São serviços gratuitos, mas
fundamentais; muitos são insubstituíveis e, assim, infinitamente valiosos. O fato que esses
serviços fluem por si sós, dia após dia, ano após ano, na forma de ‘dádivas gratuitas da
natureza’ não nos permite concluir que esses recursos naturais devem ser omitidos da
análise do funcionamento do sistema econômico e, de forma especial, de suas inter-relações
com o ecossistema global – embora tenha sido isto que, até recentemente, as ciências
econômicas fizeram.

A natureza nos fornece, nas palavras de Ehrlich (1989, p. 10), um ‘capital


insubstituível’; na tipologia sugerida pela análise de Georgescu-Roegen, trata-se do fundo
de capital Kns, do qual se originam serviços essenciais para o funcionamento do sistema
econômico. Há, assim, alguma semelhança entre o fundo de capital natural, Kns, e o fundo
de capital produzido, Kps; entretanto, essa analogia não deve ser levada muito longe.
Diferentemente do que acontece com o capital produzido, o fundo de capital natural
geralmente não tem dono – na verdade, nem a imaginação fértil de modelistas econômicos
originou ainda sugestões de como atribuir direitos de propriedade a boa parte dos
componentes de Kns. Da mesma forma – ou mesmo por isto –, como ressalta Ayres (1993),
a maioria desse componentes estão totalmente fora do domínio de mercados e, por mais que
os economistas se esforcem, não tem sido possível atribuir, de forma consistente, valores à
esses componentes e nem definir ‘preços’ para os serviços por eles prestados. E não
existem substitutos tecnológicos plausíveis para muitos deles.

6
Conforme o ecologista Ehrlich (1989, p. 10), “ecossistemas fornecem à humanidade um conjunto
absolutamente indispensável de serviços, dentre os quais se destacam a manutenção da qualidade gasosa da
atmosfera, condições climáticas adequadas à vida, a operação do ciclo hidrológico (fundamental para o
controle de enchentes e para a provisão de água doce para a agricultura, a indústria e aos domicílios), a
assimilação de resíduos, a reciclagem de nutrientes essenciais à agricultura e à atividade florestal, a geração
de solos, a polinização de safras, a provisão de alimentos do mar, e a manutenção de uma imensa biblioteca
genética da qual a humanidade retirou as verdadeiras bases de sua civilização.” E conclui que, embora
gratuitos estes serviços são impossíveis de ser substituídos.
85

Além disto, ainda existe enorme incerteza sobe o funcionamento de vários dos
componentes do fundo de serviços da natureza. Sabemos que, como qualquer fundo de
prestação de serviços, Kns também necessita, por assim dizer, da ‘manutenção’ da sua
capacidade de prestar serviços; sem isto essa capacidade pode vir a ser seriamente
prejudicada. Não há dúvida de que muitos dos componentes do fundo de serviços da
natureza são dotados de resiliência, de capacidade de regeneração em face de impactos,
tanto naturais como resultantes do funcionamento do sistema econômico. Mas, a ciência
nos informa que existem limites para essa capacidade de regeneração que, se excedidos,
podem desestabilizar ecossistemas e originar catástrofes. Mas o que a ciência ainda não fez
de forma convincente foi fornecer detalhes concretos e confiáveis sobre esses limites –
como fica abundantemente claro da controvérsia ainda não resolvida sobre os impactos
sobre o clima global do efeito ‘estufa’.

Uma outra diferença entre Kps e Kns é que, se ocorrerem rupturas como as acima
indicadas, pode não haver volta. No caso de muitos componentes desse fundo, uma
expansão insuportável da escala da economia pode provocar ruptura impossível de ser
corrigida. Ou seja, ocorrendo tal ruptura ela pode ser irreversível. Conforme ressalta Ayres,
(1993), a perda de espécies, a destruição de habitats, o acúmulo crescente de gases do efeito
estufa, a intoxicação de solos, das águas subterrâneas, do lodo dos lagos e dos estuários por
metais e químicos tóxicos não são reversíveis por nenhuma técnica que possa ser
desenvolvida nas próximas décadas. Estes são apenas alguns exemplos de rupturas
irreversíveis da capacidade de geração de serviços de componentes de Kns; em muitos dos
ecossistemas individuais em que isto aconteceu observaram-se rupturas de uma situação de
estabilidade longe do equilíbrio a outra, sem possibilidades de volta. E há aqui uma enorme
diferença em relação ao que tende a acontecer em casos de mau uso de um componente do
fundo de capital produzido – um maquina, por exemplo. Quando isto acontece, quase
sempre é, pelo menos tecnicamente, possível recuperar, reconstruir a máquina; o impacto
gerado pelo uso inadequado pode ser revertido, o que não acontece, por exemplo, com um
ecossistema que, por mau uso sofre a ruptura da desertificação.

Hipóteses ambientais e a controvérsia Sfor versus Sfra

Face à discussão acima, parece claro que a visão da sustentabilidade fraca, Sfra,
tende a focalizar principalmente o componente Kne do capital natural.Como vimos, por
suas características os fluxos de insumos oriundos do capital natural exibem
substitutabilidade e esta é tornada ainda maior pelo desenvolvimento tecnológico. Foi
principalmente a esse tipo de componente de Kn a que Solow se referiu em sua aula magna
de 1973, na qual, como vimos acima, praticou verdadeira profissão de fé em relação à
substitutabilidade entre recursos naturais e recursos produzidos. E, na ocasião, essa ênfase
do autor sobre o fluxo de insumos energéticos e de materiais se justificava em razão do
pessimismo que a crise do petróleo havia infundido na opinião pública mundial, que antevia
problemas terríveis para a humanidade decorrentes de iminente escassez desse insumo
energético. E é necessário reconhecer que esse pessimismo se mostrou exagerado; poucos
hoje deixam de concordar com a visão da Sfra do prisma apenas do componente Kne do
capital natural.
86

Mas, e o outro componente – o do fundo de serviços essenciais prestados pela


natureza? A visão da Sfor tende enfatizar este componente. A da sustentabilidade fraca,
entretanto, virtualmente o ignora. E o que vem tornando isso possível é, basicamente, a
hipótese ambiental das análises feita sob o prisma da sustentabilidade fraca.

Como vimos no Capítulo ---, as principais correntes de pensamento da economia do


meio-ambiente se apóiam em uma das seguintes linhas de hipótese ambiental: a da hipótese
ambiental tênue, que considera o meio-ambiente neutro, passivo; um meio-ambiente que
pode incomodar se agredido em excesso, mas que é basicamente benevolente, estável e,
especialmente, dotado de reversibilidade; e a hipótese ambiental aprofundada, a que
supõe explicitamente um meio-ambiente frágil e passível de sofrer alterações
potencialmente desestabilizadoras em decorrência de pressões antrópicas cumulativas.

A hipótese ambiental tênue que prevalece em uma determinada corrente da


economia do maio-ambiente atribui a outras disciplinas – notadamente a ecologia – a
responsabilidade de analisar as inter-relações entre o sistema econômico e o meio-ambiente
sob o ponto de vista do ecossistema global e considera que o economista deve concentrar
sua análise de fenômenos resultantes de tal inter-relação, que têm lugar basicamente no
âmago do sistema econômico. As complicações do funcionamento de ecossistemas são,
assim, excluídas com hipóteses simplificadoras. Essas hipóteses são justificadas pela
necessidade de simplificar a realidade para focar melhor a análise; argumenta-se que este é
o procedimento usual em todos os ramos da ciência. Para formulações com base nessa
hipótese ambiental, por exemplo, a degradação da poluição é de interesse, não pelo que
possa estar ocorrendo com o meio-ambiente propriamente dito (pois este é neutro, passivo e
reversível), mas pelo reflexo de alterações ambientais causadas pelo funcionamento da
economia sobre o bem-estar dos indivíduos em sociedade. Teorias que se valem da hipótese
ambiental tênue, conduzem, assim, à visão da sustentabilidade fraca.

As abordagens apoiadas da hipótese ambiental atenuada tendem a se concentrar no


componente de estoque de insumos da natureza, Kne. Uma razão importante para tal é que
o ramo da economia ambiental que emanou da análise econômica convencional não se
adapta bem a alguns dos atributos básicos do fundo de serviços básicos, Kns, acima
indicados: o da sua absoluta essencialidade – ou seja, de sua insubstitutabilidade – em
processos naturais de interesse da economia e o da irreversibilidade de alguns dos impactos
ambientais do sistema econômico. Como mostrou Georgescu-Roegen (1975, p. 348), a
análise econômica convencional teima manter epistemologia mecanicista, “um dogma
banido até pela física”.7 Uma decorrência desta epistemologia é a de que sua modelagem
não se coaduna com tais atributos de Kns. De forma especial, a epistemologia se choca
com a propriedade da irreversibilidade; a saída, portanto, é ignorá-la, lançando-a no rol das
hipóteses simplificadoras.

7
Para Georgescu-Roegen (1976), a epistemologia mecanicista da análise econômica convencional a leva a
considerar o processo econômico “um análogo mecânico, consistindo – como todos os análogos mecânicos –
de um princípio de conservação e uma regra de maximização.” O autor mostra que, ao contrário do que
aconteceu com a física, a química, a biologia e a cosmologia, ramos da ciência que há muito rejeitaram a
velha epistemologia, a análise econômica continua a nela se assentar.
87

O atributo da absoluta essencialidade incomoda porque ele não só impede o


funcionamento de mecanismos de substitutabilidade, o que se choca com a visão otimista
da Sfra, como complica muito a atribuição de valores a tais atributos e bloqueia o cálculo
dotado de algum sentido de preços pelos serviços de componentes do fundo de capital
dotados dessa propriedade. E a análise econômica convencional perde o pé sem valores e
sem preços que façam algum sentido. Sem estes, que tipo de instrumento econômico
sugerir em situações de alto risco de danos ambientais irreversíveis? A situação se complica
se não existirem – como acontece com casos de absoluta essencialidade – os ‘trade-offs’ da
substitutabilidade. Se a expansão da escala da economia mundial ameaçar produzir danos
irreversíveis sobre componentes básicos do fundo de serviços naturais, se seu potencial de
prestação desses serviços for irreparavelmente danificado, a sustentabilidade dessa
expansão de escala simplesmente não existe. Se os serviços desses componentes forem
fundamentais, uma vez irreversivelmente danificados os fundos de prestação de tais
serviços eles tendem a não poder ser substituídos, nem pelo capital produzido, nem por
outros fundos de serviços. Com isto, fica prejudicado a expansão sustentável do sistema
econômico; e se a humanidade insistir nela, o próprio funcionamento do sistema pode vir a
ser prejudicado.

A característica da incerteza associada ao funcionamento de alguns dos mais


importantes fundos de serviços básicos do capital natural também atrapalha. Sabemos que
ainda é elevada a nossa incerteza sobre os mecanismos que geram tais serviços básicos e
sobre as reais conseqüências de ações que provoquem danos irreversíveis em tais fundos.
Isso têm levado a sugestões de moderação, apoiados no princípio da precaução. Se for
elevada a possibilidade de impactos severos e irrecuperáveis de ações humanas, por que
não moderar ou eliminar os fatores causadores desses impactos até que se conheça melhor
os mecanismos envolvidos e os riscos deles decorrentes? Recentemente, entretanto, o
princípio da precaução vem sendo usado às avessas por elementos que advogam a visão da
sustentabilidade fraca. O argumento é basicamente o seguinte: existem alguns
componentes do fundo de capital natural que são importantes para a expansão da economia,
mas sobre os quais ainda há muita incerteza embora haja a possibilidade da ocorrência de
impactos desestabilizadores decorrentes da expansão no seu uso. Todavia, de um lado, se
desconhece a magnitude dos danos sobre as gerações futuras associados à continuação da
expansão no seu uso; e, do outro lado, são muito altos os custos em termo de produção,
renda e emprego sacrificados no presente pela moderação ou contenção no seu uso. Então,
por que não continuar como se vem fazendo, até que se reduzam ou eliminem as incertezas
e se tenha uma posição mais firme a respeito do que deve ser feito?8

Contrastando com a postura dos proponentes da sustentabilidade fraca, as


formulações que se valem da hipótese ambiental aprofundada dão ênfase especial ao
conjunto das relações entre o sistema econômico e o meio-ambiente. Análises que se valem
dessa hipótese se fazem do prisma de quem se situa na fronteira entre o sistema econômico
e o meio-ambiente, analisando em maior detalhe as inter-relações entre elas. Essas análises

8
Em certo sentido, vem sendo esta a postura de alguns países no contexto das medidas de contenção das
emissões de gases do efeito estufa, preconizadas pelo Protocolo de Kioto, e que objetivam evitar mudanças
climáticas potencialmente catastróficas para a humanidade.
88

tendem a ressaltar a possibilidade de um funcionamento desregrado do sistema econômico


vir a desestabilizar o ecossistema global, com impactos potenciais graves sobre a sociedade
humana em um futuro mais distante. Para essas correntes o centro de atenção também é a
economia, mas elas focalizam especialmente os possíveis impactos em termos do potencial
de destruição, resultante de seu funcionamento, de parcelas importantes do fundo de
serviços da natureza, Kns. Análises conduzidas do ponto de vista da hipótese ambiental
aprofundada tendem, assim, a estar afinadas com a visão da sustentabilidade forte.
Capítulo 6. Gênese da disciplina economia do meio-ambiente

1. Introdução

Conforme indicado acima, até recentemente a teoria econômica deixava em plano muito
secundário as inter-relações entre o sistema econômico o meio-ambiente. No extremo, temos
inclusive modernas e sofisticadas teorias modernas de equilíbrio geral e de crescimento
econômico que focalizam a economia como um sistema isolado, isto é, um sistema que não
intercambia nem matéria nem energia com seu meio externo. Uma caricatura da concepção que
predominou até recentemente é a do diagrama de fluxo circular de livros texto, que descreve o
processo econômico por intermédio de fluxos de bens e serviços e de rendas ou receitas
monetárias entre empresas e famílias. As empresas e as famílias produzem e consomem bens e
serviços, e a matéria, a energia assim como a moeda, circulam no interior do sistema econômico
sem que se observem trocas com o meio-ambiente.

Com efeito, até recentemente prevalecia na análise econômica moderna a hipótese das
dádivas gratuitas da natureza; em conseqüência, ou se ignorava o meio-ambiente ou este era
considerado uma cornucópia de recursos naturais e um depósito sem limites para os dejetos e
resíduos do sistema econômico. A hipótese das dádivas gratuitas é parte, tanto da economia
neoclássica como da teoria marxista, nos seus ramos convencionais. O corpo central dessas
correntes de pensamento simplesmente desconhece o fato crucial de que a atividade econômica
não pode perdurar sem trocas contínuas com o meio-ambiente, trocas estas que o afetam de
forma cumulativa.

Essa situação predominou amplamente até fins década de 1960. Desde então, surgiram e
se firmaram correntes de pensamento da economia do meio-ambiente, desenvolveram-se e se
fortaleceram associações de economistas ambientais, apareceram periódicos especializados e as
revistas de economia tradicionais passaram a aceitar regularmente trabalhos na área. Com isso, a
economia ambiental foi acumulando um apreciável volume de contribuições.

O presente capítulo esboça a gênese e a evolução das principais correntes de pensamento


da economia ambienta, e o próximo apresenta uma classificação das correntes de pensamento da
economia do meio-ambiente, com ênfase nas duas principais aqui avaliadas.

2. A inserção da dimensão ambiental na análise econômica

2.1. Os economistas clássicos e a dimensão ambiental do progresso das nações

Foram os economistas clássicos que, a partir do final do século XVIII – nos primórdios
da Revolução Industrial inglesa –, fizeram do estudo da economia uma disciplina específica.
Uma das preocupações centrais dos clássicos consistiu em estabelecer se o incipiente capitalismo
industrial de sua época tinha condições de se firmar e de continuar a se expandir. Parte
importante de suas contribuições emanou, portanto, de tentativas de explicar o crescimento
econômico – ou como queria Adam Smith, o fundador dessa corrente de pensamento, de
determinar as causas do “progresso das nações”. E os clássicos fizeram isto visualizando
90

explicitamente o sistema econômico inserido no meio-ambiente, embora considerassem este


último passivo, benevolente.

O que levou os clássicos a adotar uma hipótese ambiental explícita foi o estágio ainda
incipiente da industrialização da Inglaterra de seu tempo – ainda um país agrícola. Vale registrar
que, no fim do século XVIII e no início do século XIX a agricultura européia ainda dependia
fortemente da natureza, ou seja, de condições do meio-ambiente. Quanto a adoção da hipótese
simplista de um meio-ambiente neutro, passivo, esta se explica pelo fato de que ainda era muito
reduzida a escala da economia inglesa de então; não havia, pois, o receio de que o meio-
ambiente pudesse reagir de forma significativa às agressões do sistema econômico.

Os clássicos reconheciam, assim, as dádivas “gratuitas da natureza”, mas não


manifestavam preocupações em relação a possíveis impactos do despejo no meio-ambiente de
resíduos e dejetos pelo sistema econômico. A hipótese de um meio-ambiente essencialmente
benevolente, passivo não significa, porém, que os economistas clássicos consideravam que o
meio-ambiente não podia impor limitações ao crescimento econômico. Essas limitações foram
reconhecidas mesmo por Adam Smith, o fundador da escola clássica, em sua análise do
crescimento econômico. Conforme mostra Deane, (1980, cap. 3), para Smith, o crescimento
econômico resultaria do processo de acumulação de capital decorrente do emprego crescente de
uma força de trabalho cada vez mais especializada e produtiva. A acumulação de capital
possibilitaria a expansão do emprego1 e a ampliação de mercados; e quanto maior a dimensão
dos mercados, mais amplas as oportunidades de divisão do trabalho e de especialização de
funções – e assim, mais elevada a produtividade da mão de obra. Isso ocorrendo, o lucro se
expandiria, originando mais acumulação de capital, num processo cumulativo de expansão
econômica. E, esse processo continuaria enquanto a produção per capita crescesse mais que o
consumo per capita, gerando um excedente, a ser apropriado pelos capitalistas para investir. E
esse excedente possibilitaria a contratação de mais e mais mão de obra, e portanto, mais e mais
produção.

Para Smith, entretanto, esse processo teria um limite: o do crescimento da população. A


expansão do emprego geraria aumentos de população; e uma população em crescimento
requereria aumentos contínuos de produção agrícola. Antecipando Thomas Malthus, Smith
considerava que o tamanho máximo da população de um país era determinado pela capacidade
da agricultura de alimentá-la. E aí residiria a limitação imposta pelo meio-ambiente; as terras
agricultáveis eram vistas como dadas, estabelecendo barreira ao aumento da produção de
alimentos e, portanto, para a expansão da população. Conforme citado em Deane (1980, p. 60-
61), Smith considerava que, “Num país totalmente povoado em proporção ao que seu território
poderia manter ou o seu capital empregar, a concorrência pelo emprego seria necessariamente
tão grande que reduziria os salários do trabalho ao que fosse suficiente, se tanto, para manter o
número de trabalhadores, e, estando o país totalmente ocupado, esse número jamais poderia ser
aumentado.”2 Com isso, cessaria o crescimento econômico – a economia atingiria a condição,
que os outros economistas clássicos denominariam, de estado estacionário. Entretanto, dado o
estagio de desenvolvimento da Inglaterra de seu tempo, Smith considerava ainda muito distante
o momento no tempo em que a natureza viria impor limites ao crescimento econômico. O

1
No final do século XVIII a produção manufatureira inglesa ainda não empregava muito equipamento; a decisão do
capitalista de investir era, essencialmente, a decisão de usar de fundos para empregar mão de obra na produção. É
essa, inclusive, a razão para a ênfase da análise de Adam Smith na divisão do trabalho como fator de “progresso”.
2
Adam Smith, Wealth of Nations, ... Vol. I, p. 96.
91

interesse maior do autor era o de estabelecer os principais fatores do crescimento da economia


inglesa em um estágio ainda incipiente de industrialização.

Como mostra Deane (1980, p. 62-63), entretanto, os sucessores de Adam Smith – David
Ricardo, Thomas Malthus, Stuart Mill, entre outros – consideraram o estado estacionário uma
possibilidade concreta. Como no início do século XIX a população inglesa vinha crescendo
aceleradamente, e estavam terminando as terras que podiam ser incorporadas à produção
agrícola, a segunda geração de clássicos passou enfatizar os efeitos dos retornos decrescentes
gerados por uma população em expansão sobre uma base fixa de recursos naturais.

Com efeito, para a segunda geração de economistas clássicos, o processo de crescimento


econômico seria um estágio anterior – e transitório – ao de estado estacionário. A economia
cresceria enquanto a sua população não atingisse o limite máximo determinado por sua base de
recursos naturais. O capital seria atraído pela lucratividade de investimentos, e a população – e a
força de trabalho – cresceria como conseqüência da demanda em expansão de mão-de-obra,
resultante da acumulação de capital. Entretanto, cedo ou tarde ocorreria o esgotamento das terras
passíveis de serem ocupadas para o cultivo, levando ao limite da população máxima. A medida
que fosse aumentando a escassez de terras, a oferta insuficiente de alimentos faria seus preços
subirem, aumentando os salários nominais. E os preços mais altos dos alimentos aumentariam a
renda da terra, apropriada pela classe de donos de terras; com isso os lucros seriam comprimidos.
Com a queda de lucros, a acumulação de capital se reduziria, e com ela, o crescimento da
economia. Isso continuaria a acontecer até o ponto em que o produto total se dividisse
inteiramente entre a renda da terra e a massa de salários, fazendo desaparecer os lucros. E
desaparecida a motivação para investir da dinâmica classe capitalista, o crescimento seria nulo –
a economia atingiria o estado estacionário. E quando isso acontecesse, apesar dos altos os
salários nominais, os mesmos possibilitariam apenas a subsistência dos trabalhadores.3

Em suma, juntamente com o capital e a mão de obra, os recursos naturais eram parte
explicita da teoria clássica do crescimento. E, como os clássicos consideravam estes últimos
limitados, tratavam-nos como fatores de retornos decrescentes. Embora não ignorassem o
progresso técnico, os clássicos não acreditavam que este poderia contornar as limitações
impostas pela disponibilidade fixa de recursos naturais. A tendência seria, portanto, a do
atingimento do estado estacionário.

Um ponto deve ser ressaltado. Em linha com o pensamento científico da sua época, na
análise das inter-relações entre a economia e o meio-ambiente a escola clássica adotou
epistemologia mecanicista. Isso começou com Adam Smith; nas palavras de Deane (1980, p. 34),
“As premissas filosóficas básicas de Smith eram materialistas e mecanicistas”. E os demais
economistas clássicos assumiram tais premissas. Todos viam o meio-ambiente como neutro e
passivo; as restrições que este imporia ao crescimento decorriam apenas da disponibilidade
limitada de recursos naturais – notadamente de terras para a agricultura.

A escola neoclássica, que começou a se consolidar em meados do século XIX, adotou


epistemologia semelhante, com o agravante de que acabou ignorando os recursos naturais.
Vivendo em época em que a Europa havia assegurado uma oferta adequada de alimentos via
expansão do comércio internacional – notadamente com as ex-colônias inglesas na América do
Norte e da Oceania – e graças ao desenvolvimento tecnológico, os neoclássicos focalizavam
economias nas quais a indústria já tinha assumido posição predominante. Com isso, o papel da

3
É de David Ricardo a exposição mais rigorosa e consistente da teoria clássica do crescimento (Dean, 1980, p.64).
92

natureza foi, cada vez mais, ficando em posição secundária na análise neoclássica. A hipótese
das dádivas gratuitas e de livre disposição de dejetos do sistema econômico tornou-se implícita e,
gradualmente, os neoclássicos evoluíram no sentido de tratar a economia como um sistema auto-
contido, isolado. Conforme ressalta Georgescu-Roegen (1975, p. 348-9), isso levou o
mainstream da análise neoclássica a negligenciar um fato crucial – o de que o processo
econômico “não pode perdurar sem trocas contínuas com o meio-ambiente que o afetam de
forma cumulativa, e não pode deixar de ser afetado por tais alterações”. A análise neoclássica
“decidiu ignorar completamente o problema dos recursos naturais”, preferindo apegar-se à
epistemologia mecanicista introduzida pelos clássicos, e que hoje está “defunta até na física”.

O mais grave é que essa postura também se incorporou aos modelos dinâmicos
neoclássicos (às suas teorias de crescimento econômico). Esses modelos foram fortemente
influenciados por contribuições de von Neuman, as quais visualizavam a economia funcionando
de forma totalmente independente do meio-ambiente. Como destaca Perrings (1987, p. 8), “foi
ignorando as funções físicas do sistema econômico que [von Neumann] pode generalizar para
modelos dinâmicos os resultados do equilíbrio geral estático do sistema walrasiano” [a base dos
modelos de equilíbrio geral e da teoria do bem-estar social neoclássicos]. Dada a influência desse
autor, até recentemente os modelos de crescimento neoclássicos consideravam que a economia
pode crescer indefinidamente, apoiada apenas na expansão da força de trabalho e na acumulação
do capital físico construído (máquinas, equipamentos, construções). E a expansão desse dois
fatores seria inteiramente determinada por forças endógenas ao sistema econômico.

Era essa a situação que predominava no campo neoclássico até fins da década de 1960.
Desde então, surgiu se firmou importante corrente de pensamento de economia ambiental
neoclássica – hoje fortemente hegemônica no campo da economia do meio-ambiente. As
características dessa escola e a natureza da sua hipótese ambiental serão discutidas em detalhe
adiante. É interessante ressaltar, entretanto, que até hoje o mainstream neoclássico adota a
hipótese de um sistema econômico isolado, auto-contido. Os problemas decorrentes das inter-
relações entre o sistema econômico e o seu meio externo não foram assimiladas pelo mainstream
neoclássico; essa questão foi relegada à economia ambiental neoclássica, que se desenvolveu
como um caso especial – como um campo de especialização – do mainstream neoclássico. E
ambos continuam a adotar a epistemologia mecanicista, tão criticada por economistas ambientais
de outras escolas.

A hipótese ambiental da economia ambiental neoclássica será examinada em maiores


detalhes adiante neste manual, juntamente com outros aspectos dessa corrente de pensamento.
No que se segue, damos exemplos de analistas que, muito antes de surgir e se firmar a economia
ambiental, discutiram aspectos das inter-relações entre a economia e o meio-ambiente que só
viriam a ser sistematicamente tratados pelos economistas década mais tarde.

2.2. Dois precursores da economia do meio-ambiente

É antiga a percepção das deficiências da análise econômica no tratamento das inter-


relações entre a economia e o meio-ambiente – e, especialmente, das conseqüências para a
sociedade humana, dessas inter-relações. A presente subseção focaliza dois exemplos: o de
Frederick Soddy, no início do século XX, e o de Serjei Podolinski na segunda metade do século
XIX.
93

Examinado trabalhos de Soddy,4 Daly (1980), encontrou uma discussão do processo


econômico apoiada na primeira e na segunda leis da termodinâmica; aquele autor fez isso em
1921, antecipando elementos de formulações recentes de autores como Georgescu Roegen e
Boulding.5 No seu trabalho, Soddy ressaltou o fato de que, a partir da revolução industrial o
desenvolvimento econômico global se fez com uma dependência cada vez menor do fluxo de
energia solar, e de um uso cada vez maior de energia de estoques finitos de recursos energéticos,
acumulados no globo terrestre. Em adição, ressaltou a unidirecionalidade e a irreversibilidade do
processo econômico, negados pela epistemologia mecanicista da análise econômica
convencional.

Soddy criticou a economia convencional por elaborar concepções distorcidas de


crescimento econômico, de acumulação de capital, de geração de riqueza; para ele, essas
concepções estariam escondendo os impactos negativos sobre o meio-ambiente e o risco do
esgotamento de recursos naturais vitais associados à expansão da escala da economia mundial.

O autor centrou suas críticas na visão dos economistas do processo de investimento – a


mola-mestra do crescimento econômico. Segundo essa visão, se parte da renda de uma economia
é poupada e investida, aumenta o seu estoque de capital e a sua capacidade produzir bens e
serviços. Supondo que a demanda agregada acompanhe esse incremento de capacidade, a
produção aumentará e, a longo prazo, parte desse aumento se destinará à remuneração do
investimento. Abreviadamente, há uma poupança monetária que confere aos portadores a
expectativa de uma retribuição futura, tornada possível pela aplicação da poupança na criação de
riqueza. Para Soddy, essa visão errada – resultante da obsessão dos economistas de exprimir
fenômenos econômicos que têm por base relações físicas, em termos monetários. Seria mais
correto, ao invés, focalizar essa base física. Em termos físicos, na maior parte dos casos, o
investimento significa a construção de bens de capital com o emprego de materiais ordenados e
de energia de baixa entropia, degradando, no processo, a matéria e dissipando a energia.
Ademais, uma vez instalados, esses equipamentos são usados na produção, gerando mais
degradação de matéria e dissipando mais energia. Em essência, portanto, o investimento não
significaria a criação de riqueza, mas uma mera transformação de uma forma de riqueza – os
materiais nobres e a energia fóssil do nosso globo – em outra, os equipamentos e instalações que
se degradam, e que ajudam a acelerar a degradação da matéria e da energia. Em termos físicos,
portanto, a economia contemporânea, fortemente dependente do uso de recursos naturais não
renováveis e, especialmente, de energia fóssil, torna impossível ampliar permanentemente o
estoque de capital – a riqueza da economia.

Para Soddy os economistas só acreditam que isso acontece porque cometem o absurdo,
do ponto de visita físico, de confundir a degradação da matéria e a dissipação de energia do
estoque energético do nosso globo com a acumulação de capacidade produtiva. O autor vê o que
os economistas chamam de acumulação de capital, como um processo de destruição de recursos
naturais não renováveis, acompanhado de aumentos do endividamento.

A crítica de Soddy à análise econômica foi introduzida em palestra proferida na London


School of Economics em 1921, que estendeu e aprofundou em um livro (ver Soddy, 1926).

4
Soddy, um químico e professor da Universidade de Harvard, recebeu o Prêmio Nobel em 1921 por suas contribuições à
teoria da estrutura atômica. Sua crítica à análise econômica está no seu livro Wealth, Virtual Wealth, and Debt (Soddy,
1926). Ver Daly, 1980, e Martínez-Alier, 1987.
5
Ver, por exemplo, Georgescu-Roegen, 1971 e Boulding, 1966.
94

Entretanto, a despeito do prestígio do autor nos meios científicos, os economistas virtualmente


ignoraram sua análise e suas advertências.

Há mais de um século, Serjei Podolinski se voltava à análise de aspectos das inter-


relações entre a economia e o meio-ambiente. Resumidamente, esse autor se dedicou à
computação dos retornos, em termos de energia, das atividades humanas na agricultura. Mostrou,
por exemplo, que a parte da energia contida no consumo alimentar de um trabalhador agrícola
empregada na execução do trabalho físico em uma lavoura, tende a possibilitar a fixação em
plantas, de muito mais energia solar que a energia que possibilitou esse trabalho físico, mesmo se
adicionada à contida nos fertilizantes e outros insumos. A quantidade de energia fixada a mais do
que a gasta depende do desenvolvimento dos meios de produção – da tecnologia.6 Em outras
palavras, Podolinski tentou estabelecer relações entre a produção na agricultura e os insumos
básicos empregados, tudo em termos físicos (de energia); e sua análise se apoiou nas duas
primeiras leis da termodinâmica – com ênfase na lei da entropia –, que só viriam a ser objeto de
interesse de economistas quase um século depois.

Como bom marxista, o autor foi adiante; procurou demonstrar que, se as relações entre
insumos e a produção podem ter expressão física, para entendermos como se efetua a
distribuição da produção é necessário analisar as relações entre as classes sociais. Reconheceu,
assim, que a expropriação de valor criado pelo trabalho em sociedade capitalista não encontra
explicação em relações físicas. A energia despendida pelo trabalhador na agricultura fixa uma
quantidade elevada de energia, mas o trabalhador só recebe parte da energia fixada; há uma
mais-valia energética, apropriada pelo capital.

Podolinski tentou, portanto, combinar a teoria do valor-trabalho com uma teoria do valor-
energia, procurando harmonizar a teoria da mais valia com conceitos da física. A idéia do autor
era que “os princípios da ecologia humana e da economia podem ser analisados em termos do
conceito do retorno energético ao insumo de energia humana, apoiado em estrutura conceitual
da reprodução de um sistema social”. (Martinez-Alier, 1987, p. 52).

Podolinski se correspondeu com Marx e, especialmente com Engels, procurando mostrar


a relevância da sua contribuição; entretanto, não foi bem sucedido. Conforme ressalta Martinez-
Alier (1987), dado "o ceticismo de Marx e Engels em relação às virtudes da mão invisível do
mercado, estes não deveriam ter apresentado parti pris contra a análise do processo econômico
à luz da lei da entropia. Entretanto a pouca importância que, em 1882, Engels deu à economia
ecológica de Podolinsky, fez com que se perdesse a oportunidade de elaborar um marxismo
ecológico." (p. xviii).

Esses dois são exemplos de contribuições isoladas, que não repercutiram sobre a
evolução da análise econômica. Como se verá a seguir, a economia ambiental começa a surgir
bem mais recentemente, como resultado de uma série de eventos.

2.3. Eventos que levaram à incorporação da dimensão ambiental à análise econômica

No final da década de 1960 e no início da de 1970 começaram a surgir análises do


impacto de restrições ambientais sobre o crescimento econômico, e da escala da economia sobre

6
Para detalhes da formulação de Podolinski, ver Martinez-Alier, 1987, especialmente p. 45-53.
95

o meio-ambiente; foram desenvolvidos, também, os primeiros modelos neoclássicos de


equilíbrio geral, considerando explicitamente os papéis do meio-ambiente de fornecer recursos
naturais ao sistema econômico e de assimilar os resíduos e rejeitos dos processos de produção e
de consumo.7 Essa evolução está associada, principalmente, a três eventos: a intensificação da
poluição nas economias industrializadas; os choques do petróleo da década de 1970; e a
publicação, em 1972, do relatório do Clube de Roma.

(1) A acentuação da poluição no Primeiro Mundo. A expansão industrial da Europa,


dos Estados Unidos, do Japão e de parte da União Soviética após a II Guerra Mundial trouxe
fortes incrementos nos fluxos de materiais e de energia passando pelo sistema econômico. Com
isso, no final da década de 1960, a poluição e a degradação ambiental em algumas cidades
industriais e regiões estava claramente excedendo a capacidade do meio-ambiente de assimilá-las
e de se regenerar adequadamente. Surgiram, também, os primeiros indícios de perturbações
globais provocados pela poluição.

À medida que se firmou a consciência da seriedade desses problemas, ficou claro que a
economia convencional precisava ser adaptada ou modificada para tratar dos mesmos. Para a
análise neoclássica, a intensificação da poluição em fins da década de 1960 foi, sem dúvida, o
principal fator no que se convencionou chamar de "revolução ambiental".8

(2) A crise do petróleo da década de 1970. Em 1973, e novamente em 1979, os preços


do petróleo sofreram acentuada elevação. Essa movimentação de preços – que, hoje sabemos, foi
basicamente o resultado do funcionamento do cartel da OPEC – incutiu na opinião pública a
sensação de iminência da escassez de petróleo. Tomou conta, por algum tempo, o receio de que
fosse permanente a crise econômica mundial da década de 1970. As crises do petróleo
contribuíram para aumentar as dúvidas sobre a viabilidade da continuação, por muito tempo, do
crescimento intensivo no uso de energia e recursos naturais. Essa percepção se modificou mais
recentemente, após as extensas descobertas de reservas de petróleo, mas nos anos 70 e no início
dos anos 80 o temor do esgotamento iminente do petróleo marcou profundamente a opinião
pública em quase todo o mundo.

(3) O relatório do Clube de Roma. Na década de 1960, uma série de estudos


extremamente pessimistas9, e os eventos esboçados nos parágrafos anteriores, levaram o Clube
de Roma a encomendar de um grupo de cientistas do MIT, uma avaliação das perspectivas de
longo-prazo da economia e da sociedade mundiais. Para tal, estes desenvolveram um modelo de
computador baseado na dinâmica de sistemas, que usaram para simular o futuro da economia
mundial. O modelo e os resultados das simulações foram publicados em 1972 sob o título The
Limits to Growth.10

7
Ver Ayres e Kneese, 1969, Kneese, Ayres e d'Arge (1970) e Mäler (1974)
8
Uma avaliação nesse sentido está em Croper e Oates, 1992, p. 675.
9
Ver, por exemplo, Paddock e Paddock, 1967, Ehrlich, 1968, e Commoner, (1971).
10
Ver Meadows et al., 1972. Uma discussão resumida dos resultados das simulações está em Randers e Meadows,
1975.
96

Para o The Limits to Growth, a continuação do crescimento demográfico e econômico nos


padrões observados até o início da década de 1970 faria com que, em um prazo relativamente
curto, fossem atingidos ou ultrapassados certos limites físicos, impostos pela restrição de
recursos naturais e pela capacidade do meio-ambiente de assimilar a poluição e se regenerar. Em
conseqüência, seria válido esperar que, antes de meados do século XXI, ocorreria profunda
desorganização econômica e social, forte aumento de desemprego, acentuado declínio na
produção de alimentos e níveis intoleráveis de degradação ambiental. No limite, haveria
significativo aumento das taxas de mortalidade, fazendo a população mundial declinar até atingir
nível compatível com uma base reduzida e altamente degradada de recursos naturais. O fim
catastrófico só poderia ser evitado se houvesse rápida e drástica redução na taxa de crescimento
demográfico e forte contenção da produção material. Sem medidas duras, radicais, para
acomodar a economia e a sociedade mundiais às restrições impostas pelo meio-ambiente, esse
desfecho não poderia ser evitado.

A repercussão sobre a opinião pública e a comunidade científica do The Limits to Growth


foi bastante significativa. Entre os economistas, entretanto, o relatório foi mal recebido. Na
verdade foram de economistas as principais críticas ao trabalho; outras áreas do conhecimento
trataram-no com respeito. Evidentemente, a conclusão de que menos de 100 anos separaram a
humanidade de uma catástrofe ambiental carece de base científica sólida, mas há que reconhecer
os problemas apontados pelo estudo, muitos da maior gravidade (Georgescu-Roegen, 1975, pp.
365); de uma forma geral, entretanto, os economistas consideraram que o The Limits to Growth
não trazia contribuição importante.

Essas três séries de eventos esquentaram o debate sobre as inter-relações entre o sistema
econômico e o ecossistema. Levaram, também, à formação de estrutura institucional, tanto nas
Nações Unidas e em outras organizações internacionais, como em diversos países, e estimularam
o surgimento de organizações não-governamentais. No campo das ciências econômicas, fizeram
deslanchar a economia do meio-ambiente – o foco de análise deste manual. O próximo capítulo
apresenta uma classificação, apoiada em elementos da noção de desenvolvimento sustentável e
em suas hipóteses ambientais, das principais correntes desse campo do conhecimento.
97

Capítulo 7. As principais correntes de pensamento da disciplina ‘economia do


meio-ambiente’

O Capítulo 5 discute em detalhe a questão do desenvolvimento sustentável. Tomamos


emprestados aqui alguns elementos do conceito para ajudar auxiliar a classificar as principais
correntes de pensamento da economia ambiental, e para separar as duas principais, objeto de
avaliação no restante deste volume. A classificação apóia-se, também, na hipótese ambiental de
cada uma das correntes de pensamento focalizadas.

1. O desenvolvimento sustentável e as escolas da economia do meio-ambiente

Vimos que, depois de mais de uma década de discussões e controvérsias sobre os


problemas ambientais associados ao crescimento econômico, em 1983 a Assembléia Geral das
Nações Unidas instituiu a Comissão Mundial do Meio-Ambiente e Desenvolvimento (CMMD),
para realizar um exame dos problemas ambientais decorrentes da atual expansão da escala da
economia mundial e de sugerir estratégias de implementação do desenvolvimento sustentável.
Foi o relatório da Comissão (CMMD, 1987, p. 43) que popularizou o conceito de
desenvolvimento sustentável. Ali se lê que:

"Desenvolvimento sustentável é o desenvolvimento que garante o atendimento das


necessidades do presente sem comprometer a capacidade das gerações futuras de atender
suas necessidades. Engloba dois conceitos-chave:

.o conceito de necessidades, em particular as necessidades básicas dos pobres de todo o


mundo, aos quais se deve dar absoluta prioridade; e,

.o conceito de limitações, impostas pelo estado da tecnologia e pela organização social,


à capacidade do meio-ambiente de assegurar sejam atendidas as necessidades presentes e
futuras.”

Para a Comissão, as limitações impostas pelos atuais estágios de desenvolvimento


tecnológico e de organização social, pelo estado dos recursos ambientais do nosso globo e pela
capacidade da biosfera de absorver os impactos da atividade humana seriam passíveis de
superação, “abrindo caminho a nova era de crescimento econômico" (CMMD, 1987, p.8). Isto a
despeito do fato de que o desenvolvimento sustentável também demande o atendimento das
“necessidades básicas dos pobres de todo o mundo, aos quais se deve dar absoluta prioridade”.

1.1. Metas econômicas centrais do desenvolvimento sustentável

· A manutenção e ampliação da qualidade de vida, numa perspectiva de longo prazo;


· A realização de um amplo esforço no sentido da redução da pobreza; e,
98

· A atuação no sentido da manutenção do capital básico da sociedade humana, definido


para incluir, além do capital produzido, o capital natural.

Vimos que, do ponto de vista da disciplina economia do meio-ambiente, este último


aspecto merece atenção especial, de vez que visões diferentes a respeito do capital natural
marcam o pensamento das suas principais escolas. A idéia é que o desenvolvimento sustentável
implica – pelo menos até certo ponto – em crescimento econômico, mesmo que seja necessário
que este venha acompanhado de profundas mudanças qualitativas. Do ponto de vista da análise
econômica, um dos determinantes fundamentais do crescimento é a acumulação de capital.

Vimos, também, que, do ponto de vista econômico, o desenvolvimento sustentável


poderia ser conceituado como o fluxo máximo de produto passível de ser gerado a partir de um
estoque de capital em expansão, obedecida a exigência da sua conservação. E esta exigência
tem um papel fundamental. O desenvolvimento sustentável requer que a atual geração deixe para
as gerações futuras um estoque de capital que não seja menor que o estoque existente no
presente.

Conforme se argumentou acima, entretanto, o conceito de desenvolvimento sustentável


envolve uma conceituação bem abrangente de capital. Em uma sociedade este é visto como
compreendendo, não apenas o capital produzido e acumulado pelo sistema econômico – a
categoria enfatizada pela análise econômica convencional, como também o capital humano, o
capital social e, com destaque, o capital natural. Para que haja desenvolvimento sustentável, o
que deve ser conservado é o estoque de capital total.

Não vamos voltar a discutir os problemas conceituais associados a essas categorias de


capital – especialmente no que diz respeito ao capital natural. Deixamos de lados essas Vamos,
complicações, imaginando que se tenha desenvolvido uma maneira aceitável de medir o estoque
total de capital da economia em um dado ponto do tempo, a partir dos seus componentes
conforme acima indicados. Mas vamos enfatizar o papel do componente ‘capital natural’. Deve
estar claro, a estas alturas, que a disciplina economia do meio-ambiente não pode ignorar o fato
de que a sustentabilidade envolve a conservação do capital natural, pois este é finito e, de muitas
formas, frágil. A preservação das condições de bem-estar das gerações futuras certamente
depende, de forma crucial, de tal conservação. A discussão do capítulo 5 nos levou a concluir
que um uso inadequado de certos componentes do capital natural que a sociedade tem ao seu
dispor, pode prejudicar a sustentabilidade de seu desenvolvimento.

É verdade, entretanto, que as duas principais escolas da economia do meio-ambiente


apresentam divergências no que tange à importância efetiva do capital natural para o
desenvolvimento sustentável. Uma delas se vale do conceito sustentabilidade fraca segundo o
qual, o capital e o produto de uma economia têm como crescer de forma quase ilimitada,
basicamente porque o capital natural pode, sem maiores problemas, ser substituído por outras
categorias de capital. Já a outra corrente, se apóia no conceito de sustentabilidade forte. A
diferença entre esses dois conceitos – e entre as duas escolas – tem a ver com a capacidade de
diferentes tipos de capital poderem substituir uns aos outros. Ademais, a confiança de que
prevalece a sustentabilidade fraca conduz a uma postura de acentuado otimismo, enquanto a
idéia de que prevalece a sustentabilidade forte está associada a uma visão bem menos otimista
das possibilidades da ocorrência do desenvolvimento sustentável.
99

1.2. A reduzida precisão do conceito de desenvolvimento sustentável

Ressalvamos aqui que o conceito de desenvolvimento sustentável é empregado como


uma peça da estrutura conceitual usada para classificar correntes de pensamento da economia do
meio-ambiente, e não porque consideramos viável a implementação do desenvolvimento
sustentável. São evidentes os enormes obstáculos técnicos e, de forma especial, políticos para
tornar realidade o paradigma.

Nesse sentido, há um ponto que merece ser ressaltado: a aderência que se observa, na
opinião pública, ao conceito de desenvolvimento sustentável reside em sua simplicidade e no
fato de que quase todos concordam com seus grandes objetivos. Quem não vê com simpatia a
combinação da eficiência, com a equidade e a defesa do meio-ambiente, especialmente quando
não se explicitam os custos e a viabilidade disso tudo? Conforme ressalta Lélé (1991, p. 613):

O desenvolvimento sustentável é "um 'meta-arranjo' que une a todos, do


industrial preocupado com seus lucros, ao agricultor de subsistência
minimizador de riscos, ao assistente social ligado ao objetivo de maior
equidade, ao primeiro-mundista preocupado com a poluição ou com a
preservação da vida selvagem, ao formulador de políticas que procura
maximizar o crescimento, ao burocrata orientado por objetivos e, portanto, ao
político interessado em cooptar eleitores."

Na verdade, a noção de desenvolvimento sustentável está muito próxima do critério de


eficiência de Pareto da análise econômica. Isto porque ele admite que muitos podem ganhar mas
exige que ninguém perca – nem os atuais ricos, nem os atuais pobres e nem as gerações futuras.
O relatório da Comissão mostra, entretanto, que os atuais padrões de crescimento não são
sustentáveis, requerendo enérgica implementação de mudanças drásticas para corrigir esse estado
de coisas. A dúvida que surge é: será razoável esperar que tais mudanças sejam Pareto-
eficientes? Será válido supor que, mesmo que tais mudanças originem uma legião de ganhadores,
seja possível evitar que muitos tenham consideráveis perdas?

Certamente, uma maior compreensão da natureza dos custos e sacrifícios envolvidos


traria considerável redução do apoio ao critério do desenvolvimento sustentável. Esta, também, é
uma razão para se deixar vago o conceito.

2. As hipóteses ambientais das correntes de pensamento da economia do meio-ambiente

A Figura 1, abaixo, esboça as inter-relações entre o sistema econômico e o meio-


ambiente. A caixa interna ressalta os dois processos centrais do funcionamento do sistema
econômico: o processo de produção e o de consumo; e o sistema econômico aparece interagindo
explicitamente com o meio-ambiente. Este fornece recursos naturais essenciais à produção e
recebe do sistema econômico fluxos de resíduos dejetos, responsáveis, em boa medida, por sua
degradação. Vimos que, dependendo do horizonte temporal que considere, e do seu viés
analítico, a abordagem de uma dada corrente de pensamento econômico pode ir, desde o
tratamento exclusivo de fenômenos que ocorrem dentro da caixa do sistema econômico, até uma
abordagem que privilegie fortemente as inter-relações entre o sistema econômico e o meio-
ambiente.

A primeira dessas abordagens é a da análise econômica convencional. Vimos que o


“mainstream” neoclássico se concentra em fenômenos que ocorrem dentro da caixa, ignorando
100

os impactos dos processos econômicos sobre o meio-ambiente. Uma decorrência deste estado de
coisas é o tratamento da economia como um sistema cujas inter-relações com o seu meio externo
são destituídas de importância.

FIGURA 1. Inter-relações entre o sistema econômico e o meio-ambiente

RECURSOS ESTADO
NATURAIS GERAL
COMO DO MEIO-
INSUMOS AMBIENTE

Rejeitos; Rejeitos;
Degradação Degradação
MEIO-AMBIENTE

SISTEMA
ECONÔMICO

Produção Consumo

Reciclagem

O “mainstream” da análise econômica se concentra, assim, nos fenômenos que ocorrem


dentro da caixa da Figura 1, ignorando os impactos dos processos econômicos sobre o meio-
ambiente. Vimos, entretanto, que no final da década de 1960, a pressão dos acontecimentos fez
surgir, de forma organizada, o ramo da economia do meio-ambiente. Mas isso não aconteceu de
forma unificada. As abordagens de seus principais ramos diferem consideravelmente,
notadamente no que diz respeito a suas hipóteses ambientais. De forma geral, temos duas
variantes de hipótese ambiental:

● A hipótese ambiental tênue, a de um meio-ambiente benigno, passivo, que pode


incomodar se agredido, mas que é basicamente estável.

● A hipótese ambiental aprofundada, a de um meio-ambiente dotado de certa


fragilidade, passível de sofrer alterações potencialmente desestabilizadoras em decorrência de
pressões antrópicas cumulativas.

Tendo em vista os elementos da Figura 1, a adoção da hipótese ambiental tênue permite


que análise se volte para fenômenos que têm lugar dentro da caixa do sistema econômico
mediante o estabelecimento de inter-relações apenas superficiais entre o sistema e o seu meio
externo. Para formulações com base nessa variante, a degradação ambiental é de interesse, não
pelo que possa estar ocorrendo com o meio-ambiente propriamente dito (este é benigno), mas
pelo reflexo de alterações ambientais sobre o bem-estar dos indivíduos em sociedade.
101

Já formulações com base na hipótese ambiental aprofundada focalizam com certa


ênfase o conjunto das relações entre os dois sistemas indicados na Figura 1. Ou seja, a economia
é explicitamente tratada como um subsistema de um sistema maior com o qual se inter-relaciona;
e se procura estabelecer de forma clara as inter-relações entre os dois sistemas. Análises que se
valem dessa hipótese se fazem do prisma de quem se situa na fronteira entre as duas caixas da
Figura 1, dando ênfase às inter-relações entre elas. Ademais, reconhecem a possibilidade de
ações humanas virem a desestabilizarem o meio-ambiente, com impactos potenciais graves sobre
a sociedade humana.

3. Base conceitual para a avaliação da economia ambiental

Elementos da discussão acima são usados para classificar as escolas de pensamento da


economia do meio-ambiente. De um lado, eles incluem as três dimensões básicas do
desenvolvimento sustentável. Parece desejável que uma corrente de pensamento da economia
ambiental tenha posições implícitas ou explícitas a respeito da:

● Condição Pareteana de que deve ser assegurada, pelo menos, a manutenção do bem estar
dos que hoje vivem nos países ricos e regiões prósperas. Ninguém deve perder, nem os
mais ricos.

● Prioridade a ser dada ao atendimento das “necessidades básicas dos pobres de todo o
mundo”, num esforço de redução das disparidades distributivas. E,

● E, fundamentalmente, que essas duas condições o desenvolvimento sustentável sejam


alcançadas “sem comprometer a capacidade das gerações futuras de atender às suas
necessidades”.

Do outro lado, é importante ter-se uma visão clara da hipótese ambiental das correntes de
pensamento da economia do meio-ambiente. Ou seja, saber se uma dada corrente adota:

● A hipótese ambiental tênue, de um meio-ambiente neutro, passivo, e basicamente estável;


ou,

● A hipótese ambiental aprofundada, de um meio-ambiente passível de sofrer alterações


potencialmente desestabilizadoras em decorrência de pressões antrópicas cumulativas.

A próxima seção efetua um cruzamento desses dois conjuntos de elementos, levando à


uma classificação das principais correntes de pensamento da economia do meio-ambiente.

4. Um breve esboço da natureza das principais correntes de pensamento da classificação

No seu sentido vertical o Quadro 2 indica a ênfase dada por cada corrente de pensamento
da economia do meio-ambiente às três dimensões básicas do desenvolvimento sustentável; no
sentido horizontal se indicam as hipóteses ambientais que estão por detrás de suas análises. Com
base no cruzamento dessas duas dimensões básicas ressaltam-se as seguintes correntes de
pensamento:

4.1. A Economia Ambiental Neoclássica


102

Conforme se demonstra na Parte III, adiante, a economia ambiental neoclássica está


voltada primordialmente aos problemas ambientais de economias de mercado, principalmente as
dos atuais países industrializados. E faz isto com base em a epistemologia mecanicista, que a
leva a supor um meio-ambiente neutro e passivo, sujeito a impactos do sistema econômico que,
em essência, podem ser revertidos.

Quadro 1. Classificação das Principais Correntes de Pensamento da Economia do Meio-


Ambiente

Hipótese Ambiental

Meio-ambiente essencialmente Meio-ambiente tende a


neutro, passivo reagir em face de fortes
Foco predominante intervenções antrópicas
da análise

Análise centrada em
economias de mercado de Economia Ambiental
países ou regiões Neoclássica
desenvolvidos

Análise centrada na
capacidade das gerações Variante da “Economia da
futuras de atender suas Sobrevivência”, da Economia
necessidades (perspectiva de Ecológica
muito longo prazo)

• Variante Cepalina • O ambientalismo dos pobres


Análise centrada em aspectos ambiental de Martinez-Alier
da questão ambiental em • Fundamentalismo sócio- • Variante de Marxismo
países ou regiões pobres ambiental “Verde”

Vimos, nesse sentido, que até recentemente a análise econômica adotava a hipótese de
que a economia domina inteiramente o meio-ambiente. Conforme ressalta Perrings (1987, p. 5-
6), os economistas clássicos reconheciam as “dádivas gratuitas da natureza”, mas como a escala
da economia global de seu tempo era reduzida, o meio-ambiente foi considerado passivo, e as
inter-relações da economia com o seu meio externo acabaram sendo tratadas de forma
superficial. E, com a consolidação da indústria como o setor dinâmico da economia nos países do
Primeiro Mundo, a economia neoclássica que tomou o lugar do pensamento clássico acabou
virtualmente ignorando a natureza, passando a tratar economia como um sistema isolado e
autocontido. E o “mainstream” da economia marxista tradicional adotou postura semelhante.

Para a escola neoclássica, todas as situações podem ser analisadas por suas teorias.
Qualquer evento que ocorra na sociedade humana é caso especial de alguma teoria apoiada no
funcionamento de mercados livres. Mas, como vários aspectos da inter-relação entre a economia
e o meio-ambiente se desenrolam fora do âmbito do funcionamento de mercados, a teoria das
externalidades (ver adiante) deixou de se referir apenas a situações excepcionais e assumiu papel
103

central na economia ambiental neoclássica. Essa corrente de pensamento passou a considerar a


maioria dos excessos ambientais em economias de mercado como resultantes do fato de que
elementos do meio-ambiente – as externalidades ambientais – não geram custos ou benefícios
monetários aos agentes econômicos que os ocasionam. E, como corolário, tornou-se essencial a
procura de formas de internalizar esses custos; a idéia é que, com isso, se estará gerando
situações de melhoria social, julgada pelo critério de Pareto.11

A hipótese ambiental tênue e a prevalência do conceito de sustentabilidade forte,


acabaram instilando na economia ambiental neoclássica uma postura de acentuado otimismo. A
hipótese ambiental da economia ambiental neoclássica supõe não só um meio-ambiente que não
reage de forma mais drástica às agressões do sistema econômico, como também que podem ser
revertidas as conseqüências de tais agressões. Os impactos ambientais da atividade econômica
têm importância, não pelo que acontece com a natureza, mas pelos seus efeitos em termos de
desconforto, de perda de bem estar, dos indivíduos em sociedade. Estes têm que realizar a
escolha entre mais consumo e um meio-ambiente mais limpo. Quanto maior o consumo, maior a
degradação ambiental; quanto mais limpo o meio-ambiente, menor o consumo. É esse o âmbito
da questão ambiental para essa corrente de pensamento.

Ademais, o pensamento neoclássico considera mínima a possibilidade de que o


esgotamento de um recurso natural não renovável possa vir a restringir a expansão da economia.
Apoiada na crença da sustentabilidade fraca e no otimismo tecnológico, trata o esgotamento de
um recurso natural como um mero evento, e não como uma catástrofe.12 Reconhece, entretanto,
que pode haver exploração ineficiente, do ponto de vista do critério de Pareto, mas políticas
adequadas, inspiradas em mecanismos de mercado, podem facilmente resolver problemas deste
tipo. Não cabe, pois, pessimismo em relação à sustentabilidade em economias de mercado bem
estruturadas.

Finalmente, observa-se nessa corrente de pensamento tendência ao emprego de métodos


matemáticos cada vez mais sofisticados; alguns destes chegam a impressionar por sua
complexidade, mas o problema é que tais modelos vêm exigindo a adoção de hipóteses básicas
cada vez mais simplificadas. A irreversibilidade e a não linearidade decorrentes de impactos
sobre o meio-ambiente da atividade econômica, por exemplo, não têm lugar na maioria dos
modelos da economia ambiental neoclássica.

4.2. A economia ecológica

A corrente de pensamento da economia ecológica, e de forma especial sua vertente da


economia da sobrevivência, rejeita liminarmente as hipóteses do meio-ambiente neutro e da
reversibilidade. Além disso, enfatizam as ameaças que a expansão da escala da economia
mundial contemporânea está impondo à estabilidade do ecossistema global, com sérias
implicações sobre o bem estar – ou mesmo à sobrevivência – das gerações futuras.

As análises – especialmente da economia da sobrevivência – enfatizam, pois, aspectos


associados à manutenção das oportunidades das gerações futuras, o que é feito com base em
hipótese ambiental aprofundada. Suas análises tomam emprestados elementos das ciências
naturais, especialmente da física (as duas primeiras leis da termodinâmica; a teoria das estruturas
11
Trata-se de critério para determinar se uma dada alteração na sociedade é ou não desejável, em termos de
ampliação de bem estar dos indivíduos em sociedade. Uma mudança dessas é desejável segundo o critério de Pareto
se a mesma provocar um aumenta na satisfação de pelo menos um indivíduo na sociedade, sem piorar a situação de
nenhum outro indivíduo. Como veremos na Parte III, esse critério é amplamente usado pela teoria do bem estar
social e por suas aplicações (ex., a análise custo-benefício).
12
Ver, a respeito, Solow, 1974.
104

dissipativas de Prigogine). Suas avaliações a respeito do futuro da humanidade tendem a ser


pessimistas; seu receio é que os estilos de desenvolvimento ora prevalecentes possam vir a
sacrificar de várias maneiras a capacidade das gerações futuras de atender suas necessidades. Ou
seja, o funcionamento atual da economia mundial não seria sustentável, e a adoção de trajetória
sustentável exigiria mudanças profundas de estilos de desenvolvimento.

Em termos de recomendações de políticas, suas exortações são essencialmente no sentido


de que se introduzam mudanças na atual ordem econômica; para essa escola, se isso não for
feito, a própria sobrevivência da humanidade será colocado em sério risco.

4.3. Análises enfatizando a redução nas disparidades entre o mundo desenvolvido e os


atuais países em desenvolvimento (entre ‘ricos’ e ‘pobres’)

Certas análises enfatizam os obstáculos à elevação do bem-estar da geração atual dos que
habitam os países em desenvolvimento, especialmente os mais pobres. São análises heterogêneas
e variadas, que ainda não constituem uma escola de pensamento minimamente estruturada. Um
elemento comum nas mesmas é a idéia de que há mecanismos (imaginários ou reais),
estabelecidos pelos países industrializados, que estariam levando o Terceiro Mundo a degradar o
meio-ambiente. Esses mecanismos impediriam, tanto o progresso, como uma reversão da
degradação ambiental nos países em desenvolvimento.

Para abreviar, chamamos as contribuições nessa linha de corrente do desenvolvimento–


subdesenvolvimento. Seguem-se alguns exemplos dessa corrente:

• A teoria CEPALINA dos "estilos de desenvolvimento" dos países da América Latina,


fortemente moldados por seu passado colonial e por tentativas de arrancada econômica
comandada a partir das economias do centro capitalista. Esses estilos de
desenvolvimento seriam fator de permanente degradação ambiental nos países da
Região.

• A corrente do marxismo ecológico, assentada na teoria das crises do capitalismo.

• O ambientalismo dos pobres de Martinez-Alier.13

• Visão da interação entre capitalismo, imperialismo e dependência em países produtores


de recursos naturais. Impactos de interações entre processos internos e externos, que
conduziriam ao desenvolvimento truncado e à degradação ambiental desses países.

• Teorias dos choques culturais (o fundamentalismo cultural).

Este volume apresenta e discute as principais contribuições dessas correntes de


pensamento da economia ambiental. A Partes III focaliza a economia ambiental neoclássica,
ressaltando suas duas grandes vertentes: a teoria da poluição e a teoria dos recursos naturais.
Discute, também, as principais aplicações da economia ambiental neoclássica. A Parte IV avalia
a economia da sobrevivência, procurando diferenciar as contribuições dos iniciadores dessa
escola, das de suas vertentes mais recentes.

13
Ver: Martinez-Alier, 2002.
PARTE III

A ECONOMIA AMBIENTAL NEOCLÁSSICA


106

III.1. INTRODUÇÃO

Capítulo 8 – Origens, natureza e ramificações da economia ambiental


neoclássica

Até fins da década de 1960, o mainstream da teoria econômica, de tradição neoclássica,


não reconhecia que problemas ambientais pudessem, sistematicamente, interferir no
funcionamento eficiente de mercado. No começo deste século, Pigou (1932) chegou a oferecer
elementos para análise desse tipo de falhas, que denominou "externalidades"; entretanto,
conforme mostram Ayres e Kneese (1969, pp. 282-3), as externalidades ambientais eram tratadas
como exceções, quase curiosidades de livro de texto. O sistema econômico funcionaria como se:
(1) existissem fontes inesgotáveis de insumos materiais e de energia para alimentar o
funcionamento do sistema; (2) no processo de produção todos os insumos materiais fossem
inteiramente convertidos em produtos, não ficando nenhum resíduo indesejado; (3) no consumo,
todos os produtos desaparecessem inteiramente, sem deixar vestígios; (4) as instituições da
sociedade assegurassem com que todos os atributos ambientais relevantes pertencessem a
alguém, sendo livremente transacionados em mercados competitivos. Considerava-se, pois, a
economia um sistema isolado, autocontido, cabendo à teoria econômica concentrar-se na análise
dos fluxos de valor de troca circulando no seu interior, entre empresas e famílias.

Essa postura diante do meio-ambiente se justificava enquanto era reduzida a escala da


economia; ou seja, enquanto eram limitados, tanto os requerimentos de materiais e de energia do
sistema econômico, como as suas emissões de resíduos e rejeitos. Na década de 1960, já havia se
tornado evidente que externalidades ambientais são parte normal e inevitável dos processos
econômicos; surgiram, então os primeiros esforços da economia neoclássica para alterar, nesse
aspecto, as bases da sua análise.

Merecem destaque, nesse contexto, os estudos pioneiros de Ayres e Kneese (1969), de


Kneese, Ayres e d'Arge (1970), de Noll e Trijonis (1971), de Tietenberg (1973) e de Mäler
(1974). Estes inovaram ao considerar a economia como um sistema que obtém do meio-ambiente
materiais a serem transformados no processo produtivo bem como a energia para propulsionar
essas transformações; e que devolve esses materiais e essa energia ao meio-ambiente, na forma
de resíduos e rejeitos. Conforme Ayres e Kneese, (1969, p. 284):

..."Os insumos para o sistema (econômico) são os combustíveis, os alimentos e as matérias-


primas que, em parte, são convertidos em bens finais e, em parte, tornam-se resíduos e rejeitos.
Exceto no caso de aumentos nos estoques, os bens finais também terminam ingressando na
corrente de rejeitos. Assim, em essência, os bens que são "consumidos" apenas fornecem certos
serviços. Sua substância material continua existindo e, ou os mesmos são reaproveitados, ou são
descartados no meio-ambiente.

"Em uma economia fechada (sem exportações ou importações) na qual não haja acumulação
líquida de estoques (construções e equipamentos, estoques das empresas, bens de consumo
durável, ou construções residenciais), a quantidade de resíduos inserida no meio-ambiente
natural é aproximadamente igual ao peso dos combustíveis primários, dos alimentos e das
matérias primas que ingressam no sistema produtivo, com a adição do oxigênio retirado da
atmosfera".
Desta forma, incorporou-se à análise econômica o princípio do balanço de materiais.
Passou-se a reconhecer a existência de processo unidirecional e, pelo menos no caso da energia,
107

irreversível – pode haver reversibilidade parcial no caso dos materiais, mas a um custo. Admitiu-
se, também, que, em um mundo finito, essas unidirecionalidade e irreversibilidade podem levar à
crescente escassez de certos materiais; e, que os rejeitos e a poluição crescentes gerados pelo
sistema econômico podem exceder a capacidade de assimilação do ecossistema, causando
preocupante degradação ambiental, não só em âmbito local, como global. Além disso, a análise
neoclássica passou a focalizar os impactos do meio-ambiente sobre o bem-estar dos indivíduos ao
fornecer amenidades, formas de lazer.

A concepção apoiada no princípio do balanço dos materiais exigiu que o processo


econômico fosse visualizado como ocorrendo na forma de fluxos lineares e não mais circulares.
Ou seja, admitiu-se explicitamente que os materiais e a energia extraídos pelo sistema econômico
do sistema maior passam pelos processos de produção e de consumo e voltam ao ecossistema
como resíduos e rejeitos. Uma vez que a matéria e a energia não podem ser criadas do nada, os
materiais usados na produção precisam ser retirados do meio-ambiente, surgindo a depleção de
recursos naturais; como não podem ser destruídas, a matéria e a energia degradadas acabam
voltando ao meio-ambiente, originando a poluição.

Em tese, o princípio do balanço de materiais permite tratamento simultâneo dos


problemas ambientais decorrentes da extração do ecossistema de recursos naturais, bem como da
deposição neste de resíduos e rejeitos. Entretanto, a economia ambiental neoclássica vem
considerando separadamente esses aspectos. Assim é que evoluíram dois ramos quase
independentes: o da teoria da poluição e o das teorias dos recursos naturais.

A teoria da neoclássica da poluição vem se valendo, principalmente, de modelos


estáticos de equilíbrio geral competitivo.1 Desde os trabalhos pioneiros acima citados, vêm-se
desenvolvendo análises dos problemas decorrentes do despejo no ecossistema de rejeitos pelo
processo de produção e de consumo, apoiadas em modelos de equilíbrio geral, na linha da teoria
das externalidades de Pigou. Ao longo das duas últimas décadas surgiram inúmeras contribuições
desse tipo tendo elas atingido elevados níveis de complexidade e sofisticação analítica. A
hipótese implícita em quase todas é a de que não existem fortes limitações do lado da
disponibilidade de materiais e de energia, e que o problema ambiental mais sério está na emissão
de dejetos, de poluentes no meio-ambiente, com repercussões sobre o bem-estar social. Via de
regra, os modelos neoclássicos procuram respostas para as seguintes questões básicas:

(1) Quais os danos da poluição e de outras formas de degradação ambiental decorrentes


do funcionamento do sistema econômico?

(2) Quais os custos e os benefícios de modalidades diferentes de controle da poluição e


de outras formas de degradação ambiental?

(3) Quais os principais obstáculos, introduzidos pela poluição, para o atingimento da


eficiência econômica (no sentido de Pareto)?

(4) Quais os melhores instrumentos de que a sociedade dispõe para atingir níveis
eficientes de proteção ambiental?

1 Existem, evidentemente, exceções. Modelos dinâmicos como, por exemplo, o de d'Arge e Kogiku, 1973,
consideram simultaneamente a extração de recursos naturais e a geração de rejeitos, mas sua importância dentro da
economia ambiental neoclássica ainda é reduzida.
108

O outro ramo da economia ambiental neoclássica – a teoria dos recursos naturais – se


dedica à análise de aspectos dos processos de extração pelo sistema econômico, de recursos
naturais do ecossistema. Neste campo, desenvolveram-se teorias e modelos voltados
essencialmente à respostas das duas seguintes ordens de questões:

(1) Qual o padrão ótimo de uso de recursos naturais específicos? O que deve guiar o
emprego ótimo de tais recursos?

(2) Qual a taxa ótima de depleção de um recurso não renovável?

(3) Como manejar adequadamente um recursos renovável mas que pode ser exaurido por
extração excessiva?

(4) Poderá a disponibilidade limitada de alguns recursos naturais vir a estabelecer limites
físicos ao crescimento econômico?

O tratamento pela economia ambiental neoclássica dessas questões vem se fazendo em


dois planos: o plano microeconômico, e o global (agregado). Em plano microeconômico,
analisam-se recursos naturais específicos: petróleo; minerais; recursos pesqueiros; recursos
florestais. No plano agregado incluem-se as tentativas de responder à questão (4), acima.

Os capítulos que se seguem examinam essas duas vertentes da economia ambiental


neoclássica e tratam de questões relacionadas. O Capítulo 9 focaliza a teoria neoclássica da
poluição, com ênfase na poluição de fluxo. O Capítulo 10 esboça uma abordagem neoclássica à
poluição de estoque. O Capítulo 11 realiza apreciação crítica da teoria neoclássica da poluição. O
Capítulo 12 avalia a essência das teorias de recursos naturais não renováveis. O Capítulo 13
examina a visão neoclássica em face à questão da limitação ao crescimento da economia mundial,
imposta pela disponibilidade fixa de alguns recursos naturais críticos. O Capítulo 14 faz
apreciação crítica de instrumento central da análise neoclássica, adotado em várias das suas
abordagens teóricas, bem como em aplicações da teoria. E o capítulo 15 apresenta um sumário
dos aspectos centrais da teoria dos recursos naturais não renováveis.
109

III. 2. A TEORIAS NEOCLÁSSICA DA POLUIÇÃO

Capítulo 9. Alicerce conceitual da teoria neoclássica da poluição

Vimos que poluição é o nome genérico dado ao fluxo de dejetos gerado pelo sistema
econômico e despejado no meio-ambiente, com efeitos detrimentais, tanto sobre o bem-estar
humano como sobre a sanidade e estabilidade de sistemas ecológicos. Compreende múltiplos
elementos, com características e impactos os mais diferentes. Apresentamos novamente o
diagrama examinado no Capítulo 2, esquematizando aspectos da poluição gerada pelo sistema
econômico, pois o mesmo permite ressaltar aspectos centrais focalizados pela teoria neoclássica
da poluição.
MEIO-AMBIENTE

Recursos Naturais SISTEMA ECONÔMICO Resíduos, poluição

Energia livre ( de Energia dissipada


baixa entropia) Produção Consumo
Matéria degradada
Matéria ordenada
FLUXOS DE
POLUIÇÃO

Parcela absorvida
pelo meio-ambiente
e tornada inofensiva

Parte não absorvida dos


fluxos de poluição

Acúmulo de poluentes
(poluentes de estoque)

Parcela do estoque Danos provo- Danos provo-


tornada inofensiva cados pelo cados pelos
pelo meio-ambiente estoque de fluxos de
poluentes poluentes

Danos totais da
poluição
110

Os danos totais da poluição que merecem destaque na análise neoclássica da poluição


emanam de duas fontes: os fluxos de poluentes que se dissipam, mas apenas depois de causarem
impactos negativos sobre o bem-estar das pessoas e exercerem efeitos detrimentais sobre
ecossistemas; e os fluxos de emanações que se acumulam, formado estoques de poluentes no
meio-ambiente. Este pode absorver parte desses estoques, tornando-a inofensiva mas, com os
aumentos da poluição, os estoques se acumulam; e são esses estoques que causam danos à
sociedade humana e aos ecossistemas.

O Capítulo 2 apresenta exemplos de poluição de fluxo: são as emanações de particulados,


de dióxido de enxofre, de metano, os resíduos industriais, e os dejetos humanos despejados em
corpo d´água. Alguns destes resíduos e dejetos têm efeitos locais, pois são logo dissipados; outros
acabam exercendo impactos sobre para outras localidades, e ainda outros se combinam para
originar efeitos negativos em zonas afastadas das fontes de poluição (a chuva ácida). O principal
exemplo de poluição de estoque, por sua vez, é o do dióxido de carbono que se acumula na
atmosfera, gerando o efeito estufa. Dentro de certos limites, o efeito estufa é benéfico, pois é
graças a ele que as temperaturas próximas a superfície do nosso globo variam de forma a tornar
possível a vida como a conhecemos. Entretanto, há receios fundados que, com a ampliação do
dióxido de carbono acumulado na atmosfera, o calor irradiado da superfície do nosso globo não
se dissipe como deveria, aumentando a temperatura média aqui, com mudanças climáticas de
potencial catastrófico.

Este capítulo avalia os aspectos centrais do tratamento, pela análise ambiental


neoclássica, do fenômeno da poluição. A Seção 1 examina os elementos básicos da teoria
neoclássica da poluição.

1. Base conceitual da teoria neoclássica da poluição

Hoje, a teoria neoclássica da poluição é o ramo mais importante da economia ambiental


neoclássica. Houve época em que problemas de escassez de recursos naturais tiveram certo peso
na agenda neoclássica, mas a partir de meado da década de 1980, a teoria da poluição passou a
predominar. Isso, porque, de um lado, declinou o receio instilado pela crise do petróleo dos anos
70, de que uma escassez generalizada de recursos naturais pudesse impor sérias restrições à
expansão da economia; do outro lado, os problemas causados pela poluição e degradação
originados no sistema econômico passaram a merecer maior atenção, especialmente em
sociedades afluentes, nas quais a preservação ou a recuperação das condições do meio-ambiente
vêm recebendo forte prioridade. Daí a ênfase recente da análise neoclássica na teoria da poluição.

1.1. Modelos de equilíbrio geral e a poluição

É freqüente, na teoria econômica, o emprego de modelos que explicam o equilíbrio do


sistema econômico como um todo. Existem, essencialmente, duas vertentes de tais modelos. Os
modelos macroeconômicos, nos quais o que interessa é a determinação das condições de
equilíbrio da economia como um todo, do ponto de vista de grandes agregados como o de
Produto Nacional, de renda global e do nível geral de emprego. E os modelos de equilíbrio geral
microeconômicos, que tratam do funcionamento da economia como um todo a partir das suas
unidades componentes: os indivíduos (os consumidores) e as empresas (os produtores). A teoria
neoclássica da poluição tem se apoiado em modelos deste último grupo – modelos de equilíbrio
geral.

Os modelos de equilíbrio geral objetivam demonstrar em que condições o comportamento


independente de milhares de agentes econômicos atuando em mercados de bens e serviços e de
111

fatores de produção, cada um se esforçando para maximizar sua satisfação (bem-estar) ou o seu
lucro, conduz o sistema econômico a uma situação de equilíbrio geral eficiente. Os agentes
econômicos são basicamente os indivíduos e famílias atuando em mercados como consumidores
(como demandantes) de bens e serviços e como ofertantes da fatores de produção; e as empresas
que usam fatores de produção organizam a produção e oferecem nos mercados bens e serviços.
As condições de eficiência nos modelos de equilíbrio geral usualmente pressupõem funções de
utilidade (de satisfação) dos indivíduos e de produção das empresas bem comportadas, livre
concorrência (ausência de monopólio), ausência de intervenção distorciva do governo, e não
existência de externalidades. Nessas condições ideais, a teoria do equilíbrio geral demonstra que
funcionamento de mercados livres de produtos e de fatores de produção conduz o sistema
econômico à situação ótima – a um estado de eficiência econômica.

Em essência, a teoria da poluição se vale de modelos de equilíbrio geral nos quais uma
dessas condições não é satisfeita – a da ausência de externalidades. A poluição é uma
externalidade, no sentido de que os agentes econômicos que a emitem impõem, geralmente de
forma involuntária, custos a outros agentes econômicos – consumidores e a outras empresas.
Uma empresa que despeja dejetos em um rio pode estar provocando doenças e perdas de dias de
trabalho a indivíduos que usam as suas águas, e fazem com que outras empresas que também
usam a água do rio incorram em custos de purificação. E quando maior o nível de produção da
empresa poluidora, maiores os custos externos que provoca. Os modelos de equilíbrio geral
demonstram que, com externalidades da poluição, o funcionamento de mercados livres não
conduz a economia a um estado de eficiência econômica.

Uma versão simplificada do modelo de equilíbrio geral competitivo neoclássico (ver


Apêndice) suporia, por exemplo, a existência de uma externalidade chamada "fumaça", emitida
com maior ou menor intensidade por cada uma das empresas da economia, todas operando em
mercados competitivos, tanto de fatores como de produtos. A "fumaça" despejada na atmosfera
afetaria negativamente o bem estar das pessoas. Ou seja, a "fumaça" emitida pelo conjunto de
empresas entraria na função-utilidade de cada indivíduo, e a utilidade marginal do "consumo" da
"fumaça" seria negativa. A fumaça seria um bem (ou melhor, um mal) público, no sentido de que
todos são afetados por ela e a quantidade "consumida" por um indivíduo não desaparece e nem
mesmo diminui. Continua presente, afetando o restante dos consumidores. Em outros termos, não
há a exclusão no consumo. A "fumaça" emitida pelos produtores é "consumida" por todos na
sociedade.

Para determinar solução Pareto-eficiente (ver adiante a definição desse conceito) para o
modelo, supõe-se que exista um planejador onisciente que, conhecendo as funções-utilidade de
todos os indivíduos e as funções de produção de todas as empresas da economia, bem como as
demais informações relevantes, está em condições de fazer os cálculos necessários. O planejador
obtém uma solução maximizando a utilidade de um dos indivíduos da sociedade, dadas as
funções-utilidade de todas as outras pessoas, e com a condição de que ninguém pode ter sua
utilidade total diminuída.

As funções de produção das empresas incluem, como argumento, a "fumaça"; esta é


considerada um insumo do processo produtivo, no sentido de que, ceteris paribus, mais fumaça
permite mais produção, e que outros fatores (por exemplo, equipamentos de filtragem das
emissões) podem substituir a "fumaça" na produção.

O desenvolvimento desse modelo e as conclusões que, em geral, dele se derivam são


apresentadas no Apêndice. A principal dessas conclusões é que a solução eficiente segundo o
critério de Pareto não é obtida automaticamente pelo funcionamento de mercados competitivos.
112

O problema está no caráter de bem público da "fumaça" e no fato de que, para as empresas,
lançar a "fumaça" no meio-ambiente nada custa. Assim, agindo racionalmente, estas são levadas
a poluir em excesso, forçando os indivíduos a "consumir" bem mais fumaça do que na solução
eficiente, determinada pelo planejador onisciente. Ou seja, por falta de "preços" de equilíbrio
competitivo para a "fumaça", a solução competitiva seria ineficiente e a poluição excederia o seu
nível ótimo.
Para que uma solução ótima seja obtida pelos mecanismos de mercado, bastaria, portanto,
introduzir tais "preços". Demonstramos no Apêndice, que a solução do modelo competitivo
eqüivale à solução obtida pelo planejador onisciente desde que se introduza um imposto por
unidade de poluição, onerando as empresas que emitem "fumaça".

Evidentemente, trata-se de exemplo simplificado. Modelos mais abrangentes consideram


o efeito da poluição gerada por uma empresa sobre as demais (o exemplo clássico é o de uma
lavanderia situada próxima à uma fundição), o impacto da poluição gerada por consumidores e
poluições de tipos e efeitos diferentes; tratam, também, do problema das incertezas, do equilíbrio
em mercados não competitivos, das não convexidades e de outros problemas introduzidos por
complicações sugeridas pela realidade. Alguns modelos atingem elevados níveis de
complexidade, empregando métodos altamente sofisticados de análise. A essência de todos,
entretanto, está no fato de que, como a capacidade de absorção da poluição pelo meio-ambiente é
recurso vital, mas sem dono que possa exigir um preço pelo seu uso, nada custa aos agentes
econômicos – produtores e consumidores – conduzir em níveis excessivamente elevados
atividades poluidoras. Fazendo isto, embora estejam agindo racionalmente, impõem custos
externos para a sociedade como um todo. É a inexistência de preços pelo uso da capacidade de
assimilação da poluição que leva à excessiva degradação ambiental em economias de mercado.2

Os modelos de equilíbrio geral com poluição estimularam a realização de estudos na


mesma linha com o emprego de técnicas de insumo-produto, como os de Leontief (1970) e de
Victor (1972). Semelhantemente, a década de 1970 viu surgir uma série de modelos dinâmicos,
investigando o caminho ótimo no tempo de variáveis relacionadas ao processo de extração, pelo
sistema econômico, de recursos naturais do meio-ambiente e de sua devolução a este, na forma de
rejeitos.3 Se, de um lado, esses modelos permitem análise dinâmica das inter-relações entre a
economia e o meio-ambiente, do outro lado, dificuldades metodológicas têm feito com que as
hipóteses básicas dos mesmos sejam extremamente simplificadas, permitindo apenas indicações
de tendências e não avaliações em maior profundidade de políticas (Pezzey, 1989, p. 22). Assim,
a despeito da sofisticação dos modelos dinâmicos, as análises neoclássicas dos problemas da

2 Ver Fisher e Peterson (1976, seção III). Para uma exposição completa e atualizada do estado atual da análise de
equilíbrio geral competitivo contemplando a inter-relação entre a economia e o meio-ambiente, bem como de seu
emprego para gerar sugestões de políticas ambientais, ver Baumol e Oates, (1988).

3 Os modelos dinâmicos usam a teoria do controle ótimo para maximizar o fluxo, ao longo de um dado horizonte
temporal, das utilidades e desutilidades do consumo de bens e serviços e dos estoques de rejeitos e de poluição,
descontados à taxa social de desconto, e sujeitos a restrições de função de produção -- definida para incluir os efeitos
negativos da poluição e o desenvolvimento tecnológico. São restrições, também, a evolução no tempo da
disponibilidade, tanto de recursos naturais, renováveis ou não, como de outros fatores de produção. Esses modelos
permitem traçar a trajetória ótima no tempo, de variáveis consideradas importantes. Mäler (1974) foi um dos
primeiros a empregar a metodologia com esse objetivo. Para exemplos do emprego da teoria do controle ótimo em
modelos para a análise do uso ótimo de recursos naturais e para estudos ambientais, ver The Review of Economic
Studies (1974), e Smith (1977). Para usos da metodologia no exame de questões ambientais em economias em
desenvolvimento ver Pezzey (1989), e Dasgupta e Mäler (1991).
113

poluição vêm nitidamente se valendo de modelos estáticos. O sentimento que prevalece é o de


Fisher (1981, p. 169). No julgamento desse autor, “...os problemas [ambientais] são
essencialmente de má alocação estática. Não nego que a poluição possa se acumular (ou ser
assimilada) ao longo do tempo e que outros processos dinâmicos sejam relevantes (...) Mas
continuo a achar (...) que as questões básicas (de como surgem as externalidades, quais seus
níveis ótimos, de como fazer com que uma economia descentralizada atinja tais níveis) podem
ser elucidadas sem introduzir as complicações da teoria dinâmica.”

No que se segue estaremos examinando a natureza básica dos modelos de equilíbrio geral
neoclássicos bem como aprofundando alguns dos conceitos acima esboçados, abrindo o caminho
para a apresentação de elementos da teoria da poluição.

1.2. Natureza dos modelos de equilíbrio geral

Os modelos de equilíbrio geral neoclássicos são essencialmente individualistas e


utilitários. Eles partem do pressuposto de que os impactos de qualquer ação deve ser julgado com
base nos de seus efeitos sobre o bem-estar da sociedade humana, e considera que esse bem estar é
a agregação do bem estar de cada um dos indivíduos em sociedade. Cada indivíduo tem uma
função utilidade e a utilidade total é uma agregação simples dessas utilidades individuais. Assim,
a avaliação do impacto da ação é feita a partir dos efeitos desta sobre os níveis de satisfação (de
utilidade) do conjunto dos indivíduos em sociedade.

Trata-se de visão essencialmente antropomórfica.4 Se, por exemplo, a ação em questão for
um aumento de produção, o que vale é o seu efeito sobre o conjunto de indivíduos que compõem
a sociedade humana. Se mais produção significar um maior bem-estar social, esse aumento é
essencialmente “bom”. Entretanto, o aumento de produção pode vir acompanhado de mais
poluição, e esta tende a ser considerada um “mal”. Para avaliar se o incremento de produção vale
a pena, cumpre comparar o aumento de bem-estar causado pelo aumento de consumo propiciado
pela produção adicional, com a redução de bem-estar causada pelo aumento de poluição que
resulta dessa produção adicional. Se a variação líquida de bem-estar for positiva, o aumento de
produção será considerado positivo. Caso contrário a avaliação será negativa.

Imaginemos, porém, que o aumento de produção seja acompanhado da extinção de uma


espécie de animal. Se essa extinção não for percebida como prejudicial pela sociedade, nada
significará em termos de bem estar. Cientistas podem registrar e lamentar o fato, mas para o
grosso da sociedade o evento nada significará. É nesse sentido que se diz que é antropomórfica a
essência dos modelos de equilíbrio geral da teoria neoclássica da poluição.

A visão utilitária da análise neoclássica considera, portanto, o bem estar social como uma
função das satisfações (das utilidades) dos indivíduos em sociedade; os modelos de equilíbrio
geral neoclássicos consideram que os resultados de qualquer mudança econômica se expressam
exclusivamente em termos de alterações dessas satisfações individuais. É uma visão simplificada
de sociedade. Trata-se de sociedade sem classes – sociedade composta de um conjunto de
indivíduos, cada um agindo de forma isolada e obtendo satisfação (ou insatisfação) diretamente
do consumo de bens (ou males) e serviços. Os bens e serviços são escassos, e as demandas são
virtualmente ilimitadas; aumentos na produção de bens e serviços, incrementando a satisfação
dos indivíduos, aumentam o bem estar social.

4
Visão que coloca o ser humano no centro de tudo.
114

Umas palavras sobre a função de bem estar social da análise neoclássica. Como vimos no
início do Capítulo 4, os fundadores da ciência econômica imaginavam que a utilidade de um
indivíduo poderia ser medida cardinalmente e que seria apenas questão de tempo a descoberta de
um aparelho para realizar essa medição. Se isso fosse possível, seria muito fácil estabelecer uma
função de bem-estar social, pois esse bem-estar seria a soma das utilidades que os indivíduos
derivam do consumo. Como se sabe, a teoria moderna da demanda abandonou a hipótese da
medição cardinal da utilidade e trabalha com a idéia de que os indivíduos sabem ordenar
racionalmente suas escolhas. Considera apenas que a distribuição da renda é pré-determinada e
que cada pessoa age de forma racional na procura de um máximo possível de satisfação. A teoria
mostra que, sob certas condições o comportamento maximizador dos indivíduos em face a suas
rendas resulta em um máximo de bem estar social. Trata-se de um máximo condicionado – o bem
estar maior que se pode obter, dados a distribuição de renda em sociedade os recursos a seu
dispor.

Evidentemente, cada distribuição inicial de renda possível na sociedade determina uma


situação de máximo de bem estar diferente. Qual a melhor? O utilitarianismo neoclássico não
permite ordenar e comparar os níveis de bem estar resultantes das diferentes distribuições iniciais
de renda possíveis e estabelecer a “melhor”. Para contornar essa dificuldade, a análise
neoclássica criou a figura da função de bem estar social. Supõe-se que existe tal função e que
esta pode ser usada para determinar a “melhor” distribuição de renda da sociedade. Em outras
palavras, a função de bem estar não pode ser deduzida da teoria; ela é introduzida exogenamente
na análise. Portanto, a teoria tem pouco a dizer em relação a uma dada distribuição de renda na
sociedade, em comparação a outras alternativas.

1.3. A noção de eficiência econômica (eficiência de Pareto)

A teoria do equilíbrio geral pode não ser o melhor instrumento para avaliar uma dada
distribuição inicial de renda, mas ela é útil para determinar se uma alocação de recursos
produtivos na economia é eficiente, e se há como aumentar a eficiência da alocação de uma dada
dotação de recursos. E essa eficiência é julgada em termos dos efeitos sobre o bem-estar social
propiciados por tal alocação.

Começamos conceituando mais precisamente o que se quer dizer com o termo “alocação
de recursos”. Em um determinado momento do tempo uma economia dispõe de um conjunto de
recursos produtivos, e os indivíduos que compõem a sociedade terão preferências pelos diversos
bens e serviços que podem ser produzidos a partir de tais recursos. Dadas as tecnologias de
produção disponíveis à sociedade, esses recursos produtivos podem ser alocados (usados) de
muitas formas, cada uma delas resultando em uma determinada configuração de produtos e
serviços. Do lado dos consumidores, uma dada configuração de produtos pode ser distribuída de
várias formas entre os indivíduos em sociedade. Diferentes formas de distribuição do acesso à
produção (de distribuição de renda) originam diferentes níveis de satisfação individual e, assim,
de diferentes níveis de bem estar social. Assim sendo, uma dada alocação de recursos define que
bens e serviços são produzidos, que combinação de insumos é usada na produção desses bens, e
como a produção é distribuída entre os indivíduos em sociedade.

A alocação de recursos se faz, tanto em um dado momento, como entre vários períodos de
tempo. A produção de bens que são consumidos no mesmo período da análise, por exemplo, traz
impactos sobre as utilidades dos indivíduos, e assim, sobre o bem estar social, que é sentidos
naquele período. Já a decisão de não consumir toda a renda – de realizar poupança –, assim como
produção e instalação de máquinas e equipamentos (bens de capital), têm a ver com um horizonte
temporal bem mais extenso, englobando vários períodos. Via de regra, poupa-se para poder
115

consumir mais no futuro; e as empresas investem os recursos poupados visando retornos, também
no futuro. E essas decisões sobre poupança e investimento determinam o crescimento da
economia.

A análise da alocação de recursos é estática, quando se supõe que as decisões de produção


e de consumo se referem exclusivamente a um dado momento no tempo; e é dinâmica se as
decisões de produção, de consumo e de poupança consideram um horizonte temporal de vários
períodos.

Para simplificar, vamos considerar um modelo estático de alocação de recursos.


Suponhamos uma economia cuja disponibilidade de recursos produtivos seja dada, o mesmo
acontecendo com a distribuição inicial desses recursos. A alocação desses recursos é dita
eficiente, se não for possível rearranjar essa alocação e melhorar o bem estar (o nível de
satisfação) de pelo menos um indivíduo em sociedade, sem reduzir o bem estar de pelo menos um
outro indivíduo. Ou, visto de outra forma, uma dada alocação de recursos nessa economia é
ineficiente se for possível rearranjar os recursos e aumentar a satisfação de um indivíduo sem
diminuir a de qualquer outro indivíduo.

A noção de eficiência pode ser ilustrado com o modelo de sociedade com dois indivíduos
– que exibem funções utilidade bem comportadas –, dois bens e duas empresas produzindo cada
um desses bens. A microeconomia elementar mostra que se pode obter com um modelo desses
uma Fronteira de Possibilidades de Utilidade, como a que está representada abaixo. Essa fronteira
estabelece todas as combinações de utilidade dos indivíduos 1 e 2, compatíveis com a
disponibilidade de recursos produtivos, de tecnologias e com as funções utilidade dos dois
indivíduos.

Com uma dada disponibilidade de recursos, supondo dados a tecnologia, as preferências


dos indivíduos, a Fronteira de Possibilidades de Utilidade divide o espaço da combinação de
utilidades dos dois indivíduos em uma área factível – a que está abaixo da fronteira – e uma área
não factível, a que se situa acima da fronteira. Uma alocação de recursos, portanto, leva a um
ponto na fronteira ou abaixo desta. Mas uma alocação de recursos eficiente necessariamente
conduz a um ponto sobre a fronteira. Isso porque, em um ponto sobre a fronteira – por exemplo, o
ponto B – não dá para aumentar a satisfação do indivíduo 2 sem reduzir a do indivíduo 1. Como é
impossível ir para além da fronteira, o aumento da satisfação de um indivíduo necessariamente
requer a diminuição da satisfação do outro. Assim, pontos como B, C e D na fronteira, são
eficientes.

U1

A B

• D
116

U2
Fronteira de Possibilidades de Utilidade

Em relação ao ponto A, não será eficiente um rearranjo na alocação de recursos que leve
ao ponto D, na fronteira, pois esse movimento representa um aumento na satisfação do indivíduo
2, acompanhado de forte redução na satisfação do indivíduo 1. Em relação à alocação de recursos
inicial em A, só será eficiente, pelo critério de Pareto, o rearranjo na alocação de recursos que
leve a um ponto da fronteira entre B e C.

2. Eficiência, mercados e externalidades

Como já se assinalou, a análise econômica neoclássica demonstra que, sob certas


condições e hipóteses, o funcionamento de mercados livres conduz a alocações eficientes de
recursos na economia. Os agentes econômicos, maximizando utilidades e lucros, tenderão a gerar
nos mercados um conjunto de preços de bens e serviços que conduzirá à eficiência na alocação de
recursos. Quais as condições para que isso ocorra? Elas são as seguintes:

1. Existem mercados para todos os recursos produtivos, bens e serviços objetos de trocas.

2. Todos os mercados devem funcionar em regime de concorrência perfeita; os preços


devem ser determinados de forma impessoal pelos mercados, e nenhum agente econômico deve,
por si só, ter meios de influenciar diretamente a formação de preços da economia. Todos são
tomadores dos preços; estes são formados pelos mercados.

3. Os agentes econômicos dispõe de informação perfeita no que tange ao funcionamento


dos mercados.

4. As funções utilidade e de produção são bem comportadas, exibindo as condições de


convexidade.

5. Os direitos de propriedade sobre todos os recursos são claramente definidos e


respeitados. Os proprietários desses recursos recebem o pagamento adequado pelo seu uso.

6. Não existem externalidades. Ou seja, para cada indivíduo, o nível de satisfação é


determinado exclusivamente pelo consumo de bens e serviços desse indivíduo; a satisfação de um
indivíduo não pode ser afetada pelo consumo de um outro indivíduo. Semelhantemente, o nível
de produção de uma empresa não pode ser afetado pelas produções de outras empresas. Colocado
de outra forma, a obtenção da eficiência mediante o funcionamento de mercados livres requer que
as atividades de produção e de consumo de qualquer agente não sejam afetadas pelas atividades
de produção e de consumo de outros agentes.

Trata-se de hipóteses pouco realistas; no mundo real não existem mercados perfeitos e
dificilmente os efeitos das ações de um agente econômico deixam de afetar os níveis de produção
e de consumo de outros agentes. Mas as mesmas originam um paradigma interessante para a
análise de aspectos do funcionamento de economias.

A teoria neoclássica da poluição se interessa principalmente pelos problemas causados


pelos efeitos externos da produção e do consumo – com as externalidades. Vimos que há
externalidade quando as decisões de produção ou de consumo de um agente econômico afetam a
117

utilidade ou a produção de outro(s) agente(s) de uma forma não intencionada, e quando não há a
compensação pelo agente que produz o efeito externo aos agentes afetados pelo mesmo. Num
mundo sem externalidades, a utilidade de cada indivíduo depende exclusivamente da quantidade
dos bens e serviços por ele demandados e consumidos; e a produção de cada empresa depende
exclusivamente das quantidades de insumos que a empresa decidir compara e usar na produção.
Na prática, porém, o comportamento dos consumidores e dos produtores é afetado, de formas não
desejadas e não compensadas, pelas utilidades obtidas por outros consumidores e pelas produções
geradas por outros agentes. O comportamento econômico quase sempre gera efeitos externos –
causa externalidades.

Conforme se depreende da discussão do parágrafo anterior, existem duas categorias de


externalidades: as externalidades no consumo e as externalidades na produção. Um exemplo de
externalidade no consumo é o do indivíduo que toca seu aparelho de som em volume muito alto,
perturbando seriamente o seu vizinho. A satisfação desse indivíduo aumenta com o volume do
som de sua música, mas quanto mais alto esse volume, maior o mal estar causado ao vizinho.
Este último é forçado a consumir o barulho do indivíduo mesmo sem o desejar; ou seja, o dono
do aparelho de som gera custos (em termos de desconforto) a outros sem que tenha arcar como os
mesmos. Se o dono do aparelho de som tivesse que compensar o vizinho pelo mal estar que
provoca, ou se tivesse que pagar uma taxa proporcional ao volume de decibeis emitidos,
certamente moderaria o volume de seu aparelho. Como isso não ocorre, acaba produzindo
barulho em excesso. O mercado não gera alocação eficiente.

Um exemplo clássico de externalidade na produção é a de um abatedouro de animais


situado à beira de um rio, no qual despeja resíduos e dejetos do abate; mas um pouco abaixo no
rio existe uma lavanderia, que usa a sua água como insumo. Por causa dos dejetos despejados
pelo abatedouro, a lavanderia necessita realizar tratamento da água, para o que incorre em custos.
Se o abatedouro fosse fechado, a lavanderia não teria nenhum custo de tratamento e purificação
(supomos que não há outros agentes poluidores das águas ali). Mas se houver abate, haverá
poluição das águas do rio e, quanto maior o nível de atividade do abatedouro – quanto mais
animais forem abatidos – maior o custo do tratamento que a lavanderia terá que incorrer. Em
outros termos, na função custo da lavanderia existe um elemento que não depende diretamente do
seu nível de atividade; é, ao invés, o resultado externo das atividades de um outro agente
econômico – o abatedouro, com seu despejo de dejetos. Este provoca uma externalidade sobre a
lavanderia; e como não custa nada ao abatedouro lançar dejetos na água do rio, o abatedouro é
levado a produzir demais. Pode-se demonstrar que isso representa uma alocação não eficiente de
recursos na economia. Para haver eficiência, seria necessário, por exemplo, cobrar uma taxa
sobre cada metro cúbico de dejetos que o abatedouro joga no rio; se isso acontecesse, este
certamente reduziria sua produção, e a alocação de recursos se aproximaria do ótimo estabelecido
pelo critério de Pareto.

Nem toda a externalidade é negativa. O dono de um pomar situado lado a lado às


instalações de um apicultor, é um exemplo de duas atividades que mutuamente se beneficiam
uma da outra. O dono do pomar tem mais produção porque as abelhas do apicultor polinizam
suas árvores; e o apicultor tem mais produção porque as abelhas podem se valer das flores do
pomar para produzir mel. Se não houvesse o apicultor, o pomar receberia menos abelhas e a
polinização seria menos eficiente; e se não houvesse o pomar, as abelhas do apicultor teriam que
procurar mel de áreas mais distantes e provavelmente de uma concentração menor de plantas com
flores. Assim, ambas as atividades exercem uma externalidade positiva, uma sobre a outra. A
função custo de uma tem como argumento o nível de atividade de outra. Mas, apesar dessa inter-
relação entre as duas atividades, a quantidade produzida por cada uma é menor que a que
resultaria de situação em que cada uma pudesse cobrar os serviços prestados à outra.
118

Um pouco de reflexão nos leva à conclusão de que a poluição é uma externalidade


negativa. Os produtores-poluidores originam fluxos de bens e serviços que, quando consumidos,
geram bem estar aos indivíduos; e o processo produtivo também origina, simultaneamente à
produção, fluxos de resíduos, de dejetos – de poluição – que, dispersos no meio-ambiente,
causam mal estar aos indivíduos. Mas a poluição não é objeto de transações em mercados; esta é
imposta aos indivíduos em sociedade sem que eles a desejem. E os produtores que emitem
poluentes nada pagam para fazer isso. Poluem o meio ambiente, gerando um custo social, mas
não arcam com esse custo.

Há muito tempo os economistas neoclássicos conhecem o problema das externalidades do


tipo dos causados pela poluição. Todavia, até recentemente, tendiam a considerar as
externalidades como eventos excepcionais. Só recentemente um ramo da teoria neoclássica – a
sua economia ambiental – passou a admitir que a externalidade da poluição é um evento normal,
que não pode ser ignorado ou escondido por hipóteses simplificadoras. Passou também a admitir,
como regra, que a externalidade da poluição não permite que mercados livres conduzam, por si
sós, a soluções eficientes segundo o critério de Pareto. Há, pois, a necessidade da implantação de
medidas e políticas para promover a internalização das externalidades da poluição –
internalização no sentido de fazer com que o agente que provoca a poluição arque com os custos
que a mesma impõem sobre os indivíduos, e sobre outras empresas. Só assim se estará
aproximando a economia de uma situação de eficiência.

Em termos do gráfico acima, havendo poluição, mercados livres conduzirão a um ponto


dentro da Fronteira de Oportunidades de Utilidade; e a implantação de políticas apropriadas – por
exemplo, uma taxa sobre cada unidade de poluente despejada no meio-ambiente – pode levar a
economia a um ponto mais próximo da fronteira. Existe, pois, um nível de poluição eficiente, isto
é, uma poluição compatível com o máximo de bem estar dos indivíduos em sociedade, mas este
não é atingido com o funcionamento de mercados livres. Para tal, são necessárias políticas que
aproximem a alocação de recursos de uma situação de ótimo de Pareto. É esta a principal
mensagem – e sugestão de estratégia de atuação contra a poluição – da economia ambiental
neoclássica.

Os dois capítulos que se seguem apresentam versão simplificada da análise neoclássica da


poluição. Objetiva-se com eles aprofundar um pouco a discussão, e introduzir alguns dos
instrumentos analíticos freqüentemente usados pela economia ambiental neoclássica para tratar
de problemas concretos de poluição, sempre com o objetivo de aproximar a economia de situação
de ótimo de Pareto.
119

Capítulo 10. A Poluição de Fluxo

1. O modelo teórico simplificado para o caso de poluição de fluxo

Conforme demonstrado no modelo de equilíbrio geral do Apêndice, para a economia


ambiental neoclássica existe uma poluição ótima – do ponto de vista dos indivíduos em
sociedade –, que resulta do equilíbrio entre a satisfação que estes derivam da produção e
consumo de bens e serviços, com o mal-estar provocado pela poluição resultante dessa produção
e desse consumo. Parte-se da idéia de que, quanto maior a produção e o consumo, maior o bem
estar social resultante; mas, também, maior será o dano provocado pela poluição associada a tal
produção e consumo. Nesta seção apresenta-se uma abordagem neoclássica à poluição de fluxo,
desenvolvida com base na teoria microeconômica elementar da firma e do equilíbrio do
produtor.5 Esta serve de ponto de partida para a elaboração de abordagem gráfica simplificada,
permitindo estabelecer o conceito de poluição ótima, e mostrar porque esta não ocorre em
mercados livres. O modelo aqui desenvolvido também servirá de base para as aplicações e para o
exame das sugestões de política que usualmente se fazem com base na análise neoclássica,
visando o atingimento do nível ótimo de poluição. O modelo simplifica bastante a realidade para
facilitar a compreensão dos pontos centrais da abordagem neoclássica.

Suponhamos uma empresa que produz um único bem (um produto x), que pode vender no
mercado a preço determinado pela demanda do bem. Para simplificar, fazemos a hipótese de que
a empresa é tomadora de preços; isto é, para a empresa o preço de mercado P* é dado, e ela pode
vender quanto queira da sua produção a tal preço. A curva de Receita Total da empresa (a receita
que pode obter da venda de diferentes quantidades do bem que produz) está representada na
Figura 1, adiante.

Figura 1: A função Receita Total da produção e venda de x.

Receita Total (R$)


(P* . x)

Receita Total (RT)

0 x (produção por período)

Suponhamos, agora, que a função custo de produção do bem x, de curto prazo, seja
composta de um componente fixo – o custo que a empresa terá que cobrir seja qual for o nível de
produção (mesmo que este seja zero), e de um componente que varia com o nível de produção. A
5
O pano de fundo para a análise é o de modelo de equilíbrio geral, semelhante ao do Apêndice.
120

teoria microeconômica demonstra que, dadas certas hipóteses sobre o processo produtivo que não
serão discutidas aqui, o custo variável – e também o custo total – aumenta com a produção, e que
esse aumento é mais que proporcional ao incremento da produção. Ou seja, a representação
gráfica da função custo de curto prazo da empresa é a da Figura 2, abaixo; trata-se de
representação corrente da análise microeconômica elementar.

Figura 2: A função Custo Total de produção do bem x.

Custo Total

Custo Total (CT)

0 x (produção por período)

A diferença entre a receita total e o custo total da empresa de produzir cada quantidade de
x pode ser representada em um gráfico – ver a Figura 3. O gráfico estabelece a diferença vertical
entre RT e CT, a cada nível de x produzido e vendido. Vamos chamar esse gráfico de curva de
Benefício Total resultante da produção de x.

Figura 3: A função Benefício Total da produção de x.

Benefício Total
(B)

0 x (produção por período)


x’ xo x"
B = RT - CT

Como se pode ver, a baixos níveis de produção, a receita será menor que o custo total de
produção e B será negativo. Para níveis mais elevados de x, a RT excederá o CT, e o Benefício
Total será positivo. Na verdade, acima do nível de produção x’, este cresce até xo; depois passa a
declinar. Mas depois de x”, a receita se torna novamente inferior ao custo de produção, e B é
novamente negativo.
121

Pode parecer que a curva da Figura 3 descreve apenas o que a empresa pode esperar
ganhar da produção e venda de diferentes quantidades de x; a teoria econômica demonstra,
entretanto, que, sob certas circunstâncias, a curva reflete o benefício social de diferentes níveis de
produção (e de consumo) de x. Isso porque, presumivelmente, a produção vendida gera bem-estar
a quem compra e consome o produto. Supondo dadas a renda e os gostos e preferências dos
consumidores, a teoria demonstra que o consumidor que decide pagar P* para consumir a
quantidades de x que adquire da empresa, o faz porque essa alocação de sua renda é a que maior
satisfação (bem-estar) lhe traz. Na verdade, a teoria demonstra que a solução ótima, tanto para a
empresa como para os que compram x, é a produção e venda da quantidade xo do produto. Se,
entre outras coisas, o mercado for livre, a informação perfeita e os produtores e consumidores
agirem racionalmente, esse nível de produção será eficiente, do ponto de vista social.

Entretanto, para a nossa análise necessitamos é, não do benefício total a cada nível de x,
mas a adição de benefício que a última unidade de x produzida e vendida traz – ou seja, o que a
teoria econômica denomina benefício marginal de x. Formalmente, o benefício marginal de x é a
variação no benefício total produzida por uma mudança muito pequena na produção e venda de x.
Podemos, de forma aproximada, representar o conceito com a seguinte fórmula:

Benefício Marginal = ∆B / ∆x.6

Como se pode ver na função Benefício Total da Figura 3, o Benefício Marginal da


produção de x é positivo entre 0 e xo; um aumento de produção sempre trará um incremento de
Benefício Total. Mas acima de xo, um incremento de produção fará o Benefício Total diminuir; o
benefício marginal será negativo. Além disso, o formato da função Benefício Total da Figura 3
nos assegura que, embora positivo, o Benefício Marginal de x diminui entre 0 e xo, tornando-se
nulo a esse último nível de produção. Ou seja, a função Benefício Marginal tem o formato da
curva da parte de baixo da Figura 4, que se segue.

6
Se fizermos ∆x tender para zero, a função Benefício Marginal será dB/dx. Ou seja, a derivada da função Benefício
Total a cada nível de x.
122

Figura 4: A função Benefício Marginal de x.

Benefício Total
(B)

0 x (produção por período)


xo
B = RT - CT

∆B / ∆x

Benefício Marginal da poluição

0 xo x (produção por período)

Examinando as funções Benefício Total e Benefício Marginal da Figura 4, verifica-se que


ao nível de produção xo, em que o Benefício Total é máximo, o Benefício Marginal é zero. Uma
redução na produção e venda de x para aquém de xo significará um Benefício Marginal positivo
mas um Benefício Total inferior ao máximo; e um aumento da produção de x para além de xo
significará um benefício marginal negativo e, também, um nível menor de Benefício Total.
Assim, a regra de otimização da produção do modelo requer que a empresa produza e venda o
bem x no nível em que o beneficio marginal é zero.

2. A produção ótima em face à poluição

Suponhamos, agora, que a produção de x origine poluição de fluxo; para simplificar,


fazemos a hipótese de que se trata de tipo único e uniforme de poluição, mas que esta é
considerada pelas pessoas um sério desconforto, quando não ameaça à saúde e ao patrimônio.
Entretanto, nada custa à empresa poluir; esse custo é sentido por outros indivíduos e entidades.
Ou seja, a poluição é uma externalidade – é um custo gerado pela empresa poluente mas que não
é assumido por ela, e sim por outros na comunidade onde opera. Suponhamos, também, que a
quantidade de poluição emitida seja proporcional à produção de x. Vamos fazer Ψ = k.x, onde Ψ
é o volume de poluição decorrente de um dado nível de produção, e o coeficiente k, constante, é a
quantidade de poluição por unidade de produto. Assim, quanto maior a nível de produção de x
por unidade de tempo, maior o fluxo de poluição emitida pela empresa. Na verdade, dada a
relação de proporcionalidade acima, o formato de uma função exprimindo o benefício total da
123

poluição é muito parecido ao formato da curva de Benefício Total das Figuras 3 e 4. O mesmo
pode ser dito com relação à curva de produto marginal da poluição. E, se as unidades de medida
forem adequadamente definidas, podemos fazer k = 1; temos, assim, as curvas de benefício
marginal da produção e da poluição representadas na Figura 5.

Dada a proporcionalidade entre a produção de x e o volume de emissão de poluição, Ψ,


pode-se dizer que há um nível de poluição ótimo – do ponto de vista da empresa. Este é Ψo no
gráfico inferior da Figura 5. Esse nível de poluição é o que resulta da produção ao nível xo, que
como vimos, é a produção que maximiza o benefício líquido da empresa. Como nada custa à
empresa poluir, ela simplesmente não toma em conta a poluição e produz x ao nível que
maximiza o seu benefício líquido.

Figura 5: A função benefício marginal da poluição

dB / dx

Benefício Marginal da Produção

0
xo x (produção por período)

dB / dΨ

Benefício Marginal da Poluição

0
Ψo Ψ (poluição por período)

A teoria econômica mostra que, se fosse possível produzir sem emitir poluentes, o nível
de produção xo seria ótimo, tanto para a empresa que produz e vende x, como para os
consumidores desse produto, e que qualquer outro nível de produção pioraria a situação, tanto da
empresa, como dos consumidores. O nível de produção xo seria eficiente pelo critério de Pareto.
Com a poluição, entretanto, isso cessa de ser verdade. Isso porque, junto com o consumo de xo, a
sociedade – os consumidores e outras entidades – é forçada a “consumir” os efeitos negativos da
poluiçãoΨo decorrente da produção. Ou seja, a sociedade é obrigada a assumir os custos da
poluição que a companha a produção da empresa. Trata-se, pois, de situação não ótima.
124

Vamos fazer a hipótese de que é possível mensurar, em termos monetários, o custo


decorrente de cada nível de poluição. Parece correto supor que, via de regra, a baixos níveis de
poluição, uma unidade a mais da emanação do poluente, provoque desconforto e danos
reduzidos, mas que, a medida que se ampliam as emissões do poluente, os danos gerados por
unidade adicional do poluente emitida se ampliam. Com base nessa suposição, teríamos uma
função Dano (ou custo) Marginal da Poluição (dD / dΨ), exibindo relação direta entre o nível da
poluição e o incremento do custo total da poluição. A Figura 6 esboça essa relação.

Figura 6: A função Dano Marginal da poluição

dD / dΨ
Dano Marginal da Poluição

λo

0 Ψ (poluição)
Ψo

Examinando as figuras 5 e 6, percebe-se que, ao produzir xo gerando poluição Ψo, a


empresa estará maximizando o seu benefício líquido total, mas estará impondo à sociedade um
dano (um custo) por unidade de poluente que emite, de λo. Será esta uma solução ótima do ponto
de vista social? Para responder a essa questão temos que colocar juntos as funções Benefício
Marginal e Dano Marginal da poluição (Figura 7).

Figura 7: Benefícios e Danos Marginais da Poluição

dB/dΨ
dD / dΨ
Dano Marginal da Poluição
Benefício Marginal
da Poluição

λo

0 Ψo Ψ (poluição)

Como se pode ver, o nível de poluição Ψo maximiza o benefício líquido da empresa, que
emite poluentes sem nada pagar por isso, mas causa um custo por unidade de poluente de λo, que
é assumido pelo resto da sociedade. Esta é, sem dúvida, uma situação desequilibrada; não parece
125

justo que a empresa não assuma os custos da poluição que emite. Como fazer com que isso
ocorra? Para tal temos que conhecer o que custaria à empresa reduzir suas emissões de poluentes.
Qual seria essa redução? Para dar uma resposta vamos supor que, em um primeiro momento, a
única forma de a empresa limitar os danos da poluição seja a de reduzir o seu nível de produção,
e assim, de emissões. Num prazo mais longo ela pode instalar equipamento para filtrar ou tratar
suas emanações, mas de imediato, a única forma da empresa reduzir a poluição é limitando sua
produção.

No curto prazo, portanto, o custo marginal de reduzir a poluição para a empresa é o


descrito pela própria curva de benefício líquido da empresa. Começando do nível de poluição Ψo
(e de produção xo), qual o custo para a empresa de reduzir a poluição que emite? Este é igual a
queda de benefício líquido da empresa, decorrente da redução na produção necessária para
diminuir a poluição. Em termos marginais, a medida que a poluição é reduzida a partir de Ψo, o
benefício líquido sacrificado da última unidade de redução de poluição (e de produção) é dado
pela curva de benefício líquido. E, como se pode ver na Figura 7, quanto mais se reduz a poluição
a partir de Ψo, maior se torna o benefício líquido sacrificado.

A teoria neoclássica da poluição se preocupa em determinar a poluição eficiente – o nível


de poluição que maximiza o benefício social líquido da poluição. A primeira vista, pode parecer
que esse nível de poluição deve ser zero. Entretanto, a única forma da empresa não emitir
nenhuma poluição é não produzindo. Mas, sem produção, como satisfazer a demanda dos
consumidores? Como gerar produtos para garantir um nível de adequado de bem-estar social? A
teoria neoclássica da poluição mostra que existe um nível de poluição (e de produção) que
equilibra o benefício líquido derivado da produção e do consumo do bem, com o dano social
decorrente da poluição associada a esse nível de produção. Para tal a empresa teria que incorrer
em um custo, que seria igual ao benefício sacrificado para reduzir em relação ao nível Ψo, a
poluição para o nível ótimo.

Como determinar o nível eficiente (ótimo) da poluição? Matematicamente pode-se obter


uma solução a partir das funções de Benefício Total da poluição, B(Ψ), e da de Dano Total
resultante da poluição, D(Ψ). O que se deseja é achar o nível de poluição (e de produção de x),
em que o Benefício Líquido total para a sociedade da poluição [BL(Ψ)] seja o maior possível.
Via de regra, o nível ótimo de poluição não deve ser zero pois a esse nível não haveria
emanações, mas também não se estaria produzindo (e consumindo).7 E não deve ser Ψo pois,
embora a esse nível a empresa estaria maximizando o benefício total que obtém da produção, os
danos derivados da poluição seriam muito elevados. Na verdade, o nível ótimo de poluição se
situa entre esses dois extremos. Para determina-lo, partimos da equação Benefício Líquido da
poluição – a diferença entre o benefício total que a empresa obtém da poluição, e o dano total que
a poluição na sociedade. Ou:

BL(Ψ) = B (Ψ) – D (Ψ)

A regra de maximização do benefício líquido – obtida da condição de primeira ordem de


equilíbrio de máximo8 -- requer que determinemos o nível de poluição em que a derivada de
BL(Ψ) com relação a Ψ é igual a zero. Ou seja:

7
Excepcionalmente, entretanto, a emissão ótima de um determinado poluente pode ser zero. Isso ocorre se o
poluente for tão prejudicial que seja preferível nada produzir do bem que requer essas emanações toxicas.
8
Supomos funções bem comportadas do ponto de vista matemático, o que faz com que a condição de segunda
ordem de máximo seja assegurada.
126

d BL(Ψ) / d Ψ = {dB(Ψ) / dΨ} - {dD(Ψ) / d Ψ }= 0.

Isso nos permite escrever:

dB(Ψ) / dΨ = dD(Ψ) / dΨ.

Na Figura 8 estão representadas as funções {dB(Ψ)/dΨ}, de benefício marginal da


poluição, e {dD(Ψ)/dΨ}, de dano marginal da poluição. Note-se que, na figura 8, o nível de
poluição que satisfaz a condição acima é Ψ*. Este é o nível de poluição eficiente (ótimo); e é
eficiente pois a esse nível de poluição BL, o benefício social líquido, será o máximo. A figura
também mostra o “preço” de equilíbrio da poluição, λ*. Entretanto, este é um preço que não
existe, pois não há mercado para a poluição. Trata-se do que os economistas chamam de “preço
sombra” da poluição – o “preço” que, se a empresa passasse a pagar por unidade de poluição
emitida, ao maximizar seu lucro, estaria reduzindo o nível de poluição, de Ψo para Ψ*, ou seja,
para o nível ótimo de poluição. Em outras palavras, é o preço implícito que, se cobrado, levaria à
maximização do benefício líquido da poluição. Como veremos adiante (e como está demonstrado
no modelo de equilíbrio geral do Apêndice), um instrumento de política visando aproximar a
poluição do seu nível ótimo requer a cobrança de um tributo por unidade de poluição emitida; e a
magnitude desse tributo, no nosso caso, é o “preço sombra”, λ*.

Pode-se oferecer uma demonstração intuitiva de que Ψ* é, efetivamente, o nível de


poluição que maximiza o benefício social líquido, BL – ou seja, é a poluição eficiente. A
matemática nos permite demonstrar que, a partir da curva marginal de um atributo (ex., a de
benefício marginal da poluição) se pode determinar o total do atributo em questão entre dois
níveis da variável que afeta esse atributo. Na figura 8, por exemplo, o benefício total entre os
níveis de poluição Ψ* e Ψo é igual à área debaixo da curva de benefício marginal, configurada
pelos pontos Ψ*, A e Ψo. Incidentalmente, essa área nos dá a magnitude da redução total do
benefício da poluição para a empresa quando esta reduz sua emanação de poluentes de Ψo para
Ψ*.

Figura 8: A Poluição Eficiente

dB/dΨ
dD / dΨ
Dano Marginal da Poluição
Benefício Marginal
da Poluição

λo E

A
λ *

0 Ψ* Ψo Ψ (poluição)

Será que Ψ* realmente maximiza BL? Com base no explanado no parágrafo anterior, o
benefício líquido social total de poluir a esse nível é igual à área debaixo da curva de Benefício
127

Marginal para a empresa, entre 0 e Ψ*; e o dano total decorrente desse nível de poluição é igual à
área debaixo da curva de Dano Marginal, também entre 0 e Ψ*. E o benefício líquido social total
nesse intervalo é a diferença entre essas duas áreas. Para que essa diferença também corresponda
ao máximo de BL, é preciso que não haja outros níveis de Ψ que originem um benefício líquido,
BL, maior.

Para ver que isso não acontece vamos considerar níveis de poluição acima e abaixo de
Ψ*. Vamos supor que, inicialmente a poluição emitida pela empresa estivesse no nível ótimo,
Ψ*, e que o nível de poluição passasse para Ψo. O critério das áreas em baixo das curvas
marginais entre as poluições Ψ* e Ψo nos permite ver, no diagrama da Figura 8, que esse
movimento traria um aumento de benefício líquido para a empresa correspondente à área Ψ*, A e
Ψo , mas que o aumento de dano ambiental seria igual à área Ψ*, A, E, Ψo. Examinado essas
duas áreas, verifica-se que haveria um benefício líquido total, BL, negativo na magnitude da área
delimitada pelos pontos Ψo , A e E. Ou seja, um aumento da poluição, acima do nível seu ótimo
Ψ*, provocaria uma redução no benefício líquido total.

Partindo outra vez de Ψ*, suponhamos agora que o nível de poluição caísse para zero. O
critério das áreas em baixo das curvas marginais nos permite determinar um declínio de benefício
total da empresa igual à área da curva de benefício marginal até Ψ*, e que a redução do dano
marginal seria igual a área em baixo da curva de dano marginal até Ψ*, ou seja a área 0 A Ψ*.
Como se pode ver, a redução do benefício da empresa seria muito maior que a redução do dano
social total. Abaixo de Ψ* a poluição seria muito leve e não causaria muitos danos, mas cessando
de produzir as empresa teria perdas enormes. Outra vez, haveria uma significativa redução de
BL.

Em suma, qualquer outro nível de produção, seja superior ou inferior ao nível de poluição
ótima (ou poluição eficiente), Ψ*, gerará um benefício líquido social total (BL) menor que o que
seria obtido ao nível Ψ*. Fora de Ψ* a poluição não seria eficiente no sentido de Pareto. Ou seja,
seria possível. Ou seja, seria possível ter-se outro nível de poluição no qual melhoraria, tanto a
situação da empresa como dos indivíduos em sociedade.

4. O modelo admitindo ajustes produtivos pela empresa

Até aqui estivemos supondo que a única forma da empresa reduzir a poluição que emite é
a de diminuir sua produção; com menos produção se reduzem suas emanações de poluentes. Essa
pode ser a única opção no curto prazo mas, com mais tempo para se ajustar, a empresa também
tem a opção de alterar seu processo produtivo de forma a reduzir suas emanações. Faz isso,
adotando processos de produção mais “limpos”, com o emprego de técnicas adaptadas à sua
estrutura produtiva, que reduzam a poluição por unidade de produto (por exemplo, introduzindo
filtro para reduzir as emanações à atmosfera; ou estação de tratamento de efluentes líquidos). É
importante se ter em mente, entretanto, que tais tecnologias significam aumentos de custo de
produção. Em conseqüência, ocorreriam mudanças nas curvas de benefício total e marginal de
poluir da empresa.

Não se pode afirmar, de antemão, como e em que sentido essas duas curvas se
deslocariam. É de se esperar, entretanto, que a curva de Benefício Marginal de Ψ para a empresa
continue negativamente inclinada. Isso porque, com poluição irrestrita (sem custo para a
empresa), não há custo nenhum de redução de poluição e a empresa estará em situação
semelhante à do nível de poluição Ψo, da Figura 8. Mas se a empresa for induzida a reduzir suas
128

emissões e se fizer isso adotando tecnologias de abate da poluição (ao invés de reduzir a
produção), essas tecnologias têm custos, que tendem a aumentar mais que proporcionalmente à
ampliação na contenção da poluição. Isso porque, a baixos níveis de contenção da poluição é
relativamente fácil reduzir um pouco as emanações. Mas, quanto maior a redução de Ψ que a
empresa promove, mais difícil se torna obter uma redução adicional. Deve-se, pois, esperar que,
quanto maior a redução da poluição, mais elevado será o custo de conseguir uma redução
adicional da poluição.

Figura 9 – Poluição eficiente com ajuste produtivo pela empresa

dBa/dΨ
dD / dΨ
Dano Marginal da Poluição

Benefício Marginal
R Ajustado da Poluição

λ*’ C D

A B
0 Ψ (poluição)
Ψ1 Ψ*’ Ψ2 Ψo

A Figura 9 apresenta a determinação da poluição eficiente no caso do ajuste produtivo que


a empresa implementa para conter a produção sem ter, necessariamente, que reduzir sua
produção. O que muda em relação à Figura 8 é a curva de Benefício Marginal da poluição para a
empresa, que agora passa a considerar as opções de contenção da poluição com o emprego de
técnicas de abate de emissões. Mas a solução de equilíbrio é a da poluição Ψ*’, com o preço
sombra λ*’ . A esse nível de poluição o benefício marginal da poluição para a empresa é igual ao
custo marginal social da poluição.

Observe-se que, no nível eficiente de poluição Ψ*’, os custos totais associados à poluição
correspondem à área A, em baixo da curva de dano marginal entre a origem eΨ*’ (que
corresponde ao dano social total desse nível de poluição), e a área em baixo da curva de benefício
marginal da empresa entre Ψ*’ e Ψo, assinalada pela letra B (o custo para a empresa de reduzir a
poluição de Ψo a Ψ*’). A soma das áreas A e B é igual ao custo total do nível de poluição
eficiente. Uma das razões porque se denomina esse nível de poluição de 'eficiente' é que o custo
total (A + B) é o menor custo que se pode obter para a situação representada na Figura 9. Em
qualquer outro nível de poluição a soma desses pois custos será maior. Se a empresa reduzisse a
poluição para Ψ1, abaixo do nível ótimo, por exemplo, o custo total aumentaria para (A + B +
C); a redução de Ψ*’ a Ψ1 na poluição causaria uma queda no dano total da poluição inferior ao
aumento no custo total da poluição para a empresa, sendo a diferença igual à área C, que teria que
ser adicionada à soma (A + B). Por outro lado, se a poluição fosse ampliada, de Ψ*’ para Ψ2,
haveria um aumento do dano total da poluição para a sociedade maior que a redução total do
custo de contenção da poluição para a empresa, e a diferença seria igual a área D; o custo total da
poluição Ψ2 seria igual a área (A + B + D), também maior que o custo total ao nível de poluição
eficiente.
129

APÊNDICE

Exemplo de modelo de equilíbrio geral com a externalidade da poluição

Este Apêndice apresenta versão simplificada do modelo de equilíbrio geral esboçado na


seção 1. Considera-se uma economia com apenas uma externalidade: a da “fumaça”, emitida
pelas empresas, mas que tem impactos negativos sobre os consumidores. Estes derivam
satisfação do consumo de bens e serviços, mas sofrem com a “fumaça” emitida pelo setor
produtivo da economia. O modelo responde às seguintes questões:

(1) Existe um nível de poluição ótimo, ou seja, o nível associado a uma situação de
eficiência de Pareto?

(2) Se existe, há tendência automática para que seja alcançado? E,

(3) Se não existe, que instrumentos devem ser empregados para levar a sociedade a
alcançar o nível de poluição ótima?

Conforme ressalta Fisher (1981),9 o problema pode ser visto da seguinte forma: “A
produção de bens e serviços por empresas gera uma externalidade (que chamaremos de fumaça)
que, no agregado afeta a cada um dos consumidores. É conveniente imaginar a fumaça gerada
por cada firma como um fator de produção para a firma, no sentido de que ela pode ser
substituída por outros insumos (que têm custos), como o trabalho e o capital. Uma dada
produção pode, por exemplo, ser obtida por um processo que envolve a geração de 10 toneladas
de fumaça ou, alternativamente por um processo em que, pelo emprego de um aparelho que filtre
a poluição, gere apenas 5 toneladas de fumaça. Em ambos os casos a fumaça gerada pela
atividade de todos os produtores se constitui em externalidade que entra na função utilidade de
todos os consumidores.” O uso de um ou do outro processo depende dos custos envolvidos e das
políticas adotadas para o controle da poluição. O modelo de equilíbrio geral que se segue,
apoiado no de Fisher (1981, cap. 6), é exemplo de como a análise ambiental neoclássica trata do
problema. Embora simplificado, o modelo traduz a essência da abordagem neoclássica.

O Modelo

Suponhamos uma sociedade composta, em um dado momento, de:

m indivíduos (j = 1, ... , m)
h empresas (k = 1, ... , h)
n produtos e insumo (i = 1, ... , n’, produtos; n’+1 , ... , n, insumos)

9
Para análise mais avançada da teoria neoclássica da poluição, ver Baumol e Oates, 1988.
130

sk = “fumaça” (poluição) de cada empresa, k.


Σ sk = s (a fumaça emitida pelo conjunto de firmas da sociedade).

Hipóteses básicas:

• Todos os mercados da sociedade são competitivos.


• Existe uma única externalidade – a fumaça (s = Σ sk).

• Há solução matemática para o problema; o sistema tem solução de equilíbrio e


este é estável.

O problema fica sendo:


1 1 1 1 1
(1) Maximizar: U = U (x , x , ... , x ; s), sujeito a:

(2) Uj = Uj (xj, xj, ... , xj ; s) > Uj* (j = 2, 3, ... , m)

(3) fk (yk, ... , yk ; yk , ... , yk ; sk ) = 0 ( k = 1, ..., h)

(4) Σ xj - Σ yk < ri (i = 1, ... , n).

Onde:

Uj (•) = função-utilidade do indivíduo j. 10

xj = quantidade de um bem i consumido, ou de um recurso i (ex., trabalho)


oferecido pelo indivíduo j.

yk = quantidade do produto i produzido pela empresa k, ou do recurso i usado por


esta empresa.

sk = quantidade de poluição (fumaça) emitida pela empresa k;

s = Σ sk – externalidade da fumaça (poluição).

fk (•) = função de produção da empresa k.

Cabem, aqui, as seguintes observações:

a. s, a poluição total, é um bem público (ou melhor, uma ‘mal’ público); assim, entra na função-
utilidade de cada um dos m indivíduos da sociedade. Vale, pois, tanto para o indivíduo 1 ( a
quem se maximiza a utilidade), como para todos os demais.

b. Pela condição (2), a utilidade dos demais indivíduos não pode diminuir. Pode aumentar ou
ficar constante, mas não declinar. Essa condição decorre do critério de eficiência de Pareto,
comumente adotado pela teoria do bem-estar neoclássica.

10
A notação (•) é forma abreviada de representar a função já introduzida acima.
131

c. A restrição (3), afetando às funções de produção, determina que não se pode consumir mais
que o que os recursos e as tecnologias do conjunto de h empresas permitem produzir. Podem
consumir menos, deixando um resíduo ri .

d. Cada função de produção tem sk como argumento. É a contribuição da empresa k para a


poluição total, s.

e. Como vimos, a fumaça é tratada como se fosse um insumo produtivo (esta é forte !). Assim,
possui um produto marginal,
k
δy
k
δs

Ou seja, a fumaça é tratada de forma idêntica à mão-de-obra ou o equipamento, com a


hipótese de que uma unidade a mais de fumaça gera um incremento positivo de produção.

f. Como insumo, a fumaça admite substituição por equipamento (exemplo, filtros).

Para a obtenção de uma solução Pareto-ótima, arma-se a expressão de Lagrange:

(5) L = U (•) + Σ λj [U - U (•)] - Σ µ k f (•) + Σ ϖi (ri - Σx + Σ y )


1 j* j k j k

Para se obter as condições de primeira ordem de máximo (estamos maximizando a


j k
utilidade do indivíduo 1), diferencia-se L com relação a x , a y , e a sk e iguala-se a zero. São as
seguintes as condições de primeira ordem:

(6a) δ L/δ x = - λj U + ϖi = 0 ,
j j
(para todos os bens i e indivíduos j).

(6b) δ L/δ y = - µ k f + ϖi = 0,
k k
(para todos os bens i e empresas k).

(6c) δ L/δ s = - Σ λj U - µ k f = 0, (para todas os m indivíduos e as h empresas).


j k

j
Onde U é a utilidade marginal do bem i para o indivíduo j (ou seja, o incremento da
utilidade de j quando aumenta em uma unidade seu consumo de i, tudo mais ficando constante);
fk é o produto físico marginal para a firma k de um insumo i (o aumento de produção de k gerado
j
por uma unidade de i que a empresa adiciona à produção, tudo mais ficando constante); U é a
utilidade marginal da fumaça (da poluição) para o indivíduo j (o aumento de desconforto que j
k
sente quanto aumenta de uma unidade a poluição); e f é o produto físico marginal da fumaça
para a firma k (o incremento da produção da empresa k associado a uma unidade adicional de
fumaça). ϖi, λj, e µ k são multiplicadores de Lagrange.
132

Supomos que sejam obedecidas as condições de segunda ordem de equilíbrio de


máximo. Isso significa que, do sistema de equações acima, se pode determinar valores para as
variáveis que significam uma alocação eficiente de recursos – inclusive a da fumaça – na
economia; outra vez, alocação eficiente no sentido que nenhum rearranjo pode aumentar o bem
estar (a utilidade) de nenhuma pessoa da sociedade, sem reduzir o bem estar de alguém mais.

A partir da equação (6c) podemos investigar o que a economia ambiental neoclássica


denomina de nível de poluição eficiente da economia (a poluição compatível com o máximo de
bem-estar, determinado pelo modelo). Rearranjando os termos da igualdade, obtemos:

- Σ λj U = µ k f
j k
(7)

Observe-se que no lado esquerdo da equação está a soma ponderada (por λj) das
utilidades marginais da fumaça (da poluição) de todos os m indivíduos da sociedade. E, do lado
direito está o valor do produto marginal da fumaça para a empresa k, ou seja, a adição de
produção da última unidade de fumaça usada (ou gerada), multiplicada pelo multiplicador de
Lagrange µ k, que pode ser interpretado como o preço de equilíbrio competitivo do produto que a
empresa gera. Ou seja, no equilíbrio de máximo do modelo, cada empresa produz a um nível tal
que o valor do produto marginal da fumaça (da poluição) é igual ao valor da soma das
desutilidades marginais provocadas pela poluição do conjunto das empresas da economia. Essa
soma de desutilidades marginais costuma receber a denominação de dano marginal da poluição.

Significado da condição de equilíbrio da equação (7)

Um problema com a equação acima é que nem as desutilidades marginais da fumaça e


nem os pesos λj são – mesmo em princípio – magnitudes observáveis. Como estão, os resultados
do modelo não seriam de maior valia para, por exemplo, derivar recomendações de política. Esse
problema pode ser contornado com algumas manipulações adicionais das condições de primeira
ordem. Da equação (6a) temos que λj U = ϖi , e portanto que λj = ϖi / U , onde x1 é um bem
j j

escolhido para ser a unidade de conta da economia. Substituindo no termo do lado esquerdo da
equação (7), obtemos:

(8) Dano marginal da poluição = ϖi Σ (U / U ).


j j

Tendo por base o termo (8), acima, vamos examinar, primeiro, a situação do ponto de
vista de um indivíduo, j. Na figura 1, do lado esquerdo temos a curva de indiferença entre dois
bens, x1 e x2, desse indivíduo. No ponto A da curva, a teoria do consumidor nos permite dizer
j j
que -(d x1/d x2), a taxa marginal de substituição (TMS2,1 ) entre os dois bens é igual à U / U .
Como se sabe, a TMS2,1 entre os dois bens em um dado ponto da curva de indiferença é igual a
quantidade adicional de x1 que o indivíduo j requer, para abrir mão de uma unidade de x2 e
permanecer no mesmo nível de satisfação, (de utilidade) – ou seja, ficar sobre a curva de
indiferença.

O gráfico do lado direito da figura 1 nos mostra a relação entre quantidades de x2 e a


TMS desse bem em relação a x1. Como se pode ver, a TMS2,1 – que pode ser medida pela
declividade da curva de indiferença em cada ponto desta – diminui quando x2 aumenta. Isso pode
ser interpretado como o resultado, de um lado, da redução no incremento de satisfação que j
133

deriva de uma unidade adicional de x2 quanto mais desse bem ele consome, diminuindo o
j j
numerador da relação U / U . E, do outro lado, do fato de que ao reduzir seu consumo de x1 para
ficar na mesma curva de indiferença, aumenta cada vez mais a conseqüente redução de utilidade,
pois terá cada vez menos desse bem para consumir – ou seja, aumentando o denominador da
relação.

Figura 1

x1 TMS2,1

A A’

U*
x2 x2

A curva de TMS2,1 do bem x2 pode ser interpretada como a curva de ganho marginal de x2
para o indivíduo, em termos do bem x1. Matematicamente, pode-se estabelecer que em um ponto
da curva de indiferença (por exemplo, o ponto A), é dada pela equação

-(d x1 /d x2 ) = Uj / Uj

Como (d x1 /d x2 ) < 0 (a curva de indiferença é negativamente inclinada), -(dx1 /dx2) é


positiva; na verdade, isso decorre do fato de que as utilidades marginais dos dois bens são
positivas, garantindo Uj / Uj > 0. Já a declividade negativa da curva de TMS de x2, decorre do
formato das curvas de indiferença, discutido no parágrafo anterior.

Na figura 2, abaixo, temos, do lado esquerdo, a curva de indiferença do indivíduo j


entre o bem x1 e o ‘mal’ fumaça (a poluição), s. O formato peculiar da curva decorre do fato de
que a fumaça causa desutilidade (é um sacrifício) para o indivíduo. Assim, para que este fique
indiferente quando aumenta um pouco a quantidade de s que terá que consumir, ele requererá
mais de x1 . Sem isso diminuiria seu nível de satisfação (de utilidade). Em outras palavras, o
indivíduo aceitará ‘consumir’ mais fumaça e ficar indiferente se for ‘subornado’ com mais de x1.
Ademais, quanto maior a quantidade de fumaça ‘consumida’ pelo indivíduo, uma unidade a mais
de s terá que ser compensada com um incremento cada vez maior de x1. Em princípio, é possível
que haja um limite máximo de s, acima do qual o indivíduo não poderá ser compensado com
nenhum incremento, por maior que seja, de x1 para ficar indiferente; o incremento de s reduzirá a
utilidade do indivíduo, mesmo que acompanhado por uma adição muito grande de x1.
134

Como se pode ver no gráfico do lado esquerdo da Figura 2, a taxa marginal de


substituição de s por x1 é positiva. Essa curva representa, para cada nível de s, o sacrifício
marginal (o incremento de sacrifício) para o indivíduo j, em termos de x1, do ‘consumo’ daquele
nível. Quanto mais elevada for a poluição, maior esse sacrifício marginal, medido com base na
quantidade de x1 que o indivíduo terá que receber para ficar indiferente. Matematicamente,
j j
partindo da relação -(dx1/ds) = U / U , como a curva de indiferença é positivamente inclinada,
(dx1/ds) > 0 e, estritamente falando, teríamos que representar a relação entre s e a TMS1,s no
quadrante negativo, refletindo a desutilidade da ‘fumaça’ para o indivíduo. Para os nossos fins,11
porém, vamos chamar a desutilidade marginal da ‘fumaça’ de sacrifício marginal – que é uma
magnitude positiva (um sacrifício negativo seria uma satisfação) – e representá-la no quadrante
positivo, como na figura 2, a direita. O sacrifício marginal será, pois igual a -(Uj / Uj).

Dado que a função-utilidade do modelo é individualista (ou seja, a utilidade total da


sociedade é a soma das utilidades individuais sem que haja externalidades no consumo), se o
acima é válido para um indivíduo, também o será para o conjunto de indivíduos da sociedade.
Suponhamos agora, que x1 seja o “numeraire”, ou seja, a unidade de conta da economia do
modelo; em outras palavras, na economia tudo é avaliado em termos de x1, a unidade de conta (a
moeda) da economia. Assim, para todos os indivíduos forçados a consumir o ‘mal’ público s,
temos que o sacrifício marginal de cada nível de s será dado pela relação -ϖi Σ (U / U ). Pode-
j j

se demonstrar que o sacrifício marginal aumenta com s; na verdade, a intuição nos indica que
quanto maior a poluição, maior o sofrimento, o desconforto gerado por uma unidade adicional de
poluição, medido em termos de x1 (a ‘moeda’ da economia), conforme representado na figura 3,
a esquerda.

Figura 2
Dano (sacrifício)
S marginal da fumaça

U*

B B’

x1 S

11
Como veremos adiante, é importante comparar o sacrifício marginal de s para a sociedade como um todo, com o ganho
marginal da empresa poluidora de gerar s. Ambos são magnitudes positivas.
135

k
Passamos agora para a análise do lado das empresas. O termo µ k f da equação (7),
representa o Valor do Produto Marginal de sk, a poluição emitida pela empresa k. Vimos que o
modelo trata a poluição como um insumo do processo produtivo de cada empresa; e, como no
caso dos demais insumos, a teoria da produção e dos custos nos ensina que, quanto mais elevada
a poluição gerada pela empresa, menor a adição de produção que se verifica em decorrência do
incremento de uma unidade de poluição à produção. Como o produto da empresa é vendido a um
preço dado pelo mercado e fixo, o valor dessa adição de produção – o valor do produto marginal
de sk – será tanto menor quanto mais elevado o nível de s, conforme representado no gráfico à
direta da figura 3.

Figura 3

Sacrifício (dano) Benefício


marginal marginal da
da fumaça (S) fumaça p/
empresa k

S Sk
Consumidores Empresa k

Juntando-se os dois gráficos acima – ver figura 4 – temos a solução de equilíbrio do


modelo, para a empresa k, conforme estabelecida pela equação (7) acima. No nível de equilíbrio
so, essa empresa produzirá um nível de produção que gera a poluição que iguala a relação:

- Σ λj Uj = µ k fk

Outros níveis de poluição não são Pareto ótimos e um rearranjo pode melhorar a
situação de pelo menos um agente econômico, sem piorar a de ninguém mais. Se, por exemplo, a
poluição gerada por k estiver acima de so, o valor do produto marginal da poluição para e
empresa será menor que o sacrifício causado pela unidade marginal de poluição para o conjunto
dos consumidores. Assim, em princípio pelo menos, compensaria a estes pagar a empresa para
reduzir sua poluição para o nível so e o produtor apresentar ganhos sem que os consumidores
nada percam, pois diminui o seu sacrifício marginal. Observe-se que à direita de so a empresa
adiciona à produção um valor que é inferior ao valor do sacrifício adicionado aos consumidores.

Se a poluição estiver, entretanto, à esquerda de so, o modelo indica que a mesma deve
ser aumentada para o nível de equilíbrio, so. Isto porque, à esquerda do nível de poluição ótimo, o
valor do produto marginal será maior que o valor do sacrifício marginal da poluição; outra vez
em princípio, se necessário até valeria a pena à empresa ‘compensar’ aos consumidores para
136

aumentar um pouco a produção. Evidentemente, seria melhor se apenas aumentasse a poluição


para o nível so – o nível de poluição ótima.

Figura 4
Sacrifícios e
benefícios
marginais de S

Valor do
sacrifício
marginal
( (consumidores)

Valor do produto
marginal da
fumaça para k
_
S’’’ So S” S S

É interessante ressaltar aqui, que a solução acima vale para uma empresa individual do
lado da produção, mas para o conjunto dos consumidores, do outro lado. Isto porque, nos termos
do modelo, s é um bem (um mal) público, que afeta a todos na sociedade, seja qual for a origem
da ‘fumaça’; mas os emissores da fumaça são empresas individuais. Entretanto, na solução de
equilíbrio ótimo da economia, cada empresa estará gerando poluição em um nível determinado
pela mesma regra empregada em relação à empresa k – a do valor do produto marginal da
poluição se igualando ao valor do sacrifício marginal da sociedade, ambos expressos em termos
de x1, a unidade de conta. E o volume agregado de poluição será o determinado pelo sacrifício
marginal da poluição no nível de equilíbrio, so.

O funcionamento dos mercados e a poluição ótima

O problema com a solução do modelo que estabelece a poluição ótima é que a mesma
não corresponde à solução de mercado, por mais livre e sem regulamentos distorcidos que este
seja. Acontece que, no modelo (como freqüentemente na vida real) o fator s nada custa à
empresa. Ou seja, a empresa pode poluir sem nada pagar pela poluição que gera; em
conseqüência, é induzida a poluir em excesso. Para ilustrar, pelo funcionamento do livre mercado
a empresa da figura 4, acima, produzirá gerando o nível de poluição sk e não so. Conforme nos
mostra a teoria da produção e dos custos, uma empresa em situação de equilíbrio competitivo de
curto prazo usa o fator de produção variável (no caso, s) no nível em que o Valor do Produto
Marginal do fator se iguala ao preço do fator. Na solução acima do modelo, como o preço de s é
zero, a empresa emitira poluentes ao nível dado pela interseção da curva de Valor do Produto
Marginal da poluição com o eixo horizontal, e não no nível ótimo, so.
137

O sistema acima demonstra, portanto, que o funcionamento de mercado livre não


conduz a uma solução quando existe a externalidade da poluição. Para se ter a solução ótima teria
que existir um planejador onisciente que, conhecendo as equações do sistema, determinasse a
solução ótima. Alternativamente, pode-se examinar se existem instrumentos para forçar o
mercado a determinar o equilíbrio de máxima eficiência. Parece óbvio que, para tal, teria que ser
instituído um imposto sobre a poluição que induzisse as empresas a emitirem poluição ao nível
so; mas qual o montante desse imposto? Uma outra questão que surge é: será que a solução ótima
não envolve compensação aos que sofrem os efeitos da poluição? Essas duas questões serão
examinadas a seguir. Para tal, se determina as condições que caracterizam o equilíbrio
competitivo para depois compará-las às condições estabelecidas pelo modelo acima.

Estabelecer o equilíbrio competitivo envolve maximizar as funções utilidade dos


consumidores bem como o lucro da empresa poluidora, introduzindo um imposto unitário sobre a
emissão de poluição, a ser cobrado da empresa, bem como uma compensação aos consumidores
pelos danos causados por esta. Ou seja:

• O equilíbrio de mercado do ponto de vista dos consumidores: maximizar suas


utilidades sujeitas a restrição orçamentária de cada um.
j j j j j
Função-utilidade de j: U = U (x , x , ... , x ; s).

Restrição orçamentária: Σ pi . x < Σ pi . x + t .


j j j

Para cada indivíduo, o termo a esquerda da equação de restrição orçamentária


representa o valor do seu consumo dos bens ou serviços (1, ... , n’). O termo a direita representa a
venda de serviços de fatores (mão-de-obra, terra, capital, etc.) pelo indivíduo, somada à
compensação pela poluição, se cabível; indica a renda do indivíduo. A equação meramente
afirma que o consumo não pode ser maior que a renda.12

É a seguinte a expressão de Lagrange para a determinação do equilíbrio dos


consumidores:

(9) L j = Uj (•) + α j (tj - Σ pi . xj )


j
Diferenciando L j com respeito a x (e supondo não haver soluções de canto), temos o
seguinte conjunto de condições de primeira ordem de equilíbrio:

(9a) δ L j /δ xj = Uj + α j ( tj - pi ) = 0, (para todos os indivíduos j e bens ou serviços


de fator i).

• O equilíbrio de mercado do ponto de vista de uma firma k é obtido maximizando o


seu lucro, sujeito à restrição estabelecida por sua de função de produção. A função-lucro é igual à
receita da firma menos a sua despesa com os insumos usados na produção, e menos (tk . sk), o
custo da emissão de poluição. tk é o imposto por unidade de poluição – o imposto introduzido
para forçar a empresa a emitir poluição ótima, e não a poluição máxima que emitiria se poluir
fosse gratuito. Portanto, (tk . sk) é custo total da emissão de poluentes para a firma, originado
pelo imposto. A função lucro total da empresa é:

12
O modelo simplificado não inclui um setor financeiro que permita emprestar para consumir.
138

Lucro de k = Σ pi . yk - ( Σ pi . yk + tk . sk)

O termo a esquerda representa a receita da empresa com a venda dos produtos (1, ... ,
n’); o termo a direita representa o custo total decorrente da compra dos insumos (n’+1, ... , n),
adicionado ao custo total de poluir, introduzido por tk. Rearranjando os termos, podemos
escrever:

Lucro de k = Σ pi . yk - tk . sk

Para maximizar o lucro da empresa k, estabelece-se a equação de Lagrange:

(10) Lk = Σ pi . yk - tk . sk - βk fk (•).
k
Como no caso do modelo da poluição ótima, f (•) é a função de produção da empresa
k. Esta condiciona a produção que pode obter dos insumos que utiliza no processo produtivo.

Diferenciando (10) com relação a yk e a sk e igualando a zero, obtém-se o seguinte


sistema de equações:

(11a) δ Lk /δ yk = pi - βk fk = 0

(11b) δ Lk /δ sk = - tk - βk fk = 0

j
Como seria de se esperar, t e tk aparecem nos sistemas de equação de equilíbrio
de mercado livre acima. Entretanto, nada se pode afirmar, ainda, sobre as magnitudes da
compensação tj e do impostos tk, compatíveis com o equilíbrio de máximo de bem-estar. Para
fazer isso, temos que comparar a solução de mercado, com a solução ótima e procurar estabelecer
em que condições – ou seja, em que níveis dos dois impostos – a solução de mercado seria
equivalente à solução ótima. Objetivando determinar tais condições colocamos, a seguir, lado a
lado, as duas soluções. Note-se que, em uma mesma linha estão equações equivalentes nas duas
soluções. As equações (9a) e (6a) se referem ao comportamento dos consumidores em relação aos
bens e serviços. As equações (11a) e (6b) focalizam o comportamento das empresas em relação à
produção de bens e serviços, e as equações (11b) e (6c) se referem ao comportamento de
consumidores e de empresa em relação à poluição.

SOLUÇÃO DE EQUILÍBRIO COMPETITIVO SOLUÇÃO DE EQUILÍBRIO ÓTIMO

(9a) Uj + α j ( tj - pi ) = 0 (6a) λj Uj – ϖi = 0

pi - β f = 0 - µ k f + ϖi = 0
k k k
(11a) (6b)

(11b) - tk - β k fk = 0 (6c) - Σ λj Uj - µ k fk = 0

Em que condições as duas soluções seriam equivalentes?


139

I. (9a) só é equivalente a (6a) se λj = 1/α j , se pi = ϖi e se t = 0. Aqui surge a


j

resposta a uma das questões. Em equilíbrio de ótimo não cabem compensações.

II. (11a) só é equivalente a (6b) se pi = ϖi e se β = µ k .


k

III. (11b) só é igual a (6c) se β = µ k e, principalmente, se tk = - Σ λj U ).


k j

O resultado mais interessante da comparação acima é que o funcionamento do mercado


só conduzirá a uma solução ótima se for introduzido um imposto tk sobre cada unidade de
poluição emitida pela empresa k, imposto este que deve ser igual ao sacrifício marginal que a
poluição que emite causa aos consumidores. Ademais, um pouco de reflexão nos permite concluir
que, em equilíbrio, todas as empresas terão que pagar o mesmo imposto, tk. Por hipótese, para o
consumidor a fumaça tem o mesmo efeito, independentemente de quem a emita, e é o valor do
sacrifício marginal da fumaça que determina o montante de equilíbrio do imposto. Portanto, em
equilíbrio de ótimo, tk terá que ser igual a - Σ λj U , seja qual for a empresa poluidora que se
j

considere.

Outro resultado interessante é o que estabelece que a solução eficiente não envolve o
pagamento de compensação aos atingidos pela poluição.
140

Capítulo 11. A poluição de estoque

As contribuições dos economistas neoclássicos à teoria da poluição têm, por longa


margem, se concentrado em aspectos da poluição de fluxo, isto é, dos poluentes que se dissipam,
embora não sem antes exercerem impactos negativos sobre o bem-estar das pessoas e sobre
ecossistemas. É bem menor o corpo de teorias que tratam dos fluxos de emanações que se
acumulam, formado estoques de poluentes no meio-ambiente que, por sua vez, exercem efeitos
detrimentais sobre as pessoas e os ecossistemas. Nessa seção apresenta-se o esboço de uma
abordagem neoclássica da poluição de estoque.13

No caso da teoria da poluição de fluxo, se considera que os danos produzidos pelas


emanações de poluentes se esgotam em um dado período. É como se a poluição ocorresse em um
local, exercendo efeitos apenas ali ou em áreas próximas; e como se esses efeitos se esgotassem
ao longo do período de análise. Considera-se que, cessando as emissões, o meio-ambiente se
auto-regenera e será necessária a renovação das emissões no período seguinte para que
novamente ocorram danos ambientais. No caso da poluição de estoque, a poluição se acumula; ou
seja, as emanações ao longo de um dado período tem impactos, não só nesse mesmo período,
como – juntamente com as emanações de outros períodos – no futuro. O processo de poluição é
cumulativo, causando uma seqüência de danos, que tende a se ampliar.

Como veremos, portanto, na análise da poluição de estoque, ao invés de se determinar um


único nível de poluição eficiente (uma poluição ótima), será estabelecida uma trajetória de níveis
de poluição eficiente ao longo do tempo. E a determinação dessa trajetória requer o emprego de
métodos de otimização dinâmica.

A análise neoclássica trata da poluição de estoque de forma semelhante ao tratamento da


poluição de fluxo. Ou seja, o ponto de partida é a equação do Benefício Líquido da poluição. Este
é obtido deduzindo do benefício (para as empresas) de produzir gerando o poluente que se
acumula, o dano para a sociedade, da poluição. A diferença é que se trabalha com o valor
presente do Benefício Líquido, isto é, a soma do valor descontado dos Benefícios Líquidos no
futuro. A função objetivo, agora, é:

BLt = B(ψt) – D(ψt),

onde BLt é o valor presente do benefício líquido para a sociedade, da poluição; B(ψt) é o
benefício (o lucro) que os agentes poluidores obtém da poluição (uma vez que os seus produtos
têm processos produtivos que geram poluição); e, D(ψt) é o valor do dano social da poluição. O
problema consiste em determinar a trajetória da poluição que se acumula, que maximiza o valor
presente do benefício líquido da poluição para a sociedade.

Significado de “valor presente”. Para se compreender o que significa o “valor presente”


de uma série de valores que se espera sejam gerados ao longo de um dado horizonte temporal no
futuro, segue-se um exemplo hipotético. Suponhamos que uma empresa espere obter, de uma
dada fonte, um fluxo de renda de R$ 100,00 durante 20 anos, começando no presente (o ano
zero). Se para a empresa R$ 100,00 no presente tem o mesmo valor que R$ 100,00 em qualquer
dos 19 anos futuros, ela não estará descontando o futuro, e o valor presente desse fluxo de renda
será R$ 2.000,00 (ver Tabela 1). Entretanto, se a empresa atribuir maior peso à renda no presente
que à renda no futuro e se, quanto mais distante estiver esse futuro, menor o valor hoje dos
mesmos R$ 100,00, diz-se que ela esta descontando o futuro. E quanto menor o valor hoje de

13
Baseada em Perman et al. (1996), p. 204-208 e Apêndice 1.
141

uma renda num ano (t + i), onde t é o momento presente, e i é o número de anos no futuro, maior
será a taxa à qual a empresa desconta a renda futura.

Tabela 1. O valor presente (VP) de uma série de rendimentos


Período VP sem aplicar VP descontado a VP descontado a
(ano) taxa de desconto uma taxa anual uma taxa anual
(r = 0) de 5% de 10%
(r = 0,05) (r = 0,10)

0 100,00 100,00 100,00


1 100,00 90,70 82,64
2 100,00 86,38 75,13
3 100,00 82,27 68,30
4 100,00 78,32 62,09
5 100,00 74,63 56,45
6 100,00 71,07 51,32
7 100,00 67,68 46,65
8 100,00 64,46 42,41
9 100,00 61,39 38,55
10 100,00 58,47 35,06
11 100,00 55,68 31,86
12 100,00 53,03 28,97
13 100,00 50,51 26,33
14 100,00 48,10 23,94
15 100,00 45,81 21,76
16 100,00 43,63 19,78
17 100,00 41,55 17,99
18 100,00 39,57 16,35
19 100,00 37,69 14,86
Total acumulado
(valor presente) 2.000,00 1.250,96 860,46

No exemplo da Tabela 1, temos a aplicação de duas alternativas de taxa de desconto, r: a


taxa de 5% ao ano (r = 0,05); e a taxa r, de 10% ao ano (r = 0,10). No primeiro caso, o valor
presente do fluxo de renda, acima mencionado, para a empresa é R$ 1.250,96; e à taxa de
desconto de 10% ao ano, o valor presente do fluxo de renda é R$ 860,46.14

Observe-se que, se a empresa desconta mais o futuro, o valor presente de uma certo
rendimento no futuro é menor; e que, para uma mesma taxa de desconto, quanto mais distante for
esse futuro, mais reduzido será o valor presente. Na Tabela 1 se vê que, para a empresa, R$
100,00 no ano 19 valem no presente R$ 37,69 se a taxa de desconto for de 5% a.a., e apenas R$
14,86 se a taxa de desconto for de 10% a.a.. Mas, em ambos os casos, chama atenção a
14
A matemática financeira fornece várias formulas para o calculo do valor presente de um fluxo de rendimentos. Se
chamarmos Rt o rendimento em cada período de tempo, e de r a taxa de desconto aplicada, e se estamos
considerando variações discretas (como as do exemplo) do rendimento entre os momentos no tempo to e t’, a fórmula
será:
t=t’
VP = Σ Rt / (1 + r)t; esta foi a fórmula empregada nos cálculos da Tabela 1.
t=to
Para o desconto no caso de variações contínuas (variações do rendimento em cada segundo, por exemplo), a
fórmula a ser aplicada será:
t=t’
VP = ∫ e–rt Rt dt .
t=to
142

magnitude da renda futura erodida pela prática do desconto; mesmo à taxa menor, R$ 100,00 no
ano 19 comparecem, no ano inicial, com apenas 37,7% do seu valor. Esse efeito da prática do
desconto terá um papel importante na avaliação crítica da economia ambiental neoclássica, feita
adiante. Como se verá, o desconto do futuro é elemento importante de várias das abordagens
dessa corrente de pensamento.

O que representa a "função objetivo". É importante ter claro o significado dos


elementos que compõem a função objetivo da poluição de estoque, BLt = B(ψt) – D(ψt). A
equação de benefício total da poluição, B(ψt), tem a mesma natureza da função benefício usada
na análise da poluição de fluxo. Para os agentes poluidores, o benefício total está associado ao
fluxo de produção associada à poluição. Ou seja, o benefício total é função do nível do fluxo de
poluição, ψ; as características dessa função são idênticas às do caso da poluição de fluxo. O que
muda, agora, é a função de dano total da poluição (DTt). Estamos supondo que esta tem dois
componentes: os danos do fluxo de poluição, isto é, da poluição que ocorre em um dado
intervalo de tempo. Estes são da mesma natureza dos casos de poluição de fluxo; correspondem
aos danos diretos do fluxo corrente de poluição. Representamos esta parte da equação de danos
totais como:

Dtf = Df (ψt)

Além disso, temos os danos do estoque de poluição – a poluição que se acumula ao longo
do tempo – que representamos por:

D*t = D* (Qt),

onde D*t é a parcela do dano total que resulta do nível atual do estoque do poluente, e Qt é
estoque do poluente no momento t.

Torna-se necessário, aqui, caracterizar como o estoque Q de poluição se acumula ao longo


do tempo. Evidentemente, a magnitude do estoque em um dado momento tem a ver com os
fluxos do poluente emitidos no passado e que se acumularam. Decorre, pois, dos ψt do passado.
Mas o estoque de poluição permanece necessariamente intocado; o meio-ambiente pode assimilar
e regenerar parte dessa poluição, tornando-a inofensiva.15 Para a equação de dano o que interessa
é a quantidade líquida de poluição que se acumula em cada período. A equação que representa a
acumulação do poluente pode ser expressa como:
t
Qt = ∫ {ψ (t) – α Q (t)} dt ,
0

onde α é a proporção (por hipótese fixa) de Qt que é regenerada pelo meio-ambiente. O que a
equação acima diz é que o estoque do poluente em um determinado momento é igual a soma das
emissões do poluente desde o momento inicial (o momento zero), até o período de tempo
considerado, menos a parcela do poluente que, ao longo do tempo, foi absorvida e tornada
inofensiva pelo meio-ambiente.

Podemos, pois, escrever a equação dano total, DTt = Dtf + D*t, como:

DTt = Df (ψt) + D* (Qt), sendo que,

15
Nem todas as emissões de dióxido de carbono geradas em um dado ano se acumulam na alta atmosfera,
determinando o efeito-estufa. Uma parte é absorvida pelo meio-ambiente; pelas plantas que crescem, pelos oceanos.
143

t
Qt = ∫ {ψ (t) – α Q (t)} dt .
0

Por sua vez, a equação de benefício social líquido é:

BLt = B(ψt) – Df (ψt) – D* (Qt); ou, substituindo Qt por sua equação,


t
BLt = B(ψt) – Df (ψt) – D* ( ∫ {ψ (t) – α Q (t)} dt).
0

Para resolver, maximiza-se o valor presente da equação BLt. O nosso objetivo é


determinar a seqüência da emissão do poluente que se acumula, do período de t = 0 a t = ºº , que
maximize o valor presente de:
ºº
∫ BLt e–rt dt; ou, substituindo,
0

ºº
∫ { B(ψt) – Df (ψt) – D* (Qt) } e–rt dt, sujeita à restrição:
0

dQt / dt = ψt - α Qt .

Essa restrição, obtida da diferenciação da expressão para Qt, acima, estabelece que a
mudança que se verifica no estoque de poluição em um dado momento é igual ao fluxo da
poluição do período, menos a parte do estoque de poluição regenerada e tornada inofensiva pelo
meio-ambiente. Trata-se da adição líquida ao estoque de poluição.

É a seguinte a equação Hamiltoniana para esse problema:

H(t) = B[ψ(t)] – Df [ψ(t)] – D*[Q(t)] + λ(t) {ψ(t) - α Q(t)}

Pode-se demonstrar que as duas equações que se seguem são condições necessárias (ou
como quer a matemática, condições de primeira ordem) para um máximo do valor presente do
benefício líquido:16

dB t /dψ t - dD t /dψ t = P t; (1)

rP t = dP t /dt - d D*t /dQ t - αP t, (2)

onde P é o preço de eficiência (o preço sombra) de uma unidade adicional do poluente. Ou seja, é
a perda de benefício líquido para todo o tempo no futuro que resultaria de uma unidade adicional
na emissão do poluente ψ. É o valor social marginal de uma unidade de poluição. Por sua vez, r é
a taxa social de retorno – a taxa de desconto do futuro.

16
Para os cálculos que levaram à solução do problema de otimização dinâmica, ver Perman et al., 1996, cap. 8,
Apêndice 1.
144

Interpretando a equação (1), acima temos, do lado esquerdo, {dB t /dψ t - dD t /dψ t}, que
representa o aumento no benefício líquido no momento t, resultante do incremento de uma
unidade de ψ. Trata-se do benefício marginal líquido da produção com a emissão de poluição;
traduz o que está ocorrendo no presente (no momento t). No lado direito da equação está P, que
representa a perda de benefícios líquidos futuros ocasionada pela adição, no momento t, de mais
uma unidade do poluente. Um incremento do nosso poluente hoje aumenta o estoque de poluição
em todos os períodos futuros levando, assim, a perdas em cada um desses períodos. E a equação
(1) nos diz que, em equilíbrio, o preço sombra da poluição – o valor presente dessa perda futura –
deve ser igual ao benefício marginal líquido da produção com a emissão de poluição.

Representação gráfica do equilíbrio em um momento no tempo, T. A Figura 10, a


seguir, representa a situação em um dado momento do tempo (T). Ressaltamos a condição de se
tratar de um momento específico do tempo. Metaforicamente, é como se em um filme,
destacássemos e congelássemos um dado quadro para exame. Mas o modelo de otimização
dinâmica pressupõe movimento – trajetórias de variáveis.

Temos, na Figura 10, a curva de benefício marginal líquido da poluição (benefício


marginal menos dano marginal) – a curva que representa o lado esquerdo da equação (1); e o
preço sombra da poluição no momento T, P*. O nível de poluição de equilíbrio é ψ*. Este é o
fluxo de poluição em que o benefício marginal líquido da poluição em T é igual à perda de
benefícios futuros líquidos causados pela última unidade desse nível de poluição.

O que essa situação de equilíbrio nos diz é que, ao poluir hoje, a sociedade está abrindo
mão de um fluxo de benefícios futuros, e só vale a pena poluir até o ponto em que o que se está
ganhando hoje excede, ou no limite, é pelo igual, a esta perda futura. Se o nível de poluição for
tal que o benefício no presente é inferior ao valor presente da corrente futura descontada de
benefícios futuros sacrificados em razão da poluição, esse nível de poluição não será eficiente.

Figura 10: O equilíbrio no momento T

Benefício Marginal
Dano Marginal

Benefício Marginal líquido

P* Dano Marginal no momento T

0 ψ* ψ

O equilíbrio ao longo do tempo. Para começar, vamos supor que o meio-ambiente não
regenera nada da poluição acumulada (ou seja, que α = 0). A representação gráfica acima é
válida apenas para o momento (T). Com a passagem do tempo, entretanto, a poluição ψ* se
adiciona ao estoque do poluente, fazendo o dano total aumentar. Ou seja, a emissão de ψ faz Q
aumentar e, em conseqüência, P aumenta. A Figura 11 representa a seqüência, no tempo, de P.
145

Figura 11. Efeito sobre P do aumento, no tempo, do estoque do poluente

R$

P*(T+3)
P* (T+2)
P*(T+1)
P*(T)

0 ψ

A questão é, até que ponto isso pode continuar a ocorrer? Será que o acúmulo do poluente
não tem limite? Para responder, vamos supor que a curva de benefício marginal líquido da
poluição permanece inalterada no tempo. Ou seja, nada muda nem no mercado dos produtos cuja
manufatura requer a emissão de poluentes, nem na tecnologia que estabelece a relação produção-
poluição. Fazemos essa hipótese porque não se pode afirmar nada, a priori, sobre a evolução no
tempo da curva de Benefício Marginal líquido da poluição.

Para examinar o que ocorre, nesse caso, com a passagem do tempo, sobrepomos a
evolução temporal de P, à curva de Benefício Marginal líquido. É o que se faz na Figura 12.

Figura 12: A poluição eficiente ao longo do tempo

Benefício Marginal
Dano Marginal

P(T+n)
Benefício Marginal líquido
P(T+4)

P(T+3)
P(T+2)

P (T+1)

P* P(T)

0 ψ*T+3 ψ*T+2 ψ*T+1 ψ*T ψ

ψ*T+n = 0

Verifica-se que, no caso de um poluente perfeitamente persistente (a situação de α = 0), o


nível de poluição eficiente diminui ao longo do tempo, do momento inicial T, até o período
(T+n), quando chega a zero. Atividades que geram poluição perfeitamente persistentes não
podem persistir indefinidamente. Se não ocorrerem mudanças tecnológicas que possibilitem a
produção sem a emissão do poluente, essas atividades terão que cessar antes que a poluição
acumulada venha a produzir impactos catastróficos.
146

Caso da poluição não perfeitamente persistente. Pode acontecer, entretanto, que o


meio-ambiente regenere parte da poluição. Ou seja, o coeficiente α pode ser positivo. Nesse caso,
como vimos, a acumulação do líquida do poluente será:

dQt / dt = ψt - α Qt .

Vamos supor que inicialmente ψt seja maior que α Qt. Haverá, portanto, um incremento no
estoque do poluente, Qt. Mas, se os agentes econômicos puderem ser levados a seguir a trajetória
de poluição ótima determinada pela teoria, esse incremento fará a poluição ótima declinar, e isso
continuará a ocorrer até que ψt = αQt. Quando isso acontecer o estoque do poluente se
estabilizará; será atingido, então, o nível de poluição de steady-state. Nessa situação, o fluxo de
emissão do poluente continuará indefinidamente no mesmo nível – a menos que haja mudança
tecnológica.

Ou seja, como se pode ver na Figura 13, a poluição que se acumula evoluirá, ao longo do
tempo, no sentido do nível de poluição de steady state, ψ (T+z), nível em que a poluição se
estabilizará. Então o preço sombra da poluição, que também se estabilizará, será P (T+z).

Figura 13. Evolução no caso de poluição não perfeitamente persistente

Benefício Marginal
Dano Marginal

Benefício Marginal líquido

P(T+z)

P (T+2)
P(T+1)

P* P(T)

0 ψ (T+z) ψ*T ψ

As trajetórias eficientes da poluição, do valor social marginal de uma unidade adicional


de poluição (P), e do estoque do poluente, determinados pelo modelo são, aproximadamente, as
seguintes:

Trajetória da poluição ótima:

Poluição ótima

ψ*T
147

ψ (T+z)

T (T+z) Tempo

Trajetória do preço sombra da poluição (P):

P(T+z)

PT
Tempo
T (T+z)

Trajetória do estoque do poluente (Qt):

Estoque do poluente

Q(T+z)

Q(T)

T (T+z) Tempo

O steady state é atingido, para as três variáveis, no momento (T+z). Então o fluxo do
poluente (ψt) é igual à regeneração do estoque do poluente (αQt), e o estoque (Qt) se estabiliza. E
se o estoque se estabiliza, o preço sombra do poluente (Pt) também se estabiliza. E se Pt não
muda mais, o fluxo do poluente (ψt) também se estabiliza.

Natureza das recomendações de políticas no caso da poluição de estoque. Para iniciar,


é preciso ressaltar que, embora sejam numericamente reduzidos os casos potencialmente mais
perigosos de poluição de estoque, pelo menos em comparação com a variedade de tipos de
poluição que merecem atenção na análise dos problemas de poluição de fluxo, são aqueles os que
mais ameaçam o futuro da humanidade. Deve-se, pois, tratar com muito cuidado as sugestões de
políticas objetivando a sua contenção.

Tomemos o caso de poluente perfeitamente persistente; vimos que nesse caso qualquer
emissão do poluente significa estoque cada vez maior, e que o steady state requer um fluxo de
poluição zero. Um programa de controle desse tipo de poluente deve se concentrar na redução da
poluição para esse nível. A não ser em casos de poluentes extremamente tóxicos, isso não precisa
148

ser feito instantaneamente; mas a proibição total deve ser a meta do estágio final do programa. E
essa meta deve ser perseguida sem nenhum viés doutrinário em relação às medidas adotadas. Um
exemplo de estratégia desse tipo é a que vem sendo adotada para a eliminação das emissões do
clorofluorcarbono – o gás que produz o ‘buraco de ozônio’.

A assimilação e regeneração parcial de um poluente que se acumula permite um steady


state com uma emanação positiva do poluente. A teoria esboçada acima, sugere que o nível de
emissões do steady state será menor quanto mais reduzida for a taxa de regeneração do poluente
pelo meio-ambiente e quanto maior for o dano produzido por unidade do poluente. De qualquer
forma, o objetivo de estratégia para enfrentar esse tipo de poluição provavelmente requererá
apreciável redução nas emissões. E pode favorecer o atingimento desse objetivo a descoberta e
adoção de alternativas tecnológicas viáveis que permitam produzir com emanações menores do
poluente por unidade do produto.

É importante que se evite, nesses casos, copiar afoitamente sugestões de política que
emanam dos modelos estáticos da poluição de fluxo. Seria ingênuo sugerir que se pode resolver o
problema criado por um poluente que se acumula com a criação de um imposto de poluição que
varie ao longo do tempo, acompanhando P. Acontece que, com isso estaríamos correndo atrás do
problema e não procurando evitar as conseqüências, potencialmente catastróficas, de níveis muito
elevados de concentração desse poluente. A preocupação com a sustentabilidade – com a
preservação das oportunidades de bem-estar das gerações futuras – exige, ao invés, um forte
empenho em antecipar problemas mais graves. Políticas apoiadas em instrumentos de mercado
podem ser usadas, mas em caráter supletivo. A providência mais importante deve ser a de, com
base na opinião de cientistas, e tendo em conta os riscos e as incertezas associados, especificar
metas máximas de concentração admissível do poluente, e então usar de todos os meios possíveis
para, em um prazo razoável, reduzir as emissões a um nível condizente com o atingimento dessas
metas. Se mecanismos de mercado puderem ajudar, muito bem. Mas não se deve obsessivamente
procurar apoio nestas.

É isso que vem se tentando (embora ainda sem sucesso) no encaminhamento no questão
das emissões de dióxido de carbono – o gás do efeito estufa. Chegou-se à conclusão de que a
concentração máxima desse gás deve ser menor que a atual e há um esforço em marcha, para
tentar reduzir significativamente as emissões dos principais países que geram esse poluente.
Dentre os mecanismos para tal, temos sugestões do emprego do mercado de direitos
transacionáveis a poluir, de forma a induzir países e regiões ainda não densamente povoados e
industrializados a desenvolverem atividades que produzam seqüestro de carbono – como o
reflorestamento, e outras atividades envolvendo o cultivo em larga escala e a manutenção de
espécies vegetais que absorvam (que seqüestrem) CO2 da atmosfera. O mecanismo também seria
usado para induzir a conservação de florestas. Com isso os países industrializados poderiam adiar
ou amenizar as reduções que necessitam realizar para tornar viável o atingimento das metas
fixadas por tratados internacionais. Cumpre frisar, entretanto, que o mercado de direitos
transacionáveis a poluir é apenas um dentre muitos outros mecanismos que precisam ser
acionados para evitar concentrações catastróficas de CO2 na atmosfera.

Finalmente, é importante recordar que existe ainda muita incerteza sobre os efeitos de
alguns dos principais poluentes de estoque. Essa incerteza e, em alguns casos, os impactos
potencialmente catastróficos de níveis muito elevados de concentração requerem extrema
prudência no estabelecimento de metas de concentração, acompanhada de ações ousadas e
enérgicas para o atingimento das metas fixadas.
149

Capítulo 12. Políticas Sugeridas pela Teoria Neoclássica da Poluição

Não obstante seus modelos altamente abstratos, a teoria neoclassica da poluição tem
orientação nitidamente pragmática. Quando discute, por exemplo, a 'poluição ótima', esse ótimo é
construído com base nas teorias do equilíbrio geral e do bem estar social. Refletem, assim, o
ponto de vista dos indivíduos em sociedade e não a situação e a estabilidade de ecossistemas -- o
foco de atenção de ambientalistas. Ademais, a teoria da poluição vem sendo usada na orientação
a políticas públicas, tendo inclusive originado instrumentos de mercado para o controle da
poluição. O presente capítulo avalia a orientação de tais políticas e, com exemplos simples,
discute a natureza dos principais instrumentos de política oferecidos pela análise neoclassica.
Para simplificar, vamos supor casos envolvendo poluente de fluxo, cujo impacto se faz sentir na
mesma região onde atuam os agentes poluidores. A discussão pode ser ampliada para abranger
casos mais complexos, mas a natureza dos problemas e das medidas propostas não é muito
diferente.

1. Será necessária uma política ambiental?

Esta não é uma pergunta sem sentido para corrente de pensamento que enfatiza o
funcionamento de mercados livres, com um mínimo de interferência governamental. Quando se
considera uma sociedade organizada, com um sistema legal eficiente, e com agentes econômicos
bem informados e racionais, pode parecer supérflua a intervenção ativa do estado, apoiada em um
arsenal de intervenções e políticas para assegurar a defesa do meio-ambiente. Cabe a seguinte
pergunta : por que não esperar que a negociação entre agentes econômicos, ou o acionamento do
sistema legal e judiciário, ofereçam soluções para a questão ambiental? Por exemplo, se a
poluição causa danos a indivíduos e empresas, não caberiam negociações entre os poluidores e os
prejudicados pela poluição, para chegar a um compromisso que equilibrasse os interesses das
duas partes, minimizando tais danos? Alternativamente, porque os que se sentem prejudicados
pela poluição não ingressam na justiça contra os poluidores, com ações visando reparar os danos
provocados? Se isso acontecesse, as indenizações e outras penas certamente reduziriam as ações
poluidoras.

No que diz respeito à alternativa da negociação entre poluidores e prejudicados, Ronald


Coase (1960) mostrou que se o agente que impõe a externalidade da poluição e o agente que
sofre o seu impacto estiverem dispostos a negociar a procura de vantagens mútuas, o resultado da
negociação poderia levar a melhoras na alocação de recursos, ampliando o bem estar social. Com
isso, seria dispensável a intervenção do estado. Mas o próprio Coase reconhece que o sistema de
negociações só seria aplicável em casos muito especiais. Numa sociedade complexa, na qual a
degradação ambiental tem características multifacetadas e diferenciadas, envolvendo uma
miríade de agentes econômicos de vários tipos, a solução via negociações seria extremamente
difícil de ser implementada.

Quanto a alternativa do acionamento do sistema legal, conforme argumenta Portney


17
(1990), embora existam casos -- alguns até emblemáticos -- de uso do sistema para reparar
danos causados a indivíduos, empresas ou comunidades afetados por degradação ambiental, em

17
Portney, Paul R., "EPA and the evolution of federal regulation". IN: Portney, Paul (edit.) Public Policies for
Environmental Protection. Washington, DC, Resources for the Future, 1990, p. 7-25.
150

muitos outros casos essa alternativa é inviável. Isso porque, entre outras coisas, o acionamento do
sistema legal exige a clara determinação de direitos de propriedade.18 O uso que um agente
econômico faz do meio-ambiente pode provocar efeitos indesejáveis sobre outros. Se os direitos
de propriedade em relação aos atributos do meio-ambiente impactados pela ação do agente,
fossem claramente estabelecidos, os proprietários poderiam exigir retribuição pelos serviços
ambientais. No caso da poluição, o atributo relevante do meio-ambiente seria, por exemplo, o de
servir de depósito para dejetos da produção ou do consumo (para a poluição); aqueles que
controlam esses atributos poderiam proibir ou limitar o uso do meio ambiente pelos agentes
poluidores, ou cobrar destes uma taxa pelo seu uso. Poderiam até vender aos que desejassem
poluir os atributos ambientais. De qualquer forma, os agentes econômicos não teriam a liberdade
de poluir; e sendo oneroso poluir, seriam induzidos a limitar a poluição.

Se o agente poluidor é uma empresa que manufatura um dado produto, o custo da


deposição de dejetos no meio-ambiente pode ser visto de forma semelhante aos custos de
armazenagem associados à sua produção. Quando há a necessidade de armazenar produtos ou
insumos, a empresa procura racionalizar sua produção e suas vendas de forma a reduzir o custo
de armazenagem. Da mesma forma, se "armazenar" dejetos no meio-ambiente custasse algo à
empresa, esta seria induzida a reduzir a quantidade de dejetos (de poluentes) que lança no meio-
ambiente.

Acontece que, tanto em princípio como na prática, é muito difícil atribuir direitos de
propriedade bem definidos a atributos ambientais. A quem deve caber a propriedade do ar limpo?
E a de um meio-ambiente não conspurcado? Não é, de nenhuma forma claro, em sociedades
modernas e complexas, com quem está o direito de propriedade desses atributos. Outra
dificuldade está em estabelecer nitidamente os responsáveis e os prejudicados pela poluição. Os
livros texto usualmente exemplificam a externalidade da poluição com o caso de uma empresa
cujos custos de produção são aumentados pela produção de outro agente econômico localizado
nas sua imediações. O custo de produção da empresa em questão depende, não só do nível de sua
produção, mas também do nível de produção do outro agente econômico.19

Uma ilustração é dada no exemplo simplificado da Caixa abaixo. Vemos ali que, ao
produzir, a Empresa A emite gratuitamente poluição, gerando externalidade negativa à Empresa
B; o custo de produção desta é afetado, além de pelo seu uso de insumos e fatores na produção
usados para produzir b, mas também pelo nível de produção (e de poluição) de A. Isso acontece
porque ninguém é dono do da capacidade de absorção de resíduos do meio-ambiente para cobrar
de A pelo seu uso. Mas o meio-ambiente afetado pelos resíduos de A aumenta os custos de
produção da empresa B, que para tal precisa retirar deste os resíduos de A.

18
Schmidt (1995, p. 46) conceitua diretos de propriedade como "um conjunto de relações ordenadas entre pessoas,
que definem suas oportunidades, sua exposição às ações de outros, seus privilégios e suas responsabilidades."
19
Um exemplo clássico de livro texto é o de uma lavanderia situada na beira de um rio do qual retira a água que usa
na lavagem, e que tem gastos causados por abatedouro de animais, localizado na beira do rio à sua montante, no qual
despeja dejetos. Assim, o custo da lavanderia depende não só do seu próprio nível de atividade ( da quantidade de
roupa que lava), mas também do nível de atividade do abatedouro. Há uma externalidade.
151

ILUSTRAÇÃO DA NATUREZA DA EXTERNALIDADE: CASO DE EMPRESA A


QUE PRODUZ UM BEM a COM EXTERNALIDADE NEGATIVA, AFETANDO A
EMPRESA B, QUE PRODUZ UM BEM b

Hipóteses: mercados do bens a e b são competitivos. As empresas A e B são tomadoras de preços.

Empresa A: Preço do bem a: R$ 80 por peça.


Receita Total A = 80 a
Custo Total A = a2
Lucro Total A = RTA - CTA = 80a - a2
Benefício (Lucro) Marginal A = 80 - 2a.

Para maximizar esse lucro, fazemos BMg A = 0 e determinamos a quantidade


correspondente, que é: a = 40 unidades por período de tempo.

Empresa B: Preço do bem b = R$ 100 por unidade


Receita Total B = 100 b.
CTB = b2 + 30 a.

Observe-se a externalidade: cada unidade de a produzida pela Empresa A gera um


custo adicional de R$ 30 na produção de b pela empresa 2.

Benefício (Lucro) Total B = 100 b - (b2 + 30a)


BMg B = 100 - 2b

Maximizando, a produção de equilíbrio de 2 será: b = 50 unidades

Lucro Total das duas empresas nas quantidades de equilíbrio: (Lucro total de A +
Lucro Total de B) = R$ 1.600 + R$ 1.300 = R$ 2.900.

Suponhamos, agora, que a Empresa A compre a Empresa B e que as duas empresas


sejam operadas conjuntamente. Nessas condições, teríamos:

LT(A e B) = LTA + LTB = (80 a - a2) + ( 100 b - b2 - 30 a)

LMgA = 50 - 2 a. Produção de a de equilíbrio : 25 unidades; LTa = R$ 1.375


LMgB = 100 - 2 b. Produção de b de equilíbrio: 50 unidades ; LTb = R$ 1.750
Total = R$ 3.125

A empresa (A+B) reduz a produção de a de 40 para 25 unidades, porque a Unidade A (a


antiga empresa A) agora não pode ignorar o custo que sua produção impõe à Unidade B (a antiga
empresa B). Isso não obstante, o lucro total (a soma do lucro das duas unidades produtivas) aumenta.
E o faz com uma menor poluição. Assim, tanto a nova empresa como a sociedade ganham. Moral:
vale a pena, para a sociedade, internalizar a externalidade da poluição.

Se os atributos do meio-ambiente tivessem um proprietário, este procuraria fazer valer


seus direitos e, ou a Empresa A teria que pagar a este pelo uso de um desses atributos (o atributo
152

da capacidade de assimilar dejetos da produção da empresa), ou esse proprietário poderia se valer


na justiça de seus direitos.

Num caso simples como o do exemplo, podem-se conceber maneiras de resolver a


questão mediante a atribuição de direitos de propriedade do atributo ambiental relevante,
permitindo solução via sistema legal. A realidade, entretanto, é muito mais complexa. Via de
regra, são diversos os agentes poluidores; no caso da poluição do ar, por exemplo, temos fábricas,
empresas produtoras de energia termoelétrica, automóveis, outros veículos motorizados,
residências que queimam lixo ou usam carvão ou lenha para cozinhar, etc. Quem, exatamente, é
responsável pela poluição, e em que medida? Do outro lado, também temos várias vítimas da
poluição, tanto pessoas físicas como jurídicas. Como organizar e fazer funcionar um sistema de
reparação mediante o acionamento da justiça?

Em suma, quem, exatamente, são os "donos" dos atributos do meio-ambiente para entrar
na justiça? E contra quem? Em tese, é possível imaginar formas de organizar as vítimas,
estabelecendo o dano sofrido por cada uma, e de identificar os vilãos, determinando a
responsabilidade de cada um. Mas, na prática isso seria muito complicado, demorado e
extremamente dispendioso.

Finalmente, nem sempre o efeito da poluição se faz sentir imediatamente. Existem


poluentes que levam muito tempo para produzir um impacto sensível. Uma pessoa que trabalha
habitualmente em ambiente cheio de fumaça de cigarro, por exemplo, -- um fumante passivo --
pode estar acostumado e nem se sentir incomodado pela fumaça; mas esta pode fazer com que,
depois de algum tempo, a pessoa desenvolva enfisema ou câncer do pulmão. É evidente que,
manifestada a doença, o prejudicado pode ingressar na justiça e pedir indenização, mas isso não
reverteria o longo tempo que o seu ambiente de trabalho esteve poluído com fumaça de cigarro.
Além disso, o advogado de defesa em uma ação judicial dessas certamente argumentaria que, em
sociedade industrial há outros poluentes que causam a enfisema ou o câncer.

É por essas razões que as sociedades modernas desenvolveram e, via de regra, vêm
procurando aperfeiçoar, políticas ambientais -- conjuntos de medidas que objetivam controlar os
impactos ambientais negativos provocados pela atividade econômica. Dentre estas assumem peso
elevado políticas de combate à poluição.

2. Critérios para o desenho de política ambiental

Existem, entretanto, vários critérios para a conformação de uma política ambiental. A


questão básica é: qual o nível de proteção contra a poluição que se deve propiciar à sociedade?
Essa não é uma questão trivial. Como argumenta Portney (1990, p. 13-14) existem, em princípio,
três alternativas:

(1). O critério da proteção de risco zero. As instituições de política ambiental


determinariam padrões específicos de qualidade ambiental dos quais estariam ausentes as
externalidades da poluição; exigiriam, assim, que não ocorressem quaisquer efeitos detrimentais
sobre a saúde da população, nem impactos sobre ecossistemas e nem danos sobre o patrimônio. A
primeira vista, parece tratar-se de critério ideal. Se a poluição exerce efeitos adversos sobre a
saúde, impõe custos e ataca o patrimônio de indivíduos e empresas, e afeta a estabilidade de
ecossistemas, por que não simplesmente proibir a poluição?

Ao tratarmos dessa questão, temos que ter em vista que a poluição é, por assim dizer, um
preço que se paga pela produção e pelo consumo, pelo emprego e pela renda. Não existe
153

produção e consumo sem algum grau de poluição. Assim, de um lado, temos o bem estar
associado à produção e ao consumo e, do outro, o mal estar, o dano, provocados pela poluição
decorrente dessa produção e desse consumo. Para a economia ambiental neoclássica, não se trata
de eliminar totalmente a poluição, mas de encontrar um equilíbrio entre os benefícios da
produção e do consumo e os malefícios da poluição que estes geram.

Poluição zero, portanto, pode significar produção e consumo (e renda e emprego) zero.
Via de regra, o critério da proteção de risco zero não é viável. É evidente que, se um determinado
tipo de produção envolve emanações altamente carcinógenas, as quais, dado o estado das artes,
não podem ser reduzidas a um nível em que o risco de câncer se torne aceitável, é preferível que
não haja produção, pelo menos não em zonas com alguma concentração demográfica. Mas para
muitos poluentes é mais realista aceitar que haja alguma convivência entre a produção e o
consumo e a emissão de poluentes. Ou seja, aceitamos que a sociedade está de acordo em aceita
conviver com algum risco.

(2). O critério da melhor tecnologia. Por esse critério, os agentes poluidores seriam
obrigados a adotar sempre práticas de redução da poluição as mais desenvolvidas. Já que a
poluição é um mal, cumpriria à política ambiental atuar no sentido de forçar que as emissões e os
dejetos da produção e do consumo sejam os menores possíveis. A poluição seria admitida, mas
seria exigido que esta fosse sempre mínima. Esse critério pode parecer razoável, mas padece do
defeito de ignorar o custo das medidas de redução da poluição. Para começar, quase nunca
existem tecnologias as mais eficientes, do ponto de vista físico, para reduzir a poluição. A um
custo adicional, é sempre possível reduzir ainda mais a poluição. A questão é que, com isso, o
combate à poluição poderia se tornar tão dispendioso que não valeria mais a pena produzir ou
consumir. Uma legislação que impusesse esse critério poderia inviabilizar o funcionamento de
diversos segmentos da economia, reduzindo a produção, a renda, o emprego e o consumo. Além
disso, a tecnologia é dinâmica; está sempre mudando e o critério exigiria constantes alterações
nas práticas de controle da poluição associadas a processos de produção e de consumo, com
impactos desestabilizadores sobre as empresas envolvidas.

(3). O critério do equilíbrio entre os benefícios e os custos do controle da poluição. Este


é o critério privilegiado pela economia ambiental neoclássica. Como vimos, de um lado a
sociedade deriva bem estar da produção e do consumo; do outro lado, sofre o impacto da
poluição que resulta da produção e do consumo. Assim, esse critério requerer a fixação de
padrões de proteção da saúde, do patrimônio e de outros valores que tomem em conta os
benefícios e os custos da imposição de tais padrões.

O problema com esse critério é que sua implementação também não é fácil. No extremo,
requerer a estimativa dos custos e benefícios de cada possível alternativa, para então estabelecer
as mais adequadas. Para tal, seria necessário a expressão de todos os possíveis impactos
favoráveis e desfavoráveis em termos monetários. Entretanto, boa parte dos impactos positivos e
negativos sobre o meio ambiente não podem, com facilidade, ser mensurados e expressos em
termos monetários; trata-se de bens e males que não são transacionados em mercados. Na
verdade, a despeito dos avanços já feitos nas técnicas de valoração de custos e benefícios
ambientais dessa natureza, em muitos casos o custo de efetuar as estimativas é elevado e a
precisão das mesmas não é muito grande. Se o critério tivesse que ser aplicado por organização
ambiental do governo, esta teria que constituir um corpo técnico de enormes proporções e se
equipar fortemente, tudo a custos muito elevados.
3. Principais categorias de políticas ambientais
154

Os critérios examinados acima estão ligados a diferentes categorias de política ambiental.


Os dois primeiros requerem a fixação de padrões ambientais considerados adequados, que a
política ambiental deve tentar manter. Quanto ao critério de benefícios e custos, em tese este
dispensa a fixação exógena de padrões ambientais. Na verdade, para a economia ambiental
neoclássica, a poluição ótima resultaria do funcionamento do sistema econômico; em condições
ideais, esta surgiria do confronto entre os benefícios associados à poluição (decorrentes da
produção e do consumo), com os custos da poluição. Desse confronto resultaria a poluição ótima
que, para a análise neoclássica é a que conta.

Na prática, entretanto, é extremamente difícil determinar, mesmo aproximadamente, a


poluição ótima da análise neoclássica. Assim, quase sempre acaba sendo necessário fixar
exogenamente padrões de qualidade do meio-ambiente. Isso pode ser feito com base na opinião
de cientistas e de painéis de entendidos de diversas áreas. E, uma vez estabelecidos estes, o passo
seguinte é o de conceber as medidas necessárias para fazer com que tais padrões sejam atingidos.
Ou seja, é necessário criar mecanismos de controle da poluição para evitar que os padrões
ambientais sejam ultrapassados. As principais abordagens para tal são:

(1) A das políticas de comando e controle; e,

(2) A das políticas de estímulos de mercado.

A diferença essencial entre essas duas abordagens é que a primeira estabelece por
decretos, leis, regulamentos o que os agentes econômicos podem ou não fazer em matéria de
poluição. Basicamente, são estabelecidas quantidades máximas de poluição que produtores e/ou
consumidores podem emitir por período de tempo, sob pena de repressão, multa, embargo de
atividades e, no extremo, até de prisão. Já a segunda categoria atua com incentivos e penalizações
econômicas, objetivando induzir os agentes poluidores a se comportar de forma a serem
obedecidos os padrões ambientais fixados. Partindo da idéia de que, em mercados livres, os
agentes econômicos poluem demais porque nada lhes custa poluir, a abordagem de incentivos de
mercado recomenda que se criem mecanismos para obriga-los a internalizar os custos que
impõem sobre a sociedade, com a degradação que provocam. Trata-se da implementação do
princípio do poluidor pagador. Essa é a abordagem privilegiada pela economia ambiental
neoclássica. As próximas seções enfatizam esse tipo de abordagem.

4. Políticas neoclássicas de controle da poluição

4.1. Poluição ótima ou poluição aceitável

Cumpre explicitar a natureza da "poluição ótima" da análise neoclássica e elaborar sobre


as razões que levaram-na a deixar esse ótimo de lado em favor de critério de poluição aceitável.
Para começar, a poluição ótima neoclássica pouco tem a ver, diretamente, com condições
específicas do meio-ambiente; ela resulta, ao invés, das preferências dos indivíduos em
sociedade. Estes é que, comparando a satisfação gerada pala produção e consumo, com os danos,
o sacrifício resultantes da poluição, estabelecem as condições do meio-ambiente que consideram
ótimas, tendo em vista que se deseja produzir e consumir. Como a produção e o consumo não
podem ser feitas sem poluição, trata-se de tentar alcançar um equilíbrio entre os objetivos de
produção e de consumo e de manutenção de padrões razoáveis de qualidade ambiental. Em tese,
dadas certas condições, uma sociedade teria um padrão ambiental que equilibra esses dois
objetivos.
155

Acontece que, mesmo em condições ideais, esse ótimo não surge automaticamente do
funcionamento de mercados livres. Isso porque a poluição é umas externalidade; isto é, dado que
em situações de mercado livre poluir nada custa, os agentes poluidores são induzidos a poluir
excessivamente. Em essência, com mercados livre a poluição excede ao ótimo e a política
ambiental neoclássica prega o emprego de instrumentos pigouvianos ou semelhantes para
conduzir a um nível ótimo de poluição -- à poluição eficiente (no sentido de Pareto).

Pode-se ilustrar melhor a questão com base em esquema teórico da na Figura 1, comum
na análise da economia ambiental neoclássica. Está representado ali o benefício marginal da
poluição para uma empresa (a Empresa k) que produz um dado bem gerando a emanação de
poluentes; a poluição é uma conseqüência necessária da produção, que por sua vez está na base
dos lucros da empresa. Está representada, também a função do dano marginal da poluição, para a
sociedade como um todo. Já vimos (Capítulo 6) a explicação do formato das duas curvas
marginais. Vimos, também, que o nível ótimo do poluição (o que maximiza o bem estar social)
seria Sk0, em que o benefício marginal a poluir da empresa é igual a dano marginal da poluição
para a sociedade como um todo. Nesse nível de poluição haveria equilíbrio entre o bem estar
associado à produção e ao consumo do bem fornecido pela empresa e o mal estar gerado pela
poluição.

Figura 1 -- Política para a Poluição Ótima da Economia Ambiental Neoclássica

•Dano Marginal da Poluição


•Benefício Marginal da
poluição (para a Empresa k)

Dano Marginal da Poluição


(p/ o conjunto da sociedade)

T Preço sombra da poluição (o nível do


imposto s/ a poluição que conduziria à
poluição ótima).

Benefício Marginal da Poluição

0 Sk0 S* Emissão do poluente S


(pela empresa k)

Acontece, entretanto, que, se poluir nada custa à Empresa k, esta vai produzir gerando
poluição no nível S*. A poluição é uma externalidade; nada custa à empresa poluir, e esta estaria
maximizando seu lucro (seu benefício) poluindo ao nível 0S*, e não no nível 0Sk0 -- o nível de
poluição ótima. E produzindo e poluindo no nível 0S* a Empresa k maximizaria seu lucro mas
não o bem estar social. Haveria poluição excessiva além de má alocação de recursos. Para a
economia ambiental neoclássica a conclusão é imediata: para fazer a empresa reduzir a poluição
que gera para o nível ótimo, 0Sk0, seria necessária a imposição de uma taxa sobre a poluição, igual
a 0T, o preço sombra da poluição. Este preço, se cobrado, levaria à poluição ótima.
156

Assim, se fosse possível replicar em modelo para uma economia real o modelo acima e
estimar o preço sombra da poluição, a solução de política para o controle da poluição seria o de
se cobrar da empresa poluidora esse imposto. No exemplo acima, se a Empresa k tivesse que
pagar 0T de imposto por unidade de poluição que emitisse seria internalizada na sua função custo
o ônus social causado pela poluição emitida e a empresa reduziria a sua poluição de 0S* para o
nível ótimo 0Sk0. E se teria atingido situação de ótimo de Pareto.

A poluição ótima é a que se obtém igualando o benefício marginal social da poluição com
o dano (o custo) marginal social da poluição; para a economia ambiental neoclássica, este é,
idealmente, o padrão a ser perseguido pela política ambiental. Entretanto, como mostraram
Baumol e Oates (1971), dado que é extremamente difícil, na prática, medir os danos marginais
sociais da poluição, acaba sendo necessária a fixação exógena de padrões ambientais. Os autores
recomendam o estabelecimento de "um conjunto de padrões reconhecidamente arbitrários de
qualidade ambiental (e.g., que o conteúdo de oxigênio dissolvido na água de um rio seja superior
a x porcento pelo menos 99 porcento das tomadas de amostra), para então impor um conjunto
de taxas sobre a emissão de poluentes em nível o suficiente para que sejam atingidos esses
padrões. Embora esses preços de uso de recursos em geral não produzirão alocações de
recursos Pareto-eficientes, (...) eles possuem importantes propriedades de otimalidade além de
outras vantagens práticas." (p. 42). Destarte, para o estabelecimento de uma política ambiental
de inspiração neoclássica também acaba se valendo de padrões ambientais determinados
exogenamente.

Conforme ilustrado no exemplo da Figura 2, a seguir, dado que a função Dano Marginal
da Poluição não é observável, uma saída está e empregar o critério do custo-eficácia. Supõe-se o
caso de uma empresa que polui para produzir, cuja função Benefício Marginal é conhecida. Com
base na ciência, as autoridades ambientais fixam o nível máximo de poluição admissível;
determina-se, então, a taxa de tributação que leve a esse nível considerado aceitável.

No caso, a poluição máxima admissível para a empresa foi fixada em Sk0. Recorde-se que,
antes da aplicação da taxa sobre a poluição, como nada custava à empresa poluir, esta produzia e
poluía ao nível 0Z, nível em que maximizava o benefício (o lucro) total da produção e da
poluição. A implantação do tributo de R$ 0τ por tonelada de poluente emitida, modifica a
situação de equilíbrio da empresa. Se esta teimar em continuar a poluir ao nível 0Z, o imposto
significará um incremento de custo total igual à área (A + B + C) do diagrama. Entretanto, o
custo líquido para a empresa k de reduzir suas emissões, de 0z para o nível aceitável, 0Sk0, seria
apenas igual à área B; esse custo corresponderia à diferença entre a redução no imposto
determinada pela queda de poluição (A+B) menos a redução do benefício total decorrente da
redução de poluição do nível Z, para Sk0 (área A). Assim, a empresa perderia menos reduzindo a
poluição para 0Sk0 do que se continuasse a produzir e poluir no nível anterior. Nesse nível de
poluição, estaria minimizando suas perdas ocasionadas pela aplicação do imposto sobre a
poluição.
157

Figura 2 -- O Critério da Poluição Aceitável

Benefício Marginal da Poluição


(p/ empresa k)

τ Tributo sobre a poluição


(por unidade de S emitido)

C A B
Benefício Marginal da Poluição

Emissão de Poluente S
0 Sk0 Z (Empresa k)

Note-se que a taxa de R$ 0τ por tonelada de poluente é taxa ótima no sentido de que induz
a empresa k a reduzir a poluição ao nível considerado adequado pelas autoridades ambientais. E
isso acontecerá desde que a empresa adote comportamento maximizador de lucros.

4.2 Solução de comando e controle versus solução via taxa sobre a poluição

O exemplo da Figura 2 é extremamente simplificado. Face a situação ali delineada, pode


surgir a pergunta: por que não usar a solução de comando e controle? Ou seja, por que as
autoridades ambientais simplesmente não decretam que a empresa pode, no máximo, emitir a
poluição 0Sk0 por período de tempo? Dado que, tanto na solução de comando e controle, como na
de incentivos de mercado, teriam que monitorar o comportamento da empresa, dá quase na
mesma o emprego de um ou de outro tipo de política. A única diferença, é que com a solução via
tributação da poluição, o governo arrecadaria recursos que poderiam ser usados em ações de
restauração do meio-ambiente, o que não ocorre com a alternativa de comando e controle.

A superioridade dos instrumentos de incentivos de mercado se torna evidente, entretanto,


em casos mais complexos. A seguir apresentamos um exemplo que ilustra esse ponto.
Suponhamos o caso de duas usinas termoelétricas acionadas a carvão atuando em uma dada
região. Sem restrições, estas emitem grandes quantidades de dióxido de enxofre (SO2), altamente
poluentes. Por hipótese, essas duas usinas são empresas diferentes, com funções benefício
marginal distintas (ver a Figura 3).

As curvas BMg1 e BMg2 são, respectivamente, curvas de benefício marginal da poluição


das duas empresas. Vistas de outra forma, são as curvas de custo marginal a descontaminar
dessas empresas, pois mostram o sacrifício marginal de lucro que cada empresa teria a cada nível
de poluição -- o lucro que a empresa teria que sacrificar se, a um dado nível de poluição, tivesse
que reduzir a poluição em uma unidade. Suponhamos, agora, que, visando reduzir as emissões de
SO2, consideradas excessivas, as autoridades ambientais determinem que, no máximo, as duas
empresas de energia podem emitir a quantidade 0S do poluente por período de tempo. Note-se
que, sem restrições à poluir, a usina 1 geraria energia queimando carvão e poluiria ao nível 0V; e
158

que a usina 2 poluiria ao nível 0W. Em conjunto, as duas emitiriam a quantidade (0V + 0W) por
período de tempo, bem mais que o máximo admitido pelas autoridades ambientais (0S).
Como parcelar a redução das emissões entre as duas empresas? Pelo critério do comando
e controle as autoridades poderiam, por exempla, dividir igualmente o total 0S entre as duas,
ficando cada usina autorizada a emitir apenas 1/2 0S. Será que é possível melhorar a solução?

Figura 3 -- O caso de duas usinas termoelétricas com benefícios marginais a poluir diferentes

Benefício Marginal de poluir


(custo marginal de descontaminar)
de cada empresa

BMg1
BMg2

0 1/2S V S W Emissão de SO2

Segundo a economia ambiental neoclássica, sim. Uma alternativa seria a da introdução de


uma taxa sobre a emissão de SO2 que induzisse às duas usinas a, em conjunto, emitir apenas OS
do poluente. A Figura 4 ilustra a solução via a tributação.

Figura 4 -- Uso de incentivos de mercado: o emprego de taxa por unidade de poluição

Custo Marginal de Descontaminar ;


Taxa sobre a poluição
Sk

(BMg1 + BMg2) = quantidade de poluição


R ótima, combinada, das
duas usinas, a cada nível
de imposto.
Z
D
A E
τo
C
(BMg1 + BMg2)

BMg1 BMg2

0 Q1 Q2 S Emissão de SO2
½S
159

Na figura 4, as funções de benefício marginal a poluir das duas usinas é combinada para
representar quanto de SO2 as duas, em conjunto, emitiriam a cada nível da taxa. É o que se pode
ver na curva (BMg1 + BMg2): se a taxa fosse fixada ao nível 0R, poluir seria tão dispendioso que
ambas as usinas cessariam de produzir energia. Se a taxa fosse 0Z, apenas a usina 2 produziria e
poluiria, pois seria muito dispendioso para a usina 1 produzir (e poluir). E se a taxa fosse fixada
ao nível 0τo, maximizando seus lucros a usina 1 emitiria 0Q1 de SO2, a usina 2 emitiria 0Q2 do
poluente, e a soma a poluição das duas seria igual a 0S, conforme se pode ver a partir da curva
(BMg1 + BMg2). Em outros níveis da taxa de poluição, o nível de poluição combinada das duas
usinas é dado por esta curva; já a quantidade de emissão do poluente de cada uma delas é dada
pela respectiva curva individual.

Como se pode observar, se a emissão máxima de SO2 desejada pelas autoridades


ambientais for 0S, estas poderiam atingir esse nível impondo uma taxa de R$ 0τo por unidade do
poluente emitida por período de tempo. A essa taxa, ao maximizar seu lucro a usina 1 passaria a
emitir 0Q1 do poluente por período de tempo, e a usina 2 emitiria 0Q2 por período; e a poluição
combinada (0Q1 + 0Q2) seria igual ao nível de poluição máxima aceitável estabelecido (0S). Se
as autoridades desejassem diminuir a emissão de SO2 para abaixo de 0S, bastaria aumentar a taxa
de poluição para a que levasse ao nível conjunto de poluição desejado; e se achassem que a
emissão do poluente poderia ser maior, reduziriam a taxa, novamente guiadas pela curva
combinada, (BMg1 + BMg2).

É interessante notar que, na solução com a taxa 0τo, não há divisão igual do nível máximo
de emissão do poluente admitido, 0S, entre as duas usinas. Maximizando seus lucros, a usina 1
emitiria bem menos do poluente que 1/2 de 0S, e a usina 2 emitiria bem mais que esse montante.
É que a usina 2 é mais eficiente que a usina 1, gerando bem mais benefício (lucro) a partir de
cada nível de emissão de SO2.

Na verdade, é fácil ver que a divisão eqüitativa de 0S entre as duas usinas não seria uma
solução eficiente. Se cada usina pudesse emitir até a metade de 0S, o benefício (lucro) total de
cada usina seria igual à área em baixo da respectiva curva de benefício marginal, da origem até
½0S. E, com sua maior eficiência a empresa 2 teria um lucro bem maior que a empresa 1. Na
verdade, aquela empresa teria um ganho líquido positivo de ressarcisse a empresa 1 por queda de
lucro total causada pela redução de poluição do nível 0½0S para o nível 0Q1, desde que pudesse
aumentar a sua poluição, de 0½0S para 0Q2. Com esse rearranjo de produção (e de poluição) a
redução no lucro da empresa 1 seria igual à área Q1AC½0S, e o aumento de lucro da empresa 2
seria igual à área ½0SDEQ2; e é visível na figura 4, que esta última área é bem maior que a área
que corresponde à queda de lucro da empresa 1. Assim, a mudança do critério de comando e
controle para o de incentivo de mercado (pela cobrança da taxa sobre a poluição) produziria um
aumento líquido no lucro combinado das duas empresas. Haveria, assim, um aumento de
eficiência (segundo o critério de Pareto) da economia.

4.3. Incentivos de mercado: a solução via mercado de direitos a poluir

Um problema com a solução via a tributação da poluição é o de estabelecer com a


necessária precisão as funções benefício marginal das empresas envolvidas. É que, ao contrário
do que acontece no caso da determinação, na prática, de uma função dano marginal da poluição, é
factível estabelecer funções benefício marginal; mas não deixa de ser complicado. Envolve a
realização levantamentos de mercados potenciais e efetivos, receitas, produção, custos,
coeficientes de emissão de poluentes, etc., junto às empresas poluidoras. Esses levantamentos
teriam que ser precedidos de intenso esforço de relações públicas junto as empresas para
assegurar a sua cooperação. Na verdade, se estas souberem para que servirão os dados do
160

levantamento, serão induzidas, ou a não cooperar, ou a fornecer informações falsas, objetivando


reduzir a magnitude do tributo que teriam de pagar. Além do mais, como a realidade é dinâmica,
seria necessário efetuar levantamentos com certa freqüência, o seria caro e complicado.

Tendo em vista essas dificuldades, concebeu-se solução via desenvolvimento de mercado


de certificados transacionáveis de direitos à poluir. Trata-se de idéia relativamente simples e que
leva a um mesmo resultado que o obtido via o mecanismo da tributação da poluição, sem a
necessidade da realização de levantamentos de informações nas empresas e de minuciosos
acompanhamentos. O esquema funciona da seguinte forma: com base em estudos técnicos as
autoridades ambientais fixam a quantidade máxima que as empresas de uma dada região, em
conjunto, podem emitir do poluente por período de tempo, e depois distribuem às mesmas,
segundo algum critério (geralmente o histórico da participação de cada empresa na emissão total
do poluente antes da criação desse novo esquema) certificados dando-lhes a permissão de emitir
uma certa quantidade do poluente. A soma das permissões de emitir conjuntas de todas as
empresas é igual a quantidade máxima total admitida de poluição, fixada pelas autoridades
ambientais.

Uma empresa tem duas opções em face aos certificados que recebe; uma é a de usa-lo na
produção até o limite máximo de poluição a ele associado; e outra é a de vender, em parte ou no
todo, os certificados que recebeu a outras empresas, que desejam ampliar sua produção acima do
permitido pelo seu limite de poluição. Há um mercado para esses certificados, regulado e
vigiado, mas livre. Procura-se fazer com que funcione o mais próximo possível de um mercado
em concorrência perfeita.

Uma ilustração. Pode-se demonstrar que um esquema desses chegaria a resultados muito
parecidos com o da solução da tributação da poluição. Usamos o mesmo exemplo acima, de duas
usinas termoelétricas que, para gerar e vender energia precisam poluir; existe um limite máximo
para a poluição -- ver o diagrama da Figura 5.
Figura 5 - Uso de incentivos de mercado: o funcionamento de mercado de direitos a poluir

Custo Marginal de Descontaminar


Preço dos certificados
S

(BMg1 + BMg2) = demanda conjunta de


R certificados.

Z
.

Po

(BMg1 + BMg2)

BMg1 BMg2

0 Q1 Q2 S Emissão de SO2 .
½0S Certificados de direito a poluir.

O diagrama mostra as curvas de benefício marginal das duas usinas e a combinação destas
em uma função (BMg1 + BMg2) que, como veremos, se constitui na demanda conjunta das
empresas por certificados a poluir. O nível máximo de emissões de SO2 por período de tempo
admitido é igual a 0S. É o máximo que as empresas 1 e 2, em conjunto, podem poluir por
161

período de tempo. Por hipótese, cada empresa recebe ½ 0S de certificados. Cada uma pode, ou
usar todos os seus certificados na produção, ou vender uma parte no mercado, reduzindo sua
produção, ou ainda comprar certificados no mercado, ampliando a sua produção.

O comportamento de uma empresa. Para entender como as empresas atuariam em face


ao mercado de certificados transacionáveis de direitos à poluir é útil o exame do comportamento
de empresa individual. A Figura 6 mostra o caso de uma empresa (a Empresa k), que ao produzir
emite SO2. Se não houvesse restrições, poluiria ao nível 0W, em que estaria maximizando seu
benefício (lucro). Entretanto, há restrições à poluição; a empresa recebe, a cada período de
tempo, a quantidade 0Sk de direitos a poluir, na forma de certificados transacionáveis. Vimos que
ela pode, ou usar todo o direito de poluir concedido pelos seus certificados, e produzir emitindo
0Sk de SO2, ou poluir mais que isso, comprando certificados adicionais aos que recebe, no
mercado, ou ainda, vender parte de seus certificados para outras empresas que querem aumentar
sua produção(e poluição). Seu comportamento dependerá do preço dos certificados, determinado
no mercado de certificados transacionáveis.

Figura 6. O comportamento de empresa individual em face ao mercado de certificados


transacionáveis a poluir.

Benefício Marginal de poluir p/ firma k


(= Custo Marginal de Descontaminar)
Preço unitário dos certificados

P1 e P2: dois preços hipotéticos dos


certificados.

Quantidade de certificados vendidos


A B
P1
E Quantidade de certificados comprados
Po
F G
P2
BMgk
0 D Sk H W Emissão de SO2
Direitos equivalentes a poluir

Como a empresa se comportaria em face a preços hipotéticos dos certificados?


Suponhamos, primeiro, que o preço de mercado seja de R$ 0P1 por unidade. Para a empresa k
esse é um preço elevado, induzindo-a a reduzir sua produção (e poluição) e a vender a parcela
DSk dos certificados que recebeu. Fazendo isso, estará tendo um lucro maior que o que obteria se
usasse essa parte dos seus certificados na produção. Isso pode ser visto na Figura 6: ao deixar de
usar a parcela DSk de seus certificados na sua produção, a empresa sacrificaria o lucro dado pela
área em baixo da sua curva de benefício marginal entre 0Sk e 0D (área SkDAE); mas ao vender
DSk no mercado, obteria uma receita igual à área SkDAB (que corresponde ao preço 0P1
multiplicado pela quantidade vendida DSk). E esta última área é maior que a área que representa
a redução de lucro resultante da queda de produção. Ao vender a parcela DSk de seus certificados
no mercado a empresa tem, portanto, uma ganho líquido igual à área do triângulo ABE.
162

Suponhamos, agora, que o preço de mercado do certificado fosse 0P2. Nesse caso,
agindo racionalmente, a empresa compraria a quantidade SkH de certificados no mercado, e
ampliaria sua produção para o nível 0H de emissão de SO2. Fazendo isso, a empresa teria um
aumento de custo no montante do gasto com os certificados (área SkFGH na Figura 6), mas
realizaria um incremento de lucro igual a área em baixo da sua curva de BMg, entre Sk e H (a
área SkEGH). Ao preço P2, compensaria à empresa comprar certificados transacionáveis a poluir
e ampliar sua produção; com isso estaria tendo um lucro adicional igual a área do triângulo EFG.

Em suma, o comportamento da empresa, se comprador ou vendedor de certificados,


depende do preço dos certificados. A regra geral é que a empresa procurará emitir SO2 ao nível
dado pela igualdade do seu benefício marginal a poluir com o preço de mercado do certificado
transacionável. Se, em face a sua dotação inicial de certificados, o benefício marginal a poluir
for maior que o preço de mercado, compensará à empresa adquirir certificados e expandir sua
produção (e poluição); e o fará até o nível de emissão do poluente em que BMgk = Pi. Vice versa
se, dada a sua dotação inicial de certificados, o benefício marginal a poluir for menor que o preço
de mercado. Nesse caso, compensará à empresa diminuir sua produção e poluição, e vender
certificados no mercado; mas ao reduzir suas emissões de SO2 seu benefício marginal de poluir
aumentará, até que seja atingido o nível dado por BMgk = Pi. Será este o seu nível de equilíbrio.
Note-se que, na Figura 6 existe apenas um preço ao qual não haverá nem compra nem venda de
certificados: é o do preço Po. A esse preço a empresa usará toda a sua dotação inicial de
certificados e produzirá, poluindo no nível 0Sk.

A solução conjunta. Voltando ao diagrama da Figura 5, observa-se ali que a empresa 1,


menos contaminadora, vende (Q1 ½0S) de certificados, e vai produzir emitindo a quantidade 0Q1
do poluente. Já a empresa 2, achará mais lucrativo comprar os (Q1 ½0S) da empresa 1, e emitir
poluentes no nível 0Q2. Como vimos acima, cada empresa produzirá ao nível de emissão de
dióxido de enxofre em que o preço do certificado a poluir é igual ao seu benefício marginal de
poluir.

Note-se que o nível máximo de emissões de SO2, 0S, será atingido com as empresas
usando quantidades diferentes de certificados que os que receberam inicialmente. A usina 1
recebeu 0½0S de certificados mas acabou vendendo Q1 ½0S para a usina 2; e esta comprou os
certificados da usina 1 para ampliar sua produção. Entretanto, isso é feito mantendo a meta de
poluição máxima fixada pelas autoridades ambientais, e assegurando um ganho adicional, em
relação ao que as empresas teriam se produzissem usando integralmente a sua dotação inicial de
certificados. A mensagem neoclássica é: o funcionamento adequado do mercado de certificados
não só gera o resultado estabelecido pelas autoridades ambientais com economia de esforço e
coerção, como produz uma melhoria de eficiência segundo o critério de Pareto.

4.4. Incentivos de mercado e mudanças tecnológicas

Até agora prevaleceu a hipótese de condições de produção dadas. Os diagramas de


benefício marginal acima adotam um horizonte temporal de curto prazo; ou seja, supõem dadas
as funções de produção e de custos das empresas. Entretanto, sabemos que o desenvolvimento
tecnológico pode atuar para reduzir mais fortemente a poluição por unidade de produto.
Nesse sentido, um argumento adicional a favor do emprego de incentivos de mercado --
seja mediante o critério da tributação, como com o dos mercados de direitos transacionáveis a
poluir -- é que estes acabam internalizando os custos da poluição nos agentes poluidores,
estimulando-os a adotar tecnologias que lhes permitam reduzir o custo das suas emissões de
poluentes.
163

A Figura 7, representando a situação de uma empresa, ilustra o que pode ocorrer no longo
prazo. Suponhamos que tenha sido adotado o critério do imposto a poluir; antes da introdução do
imposto, a empresa maximizava o seu lucro sem tomar em conta a externalidade da poluição.
Poluía no nível 0W; o seu nível de contenção da poluição seria, pois, zero. Com o
estabelecimento do imposto no nível λ, entretanto, num primeiro momento a empresa é induzida
a reduzir sua poluição para o nível 0Q. Mas com o tempo passaria a procurar formas de reduzir o
custo por unidade de contenção da emissão do poluente, com a adoção de novas tecnologias.
Suponhamos que tais tecnologias fizessem sua curva de benefício marginal da poluição se
deslocar para a esquerda, de BMg a BMg’. Com isso, seria possível à empresa maximizar o seu
lucro reduzindo a poluição para 0Q'. E faria isso sem sacrificar muito sua produção. Na situação
de curto-prazo a redução da poluição só ocorre se houver redução da produção, pois a poluição
por unidade de produto não se altera. No longo prazo, graças à mudança tecnológica a empresa
pode reduzir a poluição mantendo ou mesmo aumentando sua produção, mas emitindo bem
menos poluição por unidade de produto.

Figura 7: O imposto da poluição e a mudança tecnológica

Benefício Marginal da Poluição


Tributo s/ poluição

λ
BMg
BMg'

0 Q Q' W Emissão de SO2

A primeira vista, pode parecer que não é interessante à empresa adotar a nova tecnologia.
Isso porque esta faz com que a curva de BMg' se situe sempre abaixo da curva BMg, indicando
para cada nível de poluição um benefício total menor com a nova tecnologia do que sem esta.
Recorde-se, porém, que embora a poluição de equilíbrio após a mudança tecnológica seja menor
que a poluição de equilíbrio antes da mudança, a produção de equilíbrio tende a ser maior ou
igual que antes. Além disso, a queda do nível de poluição, de 0Q para 0Q', traz significativa
redução no gasto com o imposto sobre a poluição [igual a (QQ' x λ)]. É evidente que se poluir
nada custasse, a empresa não adotaria a nova tecnologia pois esta reduziria, de forma inequívoca,
o seu lucro total; mas com o imposto, poluir se torna dispendiosos e pode compensar a introdução
de tecnologia que faça a poluição associada a cada nível de produção ser bem menor.

APÊNDICE

EXERCÍCIO RESOLVIDO: OPÇÕES DE POLÍTICAS PARA REDUZIR A POLUIÇÃO:


O CASO DE DUAS EMPRESAS QUE EMANAM UM MESMO POLUENTE
164

Suponhamos dias empresas produtoras de energia termoelétrica, produção essa que resulta
na emissão de dióxido de enxofre. São as seguintes as equação de benefício marginal dessas
empresas:

Empresa 1: BMg1 = 4.000 – 200 q1


Empresa 2: BMg2 = 2.000 – 100 q2

Sem restrições a poluir, cada uma das empresas maximizaria seu lucro emitindo 20
unidades de poluição/ período. A poluição conjunta seria (q1 + q2 ) = 40 unidades/período
(explique por que).

A poluição, entretanto, tem efeitos maléficos sobre a saúde, o que leva às autoridade
ambientais a fixar um teto máximo da poluição conjunta, de 19 unidades/período. Fazem isso
deixando claro que a ultrapassagem desse teto será fortemente reprimida. Como dividir as 19
unidades entre as duas empresas?

1. O critério de comando e controle

Uma alternativa -- uma solução de comando e controle -- seria a de dividir o máximo total
admissível de emanações igualmente entre as empresas, cabendo a cada uma a quota de 9,5
unidades de emissões/período. As funções de Benefício Total correspondentes às funções
marginais acima são:

BT1 = 4.000 q1 – 100 q12 ;


BT2 = 2.000 q2 – 50 q22.

Ao nível de emissão de 9,5 unidades, BT1 = R$ 28.975,00 e BT2 = R$ 14.487,50. Em


comparação com o Benefício Total obtido ao nível de poluição que maximiza o lucro das duas
empresas sem nenhuma restrição a poluir (20 unidades por período), a redução uniforme de
emissões significaria uma queda de lucro de R$ 11.025,00 para a empresa 1, e de R$ 5.512,50
para a empresa 2. A queda conjunta de lucro das duas empresas totalizaria, assim, R$ 16.537,50.
Este é o custo (em termos de lucros sacrificados) da imposição do teto. Não existirá outra
alocação menos custosa do teto máximo? Sabemos que sim; isso pode ser feito mediante a
implementação de mecanismos de estímulos ou penalizações de mercado.

2. Exemplo do emprego de políticas de incentivos de mercado

Vimos que existe duas vertentes para políticas de incentivos de mercado: a da tributação
ótima da poluição, e a do mercado de certificados para poluir. Nosso exemplo examina como
operam as duas.

2.1. Política de tributação ótima da poluição

Trata-se de estabelecer um tributo por unidade de poluição que minimize o custo conjunto
das duas empresas, de conter as emanações do poluente em 21 unidades/período, fazendo com
que seja atingida a meta de poluição total máxima estabelecida pelas autoridades ambientais (19
165

unidades/período). Segue uma representação diagramática das equações de benefício marginal de


poluir acima das duas empresas.

Figura 1. As curvas de Benefício Marginal de poluir das duas empresas

BMg1

4.000

3.000

2.000

1.000

q1
0 2 4 6 8 10 12 14 16 18 20

BMg2

2.000

q2
0 2 4 6 8 10 12 14 16 18 20

Para começar, qual o custo para as empresas de uma redução de sua emissão do poluente?
Este corresponde, em essência, à queda de lucro que resulta de tal redução. Quanto maior a
redução da poluição que a empresa tiver que efetuar, mais alto o custo em termos de lucro (de
Benefício Total) sacrificado. Com base na função de Benefício Marginal de cada empresa, pode-
se, pois, obter sua equação de Custo Marginal de reduzir emissões (de despoluir).

As equações de custo marginal de reduzir a poluição das duas empresas do presente


exemplo são as seguintes:

CMg1 = 200 re1


CMg2 = 100 re2,

onde re1 e re2 representam a quantidade de redução da poluição da empresa 1 e 2,


respectivamente. Num diagrama, teriam o seguinte formato:

Figura 2. As curvas de Custo Marginal a despoluir das duas empresas

CMg1 CMg2
(Custo Marginal a (Custo Marginal a
despoluir de 1) despoluir de 2)
166

4000

2000

re1 re2
20 20

Com base nas equações de custo marginal de despoluir das duas empresas, pode-se
determinar o tributo por unidade de poluição emitida que minimiza o custo da redução da
poluição no conjunto das duas empresas. Vamos começar com a solução algébrica: trata-se de
exercício de minimização condicionada. As equações de Custo Total a despoluir (obtidas das
respectivas equações marginais), são:

CT1 = 100 re12


CT2 = 50 re22

A restrição que condiciona a minimização de custos é a de que de a redução de poluição


conjunta das duas empresas totalize 21 unidades por dia – a redução de emissão de poluente
estabelecida pelas autoridades ambientais. Ou seja, que (re1 + re2) = 21. Com base nesses
elementos, montamos a seguinte equação de Lagrange:

L = 100 re12 + 50 re22+ λ (21 - re1 - re2)

Para minimizar o custo conjunto, obtemos as derivadas parciais de L com relação às


variáveis re1, re2 e λ, igualando-as a zero. Fazendo isso, obtemos as seguintes condições de
primeira ordem para um mínimo do custo conjunto de despoluição:

δL/δ re1 = 200 re1 - λ = 0


δL/δ re2 = 100 re2 - λ = 0
δL/δ λ = (21 - re1 - re2) = 0

Resolvendo esse sistema de equações, chegamos aos seguintes valores para as três
variáveis: re1 = 7 unidades de redução da poluição por período; re2 = 14 unidades; e λ = R$
1.400.

A solução acima nos permite dizer que:

(1) a redução para 21 unidades de emissões por período que minimiza o custo da
despoluição requer que CMg1 = CMg2;

(2) o tributo por unidade de poluição emitida por qualquer uma das fontes de emissão é o
valor de equilíbrio de λ, ou seja, R$ 1.400 por unidade de poluição. Se for fixado esse nível do
tributo, maximizando seu lucro a empresa 1 reduzirá sua poluição de 20 unidades por período,
para 14 unidades, e a empresa 2 reduzirá as suas emissões, de 20 unidades para 7 unidades por
período. Nesses níveis de emissões, o custo marginal de despoluir de ambas as empresas será de
R$ 1.400, o montante de λ na solução de equilíbrio – o preço sombra da poluição; e,
167

(3) o custo de reduzir a poluição para as duas empresas será de R$ 4.900,00 para a
empresa 1, e de R$ 9.800,00 para a empresa 2, num total de R$ 14.700,00. Note-se que esse custo
é menor que o obtido na solução de comando e controle -- a da divisão igual do máximo
estabelecido para poluir -- (R$ 16.537,50). Pelo critério de Pareto, a alternativa da tributação é
mais eficiente que a da divisão igual do teto máximo.

Esse mesmo resultado pode ser obtido com a ajuda de diagrama. Na Figura 3, a seguir a
função Custo Marginal de reduzir a poluição da empresa 1 está representada normalmente, com a
redução de poluição, re1, aumentando da origem para a direita, no eixo horizontal, e o CMg1
representado no eixo vertical do lado esquerdo. O diagrama de Custo Marginal de despoluir da
empresa 2, entretanto, é representado invertido, com sua origem situada no nível de redução de
poluição de 21 da empresa 1; este é o nível zero de redução de poluição da empresa dois; sua
redução aumenta no sentido da direita para a esquerda, atingindo 21 unidades por período no
nível zero de emissões do poluente da firma 1 (na origem de 1). O Custo Marginal de reduzir sua
poluição da empresa 2 é representado no eixo vertical do lado direito.

Por que o nível máximo de redução da poluição de cada empresa é fixado em 21 unidades
por período de tempo? Simplesmente porque esta é a meta de redução da poluição determinada
pelas autoridades ambientais. O diagrama mostra que se coubesse apenas à empresa 1 reduzir a
poluição, a empresa 2 não teria que despoluir nada; e vice-versa, se a despoluição de 21 unidades
fosse feita pela empresa 2. Como usualmente a despoluição não cabe apenas à uma das empresa,
o diagrama superposto mostra qual a parcela da redução de 21 unidades na emissão do poluente
que cabe a cada uma das empresas. Mostra, também, o custo marginal de despoluir que cada uma
tem a cada divisão possível da responsabilidade de reduzir a poluição.

Figura 3. Solução diagramática do problema

Custo Marginal de Custo Marginal de


reduzir poluição, empresa 1 reduzir poluição, empresa 2
CMg1 CMg2

4.000 . . 4.000

3.000 . . 3.000

2.000 . 2.000

1.000 . . 1.000

re1
0 4 7 21
re2 . .
21 14 0

No diagrama da Figura 3, a solução é a mesma da obtida na solução algébrica; em


equilíbrio, re1 = 7 unidades de redução, re2 = 14 unidades, e λ = R$ 1.400,00 por unidade de
poluição emitida. Note-se que a solução requer que CMg1 = CMg2 = λ.

Não deve restar dúvida de que essa solução minimiza o custo para as duas empresas.
Suponhamos, por exemplo, que a divisão fosse alterada, ficando a empresa 1 com a incumbência
de reduzir em apenas 4 unidades suas emissões, e cabendo à empresa 2 ampliar sua redução de
poluição para 17 unidades por período, mantendo-se o tributo da poluição em R$ 1.400 por
168

unidade. Verifica-se que essa situação não seria boa para nenhuma das duas empresas. Reduzindo
sua contenção de poluição em 3 unidades, a empresa 1 teria uma redução de custo de contenção
da poluição igual a R$ 3.300, mas teria que pagar R$ 4.200 de imposto para ampliar em três
unidades sua poluição; teria, pois, um prejuízo (uma redução de benefício total) de R$ 900 com
essa nova divisão. Por sua vez, aumentando sua contenção da emissão do poluente para 17
unidades, a empresa 2 teria uma redução de R$ 4.200 no pagamento do imposto a poluir, mas o
seu custo de ampliar a contenção da poluição (de 14 a 17 unidades) seria de R$ 4.650. A empresa
2 teria, pois, uma queda de lucro de R$ 450 em relação à solução de equilíbrio.

Em suma, a solução de equilíbrio é eficiente segundo o critério de Pareto; qualquer outra


divisão da meta de redução de poluição entre as duas empresas faz ambas perderem em relação à
solução de equilíbrio.

2.2. Solução via mercado de certificados a poluir

Na Figura 4 estão representadas as curvas de benefício marginal de poluir das duas


empresas, BMg1 e BMg2, a combinação das duas na curva de demanda por certificados
transacionáveis a poluir (BMg1 + BMg2), bem como a disponibilidade máxima de certificados por
período de tempo (a sua oferta). A curva de demanda expressa quanto, a cada preço dos
certificados, as duas empresas desejam usar destes. Por exemplo, se o certificado custasse R$
1.000, a empresa 1 absorveria certificados dando-lhe direito a emitir 15 unidades de SO2 por
período, e a empresa 2 demandaria certificados para emitir 10 unidades; a demanda total seria, a
esse preço, de 25 unidades por período. Se o preço do certificado aumentasse para R$ 2.000, a
empresa demandaria apenas certificados para emitir 10 unidades do poluente por período, e a
empresa 2 simplesmente cessaria de produzir (e de emitir).

A oferta total de certificados é dada pela quantidade máxima estabelecida de emissão do


poluente, ou seja, de 19 unidades por período. Suponhamos que cada empresa receba no inicio de
cada período, certificados transacionáveis correspondentes a metade do total, ou seja, 9,5. As
decisões das duas empresas em face ao mercado de certificados dependem do preço dos
certificados; por hipótese, o mercado de certificados funciona em regime de concorrência
perfeita e as duas empresas são tomadoras de preços.20 E o preço do certificado que iguala a sua
demanda com a oferta total fixa de certificados, é de R$ 1.400 -- o preço sombra da poluição.

Cada empresa decidirá comparando o preço do certificado com o seu benefício marginal
ao nível da sua dotação inicial de certificados (9,5 unidades). Para a empresa 1, ao nível de 9,5
unidades de emissão do poluente o benefício marginal seria de R$ 2.100, muito superior ao preço
do certificado. Seria, portanto, vantajoso à empresa comprara certificados no mercado e aumentar
sua produção (e poluição). Ao fazer isso, o seu benefício marginal diminuirá, mas enquanto este
ficar acima do preço do certificado, a empresa será induzida a comprar; e comprará certificados
até seja atingido o seu nível de produção e poluição de equilíbrio, em que seu benefício marginal
a poluir é igual a R$ 1.400, o preço do certificado. Na posição de equilíbrio, sua emissão total do
poluente totalizaria 14 unidades por período, sendo 9,5 unidades asseguradas pelos certificados
que recebe inicialmente, e 4,5 unidades decorrentes de certificados adquiridos no mercado.

Figura 1. As curvas de Benefício Marginal de poluir das duas empresas

20
É difícil imaginar um mercado em concorrência perfeita com apenas dois agentes demandadores. Uma
aproximação poderia existir se os certificados fossem leiloados, a cada período, por instituição independente. Na
verdade, o exemplo é simplificado; na vida real esquemas de certificados transacionáveis envolvem um número
relativamente elevado de empresas poluidoras.
169

BMg1; Bmg2; e (BMg 1 + BMg2)

4.000 .

3.000 .

2.000 . (BMg 1 + BMg2)

1.400
1.000 .
BMg2
BMg1

SO2
0 2 4 6 8 10 12 14 16 18 20 22

Nível máximo de poluição

E quem venderia essas 4,5 unidades? Evidentemente, a empresa 2. À sua dotação inicial
de 9,5 unidades o benefício marginal a poluir de 2 seria R$ 1.050, bastante inferior ao preço do
certificado (R$ 1.400). Para a empresa compensaria reduzir sua produção (e poluição) e vender
parte de seus certificados no mercado. Ao reduzir sua poluição, entretanto, o seu benefício
marginal aumentará. E continuaria a fazê-lo até o nível em que seu benefício marginal se torne
igual ao preço do título; isso ocorreria no nível de emissão do poluente de 6 unidades. Ou seja, a
empresa 2 usaria seus certificados produziria para produzir emitindo apenas 6 unidades do
poluente e venderia certificados correspondentes a 4,5 unidades de emissão do poluente à
empresa 1. E ambas, em conjunto, produziriam emitindo o máximo de 19 unidades do poluente
determinado pelas autoridades ambientais.

Note-se que pelo esquema dos certificados transacionáveis de poluir se atingiria a mesma
alocação ótima do máximo admitido de poluir, com uma enorme economia de informações. As
autoridades ambientais precisam apenas estabelecer a poluição máxima; não necessitam saber
nada sobre o funcionamento das empresas, suas funções benefício marginal, etc. Evidentemente,
precisam controlar o desempenho destas, evitando que transgridam o padrão de poluição
estabelecido.
170

Capítulo 13. Uma avaliação crítica da teoria neoclássica da poluição

Problemas que decorrem da hipótese ambiental da teoria. Até recentemente a análise


econômica adotava a hipótese ambiental forte, segundo a qual a disponibilidade de recursos
naturais e a capacidade de assimilação de dejetos não constrangem o funcionamento do sistema
econômico. Este era considerado um sistema auto-contido. Com a economia ambiental
neoclássica, o meio-ambiente foi incorporando explicitamente à análise. O processo econômico
passou a ser visto como ocorrendo na forma de fluxos unidirecionais de energia e de matéria.
Começa com o ingresso no sistema econômico desses insumos, fornecidos pelo meio-ambiente; a
economia os transforma em bens e serviços com a emissão e o despejo no meio-ambiente, de
emanações e dejetos; e os bens produzidos são usados e se tornam lixo, também jogado no meio-
ambiente.

A despeito desses avanços, entretanto, quando se examina a essência da sua teoria da


poluição, verifica-se que a economia ambiental neoclássica se apoia em hipótese ambiental
tênue. Essa corrente de pensamento trata o sistema econômico como se este estivesse inserido em
um meio externo essencialmente passivo, que aceita sem maior comoção diferentes graus de
degradação. A degradação afeta, antes de mais nada, aos agentes econômicos que, com base em
suas preferências (funções-utilidade) e custos, decidem o grau de degradação apropriado.

Isso transparece claramente nos modelos acima examinados. Destes emanam a conclusão
de que, com base principalmente em mecanismos de mercado, complementados com
instrumentos de internalização de custos ambientais – tributos pigouvianos, licenças negociáveis
para poluir – a sociedade pode atingir um ótimo de Pareto. Ou seja, a economia pode ser levada a
um nível ótimo de poluição, nível este estabelecido com base na preferência dos indivíduos em
sociedade. Atribui-se a estes a capacidade de determinar claramente o equilíbrio entre o
desconforto da poluição resultante da produção e do consumo de bens e serviços, e a satisfação
proporcionada pelo consumo destes, e de compreender inteiramente as implicações -- presentes e
futuras -- da degradação ambiental.

Com efeito, a teoria supõe que a poluição ótima é ambientalmente sustentável, mesmo
num horizonte temporal mais extenso. Alega-se que essa sustentabilidade é garantida pela
suposição de que, quando externam preferências nos mercados, considerando os mencionados
tributos e licenças negociáveis, os agentes econômicos possuem todas as informações relevantes,
inclusive, presumivelmente, sobre os impactos ambientais mais distantes de suas ações.

Uma hipótese comum aos modelos de equilíbrio geral é justamente a da plena


informação; cumpre lembrar, entretanto, que as informações relevantes a esses modelos se
referem ao funcionamento de mercados. Com efeito, não parece plausível supor que os
indivíduos sabem avaliar fria e calculadamente as conseqüências de suas escolhas na
determinação de níveis ótimos de poluição. É difícil imaginar que os agentes econômicos
conhecem os intrincados impactos da poluição sobre o meio-ambiente, especialmente se
considerado um horizonte temporal mais extenso. Alguns dos "trade-offs" e substituições
incorporados aos modelos neoclássicos, ou são difíceis de serem avaliados, ou são moralmente
condenáveis. Não é plausível supor, por exemplo, que um indivíduo seja capaz de determinar
"quanto de consumo adicional (estaria disposto) a exigir como compensação por um aumento
substancial no risco de câncer" decorrente da ampliação do nível de um determinado tipo de
171

poluição, mesmo que soubesse avaliar esse tipo de riscos corretamente o que, por sua vez,
também é bastante duvidoso (Pezzey, 1989, p. 12).

A teoria neoclássica da poluição também tende a deixar em um segundo plano os efeitos


ambientais da poluição que não se dissipa – por exemplo, os impactos da acumulação de CO2 na
atmosfera (o efeito estufa). Como vimos, existe teoria da poluição de estoque, mas esta tende a
desempenhar um papel secundário na modelagem neoclássica. De uma forma geral, esta tende a
ignorar a possibilidade de efeitos desestabilizadores sobre o meio-ambiente, resultante da
acumulação de quantidades muito elevadas de poluentes; os efeitos relevantes da poluição
acumulada também são avaliados em termos de desconforto dos indivíduos em sociedade. Não
reconhece a possibilidade de que, mesmo que a poluição ótima (do ponto de vista dos agentes
econômicos) seja atingida e se estabilize em um dado nível, muitos anos se passarão antes que o
ecossistema global alcance um equilíbrio, e que esse equilíbrio pode não ser compatível com a
poluição ótima inicial.

A teoria também tem dificuldade em tratar de casos de poluentes múltiplos, cada um


inofensivo isoladamente, mas que postos em contato reagem produzindo agentes que, mesmo em
baixas concentrações, são altamente prejudiciais. Ademais, existem efeitos de patamar crítico
(threshold effects) associados
21
a certos tipos de poluição, e não se deve ignorar o sinergismo entre
diferentes poluentes. E não parece correto deixar de lado as enormes incertezas que ainda
existem sobre o funcionamento dos sistemas ambientais.

Esse tratamento dos problemas da poluição reflete bem a hipótese fraca atenuada da
análise ambiental neoclássica. O meio-ambiente é considerado um espaço neutro, benigno, ao
qual se pode poluir em maior ou menor grau, com reações previsíveis e reversíveis. Uma
conseqüência da adoção da hipótese ambiental tênue está no flagrante otimismo das avaliações
apoiadas nos seus esquemas analíticos. Existem duas visões de futuro: a dos que acreditam em
porvir de crescente e ilimitada prosperidade, apoiado na evolução da ciência, da tecnologia e da
organização social; e a daqueles que se preocupam com a fragilidade dos sistemas ambientais e
sociais, com a elevada taxa de crescimento da produção e, especialmente em partes do nosso
globo, da população, e com a possibilidade da ocorrência de efeitos indesejáveis da tecnologia.
Os economistas ambientais neoclássicos se incluem, claramente, entre os que detêm a primeira
dessas visões. Sem dúvida, esta tem muito a ver com a hipótese ambiental adotada.

A teoria da poluição e o critério da sustentabilidade. Pode-se argumentar (ver Mueller,


1996) que a economia ambiental neoclássica está basicamente voltada aos problemas dos países
industrializados. Esse viés não é explícito, mas existe; transparece nitidamente em duas
características do pensamento neoclássico no campo ambiental: na forte primazia dada à análise
de problemas de poluição; e no otimismo exultante que emana da discussão sobre as possíveis
limitações dos recursos naturais ao crescimento econômico. Tratamos, aqui, da primeira dessas
características.

A primazia neoclássica às teorias da poluição.

Não é o fato em si da predominância dos estudos de problemas da poluição na análise


ambiental neoclássica que aponta para o seu viés primeiro-mundista, mas sim o seu otimismo a
respeito da possibilidade de que, com base em mecanismos de mercado, seja possível atingir um

21 No seu modelo dinâmico, D'Arge e Kogiku (1973, p. 63), economistas neoclássicos, incorporam a noção de
patamar mínimo crítico e mostram que se pode obter cenários preocupantes dos mesmos.
172

nível de poluição ótimo que não apresente conseqüências irreparáveis de mais longo prazo sobre
o meio-ambiente.

Como vimos, a teoria neoclássica se apoia em visão simplista das inter-relações entre o
sistema econômico e o meio-ambiente. Existem considerável incerteza sobre os efeitos globais de
muito longo prazo da poluição, não devidamente considerados pelo mainstream da economia
ambiental. Afastando, liminarmente, a idéia de que os economistas ambientais neoclássicos
ignoram esses problemas – dentre eles se incluem pessoas com vastos conhecimentos e
experiência – é de se crer que estes supõem que as atividades potencialmente poluidoras
continuarão a se restringir a um número reduzido de países – os países do Primeiro-Mundo – nos
quais supostamente o fenômeno pode ser mantido sob controle. Se fossem incorporasse todas as
implicações do critério da sustentabilidade, o mainstream de economia ambiental teria que
registrar preocupação em relação às complicações e incertezas associadas aos impactos de longo
prazo da poluição ótima sugerida por seus modelos.

E quais os elementos do critério da sustentabilidade. O conceito de desenvolvimento


sustentável se apoia em três requerimentos básicos: (1) o de que seja assegurada pelo menos a
manutenção do bem-estar dos que, no presente, vivem no Primeiro Mundo; (2) o da significativa
redução nas disparidades distributivas entre os países do Terceiro e do Primeiro Mundo; e (3) o
de que seja preservada a capacidade das gerações futuras de atender às suas necessidades.

O ponto é que, para serem inteiramente aplicados os critérios da sustentabilidade, serão


exigidas mudanças radicais e não a mera introdução de tributos pigouvianos. Sem tais mudanças
o mundo provavelmente atingiria níveis insuportáveis de poluição. Para se ter uma idéia basta
fazer uma simulação simplificada. Suponhamos: (a) que houvesse um forte ajuste e, até 2025,
fosse reduzido para o nível de 1995, a emissão per capita de dióxido de carbono (CO2) a partir
de processos industriais dos países industrializados; e, (b) como resultado do esforço de
diminuição do hiato de desenvolvimento, se ampliasse, nesse mesmo horizonte, o padrão de vida,
e consequentemente, as emissões per capita de CO2 dos países pobres, atingindo-se, nesse
mesmo ano, em média, o nível de emissões 1995 da Espanha.22 Tomou-se a emissão per capita
da Espanha porque, de um lado, este país apresenta nível de vida amplamente aceitável
relativamente ao dos atuais países em desenvolvimento e, do outro, em 1995 sua emissão per
capita de CO2 (5,8 toneladas) foi de apenas 28,3 % da dos Estados Unidos (20,5 toneladas em
1995), e pouco mais da metade da do conjunto dos países industrializados (10,8 toneladas).

Tendo em conta as projeções de população23 e as hipóteses acima, em 2025 a emissão de


CO2 a partir de processos industriais alcançaria 53,7 bilhões de toneladas. Essas emissões seriam,

22 No grupo de "industrializados" do nosso exercício foram incluídos os 24 países da OECD e os países da antiga
União Soviética. No grupo das economias em desenvolvimento estão os demais países. Reconhece-se que alguns dos
componentes do primeiro grupo (por exemplo, as repúblicas mais atrasadas da antiga União Soviética) deveriam
estar no segundo grupo, e que alguns países (por exemplo, a Hungria) deveriam sair do grupo de países em
desenvolvimento. Porém, a falta de dados impediu arranjo melhor. Os dados usados na projeção são do World
Resources Institute, 1998, Tabelas 7.1 (população) e 16.1 (emissão de CO2 oriundas da queima de combustíveis
fósseis e da manufatura de cimento).

23 Conforme World Resources Institute, 1998, Tabela 7.1.


173

pois, quase 2,4 vezes superiores às de 1995. O mais interessante é que 29% dessas emissões se
originariam nos países industrializados, e 71% nos países em desenvolvimento.24
É importante lembrar, também, que as emissões de outros gases poluentes e de resíduos
sólidos dos processos de produção e consumo, apresentariam incrementos semelhantes. O ponto a
ressaltar é que dificilmente o ecossistema global teria condições de assimilar sem maiores
conseqüências níveis tão elevados de poluição. A situação do final do século XX já era
considerada preocupante, a ponto de o Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas,
reunido no fim da década de 1980 sob os auspícios das Nações Unidas, ter concluído que, para
que sejam evitadas catástrofes climáticas no futuro, as emissões de CO2 precisam ser reduzidas a
um nível não superior a 60% das registradas no fim dos anos 80; só assim se estabilizariam as
concentrações de CO2 na atmosfera,25 afastando as ameaças do efeito-estufa.

Em outras palavras, mesmo com as atuais incertezas sobre o efeito-estufa, são


inadmissíveis níveis de emissão de CO2 semelhantes ao da projeção acima. A implementação do
critério da sustentabilidade exige, pois, mudanças em profundidade, a maioria totalmente fora do
âmbito de preocupações da teoria ambiental neoclássica, e para cuja análise o seu arsenal teórico
não tem muito a oferecer.

Não há como escapar, pois, da conclusão de que, com sua hipótese de meio-ambiente
passivo e com seu otimismo em face do desenvolvimento tecnológico, a economia ambiental
neoclássica está implicitamente supondo a manutenção do status quo atual -- o de uma expansão
econômica restrita principalmente aos países industrializados e a uns poucos recém-chegados. Só
assim a poluição poderia ser mantida sob controle, e os instrumentos de política apoiados no
funcionamento do mercado teriam condições de sustentar o paradigma da poluição ótima.

Umas palavras de cautela. As críticas acima não significam que a abordagem neoclássica
à poluição de nada vale. Na verdade, a mesma tem muito a oferecer para concepção de estratégias
e políticas de médio prazo para enfrentar problemas decorrentes de vários tipos de poluição.
Existem duas categorias de políticas ambientais: políticas de comando e controle, apoiada em
leis, decretos, tratados, etc. E políticas de estímulo de mercado, como, por exemplo, as do
tributo pigouviano e dos direitos negociáveis à poluir. A economia ambiental neoclássica tende a
repudiar as políticas de comando e controle e a propor políticas de estímulo. Estas ofereceriam
formas ágeis de controle da poluição e promoveriam a eficiência na alocação de recursos. Trata-
se, entretanto, de instrumentos úteis apenas para os casos de poluição de fluxo, principalmente as
de impacto localizado. O princípio do poluidor pagador, de crescente aceitação em várias partes
do mundo, é uma decorrência da teoria neoclássica da poluição.

As críticas têm o sentido de afirmar que problemas mais graves e de impacto global,
como por exemplo, os do efeito estufa, resultante da acumulação de dióxido de carbono na
atmosfera, não podem ser adequadamente enfrentados apenas com o arsenal de medidas apoiado
na teoria neoclássica da poluição. Em certas circunstâncias os instrumentos de comando e
controle – que podem vir acompanhados de estímulos – são a única alternativa viável para
enfrentar um dado problema. É por essa razão que, desde 1992 as principais nações do nosso
planeta vêm tentando, numa série de reuniões internacionais, encontrar formas de promover uma

24 Em 1989 as proporções de emissão industrial de CO dos dois blocos foram quase as inversas: os países
2
industrializados contribuíram com 61% e os em desenvolvimento, com 39%.

25 Ver World Research Institute, 1992, p. 2.


174

ampla redução nas emissões de gases do efeito estufa – notadamente as dos principais países
industrializados. E a solução para esse problema, que ameaça a estabilidade, senão a
sobrevivência, da sociedade humana, terá que ser obtida no contexto da abordagem de comando e
controle. A teoria ambiental neoclássica tem pouco a oferecer de concreto para a solução do
problema.
III. 3 TEORIAS NEOCLÁSSICAS DOS RECURSOS NATURAIS

Capítulo 14. Os dois ramos da teoria neoclássica de recursos naturais

Vimos, no Capítulo 2, que a teoria dos recursos naturais está voltada à análise de
aspectos dos processos de extração pelo sistema econômico, de recursos naturais do ecossistema.
Neste campo, desenvolveram-se teorias e modelos voltados essencialmente à respostas das duas
seguintes ordens de questões:

1. Qual o padrão ótimo de uso de recursos naturais específicos? O que deve guiar o
manejo ótimo de tais recursos? Qual a taxa ótima de depleção de um recurso não
renovável? Como manejar adequadamente um recursos renovável mas que pode ser
exaurido por extração excessiva? E,

2. Poderá a disponibilidade limitada de alguns recursos naturais vir a estabelecer limites


físicos ao crescimento econômico?

As repostas neoclássicas às perguntas do item (1), vem-se fazendo com modelos


dinâmicos de equilíbrio parcial, apoiados na contribuição pioneira de Hotelling (1931). Com
esses modelos se desenvolveram caminhos para promover o uso ótimo (socialmente eficiente) no
tempo de recursos naturais específicos (um mineral, uma espécie de peixe no oceano); e de como
lidar com distorções e imperfeições de mercado. Regra geral, tais modelos são extensões de
teoremas básicos da teoria do bem-estar social, agora desenvolvidos com a ajuda de métodos de
otimização dinâmica.1

A despeito da metodologia comum, as características dos recursos naturais renováveis e


as dos não renováveis fizeram com que deles se originassem ramos distintos da teoria dos
recursos naturais.2 O primeiro desses ramos é o que trata de recursos exauríveis, ou não
renováveis -- recursos que se caracterizam por ter dotação finita, de forma que um maior uso no
presente significa uma menor disponibilidade no futuro. Vimos que existem duas categorias
desses recursos: os recursos exauríveis, mas recicláveis; as reservas máximas desses recursos são
fixas mas há a possibilidade, pelo menos parcial, de reciclagem. E os recursos esgotáveis e não
renováveis, recursos que são 'consumidos' com o uso (por exemplo, o petróleo e o carvão).

1 Para um tratamento sistemático do instrumental matemático -- os modelos de otimização discreta e contínua --


usados pela teoria neoclássica dos recursos naturais, com exemplos, ver Conrad e Clark (1987). O livro-texto de
Neher (1990) contém aplicações desse instrumental a casos específicos.

2 Nem sempre é nítida a distinção entre essas duas categorias de recursos naturais. Que tipo de recurso é, por
exemplo, uma espécie de peixe que desaparece como conseqüência de pesca a taxas superiores à taxa de renovação?
E um minério cujas reservas crescem exponencialmente em decorrência da pesquisa e da exploração?
177

O outro ramo da teoria é o que trata de recursos (condicionalmente) renováveis. Ao longo


do tempo há uma reposição, pelo menos parcial, do recurso extraído. Vimos que existem três
categorias nesse grupo: recursos renováveis mas dispersos e de difícil captura (ex. a energia
solar); recursos renováveis, mas sujeitos à degradação (ex. solos); e recursos renováveis, mas
sujeitos à extinção por manejo inadequado (recursos pesqueiros).

Há também o recurso natural da capacidade de absorção e regeneração do meio ambiente


em face às agressões do sistema econômico. Embora essencial, esse recurso recebe pouca atenção
da análise neoclássica. Entretanto, é elemento central em outra corrente de pensamento da
economia ambiental – a economia da sobrevivência (ver a Parte IV).
178

Capítulo 15. A abordagem neoclássica à teoria dos recursos naturais não


renováveis

Este capítulo esboça, em linhas gerais, a análise neoclássica dos recursos naturais não
renováveis. É apresentação simplificada da abordagem neoclássica; ressalte-se, entretanto, que se
trata de campo extenso, que inclui uma grande variedade de estudos e modelos cobrindo aspectos
da questão. As próximas seções apresentam a abordagem microeconômica da teoria – a que trata
de recurso específico; o capítulo seguinte avalia a abordagem neoclássica à questão: será que a
disponibilidade limitada de certos recursos naturais pode oferecer restrições físicas ao
crescimento econômico?

O principal objetivo da teoria neoclássica dos recursos não renováveis é o de analisar o


manejo ótimo de recursos escassos, cujas reservas são conhecidas, dadas e fixas. Faz isso
determinando as condições para uma depleção ótima no tempo do recurso. A teoria parte da
observação de que, supondo dada a equação de demanda do recurso, a sua extração se faz a um
custo, que usualmente varia diretamente com a magnitude do fluxo de extração, e inversamente
com o nível do seu estoque (da sua reserva). A variante competitiva da teoria geralmente supõe
que o recurso é extraído por muitas empresas iguais, tomadoras de preços e maximizadoras de
lucro, e determina as condições para a depleção ótima no tempo, pelo conjunto de empresas, dada
uma taxa social de retorno.

Um planejador que desejasse determinar a alocação eficiente de um recurso exaurível


faria isso maximizando o valor presente dos benefícios líquidos (benefícios menos custos)
descontados, ao longo do período relevante, sujeito à reserva do recurso no momento inicial e a
uma função custo de extração (Fisher, 1981, pp. 23-37). Ao solucionar o problema, verificaria
que existiria depleção ótima se o preço do recurso evoluísse no tempo de forma a se manter igual
ao custo marginal de extração, adicionado à renda não descontada – o custo de oportunidade, o
"preço sombra", o royalty – do recurso, calculada com base no estoque deste que permanece no
solo.

O planejador também verificaria que, dadas as reserva do recurso, na solução ótima o seu
custo de oportunidade (o sue royalty), teria que aumentar no tempo à taxa igual a taxa de
desconto. Assim, à medida que o recurso for sendo extraído, a eficiência requer que, dada a
técnica de extração, o preço do recurso aumente no tempo, e que esse crescimento ocorra a uma
taxa que, no limite, se aproxima da taxa social de desconto. A teoria demonstra que o preço do
recurso deve continuar a aumentar até que, por se tornar muito caro o recurso, desapareça a sua
demanda, ou até que passe a ser viável usar um substituto do recurso que, no início, tinha custo
muito alto para poder ser empregado.

Há, evidentemente, versões bem mais complexas e sofisticadas do modelo. Pode-se, por
exemplo, supor que, a um custo, vão sendo descobertas novas reservas do recurso, ou que
ocorram inovações que reduzam o custo de extração. Esses fatores explicam, por exemplo,
porque o preço do petróleo, um recurso exaurível, caiu ao invés de aumentar, ao longo da década
de 1980 e boa parte da de 1990.
179

Além disso, pode-se incluir na análise elementos como as incertezas e as externalidades, e


há inúmeros trabalhos avaliando o efeito de imperfeições de mercado. Apresenta interesse, nesse
sentido, a comparação da evolução no tempo da depleção do recurso em diferentes regimes de
mercado. A teoria mostra que a indústria em concorrência perfeita explora os recursos a taxas
iniciais maiores, e causa exaustão mais rápida, do que a indústria sob o regime de monopólio. O
monopolista otimizador tem comportamento conservacionista, uma vez que extrai o recurso ao
longo de horizonte temporal mais longo; mas isso ocorre, não porque o monopolista se preocupa
com o bem-estar das gerações futuras, mas porque, ao restringir a produção nos períodos iniciais,
aumenta o valor presente do recurso.3

O problema básico da análise é, portanto, o de determinar a depleção ótima de um


recurso natural que não tem sucedâneo próximo e que existe em quantidade limitada e fixa.
Define-se depleção ótima como aquela que maximiza o valor presente do benefício líquido da
extração do recurso.

1. Elementos do problema

Na determinação da trajetória ótima da depleção do recurso, deve-se considerar o custo de


oportunidade (R, a renda, o royalty ) do recurso – o valor que se pode obter em uma data futura
ao se adiar a extração da unidade marginal do recurso no presente. Assim, ao invés da usual
condição de eficiência P = CMg, no caso de recurso natural não renovável vale a condição:

P = CMg + R.

Essa condição de equilíbrio é lustrada na Figura 1, a seguir.

Figura 1: Equilíbrio de mercado no caso do recurso natural não reproduzível


P

P = preço do recurso.
CMg = custo marginal de extração.
R = Royalty; custo de oportunidade.
y = Quantidade do recurso extraída
e vendida
P*
} Royalty R* (Note-se que R = P – CMg)
CMg

Demanda

y* y

3 Solow (1974, p.8) faz ironia com o comportamento conservacionista do monopolista. "...o divertido é que, se o
conservacionista é aquele que deseja ver os recursos conservados além do horizonte determinado pela competição,
então o monopolista é amigo do conservacionista. Sem dúvida, ambos se surpreenderiam se soubessem disso."
180

2. Um exemplo numérico simples.

Para ilustrar, suponhamos que no início do primeiro período existisse uma


disponibilidade fixa total de 10 toneladas de um minério, e que a função-demanda pelo minério
fosse: Pt = 10 - yt, e que o custo marginal da extração do minério fosse de R$ 2,00 por tonelada.
Imaginemos, também, um horizonte temporal de dois períodos (ou seja, que t = 1, 2). A análise
econômica mostra que, graficamente, o benefício social líquido da extração do minério em um
dado período é igual a área em baixo da curva de demanda, menos a área embaixo da curva de
custo marginal, em ambos os casos, até o nível ótimo de extração do minério. A Figura 2 mostra
o benefício social líquido no período inicial.

Figura 2: O benefício social líquido

Benefício social líquido

CMg

0 yo y

Para todo o horizonte temporal, esse benefício social líquido é igual a soma dessas áreas,
referentes a cada período. Ou seja, a soma de:

1o. período: (10 - y) dy - 2 dy; ou: [ (10 - y) - 2] dy.

2o. período: [(10 - y') - 2] dy'.

O problema requer que se calcule o nível de produção em cada um dos períodos, que
maximize a soma descontada, ao longo dos dois períodos, do benefício líquido. Suponhamos que
a taxa social de desconto seja de 10% ao ano (r = 0,10). Para resolver o problema, maximizamos
a expressão:

[(10 - y) - 2] dy + {[(10 - y') - 2] dy'}/ (1 + 0,10),

sujeito a: yo + y1 = 10 toneladas. Para maximizar, forma-se a expressão de Lagrange:

yo y1
L = ∫ [(10 - yo) - 2] dy + ∫{[(10 - y1 ) - 2] dy'}/ (1 + 0,10) + λ [10 - yo - y1 ]4
0 0

4
A integral ( ∫ ) indica que se está determinando a área em baixo da curva de demanda entre a origem e o nível de
extração considerado. No caso da figura 2, por exemplo, seria a área em baixo da demanda entre 0 e yo, menos o
retângulo em baixo da curva de custo marginal, também entre 0 e yo. Trata-se do benefício líquido da extração 0 yo
do recurso. No exemplo numérico faz-se isso para os dois períodos de extração.
181

Diferenciando L com relação a yo , a y1 e a λ , temos:

δ L/ δyo = (10 - yo) -2 - λ = 0

δL/δy1 = {[(10 - y1 ) - 2] / 1,1} - λ = 0

δL/δλ = 10 - yo - y1 = 0

Resolvendo esse sistema de equações obtemos:

yo = 5,14; y1 = 4,86; e, λ = 2,86.

E, substituindo na equação de demanda, podemos obter os respectivos preços de


equilíbrio:

po = $ 4,86; e, p1 = $ 5,14.

Sabemos que o royalty é igual ao preço menos o custo marginal. Assim:

Ro = (4,86 - 2) = $ 2,86 por tonelada; R1 = (5,14 - 2) = $ 3,14/ton.

Observe-se, entretanto, que descontando R1 à taxa social de desconto (r = 0,10), obtemos


o mesmo valor do royalty no período inicial, ou seja, $ 2,86. Note-se, também, que o valor de λ é
$2,86. Assim, no nosso exemplo numérico λ é o royalty (o custo de oportunidade) no presente, do
minério. E, como supomos constante o custo marginal de extração, a regra é que o valor presente
do royalty seja o mesmo, para todos os períodos. Por isso, em equilíbrio o royalty necessita
aumentar anualmente a uma taxa igual à taxa social de desconto.

Observe-se, também, que se a taxa social de desconto for mais elevada, o uso do minério
no primeiro período será maior, sobrando menos para o segundo período. No nosso exemplo, se
fizermos a taxa social de retorno, r = 20%, yo será 5,28 toneladas, sobrando para y1 apenas 4,72
toneladas. Quanto maior a taxa de desconto, mais rápido será o esgotamento do recurso natural
disponível em quantidade fixa.

3. Trajetórias do preço e da produção do recurso

A trajetória do preço. Com base em modelo gráfico desenvolvido por Perman et al.,
(1996, cap. 6), é possível determinar a trajetória no tempo, tanto do preço do recurso não
renovável, como de sua produção. Os elementos para a análise estão na Figura 3, a seguir. São
feitas as mesmas hipóteses acima: a da disponibilidade fixa do recurso, a de que a demanda não
muda, a do custo marginal de extração constante, e a do mercado competitivo para o recurso.

Observe-se que o modelo simplificado da Figura 3 é dinâmico. Partimos do momento


zero, com o preço do recurso em Po; a esse preço a demanda e a extração do recurso é igual a
distância 0yo (ver no quadrante superior esquerdo). No momento inicial, Po = CMg + Ro e a
quantidade total do recurso disponível é So que, no diagrama, corresponde à área do triângulo
yo0T no quadrante inferior esquerdo. Ocorre que, com a extração, diminui o estoque do recurso;
e, tornando-se este mais escasso, há um aumento de R, o seu royalty (custo de oportunidade).
Pela condição Pt = CMg + Rt, e dado que CMg é, por hipótese, constante, o aumento de R fará o
182

preço, P, aumentar. E o aumento do preço diminui a quantidade demandada, e assim a extração


do recurso. Mas como continua a ocorrer a extração, há contínua redução na sua disponibilidade,
aumentando R, e portanto, P (ver no quadrante superior direito). E isso continuará a ocorrer até
que desapareça a condição de extração do recurso ao custo marginal constante. Isso se dará no
momento T, em que o royalty terá atingido RT, levando o preço do recurso para PT. Como se
pode ver, esse preço será tão elevado que não haverá mais demanda para o recurso.

Na Figura 3, a trajetória ótima está representada no quadrante superior direito.

Figura 3. Modelo de multi-período para a determinação da trajetória ótima

Preço (Pt)
(Pt = CMg + Rt)

rt
PT Pt = Po e

Demanda
Po

y yo 0 45o T Tempo (t)

Área = estoque do recurso

Tempo (t)

Para determinar a equação da trajetória dos preços, tomemos a definição de


royalty: vimos que, no ponto de equilíbrio para cada período, este é igual ao preço menos o custo
marginal de extração do mineral. Supondo um número indefinido de períodos, e tendo por base a
relação Rt = (Pt – CMg), temos:
183

(Po - Cmg) = (P - Cmg) / (1 + r)t ; desta equação, obtemos:

P t = Cmg + (Po - Cmg) (1 + r) t ; ou seja,


t
P t = Cmg + Ro (1 + r) .

Ou seja, a trajetória ótima de extração do recurso requer que o preço do mineral cresça no
tempo a uma taxa igual a taxa social de desconto; é o que ocorre do diagrama. O royalty aumenta
cada vez mais, chegando a predominar na composição do preço. E, ceteris paribus, será atingido
um momento no tempo em que o preço se tornará tão elevado que a demanda cairá a zero.

Esse é o caso mais drástico. Pode-se argumentar, entretanto, que existem recursos que
possuem um sucedâneo que, pelo menos inicialmente, não é usado porque o seu custo marginal
de produção é mais elevado que o preço no momento inicial (Po) do nosso recurso. Entretanto,
como o preço do recurso aumenta com a sua extração, cedo ou tarde será atingido um momento
no tempo em que P ultrapassará o custo marginal do sucedâneo (CMg’), tornando viável o seu
uso. Na verdade, se esse substituto for considerado perfeito, cessaria a extração do recurso e o
sucedâneo passaria a ser usado no seu lugar. A trajetória do preço seria, pois, a da Figura 4.
Z
Algebricamente, o preço máximo é: PZ = CMg’ + Ro (1 + r) . E este é inferior a PT, o
preço que anula a demanda.

Figura 4: Trajetória do preço com a existência de sucedâneo de custo marginal mais elevado

Preço

Pz CMg’ (o CMg do substituto)

Po
CMg (o CMg de extr. do minério)

Tempo

A trajetória da produção. No que tange à produção do recurso, existem diversas


situações possíveis. Por exemplo, como se depreende do modelo da Figura 3, se as reservas, no
momento inicial, são fixas e não se descobrem novas reservas e se a demanda permanece
imutável, a trajetória da produção terá perfil semelhante à representada na Figura 5, a seguir. Isso
porque, com o aumento contínuo do preço do recurso, causado pela evolução de R, a quantidade
demandada sofre redução, e com esta, a produção.
184

Figura 5. Trajetória da produção no caso de reservas fixas e imutáveis

Produção (y)

Tempo

Suponhamos agora que exista a atividade de exploração e que se descubram novas


reservas. Cada vez que nova descoberta é feita, a trajetória da produção (e a dos preços) sofre
descontinuidade, criando um perfil com um formato de serra, embora irregular. As variações no
tempo dos preços, e assim da produção, ficam sujeitas aos puxões das descobertas e da depleção.

Figura 6: Trajetória da produção com novas descobertas

Produção (y)

Tempo

Descobertas

5. Mudanças nos parâmetros do modelo

No que se segue, o modelo gráfico acima é empregado para analisar, em linhas gerais, o
efeito de mudanças, como a de aumento na demanda do recurso, de redução no custo marginal de
extração, ou de incremento no estoque do recurso. Como se verá, cada uma dessas mudanças
resultará em alterações nas trajetórias de extração e do preço. A análise considera cada mudanças
em isolamento, mantendo todo o resto constante.

• Efeito de um deslocamento para cima na curva de demanda. Supomos que aumentos


da população e da renda deslocam para cima a curva de demanda. Nem a disponibilidade do
recurso, nem o custo de extração e nem r sofrem alterações.
185

Como seria de se esperar, o deslocamento da demanda aumenta a velocidade do


esgotamento do recurso. Desde o momento inicial, a demanda mais elevada causa um
deslocamento do preço inicial, de Po para Po’ (Figura 7). Mas mesmo a este último preço a
demanda, e a extração do recurso, 0yo’, é maior que 0yo; com isso aumenta a depleção, fazendo S,
o estoque do recurso, declinar mais fortemente. Em seguida, o preço passa a aumentar mais
rapidamente; isso porque, a cada nível de preço a demanda é maior que antes. Por essa razão, o
momento no tempo em que o preço se torna tão elevado que o recurso deixa de ser demandado se
reduz, de T para T’.

Figura 7. Efeito de um aumento de demanda


P

Po’

D’ Po

Do
t
y yo’ yo T’ T

T’

• Efeito de uma redução no custo marginal da extração. Supomos, agora, em


razão de melhorias tecnológicas no processo de extração, ocorra uma queda no custo marginal de
extração do recurso. Como se pode ver no quadrante superior direito da Figura 8, o novo custo
marginal de extração CMg’, também constante, está abaixo do vigente antes da mudança
tecnológica. Como se pode ver, a redução de custo marginal leva a uma extração maior do
recurso no momento inicial; isso porque com a queda de custo e com o royalty inalterado naquele
momento (em Ro), o preço do recurso cai, aumentando a quantidade demandada e a sua produção
naquele momento. Mas como o estoque do recurso não se ampliou, essa maior extração acelera a
sua depleção, fazendo a royalty aumentar mais rapidamente. Desta forma, a trajetória do preço
começa em um nível mais baixo Po’ = Ro + CMg’, mas apresenta uma aceleração maior que
antes, fazendo PT ser atingido mais rapidamente. Essa evolução é intuitiva: se cai o custo unitário
de extração do recurso, este se torna mais barato e seu consumo aumenta, fazendo sua exaustão
ocorrer mais rapidamente – aumentando, assim, mais acentuadamente seu royalty e seu preço.
186

Figura 8: Efeito de redução no custo marginal de extração


P

PT

Po

D Po’ CMgo

CMg’

y yo’ yo T’ T t

T’

• Efeito de descoberta que amplie a reserva do recurso. Suponhamos agora que a


demanda, o custo marginal e r permaneçam constantes, mas que haja uma descoberta que amplie
o estoque inicial, S, do recurso. Como se pode ver na Figura 9, esse incremento de S provoca um
aumento da área do triângulo do quadrante esquerdo inferior, de 0yoT para 0yo’T’. Dada a
demanda, uma maior disponibilidade do recurso reduz o royalty do recurso no momento inicial,
de Ro para Ro’ fazendo o preço do recurso cair e ampliando a quantidade inicial demandada e
extraída, de 0yo para 0yo’.

Figura 9: Efeito de um aumento no estoque do recurso

PT

Po

D Po’
CMg

0 t
y yo’ yo T T’

T’

t
187

A evolução após o momento inicial é semelhante à que ocorreria sem a descoberta; com a
extração do recurso, diminui o seu estoque e aumenta R, fazendo o seu preço se elevar. E isso
continuará a ocorrer até que seja atingido o preço PT, fazendo desaparecer a demanda pelo
recurso. Como se pode ver no quadrante superior direito da Figura 9, as duas trajetórias do preço
do recurso são semelhantes, situando-se a do estoque aumentado pela descoberta acima da
decorrente do estoque antes dessa descoberta. E, como há mais do recurso para extrair, o
momento do tempo em que o preço atinge o nível PT aumenta de 0T para 0T’. E, como se pode
ver, quando ocorre a descoberta, a produção aumenta, dando origem a um perfil da trajetória da
produção semelhante ao da Figura 6, acima.

6. Obstáculos à alocação eficiente

Vários fatores podem interferir com o funcionamento eficiente de mercados de minério.


Alguns deles têm ocorrido quase rotineiramente em tais mercados. Os principais são:

• Falhas de mercado; monopólios ou oligopólios (o exemplo mais óbvio é o do cartel da


OPEP, criado no início da década de 1970).

Vamos indicar na Figura 10, adiante, o que acontece se houver monopólio na exploração
do recurso. Como se sabe, a regra de maximização de lucro do monopolista requer que este
produza ao nível que iguale o custo marginal, não o preço do recurso (como ocorre no caso de
concorrência perfeita), mas à sua receita marginal. Se a curva de demanda for negativamente
inclinada, isso implica que o monopolista estará restringindo a produção para obter um preço
mais alto do que o que prevaleceria em regime de mercado de concorrência perfeita.

Figura 10. A depleção do recurso com o monopólio e no caso de concorrência perfeita

PT

Pom
Po

D CMg

RMg y o’ 0
y yo t
T T’

T’

Como se pode ver na Figura 10, o monopolista restringe sua produção relativamente à da
solução competitiva, visando aumentar o preço do recurso. Ademais, inicialmente o preço
188

aumentará mais lentamente que na solução competitiva. E, o horizonte temporal ao longo do qual
o recurso será extraído é maior que na solução competitiva; nesta última

Foi em cima desse resultado que Robert Solow (1974, p. 8) comentou, com certa dose de
ironia:

“Não é difícil demonstrar que, em face a uma mesma curva de demanda, via de regra, o
monopolista exauriria uma mina mais lentamente que um mercado. (...) O aspecto divertido
(dessa constatação) é que, se um conservacionista é alguém que deseja que recursos sejam
conservados além do que ocorreria mediante o funcionamento do mercado livre, então o
monopolista é aliado do conservacionista. Sem dúvida, ambos se surpreenderiam se
soubessem disso.”

• Divergência entre as taxas privada e social de retorno. Se a taxa privada for maior que a
social e se esta for incorporada no processo de decisão intertemporal, a depleção do recurso será
muito rápida.

• Complicador – o impacto das incertezas, que são muito grandes nos casos de minérios.

Concluindo, cumpre mencionar os problemas distributivos dos royalties crescentes. Estes


estão associados à concentração da propriedade e da renda de recursos e podem se tornar sérios
problemas. Recorde-se o que aconteceu nos países produtores – e com alguns magnatas árabes –
durante a época das crises do petróleo da década de 1970.
189

Capítulo 16. Avaliação do otimismo neoclássico em face à possibilidade de


escassez de recursos naturais não renováveis

Foi bastante enfático o repúdio neoclássico às previsões catastróficas do The Limits to


Growth quanto ao impacto da disponibilidade limitada de recursos naturais não renováveis, não
só sobre o crescimento da economia mundial como sobre a própria sobrevivência da humanidade.
Vários autores argumentaram que, eliminadas as inflexibilidades do modelo usado para as
projeções e adicionadas as reações habituais dos agentes econômicos a mudanças nos preços
relativos, desapareceriam as razões para supor que recursos naturais não renováveis possam
impor limites ao crescimento econômico, pelo menos no curto horizonte das projeções do The
Limits to Growth (até meados do próximo século). A evolução das reservas e da oferta mundiais
de petróleo após os choques da década de 1970, bem como o recente crescimento das reservas de
muitos minerais, parecem dar suporte às críticas neoclássicas. Surge, entretanto, a seguinte
questão: será que, numa perspectiva temporal que se estenda, por exemplo, pelas próximas 5
gerações, não se poderá chegar à beira da catástrofe em conseqüência de limitações impostas pela
disponibilidade de recursos naturais?

Na década de 1970, os próprios fundadores da economia ambiental neoclássica


manifestavam receio de que isso pudesse ocorrer. O estado de espírito então prevalecente se
reflete na conclusão de Kneese ao capítulo "Perspectivas Mundiais" do seu livro de
popularização, Economics and the Environment (Kneese, 1977, pp. 116-117) :

"Será possível á humanidade convergir monotonicamente a um estado econômico e


ambiental no qual a vida humana seja tanto agradável como continuamente viável? Para
mim esta ainda é uma questão aberta. E é questão a respeito da qual, não obstante o meu
otimismo congênito, sou bastante pessimista. As incertezas são tão grandes que se torna
difícil ver como as atuais políticas poderiam ser racionalmente modificadas para ter em
conta as possibilidades numa escala temporal pertinente. (...) Os perigos que mais me
impressionam são os mais sutis. A probabilidade é que, à medida que a sociedade humana
for ampliando suas demandas sobre os recursos disponíveis, as margens de tolerância
diminuam. E à medida que diminuem, organizações cada vez mais elaboradas e infalíveis
são exigidas simplesmente para evitar que o sistema entre em colapso na primeira
perturbação". (...) Análises, das quais há muitas, que descrevem a questão da viabilidade
de longo prazo de uma humanidade muito numerosa somente em termos de tecnologia
potencial, ou mesmo da capacidade de adaptação do sistema econômico, não tocam nas
questões centrais. Gostaria de encontrar respostas para estas."

Outros economistas expressaram dúvidas semelhantes, e surgiram esforços objetivando


examinar melhor a questão, que tomaram duas direções: a dos estudos empíricos e a da análise
teórica.

1. Os estudos empíricos

Seguindo a linha do estudo clássico de Barnett e Morse (1963), a análise empírica


enfatizou o exame da tendência no tempo de indicadores das condições de mercado dos principais
recursos naturais não renováveis, na hipótese de que tais indicadores refletem corretamente a
escassez desses recursos. Em princípio, o indicador apropriado seria a renda (o royalty, ou custo
190

de oportunidade) do recurso não renovável. Como vimos, é de se esperar que a renda aumente a
medida que se reduza a disponibilidade do recurso. Assim, se a tendência desse indicador fosse
ascendente, poder-se-ia afirmar que a escassez relativa do mesmo estaria se ampliando. O
problema, entretanto, é que a renda não é magnitude observável. Por isso, os trabalhos empíricos
usaram outros indicadores, dentre os quais ressaltam-se:

(1) O preço, em termos reais, do recurso renovável. A hipótese básica é a de que, em


mercado competitivo, uma tendência de longo prazo ascendente do preço real do recurso reflete
situação de crescente escassez do mesmo. O estudo de Barnett e Morse (1963) revelou que, para
o período de 1870 a 1953, as linhas de tendência dos preços reais da grande maioria dos recursos
naturais não renováveis no mercado norte americano são virtualmente horizontais. Essa tendência
no movimento de preços foi interpretada como comprovação de que não existe escassez de tais
recursos.

Estudos mais recentes produziram resultados diferentes. Trabalhando com séries de


preços para o período 1900-1970, Nordhaus, (1974), por exemplo, encontrou tendências
decrescentes nos preços da maioria dos recursos. Entretanto, conforme demonstrou Fisher (1981,
p 105), essa tendência é basicamente conseqüência do deflator usado por Nordhaus. Examinando
a evolução de preços na década de 1970, Fisher (1981, pp. 106-107) concluiu: "a impressão
dominante é a de substanciais aumentos na maioria dos preços (nos Estados Unidos), mesmo
depois de deflacionados pelo Índice de Preços ao Produtor". Para esse autor, os preços da
maioria dos recursos não renováveis descreveria, no tempo, uma curva com o formato em U. No
início, esses preços caem, à medida que novas descobertas ampliam as reservas e a mudança
tecnológica reduz os custos de extração; mas depois de algum tempo, tornam-se mais difíceis
novas descobertas, é atingido um limite inferior e os preços dos recursos naturais não renováveis
passam a subir.

Tendo escrito em data muito próxima à do auge da crise do petróleo Fisher é


moderadamente pessimista. A visão mais recente dos economistas neoclássicos, porém, tornou-se
acentuadamente otimista. Um exemplo marcante desse otimismo está em Baumol et al., 1989.
Na avaliação da tendência dos preços reais de 15 minerais no período 1900-1987, os autores
partiram da premissa de que, em mercados competitivos, "é de se esperar que o preço de recurso
[não renovável] aumente à medida que decline sua disponibilidade (em linha com o estabelecido
pelo clássico teorema de Hotelling)" (p. 216). Apoiados nessa premissa, focalizaram dois grupos
de recursos: combustíveis; e outros minerais. No que diz respeito aos combustíveis, observaram
linhas de tendência dos preços reais virtualmente horizontais até o início da década de 1970; com
a crise do petróleo, entretanto, os preços aumentaram fortemente, mas sofreram reduções na
década seguinte, voltando a níveis próximos aos vigentes antes da crise (o estudo cobre o período
até 1987). Quanto aos outros minerais, observaram que, a exceção do minério de ferro, que exibe
tendência levemente ascendente, a linha de tendência dos preços reais manteve-se virtualmente
horizontal. Para os autores, esse comportamento dos preços de recursos não renováveis é, em
larga medida, decorrência do desenvolvimento tecnológico, tanto na extração como na
exploração. Na realidade, para Baumol et al. (1989, p. 223), graças ao desenvolvimento
tecnológico, "a quantidade efetivamente disponível de [recursos não renováveis] aumentará
indefinidamente, à despeito de um consumo ininterrupto [destes]" (p. 223).

Voltaremos à visão otimista da escola neoclássica. Antes examinaremos alguns dos


problemas com o uso de séries de preços como indicadores da escassez. Em primeiro lugar, como
evidenciado pelo caso do petróleo, o mercado de recursos naturais raramente é competitivo, e a
191

tendência dos preços reais pode ser afetada pelo funcionamento de monopólios ou cartéis.
Depois, em situação de equilíbrio competitivo, o preço de mercado de recurso não renovável tem
dois componentes: a renda e o custo unitário de extração do recurso. Assim, pode ocorrer que a
tendência do preço seja declinante, embora seja ascendente a tendência da renda (do custo de
oportunidade, que reflete a escassez). Isso aconteceria se, em decorrência do progresso
tecnológico, houvesse, pelo menos por algum tempo, quedas no custo unitário de extração que
mais que compensassem os incrementos de renda.

Uma crítica à validade teórica do uso de preços e de indicadores de escassez semelhantes


é a de Norgaard (1990, pp. 19-25). Para esse autor, há falha lógica no raciocínio neoclássico,
especialmente no que diz respeito à premissa do alocador onisciente. Para que o teste neoclássico
tivesse validez, seria necessário que os responsáveis pelas decisões sobre a exploração de um
recurso não renovável estivessem perfeitamente informados sobre a sua escassez relativa, não só
no presente como no futuro. Se fosse esse o caso, não seria necessário trabalhar com indicadores,
a maioria de caráter ambíguo; bastaria perguntar aos alocadores. A crítica de Norgaard originou
controvérsia, mas os dois lados da disputa se mantiveram irredutíveis (ver Farrow e
Krautkraemer, 1991, e Norgaard, 1991).

(2) Um outro indicador empregado em estudos de escassez de recursos é o custo unitário


de extração. A justificativa para o seu uso apoia-se em hipótese ricardiana segundo a qual os
recursos naturais são explorados a partir de jazidas mais ricas ou de menor custo de extração, a
jazidas mais pobres, ou de custo de extração mais elevado. Inicialmente, o recurso é abundante, e
o seu custo de extração será reduzido mas, com o tempo, torna-se escasso, e o custo de extração
aumenta. Assim, uma tendência ascendente do custo de extração estaria refletindo crescente
escassez do recurso.

Barnett e Morse (1963) examinaram a tendência do custo de extração entre 1870 e 1957
para um grupo significativo de recursos naturais exauríveis, tendo encontrado tendência
declinante em quase todos os casos; a única exceção foi a do setor extrativo florestal, com
tendência ascendente. Para os autores, haveria, pois, superabundância e não escassez.

Cleveland (1991) discordou de tal conclusão. Para esse autor, o problema com as
estimativas de Barnett e Morse é que seus custos de extração são expressos em termos de dois
fatores primários de produção -- o capital e o trabalho. A energia empregada na extração,
considerada produto intermediário, juntamente com outros materiais, foi excluída da análise. Ao
proceder dessa forma, porém, o estudo acaba ignorando a quantidade cada vez maior de energia
que vem sendo usada no processo de transformação de recursos naturais -- o processo que vai
desde a descoberta, a extração e o refino, até a transformação do recurso, ou em insumo para a
produção, ou em bem de consumo. Em cada estágio do processo se usa, além dos serviços do
capital e da mão de obra, a energia. Por se concentrarem apenas nos dois primeiros fatores,
Barnett e Morse encontraram custos de extração decrescentes por unidade do recurso. Entretanto,
se tratassem a energia como fator primário, verificariam que houve forte substituição de mão-de-
obra e de capital por energia de origem fóssil, e portanto finita. Em 1870 -- o ano inicial do
período coberto pelo estudo -- uma parcela significante da energia empregada na extração ainda
provinha da queima da madeira. Essa foi sendo substituída por carvão mineral e outros
combustíveis fósseis, recursos não renováveis de alta qualidade, que tornaram possível a redução
no uso de trabalho e de capital. Uma avaliação em termos do uso de energia, entretanto, revelaria
custos unitários crescentes de extração de metais e de combustíveis fósseis.
192

Este e outros problemas revelam que o custo unitário de extração também não é um
indicador ideal.

(3) Tem-se empregado, também, o custo unitário de exploração, ou seja, o custo de se


aumentar em uma unidade a reserva recuperável de um recurso não renovável. O uso da
tendência do custo de exploração como indicador de escassez apoia-se em duas premissas: a
suposição, também ricardiana, de que, quanto mais escasso o recurso, mais difícil e dispendioso
será ampliar suas reservas; e a conclusão da teoria segundo a qual, em situação de equilíbrio
competitivo, a descoberta de novas reservas de recursos não renováveis será feita até o ponto em
que o custo de encontrar uma unidade adicional do recurso é igual ao benefício decorrente da
descoberta da unidade, ou seja, o custo de oportunidade do recurso. Partindo dessas premissas,
Fisher (1981, pp. 108-110), por exemplo, analisou o custo de exploração de petróleo nos Estados
Unidos, e de gás natural no Canadá, tendo encontrado custos unitários de exploração nitidamente
ascendentes. Note-se, entretanto, o âmbito geográfico restrito de suas observações, bem como o
fato de que suas séries terminam antes dos recentes avanços na tecnologia de exploração e
extração do petróleo e do gás natural.
As objeções ao uso desse indicador são, primeiro, que a sua tendência pode refletir
mudanças tecnológicas e não uma maior escassez ou abundância do recurso; e segundo, outra
vez, que está longe de ser realista a hipótese de mercado competitivo para recursos naturais.

2. Discussão com base nos modelos teóricos

Um dos autores de maior influência na conformação da atual visão otimista da economia


ambiental neoclássica a respeito da questão das limitações de recursos naturais exauríveis foi
Robert Solow. Na sua aula magna de 1973 à American Economic Association, o autor delineou a
argumentação que viria a prevalecer. Segundo Solow:

A "gravidade do problema da exaustão de recursos necessariamente depende, de forma


importante, de dois aspectos da tecnologia: primeiro, da possibilidade do progresso
técnico, especialmente o progresso poupador de recursos naturais; e segundo, da
facilidade com que outros fatores de produção, especialmente o trabalho e o capital
reproduzível substituem os recursos naturais na produção".

Quanto ao progresso técnico, ..."se o futuro for semelhante ao passado, por muito tempo
ainda haverá consideráveis reduções nos requerimentos de recursos naturais por unidade
de produto. É verdade que, como alegam os pessimistas, esta é uma mera hipótese, que não
sabemos se se confirmará; mas supor o contrário também é mera hipótese, e bem menos
plausível."

Quanto ao grau de substituição entre fatores, se ..."for fácil substituir os recursos


naturais por outros fatores, em princípio, não haverá "problema". O mundo poderá seguir
em frente sem recursos naturais, e a exaustão será apenas um evento, e não uma
catástrofe. (Por outro lado, se) ..."o produto real por unidade do recurso efetivamente
apresenta um limite superior -- ou seja, se não for possível ultrapassar um máximo de
produtividade e, por sua vez, se este não se encontrar muito distante do nível atual -- então
a catástrofe será inevitável. (...) Felizmente, porém, a pouca evidência disponível indica
que é elevada a substitutabilidade entre recursos exauríveis e recursos renováveis ou
reproduzíveis ..." (Solow, 1974, pp. 10-11).
193

Para explorar analiticamente a questão, Solow desenvolveu um modelo dinâmico,


estabelecendo relação entre o produto por unidade de mão-de-obra, e o capital, e uma variável de
recursos não renováveis, ambos por unidade de mão-de-obra; essa relação é descrita por uma
função de produção Cobb-Douglas. Por hipótese, tanto o progresso técnico (Hicks-neutro), como
a população (e a mão-de-obra) crescem a taxas constantes e dadas. Em conseqüência da
disponibilidade finita do recurso natural, a solução que obteve, empregando o método do controle
ótimo, determinou uma trajetória de acumulação de capital associada a um consumo per capita
constante; ou seja, se factível, o crescimento sustentável requer uma evolução no tempo da
acumulação do capital associada a um consumo per capita constante, e permanentemente
sustentável, o mais elevado possível.

Para que esse nível de consumo possa ser sustentado indefinidamente, devem ser
satisfeitas as seguintes condições: (a) a elasticidade de substituição entre o recurso natural e o
capital deve ser maior que a unidade; (b) a função de produção deve ter elasticidade de
substituição constante e igual a um (o que é garantido pela função de produção Cobb-Douglas),
com a participação do capital no produto maior que a do recurso não renovável; e, (c) a mudança
tecnológica, contínua, seja aumentadora do recurso.5

Em outros termos, Solow deduz as condições para que seja assegurada a sustentabilidade
do consumo per capita – o critério de sustentabilidade da economia ambiental neoclássica. O
autor deixa claro, o caráter simplificado de seu modelo e a natureza das suas hipóteses básicas.
Ressalta, também, que não há garantia de que o livre funcionamento de mercados conduzirá ao
crescimento sustentável, em razão das externalidades comuns à exploração de recursos naturais.
Além disso, reconhece que as incertezas associadas ao processo de exploração desses recursos
são consideráveis, que as imperfeições de mercado tendem a ser substanciais nesse campo e, de
forma especial, que há a tendência da taxa de juros de mercado a exceder a taxa social de
desconto (Solow, 1974, pp. 7-12). Alerta, inclusive, para o fato de que o crescimento sustentável
provavelmente requeira a intervenção do governo, ou pelo menos a criação de um intrincado
sistema de impostos e subsídios corretivos. Em suma, sua mensagem é otimista, mas com
ressalvas e reservas.

Essas reservas, entretanto, tendem a ser esquecidas pelos atuais praticantes da economia
ambiental neoclássica; estes tendem a se valer principalmente dos aspectos otimistas da análise
de Solow. Na verdade, outros economistas ambientais neoclássicos de renome também
expressaram ressalvas e reservas ao otimismo que se instalou na profissão. Por exemplo, ao rever
os papéis cruciais da substitutabilidade elevada entre o capital e recursos naturais e de um
progresso técnico poupador de recursos, Mäler (1986, p. 151) argumentou que, em razão da falta
de ..."estimativas empíricas (...) confiáveis, (...) simplesmente não sabemos se a elasticidade de
substituição é suficientemente elevada". Com isso, são inescapáveis as seguintes questões éticas
fundamentais: ..."uma vez que não estamos certos sobre as possibilidades de substituição, como
devemos alocar recursos entre as gerações presente e futuras (...)? Como dividir um bolo finito
entre um número infinito de gerações?" E se as possibilidades de substituição não forem
suficientes para assegurar a sustentabilidade, poderá o progresso técnico oferecer uma saída?
"Novamente, se não estamos certos a respeito da evolução futura do progresso técnico, qual o
critério ético relevante para a alocação intertemporal de recursos?"

5 Conforme Solow, 1974, 1974a, e 1986; ver também Stiglitz, 1974.


194

Além disso, conforme argumenta Fisher (1981, pp. 73-74), mesmo que se possa
demonstrar que, no presente, a elasticidade de substituição entre capital e recursos não renováveis
é elevada, quem garante que isso não mudará? Será que a elasticidade permanecerá elevada
quando a substituição de recursos não renováveis por capital já tiver sido muito extensa?
Semelhantemente, será viável supor que o progresso técnico aumentador de recursos continuará
se expandir indefinidamente? Não existirão limites ao desenvolvimento técnico?

É interessante notar que esses dois autores exprimiram suas dúvidas de forma tímida e que
estas repercutiram pouco. Na verdade, o otimismo continua a prevalecer. Existem duas visões
relacionadas à evolução da ciência, da tecnologia e da organização social: a dos que acreditam em
um futuro de crescente e ilimitada prosperidade; e a daqueles que se preocupam com a fragilidade
dos sistemas ambientais e sociais, com a elevada taxa de crescimento da população e com a
possibilidade de efeitos indesejáveis da tecnologia (por exemplo, Norgaard, 1991, p. 196). Os
economistas ambientais neoclássicos incluem-se, claramente, entre os que detêm a primeira
dessas visões, razão porque as preocupações e as críticas emanadas de suas fileiras tendem a ser
expressas de forma reservada. Não só isso, como são mínimas as ressonâncias de tais reservas e
dúvidas; nas recentes avaliações do possível impacto da disponibilidade fixa de recursos naturais
não renováveis, as mesmas não são sequer mencionadas.

Uma dessas avaliações, a de Baumol, 1986,6 merece destaque, dado prestígio do autor.
Em essência, rejeita enfaticamente a visão pessimista sobre o impacto de possível exaustão de
recursos não renováveis sobre o futuro da humanidade. Sua principal conclusão é:

"...(Que o) crescimento da produção per capita, ao invés de representar caso de


esbanjamento, em que a sociedade vive do consumo de seu capital, pode de fato estar
originando uma poupança líquida de recursos não reproduzíveis, a ponto de seus estoques
efetivos estarem constantemente se expandindo como resultado da mesma família de
desenvolvimentos que propiciaram o crescimento da renda real per capita desde a
Revolução Industrial. (Meu ponto é que) ..."não se trata de possibilidade abstrata, mas que
isso deve estar acontecendo agora.

"A explicação para esses paradoxos é simples. Um desenvolvimento tecnológico que


amplie a produção por unidade de recursos, seja diretamente via eficiência crescente no
uso e na reciclagem desses recursos, ou por uma redução nas perdas (na ineficiência) na
extração ou no processo de produção, obviamente ajuda a reduzir o uso corrente, tudo
mais permanecendo igual. Contudo, em adição, o progresso técnico também aumenta a
contribuição futura do estoque ainda não utilizado dos recursos. Se a mudança tecnológica
que ocorre em um dado ano aumenta a quantidade efetiva dos estoques ainda não usados
do recurso por uma quantidade maior que o uso direto do recurso no ano, então, no único
sentido pertinente para o bem-estar econômico, os estoques (efetivos) dos recursos serão
necessariamente maiores no fim do ano que o eram no seu início. E, enquanto é verdade
que com o uso continuado, o estoque físico do recurso ainda remanescente em seu habitat
natural deve declinar continuamente, (meu argumento é que) este não precisa ser
completamente exaurido e que sua quantidade efetiva pode continuar a aumentar, se não
para sempre, pelo menos enquanto a humanidade sobreviver."

6 Para argumentos semelhantes, ver Baumol et al., 1989, cap. 10.


195

Também é verdade, e igualmente surpreendente, que embora o estoque efetivo do


recurso nunca se reduza, o uso deste deve cair e, com efeito, se aproximar assintoticamente
de zero a medida que o tempo tende ao infinito." (Baumol, 1986, pp.167-168).

Conforme argumentam Baumol et al. (1989, p. 212), esta não é uma profecia de futuro
róseo e seguro, mas da demonstração de que a depleção de recursos não necessariamente
significa miséria e desgraça à humanidade. Não negam que essas podem vir a ocorrer,
especialmente se forem adotadas práticas e políticas erradas, mas insistem que esse destino, não
só não é inexorável como pode, sem maior problema, ser evitado.

Novamente, a visão de Baumol depende da hipótese de um continuado e vigoroso


progresso tecnológico poupador de recursos não renováveis. Assim, a despeito dos receios de
alguns economistas quanto à viabilidade dessa hipótese, projetou-se uma aura de extremado
otimismo, e a economia ambiental neoclássica foi gradualmente deixando de lado a questão da
sustentabilidade do crescimento em face das limitações na disponibilidade de recursos não
renováveis. Passou a se dedicar a outros problemas -- em especial, o do controle da poluição.
Conforme sustenta Mancour Olson Jr., um dos decanos da economia ambiental neoclássica:

"sou do ponto de vista de que a expressão 'desenvolvimento sustentável' (...) deixa muito a
desejar. Sustentar o desenvolvimento pode ser fácil devido à grande importância da acumulação
do conhecimento. É errado, pois, tratar a sustentabilidade do desenvolvimento como um
problema da mais alta prioridade."7

3. O viés primeiro-mundista da avaliação neoclássica da questão dos recursos naturais


não renováveis

No que se segue, procuramos demonstrar que, como no caso da análise da poluição, o


otimismo neoclássico implicitamente pressupõe a manutenção do atual status quo, de expansão
econômica concentrada no Primeiro Mundo, com aumento marginal e seletivo da participação de
economias em desenvolvimento. Na verdade, raramente é parte das considerações dos
economistas ambientais neoclássicos a questão do desenvolvimento sustentável, nos termos
estabelecidos pela CMMD (ver Mueller, 1994).8 É difícil, pois, encontrar registros explícitos da
hipótese do status quo. Mas as evidências indiretas nesse sentido são claras.

Para começar, sem radicais mudanças nas economias dos países industrializados, só a
manutenção do status quo evitaria um formidável aumento nos requerimentos de recursos
naturais e de energia, para não falar na pressão sobre a capacidade de assimilação de rejeitos do
meio-ambiente. Se houvesse um bem sucedido esforço global que reduzisse o hiato entre o
Primeiro e o Terceiro Mundos sem as mencionadas mudanças, isso seria inevitável. Para dar uma
idéia da ampliação nos requisitos de recursos naturais associada à concretização, embora parcial,

7 Conforme exposição feita por Mancour Olson Jr. na seção sobre Crescimento Econômico, Sustentabilidade e o
Meio-Ambiente da 65a. Conferência Anual da Western Economic Association, São Diego, Jul., 1990. Ver D'Arge et
al., 1991, p. 17.

8 Essa omissão ocorre a despeito do fato de que a maioria dos países industrializados está participando do esforço
para assegurar a sustentabilidade, tendo mesmo se envolvido em intensas negociações, iniciadas antes da
Conferência das Nações Unidas sobre o Meio-Ambiente e o Desenvolvimento (a Rio-92), e que continuam no
presente.
196

do paradigma da sustentabilidade, segue-se um exercício semelhante ao da subseção anterior,


com o emprego da energia para representar a categoria recursos naturais.9 Suponhamos que até
2025 fosse possível manter estacionários no nível de 1995 os requerimentos totais de energia,
proveniente de todas as fontes, dos países industrializados (242.929 petajoules);10 e que, em
decorrência do bem sucedido esforço de redução do hiato de desenvolvimento, houvesse um
aumento nos requerimentos per capita de energia dos países em desenvolvimento para o nível da
Espanha em 1995 (92,9 gigajoules por habitante, apenas 59,4 % da média do conjunto dos países
industrializados). Tomando as projeções de população para 2025,11 neste ano os requerimentos
de energia teriam se multiplicado cerca de 2,3 vezes em relação ao nível mundial de 1995
(372.203 petajoules), atingindo quase 859.343 petajoules. Trata-se de nível elevadíssimo, não só
em termos da pressão sobre a disponibilidade de recursos energéticos, mas também em termos da
poluição que esse nível de uso de energia geraria.

Pode-se alegar que os países industrializados vêm conseguindo consideráveis aumentos na


eficiência no uso de energia e que, portanto, é errado manter constante o seu requerimento de
energia. Temos o exemplo dos Estados Unidos, um dos países industrializados menos eficientes
no uso de energia; entre 1973 e 1988 foram construídas nesse país 20 milhões de novas
residências, sua frota de veículos aumentou em 50 milhões de unidades e o seu PNB real cresceu
46%, mas o seu consumo de energia expandiu-se em apenas 7% (World Resources Institute,
1992, p. 21).

Para avaliar o impacto de uma mudança dessa natureza, suponhamos que, em decorrência
da ampliação na eficiência no uso de energia, em 2025 o requerimento per capita de energia do
mundo industrializado declinasse para o nível da Espanha de 1995. Com os aumentos de
consumo per capita do terceiro mundo para esse mesmo nível, a necessidade mundial de energia
de 2025 atingiria 746.835 petajoules, ou seja, cerca do dobro do requerimento de 1995. Isso
ocorre porque a magnitude da população dos países em desenvolvimento e as suas elevadas taxas
de crescimento demográfico trariam uma formidável expansão do consumo de energia, mesmo
que haja acentuada queda no requerimento per capita dos países industrializados.

Esse exercício deixa claro que são necessárias consideráveis mudanças para que haja
desenvolvimento sustentável. Os países em desenvolvimento teriam de reduzir substancialmente
as suas taxas de crescimento populacional, caberia aos países ricos não só limitar acentuadamente
o seu consumo de energia per capita, como transferir rápida e eficazmente tecnologia poupadora
de energia às economias em desenvolvimento.

Se efetuássemos exercícios como os acima para os minerais e para outros recursos


naturais, obteríamos resultados semelhantes. Generalizando, parece válido manter sérias dúvidas
sobre a possibilidade dos países em desenvolvimento virem, de forma generalizada, a se
industrializar rapidamente, elevando em poucas décadas seus padrões para próximo dos atuais
níveis dos países industrializados, sem que isso cause extensos danos ambientais, pondo em risco
o bem-estar, senão a sobrevivência de gerações futuras. O crescimento sustentável só seria
possível se ocorressem mudanças em profundidade, particularmente na economia dos países

9 Como no caso dos recursos naturais, parte da energia vem de fontes renováveis, e parte de fontes exauríveis.

10 Dados de uso de energia, de World Resource Institute, 1998, Tabela 15.1. O joule é uma medida de energia. Um
petajoule (1015 joules) é igual a 1.000.000 gigajoules. Um gigajoule é igual a 109 joules.

11 Conforme World Resources Institute, 1998, Tabela 7.1.


197

ricos. Conforme argumenta o neoclássico Pezzey (1989, p.47), "acreditarmos que é


ecologicamente impossível toda a humanidade usufruir um padrão de vida próximo ao das
nações industrializadas do Ocidente -- e isso impõe indagações empíricas sobre os limites à
substituição do capital por recursos (...) -- então um desenvolvimento sustentável e eqüitativo
exigirá a redução nos padrões de vida dos países ricos."

Ponto de vista semelhante está implícito no desabafo de Mancour Olson Jr. para quem, "se
cerca de dois bilhões de pessoas [nos países em desenvolvimento] tiverem que experimentar
rendas per capita semelhantes à dos países em desenvolvimento mais bem sucedidos, isso levaria
a aumentos colossais na demanda por produtos primários (...). Assim, hipóteses muito otimistas
sobre o desenvolvimento econômico em parcela significante do mundo em desenvolvimento
justificariam um relativo pessimismo sobre" [as limitações impostas pela disponibilidade de
recursos naturais].12

Entretanto, a leitura do restante da exposição do autor deixa claro que não compartilha de
tal pessimismo, simplesmente porque considera o crescimento rápido da maioria dos países em
desenvolvimento hipótese extremamente remota; ou seja, Olson Jr., e com ele o establishment
neoclássico, toma como certa a manutenção do status quo atual. Este dá substância ao otimismo
inerente à economia ambiental neoclássica.

É interessante ressaltar que a manutenção do status quo também está implícita em


avaliações do paradigma da sustentabilidade com base em modelos dinâmicos. Por exemplo, um
dos resultados do modelo com o qual Solow examina as condições para que haja
desenvolvimento sustentável na definição neoclássica -- ou seja, o nível de consumo per capita o
mais elevado possível (o modelo demonstra que esse deve ser constante) passível de ser
sustentado para sempre, tendo em conta a finitude de certos recursos naturais -- é que esse
consumo per capita depende da disponibilidade de capital de cada país no momento inicial;
ou seja, o modelo de Solow mostra que, sob esse critério de sustentabilidade,

"uma sociedade que começa pobre não encontrará justificativa para uma acumulação inicial que
possa assegurar um nível de consumo [per capita] mais alto no futuro" (Solow, 1986, p. 144). Ou
ainda, a sustentabilidade "requer um estoque inicial de capital suficientemente elevado para
originar um padrão de vida decente, caso contrário a pobreza será perpetuada" (Solow, 1974b,
p. 41).

Em outros termos, em condições ótimas a sustentabilidade assegura às sociedades que


tiverem estoques de capital elevados um padrão de vida decente para todo o sempre. Para as
demais, sobraria a pobreza eterna. Como os textos de Solow não tocam na alternativa da
redistribuição da dotação de capital entre sociedades ricas e pobres, é de se supor que, como
outros economistas ambientais neoclássicos, implicitamente adota a hipótese da manutenção do
status quo.

12 Conforme exposição de Olson Jr. em simpósio sobre Crescimento Econômico, Sustentabilidade e o Meio-
Ambiente (ver D'Arge et al., 1991, p. 17). Recordando, trata-se do mesmo autor para quem o progresso tecnológico
teria retirado o desenvolvimento sustentável da lista de prioridades.
198

4. Objeções sobre a prática do desconto do futuro

O do desconto do futuro é comum, não apenas os modelos da teoria neoclássica de


recursos naturais não renováveis, mas também em modelos que, de alguma forma, tratam da
alocação intertemporal de recursos e em aplicações, como a da análise custo-benefício (ver o
Capítulo 19). Na verdade, o desconto do futuro é amplamente utilizado por economistas, e muitos
nem sabem bem porque. Entretanto, o desconto do futuro tem uma lógica própria, que precisa ser
considerada. Esboçamos aqui, em linhas gerais, as justificativas para o emprego do desconto do
futuro, bem como as críticas a esse emprego, uma das quais tem relevância para a teoria dos
recursos naturais não renováveis.

Na discussão do uso intertemporal ótimo de recursos naturais, a análise ambiental


neoclássica trabalha com fluxos monetários descontados. Isto é, os custos e os benefícios
esperados no futuro do emprego de recursos naturais é, na maior parte dos modelos neoclássicos,
descontado a uma taxa social de retorno. O que vale são os valores presentes (os valores
descontados) desses custos e benefícios. Na verdade, nos modelos de otimização dinâmica, o
perfil temporal da depleção ótima de um recurso não renovável é fortemente afetado pela
magnitude da taxa adotada para descontar o fluxo de benefícios líquidos derivados do uso, ao
longo do tempo, do recurso. Vimos que, se a taxa de retorno for elevada, a depleção será
acelerada e tanto o custo de oportunidade (o royalty), como o preço do recurso, aumentarão
rapidamente no tempo; o contrário ocorre se a taxa de desconto for reduzida. Vamos esboçar aqui
as razões para o emprego do desconto, tanto em modelos teóricos, como em aplicações – como a
análise custo-benefício (Capítulo 19).

A taxa social de retorno é um preço de eficiência, cuja principal função é a de alocar de


forma ótima recursos, não em um dado momento, mas ao longo do tempo. Conforme Irving
Fisher, um dos pais da teoria do capital, a taxa de retorno é a retribuição ao ‘sacrifício’ da
poupança, assegurando a transferência de recursos, do consumo para a poupança, e assim, para o
investimento – para a aquisição de máquinas e equipamentos, para construções, etc. Ou seja,
induzindo à poupança, a taxa de retorno possibilita a expansão do estoque de capital da
economia; é, pois, elemento fundamental na indução do crescimento econômico. O emprego de
taxa de retorno é justificado com base na hipótese da impaciência; supõe-se que os indivíduos
apreciam mais o consumo no presente que no futuro, exigindo um pagamento para adiá-lo. Como
a produtividade do capital é positiva, o montante de consumo adiado e investido, tende a gerar no
futuro mais que o consumo sacrificado, permitindo compensar o poupador. E é essa a razão da
adoção da prática de descontar o futuro a uma taxa social de retorno nos modelos dinâmicos,
alguns dos quais estão na base das teorias de recursos naturais.

Entretanto, há uma forte objeção ética em relação à prática de descontar o fluxo de


benefícios líquidos no caso de atividades cujos efeitos se estendam por período de tempo muito
longo. Essa objeção é antiga: Pigou (1932), por exemplo, considerou a prática do desconto uma
miopia dos economistas; e, conforme ressaltou Solow (1974, pp. 8-9), para Frank Ramsey (1928),
um dos pais da teoria do capital, é "eticamente indefensável a sociedade descontar as utilidades
do futuro. Indivíduos podem fazer isso (...), pois têm a consciência de que a vida é curta. No
processo de decisão social, entretanto, não há desculpa para tratar de forma desigual as
diferentes gerações, e o horizonte temporal é, ou deveria ser, muito longo". Ramsey defendeu
emprego de taxa de preferência temporal igual a zero, admitindo o emprego de uma taxa positiva
apenas no caso de se ter certeza de que as gerações futuras serão sempre mais ricas que a geração
presente. O próprio Solow (1974, p. 9) considerou os argumentos de Ramsey persuasivos;
reconheceu, até, que os mesmos "fornecem outro motivo para se considerar que o mercado
exaure recursos muito rapidamente."
199

É importante ressaltar que a prática do desconto é um assunto controvertido dentro, até, da


análise neoclássica. Alguns economistas de renome, como Koopmans (1960) e Arrow e Kurtz
(1970), apresentam argumentos teóricos sólidos em favor da prática do desconto, e, em trabalho
mais recente, o próprio Solow (1986) desenvolveu condições para um uso intertemporal eficiente
de recursos naturais não-renováveis com o emprego de taxa de desconto positiva.

Em um apêndice ao Capítulo 19, voltamos a discutir a questão do desconto do futuro. Isto


é feito após a apresentação de uma das mais importantes aplicações da economia ambiental
neoclássica: a análise custo-benefício considerando o meio-ambiente. Como veremos, esta
metodologia da avaliação faz amplo uso da prática do desconto.
200

Capítulo 17. A análise neoclássica de recursos naturais (condicionalmente)


renováveis

1. Introdução

Segundo Conrad e Clark (1986, p. 62), é renovável o recurso natural escasso em relação
às necessidades humanas que, do ponto de vista de escala temporal relevante ao homem,
apresenta a capacidade de se reproduzir e de se ampliar. Essa disponibilidade contínua do recurso
decorre, ou do crescimento de uma população, ou de fluxo constante ou periódico originário de
fonte inanimada de massa ou de energia.

Essa definição aponta para um dos elementos básicos da teoria dos recursos renováveis: a
função crescimento. Emprestada da biologia, a função crescimento estabelece a relação entre o
nível da população (ou do estoque do recurso) e a taxa de crescimento da população (do estoque)
no caso de não haver extração do recurso. A hipótese usual é a de que o crescimento da
população (do estoque) é função do seu nível, mas que essa relação não é monotônica; a taxa de
crescimento aumenta com o nível da população (do estoque), atinge um máximo e depois declina.
Em essência, esse comportamento é determinado pela capacidade de suporte do habitat no qual a
população está inserida. A função crescimento permite estabelecer a extração máxima sustentável
(EMS) do recurso, ou seja, a maior extração possível deste, mantido constante o seu estoque. A
EMS corresponde ao nível de extração associado ao estoque de crescimento máximo. Há a
tentação de usar o EMS como critério para a exploração ótima de um recurso renovável.
Fazendo-se isso, porém, ficam de fora considerações econômicas, notadamente as relativas ao
custo da extração do recurso.

A teoria usualmente considera que o custo de extração por período de tempo varia
inversamente à população (ao estoque) no início do período e diretamente ao fluxo de esforço (ou
seja, ao uso de recursos produtivos na extração) durante o período. Ceteris paribus, quanto maior
a população (o estoque), menor o custo; quanto maior o esforço, maior o custo.

A determinação no nível ótimo de extração é feita considerando em conjunto as funções


crescimento e custo de extração, e incluindo a demanda pelo recurso renovável -- o elemento de
ligação entre o mercado e o processo de extração. Além disso, como o nível da população (do
estoque), e portanto a extração no futuro, depende da extração hoje, a análise requer o emprego
de modelos de otimização dinâmica. A solução desses mostra que, via de regra, a extração ótima
se faz à um ritmo que mantém a população (o estoque do recurso) em nível superior ao requerido
pela EMS. O custo associado ao esforço de extração faz com que valha a pena ter uma população
mais elevada, assegurando um esforço de extração (um custo) menor.

A questão que se coloca ante esse resultado é: por que, no mundo real, há tantos casos de
extração excessiva de recursos renováveis, com drástica redução de estoques e até ameaça de
extinção? Para dar uma resposta a essa questão, desenvolveu-se a teoria da "propriedade
comum".13 O fato de que ninguém é dono do estoque de recursos renováveis (por exemplo, da

13 O problema da "propriedade comum" foi identificado por Gordon (1954). Esse autor cunhou a frase "tragédia da
propriedade comum" (tragedy of the commons), que ganhou notoriedade. Entretanto, conforme ressalta Bromley
(1991), o termo "propriedade comum" é enganoso; o que causa problema não é a propriedade comum, mas sim a
201

população de uma espécie de peixe no oceano) faz com que, havendo livre acesso e livre
extração, ocorra exploração excessiva.

A teoria demonstra como, nesses casos, o funcionamento de mercado competitivo conduz


a soluções ineficientes. Isso ocorre porque uma empresa individual que opera nesse mercado nada
paga pelo recurso em si; o único custo em que incorre é o custo de extração. Assim, ao maximizar
o lucro, estará explorando de forma excessiva o recurso. O impacto de uma empresa isolada não é
significativo, mas com muitas empresas e com livre entrada, a extração conjunta do recurso
torna-se não sustentável a longo prazo.

Um planejador que deseje determinar a alocação eficiente (e, portanto, sustentável) do


recurso com o emprego da metodologia de otimização dinâmica, chegaria a uma solução para o
nível ótimo de extração para a indústria como um todo; esta seria o nível de extração determinado
pela igualdade do preço do recurso com o custo marginal de extração somado ao custo de
oportunidade, ou o "preço sombra", do recurso que permanece em estoque após a extração. Na
operação do mercado competitivo, entretanto, o produtor individual atua como se o custo de
oportunidade do recurso fosse zero, e extrai o recurso ao nível determinado pela igualdade do
preço com o custo marginal. E no agregado, isso conduz à extração excessiva. Com uma curva de
demanda do recurso negativamente inclinada, a adição do custo de oportunidade implica um nível
de extração menor na solução do planejador, que o obtido pelo mercado livre. Ademais, a solução
do planejador seria eficiente enquanto a do mercado livre não o seria. Esta última não seria
sustentável, pois ameaçaria de esgotamento o recurso. Se esse é o caso, justifica-se a intervenção
do governo para induzir as empresas que extraem o recurso a se comportarem como se tivessem
que pagar o seu custo de oportunidade. Isso pode ser feito com impostos, com um sistema de
licenças negociáveis, ou com a imposição de restrições à extração e ao número de empresas que
atuam na extração do recurso.

Existem, evidentemente, diversas aplicações da teoria dos recursos naturais renováveis;


esta é usada para tratar de uma gama variada de temas. O esboço acima fornece apenas o sentido
geral desse ramo da teoria ambiental neoclássica. Segue-se um exame em maior detalhe dos seus
elementos.

2. O caso dos recursos pesqueiros

Vamos usar como exemplo o caso do recurso pesqueiro. Suponhamos um lago ou zona
oceânica propícia à pesca. Há um mercado para o peixe, que é competitivo; o preço do peixe é
dado e não muda durante o período relevante para a análise. Faremos duas hipóteses diferentes
sobre o acesso à zona pesqueira: 1. a de que a entrada de barcos pesqueiros (cada um constituindo
uma ‘empresa’) é livre; e, 2. a de que a zona pesqueira tem um dono que deseja explorar a pesca
na mesma. Nos dois casos, supomos que as empresas objetivam maximizar seu lucro. Também
são dados o preço da mão de obra e dos demais insumos usado na captura e extração de peixe.

2.1. A pesca sustentável eficiente

não-existência de propriedade. Bromley fornece exemplos da instituição da propriedade comum com alocação
racional de recursos naturais.
202

Aspectos biológicos. Suponhamos – com um certo grau de simplificação – que haja uma
relação, em termos médios, entre o tamanho da população da espécie de peixe (que chamaremos
de estoque de peixe, S) e o aumento líquido (ou, em caso extremo, decréscimo líquido) da
população de peixe em um dado período G(S).14 Ou seja, G(S) é igual ao nascimento de peixes,
menos a mortalidade, adicionada à saída (a emigração) de peixes da zona pesqueira, no período.

Essa relação está representada graficamente na Figura 1, relacionando o estoque de peixe


(o tamanho do cardume básico) com a variação nesse estoque. O eixo horizontal representa o
estoque de peixe (S), e o vertical a variação (o aumento ou decréscimo) na população da espécie
de peixe, G(S), por período de tempo. Observa-se que, depois do estoque S, para estoques
pequenos, o aumento da população, G(S), é reduzido. Com a ampliação do estoque, o
crescimento da população aumenta, até que o estoque atinja o nível S*, quando o incremento da
população do peixe atinge seu máximo, G(S*). A medida que a população de peixe (o cardume
básico) se expande depois de S*, a capacidade de suporte de peixe na zona pesqueira vai se
aproximando do seu limite máximo fazendo com que, quanto maior o estoque, menor o aumento
da população. E em S+ a capacidade de suporte máxima é alcançada e o nascimento é igual a
mortalidade mais a emigração; a variação líquida da população é, pois, nula.

Fig. 1 - Relação entre a população (estoque de peixe) e sua variação

Variação no estoque
(toneladas/ano)

G(S* )

G(So)

S [estoque de
* o
0 S S S peixe (ton.)]
S+

Observe-se que S+ é o nível de equilíbrio natural da população de peixe – uma população


que, na ausência de fatores externos (pesca, desastres, condições que afetem a capacidade de
suporte da zona pesqueira) persistirá indefinidamente. Suponhamos que, por acidente, houvesse
um aumento no estoque, situando-o à direita de S+; como aí a taxa de crescimento da população é
negativa, pois a disponibilidade de alimentos não permitiria uma população tão elevada, ocorreria
uma redução no cardume no sentido de S+. O contrário se verificaria no caso de queda do estoque

14
Trata-se de média de longo prazo, em que se contrabalançam fatores como flutuações climáticas, de temperatura
da água e outros fatores que podem causar mudanças – que supomos não sejam muito acentuadas – na relação básica.
203

para nível abaixo de S+; nesse caso, haveria um incremento líquido da população de peixe,
fazendo aumentar o estoque até atingir S+.

Já o estoque S representa situação de equilíbrio que poderíamos chamar de população


mínima viável. Este é um ponto de equilíbrio; mas ao contrário de S+, é um equilíbrio instável.
Bastaria ocorrer uma pequena redução de estoque para levar a população de peixe à extinção; e
um pequeno aumento de estoque em relação a S, geraria um incremento líquido da população de
peixe, fazendo S aumentar no sentido de S+.

A relação acima permite examinar as possibilidades de extração de peixe da zona


pesqueira. Denominamos captura sustentável de peixe em um dado período, aquela que, a um
determinado estoque de peixe, é igual ao incremento da população de peixe no período. Por
exemplo, ao estoque So, a captura sustentável é G(So). Isto porque enquanto permanecer a
relação da Figura 1, a captura (a pesca) de G(So) toneladas de peixe por ano deixaria inalterado
em So o estoque (o nível da população da espécie de peixe). Observe-se, também, que o máximo
que seria possível pescar em um dado ano sem reduzir a população (o estoque) seria G(S*),
correspondente ao estoque S*. Esse nível de extração é denominado captura máxima sustentável,
e S* é a população de máxima captura sustentável.

As duas próximas figuras mostram como, da relação biológica, se pode construir relação
entre o esforço de pesca e a quantidade pescada. A Figura 2 tem dois eixos horizontais: um, que
é o mesmo da Figura 1; e, outro, orientado da direita para a esquerda, com a origem (0’) no nível
de estoque de equilíbrio natural (S+). Este último eixo indica a quantidade de esforço (E)
envolvido na extração de peixe; essa quantidade aumenta, da origem (0’) em S+, no sentido de S,
indicando que quanto menor for o estoque, maior será o esforço na obtenção da correspondente
captura sustentável. Uma unidade de esforço pode ser imaginada como decorrendo de um barco
com sua tripulação, alocado na zona pesqueira ao longo do período relevante, na captura de
peixe.

Fig. 2. A captura sustentável de peixe

Captura sustentável (ton./ano)

C(SM )

C(S’)=G(S’’)

0 S S’’ SM S’ S+ S [estoque de
peixe (ton.)]
E” EM E’ 0’

É importante ter em mente que estamos falando de pesca sustentável, isto é, pesca que,
em condições normais, pode ser repetida ano após ano. Assim, partindo situação em que o
204

cardume básico de peixe esteja no seu nível de equilíbrio natural (S+), se for realizado um esforço
que retire a quantidade C(S’) de peixe em um dado ano, o estoque de peixe será mantido no nível
(0S'), permitindo pescar aproximadamente a mesma quantidade C(S’) de peixe no próximo ano. É
evidente que seria possível pescar muito mais que isso no primeiro período, mas essa abundância
inicial seria seguida de considerável redução no estoque de peixe (no cardume básico), o que
levaria a uma forte queda no volume pescado em anos seguintes. A pesca abundante não seria,
portanto, sustentável; a grande profusão inicial seria seguida por elevada escassez em períodos
subsequentes.

A Figura 3, obtida a partir da Figura 2, estabelece a relação entre o esforço e a quantidade


sustentável de peixe capturado. Na Figura 2 o esforço E’ origina o nível de pesca sustentável
C(S’); essas duas coordenadas determinam o ponto A na Figura 3. Observe-se que, tecnicamente,
esse mesmo nível de captura de peixe pode ser obtido com um esforço bem maior, E”; bastaria
aumentar a quantidade de barcos de pesca, ampliando a captura de peixe de forma a fazer o
estoque de peixes declinar até o nível S”, ao qual a pesca sustentável é C(S”) = C(S’). Na
verdade, S” e C(S”) determinam o ponto B na Figura 3. Pode parecer que o ponto B nunca será
uma opção econômica, uma vez que se pode obter a mesma quantidade de peixe com um nível de
esforço (E’), bem menor. Como veremos, entretanto, o funcionamento do mercado livre leva a
uma situação esdrúxulas desse tipo.

O nível máximo sustentável é obtido com um esforço EM, com uma captura sustentável
igual a C( SM); essas coordenadas determinam o ponto C na Figura 3. Procedendo-se de forma
semelhante a partir da Figura 2, para diferentes níveis de esforço (E), obtém-se outros pontos da
Figura 3, relacionando o esforço à captura sustentável de peixe. Note-se que a Figura 3 é uma
espécie de função de produção sustentável de peixe. Ela mostra os níveis de pesca sustentável
compatíveis com diferentes níveis de esforço n a pesca.

Figura 3. A relação esforço – produção sustentável na pesca

Quantidade pescada
(toneladas/período)

C(SM) C
C(S*)
A B
C(S’) = C(S”)
Captura sustentável

0 E’ E* EM E” Esforço na pesca (E)

A transição entre níveis de captura sustentável. Antes de discutir a questão da pesca


eficiente, é importante ressaltar que a análise comparativa de diversos pontos de captura
sustentável, apoiada nos diagramas acima, abstrai a fase de transição entre uma situação de
205

captura sustentável e a outra. Para ilustrar, suponhamos que a situação inicial de equilíbrio
estivesse estabilizada no nível de esforço 0E', com uma captura sustentável C(S') (ver Figura 3), e
que, em razão de mudanças nas condições do mercado do peixe, houvesse o desejo de ampliar a
captura sustentável para o nível C(S*), que corresponde nível 0E* de esforço. Tendo em vista o
fato de que, ao nível de extração C(S') o cardume de peixes se encontraria relativamente
adensado, o aumento inicial de esforço para assegurar a captura maior seria menor que aquele
necessário quando o cardume tiver sido reduzido ao nível que assegure a nova captura
sustentável. Ou seja, na fase de transição o esforço de pesca capturaria não só o crescimento do
cardume que asseguraria a captura sustentável, como também parte do estoque (do cardume
básico), pois este teria que ser reduzido para o nível que assegurasse a nova captura sustentável.
Com o tempo, entretanto, o estoque declinaria para esse novo nível de equilíbrio, e o esforço de
captura teria que ser o indicado pela curva, ou seja, 0E*.

Uma palavra de alerta. A discussão do parágrafo anterior parece indicar que a transição de
um nível de extração sustentável para o outro sempre se fará de forma tranqüila, numa trajetória
quase linear. Na verdade, entretanto, essa trajetória pode ser sinuosa e, em certas circunstâncias, o
novo equilíbrio pode nem mesmo ser atingido ficando, tanto o esforço como a captura, flutuando
no entorno dos novos níveis. É preciso se ter em vista que, na fase de transição, o custo da
captura se reduz abaixo do seu nível na situação de estabilidade. Como veremos, esse custo varia
diretamente com o nível de esforço, e inversamente com a magnitude do cardume de peixe.
Como na etapa de transição, inicialmente o cardume é maior que o necessário para assegurar o
novo nível de captura sustentável, o custo unitário de capturar peixes é temporariamente menor.
Isso poderia aumentar temporariamente o lucro da atividade pesqueira, atraindo mais unidades de
pesca e ampliando o esforço de pesca para um nível superior a 0E*. Mas se isso ocorrer, o
tamanho do cardume acabará sendo reduzido a um nível inferior ao necessário para assegurar a
captura C(S*), fazendo algumas unidades pesqueiras deixarem de pescar (estas se transfeririam a
outra localidade pesqueira). Como ao nível do cardume com pesca excessiva o custo de pescar se
ampliaria marcadamente, é possível que a fuga de unidades pesqueiras (barcos e pescadores)
fosse excessiva, levando o esforço para um nível inferior ao desejado, 0E*. E em tal nível,
novamente se tornaria muito lucrativo pescar, levando a um excessivo aumento de esforço, e
assim por diante.

Aqui apenas chamamos atenção para a existência da transição, e para o fato de que esta
nem sempre se faz de forma suave e tranqüila. Na verdade, no restante do capítulo nos
abstrairemos de considerar a transição de um para outro nível de extração sustentável; estaremos
supondo que esta se faz de forma instantânea e focalizaremos os impactos de mudanças de uma
situação para a outra. É, porém, possível modelar trajetórias de transição.15

2.2. A captura sustentável e eficiente de peixe

Um exame superficial do gráfico acima pode sugerir que captura máxima sustentável é o
nível de captura (de pesca) eficiente. Entretanto, isso não é verdade, pois o esforço de captura não
é gratuito. Como o esforço tem um custo, a captura eficiente terá necessariamente que ser menor
que C(SM). Definimos captura sustentável eficiente a que maximiza a diferença entre o benefício
total (a receita total) obtido com a venda do peixe capturado e o custo total do esforço de
captura. Novamente, por hipótese, o preço do peixe é dado aos pescadores e se mantém fixo; a
produção da zona pesqueira é pequena em relação ao total de peixe oferecido no mercado, de
forma que qualquer nível de oferta de seus pescadores não afetará o preço do peixe. Quanto ao
custo do esforço, fazemos a hipótese de que este é função direta do nível de esforço realizado na
pesca, e inversa do estoque de peixe. Em outras palavras, quanto maior E, mais barcos e mais
15
Para detalhes sobre a modelagem matemática da transição, ver, por exemplo, Conrad e Clark, 1987, capítulo 2.
206

gente estarão pescando e maior será o esforço de pesca; e quanto maior for S, a população de
peixe, mais fácil será a pesca, e menor será o custo total. Para simplificar, vamos supor que o
custo total (CT) da pesca seja dado pela relação:

(1) CT = a . E

onde a é igual ao custo unitário médio constante (e igual ao custo marginal) do esforço de
extração (E).

A Figura 4 mostra as curvas de custo total e de benefício total de cada nível de esforço. A
curva de custo total é obtida da equação (1), acima; a curva de benefício total é estabelecida a
partir da relação da Figura 3. Como o preço o do peixe, Pc, é constante, tomando-se a quantidade
de peixe capturada a cada nível de esforço (E) da Figura 3 e multiplicando esta por Pc, determina-
se a respectiva receita total (o benefício total). Por essa razão a curva de benefício da Figura 4
tem o mesmo formato da curva de captura da Figura 3.

Figura 4. A captura sustentável eficiente

Receita Total
Custo Total
(R$)

Equilíbrio eficiente
RTm Custo Total

RTe

a . Ee
Receita Total

Esforço
0 Ee Em Ec na pesca (E)

Como interpretar a curva de Receita Total? Usualmente se representa a receita total


associada ao produto vendido. Aqui ela é uma função do nível de esforço dedicado à pesca.
Acontece, entretanto, que dado o preço do peixe, o nível de esforço origina uma dada produção,
que é vendida, propiciando receita aos produtores. Na Figura 4, por exemplo, Ee origina uma
captura de peixe de Qe (um nível de captura C(Ee) na Figura 3, não representado); ao preço
unitário de Pc por tonelada, a Receita Total (Pc . Qe) igual a RTe. A curva de receita total nos dá,
portanto, o valor do produto total de cada unidade de esforço.

Na Figura 4, o nível de esforço eficiente (Ee), maximiza a diferença entre benefício e custo
totais. É o nível de E em que a distância vertical entre a curva de benefício e a de custo total é a
207

maior. Um exame cuidadoso das duas funções nos permite dizer que essa distância máxima é
igual ao nível de esforço estabelecido pela tangente à curva de benefício total com declividade
igual a da curva de custo total (declividade é igual a a). E a análise econômica nos ensina que a
declividade da curva de receita total é igual ao benefício marginal (ou seja, a receita da última
unidade de esforço adicionado à captura de peixe); semelhantemente, a declividade da curva de
custo marginal em cada nível de E, é o custo marginal – no presente caso, esta é constante e igual
a a. Assim, ao nível eficiente de captura de peixe a receita marginal é igual ao custo marginal; na
Figura 4 isso ocorre ao nível Ee de esforço, que corresponderia na relação da Figura 3 a um nível
(não representado) de captura C(Ee).

Observe-se que Ee não é o nível de esforço de captura sustentável máxima (Em).Um


exame da Figura 4 nos permite ver que em Em a distância vertical entre a curva de benefício e a
de custo é nitidamente menor que a correspondente ao nível eficiente Ee. Para que Em
correspondesse ao nível de captura eficiente, seria necessário que o esforço nada custasse; ou
seja, que a = 0 na equação de custo total. Como isso não é possível, o nível de captura
sustentável eficiente será necessariamente maior que zero e menor que Em.

Exercício: o que aconteceria com o captura sustentável eficiente na hipótese de haver


mudança tecnológica (por exemplo, a introdução de equipamento de sonar para localizar mais
facilmente cardumes) que reduzisse o custo unitário de captura, fazendo a nova relação de custo
ser CT’ = a’ E, onde a’ < a?

3. A captura sustentável determinada pelo mercado comparada à captura sustentável


eficiente

Definiu-se, acima, a alocação eficiente do esforço na pesca. Vamos agora examinar a


alocação de mercado livre, contrastando-a com a alocação eficiente. Para tal, suponhamos duas
situações: (1) O lago piscoso tem um dono, que o explora constituindo uma empresa de pesca;
embora venda o peixe em um mercado competitivo, a empresa é a única a pescar no lago; e (2) o
lago não tem dono e qualquer um pode pescar nele; e enquanto a atividade pesqueira no lago for
lucrativa, novos barcos serão atraídos para a pesca – por hipótese, cada barco com sua equipe se
constitui em empresa individual, e todas são iguais.

A Figura 5 permite determinar os níveis de equilíbrio no dois casos. Esta é composta de


dois gráficos interrelacionados. A parte de cima da figura reproduz o gráfico da Figura 4, com as
curvas de receita e de custo total; o gráfico de baixo representa as curvas de valor do produto
médio e de valor do produto marginal de uma unidade de esforço, este última válido apenas para
o caso do dono único (situação (1)), e a curvas de custo médio e marginal (as duas coincidem).
Os eixos horizontais dos dois gráficos são iguais, representando os diversos níveis de esforço (E).
Com isto, se pode avaliar os efeitos dos diversos níveis de esforço (E) simultaneamente nos dois
gráficos.

Começando com a situação (1), para maximizar seu lucro o dono do lago aumentaria o
seu nível de esforço – compraria barcos de pesca e contrataria pescadores como assalariados – até
atingir o ponto Ee, em que o seu custo marginal (igual ao custo médio) fosse igual ao seu valor do
produto marginal de E. Observe-se que este é o nível ótimo de captura sustentável de peixe. Esse
nível de esforço permite a geração de um lucro total igual à diferença entre a receita total [R(Ee )]
e o custo total [C(Ee)] em Ee.
208

Figura 5: Equilíbrio de livre mercado e de monopólio em área pesqueira

Receita Total
Custo Total
(R$)

Equilíbrio eficiente
RTm Custo Total

RTe

Receita Total
(Valor do Produto Total)
E

Valor do Produto Médio do ‘Esforço’

Custo Médio
(=Custo Marginal)
Valor do Produto Marginal

E
0 Ee Em Ec

Na situação (2) o lago não tem dono e é livre a entrada de empresas pesqueiras. Nesse
caso, Ee não seria mais o nível de esforço de equilíbrio. Isso porque a esse nível de esforço, o
valor do produto médio de E de cada uma das unidades (conjunto barco-pescadores) de pesca
(por hipótese, são todas iguais) seria maior que o seu custo médio; haveria, pois, um lucro acima
do normal para cada conjunto barco-pescadores,16 e novas unidades seriam induzidas a entrar no
mercado. Incentivados pelo lucro elevado, outros viriam pescar no lago, aumentando o esforço

16
Define-se lucro normal como aquele que não induz, nem a entrada de outras unidades (empresas) no mercado, e
nem provoca a saída de empresas do mercado. Se o lucro for maior que o normal, novas empresas entrarão no
mercado; se for inferior ao normal, as empresas que atuam no mercado começarão a fechar as portas e a mudar de
ramo.
209

para além de Ee. Mas a medida que isso fosse acontecendo, diminuiria a diferença entre o valor
do produto médio de E e o custo médio. E isso continua a acontecer até que essa diferença se
tornasse nula. Observe-se que, na Figura 5, isso ocorre ao nível de esforço Ec;; a esse nível de
esforço, o valor do produto médio do esforço será igual ao custo médio; a receita total (o valor do
produto total) apenas cobre o custo total e o lucro total é nulo. Mas, o que é pior, o nível de pesca
sustentável será muito maior que o ótimo, com forte redução da correspondente população de
peixe, embora o volume de peixe capturado em Ec seja igual ao obtido em Ee.

Para recursos naturais como este – que costumam ser classificados como recursos de
propriedade comum – o funcionamento do mercado livre e competitivo não conduz ao equilíbrio
de ótimo. O mercado livre introduz, ao invés, dois tipos de problemas: (1) Problemas de alocação
excessiva de recursos à pesca – muitos barcos e pescadores são induzidos a pescar, um esforço
excessivo é despendido (recorde-se que com muito menos esforço, em Ee, a sociedade pode obter
a mesma oferta de peixe); em conseqüência, é reduzido o retorno obtido por cada pescador. E,
(2) A pesca excessiva provoca redução muito forte no estoque de peixe (na sua população),
tornando a espécie de peixe vulnerável a flutuações climáticas ou a doenças, que provoquem
quedas na capacidade de suporte de cada nível de estoque. Na verdade, com a acentuada depleção
do estoque da solução competitiva aumentam, não só os riscos ecológicos, como os riscos de se
tornar inviável economicamente a atividade pesqueira. Problemas desse tipo vêm afetando a
pesca oceânica, com significativos impactos sobre a sustentabilidade – tanto ambiental como
econômica – da atividade pesqueira em várias partes do mundo. O livre acesso resulta em
exploração excessiva do recurso natural. O monopólio, por sua vez, não só levaria a uma
alocação ótima de recursos na atividade pesqueira, como conservaria o estoque básico da
atividade – o cardume do peixe.

Na verdade, o que ocorre é que o preço sombra (o custo de oportunidade) do estoque de


peixe não é computado no caso da solução da livre concorrência mas o é no caso do monopólio.
No primeiro caso ninguém é dono do lago piscoso e, portanto, ninguém captura a renda (o preço
sombra) do recurso pesqueiro. No caso do dono único, este procura justamente capturar essa
renda, o que faz maximizando o seu lucro.

4. Políticas visando a sustentabilidade da atividade pesqueira

A discussão acima não deve, entretanto, ser interpretada como uma apologia ao monopólio.
Vimos que este pode conduzir à solução eficiente; entretanto, a mesma coisa pode ser conseguida
sem dar a uma empresa ou grupo o lucro extraordinário associado ao nível ótimo de atividade
pesqueira. São as seguintes algumas alternativas:

A de um monopólio público. O governo encamparia a zona pesqueira, com seus barcos e


equipamentos (redes, armadilhas, radares, etc.), e criaria empresa estatal que funcionaria como
monopólio. O lucro extraordinário seria do governo. Argumentos ideológicos fariam com que
essa solução fosse vista de forma favorável por alguns, mas certamente receberia críticas de
outros. E há duvidas de que a produção seria organizada de forma eficiente em um arranjo desses.
Haveria o risco do favorecimento político e de empreguismo.

O uso de instrumentos de comando e controle. Consiste em criar regras e obstáculos à


atividade pesqueira, levando aos pescadores a reduzir o nível de captura até o ótimo. Isso poderia
ser feito, por exemplo, mediante a proibição do uso de certos tipos de equipamento ou
instrumentos de captura, por proibição da pesca nas zonas mais piscosas, ou por acentuada
redução do período de captura – os meses do ano em que é permitido pescar. A experiência
prática da aplicação desse tipo de regras mostra que as mesmas não só geram ineficiências, como
210

levam aos pescadores a adotar medidas defensivas, para contornar as restrições. Em face a uma
norma reduzindo o período de captura, por exemplo, os pescadores poderiam substituir o
equipamento de pesca (barcos, etc.) por unidades mais poderosas e melhor equipadas que os
permitisse intensificar a captura no período mais curto.

Além disso, regulamentos procurando reduzir por decreto o nível de esforço (leia-se o
número de unidades pesqueiras), tendem a provocar impactos distributivos negativos. Se, por
exemplo, o governo fosse bem sucedido em limitar por decreto o esforço (o número de unidades)
ao nível de eficiência Ee (ver Figura 6, abaixo), cada unidade que permanecesse produzindo teria
um lucro extraordinário muito substancial. E as unidades de esforço deslocadas pelo regulamento
– as que não receberiam licença para operar – seriam desativadas; os proprietários dos barcos que
perdessem a licença para operar (correspondentes a Ee Ec na Figura 6) teriam que mudar de ramo
e seus trabalhadores perderiam seus empregos. Os incluídos no esquema seriam altamente
beneficiados; os demais amargariam dificuldades, o que não parece justo.

Solução via tributação. Uma maneira óbvia de levar a atividade pesqueira para o nível de
captura eficiente seria mediante a aplicação de um imposto por unidade de esforço (barco,
equipamento auxiliar, pescadores), de tal forma a fazer com que o nível de esforço se ajustasse ao
requerido pela eficiência. Esse imposto unitário, que denominamos tp, aumentaria o custo de uma
unidade de esforço de a, para (a + tp), de forma a fazer o nível de esforço corresponder a Ee – o
nível eficiente; e isso sem eliminar os mecanismos de mercado competitivo. Ou seja, com o
imposto a curva de custo total do esforço na pesca sofreria uma rotação da posição CT = [a . E],
para a posição CT’ = [(a + tp). E] na Figura 6, resultando em um nível de esforço na extração Ee
– o nível ótimo.

Figura 6: O imposto eficiente

Receita Total
Custo Total
(R$)

CT’ = [(a + tp) . E]

CT = [a . E]

RTe

Z
Receita Total

E
0 Ee Ec

Começando do nível de equilíbrio competitivo, teríamos situação de esforço excessivo Ec.


Com a introdução do imposto, todas as unidades passariam a ter custos (custo de operação mais
imposto) bem mais elevados que a receita. Algumas unidades (alguns donos de barcos
211

pesqueiros) decidiriam logo sair do mercado; outros resistiriam um pouco mais mas acabariam
saindo, e ainda outros se disporiam a ficar mais tempo, a espera de melhora da situação. A
medida que algumas unidades fossem deixando de operar, entretanto, haveria redução no esforço
de captura de peixe fazendo, pelo menos até certo ponto, a produção aumentar – de acordo com
descrito pelo modelo biológico. Diminuiria a pesca excessiva e o estoque biológico – o cardume
de peixe – aumentaria, permitindo uma captura cada vez maior por unidade de esforço e
diminuindo o prejuízo dos pescadores. Mas o prejuízo continuaria a existir enquanto o esforço
não atingisse o nível 0Ee. Só então a receita seria suficiente para cobrir os custos mais o imposto.
Ao nível de esforço de captura 0Ee, da Figura 6, a receita total seria 0RTe, o custo (conjunto) de
operação das unidades pesqueiras seria 0Z, e a receita total do governo com o imposto
corresponderia a Z RTe. Note-se que RTe = 0Z + Z RTe.

Quanto à magnitude de tp, a teoria nos ensina que, para conduzir à extração (pesca) eficiente,
o tributo por unidade de esforço deve ser igual ao preço sombra do recurso pesqueiro ao nível de
estoque que corresponde ao esforço Ee.

Com a solução do imposto, os problemas distributivos, discutidos no item anterior, poderiam


ser amenizados. Isso aconteceria se o governo usasse a receita do imposto – que, no caso descrito
pela Figura 6 é substancial – para retreinar os pescadores deslocados e para desenvolver
programas de realocação dos empresários (dos proprietários de barcos) que decidiram abandonar
a atividade pesqueira em face aos custos mais elevados.

Tecnicamente, portanto, a alternativa do imposto é uma forma atraente de se atingir a


eficiência alocativa. Entretanto, trata-se de alternativa politicamente difícil de ser implementada.
A resistência das empresas pesqueiras à mesma geraria forte mobilização política, criando
obstáculos à aprovação de legislação introduzindo o imposto. E, mesmo se o imposto fosse
aprovado, é provável que a constatação da gorda fatia levada pelo governo no nível de atividade
eficiente geraria forte pressão para reduzir a alíquota do imposto. Ademais, a destinação (o uso)
da receita gerada também seria objeto de disputa e pressão. Por essa razão, não se encontram
muitos exemplos concretos do emprego dessa alternativa.

O sistema de quotas individuais transacionáveis. Uma alternativa que poderia amenizar


algumas das objeções atrás seria a do estabelecimento de uma quota – que teria que ser
determinada com cuidado para corresponder ao nível eficiente de captura de peixe – a ser
distribuída aos proprietários de barcos (de unidades de esforço). São as seguintes as
características básicas do sistema:

• A quota seria dividida em certificados de direito a pescar. Cada certificado permitiria ao


proprietário pescar uma certa quantidade do peixe, com certas características de peso e tamanho,
em dado período do ano (não seria permitida a pesca de peixes muito pequenos; e nem a
atividade pesqueira na época da procriação).

• O número total de certificados corresponderia ao nível de captura eficiente de peixe (o


correspondente ao esforço Ee nos gráficos acima).

• Os certificados seriam distribuídos aos donos de barcos em proporção, digamos, ao


histórico de pesca de cada um.

• Os certificados seriam livremente transferíveis. Haveria um mercado para esses


certificados. Supomos que o número de empresários pescadores seja suficientemente grande para
que esse mercado opere em regime de concorrência perfeita.
212

• A implantação do sistema deveria ser precedida de um período de forte restrição da pesca,


visando possibilitar a regeneração do estoque (do cardume básico).

Uma vez implantada essa alternativa, um empresário-pescador teria duas opções: a do uso
do direito de pescar possibilitado pelos seus certificados; e a da venda ou compra de certificados
no mercado. Se for arrojado, e se o seu custo de captura for baixo, o empresário-pescador
demandará certificados no mercado para expandir sua produção. Se for tímido, conservador, e se
seus custos de operação forem relativamente altos, o empresário-pescador venderia certificados.
O importante a ressaltar é que, com o sistema de certificados, o direito de pescar deixaria de ser
um bem livre; os certificados são ativos que têm um preço, que reflete o benefício (o lucro) que o
proprietário pode gerar da atividade da pesca. Assim, se o sistema for bem desenhado, o custo de
oportunidade do certificado acabará sendo embutido nos cálculos dos empresários-pescadores, e
o efeito final será igual ao da introdução imposto. O esforço na pesca seria reduzido para o nível
eficiente, ao qual a receita total seria igual ao custo total – inclusive o custo dos certificados.
Muitos empresários-pescadores deixariam o mercado, vendendo seus certificados, e investiriam
em outras linhas de atuação. Permaneceriam apenas os necessários para a captura de equilíbrio
eficiente.

A diferença em relação ao caso do imposto é que os ganhos da redução do esforço para o


nível eficiente (0Ee) seriam do setor pesqueiro. Com isso, diminuiriam muito as objeções à
implantação do sistema. O impacto distributivo também não seria tão forte – mesmo os que
deixam o mercado recebem inicialmente certificados, que podem vender. Note-se, entretanto, que
para empresários que desejem entrar no ramo de pesca, seria reduzida a diferença entre o sistema
de quotas e o anterior, apoiado no imposto por unidade de esforço.

O sistema precisaria ser concebido com muito cuidado. Por exemplo, o certificado deve se
referir a uma quantidade de peixe a ser pescada e não, por exemplo, a uma unidade de esforço
(um barco pesqueiro). A experiência internacional mostra que certificados permitindo a atuação
de barcos pesqueiros são eficazes em limitar o número de barcos mas, pelo menos a médio prazo,
não conseguem reduzir a quantidade pescada. Isso porque os ganhos potenciais da pesca levariam
os empresários-pescadores a aumentar o tamanho dos barcos, a adquirir equipamento que o
permitisse a intensificação da captura de peixe, e a pescar mais tempo. Assim, o sistema de
quotas de barcos acaba reduzindo o número de barcos pescando mas não a quantidade de peixe
capturada. Para atingir o nível eficiente, o que se precisa reduzir é captura de peixe para o nível
ótimo.

5. Comentário final

No caso de recursos naturais condicionalmente renováveis – recursos que se reproduzem,


mas aos quais há acesso irrestrito, a solução de mercado livre não conduz à eficiência econômica.
Pelo contrário, o livre mercado tenderá a induzir a super-exploração do recurso. Se os custos de
extração do recurso reproduzível forem elevados, isso limitará a extração; mas no caso da
extração a baixo custo – o que tende a ocorrer na atividade pesqueira – o livre mercado pode criar
condições favoráveis a uma severa depleção, ou mesmo à extinção da base do recurso. Nesse
caso se justificam intervenções, com a introdução de medidas que restrinjam a atividade de
extração. O paradigma da eficiência econômica pode ser útil na orientação de tais intervenções.
III. 4. PRINCIPAIS APLICAÇÕES DA ECONOMIA
AMBIENTAL NEOCLÁSSICA

Capítulo 18. A Valoração de Custos e de Benefícios Ambientais

1. Introdução

Este capítulo esboça o emprego de instrumentos apoiados na análise neoclássica, para a


determinação do valor monetário de aspectos do meio-ambiente natural, e de mudanças
ocorridas neste, ocasionadas pelo funcionamento do sistema econômico. A economia ambiental
neoclássica vem desenvolvendo técnicas de valoração cada vez mais sofisticadas para medir
esses elementos, e suas aplicações têm sido cada vez mais amplas. A razão para esse afã de
converter custos e benefícios ambientais em valores monetários está na necessidade de ter
formas de medição uniformes de uma gama variada de aspectos e situações heterogêneos. Usa-
se, assim, a moeda como fator de agregação.

Seguem-se alguns dos exemplos do emprego, em casos concretos, da valoração de


impactos ambientais decorrentes de processos econômicos:

• Na análise de projetos. Cada vez mais, vem se exigindo que a análise da viabilidade
econômica tome em conta, em adição aos custos e benefícios econômicos e sociais, os impactos
ambientais dos projetos ou políticas avaliados.

• A introdução de procedimentos para corrigir os agregados do Sistema de Contas


Nacionais (SCN). O SCN convencional considera a economia um sistema isolado, ignorando,
assim, os impactos de seu funcionamento sobre o meio-ambiente. Entretanto, está-se fazendo um
esforço para mudar esse estado de coisas, com o desenvolvimento de formas explícitas de
considerar os impactos ambientais do funcionamento do sistema econômico (ver adiante). Os
países que implementarem o novo sistema terão que empregar uma variedade de metodologias e
técnicas para atribuir valores monetários a custos ou benefícios de mudanças na qualidade do
meio-ambiente, causados pelo funcionamento do sistema econômico.

• O crescimento recente da economia mundial vem sendo acompanhado de impactos


ambientais inesperados, que podem variar, de acidentes localizados até grandes catástrofes
ambientais. E, cada vez mais, o sistema judiciário vem sendo acionado para atribuir reparos e
indenizações em face a esses impactos. E, em casos de condenação, o judiciário precisa
estabelecer em bases técnicas os valores desses reparos e indenizações. Para tal, é importante
que haja como determinar, pelo menos de forma aproximada, o valor monetário dos danos e
prejuízos ambientais, o que exige o emprego de técnicas de valoração.

Os não iniciados podem ter as seguintes dúvidas em face às afirmações acima. Por
exemplo:

Por que incluímos as técnicas de valoração no rol das aplicações da economia


neoclássica?
214

Dado que uma grande parcela dos bens e serviços ambientais não é transacionada em
mercados, por que a obsessão de medir em termos monetários os impactos ambientais de
processos econômicos?

Respondendo à primeira dúvida, um exame das metodologias já desenvolvidas não deixa


dúvida que as técnicas de valoração econômica do meio-ambiente se apoiam em instrumentos da
análise neoclássica. Dentre estes se incluem: o conceito dos excedentes do consumidor e do
produtor; o conceito de custo de oportunidade; a noção de disposição a pagar e de disposição a
receber, entre muitos outros. Além disso, implícita nas metodologias de valoração está a noção
de eficiência econômica das teorias de equilíbrio geral e de bem estar social neoclássicas.

Já a insistência de medir os impactos ambientais em termos monetários se apoia,


primordialmente em motivos de ordem prática – o judiciário e as companhias de seguro precisam
de valores monetários para atribuir compensações e indenizações. Mas têm a ver, também, com
a postura antropocêntrica da economia ambiental neoclássica, combinada à hipótese ambiental
tênue que prevalece nessa escola de pensamento.

Explicando melhor, na valoração de impactos sobre o meio-ambiente de processos


econômicos, supõe-se que, de alguma maneira, estes afetam o bem-estar (a utilidade) dos
indivíduos em sociedade, e que a determinação de valores monetários para esses impactos
objetiva a geração de indicadores — reconhecidamente imperfeitos, mas que são usados por falta
de alternativa melhor – das mudanças de bem-estar social ocasionadas por tais impactos.

Essa visão do papel da valoração pressupõe que o meio-ambiente seja neutro, benigno, e
que o principal resultado de intervenções humanas sobre este é o de gerar produtos e serviços
visando ampliar o bem-estar (a utilidade) dos indivíduos em sociedade. Reconhece-se,
entretanto, que essas intervenções também produzem efeitos em termos de desconforto, de mal-
estar, causados pela degradação ambiental. Acontece que, como boa parte dessa degradação se
manifesta na forma de externalidades – em que os agentes que geram a degradação impõem
danos e custos sobre a sociedade como um todo –, as transações habituais dos mercados da
economia tendem a não incluir esses custos; eles são disseminados por toda a sociedade. Assim,
via de regra, não se observam preços e outros valores diretamente associados à degradação. Por
isso, a análise neoclássica vem motivando o desenvolvimento e o emprego de métodos para
estimar em termos monetários esses custos e danos. E, por motivos semelhantes, é igualmente
importante que se achem formas de determinar, também em termos monetários, os efeitos de
medidas e ações que objetivem reduzir a degradação ambiental causada pelo funcionamento do
sistema econômico.

Em suma, para a economia ambiental neoclássica, por si sós a natureza, o meio-ambiente


nada valem; eles têm importância apenas se exercerem impactos, em termos de utilidade, de
bem-estar, sobre os indivíduos em sociedade. E são esses impactos que se procura mensurar em
termos monetários.

Este capítulo apresenta, de forma resumida, alguns exemplos de metodologias


desenvolvidas para a valoração econômica de impactos ambientais. Trata-se de assunto extenso,
que será tratado em algum detalhe em outras partes deste manual. Entretanto, uma avaliação da
economia ambiental neoclássica não pode deixar de examinar uma das suas mais importantes
aplicações.

2. As técnicas de valoração
215

Na valoração de custos e benefícios ambientais decorrentes do processo econômico, o


procedimento usual é, sempre que possível, empregar preços de mercado. Mas, em muitos casos,
benefícios ou danos ambientais têm a natureza de bem (ou ‘mal’) público e não existem preços
associados a estes. Por esta razão vêm sendo desenvolvidas técnicas para a estimação do valor
desses danos ou benefício, com o emprego de vários artifícios. Há uma extensa literatura sobre o
assunto e muitos exemplos de aplicação das técnicas.1

Há muitas formas de classificar as técnicas de mensuração. De uma forma muito geral,


agrupamos as técnicas de valoração econômica de benefícios e custos ambientais nas seguintes
categorias: 1. técnicas que se valem diretamente de preços e valores de mercado, ou que se
apoiam nas mudanças de produtividade causadas pela alteração ambiental; 2. Métodos de
mercados substitutos (métodos indiretos de valoração); e 3. A valoração direta por métodos de
mercados construídos. No que se segue, apresentamos um rápido esboço de aplicações dessas
técnicas.

2.1. Técnicas que se valem diretamente de preços e valores de mercado, ou que se


apoiam nas mudanças de produtividade causadas pela alteração ambiental.

Não temos a pretensão de fazer um levantamento abrangente dessas categorias de


técnicas. O que pretendemos, ao invés, queremos é dar alguns exemplos das mesmas. Alguns dos
principais métodos de valoração desta categoria são:

• O método do custo de oportunidade.

Esse método tem sido usado para estimar o benefício de certas destinações de recursos
naturais -- como, por exemplo, áreas de elevada concentração de biodiversidade, ou áreas de
importância histórica, estética e cultural. Em poucas palavras, a técnica emprega preços de
mercado para estimar o valor do emprego de um recursos de uma dada maneira, pelo exame do
valor de formas alternativas de uso. Por exemplo, o custo de preservar uma área de floresta
nativa, transformando-a em um parque ou uma floresta nacional, seria determinado pelo valor
presente dos benefícios futuros de que abriria mão ao se preservar a floresta. Esse benefício
poderia decorrer da extração da madeira e do subsequente cultivo da área, ou do seu uso em
formas de manejo sustentável da floresta.

• O método da mudança de produtividade

Para este método, o meio-ambiente é um recurso produtivo que pode experimentar


redução de produtividade em face a manejos incorretos. Ou seja, tais manejos produzem
mudanças na produtividade do meio-ambiente, acarretando aumentos de custos e redução de
lucro. Em poucas palavras, o método requer a estimativa dos impactos físicos da exploração
econômica de recurso ambiental ao longo do tempo e em empregar preços de mercado para
determinar os impactos econômicos dessa exploração.

Suponhamos, por exemplo, que um extenso e indiscriminado desmatamento em partes de


uma dada bacia hidrográfica, alterando o regime hidrológico de área agrícola a jusante, provoque
uma crescente redução da sua produtividade. Assim, o custo desse desmatamento indiscriminado
pode ser medido em termos do valor presente da perda de produção que tal uso provocaria.

1
Para exemplos, ver Freeman III, 1993. Ver, também, Nogueira, et al., 1998.
216

Trata-se de técnica de fácil compreensão e que tem sido amplamente usada em casos em
que se pode isolar claramente os impactos de uma forma de agressão ao meio-ambiente sobre a
produtividade de uma dada atividade econômica. Entretanto, nem sempre isso é possível;
ademais, é preciso ver se não há outros impactos que precisam ser avaliados.

• O método do capital humano.

Trata-se de abordagem apoiada na teoria do capital humano. Vamos imaginar que a


implantação de um projeto envolva um tipo de degradação ambiental que impacte uma área
habitada, afetando a saúde da sua população e, de forma particular, reduzindo a probabilidade de
sobrevivência das pessoas em um futuro mais extenso. Para essa técnica de valoração cada
indivíduo da área afetada é um item de capital humano, que apresenta um determinado perfil
temporal de retornos durante sua vida útil (um fluxo de rendimentos esperados), Yt, e um dado
perfil de probabilidades de sobrevivência, Pt (a probabilidade do indivíduo sobreviver em cada
ano no futuro).

Vamos considerar o caso do indivíduo 1, com um perfil de renda Yt1 e com um perfil de
probabilidades de sobrevivência Pt*: tendo como momento inicial o ano T, é possível calcular o
"valor presente" desse indivíduo, L1T, com a aplicação da seguinte fórmula:2

T'
L1T = Σ Yt1 . Pt* / (1 + r) (t - T),
T

onde T' é um momento do tempo o suficientemente distante no futuro, e r é a taxa de desconto


aplicada (presumivelmente a taxa social de retorno).

Uma fórmula com essas características pode ser aplicada para o conjunto dos indivíduos
da área em consideração. Partindo de estratos da população da área, se existirem dados de censos
demográficos ou de pesquisas por amostras domiciliares que permitam calcular o perfil de
probabilidades de sobrevivência de cada grupos estabelecido na estratificação, bem como para
construir perfis temporais de rendimento dos componentes de cada estrato, será possível calcular
o valor presente dos indivíduos de cada estrato e o valor presente total do "estoque" de capital
humano, do ano inicial T até um ponto distante no futuro T'.

Suponhamos que tenha sido estimado o valor do capital humano da área no momento da
implantação do projeto, mas sem considerar o impacto produzido pela degradação ambiental
gerada por seu funcionamento; e que em seguida se calcule o valor do capital humano após a
implementação e computando os efeitos da degradação em termos da redução da probabilidade
de sobrevivência. Com isso, o valor presente do capital humano sofreria uma redução. A
diferença entre esse dois valores pode, assim, ser considerado um dos custos ambientais da
implantação do projeto. A este se poderiam acrescentar outros custos como o do aumento de
gastos médicos e o das perdas de dias de trabalho, causados pela degradação ambiental gerada
pelo projeto. Pode-se, também, tentar estimar o valor de custos psíquicos (como os decorrentes
do sofrimento dos afetados pela degradação, do pesar dos seus familiares em casos de
falecimento prematuro).

Este é, evidentemente, um exemplo simplificado de aplicação do método do capital


humano. Sua aplicação em casos concretos tende a ser bem mais complicada. Ademais, trata-se
de metodologia controvertida. No fundo, o que a mesma faz é tratar os indivíduos como se
2
Para uma aplicação desse tipo de fórmula em um estudo de caso brasileiro, ver Seroa da Motta et al., 1994.
217

fossem máquinas, bens de capital, com vidas úteis e com características de produtividade
específicas. Em essência, o que a teoria diz é que L1T no exemplo acima é o valor da vida do
indivíduo 1; não é de estranhar que surjam objeções éticas ao emprego dessa técnica de
valoração.

• O método do custo de restauração

O cálculo de quanto custaria a restauração das condições do meio-ambiente no caso da


implementação de projeto pode ser um indicador aceitável do custo ambiental de sua
implementação. Por exemplo, um projeto pode significar o despejo de um grande volume de
poluentes em um rio. O custo ambiental desse impacto negativo do projeto seria dado pelo valor
que seria necessário despender para limpar a água. Na verdade, um projeto destes já deveria ser
implementado com formas de evitar a deposição de poluentes no rio. Entretanto, podem ocorrer
acidentes (derramamentos, acidentais ou não de dejetos); nesse caso, a multa a ser cobrada da
empresa que administra o projeto deveria, no mínimo, contemplar o custo de limpeza e
restauração das condições do rio após o acidente. É bom lembrar que o rio não está aí para ser
depósito de poluição industrial (ou de outra espécie), e que a multa deve ser um elemento para
desencorajar o comportamento destrutivo de indivíduos e empresas.

Um outro exemplo de uso dessa técnica seria o de uma nova fábrica que lançasse à
atmosfera SO2, causando a formação de chuva ácida. O valor econômico dessa forma de
degradação ambiental poderia ser calculado em termos do custo de restauração dos danos
patrimoniais causados pela chuva ácida (danos sobre prédios afetados, sobre florestas
degradadas, entre muitos outros.

2.2. Métodos de mercados substitutos (métodos indiretos de valoração).

Em certos casos é possível valorar alterações do meio-ambiente com base nas mudanças
que estas provocam no valor de bens complementares ou substitutos com preços estabelecidos
em mercados. A hipótese básica por detrás de seu uso é a de que o comportamento dos agentes
econômicos pode revelar o valor implícito de aspectos do meio-ambiente. Assim, em alguns
casos, uma decomposição de preços em termos de elementos que afetam a sua determinação
pode servir de base para a atribuição de valores monetários a atributos do meio-ambiente que,
em si, não são transacionados em mercados.

Existem duas categorias básicas desse tipo de técnicas: a dos métodos de preços
hedônicos, e a dos métodos dos custos de viagem.

• Exemplos da aplicação de métodos de preços hedônicos

Técnicas de preços hedônicos têm sido usadas para isolar as contribuições que a
qualidade do meio-ambiente trazem para o valor de um ativo ou um recurso. Elas partem do
suposto de que o valor total de um item de patrimônio ou de um recurso é função de um conjunto
de características destes, das quais uma delas está nas condições do meio-ambiente. Cumpre,
pois, empregar técnicas estatísticas para determinar qual a contribuição destas.

O método do preço de propriedade. Um exemplo de uso dessa técnica de valoração é a


da determinação da contribuição das condições do meio-ambiente para o preço de residências.
Suponhamos que existam informações, tanto sobre o preço de residências, como sobre suas
características, como o número de cômodos, a capacidade da garagem, a qualidade dos materiais
usados, e outros aspectos de sua construção, o estado de conservação, o tipo de vizinhança, a
218

proximidade ou distância de locais de trabalho, compras, lazer e recreação e, de forma especial,


sobre condições do meio ambiente (a qualidade do ar, as condições gerais do meio-ambiente na
zona onde a casa está construída). Se essas informações forem disponíveis para um número
elevado de residências, podem ser empregadas técnicas estatísticas para isolar a contribuição de
condições do meio-ambiente sobre o preço da residência, mantidas constantes as demais
características.

Suponhamos que isso seja feito, que os resultados sejam significantes e que os sinais
sejam os esperados. Nesse caso, a diferença de preços entre duas casas idênticas em tudo menos
nas condições do meio-ambiente pode ser atribuída a estas últimas. Essa diferença revela a
valoração atribuída pelo mercado de residências à qualidade do meio-ambiente.

Com estudos estatísticos desse tipo, o custo ambiental de um projeto que modifique para
pior a qualidade do meio-ambiente em um bairro residencial, por exemplo, pode ser estabelecido
com base em seus resultados.

O método do diferencial de salários. De forma semelhante, em uma economia onde os


salários são determinados livremente pelas forças de mercado e em que haja plena mobilidade da
mão-de-obra, pode-se correlacionar os salários pagos a diferentes atributos do trabalhador, do
local de trabalho, às vantagens não salariais oferecidas pela empresa, às condições de transporte
e de acesso à moradia dos trabalhadores, entre outras coisas, e, de forma especial, à qualidade do
meio-ambiente nos locais de trabalho. Havendo um número elevado de observações desse tipo,
outra vez, técnicas estatísticas podem ser empregadas para tentar determinar o papel das
condições do meio-ambiente nas diferenças de salários de trabalhadores com uma mesma
característica e que, no restante, enfrentem mesmas condições.

Nessas condições, é de se esperar que um trabalhador aceite um salário menor por um


emprego que ofereça qualidade ambiental sensivelmente melhor do que outro. Com a redução de
salário o trabalhador estará revelando sua disposição a pagar por um meio-ambiente mais limpo.

O problema com tais técnicas de valoração é que elas pressupõem um mundo idealizado,
de mercados funcionando em regime de livre concorrência perfeita e sem maiores atritos. Assim,
uma pessoa pode comprar ou vender uma residência sem dificuldades e impedimentos
burocráticos, o trabalhador pode escolher livre e facilmente entre diferentes empregos, não há
muito desemprego, todos têm informações perfeitas e nada distorce as escolhas, que são feitas
apenas com base nas preferências dos agentes econômicos. E, em nível prático, a dificuldade é
que as técnicas requerem quantidades muito elevadas de dados e informações, muitas das quais
não são fáceis de serem obtidas. E há problemas de qualidade dos dados que podem ser obtidos.

• O método dos custos de viagem.

Esse método, desenvolvido para valorar locais de recreação, como parques e lagos ou
rios piscosos, centra-se nas despesas incorridas por indivíduos ou famílias para chegar nesse
locais desde suas zonas de moradia. A hipótese é que o custo de transporte, adicionado à despesa
com o ingresso à área de recreação (se for cobrado) e ao custo de oportunidade do tempo dos
viajantes, reflete a sua disposição a pagar pelo usufruto do local de recreação.

Supondo um local de recreação específico, mediante o levantamento desses custos para


habitantes de zonas situadas a distâncias diferentes e o número de viagens que os que moram em
cada zona realizam em um dado período de tempo, é possível estimar uma curva de demanda
para os serviços recreacionais do local focalizado. E a área debaixo da curva de demanda para
219

um determinado número de visitas dos habitantes de uma dada zona estabelece o respectivo
excedente do consumidor. E calculando o excedente do consumidor para as visistas dos
habitantes de cada zona se pode obter o excedente do consumidor total, que refletiria o valor
atribuído pelos agentes econômicos às condições do meio-ambiente do local de recreação.

2.3. Métodos diretos de valoração.

São os métodos de valoração contingente, que tanto evoluíram recentemente. Mediante


sua aplicação se procura estimar a valoração de condições do meio-ambiente simplesmente
perguntando às pessoas qual a sua disposição a pagar para a manutenção ou melhoria de uma
dada condição do meio-ambiente apreciada, ou a sua disposição a receber pagamento
(indenização) pela perda do usufruto de uma dada condição ambiental a que tem direito.
Evidentemente, não basta perguntar de forma simplória. É necessário que se empreguem
enquetes bem estruturadas, jogos de lances, ou então técnicas de Delfi a painéis de entendidos.
Com essas técnicas, procura-se estabelecer o valor que comunidades atribuem a bens ou
atributos ambientais.

Via de regra, nas técnicas via enquetes, os questionários tentam simular um mercado
hipotético (contingente) de um dado atributo ambiental; se procura fazer com que indivíduos da
amostra da população entrevistada revelem sua indiferença entre quantias de dinheiro e a
disponibilidade do atributo. Com isso, a média das quantias, estabelecidas na aplicação dos
questionários, em que há indiferença entre somas de dinheiro e a manutenção do atributo pode
ser agregada e a amostra expandida para toda a população relevante, completando a estimativa
de sua disposição a pagar pelo atributo.

O processo pode parecer simples, mas aplicações concretas geralmente exigem grandes
doses de imaginação criadora, tanto na determinação do que e de como perguntar aos
entrevistados, como em desenvolver questões que os induzam realmente a revelar suas
preferências em relação a atributos do meio-ambiente.

Esse método de valoração vem crescendo muito e, nos países desenvolvidos, existem
muitas instituições e empresas especializadas na sua aplicação a uma variedade de situações. A
vantagem do método é que ele não exige uma enorme quantidade de dados e informações e que,
embora o preparo e a aplicação de questionários seja trabalhosa e exija muita habilidade, as
estimativas se apoiam em técnicas estatísticas bastante simples. Mas também há críticas ao
método.3

3
Conforme se pode ver em Mitchell e Carson, 1989.
220

Capítulo 19. A Análise Custo-Benefício e o Meio-Ambiente

1. Introdução

A análise custo-benefício (ACB) é técnica de avaliação de projetos cujo emprego é


particularmente relevante sempre que partes importantes dos custos e dos benefícios de sua
implementação não podem ser adequadamente traduzidas por preços de mercado, ou quando
partes importantes de seus impactos envolvem elementos não transacionados em mercados, e
que, portanto, não têm preços de mercado. Nessas circunstâncias os mercados deixam de
considerar adequadamente os fluxos de custos e benefícios relevantes e torna-se necessário o
emprego de métodos especiais de avaliação. A idéia é que todo o projeto e toda a política têm
aspectos positivos e negativos, e que é necessário estabelecer se os primeiros excedem ou não os
segundos. Para tal, necessita-se de da valoração monetária de todos aspectos relevantes, sejam
estes refletidos por preços de mercado ou não.

Trata-se de técnica firmemente apoiada na economia do bem-estar neoclássica, e


particularmente, no critério de eficiência de Pareto. Com ela se objetiva selecionar projetos e
políticas eficientes do ponto de vista econômico, ou seja, que tenham impactos significantes
sobre o bem-estar social. Sua raiz é, pois, fortemente utilitária.

A técnica começou a ser empregada nos Estados Unidos no início da década de 1950
para avaliar projetos de irrigação e de controle de enchentes, acabou sendo amplamente
disseminada como técnica de avaliação de projetos Inicialmente a ACB só considerava os custos
e os benefícios econômicos diretos associados ao projeto. Depois, porém, foram-se agregando
custos indiretos, inclusive sociais; mais recentemente, também se incluíram certos custos e
benefícios ambientais.

Este capítulo faz uma breve avaliação da metodologia de decisão apoiada na ACB, dando
ênfase à recente tendência de considerar custos e benefícios ambientais.

2. Um esboço da metodologia

2.1. Principais etapas na avaliação de um projeto

Em grandes linhas, a avaliação de um projeto com base na análise custo-benefício


geralmente envolve as seguintes etapas:

• A definição clara do projeto, da sua abrangência espacial, e da população atingida. Esta


não é uma etapa trivial, especialmente em se tratando de projetos grandes ou de políticas de
largo impacto. Qual a área de abrangência de uma grande usina hidroelétrica? E qual a
população atingida? Deve esta incluir apenas a atual geração ou também gerações futuras?

• Determinação dos impactos do projeto sobre: os usos de fatores de produção e o


consumo de materiais; sobre o emprego, considerando não apenas os impactos diretos como
indiretos; em termos de benefícios e deslocamentos sociais que se espera que a implementação
do projeto ocasione; e, de forma especial, dos impactos ambientais, tanto da fase da construção
como da operação do projeto.
221

• Estabelecimento do perfil temporal do projeto, isto é, de seu cronograma de construção,


e da evolução esperada da operação durante toda a sua vida útil.

• Avaliação dos riscos e do grau de incerteza associados a cada impacto.

• Estimativas em termos monetários de todos os impactos considerados. Geralmente se


faz um grande esforço para converter todos os custos e benefícios, diretos, indiretos, sociais e,
evidentemente, ambientais, em termos monetários. A necessidade dessa conversão geralmente é
justificada em termos de sua conveniência; primeiramente porque valores monetários,
especialmente se obtidos a partir de preços de mercado não distorcidos e de preços sombra,
refletem a escassez; e, depois, porque a conversão possibilita a agregação de custos e de
benefícios, possibilitando a avaliação da eficiência econômica do projeto.

O emprego de preços sombra é recomendado sempre que os preços de mercado de


fatores, insumos ou produtos se apresentam distorcidos, seja pelo funcionamento de mercados
imperfeitos, seja por intervenções governamentais ou por externalidades. No extremo isso pode
significar a necessidade de estimar os preços sombra de quase tudo. Entretanto, geralmente só se
faz isso para preços que, reconhecidamente, são fortemente distorcidos.

Quando não se observam preços em mercados para elementos dos benefícios e dos
custos, há metodologias para atribuir valores monetários a estes. Vimos que já existe um
conjunto extenso e sofisticado de metodologia para efetuar estimativas desse tipo para impactos
ambientais. O assunto ainda inspira controvérsias, mas o fato é que tais metodologias vêm sendo
extensamente empregadas.

Na determinação dos valores monetários de benefícios e de custos, também há que ter


cuidado para empregar preços e valores em termos reais. Um projeto geralmente tem uma vida
útil que se estende por muitos anos, e as estimativas dos valores monetário de impactos que se
materializarão no futuro devem ser calculadas sem considerar a inflação prevista. Não se está,
entretanto, afirmando que todos os preços devam ser mantidos constantes. A mudança de preços
de um determinado elemento de benefício ou de custo pode ser causada pela inflação, caso em
que deve ser eliminado da avaliação. Mas pode resultar do aumento na escassez de um recurso
ou de um dado fator; nesse caso deve ser considerado.

• Uma vez completadas com sucesso as etapas acima, se está em condições de fazer os
cálculos que fornecerão os elementos para se decidir sobre a execução ou não do projeto. A
maneira como isso é feito será vista a seguir.

2.2. Os cálculos na avaliação de projeto

A idéia por detrás da análise custo-benefício é simples. Suponhamos um projeto, cuja


vida útil é de T anos. Para cada um desses anos, as etapas acima nos permitiram estimar os
valores dos benefícios brutos e dos custos do funcionamento do projeto naquele ano. Nos
período inicial de execução da obra, os custos tendem a ser muito elevados, pois se está
investindo no empreendimento; e, contrariamente, os benefícios brutos tendem a ser nulos, pois
o empreendimento ainda não está pronto para funcionar. Com o tempo, porém, cessam as obras
(e os gastos com ela), o empreendimento começa a funcionar, e os custos se resumem a custos de
manutenção e de correção de impactos indiretos (inclusive ambientais) causados pelo
funcionamento do empreendimento. Simultaneamente, esse funcionamento origina um fluxo
anual de benefícios, diretos e indiretos.
222

Suponha que as etapas preliminares geraram uma estimativa dos benefícios brutos para
cada um dos T anos: B0, B1, B2, ..., BT. A soma desses benefícios brutos é:

B = B0 + B1 + B2 + ... + BT.

Do lado dos custos, suponhamos que, ao longo da vida útil do projeto estes tenham sido
estimados como sendo: C0, C1, C2, ..., CT. A soma dos custos é:

C = C0 + C1 + C2 + ... + CT .

Os menos avisados podem ser tentados a comparar B com C para avaliar a viabilidade do
projeto. Entretanto, isso não seria correto. O que se quer é, não o total dos benefícios e dos
custos estimados para o empreendimento, mas o valor presente desses benefícios e custos. Ou
seja, queremos o valor descontado desses fluxos de benefícios e de custos. E a taxa de desconto
aplicada deve ser a taxa social de desconto (o preço-sombra do capital), r. A fórmula usada é:

t=T

Bd = Σ { Bt / (1 + r)t} , para determinar o valor presente dos benefícios; e


t=0

t=T

Cd = Σ { Ct / (1 + r)t} , para computar o valor presente dos custos.


t=0

É a seguinte a regra de decisão:

Se Bd > Cd, o projeto é viável; pode ser executado. Entretanto, se Bd < Cd, o projeto não
é viável. Não deve ser executado.4

Uma forma alternativa para estabelecer a viabilidade de um projeto, e que produz um


resultado idêntico, é o de trabalhar com o benefício líquido. Para cada ano, este é igual à
diferença entre o benefício bruto estimado para o ano, menos os custos estimados para o ano.
Chamando o benefício líquido de BL, para cada ano teríamos um BLt = (Bt - Ct ). O valor
presente dos benefícios líquidos, BLd, seria obtido com a seguinte fórmula:

t=T

BLd = Σ { (Bt - Ct ) / (1 + r)t}


t=0

E a regra de decisão requer que BLd seja positivo. Se BLd < 0, a soma do fluxo
descontado dos benefícios brutos esperados será inferior à doma do fluxo descontado dos custos
esperados, e o projeto não apresentará viabilidade econômica, não devendo ser executado.

2.3. Um exemplo hipotético do emprego da análise custo-benefício

4
Note-se que em Bd e em Cd se incluem apenas benefícios brutos e os custos que se estima resultarem
diretamente do funcionamento do empreendimento. Mas há danos e benefícios indiretos que devem ser
considerados. Estes são tratado adiante.
223

Suponhamos a série de benefícios líquidos anuais esperados da segunda coluna da Tabela


1, abaixo, referente a um projeto que se está examinando. No ano inicial (ano 0), o projeto não
gera nenhuma receita e os R$ 5.000 mil se referem ao investimento então efetuado. Nos demais
anos temos benefícios brutos e custos de produção. E, como se pode ver, o benefício líquido é
positivo em todos os outros 14 anos de duração programada para o projeto.

Tabela 1. A Etapa Final da Avaliação de projeto hipotético

ANOS Benefício Líquido Valor Presente Fatores de Desconto


(Bt - Ct )
Desc. Desc. Desc.
(R$ 1000) 5% a.a. 10% a.a. 15% a.a. i = 5% i = 10% i = 15%

0 -5.000 -5.000 -5.000 -5.000 1,00 1,00 1,00


1 350 330 320 300 0,95 0,91 0,87
2 420 380 350 320 0,91 0,83 0,76
3 480 410 360 320 0,86 0,75 0,66
4 560 460 380 320 0,82 0,68 0,57
5 660 510 410 330 0,78 0,62 0,50
6 860 650 480 370 0,75 0,56 0,43
7 1.050 750 540 400 0,71 0,51 0,38
8 1.130 770 530 370 0,68 0,47 0,33
9 1.190 760 500 330 0,64 0,42 0,28
10 1.250 760 490 310 0,61 0,39 0,25
11 1.350 780 470 280 0,58 0,35 0,21
12 1.410 790 450 270 0,56 0,32 0,19
13 1.520 810 440 240 0,53 0,29 0,16
14 1.590 790 400 220 0,50 0,25 0,14
TOTAL
(BLd) 8.820 3.950 1.120 -620

O valor presente dos benefícios líquido, calculado pela fórmula:


t=T
BLd = Σ { (Bt - Ct ) / (1 + r)t},
t=0

está nas colunas de valor presente da tabela. Como se pode ver, BLd depende da taxa de
desconto, r, empregada. Com r = 5% ao ano, o valor presente é de R$ 3.950. Com r = 10%, o
valor presente cai para R$ 1.120. E com r = 15%, BLd é negativo (- R$ 620). Isso ocorre porque,
quanto maior r, mais fortemente o futuro será descontado. E, no exemplo, os anos mais distantes
são os que apresentam maior benefício líquido. Há, pois, um viés contra o futuro associado à
prática do desconto, e que aumenta quanto mais alta for a taxa de retorno usada.

Esse viés contra o futuro pode ser observado nitidamente nas últimas três colunas da
Tabela 1 – as de fatores de desconto.5 Ali se vê quanto vale no presente R$ 1,00 pago em cada
ano, ao longo dos 14 anos do exemplo, no caso de cada uma das três taxas de desconto
consideradas. Se a taxa de desconto for 5%, R$ 1,00 obtido no último (14o) ano , por exemplo,
vale no presente R$ 0,50; se for 10% ao ano, vale apenas R$ 0,25; e vale meros R$ 0,14
centavos se r for 15% ao ano.

5
Para cada ano, o fator de desconto é obtido a partir da fórmula 1/(1 + r)t.
224

Esse viés contra o futuro é um dos aspectos controvertidos da economia ambiental


neoclássica, especialmente de sua teoria de recursos naturais, que freqüentemente emprega
modelos dinâmicos no qual o futuro é descontado à taxa social de retorno. O problema é que,
com isto, o horizonte temporal relevante tende a se tornar muito curto, mesmo quando os
modelos descontam o futuro até o infinito. Como veremos, muitos questionam aspectos de
sustentabilidade – do ponto de vista da manutenção das oportunidades das gerações futuras – de
modelos dessa natureza.

3. Algumas reservas sobre a validade de se aplicar a análise custo-benefício

Pode-se criticar a hipótese implícita de que, se executado um projeto considerado viável


após ser avaliado pela análise custo-benefício, ele estaria aumentando o bem-estar social. É
possível demonstrar que são extremos os supostos básicos requeridos para que essa conclusão
utilitária seja válida. Um desses supostos, por exemplo, é o de que a utilidade marginal do
consumo é igual para todos os indivíduos.6 Na verdade, é necessário um ato de fé para que se
aceite a hipótese do aumento do bem estar social.

Suponhamos válidos os pressupostos básicos por detrás da conclusão utilitária, acima


esboçada; a teoria do equilíbrio geral mostra que em casos de distribuição de renda muito
desigual não é eticamente aceitável a idéia de que um projeto positivamente avaliado com o uso
da análise custo-benefício representa, automaticamente, aumento de bem-estar social. Isso é
especialmente verdadeiro se o projeto trouxer ganhos maiores para os mais bem aquinhoados na
distribuição de renda da economia.

Complicações adicionais surgem se o projeto avaliado tiver impactos ao longo de um


horizonte temporal de muitas gerações. Se um projeto tiver sensíveis impactos intergeracionais,
a avaliação de projetos deve ser suplementada por outros instrumentos de avaliação, pois a
prática do desconto do futuro fará com que quaisquer custos ou benefícios, por maiores que
sejam, ocorridos num futuro moderadamente distante, compareçam com um peso virtualmente
nulo no cômputo do valor presente do projeto. Além disso surge, nesses casos, um outro
problema – o da distribuição entre gerações da renda e riqueza. O Apêndice a este capítulo
discute as implicações éticas da prática do desconto sobre essa distribuição intergeracional.

4. A análise custo-benefício e a sustentabilidade

A partir da década de 1980, a análise custo-benefício vem sendo sistematicamente


aplicada no para a avaliação de projetos com significativos impactos sobre o meio-ambiente. Se
esses impactos forem marginais, torna-se relativamente fácil adaptar a metodologia para
considerá-los na avaliação de projetos (ver adiante). Em tais casos, as técnicas de valoração de
impactos ambientais podem ser úteis. Entretanto, certos projetos podem afetar o meio-ambiente
de forma mais do que marginal, implicando em acentuados riscos para a saúde e para a vida
humana, e para a estabilidade de ecossistemas. Torna-se, portanto, questionável a aplicação
usual da análise custo-benefício na avaliação da viabilidade de tais projetos. Isto porque, nesses
casos, não é válido supor que as estimativas de valor obtidas com as técnicas usuais, reflete
adequadamente as preferências dos indivíduos. Seria errado supor, por exemplo, com o fazem as
técnicas de valoração, que os indivíduos estão aptos a avaliar adequadamente as implicações das
calamidades que poderiam advir de projetos de alto risco desse tipo.

6
Ver Perman et al., 1996, p. 43.
225

Examinamos, agora, uma adaptação recente da análise custo-benefício para avaliar


projetos com impactos não catastróficos sobre o meio-ambiente. A necessidade de incluir a
dimensão ambiental de forma mais abrangente na avaliação de projetos, levou a análise custo-
benefício a considerar o valor econômico total, com a estimativa do benefício líquido da
preservação (da não execução do projeto, mantendo a natureza intocada). A idéia é que, em
certas circunstâncias, o meio-ambiente mantido inalterado presta serviços altamente relevantes,
que seriam eliminados com a implementação do projeto; são os benefícios da preservação, Bp.

Via de regra, não é muito difícil determinar, em termos monetários, Bd e Cd, os valores
presentes dos fluxos de benefícios e custos diretos e indiretos de executar o projeto. Entretanto, o
contrário ocorre com Bp. Existem técnicas para servir de apoio à medição de Bp, mas seu
emprego geralmente oferece alguma dificuldade.

O benefícios da preservação, Bp, inclui três categorias de valores:

• Vu, o valor de uso. Trata-se do valor presente do benefício líquido que os usuários do
meio-ambiente não afetado pelo projeto estimam usufruir dele. É o valor que se pode esperar
obter do uso do meio-ambiente inalterado (por exemplo, o valor do turismo de Sete Quedas,
sacrificado pela formação da barragem de Itaipú). O conceito é simples, mas nem sempre é fácil
identificar os elementos que compõem esses benefícios e medir o seu valor. Quando se
desenvolvem no local abrangido pelo projeto atividades regulares, gerando renda por venda de
produtos e serviços, a valoração é relativamente simples. Nem sempre é este o caso, há, por
exemplo, atividades de auto-consumo ou do setor informal, mais difíceis de serem valoradas.
Além disto, devem ser consideradas atividades potenciais a serem desenvolvidas em caso de se
decidir pela preservação – pela não execução do projeto.

• Vo, o valor de opção. O valor presente do benefício líquido do meio-ambiente


preservado para os indivíduos em sociedade que, em um dado momento, não estão usufruindo o
mesmo, mas que desejem fazê-lo no futuro. É a expressão do desejo de pagar pela preservação,
tendo em vista a possibilidade de um futuro uso. Em teoria, também se deveria incluir uma
estimativa do valor de opção de pessoas que residem fora da região, bem como o valor de opção
das gerações futuras; mas isso geralmente dificulta a valoração.

Via de regra, as técnicas de mensuração do Vo se apóiam no conceito de disposição a


pagar (de ‘willingness to pay’). Trata-se do montante que, em princípio, o consumidor ou
usuário em potencial estaria disposto a pagar para assegurar a não execução do projeto,
mantendo abertas as suas opões em relação ao mesmo.

As estimativas da disposição a pagar pela manutenção das opções em relação ao meio-


ambiente intocado se valem das seguintes hipóteses:

•• O usuário em potencial tem poder aquisitivo suficiente para lhe permitir pagar para
que fiquem abertas as opções;

•• Esse usuário tem preferências muito definidas em relação a essas opções; sabe,
exatamente, qual a satisfação que teria se viesse a decidir exercer as opções.

•• O usuário em potencial tem confiança de que, se decidida a preservação, essas


opções estarão abertas para ele.
226

Essas hipóteses geralmente estão por detrás das técnicas de valoração contingente, que
geralmente são empregas na determinação do valor de opção. Trata-se de técnica de entrevistas à
base de questionários, apoiadas em metodologias que levam aos entrevistados a revelarem suas
preferências em relação às opções de uso do recurso ambiental no caso de se decidir por sua
preservação. Mas nem sempre as condições acima são observadas. Esses problemas e outras
dificuldades complicam a determinação razoavelmente acurada do Vo. Essa magnitude pode ser
estimada, mas com alguma dificuldade.

• Ve, o valor de existência. Valor atribuído pela sociedade pela mera existência do
meio-ambiente preservado. Esse valor não decorre da possibilidade de uso do recurso ambiental;
na verdade, está associado à manutenção do recurso ambiental em estado pristino. (ex. o valor de
existência para as baleias e para os elefantes nos EUA e na Europa; o valor da floresta
amazônica preservada nesses países).

Também é possível o emprego da técnica da valoração contingente para tentar medir Ve.
Entretanto, isso pode requerer uma logística extremamente complicada, de custo muito alto, uma
vez que o âmbito de realização do valor de existência pode ser muito extenso, englobando, em
princípio, o mundo todo.

Um outro ponto a ser considerado é que o valor de existência raramente beneficia os


habitantes da região afetada pelo projeto. Este afeta o bem-estar de pessoas espalhadas por todo
o mundo, e não significa benefício direto à região em que se considera executar o projeto – a
menos que se criem mecanismos de transferência de recursos dos que atribuem valor à
manutenção da região sem alterações, para esta.

Supondo que seja viável estimar as três categorias de valores da preservação, o benefício
da preservação, Bp, compreende a soma desses três valores. Ou seja:

Bp = Vu + Vo + Ve.

Em conseqüência da introdução do critério do valor total, a regra de decisão passa ser a


requerer a comparação de BLd = (Bd - Cd), com Bp. Assim:

Se (Bd - Cd) > Bp, o projeto pode ser executado.

Se (Bd - Cd) < Bp, o projeto não deve ser implementado.

Ao se medir os componentes de Bp, é importante ter em mente os seguintes aspectos:

• As irreversibilidades das modificações que o projeto pode impor sobre o meio-


ambiente. Como exemplo, temos o caso da represa de Itaipú em relação a Sete Quedas. Seriam
enormes os custos de uma restauração das condições existentes antes da formação da represa, e
os resultados seriam provavelmente duvidosos.

• As consideráveis incertezas que freqüentemente existem sobre os efeitos de


intervenções que modificam drasticamente o meio-ambiente.

• As características únicas ou exclusivas do ecossistema afetado pelo projeto, que podem


ser destruídas pelo mesmo.
227

É necessário, pois, que se procure exercer o máximo de cautela no caso de projetos que
modifiquem acentuadamente o meio-ambiente, especialmente nos casos em que esses três tipos
de impactos se verificam com muita intensidade.

Apêndice ao Capítulo 19: A prática do desconto do futuro e as aplicações

No Capítulo 18 discutimos preliminarmente a questão do desconto do futuro, no contexto


da teoria dos recursos naturais não renováveis. Na verdade, ao longo da Parte III existem
diversos exemplos do emprego do desconto do futuro. Na verdade, essa prática é amplamente
utilizada por economistas. Muitos, inclusive, nem sabem exatamente porque trabalham com
séries de custos e de benefícios descontados e nem o que representa a taxa de desconto usada.
Entretanto, o desconto do futuro tem uma lógica própria. O presente apêndice esboça, em linhas
gerais, os argumentos analíticos para o desconto do futuro, bem como resume as principais
críticas a essa prática da análise neoclássica.

Tratando avaliar o uso intertemporal ótimo de recursos naturais, a economia ambiental


neoclássica trabalha com fluxos monetários descontados. Vimos, inclusive que os custos e os
benefícios esperados no futuro do emprego de recursos naturais é, no modelo neoclássico,
descontado à uma taxa social de retorno. É o mesmo ocorre nas aplicações da análise custo-
benefício, tratadas neste capítulo. Vimos que o que importa são os valores presentes (os valores
descontados) desses custos e benefícios. Vamos desenvolver aqui as razões, já indicadas no
Capítulo 18, para o emprego do desconto, tanto em modelos teóricos, como em aplicações como
a da análise custo-benefício.

A taxa social de retorno é um preço, cuja principal função consiste em orientar a


alocação de recursos ao longo do tempo. Nos modelos neoclássicos os preços existem
essencialmente para sinalizar uma alocação eficiente de recursos produtivos; são estes os papeis
dos preços de produtos e de insumos nos modelos de equilíbrio geral; é este o papel do royalty –
o preço que norteia a extração eficiente de recurso não renovável. E é este, também, o papel da
taxa social de retorno – a taxa à qual, em princípio, o futuro deve ser descontado. Em um modelo
dinâmico essa taxa tem o papel de orientar a alocação de recursos produtivos ao longo do tempo.
A seguir, esboçamos o argumento neoclássico para justificar o emprego do desconto do futuro.

Conforme Irving Fisher, um dos pais da teoria do capital, a taxa de retorno é a retribuição
ao ‘sacrifício’ envolvido no ato de poupar; ela assegura a transferência de recursos, do consumo
para a poupança, e assim, para o investimento – para a aquisição de máquinas e equipamentos,
para construções, etc. Ou seja, induzindo à poupança, a taxa de retorno cria condições para a
expansão do estoque de capital da economia; tem, pois, importância fundamental para o
crescimento da economia. De acordo com a teoria neoclássica do capital, a taxa de social de
retorno indica a retribuição da sociedade no futuro, para um incremento de poupança no
presente. Para ela, se não existisse essa taxa de retorno, a poupança da sociedade seria diminuta.
Uma parte muito grande da renda seria consumida e pouco sobraria para a efetivação de
investimentos; a economia tenderia a estagnar. Uma taxa de retorno positiva induziria a
poupança e, quanto maior essa taxa, maior a poupança e mais recursos estariam disponíveis para
o investimento.
228

Isto do lado da poupança. Entretanto, a taxa de retorno não cai do céu; ela depende da
rentabilidade do capital. Os empresários só aceitam tomar recursos para investir pagando uma
dada taxa de retorno se tiverem a expectativa de obter uma rentabilidade do investimento (o
retorno do investimento), igual ou superior ao que terão que pagar a quem fornece tais recursos –
o poupador. Em princípio, um dado empresário tem um elenco de projetos de investimento em
potencial, cada um com uma dada taxa esperada de retorno. Se os recursos dos poupadores
estiverem ao dispor do empresário a custo baixo – ou seja, se a taxa social de desconto for
reduzida – mais desses projetos serão rentáveis e ele tenderá a investir mais. E, se a taxa social
de retorno for elevada, menos projetos serão viáveis e menor será a sua inclinação a efetuar
investimentos. Se isto ocorrer com todos os empresários, observaremos para o conjunto da
economia, uma relação inversa entre o investimento e a taxa de retorno.

Para a teoria neoclássica do capital, a taxa social de retorno surgiria do encontro de tal
comportamento dos poupadores e dos investidores. A esta taxa, o montante de poupança
oferecido pelo conjunto dos poupadores na economia seria igual ao montante de recursos que as
empresas estariam desejosas de absorver na realização de investimentos.

A necessidade de ser paga ao poupador uma taxa de retorno é justificada com base na
hipótese da impaciência; supõe-se que os indivíduos apreciam mais o consumo no presente que
no futuro, exigindo um pagamento para adiá-lo. Mas como a produtividade do capital é positiva,
o montante de consumo adiado e investido, tende a gerar no futuro mais que o consumo
sacrificado, permitindo o pagamento dessa compensação ao poupador.

Não se deve confundir a taxa social de retorno com a taxa de lucro, ou com as taxas de
juros de mercado. A taxa de lucro é a remuneração do empreendedor; para a teoria neoclássica, a
capacidade empresarial é um recurso escasso e assim tem sua remuneração, na forma do lucro. Já
as taxas de juros de mercado – e existem muitas destas – são remunerações pela cessão de
recursos financeiros, que podem ter usos os mais diversos, e não só no investimento. Além disso,
existem taxas de juros diferentes porque tanto os riscos associados às diferentes formas de
empréstimo, como os custos de administração dos empréstimos são diferentes. Num dado
momento, uma empresa sólida e com um excelente histórico de cumprimento de obrigações
financeiras, poderá obter empréstimo a uma taxa de juros reduzida. Já um indivíduo em
dificuldades financeiras, que é levado a recorrer a um agiota, certamente enfrentará taxa de juros
extremamente elevada. A diferença entre os dois casos está, essencialmente, nos distintos riscos
associados cada um.

A análise neoclássica defende, pois, o conceito de taxa social de retorno. E insiste que
qualquer avaliação sobre o futuro, por exemplo, de um projeto, tome explicitamente em
consideração essa taxa. Por essa razão, adota a prática de descontar o futur a uma taxa social de
retorno nos modelos dinâmicos, alguns dos quais estão na base das teorias de recursos naturais
atrás examinadas.

E como se pode determinar a taxa social de retorno de uma determinada economia? Se


tivéssemos a segurança de que a taxa social de retorno se encontra próxima a uma dada taxa de
juros de mercado não haveria problemas. Mas essa hipótese não é válida. Assim, deve-se
procurar uma forma de calcular essa taxa, dentro do possível, com base em modelos que
traduzam o funcionamento da economia. O problema, entretanto, é que a maioria dos modelos
desenvolvidos para esse fim, se vale de hipótese básicas pouco realistas: as da concorrência
perfeita, de não-convexidades e de ausência de incertezas. E essas hipóteses são irreais: para
começar, os monopólios, oligopólios e cartéis são comuns no nosso dia a dia; depois, existem
consideráveis incertezas e externalidades.
229

Em suma, como a taxa social de retorno não é magnitude observável, ela precisa ser
estimada. Contudo, tais estimativas são fortemente afetadas pela técnica de estimação e pelos
dados usados.7 Além disso, como vimos, há objeção ética em relação à prática de descontar o
fluxo de benefícios líquidos no caso de atividades cujos efeitos se estendam sobre um horizonte
temporal de várias gerações. Nesses casos, ao se aplicar uma taxa de desconto, mesmo que
idêntica à taxa social, estar-se-á assegurando um uso mais intenso de recursos pela geração
presente. Ou seja, a prática do desconto significa que as preferências das gerações mais distantes
no tempo pesam menos que as das gerações mais próximas, com peso máximo para as da
geração atual, e um peso muito reduzido para as gerações que viverão em um futuro mais
distante. Ou seja, com o desconto do fluxo de benefícios à taxa social de retorno se está dando
importância desmesurada à geração atual. E, no caso de recursos naturais não renováveis, o
emprego do desconto justifica uma depleção mais rápida destes, sobrando bem menos para as
gerações mais distantes.

Vimos, no capítulo 18, que existe uma objeção ética do desconto dos benefícios líquidos
das gerações futuras em todos os casos envolvendo horizontes temporais longos. Vimos,
também, que este é um assunto controvertido mesmo no âmbito da análise neoclássica, e que
existem vários economistas de renome que criticaram o emprego do desconto do futuro nesses
casos; mas indicamos que também há renomados economistas neoclássicos que justificam, com
base em sólidos argumentos teóricos, a prática do desconto.

Em suma, merece ser ressaltado o do viés de curto e médio prazo instilado na modelagem
neoclássica pela prática do desconto do futuro. Embora seus modelos dinâmicos admitam a
projeção do futuro para o infinito, a prática do desconto assegura que o horizonte temporal
relevante será, quando muito, o de uma ou duas gerações; o peso de uma dada geração será cada
vez menor quanto mais remotamente esta se localize no tempo. Com isto, tendem a ficar em um
segundo plano os problemas causados pela exaustão de recursos naturais não renováveis, e
deixam de ter relevância, nas análises da poluição, os casos de impactos defasados no tempo, da
emissão e acúmulo de poluentes. Mas são estes os tipos de efeitos que mais preocupam aos que
centram suas atenções sobre a sobrevivência da humanidade em um horizonte temporal mais
amplo – de séculos e não de apenas umas poucas gerações (ver a Parte IV).

7 Portney, 1990. O autor menciona duas estimativas para os Estados Unidos, com dados e técnicas de estimação
apenas um pouco diferentes. A primeira estabeleceu que a taxa social de retorno estaria entre 1.6 e 2.0%; para a
outra, a taxa estaria no intervalo de 10 a 12%(p. S-64).
230

Capítulo 20. A Medição dos Impactos Ambientais do Sistema Econômico: as


Contas Nacionais e o Meio-Ambiente

Examinamos aqui os problemas com a mensuração inadequada dos impactos da atual


expansão da escala da economia sobre o meio-ambiente. Há muito tempo vem se fazendo
avaliações de impactos desse tipo mas, na maioria dos casos, estas ocorreram no contexto de
estudos de caso válidos para localidades específicas e para um dado momento do tempo,
apoiados em metodologias as mais dispares. Foi no final da década de 1980 que começaram se
cristalizar iniciativas visando criar metodologias que permitissem avaliações agregadas,
considerando o conjunto dos mecanismos de estresse e os seus efeitos sobre o estado geral do
meio-ambiente. O presente capítulo enfatiza o desenvolvimento de metodologia para incorporar
a medição dos impactos ambientais decorrentes da atividade econômica no Sistema de Contas
Nacionais, visando a divulgação contínua e periódica de agregados que traduzam a
sustentabilidade do estilo de desenvolvimento de uma economia.

1. Introdução

As Contas Nacionais fornecem índices sintéticos de bem-estar de uma economia em um


intervalo do tempo. A hipótese básica é que o nível de bem-estar social de um país depende da
produção de bens e serviços, a maioria transacionada em mercados. Essa hipótese permite que se
calculem, em termos monetários, indicadores agregados. A prática de tomar valores monetários
de bens e serviços – e não unidades físicas – é justificada pela dificuldade de se somar itens
heterogêneos. Como se sabe, não faz sentido somar quantidades físicas de produtos diferentes;
como agregar, em termos físicos, a produção de tomates, à de automóveis, de seções de cinema,
de consultas médicas? Por essa razão, o Sistema de Contas Nacionais transforma, com base em
preços de mercado, as quantidades produzidas de itens como esses, em valores que podem ser
somados, constituindo grandes agregados. Ou seja, toma a quantidade produzida por período de
tempo de cada bem ou serviço e a multiplica por seu respectivo preço médio no período; depois,
soma esses valores. Por convenção, o período de tempo relevante é o ano, embora se possam
estimar tais indicadores para prazos menores.

A disseminação por quase todos os países, do cômputo de indicadores das Contas


Nacionais está associado ao desenvolvimento de um Sistema de Contas Nacionais (SCN), após o
término da II Guerra Mundial. Esse desenvolvimento foi estimulado, de um lado, pela
necessidade que os países industrializados – fortemente afetados pelos impactos da grande
depressão dos anos 30 – sentiam de acompanhar de perto fatores que afetam o nível de emprego
e de renda de suas economias; e do outro lado, pela crescente preocupação com o
desenvolvimento dos países pobres e pela disseminação, a partir do início da década de 1950, de
técnicas de planejamento.

A metodologia do SCN foi estabelecida sob liderança das Nações Unidas. A primeira
proposta de um SCN de ampla aceitação foi aprovada em 1953, mas o sistema foi aperfeiçoado,
tendo sido aprovadas revisões – a maioria de cunho metodológico – em 1958, 1968 e 1991. O
acompanhamento e a orientação da implementação do SCN nos diversos países vem sendo feito
pelo Escritório de Estatística da ONU; este também desenvolve estudos e apresenta propostas de
mudanças, que são examinadas pela Comissão de Estatística das Nações Unidas – composta de
representantes de países membros –, que as aprova ou não. A metodologia básica do SCN se
231

apoia fortemente em modelo macroeconômico keynesiano, mas também inclui elementos das
teorias microeconômicas do equilíbrio geral e do bem estar social.

O modelo básico que orienta a metodologia do SCN tem o mérito de dar coerência e
solidez conceitual a um conjunto de indicadores agregados, construídos a partir de um complexo
de informações de diversos segmentos da economia. Mas também resultam do modelo básico, e
das preocupações de curto prazo que orientaram a construção de principais agregados do SCN,
algumas das maiores deficiências – pode-se mesmo dizer, omissões – do sistema no registro das
inter-relações entre o sistema econômico e o meio-ambiente. O modelo no qual se apoia o SCN
trata a economia um sistema isolado, autocontido – ou seja, um sistema que não intercambia nem
energia, nem matéria com seu meio externo. Uma vez que o SCN ignora as inter-relações entre o
sistema econômico e o meio-ambiente, não tem mesmo o que registrar nesse campo.

Na época em que o SCN foi instituído, essa postura era compreensível. No início da
década de 1950 se sobressaiam problemas especialmente urgentes, como o do desemprego e o do
subdesenvolvimento, e a escala das economias, mesmo dos maiores países industrializados,
ainda era reduzida. Por isso não se considerou importante que o sistema focalizasse inter-
relações entre o sistema econômico e o meio-ambiente. Mais recentemente, porém, foi ficando
claro que os agregados do SCN não só não permitiam aferir os custos ambientais decorrentes do
forte aumentos da escala da economia mundial, como forneciam uma visão distorcida do
funcionamento da economia. Ou seja, começou a se perceber que esse agregados escondiam
custos e tratavam dispêndios associados à regeneração ambiental e à proteção dos indivíduos e
famílias dos efeitos da degradação ambiental como renda, portanto, como indicadores de bem-
estar. Tornou-se óbvio, também, o tratamento assimétrico dado a elementos do patrimônio de um
país – o capital construído (fábricas, máquinas, veículos, prédios), cuja variação é
cuidadosamente acompanhada pelo SCN, e o capital natural (recursos naturais como o solos, as
reservas minerais), cuja variação não é registrada pelo sistema. Esses e outros problemas fizeram
com que, no final dos anos 80, se desenvolvesse uma série de iniciativas para tentar corrigir
essas deficiências.

2. Os principais indicadores do SCN

O principal indicador gerado pelo SCN – na verdade, a sua variável síntese – é o


Produto Interno Bruto (PIB). O PIB de um país é a soma de todos os bens e serviços finais que
este produz em um determinado período. Um bem final é o bem adquirido pelo seu usuário final
-- seja o consumidor, caso em que seria classificado em bem de consumo, ou uma empresa, caso
em que o classificamos como bem de capital. O bem final contrasta com o produto intermediário,
o produto semi elaborado, que é insumo para outras empresas.

Como está demonstrado no apêndice, o PIB de ume economia em um dado período


também é igual à soma do valor adicionado aos produtos por todas as atividades produtivas do
país no período. O valor adicionado é igual à diferença entre o valor da produção e o valor dos
insumos (matérias primas e produtos semi-elaborados) usados na produção. Pode-se, também,
demonstrar que o PIB de uma economia em um dado período, é igual à renda interna bruta
gerada no período; e que está é igual a soma da renda primária distribuída pelas unidades de
produção – os salários e ordenados, o montante de renda (alugueis, arrendamentos), de juros, de
lucros e de impostos indiretos (menos subsídios) pagos na economia no período (ver apêndice).
Em outros termos, o valor adicionado (o PIB) é distribuído entre os agentes econômicos e o
governo na forma de salários e ordenados, de rendas, de juros, de lucros, de impostos indiretos e
de renda, e residentes no exterior proprietários de fatores de produção usados no país . É, pois,
idêntico à renda interna bruta da economia.
232

Agregados nominais versus reais. Via de regra, os agregados das contas nacionais são
computados aos preços correntes no período em exame. Entretanto, essa prática pode levar a
interpretações incorretas de variações ocorridas entre dois momentos do tempo. Se, por exemplo,
uma economia se encontra estagnada, produzindo o mesmo em um ano e no ano seguinte, mas
experimentar uma inflação de 10%, o PIB nominal do segundo ano apresentará um incremento
de aproximadamente 10%. Mas esse não é um crescimento real, pois a produção e o consumo
agregados permaneceram quase constantes. Focalizando variações nominais do PIB (e de outros
agregados do SCN) podemos, pois, gerar avaliações equivocadas.

Para contornar problemas dessa natureza, os agregados das contas nacionais de diferentes
anos podem ser computados aos preços de um mesmo ano. É como se tivéssemos um único vetor
de preços de bens e serviços, e as quantidades (físicas) produzidas de cada um dos anos fossem
multiplicadas pelos respectivos preços desse vetor. Desta forma, as variações que ocorrem em
um agregado entre dois momentos do tempo, refletiriam mudanças reais na produção e em outros
aspectos computados. Na verdade, não é necessário se trabalhar com um vetor de preços, pois a
conversão dos agregados a valores de um mesmo ano pode ser feita com certa facilidade,
mediante o emprego de índices de preços.

A renda per capita. Se dividirmos o valor do PIB (da renda interna bruta) pela população
do país, temos a renda per capita bruta do país no período. A renda per capita é um indicador
básico, amplamente empregado para refletir o bem-estar médio dos habitantes do país. Passou a
se aceitar que, quanto mais elevada a renda per capita, mais desenvolvido é o país.
Semelhantemente, o crescimento da renda per capita é considerado um índice de progresso. Se
um país tem taxa reduzida de crescimento da renda per capita, considera-se que sua economia
está estagnada; se essa taxa é elevada, aceita-se que o país está progredindo.

Outros agregados do SCN. Pode-se, também, mostrar que o PIB da economia (o seu
valor adicionado, a sua renda interna bruta) em um dado período é idêntico à Despesa Interna
Bruta – o valor dos bens e serviços que os usuários finais adquirem durante o período. E as
principais categorias desses usuários são os consumidores (indivíduos e famílias), as empresas
na sua qualidade de investidoras (adquirindo máquinas, equipamentos, realizando construções
para aumentar sua capacidade de produzir, etc.), o governo, além de outros países que
importam bens e serviços da economia (originando suas exportações).

Idealmente, o Produto Interno Bruto, a Renda Interna Bruta e a Despesa Interna Bruta
não são os melhores indicadores nas suas respectivas categorias. Isto porque incluem a parcela
que corresponde à reposição do capital fixo (máquinas, equipamentos, construções, infra-
estrutura) desgastado pelo processo produtivo. Em tese, se deveria deduzir de cada um desses
indicadores o valor do capital fixo desgastado no processo de produção -- a sua depreciação.

Uma analogia com o que tende a ocorrer com uma empresa é útil para ilustrar a questão;
uma empresa usa suas máquinas, equipamentos, veículos, construções, etc. – o seu capital fixo –
para produzir e vender mercadorias em um dado ano. Em conseqüência, gera um excedente
econômico, que pode ser positivo (lucro) ou negativo (prejuízo). Supondo que dê lucro, se todo
esse lucro for distribuído aos seus proprietários, no exercício seguinte a empresa não poderá,
sem se endividar, repor o desgaste dos seu capital fixo, ocorrido no ano, e seu patrimônio sofrerá
uma redução. Por isso a legislação fiscal permite a dedução do lucro bruto da empresa, de uma
parcela que compõe uma reserva para possibilitar a reposição do capital fixo desgastado,
mantendo intacta a sua capacidade de produzir. Trata-se da reserva de depreciação da empresa.
233

Em tese, como esses recursos a empresa manterá seus equipamentos e instalações – seu capital
fixo – em condições adequadas de produção.

Se isso é válido para uma empresa, também o é para a economia como um todo. Apenas
para raciocinar, se a Renda Interna Bruta de um período fosse inteiramente consumida, não
sobrariam recursos para repor o capital fixo da economia que se desgastou no processo
produtivo, e a sua capacidade produtiva sofreria uma redução. A economia se tornaria mais
pobre. Assim, seria mais adequado se, do montante do PIB (ou da Renda Interna Bruta e da
Despesa Interna Bruta) fosse deduzido o valor do desgaste do capital fixo – o valor da
depreciação – ocorrido no período. Sobrariam assim, o Produto Interno Líquido (PIL), a
Renda Interna Líquida e a Despesa Interna Líquida (magnitudes que, por construção, são
idênticas). E a Renda Interna Líquida poderia ser inteiramente consumida sem reduzir a
magnitude do patrimônio construído da economia (do seu capital fixo).

A razão porque raramente se usam esses agregados está na dificuldade de se calcular,


com um mínimo de precisão, a depreciação (o valor do desgaste de capital) da economia em um
dado período. A falta de informações faz com que o SCN realize estimativas da depreciação com
o emprego de algumas regras de bolso, mas não é das maiores a confiabilidade de tais
estimativas. Por isso predomina o emprego dos agregados globais da economia sem a dedução da
depreciação. No Brasil, a imprensa tende a divulgar dados do PIB, e não do PIL. O IBGE (a
organização que calcula as contas nacionais) efetua estimativas da depreciação ocorrida no ano
para o qual calculou o PIB, mas raramente se usam indicadores do tipo do Produto Interno
Líquido.

3. Deficiências do ponto de vista ambiental dos agregados do SCN

Como já se indicou, mais que falho, o Sistema de Contas Nacionais convencional é


omisso no tratamento dos impactos ambientais do funcionamento do sistema econômico. Vimos
que para o SCN a economia é um sistema isolado, ou seja, um sistema que não intercambia nem
matéria nem energia com seu meio externo (o meio-ambiente). Como sabemos, entretanto, isso
está longe de acontecer. Para funcionar, para produzir e consumir, a economia requer recursos
naturais e energia, fornecidos pelo meio-ambiente; e não pode evitar de despejar neste resíduos,
dejetos. Assim, por um lado, a expansão econômica gera a depleção (a redução na
disponibilidade) de recursos naturais não renováveis (minerais, combustíveis fósseis), e mesmo,
em alguns casos, até de renováveis (solos férteis, água, florestas, recursos pesqueiros, etc.); e,
por outro lado, produz a degradação do meio-ambiente (a poluição do ar, de rios e mares, dos
solos, o acúmulo de lixo, a erosão, o assoreamento, etc.).

Tratando a economia como sistema isolado, o SCN ignora esses impactos da atividade de
produção e de consumo. Com isso, gera indicadores e agregados que fornecem visão distorcida
do que ocorre no sistema econômico. Conforme detalhado abaixo, são as seguintes as principais
deficiências e omissões do sistema:

• O SCN ignora a depreciação do estoque de capital natural da economia. Como


vimos, a metodologia das Contas Nacionais convencionais exigem a estimativa do valor do
desgaste do capital produzido da economia (máquinas, veículos, equipamentos, etc.) a cada
ano. O valor total agregado de tal desgaste é deduzido do PIB para obter o PIL, um indicador
mais apropriado da contribuição, no ano, do sistema econômico. Entretanto, o SCN não calcula,
e assim não deduz, o valor da depreciação, no ano, do capital natural da economia (ex., a
depleção do petróleo e de outros minerais extraídos das reservas do país). Esse é um grave
defeito do atual SCN.
234

• Um outro problema está no fato de que se inclui no PIB da economia os gastos


decorrentes da degradação ambiental. As despesas médicas de pessoa que contrai doença
respiratória em decorrência da poluição são consideradas produto e incluídas no PIB. O mesmo
pode ser dito com relação aos gastos defensivos que os indivíduos e famílias realizam – ou seja,
os dispêndios efetuados para evitar ou atenuar os males resultantes da poluição e de outras
formas de degradação ambiental. Com isso, tais gastos acabam representando aumentos de bem-
estar econômico (vimos que o PIB é uma espécie de ‘felicitómetro’), quando na verdade são
gastos para evitar ou atenuar males.

• O SCN não considera os custos da degradação ambiental gerada pelo sistema


econômico. São custos, na maioria implícitos, decorrentes de danos causados pela poluição e por
outras formas de degradação resultantes dos processos de produção e de consumo.

Essas falhas vêm reduzindo a importância dos agregados do SCN, notadamente em


avaliações mais amplas, nas quais se ressaltam os impactos do sistema econômico sobre o meio-
ambiente. Por essa razão está em curso um amplo esforço internacional no sentido de rever as
metodologias e práticas do atual SCN para corrigir tais deficiências.

Em que direção deve ir um esforço para contornar os problemas acima esboçados? Uma
resposta a essa pergunta requer que se adote postura apoiada no conceito de desenvolvimento
sustentável – um conceito surgido justamente das preocupações com a exploração predatória de
recursos naturais e ambientais associada à expansão recente da escala da economia mundial.
Vimos que, para a Comissão Mundial do Meio-Ambiente e Desenvolvimento (CMMD, 1987):

“Desenvolvimento sustentável é o desenvolvimento que garante o atendimento das


necessidades do presente sem comprometer a habilidade das gerações futuras de atender suas
necessidades. Engloba dois conceitos-chave:

• o conceito de necessidades, em particular as necessidades básicas dos pobres de todo o


mundo, aos quais se deve dar absoluta prioridade; e,

• o conceito de limitações, impostas pelo estado da tecnologia e pela organização


social, à capacidade do meio-ambiente de assegurar sejam atendidas as necessidades presentes
e futuras.”

No cerne desse conceito está a exigência de que as decisões do presente evitem


prejudicar a possibilidade da manutenção ou da melhoria dos padrões de vida das gerações
futuras. Vimos que isso requer que o sistema econômico seja manejado para que se possa viver
com os dividendos dos nossos recursos, mantendo ou ampliando o patrimônio da sociedade – a
sua riqueza –, e assegurando às gerações futuras condições para que possam viver tão bem
quanto, ou melhor que nós. E essa condição implica na proibição do consumo – do desgaste, da
depredação – desse patrimônio social.

Essa percepção é essencial para que se estabeleça o contexto das tentativas que vem
sendo realizadas, de reforma do SCN com o objetivo de possibilitar um registro dos efeitos
ambientais da atividade econômica. É útil, nesse sentido, ter-se em conta o conceito de renda
sustentável, estabelecido por John Hicks, há mais de 50 anos. Segundo este:

“O propósito dos cálculos de renda na nossa vida diária é o de dar às pessoas uma
indicação do consumo que podem levar a efeito sem se tornarem mais pobres. Seguindo essa
235

idéia, parece correto definir a renda de uma pessoa como o valor máximo que esta pode
consumir em um período, chegando ao fim deste com o mesmo patrimônio que no início. Assim,
quando a pessoa poupa, reserva parte de sua renda para aumentar seu patrimônio, visando
assegurar condições de consumir mais no futuro; mas quando ela consome mais que a sua
renda, estará dilapidando seu patrimônio.”

Parece claro que, se considerarmos, não um indivíduo, mas um país, uma sociedade, esse
critério também serve de guia ao estabelecimento de um sistema aperfeiçoado de contas
nacionais. Este deve procurar medir a renda da sociedade no mesmo sentido indicado por Hicks,
mas o patrimônio da sociedade deve ser definido de uma forma mais ampla que a
tradicionalmente empregada pelo SCN – isto é, considerando tanto o patrimônio produzido,
como o patrimônio natural e o capital humano da sociedade. O conceito de renda apropriado
seria, pois, o total do produto que poderia ser destinado ao consumo, em um dado período, sem
que haja redução, no fim do período desse patrimônio amplo.

Em outras palavras, o conceito de sustentabilidade requer que a sociedade humana se


beneficie dos frutos do patrimônio social acumulado; para tal, se exige a preservação da
capacidade dos nossos descendentes de usufruir esses benefícios mantendo, pelo menos, um
padrão de vida igual ao nosso. Evidentemente, não é necessário para tal que se mantenha intacta
cada uma das categorias de elementos que compõem o patrimônio social.8 E, para que possamos
determinar se o sistema econômico funciona de forma sustentável, nesse sentido mais amplo,
temos que ter indicadores adequados. O atual sistema de contas nacionais não gera tais
indicadores e precisa ser reformado ou substituído. A próxima seção discute, em linhas gerais, os
principais aspectos de tentativa em curso de reformar o SCN, sem alterar as suas características
básicas.

4. A proposta do Sistema Integrado de Contabilidade Econômica e Ambiental

Esforços visando reformar o SCN para fazer com que tome em conta aspectos da
dimensão ambiental, tiveram início em meados da década de 1980, num trabalho conjunto do
Escritório de Estatística das Nações Unidas, do Banco Mundial e de organizações de estatística
de alguns países. Depois de extensa discussão em vários grupos de trabalho e reuniões técnicas,
decidiu-se que não seria viável reformular radicalmente o SCN; julgou-se essencial que
continuassem a ser calculados os indicadores agregados do sistema, acima apontados, mantendo
assim a comparabilidade no tempo. Ao invés, deveria ser desenvolvido um sistema auxiliar,
composto de um conjunto de contas satélite ambientais, a ser acoplado ao núcleo central do
SCN, possibilitando a geração de indicadores agregados que captem aspectos das inter-relações
entre o sistema econômico e o meio-ambiente. Surgiu, assim, o Sistema Integrado de
Contabilidade Econômica e Ambiental (SICEA).9 Segue-se uma discussão dos principais
aspectos desse sistema.

4.1. O tratamento da depleção (da depreciação) do capital natural

Visando corrigir o tratamento inadequado dado pelo atual SCN à depreciação do estoque
de capital, a recomendação foi a de que se passe a valorar o estoque de capital natural da
economia, para então determinar sua depreciação. Com isso, o valor da depleção e desgaste do

8
Ou seja, a sustentabilidade não requer que se mantenha o mundo intacto, preservando todos os recursos naturais e
ambientais, o que, ademais, seria impossível. Não se espera que a composição do patrimônio social em termos de
capital natural, de capital produzido e de capital humano, permaneça sempre imutável. Esses recursos são
parcialmente fungíveis; até certo ponto, os de um tipo podem substituir outros.
9
A versão do SICEA aprovada em 1993 pode ser vista em Nações Unidas, 1993.
236

capital natural seria adicionado à depreciação do capital construído, permitindo o cálculo de um


novo indicador, o Produto Interno Líquido Sustentável (PILS), bem como de outros indicadores
dessa natureza. Ressaltou-se a necessidade de tratar o capital natural – os estoques de recursos
naturais da economia, tais como as reservas de petróleo e de outros minerais, as florestas, a
disponibilidade de terras aráveis de várias qualidades, da mesma forma que o seu estoque de
bens de capital (máquinas, equipamentos, veículos, construções, infra-estrutura, etc.).
Argumentou-se que se o valor do consumo e da destruição de recursos que compõem o capital
natural não for feita, o Produto Nacional Líquido (e outros indicadores da mesma natureza) serão
sempre superestimados.

Uma ilustração da natureza dessa proposta está no caso de países produtores de petróleo
do Oriente Médio. Nas regras atualmente em vigor no SCN, a receita líquida que o país obtém da
venda do petróleo (a receita bruta menos os insumos e serviços necessários para extrair e tornar
disponível o petróleo) é considerada valor adicionado e faz parte do PIB da economia. E, ainda
nas regras atuais, o Produto Interno Líquido (PIL) desses países é obtido tomando em conta
apenas o valor da depreciação do capital construído (D); fica de fora a depleção das reservas de
petróleo do país. Ou seja, o Produto Interno Líquido é obtido com a tradicional fórmula:

PIL = PIB - D

Uma vez que D é apenas a depreciação do capital construído, não se considera a


depleção do petróleo extraído e o PIL inclui integralmente a receita líquida da extração. Parece
lógico, porem, que também se deduza uma estimativa da depleção do petróleo (e de outros
recursos naturais). Chamando DR o valor da depleção do petróleo, o SICEA recomenda que o
Produto Interno Líquido seja calculado da seguinte forma:

PILS = PIB - D - DR

O SCN tradicional vem se recusando a fazer essa correção porque, de um lado, há a


resistência dos técnicos que calculam os agregados do SCN, geralmente tradicionalistas, e
porque existem dificuldades de estimar com um mínimo de precisão a depreciação do capital
natural. Do outro lado, a resistência decorre de problemas políticos associados aos resultados que
se teria com esse procedimento. A sua adoção faria, por exemplo, cair verticalmente o Produto
Interno Líquido e a renda per capita de países cujas economias dependem da extração em grande
escala de recursos naturais não renováveis. Esse fato gera resistências contra a implantação da
correção. Com efeito, hoje a Renda Interna Líquida per capita dos principais exportadores de
petróleo do oriente médio é muito alta. Se adotado o procedimento acima sugerido, a dedução da
depleção da reserva de petróleo faria a magnitude desse indicador dos exportadores de petróleo
ser bem menor do que é atualmente.

4.2. O tratamento dos custos da degradação ambiental gerados pela economia

Como se sabe, a degradação ambiental --o declínio na qualidade do meio-ambiente


gerado pelas atividades de produção e de consumo --, atingindo a atmosfera, os corpos d’água, a
terra, os habitats e o meio-ambiente construído vem se ampliando. Entretanto, o Sistema de
Contas Nacionais calcula o valor adicionado pelo processo produtivo, bem como a distribuição
entre fatores de produção e o governo desse valor adicionado, e a disposição feita por esses
segmentos, na forma de consumo de investimento, de exportações, e de muitos outros agregados,
na suposição implícita de que as atividades que geram tais magnitudes não danificam
expressivamente o meio-ambiente. É como se, ao produzir, as empresas não poluíssem; e como
se os indivíduos e famílias não degradassem o meio-ambiente ao consumir. Sabemos, entretanto,
237

que isso longe está de ser verdade. Os processos de produção e de consumo geram custos
ambientais, que podem ser apreciáveis, não sendo legítimo que o SCN os ignore.

Assim, o SICEA pede a da criação de um sistema de contas satélite que torne possível
incorporar o valor da degradação ambiental causada pela produção e pelo consumo, deduzindo-o
dos agregados do SCN tradicional. Existem, entretanto, dificuldades em adotar essa
recomendação. Primeiramente, o que é significa, concretamente, a perda de qualidade do meio-
ambiente? Como definir a degradação? Todos temos uma intuição do que é degradação
ambiental, mas como medi-la? E, principalmente, como registra-la em termos monetários?

Uma sugestão é a de que se definam padrões de qualidade ambiental desejáveis e que se


determinem os desvios que se observam em relação a esses padrões. Feito isso, a idéia é a que se
calcule quanto custaria eliminar esses desvios, recuperando os padrões de qualidade desejados.
Ou seja, o valor da degradação seria determinado essencialmente pelo custo de eliminar essa
mesma degradação.

Essa sugestão parece simples, mas envolve vários problemas. Nem sempre é possível
determinar o custo de recuperar os padrões de qualidade. Muitas vezes lida-se com fenômenos e
processos que não são reversíveis. Qual o custo de recuperação se esta não é possível?

Ademais, há muitas situações em que não é apropriado o emprego da metodologia do


custo de recuperação. Para tal, existem outros métodos de valoração dos custos da degradação
ambiental, alguns dos quais examinados no capítulo anterior. Mas isso nem sempre é fácil de se
fazer, pois freqüentemente a degradação envolve fenômenos e magnitudes que não podem ser
diretamente transformados em valores monetários. São ricas e variadas as metodologias para tal,
mas também há controvérsias sobre boa parte da mesma.

Problemas como estes vêm retardando, na prática, a inclusão pelo Sistema de Contas
Nacionais, da metodologia proposta pelo SICEA para considerar o custo da degradação
ambiental das atividades de produção e de consumo. Há países que já procedem dessa maneira
(por exemplo, a Holanda e o Canadá), outros aceitaram de forma parcial as sugestões de
mudanças (por exemplo, a Grã Bretanha), mas a maioria continua a computar suas contas
nacionais da forma tradicional.

4.3. Os custos da prevenção e da defesa contra efeitos da degradação ambiental

Trata-se de despesas e do uso de recursos por segmentos da sociedade com o objetivo


expresso de proteger o meio-ambiente e de se defender contra efeitos perniciosos da degradação.
Manter as condições do meio-ambiente de um país em um determinado nível de qualidade,
especialmente se sua economia experimenta acentuada expansão, pode exigir esforços e recursos
crescentes. Isso porque o crescimento econômico gera cada vez mais resíduos e poluição, com
um potencial de deterioração ambiental cada vez maior. Entretanto, pelo menos parte dessa
degradação pode ser evitada ou reduzida com medidas preventivas e de atenuação dos impactos
ambientais (o uso de filtros para as emissões de poluentes de fábricas e geradoras de energia
termoelétrica; de catalisadores para conter ou modificar as emissões de veículos); mas essa
prevenção exige recursos produtivos, custa dinheiro.

Acontece que, pelos critérios do atual SCN, os custos da prevenção e defesa são parte da
produção de bens e serviços e, portanto, incluídos no cômputo do PIB e de outros agregados das
contas nacionais. Assim, os custos decorrentes dos esforços de prevenção acabam sendo fator de
expansão do PIB, indicando melhoria de bem-estar social.
238

Uma ilustração interessante é o que aconteceu na Alemanha – onde as preocupações com


a preservação ambiental são grandes; nesse país, os custos de prevenção e de regeneração do
meio-ambiente, como proporção ao PIB, aumentaram de cerca de 5% em 1970, para cerca de
10% em 1985. Nesse mesmo período, os custos de prevenção e regeneração aumentaram 150%,
enquanto o PIB aumentou apenas 40%.10 Como as atividades de prevenção e regeneração foram
incluídas no cálculo do PIB da Alemanha, ocorreu o paradoxo de custos crescentes para evitar
ou atenuar a perda de bem-estar social causada pela degradação ambiental, aparecerem como
fator de crescimento, de aumento do bem-estar social.

O SICEA sugere que os custos de prevenção e defesa contra os efeitos da degradação


ambiental associados à produção e ao consumo não sejam incluídos no PIB. Entretanto, essa
sugestão não teve ampla aceitação. Houve quem argumentasse que o custo de defesa contra a
deterioração ambiental é muito semelhante ao custo de defesa do país contra uma possível
agressão militar – rotineiramente incluído no PIB. É grande, pois a resistência a se retirar esses
gastos do cômputo do PIB.

5. Um exemplo de contas nacionais com contas satélites ambientais

A Figura 1, adiante, apresenta um esboço das inter-relações entre o sistema econômico –


um sistema aberto – e seu meio externo (o meio-ambiente). Essa representação deixa explícita a
existência de intercâmbio de matéria e de energia entre os dois sistemas, e sinaliza para a
degradação ambiental que decorre do processo econômico. Entretanto, não é desta forma que o
Sistema de Contas Nacionais trata a questão. Para o SCN, é como se a economia fosse um
sistema isolado, auto-contido, que não dependesse de um meio externo, nem para o fornecimento
de matéria e energia e nem para assimilar os resíduos e dejetos das atividades de produção e de
consumo. Os agregados do SCN refletem apenas o que acontece dentro da caixa central,
ignorando as inter-relações com o meio externo (o meio-ambiente).

Vimos que, pelo sistema de contas satélites ambientais do SICEA, a metodologia de


determinação das contas do núcleo básico do SCN não seriam alteradas, permitindo a
comparabilidade no tempo e o emprego convencional de seus agregados. Seria, entretanto,
criado um conjunto de contas satélites ambientais, a ser acoplado ao núcleo do SCN, com o
objetivo de permitir a geração de indicadores que captem os impactos das inter-relações entre a
economia e o meio-ambiente. As bases metodológicas desse novo sistema já estão elaboradas11 e
cabe agora aos países levar avante um esforço para a sua implementação.

Figura 1. O Sistema Econômico e o Meio-Ambiente

Atividades de apropriação,
Recursos naturais transformação e uso de recursos Resíduos e dejetos

10
Ver Walschburger, 1990.
11
Ver United Nations, 1993.
239

Minerais
Solos Produção Consumo Materiais degradados
Água
Flora. Energia dissipada
Fauna
Fontes de energia

A Tabela 1, a seguir, fornece um exemplo simplificado do cálculo do PIB de um país


hipotético para um dado ano. Temos o valor bruto da produção dos cinco setores da economia
desse país – a agricultura, a mineração, a indústria, o setor de serviços e o governo –, o consumo
intermediário destes (os seus gastos com matérias primas e produtos intermediários), e o valor
adicionado por cada setor. A soma desses valores adicionados é o PIB do país no ano. E este
também é igual a soma do valor da produção total, menos a soma do consumo intermediário
total.

Tabela 1: Valor Bruto da Produção, Consumo Intermediário e Valor Adicionado


de uma Economia Hipotética, e de seus Principais Setores, em um Dado Ano.

Consumo
Valor Bruto da intermediário Valor Adicionado à
SETORES Produção (bilhões (matérias primas, Produção
de unidades produtos (bilhões de U.M.)
monetárias) intermediários)
(bilhões de U.M.)

Agricultura 76,3 17,5 58,8


Mineração 41,7 15,8 25,9
Indústria 178,1 93,4 84,7
Serviços 178,3 80,8 97,5
Governo 42,9 21,6 21,3
TOTAL 517,3 229,1 288,2

No ano em pauta, o PIB de nosso país hipotético totalizou 288,2 bilhões de Unidades
Monetárias (UM). E, conforme vimos acima, esse montante é idêntico à Renda Interna Bruta do
país, e à sua Despesa Interna Bruta.

Para entender a natureza do sistema de contas satélites ambientais, a Tabela 2, abaixo,


contem as informações adicionais necessárias. Na primeira linha, temos a depreciação do capital
fixo, D, (ou seja, o valor do desgaste das máquinas, equipamentos, veículos, construções,
ocasionado pelo funcionamento do sistema econômico), no montante de 26,3 bilhões de UM.
Com base neste, podemos calcular o Produto Interno Líquido (PIL) da nossa economia no ano.
Este é:

PIL = PIB - D = 288,2 b. UM - 26,3 b. UM = 261,9 b. UM.

O SCN se contenta com este e com indicadores semelhantes; não considera a depleção, a
depreciação do capital natural resultante do processo de produção e de consumo e nem os danos,
a degradação, que este provoca no meio-ambiente. Para considerar tais elementos, torna-se
necessário computar os custos ambientais – os custos da degradação que a atividade econômica
240

causa ao meio-ambiente e os custos de depleção de recursos naturais – resultantes da atividade


econômica desenvolvida no ano em pauta.

Tabela 2: Dados Necessários para o Cálculo de Agregados Sustentáveis

ITENS Valor ( em bilhões de UM)

Depreciação do capital fixo (D): 26,3

Depleção; redução de disponibilidade de RN:


· extração de recursos n/ renováveis 14,3
· uso destrutivo de rec. renováveis 9,1
· destruição dos solos 7,8

Total da depreciação do capital natural (DN): 31,2

Custo da degradação do meio-ambiente:


·agricultura e mineração: 4,6 b. UM
·poluição industrial: 18,7 b. UM 23,3
·famílias 10,7
·governo 5,0
·recuperação do meio-ambiente (governo) -3,2

Custo total da degradação: 35,8

Gastos defensivos
· Das famílias 11,3
· De setores econômicos 15,4

Na segunda linha da Tabela 2, temos o valor monetário da depleção de recursos naturais.


Este corresponde ao valor da extração de recursos não renováveis (minerais, petróleo, etc., num
montante de 14,3 b. de UM); ao valor do uso de recursos naturais renováveis além da sua
capacidade de regeneração – a madeira extraída de forma não sustentável de florestas nativas; a
pesca que leva à destruição do cardume básico de peixe; o uso destrutivo dos solos pela
agricultura, etc., totalizando 9,1 b. de UM; e o valor da destruição dos solos causados por uma
agricultura não renovável (erosão, desertificação, etc.) totalizando 7,8 b. de UM.

O terceiro segmento da Tabela 2 fornece informações hipotéticas sobre custos da


degradação do meio-ambiente, no montante de 35,8 bilhões de UM; estes decorrem de atividades
dos setores agrícola e de mineração (4,6 b. UM), industrial (18,7 b. UM); de custos ambientais
resultantes das atividades de consumo das famílias (10,7 b. de UM), e do governo (5,0 b. de
UM). Entretanto, de um lado este último degrada o meio-ambiente, mas do outro, atua na sua
regeneração e proteção (limpeza de lagos, rios, recuperação de áreas erodidas, etc.); no nosso
exemplo essas atividades geraram gastos num montante de 3,2 b. de UM. O custo ambiental
líquido do setor governo, portanto, totaliza 1,8 b. de UM, no período.
241

Finalmente, no último segmento da Tabela 2 temos os gastos defensivos das famílias


(11,3 b. de UM), e das empresas (15,4 b. de UM).

5.1. O cálculo do Produto Interno Bruto Sustentável

Com base nesses elementos, podemos fazer cálculos de produto sustentável. Começamos
com o PIB sustentável (PIBS). Este é igual a :

PIBS = PIB - custos da degradação ambiental - gastos defensivos das famílias; ou,

PIBS = 288,2 b. UM - 35,8 b. UM - 11,3 b. UM = 241,1 b. UM.

Pode parecer estranho deduzir apenas os gastos defensivos das famílias, e não os das
empresas. Acontece que estes últimos (os 15,4 b. de UM da Tabela 2, acima) já são deduzidos do
valor bruto da produção no cálculo do valor adicionado. Em outras palavras, ao se calcular o
valor que uma empresa adiciona à produção, a compra de filtros, de catalisadores, de reagentes e
de outros materiais usados para filtrar, para limpar a poluição que emitem para o ar ou para
corpos d’água, são deduzidos do seu valor da produção, de forma semelhante às matérias primas
e produtos intermediários. O mesmo não acontece, entretanto, com os gastos defensivos das
famílias. Como, por convenção, as famílias nada produzem, estas não usam insumos e não geram
valor adicionado. Para o SCN, as famílias são de interesse porque recebem renda e, em
conseqüência, consomem e poupam. E está implícita no SCN a noção de que os gastos em
consumo das famílias refletem bem-estar; quanto maior o consumo, maior o bem-estar. Mas os
gastos das famílias para sua proteção contra más condições do meio-ambiente são tratados como
consumo quando, na verdade, o que fazem é evitar quedas de bem estar. Ademais, esses gastos
implicam no desvio de parte da renda que, em condições de menor degradação ambiental
poderiam ser usados para propiciar maior bem-estar aos membros ou famílias.

O contra-senso está em que, quanto mais degradado e poluído o meio-ambiente, maiores


as necessidades de gastos defensivos que, pelos dados do SCN, aparecem como consumo – isto
é, como agente de bem-estar. Por essa razão, no cálculo do PIBS, recomenda-se deduzir do PIB
esses gastos. Da mesma forma, recomenda-se deduzir esses gastos defensivos dos gastos de
consumo agregados, computados pelo SCN; os gastos assim corrigidos seriam indicador menos
distorcido de bem-estar.

5.2. O Produto Interno Líquido Sustentável

Com informações da Tabela 2 podemos calcular o Produto Interno Líquido Sustentável


(PILS) da nossa economia hipotética. Vimos que para o SCN, o Produto Interno Líquido (PIL) é
igual ao PIB menos a depreciação do capital construído (D); e que o SCN ignora a depreciação
do capital natural. Pelo sistema de contas satélites ambientais isso seria corrigido. Para começar,
parte-se do PIBS, e não o PIB. E do PIBS se deduz, não apenas D, mas também a redução de
disponibilidade (a depreciação) do capital natural (DN). No nosso exemplo, teríamos:

PILS = PIBS - D - DN; ou,

PILS = 241,1 b. UM - 26,3 b. UM - 31,2 b. UM = 183,6 b. UM.

Note-se que o PILS é bem menor que o PIL obtido pelo SCN convencional. No nosso
exemplo este é igual a 261,9 b. de UM (ou, 288,2 b. de UM - os 26,3 b. de UM de D). O PIBS é,
pois, apenas cerca de 70% do Produto Interno Líquido convencional.
242

Se dividirmos o PILS de nosso país hipotético por sua população, teremos o Produto
Líquido Sustentável per Capita. Supondo que essa população seja de 50 milhões de pessoas, o
PILS Per Capita seria 3.752 UM por habitante/ano. Esse montante seria um indicador bem mais
acurado da renda sustentável média da população do país, que os 5.238 b. de UM do PIL Per
Capita convencional.

6. O registro de variações do patrimônio tangível da economia

A discussão da seção anterior abre uma dúvida. Ao longo de um dado ano, um país
desgasta seu patrimônio de capital natural; entretanto, nesse mesmo período, o país pode ter
ampliado esse patrimônio. Isso ocorre com a descoberta de novas reservas de minerais, com a
abertura de novas terras na fronteira agrícola, com investimentos que tornem possível o acesso a
florestas ricas em madeiras nobres, etc. Pode haver, também, gastos (investimentos) de
recuperação, por exemplo, de terras agrícolas erodidas, tornando-as aptas ao uso produtivo. Se
concentrarmo-nos apenas na contabilização dos fluxos associados ao processo de produção e ao
uso de insumos ambientais e de degradação ambiental, conforme feito acima, a impressão que
teremos é que o patrimônio de capital natural do país está constantemente se reduzindo.

Para um registro adequado das variações, ao longo de um dado ano, do patrimônio de


recursos naturais de um país, o ideal seria trabalhar-se com a contabilização das mudanças nesse
patrimônio ao longo do ano. Trata-se de assunto complexo; na maioria dos países o SCN não faz
isso nem mesmo com o patrimônio de capital produzido. As dificuldades técnicas para realizar
essa contabilização são grandes e a implantação de tal sistema seria muito dispendiosa.

Para ilustrar, porém, a Tabela 3, adiante, apresenta um exemplo hipotético, e altamente


consolidado, de um sistema para realizar o registro de variações, ao longo de uma dado ano, do
patrimônio tangível de um país, ou seja do seu patrimônio de capital natural e o do seu capital
construído. Isso é feito na tabela composta que se segue.

Na parte de cima da tabela temos os dados sobre o patrimônio tangível no início


do ano, todos e, bilhões de UM. No lado esquerdo estão os ativos produzidos do país nesse
momento do tempo, e que incluem o patrimônio gerado pelo sistema produtivo (patrimônio
econômico: máquinas, equipamentos, veículos, construções, etc.) num montante de 991,3 b. de
UM, e o patrimônio natural produzido – matas plantadas, estoques da pecuária, etc., totalizando
83,1 b. de UM. Do lado direito está representado o valor dos ativos naturais do país, já
incorporados à produção – as reservas de minerais, as terras agricultáveis, as matas naturais com
condições de serem exploradas, etc.; a soma dos valores correspondentes a esses ativos totaliza
1.774,4 bilhões de UM.

Tabela 3: Variações de Patrimônio Tangível de um País (Valores em bilhões de UM)

PATRIMÔNIO TANGÍVEL NO INÍCIO DO PERIODO


243

Produzido (bens de capital) Ativos Naturais não


Produzidos
Econômico Natural
991,3 83,1 1.774,4

Variação ocorrida no
período
Aumento no estoque de
ativos 68,0 1,4 164,0
Consumo de capital fixo -23,1
Uso de recursos ambientais -2,0 -73,0

PATRIMÔNIO TANGÍVEL NO FIM DO PERIODO


Produzido (bens de capital) Ativos Naturais não
Produzidos
Econômico Natural
1.036,2 82,5 1.865,4

Na parte central da tabela temos os registros dos fluxos ocorridos ao longo do ano, em
cada uma das categorias atrás examinadas. Observa-se, assim, um aumento bruto no valor do
patrimônio produzido, de 68,0 b. de UM, mas há a redução, correspondente ao consumo de
capital (depreciação; desgaste de máquinas e equipamentos, veículos e construções) de 23,1 b.
de UM; o aumento líquido deste elemento do patrimônio produzido é, pois, de 44,9 b. de UM, o
que faz o patrimônio econômico produzido do fim do período aumentar para 1.036,2 b. de UM;
ver a parte de baixo da tabela, ‘patrimônio tangível no fim do período’.

Esse mesmo tipo de evolução ocorre com os outros itens do patrimônio tangível. O
patrimônio natural produzido (matas plantadas; variações nos estoques pecuários; terras
recuperadas) registra um aumento de 1,4 b. de UM e uma depreciação de 2,0 b. de UM, o que faz
o valor do patrimônio natural produzido declinar de 83,1 b. de UM no início do ano, para 82,5 b.
de UM no fim do ano.

No que diz respeito ao patrimônio natural não produzido, temos um uso de recursos num
total de 73,0 b. de UM, e um incremento de ativos naturais (descobertas de novas reservas de
petróleo, de minerais, incorporação de terras na fronteira agrícola, delimitação de reservas de
florestas naturais para exploração sustentável) valorados num total de 164,0 b. de UM. No fim
do período, o patrimônio de ativos naturais do país terá aumentado para 1.865,4 b. de UM. A
despeito do uso desse tipo de recursos, no exemplo, as descobertas de novas reservas, a abertura
de terras, etc., geram um aumento líquido no valo de patrimônio de recursos naturais não
produzidos.

Esses registros não devem, porém, ser interpretados para significar que a sociedade
humana tem absoluto domínio sobre o meio-ambiente a ponto de estar sempre "produzindo"
mais e mais ativos naturais. O que eles pretendem é meramente estabelecer formas de
acompanhar melhor a evolução, não apenas do uso de recursos naturais, como da ampliação ou
redução do estoque básico desses recurso a disposição da sociedade humana. Na verdade, os
registros da Tabela 3 são mais da natureza dos de uma país com ainda abundantes fronteiras de
recursos. No caso de país em que essas fronteiras estejam amplamente exploradas, os aumentos
nos estoques de ativos naturais não produzidos será inferior à taxa de uso desses recursos e se
observará uma redução no valor dos ativos naturais do país. E essa redução seria definitiva; é
importante lembrar que, ao contrário do capital produzido, o capital natural não produzido
244

(incorporado ou não à atividade econômica) de um país é recurso não reproduzível que, se não
manejado adequadamente, poderá tornar não sustentável o seu desenvolvimento.

7. Problemas com a contabilidade ambiental e alguns encaminhamentos alternativos

Em si, a metodologia das contas satélites ambientais, bem como a da medição das
variações do patrimônio tangível com a inclusão do capital natural não apresentam dificuldades
– desde que existam estimativas dos valores, em termos monetários, dos ativos e dos impactos
ambientais. Ou seja, desde que se possa resolver os problemas de mensuração em termos
monetários das variáveis ambientais. Os exemplos acima consideraram conhecidos em termos
monetários essas variáveis.

Todavia, na vida real, não é bem isso que acontece. Ocorre que muitos dos ativos e
impactos ambientais que precisam ser valorados são complexos. No caso de reservas de
minerais, de depleção (de uso) dessas reservas, as dificuldades são menores. Entretanto, que
valor atribuir aos custos da degradação ambiental? É preciso ter em vista que, muitas vezes, não
existem preços e valores monetários associados à degradação. Os impactos ambientais são
freqüentemente qualitativos, e há interações entre diversas formas de degradação, ainda não
inteiramente compreendidas. Nesses casos, torna-se necessário e emprego de hipóteses, muitas
vezes heróicas, para transformar esses impactos em valores monetários. E, no casos dos ativos de
recursos naturais, os preços que temos são os do presente ou do passado. Como muitas vezes
esses recursos têm duração que pode se estender por várias décadas, os preços relevantes seriam
os do futuro; entretanto, não se tem, nem de forma aproximada, como estimar esses preços.

Existem metodologias de valoração. Entretanto, o estado das artes da valoração dos


impactos ambientais representa uma colcha de retalhos de técnicas as mais variadas, umas de
validade indiscutível, mas outras controvertidas, e que são empregadas por falta de melhores
alternativas.

Esses problemas, e as questões teóricas e conceituais sobre a própria validade dos


agregados monetários das contas nacionais, fazem com que alguns defendam o uso de outras
formas de registro de impactos ambientais e de acompanhamento da evolução do patrimônio de
recursos naturais. Para essa evolução, há a alternativa adotada pela França e pela Noruega, de
efetuar rigoroso acompanhamento, em termos físicos e não monetários, para cada recurso,
computando as reservas, a extração e as adições às reservas ocorridas ao longo de cada ano.

Na verdade, há dúvidas quanto a validade do emprego de agregados e indicadores


ambientais expressos em unidades monetárias, quando não acompanhados de dados e
informações sobre os fenômenos por detrás desses agregados e indicadores, expressos em
unidades físicas. Receia-se que o véu monetário possa esconder problemas ambienteis concretos,
que requerem ações específicas para a sua solução. É por isso que, mais recentemente, as Nações
Unidas passaram a admitir que o sistema de contas satélites ambientais permita o acoplamento
de informações e análises em termos físicos ao sistema de contas monetárias (United Nations et
al., 1993, p. 489). E é o que vem sendo feito por alguns países. Há duas experiências que
merecem ser ressaltadas: as do Canadá da Holanda.

Desde 1992 o Canadá, um dos países pioneiros no esforço de aperfeiçoar seu sistema de
contas e indicadores ambientais, vem desenvolvendo um novo sistema de contas satélites
ambientais e de recursos naturais -- a ser acoplado ao seu sistema de contas nacionais. Esse
sistema deverá incluir quatro componentes distintos (Smith, 1994, p. xi e xii):
245

• Contas de estoques de recursos naturais, tanto em termos físicos como monetários,


registrando a magnitude e a composição das reservas conhecidas do patrimônio de recursos não
produzidos do país.

• Contas de usos de recursos naturais, em termos físicos, mostrando quando e de que


forma recursos não produzidos são trazidos à esfera econômica para uso em atividades de
produção e de consumo.

• Contas de resíduos e dejetos (de poluição) das atividades de produção e consumo, em


termos físicos. Estas registrarão os tipos e quantidades de resíduos gerados, em nível dos
diferentes segmentos do sistema econômico, como resultados das atividades de produção e de
consumo.

• Contas de dispêndios ambientais, identificando os gastos, tanto de capital como


operacionais, destinados à proteção do meio-ambiente e à conservação de recursos naturais,
realizados pelo governo, por empresas e pelo setor de famílias.

A idéia é que esses elementos sejam parte de uma ampla matriz de relações intersetoriais,
permitindo o desenvolvimento de contas de estoques e fluxos, expressas em termos físicos e
monetários, pertinentes à avaliação da evolução do uso de recursos naturais e das condições do
meio-ambiente do país.

A organização de estatística do Canadá enfatiza as dificuldades que existem para tornar


operacional o seu sistema de contas satélites e deixa claro que muita pesquisa e muito trabalho
no desenvolvimento de bases de dados serão necessários antes que o país esteja em condições de
gerar periodicamente um conjunto de "agregados verdes" que tenha sentido e que seja confiável
e de ampla aceitação (Smith, 1994, p. xvi).

A Holanda também vem se envolvendo decisivamente em aperfeiçoar o seu sistema de


contas nacionais, para fazê-lo considerar os impactos do funcionamento da economia sobre o
meio-ambiente. Foi um dos primeiros países a criar um sistema de contas satélites ambientais,
mas também não se contentou em registrar impactos ambientais em termos monetários, tendo
desenvolvido um sistema integrado de contas econômicas e ambientais -- o seu National
Accounting Matrix including Environmental Accounts (o sistema NAMEA).

O NAMEA é um sistema de informações estatísticas que combina contas nacionais e


contas ambientais em uma única matriz, com o objetivo de gerar indicadores resumidos,
integrados e consistentes das condições e tendências do meio-ambiente, e o de fornecer um
referencial analítico integrado e consistente para a orientação de políticas públicas e para estudos
e análises teóricas.12

O sistema NAMEA considera a depleção de três tipos de recursos naturais relevantes


para a Holanda (petróleo, gás natural e madeira), e cinco tipos de degradação ambiental (o efeito
estufa, a depleção da camada de ozônio, a acidificação (a chuva ácida), a eutroficação e o
acúmulo de lixo). Mais recentemente, o sistema incorporou outros fluxos ambientais relevantes,
bem como dados sobre o uso do espaço. Cada um desses temas é representado por intermédio de
um indicador, e o sistema gera um conjunto de indicadores-síntese para a avaliação e
acompanhamento de problemas ambientais considerados prioritários.

12
Para detalhes sobre o NAMEA, ver Keuning, 1996.
246

A Holanda considera que a mera subtração de custos ambientais e o cômputo da variação


líquida do patrimônio de recursos não produzidos não só não é suficiente para orientar políticas e
ações visando o desenvolvimento sustentável, como pode até originar avaliações e políticas
erradas. Julga fundamental examinar relações físicas. Por isso, o sistema NAMEA também se
vale de dados e informações computados em termos físicos. As Contas Nacionais da Holanda
são expandidas com base em "contas de substâncias", evitando as hipótese heróicas requeridas
para uma monetização de todos os aspectos relevantes da inter-relação entre a economia e o
meio-ambiente (Keuning, 1996, p. 226).

Outros países também estão trilhando caminhos semelhantes. Cada um destes procura
construir seu sistema de contas satélites para fazer com que se considerem os aspectos
ambientais mais relevantes. E o faz trabalhando variáveis críticas, não só em termos monetários,
como em unidades físicas. O sistema da Grã Bretanha, por exemplo, tem contas satélites que
incluem o acompanhamento da depleção das reservas de petróleo e de gás (tanto em unidades
físicas como em valor), as emissões para a atmosfera das indústrias e do setor consumidor, e os
dispêndios em proteção ambiental por setores críticos em termos de agressão ao meio-ambiente
(Edward-Jones, 2000, p. 175).

Em suma, embora a Comissão de Estatística das Nações Unidas já tenha aprovado


proposta de metodologia para um sistema de contas satélites ambientais, esta não foi amplamente
aceita e vêm surgindo abordagens alternativas e complementares. O caminho parece promissor,
mas ainda se está longe de um consenso internacional sobre uma metodologia mais abrangente e
relevante, de ampla aceitação.

APÊNDICE AO CAPÌTULO 20

ELEMENTOS INTRODUTÓRIOS DE CONTAS NACIONAIS

Segue-se uma breve explanação para os não iniciados, da metodologia e da natureza dos
indicadores do Sistema de Contas Nacionais.

A1. O que representam os indicadores do Sistema de Contas Nacionais

O principal agregado das Contas Nacionais é o do Produto Interno Bruto (PIB). Como
indicado acima, este é obtido a partir da soma do valor da produção de bens e serviços da
economia em um dado período. A questão é: devem ser incluídos todos os bens e serviços? A
resposta é não. Incluem-se apenas os bens e serviços finais. As matérias primas e produtos
intermediários usados na produção são excluídos. Isso é feito para evitar contagem múltipla.

O exemplo adiante pode ajudar a esclarecer a questão. Suponhamos que, numa economia
em um determinado ano tivéssemos o seguinte setor produtivo composto de três ramos:

Ramo Quantidade Valor da


produtivo Produto produzida Preço unitário produção

Agricultura Trigo 1.000 sacas R$ 10,00/saca R$ 10.000


247

Moinhos Farinha 50.000 kg R$ 0,30/kg R$ 15.000


Panificadoras Pão 220.000 pães R$ 0,10 cada R$ 22.000

A primeira vista parece que basta somar a coluna de valor da produção (R$ 47.000). O
problema é que, fazendo isso estaremos realizando contagem múltipla. Nos R$ 47.000 obtidos,
o valor do trigo entra três vezes (uma na produção da agricultura, outra da dos moinhos e ainda
outra, na das panificadoras); e o valor da farinha é contada duas vezes (uma na produção dos
moinhos e outra na das panificadoras). O correto é, pois, registrar apenas o valor do produto
final: o pão. Fazendo assim, a contribuição desses ramos de atividade para o PIB da economia é
R$ 22.000.

Este é o método do produto final de medir o PIB. O problema com este métodos, porém,
é o de determinar, em situações concretas, o que é produto final e o que é matéria prima ou
produto intermediário. O pão, por exemplo, é bem final para a família que o consome, mas é bem
intermediário para uma loja de sanduíches. Operacionalmente, seria extremamente difícil
computar o PIB com base nesse método.

Alternativamente, pode-se determinar o PIB com base no método do valor adicionado à


produção em cada estágio do processo produtivo. O valor adicionado é igual ao valor bruto da
produção de cada estágio menos as matérias primas e produtos intermediários usados no
estágio.

Usando o exemplo acima, suponhamos, para simplificar, que o trigo seja produzido
apenas com terra e mão de obra, sem o uso de qualquer insumo (matéria prima); que a única
matéria prima na produção da farinha seja o trigo; e que a única matéria prima na produção do
pão seja a farinha. Suponhamos também, que todo o trigo seja vendido aos moinhos para fazer
farinha, e que toda a farinha seja vendida às panificadoras para fazer o pão. Em outras palavras,
o trigo e a farinha são apenas produtos intermediários (matérias primas); nenhuma parcela destes
é produto final. O cálculo do valor adicionado é ilustrado a seguir:

Setor produtivo Valor bruto da produção Matéria prima comprada Valor adicionado à
de outro setor produção
(1) (2) (1) - (2)
Agricultura R$ 10.000 0 R$ 10.000
Moinhos R$ 15.000 R$ 10.000 R$ 5.000
Panificadoras R$ 22.000 R$ 15.000 R$ 7.000
TOTAL R$ 47.000 R$ 25.000 R$ 22.000

Note-se que a soma do valor adicionado em todos os estágios iguala a soma do valor
bruto da produção menos a soma das matérias primas adquiridas e usadas pelos ramos
produtivos. E este montante corresponde, no nosso exemplo, à contribuição do setor agricultura-
moinhos-panificadoras ao Produto Interno Bruto (PIB) da economia, no ano em questão. E é
igual, também, ao valor do produto final (do pão).

Por sua vez, o valor adicionado em cada estágio do processo produtivo é igual à renda
distribuída aos agentes envolvidos no processo. Ou seja, corresponde à soma dos salários pagos
aos trabalhadores, com a renda da terra, com os juros pagos no financiamento da produção e
248

com os lucros dos empreendedores. Vamos supor que, no caso acima, tenha sido a seguinte a
repartição do valor adicionado:

Ramo Produto Valor Distribuição do Valor


produtivo Adicionado Adicionado
(= Renda)
Agricultura Trigo R$ 10.000 Salários R$ 6.000
Renda R$ 1.500
Juros R$ 1.000
Lucro R$ 1.500
Moinhos Farinha R$ 5.000 Salários R$ 3.000
Renda R$ 500
Juros R$ 500
Lucro R$ 1.000
Panificadoras Pão R$ 7.000 Salários R$ 3.500
Renda R$ 1.500
Juros R$ 500
Lucro R$ 1.500

Note-se que a soma do Valor Adicionado é igual a soma das rendas distribuídas no
processo produtivo. Ou seja:

Soma dos salários = R$ 12.500


Soma das rendas = R$ 3.500
Soma dos juros = R$ 2.000
Soma dos lucros = R$ 4.000
TOTAL R$ 22.000

A2. Principais indicadores do Sistema de Contas Nacionais (SCN)

Com base no visto acima, podemos definir:

Produto Interno Bruto (PIB). Soma do valor de todos os bens e serviços finais
produzidos pela economia em um dado período. É, da mesma forma, igual a soma do valor
adicionado à produção, por todos os setores da economia, no período.

Renda interna bruta (RIB). É igual à soma de todos os rendimentos gerados na


economia no período (salários, ordenados, renda da terra, juros, lucros, impostos).

PIB = RIB em um mesmo período, pois, como vimos, o valor adicionado é igual à
soma das rendas geradas no período. Em outras palavras, o valor adicionado é distribuído
na forma de salários, ordenados, renda da terra, juros, lucros, impostos. Por isso a
identidade do PIB com a RIB.

Despesa Interna Bruta (DIB). É igual ao total dos gastos da renda gerada pela
economia no período. Compreende o total dos gastos em bens e serviços de consumo, em
bens de capital (investimento), os gastos do governo e as exportações menos as
importações. Para um dado período, DIB = RIB = PIB.
249

Outros indicadores do SCN:

Produto Interno Líquido (PIL) = PIB – a depreciação (D) do capital produzido


(máquinas, equipamentos, construções) da economia.13 A depreciação compreende o valor do
desgaste do estoque de capital da economia no processo produtivo, ao longo do período. Em
tese, todo o PIL de um dado ano poderia ser consumido sem deixar a economia mais pobre. Mas
se todo o PIB fosse consumido, desapareceria parte do estoque de capital (a parte do capital
desgastado, não reposta) e a economia se tornaria mais pobre. Evidentemente, o PIL nunca é
todo consumido; parte deste é investida, possibilitando o crescimento econômico.

Renda per capita = RIB dividida pela população da economia no período. Neste caso,
temos a renda per capita bruta. Mas fazendo RIB - depreciação, teremos a Renda Interna Líquida
(RIL), e a renda per capita (líquida) seria igual a RIL / população.

PIB nominal versus PIB real.

O PIB nominal é computado tomando os preços médios dos bens e serviços vigentes em
cada período. Se houver inflação e esses preços sofrerem aumentos; e no ano seguinte o PIB
nominal também registrará incremento, mesmo que a economia não cresça.

O PIB real, por sua vez, é o PIB calculado com base em preços fixos de um determinado
ano, denominado ano-base. É como se o SCN tomasse as quantidades relevantes do ano e as
multiplicasse pelos preços vigentes no ano-base. Na prática, porém, calcula-se o PIB nominal
para cada ano e se usa índices de preços para ajustar o valor do PIB aos preços do ano-base.

A.3. Crescimento econômico

Se temos o PIBt e PIBt+1 (ou seja, o Produto Interno Bruto em dois anos), o crescimento
da economia é calculado pela fórmula:

Taxa de crescimento entre (t) e (t+1) = {(PIBt+1 – PIBt ) / PIBt} . 100

Observe-se, entretanto, que o que queremos é o crescimento real da produção de bens e


serviços finais, e não o crescimento de seu valor nominal. Assim, para calcular a taxa de
crescimento entre dois anos, usamos o PIB real e não o PIB nominal.

Vamos ilustrar a diferença, com o nosso exemplo do trigo-farinha-pão. Suponhamos que


em dois anos a produção final e os preços foram:

Ano(t): 220.000 pães, a R$ 0,10 cada = R$ 22.000

Ano (t+1): 231.000 pães, a R$ 0,25 cada = R$ 57.750

A contribuição para o PIB nominal desse setor passou de R$ 22.000 para R$57.750 entre
os dois anos. O crescimento da mesma, em termos nominais, foi:

{(57.750 – 22.000) / 22.000} . 100 = 162,5%

13
Não se inclui no PIL a depreciação do capital natural; como vimos, este é um dos problemas com o SCN.
250

Essa taxa nada nos informa sobre o comportamento do setor produtivo da economia, pois
mistura alta de preços com o aumento de produção.

Para determinar o crescimento do PIB desse setor em termos reais, se o ano-base for (t),
calcula-se o valor do produto final do setor para os dois anos com base no preço vigente nesse
ano. Ou seja:

Ano (t): 220.000 pães, a R$ 0,10 cada = R$ 22.000

Ano (t+1): 231.000 pães, a R$ 0,10 cada = R$ 23.100

O crescimento em termos reais da contribuição do setor terá sido:

{(23.100 - 22.000) / 22.000} . 100 = 5,0%

Esses 5% refletem a expansão real do produto do setor trigo-farinha-pão.

Assim, ao se estabelecer o crescimento do PIB de uma economia entre dois anos,


devemos tomar o produto nominal da economia nos dois anos e, usando índice de preços
apropriado, transformar os dados nominais em dados a preços constantes (preços de uma dado
ano-base). Só então se calculará o crescimento.

A4. Alguns problemas com o cálculo do PIB

• Estabelecer o valor de muitos produtos e insumos é fácil. Entretanto, este não é o caso
com outros. Exemplos:

•• Como calcular a contribuição do governo ao PIB? O que é a produção do governo?


Solução adotada: tomar o custo dos serviços efetuados pelo governo como sua contribuição ao
PIB.

•• Como determinar o valor de produtos e serviços não transacionados em mercado? Há


várias regras e convenções aqui, algumas um tanto arbitrárias. Exemplos:

•••Bens e serviços transacionados em mercados informais – regra: realizar, da melhor


forma possível, estimativas. Se for muito difícil, ignorar.

•••Serviços de residência habitada por proprietário que, portanto, não paga aluguel –
regra: imputar (estimar) o valor do aluguel do imóvel e incluir no PIB.

•••Valor dos serviços da dona de casa prestados no lar – regra: não computar.
•••Produtos e serviços considerados ‘mal’ social – regra: não incluir no cálculo do
PIB. Assim, a produção de drogas, os serviços do jogo ilegal, da prostituição, não são
registrados. Exemplo de problema com isso: no Brasil, hoje o jogo do bicho é ilegal e não se
computa a sua contribuição. Se, de uma hora para a outra, se legalizar o bicho, o PIB do Brasil
aumenta, sem que nada tenha mudado na economia.

Como se explica no texto, o SCN apresenta sérias deficiências no que tange aos registros
dos impactos sobre o meio-ambiente do funcionamento do sistema econômico.
PARTE IV

ECONOMIA DO MEIO-AMBIENTE E A PRESERVAÇÃO DAS


OPORTUNIDADES DAS GERAÇÕES FUTURAS:
A ‘ECONOMIA DA SOBREVIVÊNCIA’
253

Capítulo 21. A economia da sobrevivência: fundamentos e visão analítica

1. Introdução

Conforme já ressaltado, a economia do meio-ambiente se desenvolveu a partir do final


da década de 1970, respondendo a uma falha do mainstream da análise econômica. Hoje esse
campo das ciências econômicas se apresenta em duas grandes vertentes: a da economia
ambiental neoclássica, e a da economia ecológica. A grande diferença entre essas vertentes está
na hipótese ambiental das duas: vimos que a economia ambiental neoclássica considera o meio-
ambiente essencialmente neutro e passivo e volta suas atenções aos efeitos de impactos
negativos do sistema econômico em termos de bem-estar dos indivíduos em sociedade.
Considera que esses impactos podem causar desconforto e danos, mas seus modelos se
assentam na hipótese implícita de que eles podem ser revertidos sem grandes dificuldades como
resultado da adoção de medidas e políticas que internalizem as externalidades que os causaram.
Para essa vertente, o que vale é o bem estar dos indivíduos e não a sanidade do meio ambiente;
esta só interessa se, ao ser alterada pelo funcionamento do sistema econômico, vier a provocar
desconforto ou prejuízo aos agentes econômicos. Mas esse desconforto pode ser facilmente
amenizado por medidas de internalização de externalidades. Implícita na vertente da economia
ambiental está a hipótese de que os danos ambientais causados pelo sistema econômico são
reversíveis bastando, para tal, que ocorra uma redução na pressão que os causou.

A outra vertente da economia do meio-ambiente – a da economia ecológica – rejeita


essa postura. Esta vertente considera que, nos dias de hoje, ao interagir com o meio ambiente, o
sistema econômico provoca sensíveis alterações, parte das quais irreversíveis. Rejeita a idéia
que é ilimitada a capacidade do meio-ambiente de fornecer recursos naturais e de absorver
resíduos e poluição emanados pelo sistema econômico; considera que muitos dos danos
ambientais que este provoca, não são facilmente reversíveis. Pondera que embora o meio-
ambiente seja dotado de resiliência, que o permite se regenerar em resposta a impactos externos
moderados, se a intensidade dos impactos se ampliar muito, essa resiliência poderá ser
comprometida. Na sua análise, a economia ecológica tem uma visão biológica da inter-relação
entre a economia e o meio-ambiente: trata o sistema econômico como um ser vivo, que
intercambia energia e matéria com seu meio externo; e considera que, atualmente, a escala do
sistema econômico, e a natureza de seus impactos são tais, que se sua expansão continuar, a
estabilidade do ecossistema global poderá vir a ser seriamente afetada, com conseqüências
potencialmente catastróficas.

A Parte IV examina as principais contribuições da corrente de pensamento da


economia-ecológica que, por razões que se tornarão óbvias, denominamos de economia da
sobrevivência. Diferentemente da economia ambiental neoclássica, examinada na Parte III, a
economia da sobrevivência longe está de constituir corrente de pensamento fortemente
estruturada e influente. Na verdade, o que se observa é apenas um conjunto de autores e grupos
de pesquisa cujas análises dão ênfase absoluta à necessidade da preservação das oportunidades
das gerações futuras. O que caracteriza as contribuições para essa escola é uma visão pré-
254

analítica1 comum: a de um forte compromisso com as gerações futuras numa perspectiva


temporal que vai além de uma ou duas gerações – o horizonte temporal que prevalece na
economia ambiental neoclássica.
Em linhas muito gerais, são elementos centrais da visão pré-analítica da economia da
sobrevivência as constatações: de que, na sua perspectiva temporal, alguns dos materiais
fundamentais para o funcionamento do sistema econômico, retirados do meio-ambiente –
inclusive os combustíveis fosseis –, existem em quantidades limitadas, que decrescem com o
uso; e que é fixa, e menor que comumente se imagina, a capacidade do ecossistema global de
suportar os impactos gerados pela econosfera e de assimilar resíduos e a poluição que esta vem
gerando, e de se regenerar. Ao ritmo que prevalece nos dias de hoje, o crescimento econômico
horizontal – mais gente, embora com aumentos reduzidos de renda per capita – dos países
pobres, juntamente com o crescimento vertical – população quase estacionária mas com
significativos aumentos de renda per capita – dos países ricos, estão provocando, não só rápida
depleção de recursos naturais vitais, como extensa destruição de espécies e perigosa
acumulação no ecossistema de resíduos e rejeitos. Para a economia da sobrevivência, sem
radicais mudanças das práticas correntes o bem estar – ou mesmo a sobrevivência – da
humanidade em um futuro mais distante estarão comprometidos.

Observam-se, na ciência, essencialmente duas visões de futuro: a de um porvir de


crescente e ilimitada prosperidade, apoiado nos avanços da tecnologia e em rápidos ajustes da
organização social. E a dos que se preocupam com a fragilidade dos sistemas ambientais e
sociais em face às elevadas taxas de crescimento da produção e, especialmente em partes do
nosso globo, da população; e considera real a possibilidade de virem a ocorrer efeitos
indesejáveis dos atuais avanços tecnológicos.

Exemplos da primeira visão estão no otimismo quase exultante de alguns setores da


economia neoclássica (ver Baumol et al., 1989), e cujo exemplo mais radical está no texto de
Auer, de 1977.2 Um exemplo extremo da postura pessimista a respeito das limitações impostas
pelo meio-ambiente impõe à continuação da expansão econômica, tanto horizontal como
vertical, variam do profundo pessimismo está no The Limits to Growth,3 que no começo da
década de 1970 previu inescapável catástrofe global para meados do próximo século. Entre
esses extremos, a posição da economia da sobrevivência está mais próxima da do The Limits to
Growth, embora reconheça os exageros e as deficiências do modelo de simulação no qual se
baseou aquele relatório.4

1 A noção de visão pré-analítica é de Schumpeter (1954, p. 41, apud de Daly, 1991, p. 255). Para esse autor, o
"esforço analítico é necessariamente precedido por um ato cognitivo pré-analítico, que fornece suporte a esse
esforço analítico."

2 Ver Auer (1977, especialmente pp. 318-319). Para esse autor, mesmo que, ao longo do século XXI, a população
mundial aumente dez vezes, e que a demanda de energia tenha incrementos semelhantes, serão descobertas ou
tornadas viáveis novas fontes de energia (a energia solar, e/ou a atômica) quase ilimitadas, viabilizando tais
aumentos. Auer reconhece que existem limites físicos, mas está confiante que estes só virão a ter impactos mais
sérios num prazo de tempo tão longo a ponto de se tornarem irrelevantes para a humanidade, pois antes terão
ocorrido catástrofes naturais tornando quase impossível a vida na terra.

3 Ver Randers e Medows, 1975. Trata-se do estudo, já mencionado, que o Clube de Roma encomendou a um
grupo de cientistas do Massaschutes Institute of Technology (MIT), com o objetivo de avaliar as perspectivas de
longo prazo do mundo contemporâneo.
4
Ver, por exemplo, Georgescu-Roegen, 1975, pp. 364-66.
255

Vimos que, para ser relevante, uma corrente da economia ambiental deve contemplar,
pelo menos em parte, as três condições centrais do conceito de sustentabilidade: (1) a condição
pareteana de que seja assegurada, pelo menos a manutenção do bem-estar dos que, no presente,
vivem no Primeiro Mundo; (2) o requisito de se dar absoluta prioridade ao atendimento das
"necessidades básicas dos pobres de todo o mundo; e (3) a condição fundamental de que tudo
isso seja feito "sem o comprometer a capacidade das gerações futuras de atender às suas
necessidades".5 É necessário reconhecer, entretanto, que correntes de pensamento diferentes
dão mais ênfase a um ou a outro desses três elementos. Os modelos da economia ambiental
neoclássica, por exemplo, tendem a enfatizar os problemas associados à degradação ambiental
decorrente do funcionamento das economias de mercado avançadas, ressaltando a condição (1).
Em contraste, a economia da sobrevivência – aqui avaliada – ressalta os impactos das ações do
presente em termos do cumprimento do requisito da preservação das oportunidades das
gerações futuras, em linha com a condição (3).

2. Hipóteses ambientais e a economia da sobrevivência

Com a finalidade de estabelecer as bases para uma comparação entre as duas correntes
da economia do meio-ambiente, resumimos aqui a essência da visão neoclássica, ressaltando
aspectos das análises dessa escola hegemônica que vêm recebendo críticas. A Figura 1, abaixo,
apresenta esboço das inter-relações entre o sistema econômico e o meio-ambiente. O sistema
econômico aparece interagindo explicitamente com o meio-ambiente; este fornece recursos
naturais essenciais à produção e recebe do sistema econômico fluxos de resíduos dejetos,
responsáveis por sua degradação. Dependendo do horizonte temporal que considere, e do seu
viés analítico, a abordagem de uma dada corrente de pensamento econômico pode ir, desde o
tratamento exclusivo de fenômenos que ocorrem dentro da caixa do sistema econômico, até
uma abordagem que privilegie as inter-relações entre o sistema econômico e o meio-ambiente.
Vimos que o “mainstream” neoclássico se concentrou nos fenômenos que ocorrem dentro da
caixa, ignorando os impactos dos processos econômicos sobre o meio-ambiente. E, que quando,
no final da década de 1960, a pressão dos acontecimentos fez surgir, quase que na forma de
uma variante setorial, de uma área de especialização, a economia ambiental neoclássica, esta
especificou inter-relações apenas superficiais entre o sistema econômico e o seu meio externo.

Diferentemente dos enfoques neoclássicos, a ênfase no muito longo prazo da economia


da sobrevivência – uma decorrência de seu compromisso com o futuro da humanidade –, levou-
a a focalizar com muito cuidado o conjunto das relações esboçadas na Figura 1. Considera,
pois, explicitamente a economia um subsistema de um sistema maior – o ecossistema global –,
com o qual se inter-relaciona; e, se esforça para estabelecer de forma clara, evitando hipóteses
excessivamente simplificadoras, a inter-relação entre os dois sistemas.

Desde o início, a economia ecológica assumiu postura crítica em relação ao


“mainstream’ da análise econômica. Georgescu-Roegen (1975, p. 348), um dos fundadores da
economia ecológica, por exemplo, recrimina a análise neoclássica por sua teimosia em adotar
epistemologia mecanicista, “um dogma banido até pela física”. Essa epistemologia considera o
processo econômico “um análogo mecânico, consistindo – como todos os análogos mecânicos
– de um princípio de conservação e uma regra de maximização.”

Na verdade, a crítica de Georgescu-Roegen à epistemologia da análise neoclássica – que


recebe o apoio da maioria dos autores da economia da sobrevivência – trouxe para o âmbito

5
Em linha com a conceituação de ‘desenvolvimento sustentável’ da Comissão Mundial do Meio-Ambiente e
Desenvolvimento das Nações Unidas (CMMD, 1987, p. 43).
256

das ciências econômicas um confronto mais amplo, entre a epistemologia da ciência clássica e a
da ciência moderna. O Quadro 1 contém um trecho sugestivo a esse respeito, de autoria do
eminente físico e Prêmio Nobel Ilya Prigogine. Como se vê ali, a epistemologia mecanicista da
ciência clássica a fez conceber um mundo cujo funcionamento, governado por leis
fundamentais reversíveis no tempo, é simples, previsível e reversível. Mas, na sua maior parte,
a ciência moderna não aceita essa concepção; sua epistemologia considera um mundo
complexo, em que a irreversibilidade e o comportamento estocástico são a regra e não exceção.

FIGURA 1. INTE-RELAÇÕES ENTRE O SISTEMA ECONÔMICO E O MEIO-


AMBIENTE

RECURSOS ESTADO
NATURAIS GERAL
COMO DO MEIO-
INSUMOS AMBIENTE
Rejeitos; Rejeitos;
Degradação Degradação
MEIO-AMBIENTE

SISTEMA
ECONÔMICO
Produção Consumo

Reciclagem

Ao contrário do que aconteceu com a física, a química, a cosmologia e a biologia,


entretanto, que há muito rejeitaram a velha epistemologia, o ‘mainstream’ da análise econômica
continua a se valer da epistemologia mecanicista. Isso a despeito de mais de três décadas de
críticas de autores da economia ecológica. Uma das decorrências dessa epistemologia é o
tratamento da economia como um sistema cujas inter-relações com o seu meio externo são
destituídas de importância. Conforme ressalta Georgescu-Roegen (1975), uma ilustração dessa
postura está “no gráfico que aparece em quase todos os manuais de introdução à economia,
retratando o processo econômico como um fluxo auto-sustentado e circular entre a ‘produção’
e o ‘consumo’.” O ponto crucial, é que o “processo econômico não é um processo isolado e
auto-contido. Ele não pode persistir sem um intercâmbio contínuo que altera o meio-ambiente
de forma cumulativa, e sem ser, por sua vez, influenciado por tais alterações. Os economistas
clássicos (...) insistiam na relevância econômica desse fato. Entretanto, economistas, tanto
convencionais (neoclássicos) como marxistas decidiram ignorar completamente o problema
dos recursos naturais.”... Ao tratar o processo econômico como um análogo mecânico, o
‘mainstream’ da economia “implicitamente supõe que o sistema econômico funciona como
espécie de carrossel de parque de diversões, não podendo, de nenhuma maneira, afetar o meio-
ambiente (...)” (p. 350-351).
257

Esse ponto foi ampliado por Perrings (1987); segundo esse autor, os modelos da análise
econômica convencional baseiam-se em uma das seguintes hipóteses ambientais: a hipótese
ambiental tênue, segundo a qual o meio-ambiente não é inteiramente dominado pelo sistema
econômico, mas o papel que desempenha é benigno e passivo; e a hipótese ambiental forte,
segundo a qual a economia domina completamente o seu meio externo, o que equivale a dizer
que o meio-ambiente não existe.

Quadro 1. Contraste entre a ciência clássica e a ciência moderna.

O assunto é discutido no livro Prigogine e Stengers (1984), que explora e estende as


contribuições do autor principal, Ilya Prigogine, Prêmio Nobel de 1977 por seu trabalho na
termodinâmica de sistemas longe do equilíbrio. Na introdução, os autores contrapõem a epistemologia
da ciência clássica (cuja epítome é a mecânica newtoniana), à da ciência moderna.
Iniciam reconhecendo a contribuição da ciência clássica, de ter iniciado um diálogo com a
natureza. Mostram, entretanto, que o primeiro resultado desse diálogo foi a “descoberta de um mundo
silencioso. Esse é o paradoxo da ciência clássica. A mesma revelou ao homem uma natureza morta,
passiva, uma natureza que, uma vez programada, continua a seguir as regras inscritas no programa.
Nesse sentido, o diálogo com a natureza isolou, ao invés de aproximar, o homem da natureza .”
As hipóteses básicas da ciência clássica “se centravam na convicção de que, em um certo nível,
o mundo é simples e governado por leis fundamentais reversíveis no tempo.”(...) Só “leis eternas eram
vistas como aptas a traduzir a racionalidade científica. A temporalidade era encarada como ilusória.”
Hoje isso tende a ser rejeitado. Descobrimos que, longe de ser uma ilusão, a irreversibilidade
desempenha um papel essencial na natureza e está na origem da maioria dos processos de auto-
organização. Achamo-nos em um mundo em que a reversibilidade e o determinismo se aplicam apenas
a casos limites, simples, enquanto a irreversibilidade e o comportamento estocástico são a regra.”
Os autores insistem no “caráter pluralístico e complexo do universo. (...) Atualmente vemos em
toda a parte o papel de processos irreversíveis, de flutuações. Os modelos considerados pela física
clássica nos parecem ocorrer apenas em situações limite, como as que podemos criar artificialmente ao
colocar matéria em uma caixa e esperar que atinja o equilíbrio.” (...) Agora “temos uma nova visão de
matéria na qual esta não é mais a substância passiva descrita na visão de mundo mecanicista mas está
associada à atividade espontânea. Trata-se de mudança profunda, que “estabeleceu um novo diálogo
entre o homem e a natureza.”
É importante enfatizar “que essa evolução da ciência se processou quase paralelamente em
vários níveis, sejam estes o das partículas elementares, o da química, o da biologia ou o da cosmologia.
Em toda a escala, a auto-organização, a complexidade e o tempo passaram a desempenhar um novo e
inesperado papel”. Esse processo de mudança iniciou-se no começo do século XIX, “quando a ciência
clássica ainda se mostrava triunfante”. E um dos catalisadores foi “o desenvolvimento da ciência do
calor, esse rival da ciência da gravidade de Newton”. [12] (...) “Os dois descendentes da ciência do
calor, a ciência da conversão da energia e a ciência das máquinas térmicas, deram origem à primeira
ciência ‘não-clássica’ – a termodinâmica. E a contribuição mais original da termodinâmica é a celebre
segunda lei [a lei da entropia], que introduziu na física a flecha do tempo” e, com ela, o reconhecimento
da irreversibilidade de alguns processos.
Como veremos, leis da termodinâmica, notadamente a lei da entropia, desempenham um papel
central na economia ecológica.

Fonte: Prigogine, Ilya e Isabelle Stengers, 1984, p. 4-12.

Vimos que, para os economistas clássicos (do final do século XVIII e parte do século
XIX) a hipótese ambiental tênue tomou, então, a forma de um meio-ambiente provedor de
258

‘dádivas gratuitas’. Supunham também, implicitamente, que a economia pudesse se desfazer no


meio ambiente, sem maiores conseqüências, os seus dejetos – o que, entretanto, era razoável
dada a escala, mesmo das economias mais desenvolvidas de seu tempo. O meio ambiente era
considerado, ao mesmo tempo, uma cornucópia de recursos naturais e um poço sem fundo para
os dejetos gerados pelo sistema econômico. E, como apenas excepcionalmente o meio-ambiente
podia restringir o funcionamento do sistema econômico, não era necessário representa-lo de
forma explícita (Perrings, 1987, p. 6).

A hipótese ambiental forte da classificação de Perrings surgiu com a ascendência da


economia neoclássica; a hipótese transparece nitidamente nos modelos neoclássicos
convencionais de equilíbrio geral e de crescimento econômico. Nestes, o processo produtivo é
tratado como se os recursos naturais emanassem nas quantidades necessárias do próprio sistema
econômico e como se este pudesse assimilar impunemente volumes ilimitados de dejetos.
Nesses modelos não há a possibilidade de a disponibilidade de recursos naturais e a capacidade
de assimilação de dejetos virem a constranger o funcionamento da economia. Esta é
considerada um sistema isolado, autocontido, no qual "todos os processos são controlados
pelos agentes econômicos respondendo [exclusivamente] ao sistema de preços."(Perrings,
1987, p. 6).

Pode-se alegar que as alterações introduzidas pela economia ambiental


neoclássica a partir do final da década de 1960, incorporando explicitamente o meio-ambiente à
análise, removeram objeções desse tipo. Com efeito, vimos que, nos trabalhos pioneiros de
Robert Ayres e Allen Kneese (1969) e no de outros economistas neoclássicos,6 a economia
passou a ser tratada como um sistema inserido no meio-ambiente, obtendo deste a energia e a
matéria para transformação pelo processo produtivo e devolvendo as ao ecossistema, na forma
de emanações, resíduos e dejetos. Em termos da figura 1, com essa inovação a economia
ambiental neoclássica passou a enfocar o conjunto, e não exclusivamente o sistema econômico.
Passou a ver o processo econômico ocorrendo, não na forma de fluxos circulares, mas como
fluxos unidirecionais de energia e de matéria.

Conforme argumentamos acima, a despeito desses avanços, quando se examina a


essência das suas contribuições, verifica-se que a economia ambiental neoclássica se apoia em
hipótese ambiental tênue. São elementos fundamentais dessa escola de pensamento, as
premissas da soberania do consumidor individual, da santidade do princípio da propriedade
particular, e sua análise conduz a preocupações de longo prazo que se limitam a um horizonte
de, no máximo, duas gerações.7 Na verdade, essa corrente de pensamento é basicamente uma
adaptação do “mainstream” neoclássico. Embora rejeite a representação do processo econômico
na forma de fluxos circulares e em isolamento, considera que o sistema econômico está inserido
em um meio externo essencialmente passivo, que aceita sem maior comoção diferentes graus de
degradação. A degradação é vista, antes de tudo, como um problema dos agentes econômicos a

6
Para mais detalhes, ver a Parte III. 2, acima.
7
Robert Solow (1974) tem uma justificativa bastante representativa dessa postura. Na sua celebrada Aula Magna
Richard T. Ely o autor afirma: “Nos mercados da vida real, as gerações futuras são representadas apenas por
nós, seus futuros ancestrais. Entretanto, as gerações se superpõem, de forma que eu me preocupo com meus
filhos, estes com os seus, e assim por diante. Não é, pois, fundamentalmente implausível considerar corretos ex
post os pesos que se tendem a atribuir ao bem-estar dos que só viverão daqui a mil anos. Nós nos demos muito
bem nas mãos dos nossos ancestrais. Se tivermos em vista a sua pobreza e a nossa riqueza, estes poderiam ter
poupado menos e consumido mais.” O autor parece considerar que a humanidade vem exercendo grande
comedimento no uso de seu capital natural.
259

quem cabe, com base em suas preferências (funções-utilidade) e custos, decidir soberanamente
o grau de degradação que consideram apropriado.
Sua teoria da poluição ilustra bem esse ponto. Vimos que a 8economia ambiental
neoclássica emprega modelos estáticos de equilíbrio geral competitivo para a análise dos
problemas decorrentes do despejo, pelos processos de produção e de consumo, de resíduos, de
poluição, no meio-ambiente, na linha da teoria das externalidades de Pigou (1932). Desse tipo
de análise emanou a convicção de que, com base principalmente em mecanismos de mercado, a
sociedade pode atingir um nível de poluição ótimo. A conclusão central é que, com
instrumentos de internalização de custos ambientais – tributos pigouvianos, licenças
negociáveis para poluir – a economia pode ser levada a atingir um nível ótimo de poluição,
nível este estabelecido com base na preferência dos indivíduos em sociedade. Atribui-se a estes
a capacidade de determinar claramente o equilíbrio entre o desconforto da poluição resultante
da produção e do consumo de bens e serviços, e a satisfação proporcionada pelo consumo
destes.

A teoria supõe que a poluição ótima é ambientalmente sustentável, mesmo num


horizonte temporal mais extenso. Alega-se que essa sustentabilidade é garantida pela presunção
de que, quando externam preferências nos mercados, considerando os mencionados tributos
ambientais e licenças negociáveis, os agentes econômicos possuem todas as informações
relevantes, inclusive, presumivelmente, sobre os impactos ambientais mais distantes de suas
ações. Uma hipótese freqüente nos modelos de equilíbrio geral é justamente a da plena
informação; cumpre lembrar, entretanto, que as informações relevantes nesses modelos se
referem ao funcionamento de mercados.

Não parece plausível supor que os indivíduos saibam avaliar fria e calculadamente as
conseqüências de suas escolhas na determinação de níveis ótimos de poluição. É difícil
imaginar que conheça os intrincados impactos da poluição sobre o meio-ambiente,
especialmente se considerarmos um horizonte temporal mais extenso. Alguns dos "trade-offs" e
substituições incorporadas aos modelos neoclássicos, ou são difíceis de serem avaliados, ou são
moralmente condenáveis. Não é plausível supor, por exemplo, que um indivíduo seja capaz de
determinar "quanto de consumo adicional (estaria disposto) a exigir como compensação por um
aumento substancial no risco de câncer" decorrente da ampliação do nível de um determinado
tipo de poluição, mesmo que soubesse avaliar esse tipo de riscos corretamente o que, por sua
vez, também é duvidoso (Pezzey, 1989, p. 12).

Vimos, também, que a teoria neoclássica da poluição vem deixando em segundo plano a
análise dos efeitos ambientais da poluição que não se dissipa – por exemplo, os impactos da
acumulação de CO2 na atmosfera – causadora do efeito estufa. Foram discutidos acima modelos
que focalizam a poluição de estoque, mas estes têm um papel quase marginal no corpo da
teoria. A análise neoclássica ignora a possibilidade de efeitos desestabilizadores sobre o meio-
ambiente da acumulação de quantidades muito elevadas de poluentes; os efeitos relevantes da
poluição acumulada também são avaliados em termos de desconforto dos indivíduos em
sociedade. Não reconhece a possibilidade de que, mesmo que a poluição ótima (do ponto de
vista dos agentes econômicos) seja atingida e se estabilize em um dado nível, muitos anos se
passarão antes que o ecossistema global alcance um equilíbrio; além disso, esse equilíbrio
poderá não ser compatível com a poluição ótima inicial.

8 Existem, evidentemente, exceções. Modelos dinâmicos como, por exemplo, o de d'Arge e Kogiku, 1973, vem
considerando simultaneamente a extração de recursos naturais e a geração de rejeitos, mas sua importância dentro
da economia ambiental neoclássica é reduzida.
260

A análise neoclássica também encontra dificuldade em tratar de casos de poluentes


múltiplos, cada um inofensivo isoladamente, mas que postos em contato reagem produzindo
elementos que, mesmo em baixas concentrações, são altamente prejudiciais. Ademais, existem
efeitos de patamar crítico (threshold effects) associados a certos tipos de poluição, e não se
9
deve ignorar o sinergismo entre diferentes poluentes. E não parece correto deixar de lado as
formidáveis incertezas que ainda existem sobre o funcionamento dos sistemas ambientais.
Conforme ressalta Martinez-Alier (1987, p. xiii), "...desconhecemos muitas externalidades;
estamos a par de outras mas nem sempre saberemos se são positivas ou negativas, e muito
menos, se faz sentido atribuir às mesmas um valor monetário", como exigido pela análise
neoclássica.

O tratamento neoclássico dos problemas da poluição reflete bem a hipótese ambiental


tênue da análise ambiental neoclássica. O meio-ambiente é considerado um espaço neutro,
benigno, ao qual se pode poluir em maior ou menor grau, com reações previsíveis e reversíveis.
E, embora a “incerteza” tenha-se incorporado à análise, ficam de fora importantes incertezas de
cunho ambiental, que não podem ser traduzidas em probabilidades.

Uma conseqüência da adoção da hipótese ambiental tênue está no flagrante otimismo


das avaliações apoiadas nos seus esquemas analíticos.10 Os economistas ambientais
neoclássicos se incluem, claramente, no grupo dos que acreditam em um futuro de crescente e
ilimitada prosperidade, apoiado na evolução da ciência, da tecnologia e da organização social.
E essa sua postura decorre, em larga medida, da hipótese ambiental que adotam.

Esta não é, entretanto, a postura da economia ecológica. A seguir discutem-se


elementos importantes para caracterizar a hipótese ambiental dessa corrente de pensamento, e
especialmente, do seu ramo que denominamos de economia da sobrevivência.

9 No seu modelo dinâmico, D'Arge e Kogiku (1972, p. 63), economistas neoclássicos, incorporaram a noção de
patamar mínimo crítico, mostrando que se pode obter cenários preocupantes do mesmo.
10
Para exemplos do otimismo neoclássico, ver Mueller, 1996.
261

Capítulo 22. O processo econômico e o meio-ambiente para a economia


ecológica: uma representação gráfica

Conforme se argumentou acima, para a economia da sobrevivência, é fundamental que,


para fins analíticos, (1) que se considere explicitamente a inserção do sistema econômico no
meio-ambiente; e (2) que se estabeleça claramente a natureza do intercâmbio entre os dois
sistemas, enfatizando fluxos físicos e não monetários. Elaborando esses aspectos, este capítulo
discute uma representação gráfica que ilustra a inserção pela economia da sobrevivência do
sistema econômico no meio-ambiente, e esboça esquematicamente como trata as inter-relações
desses dois sistemas. A análise gráfica considera, basicamente, aspectos do item (1), acima. A
sua análise da natureza do intercâmbio entre o sistema econômico e o meio-ambiente,
essencialmente qualitativa, é examinados no capítulo seguinte; essa análise é elemento
fundamentais na nossa avaliação das contribuições dessa escola de pensamento.

A representação gráfica deste capítulo foi desenvolvida por Georgescu-Roegen.11 Com


ela o autor ressalta as principais interconexões entre os segmentos básicos que compõem o
sistema econômico e o seu meio externo. O autor é um dos fundadores da economia ecológica,
e sua representação se constitui em um excelente exemplo da visão dessa corrente da economia
do meio-ambiente. Partindo do conceito de processo produtivo, tratado no Capítulo 4, o modelo
de Georgescu-Roegen supõe o sistema econômico funcionando em estado estacionário. O
sistema opera a partir de uma dada dotação de fatores de fundo (mão-de-obra, capital, e terra
ricardiana), que participam do processo produtivo durante todo o período de análise,
fornecendo serviços para transformar fatores de fluxo (insumos da natureza, insumos correntes
e fluxos de manutenção) em produtos. E, para que haja produção e consumo, é necessário que
ocorra a extração de insumos da natureza; e os processos econômicos originam o despejos de
resíduos, de poluição no meio-ambiente.

O processo é descrito pela matriz geral de fluxos da circulação da matéria e da


energia da Figura 2. As relações entre o processo econômico e o meio-ambiente, expostas pela
matriz, se reduzem a cinco categorias fundamentais:

• A extração de recursos do meio-ambiente:

eE = a energia bruta, originária do meio-ambiente;

eM = a matéria bruta, originária do meio-ambiente.

• As devoluções do processo econômico ao meio-ambiente:

dE = energia dissipada;

dM = matéria dissipada;

W = dejetos; resíduos não aproveitáveis (não reciclados).

11
A análise gráfica é de Georgescu-Roegen, 1977. A base analítica do modelo está em Georgescu-Roegen, 1971,
especialmente cap. IX.
262

Figura 2. Economia e Meio-Ambiente: Matriz Geral de Fluxos de Energia e de Matéria

MEIO-AMBIENTE

SISTEMA ECONÔMICO
Produtos
Setores cE cM K C Re Dp Hh Insumos

eE
eM

cE

cM

rGj

dE

dM

A diferença entre matéria dissipada, dM, e os dejetos, W, é que dM inclui o desgaste de


matéria oriunda da fricção e as pequenas partículas que se desprendem quando da realização de
trabalho dentro do sistema econômico, e W é composto de rejeitos mais volumosos – os
resíduos que emanam dos processos de produção e de consumo. A borracha dos pneus que fica
sobre a superfície das estradas, o metal desgastado pelo atrito do cilindro no pistão de um motor
263

a explosão são matéria dissipada. Já parte significante do lixo urbano se inclui na categoria de
dejetos.

Por sua vez, o sistema econômico inclui os seguintes setores:

• Dois setores, cE e cM, que extraem, respectivamente, energia bruta (eE) e matéria
bruta (eM) do meio-ambiente e as transformam em energia controlada (cE) e matéria
controlada (cM), tornando-as aptas a serem usadas nos processos de produção e de consumo.
Esses dois setores fornecem insumos básicos a todos os setores da economia.

• Os demais setores produtivos são:

K, o setor que produz bens de capital.

C, o setor que produz bens e serviços de consumo.

Re, o setor responsável pela reciclagem.

Dp, o setor despoluidor.

Esses dois últimos setores resultam do comportamento defensivo da sociedade em


relação à degradação que ela mesma gera ao meio-ambiente.

• Hh é o setor consumidor (as famílias; os indivíduos). Esse setor transforma produtos


e serviços em satisfação, bem-estar, e em resíduos e dejetos.

Seguem algumas observações que facilitarão a interpretação da matriz: as setas indicam


de onde sai um determinado insumo ou produto gerado com o uso de matéria e energia, e qual o
setor que o recebe. Assim, vemos a energia e a matéria brutas saírem do meio-ambiente e,
depois de tornados passíveis de uso, serem empregados pelos demais setores da economia. E
vemos (na parte de baixo da matriz) os diferentes setores do sistema econômico devolverem ao
meio-ambiente, depois de usadas, a energia dissipada e a matéria degradada. Ademais, dentro
da matriz as setas indicam como a energia e a matéria extraída pelo meio-ambiente é recebida
pelos diversos setores, e que tipos de produtos e serviços cada setor gera, e para que setores
estes se destinam. Na vertical, por sua vez, vemos que tipo de insumo ou de produto cada setor
recebe (nesse caso, a ponta da seta termina no setor), e que tipo de produto envia a outros
setores, ou que tipo de degradação despeja no meio-ambiente (nesse caso, a base da seta está no
setor).

Voltando à discussão do funcionamento do sistema e de suas inter-relações com seu


meio externo, o processo se inicia com a extração do meio-ambiente, da energia bruta e da
matéria bruta (eE e eM) por setores que as transformam em energia e matéria controladas.
Como se pode ver na Figura 2, cE e cM são fornecidos pelos setores extratores e processadores
a todos os setores produtivos da economia (inclusive a eles mesmos); note-se que a energia
também é fornecida ao setor consumidor. E observe-se que cM também inclui matéria
reciclada, fornecida por Re, o setor reciclador.

Por sua vez, o setor de bens de capital usa cE e cM para produzir K, para si próprio e
para os demais setores; produz, inclusive, para Hh (as residências; os bens duráveis). E o setor
de bens de consumo usa cE e cM para produzir C que, por definição, é totalmente absorvido
264

por Hh, o setor consumidor.

Todos os setores geram rGj, resíduos recicláveis, parte dos quais é fornecida a Re, o
setor reciclador. Semelhantemente, o setor despoluidor, Dp, efetua a despoluição de parte das
emanações, w, dos demais setores, inclusive do setor consumidor (dejetos humanos, emanações
de veículos e lixo). A importância e o peso de Re e Dp em uma economia dependem de fatores
tecnico-econômicos (das possibilidades e dos custos de reciclar e despoluir, do preço de
materiais reciclados; do ônus que a sociedade impõe sobre a poluição e a degradação ambiental
– taxas pigouvianas, multas) e legais-institucionais, que estimulam, exigem e condicionam a
reciclagem e a despoluição.

Como se pode ver na parte de baixo do diagrama, todos os setores emanam ao meio-
ambiente energia dissipada (dE), matéria dissipada (dM) e rejeitos (w). Alguns emanam mais e
outros menos desses elementos no meio-ambiente, mas setor algum está isento de ‘contribuir’
para a degradação do meio-ambiente; isso é verdade mesmo para os envolvidos na reciclagem e
na despoluição, pois não existem reciclagem e despoluição perfeitas.

Ceteris paribus, os impactos da economia sobre o meio-ambiente dependem da sua


escala – da magnitude da sua população, e do seu produto per capita –, da composição de sua
produção, das tecnologias usadas no processo produtivo, e dos condicionantes e estímulos que
afetam o comportamento social em relação à degradação ambiental. Além disso, as taxas de
crescimento demográfico e do produto per capita da economia, bem como as mudanças
tecnológicas e as políticas ambientais determinam a evolução no tempo desses impactos. Pode-
se, evidentemente, atuar para reduzi-los. Esse é o objetivo dos programas de racionalização do
uso da energia (e de outros recursos naturais), e dos estímulos concedidos à “despoluição” e à
reciclagem; isso também ocorre com o desenvolvimento de tecnologias que degradam menos o
meio-ambiente. Mas sociedade alguma – mesmo a mais “ambientalmente correta” – pode
funcionar sem retirar matéria e energia do meio-ambiente e sem devolver a este energia
dissipada e matéria dissipada.

Um exame do diagrama da matriz de fluxos pode levar a uma constatação que pode, a
primeira vista, parecer estranha: a de que, em essência, tudo que o processo econômico faz é
extrair recursos nobres da natureza para produzir energia dissipada e rejeitos. Evidentemente, é
muito mais amplo o escopo do sistema econômico. Conforme ressalta Georgescu-Roegen
(1971, p. 282):

O “verdadeiro 'produto' do processo econômico não consiste em um fluxo físico de


resíduos,mas sim em um fluxo de gozo da vida (enjoyment of life). (...) Se não reconhecermos
esse fato e não introduzirmos no nosso arsenal analítico o conceito de gozo da vida, não
estaremos no mundo econômico. E nemestaremos aptos a fonte real do valor econômico, o
valor que a vida tem para todo o ser vivo."

Como veremos no próximo capítulo, a economia ecológica, e sua variante, a economia


da sobrevivência, se apóiam, de forma importante, em leis da física, notadamente as duas
primeiras leis da entropia. Surge, de saída, a questão: qual o sentido de se proceder dessa forma
se, conforme ressalta Georgescu-Roegen (1971, p. 282), o conceito central da ciência
econômica – o de gozo da vida – “não corresponde a atributos da matéria e nem pode ser
expresso em termos de variáveis físicas”? Considerando essa questão, é importante ter-se em
vista que o gozo da vida requer bens e serviços, para a produção dos quais são necessárias
matéria e energia; e que estas são degradadas pelo processo econômico. Sabemos que a
265

“matéria-energia terrestres, bem como a radiação solar que chega ao nosso globo,
degradariam estando a vida presente ou não” (Georgescu-Roegen, 1977, p. 309), mas a vida
está aí, e de todas as formas de vida, a espécie humana é a que, de longe, mais danifica o meio-
ambiente, a que menos espaço deixa às demais formas de vida, e a que, com sua atuação, mais
prejudica as oportunidades futuras dos membros de sua própria espécie.

O parágrafo acima esboça a essência das questões tratadas pela economia da


sobrevivência. Entretanto, a compreensão de como essa variante da economia ecológica analisa
as inter-relações entre a economia e meio-ambiente requer novos conceitos. A representação
diagramática da matriz geral de fluxos de energia e matéria, atrás esboçada, é muito geral; na
realidade, sem maiores qualificações, ela é até compatível com o enfoque da economia
ambiental neoclássica. Para que se compreende a hipótese ambiental da economia ecológica é
necessária a discussão de conceitos por ela emprestados à física e à biologia. O próximo
capítulo avança nesse sentido, com uma discussão do papel das duas primeiras leis da
termodinâmica, notadamente a lei da entropia, para a economia ecológica, e para a sua variante
aqui focalizada – a economia da sobrevivência.
266

Capítulo 23. A Economia Ecológica e as Leis da Termodinâmica

1. Introdução

As leis da termodinâmica passaram a despertar o interesse de economistas a partir do


início da década de 1970, quando a crise do petróleo instilou na opinião pública o receio de que
estivessem contados os dias de rápido crescimento econômico apoiado na disponibilidade de
energia não renovável barata, e que se aproximava época de crises recorrentes e prolongadas.
Mas os fundadores da economia ecológica incorporaram essas leis à análise antes da crise
energética ter se configurado.

É indisputável o papel vital da energia; tudo no universo tem suas conformação e


mudanças por ela determinadas. No nosso globo, os seres vivos são grandes absorvedores de
energia; esta é fundamental para que cresçam, mantenham seus organismos e se reproduzam. E,
dentre os seres vivos a campeã disparada de uso de energia é a espécie humana. Seus atuais
requerimentos de energia excedem em muito as exigências mínimas de sobrevivência e
reprodução da espécie.

Com início na primeira revolução industrial em fins do século XVIII, a sociedade


humana ingressou em uma era de crescimento exponencial intensivo em energia que culminou
com o estágio atual, em que se consome muito mais energia que a que pode ser captada do
fluxo energético recebido do sol. Como se sabe, a radiação solar fornece continuamente ao
nosso globo uma quantidade enorme de energia da qual todas as formas de vida, inclusive a
humana, aproveitam apenas uma pequena parcela.12 Por essa razão, após a Revolução Industrial
a humanidade foi levada a lançar mão do patrimônio de energia acumulado na crosta terrestre –
os combustíveis fósseis. Permitindo a geração de energia mecânica e térmica13 esse capital
energético vem possibilitando a criação e aprimoramento de instrumentos exossomáticos14 cada
vez mais complexos – tão importantes nas sociedades modernas.

A questão que se coloca é, por que deve o economista se preocupar com a energia? Por
que cabe à ciência da escassez tratar de algo que, embora fundamental para qualquer ser vivo,
parece abundante? Não seria melhor deixar o estudo da energia para a física? A economia
ecológica responde com um enfático ‘não’ a essas perguntas. As análises dos primeiros autores
dessa corrente de pensamento chamaram atenção para o fato básico de que boa parte da energia
que atualmente apoia a expansão da economia contemporânea é recurso finito de escassez

12
Conforme Davis, 1991, p. 2, a energia da irradiação solar que chega anualmente à terra é igual a 178.000
terawats. Deste total, 30% são refletidos de volta ao espaço, outros 50% são absorvidos, convertidos em calor e
novamente irradiados. Os 20% restantes dão origem aos ventos, impulsionam o ciclo das águas e são absorvidos
pelas plantas e transformados em energia química pela fotossíntese. E a humanidade só consegue aproveitar uma
parte pequena dessa energia.
13
Freqüentemente, os processos pelos quais se emprega uma dessas formas de energia, acabam dando origem à
energia de outro tipo, não aproveitável. Por exemplo, no motor de um automóvel, a energia da gasolina se
transforma em trabalho e em calor, sendo que parte significante deste se perde nas emanações do cano de escape.
E a energia que gerou trabalho também se dissipa (Rifkin, 1980, p. 34).
14
Instrumentos exossomáticos são aqueles que estendem e ampliam a ação dos nossos membros.
267

crescente em relação a necessidades cada vez maiores. E os autores mais recentes dessa escola
vêm se preocupando com os efeitos da degradação causada por nossa prodigalidade no uso da
energia. E as análises de ambos os grupos tomam emprestados conceitos da física, em especial,
as duas primeiras leis da termodinâmica.

2. O papel das leis da termodinâmica

2.1. As duas primeiras leis

Georgescu-Roegen foi pioneiro na análise rigorosa do papel das duas primeiras leis da
termodinâmica para a economia contemporânea; em suas contribuições, outros autores da
economia ecológica se valem dessa análise.15 O autor toma literalmente, e não em um sentido
metafórico, as duas leis.

O físico alemão Rudolf Clausius, um dos fundadores da termodinâmica, formulou da


seguinte maneira as suas duas primeiras leis:

A energia do universo é constante (1a lei); e,

No universo, a entropia se move continuamente no sentido de um máximo (2a lei).16

Pela primeira lei da termodinâmica, as quantidades totais de energia e de matéria do


universo são constantes; nem a matéria nem a energia podem ser criadas ou destruídas. Vimos
que essa lei – também conhecida como a lei da conservação da energia e da matéria – é peça
básica da economia ambiental neoclássica (ver Ayres e Kneese, 1969). Entretanto, conforme
ressaltou Georgescu-Roegen (1975, p. 351), “(c)om apenas essa lei estamos ainda no âmbito
da mecânica e não no domínio dos fenômenos reais, que certamente incluem o processo
econômico”. E a segunda lei – a lei da entropia – é essencial para se ir além da mecânica.

A segunda lei da termodinâmica – a lei da entropia – estabelece que, embora constante,


a energia do universo está sempre passando, de forma irreversível e irrevogável, da condição de
disponível para realizar trabalho, a não disponível para essa finalidade. As quantidades de
energia disponível e não disponível não são constantes, pois ocorre contínua degradação da
energia, do primeiro para o segundo desses estados. Para a termodinâmica, a energia disponível
para a realização de trabalho (também conhecida como energia livre), é energia de baixa
entropia; e é de alta entropia a energia não disponível para esse fim (também denominada
energia presa). O processo de degradação contínua da energia, do primeiro para o segundo
desses estados, acontece independentemente da ação humana embora, no sistema fechado do
nosso globo, a humanidade vem acelerando a degradação entrópica.

O conceito de entropia não é fácil de ser imediatamente compreendido; e não ajudam as

15
Ver, as principais obras do autor na bibliografia; merece ênfase Georgescu-Roegen 1971, mas ver também,
Georgescu-Roegen, 1975, 1977 e 1986. O reconhecimento de outros autores dessa corrente de pensamento é
ilustrado na seguinte frase de Boulding: “O conceito de entropia teve impacto muito pequeno sobre a economia
até o surgimento do notável livro de Nicholas Georgescu-Roegen, A Lei da Entropia e o Processo Econômico.”
(Boulding, 1980, p. 184). A profundidade e o rigor da análise de Georgescu-Roegen são amplamente
reconhecidos.
16
Rudolf Claussius, Ann. Phys., vol. 125, 1865, p. 353. Apud Prigogine e Stengers, 1984, p. 119.
268

usuais definições técnicas da termodinâmica.17 Entretanto, de forma semelhante aos conceitos


de energia, de força, de distância, que oferecem dificuldades de representação analítica até para
os físicos, a entropia tem um significado fenomenológico básico de interesse, tanto para
entendidos como para leigos. Em linhas gerais, “a estória é relativamente simples: todas as
formas de energia são transformadas em calor e o calor acaba se dissipando;. (...) Para ser
disponível, é necessário que a energia esteja distribuída de forma desigual; a energia
totalmente dissipada [que se caracteriza por estar uniformemente distribuída] não é mais
disponível”, não podendo gerar trabalho.18 O processo de dissipação de energia é governado
pela lei da entropia.

Na verdade, a lei da entropia nos assegura que, “para que a energia se transforme em
trabalho, deve existir uma diferença na concentração da energia (isto é, uma diferença de
temperatura) em partes distintas do sistema. O trabalho ocorre quando a energia se move de
um nível mais alto para um nível mais baixo de concentração (ou de uma temperatura mais
alta, para uma mais baixa). E, fundamentalmente, cada vez que a energia passa de um nível de
concentração a outro, resta menos energia disponível” (Rifkin, 1980, p. 35). Aumenta, assim, a
entropia.

2.2. A lei da entropia e os sistemas não isolados

A formulação de von Claussius da lei da entropia se refere ao universo – um sistema


isolado. É apenas em relação a um sistema que não intercambia energia com seu exterior que se
pode afirmar que a entropia aumenta contínua e irrevogavelmente. Qual, entretanto, o sentido
da lei em relação aos sistemas fechados e abertos – os sistemas de maior interesse para o estudo
da economia? Vimos que esses sistemas intercambiam energia com seu meio externo. Essa
questão foi tratada por Ilya Prigogine, em 1945. Denotando entropia por S (seguindo Claussius)
Prigogine demonstra que em um sistema não isolado, a variação da entropia do sistema, dS,
ocorrida ao longo de um intervalo curto dt, “pode ser representada como a soma de dois termos
– o termo deS, associado às trocas entre o sistema e o resto do mundo, e um termo de
produção, diS, resultante de fenômenos irreversíveis dentro do sistema. Este último termo é
sempre positivo exceto no estado de equilíbrio de máxima entropia [de morte térmica].”19

Ou seja, a variação de entropia do sistema no período, dS, é a soma algébrica de dois


termos, deS e diS. A lei da entropia, entretanto, refere-se apenas a diS; ela afirma que esse termo
é sempre positivo. Em um sistema isolado, evidentemente, deS não existe, e dS é sempre
positivo. Mas em um sistema fechado ou aberto, o sinal de dS depende das magnitudes
absolutas de deS e diS.

Para ressaltar a natureza dessa decomposição da variação de entropia, Prigogine e


Stengers (1984, p. 118-119) aplicaram esse tipo de formulação à energia propriamente dita.

17
Por exemplo, definições como: entropia = [incremento do calor transferido de corpo mais quente ao corpo mais
frio] ÷ [temperatura absoluta] (Georgescu-Roegen, 1971, p.129-130).
18
Georgescu-Roegen, 1975, p. 352. A não disponibilidade da energia de alta entropia é ilustrada pelo oceano; este
contém uma quantidade enorme de energia dissipada, e portanto, uniformemente distribuída e sem possibilidade de
uso pelo homem. Um navio só navega sobre esse enorme repositório de energia de alta entropia se tiver energia de
outra fonte, e de baixa entropia, para se locomover.
19
Essa decomposição da variação de entropia em dois termos foi introduzida em Prigogine, 1947, a tese que o
autor defendeu em 1945 na Faculté des Sciences de l’Université Libre de Bruxelles. Apud de Prigogine e Stengers,
1984, nota 18, cap. IV.
269

Denotando energia por E, e a variação ocorrida ao longo de um intervalo de tempo, dt, por dE,
mostram que “dE também é igual à soma de um termo deE,que resulta do intercâmbio de
energia, com um termo diE, a ‘produção interna’ de energia [a energia extraída do ‘capital
energético do sistema’]. Contudo, o princípio da conservação da energia estabelece que a
energia nunca é ‘produzida’, mas apenas transferida de um lugar a outro. A variação da
energia, dE, se reduz, pois, a deE.” Mas diE tem a ver com a mudança qualitativa da energia,
decorrente da lei da entropia. Ou seja, à ‘produção’ (extração para uso) de energia dentro do
sistema, diE, corresponde uma variação da entropia, diS, que é sempre positiva. “A ‘produção’
de entropia expressa, pois, a ocorrência de mudança irreversível dentro do sistema.”

Esse processo de mudança, de degradação, da energia no nosso globo – um sistema


fechado – recebe atenção especial da economia ecológica e, notadamente, do seu ramo da
economia da sobrevivência. Nas palavras de Georgescu-Roegen (1971, p. 6), “Se o processo
entrópico não fosse irrevogável, ou seja, se a energia de um pedaço de carvão ou de uma dada
quantidade de urânio pudesse ser usada seguidas vezes não haveria escassez na vida do
homem.” Mas sabemos que uma vez usada, essa energia se dissipa irrevogavelmente; e, para a
humanidade, a energia dissipada de nada vale. Para esse autor, portanto, está no processo
entrópico a raiz da escassez.

Georgescu-Roegen aponta para algumas lições fundamentais da lei da entropia. A


primeira é a de que fenômenos importantes da vida real se movem em uma direção definida e
envolvem mudanças qualitativas, muitas das quais irreversíveis. Por essa razão, a análise desses
fenômenos deve evitar epistemologia mecanicista, que pressupõe reversibilidade. O autor
lamenta que a economia convencional venha se resistindo a aceitar esse ponto crucial.

Uma outra lição está na natureza antropomórfica da lei da entropia. Para a


humanidade a energia de baixa entropia – tanto a que se encontra acumulada no nosso globo
como a que recebemos do sol – é disponível no sentido de que pode ser convertida em trabalho
útil aos nossos propósitos, enquanto a energia de alta entropia não o pode. A diferenciação
entre as duas qualidades da energia é relevante para a humanidade porque só podemos usar a
energia disponível, ou de baixa entropia. Conforme ressalta Lord Kelvin, um dos fundadores
da termodinâmica, a energia de alta entropia “se encontra irrevogavelmente perdida para o
homem ... embora não tenha sido destruída.”20

Um outro atributo antropomórfico da lei da entropia está no significado do tempo para a


mesma. “Quando dizemos que em um sistema isolado a energia não disponível aumenta por si
só – ou seja, que a energia disponível tende a zero – estamos necessariamente especificando
que o ‘aumento’ e a ‘diminuição’ se referem à direção do tempo conforme percebido pelo fluxo
da consciência humana.” (Georgescu-Roegen, 1986, p.4).

Quais as implicações para a humanidade do declínio inexorável da energia disponível?


O estudo da termodinâmica surgiu no início do século XVIII, de observações de Sadi Carnot
sobre o comportamento de máquinas térmicas. A extensão das suas leis ao cosmo foi feita por
William Thompson, em 1852. Este último autor comparou o mundo a uma máquina na qual o
calor é convertido em movimento, acompanhado de resíduos e de dissipação irreversíveis. Mas
as diferenças de temperatura que tornam possíveis esse processo diminuem a medida que, ao
longo do tempo, uma conversão vai sucedendo a outra. A tendência, portanto, seria no sentido

20
Apud de Georgescu-Roegen, 1980, p. 262.
270

de um estado final de equilíbrio térmico. Com base na lei de Fourrier,21 aplicada ao universo,
concluiu que o “fim do mundo” ocorrerá em um futuro remoto, quando desaparecerem as
diferenças de temperatura. Quando isso acontecer, a entropia terá atingido o máximo, a
temperatura será uniforme em todo o lugar, e o mundo estará em estado de ‘morte térmica’.22

Mas não é com a morte térmica, evidentemente, que a economia da sobrevivência se


preocupa. Esta não apresenta ameaça iminente à humanidade e a outras formas de vida no nosso
globo. O período em que a vida é viável aqui se constitui em um minúsculo intervalo entre os
milhões de anos no passado, em que não havia condições para a vida na terra, e um futuro
muito extenso em que novamente será impossível vida como a conhecemos. A lei da entropia
operava antes de surgir a vida no nosso globo, e continuará a operar por muito tempo depois.
Apesar disso, a compreensão dessa lei e de suas implicações é fundamental para esse ramo da
economia ecológica.

2.3. Entropia da matéria.

Georgescu-Roegen começou focalizando a entropia da energia. Então, embora fizesse


referência à degradação entrópica da matéria,23 sua análise se apoiava no que chamou de
termodinâmica ‘limpa’, ou seja, a termodinâmica centrada apenas na energia. Em trabalhos
mais recentes, porém, passou a analisar as implicações do fato de que, para se converter em
trabalho, a energia necessita de uma base de suporte de matéria, e de que a matéria também está
sujeita à dissipação irrevogável.24 Segundo o autor, a negligência da termodinâmica em relação
à entropia da matéria resultou da necessidade de simplificar a análise; a física se abstrai da
entropia da matéria na termodinâmica da mesma forma que se abstrai do atrito na teoria do
plano inclinado. Entretanto, é elementar o fato de “que a matéria também existe em dois
estágios, o disponível, e o não disponível, e que, da mesma forma como a energia, a matéria se
degrada contínua e irrevogavelmente, passando de disponível a não disponível. Assim como a
energia, a matéria se dissipa e se torna pó, conforme ilustram a ferrugem e a desgaste dos
motores e dos pneus dos automóveis.” (Georgescu-Roegen, 1986, p. 7).

Conforme ressalta Georgescu-Roegen (1986), a dissipação da matéria ocorre por si só


mas, como acontece com a energia, a humanidade acelera essa dissipação. O autor critica o
otimismo que prevalece em relação às possibilidades da reciclagem na eliminação de restrições
impostas pela entropia da matéria. Na verdade, "O que se pode reciclar (...) é matéria ainda
disponível mas que não é mais útil para nós: vidro quebrado, jornais velhos, motores
desgastados, etc.". ..."A conclusão é imediata: assim como o trabalho não pode se manter sem
que seja continuamente alimentado com energia disponível, também necessita uma contínua
oferta de matéria disponível. O ponto é que, tanto a energia disponível como a matéria
disponível, são irrevogavelmente degradados..." (Georgescu-Roegen, 1986, p. 7).

21
A lei de Fourrier estabelece que, em um sistema isolado com uma distribuição não homogênea de temperaturas,
a propagação do calor tem o efeito de equalizar progressivamente a distribuição de temperaturas até que seja
atingida a homogeneidade (Prigogine e Stengers, 1984, p. 104-105).
22
Prigogine e Stengers, 1984, p. 115-116.
23
Ver Georgescu-Roegen, 1971, página 13, por exemplo, onde argumenta que “a estrutura material de qualquer
ser vivo precisa obedecer (...) às leis da termodinâmica...”.
24
Ver Georgescu-Roegen, 1975, p. 352; 1977, p. 300-304; e 1986, p. 6-7.
271

A atenção dada por Georgescu-Roegen à entropia da matéria em parte reflete o clima da


opinião pública que prevaleceu entre 1971 e meados da década de 1980, que via na redução da
disponibilidade de recursos naturais não renováveis – não apenas combustíveis fósseis mas
também alguns minerais – uma grave ameaça à continuação da expansão da economia mundial.
Como veremos, é nessa suposição que se apoia o pessimismo do autor em relação ao futuro da
humanidade.

2.4. Entropia da energia e escassez

E a relevância para a economia – a ciência da escassez – da perspectiva delineada pelas


leis da termodinâmica? Em relação às possíveis limitações impostas pela entropia da energia,
surge a tentação de se apontar para o fato de que o globo terrestre está mergulhado em energia
disponível; com efeito, com todo o aumento já ocorrido na escala do sistema econômico global,
hoje a humanidade ainda absorve apenas uma parcela diminuta da energia de baixa entropia
que, a cada dia, o sol faz chegar ao globo terrestre. E essa situação deverá perdurar por muito
tempo ainda. Como se pode, pois, pretender que a lei da entropia esteja na base da escassez
econômica?

Esse argumento ignora, entretanto, um fato fundamental. O sol inunda a terra


continuamente com energia disponível para realizar trabalho, mas, do ponto de vista do sistema
econômico, falta à grande parte da mesma um outro atributo fundamental: o da acessibilidade.
Não é suficiente que a energia de uma dada fonte seja de baixa entropia. É necessário também
que se tenha acesso – que se possa fazer uso da mesma. E apenas uma parcela pequena da
imensa quantidade de energia solar que chega continuamente à terra oriunda do sol pode ser
usada. É por essa razão que o surto de prosperidade mundial iniciada com a revolução industrial
e que se acelerou fortemente na segunda metade do século XX, vem tendo que se apoiar, de
forma crescente, no capital de energia solar capturada por plantas e animais em um passado
remoto e estocada no nosso globo – a energia fóssil. Entretanto, diferentemente da nossa renda
energética – o fluxo de energia do sol –, esse capital energético é finito, podendo ser exaurindo
em um prazo não muito extenso, pelo menos na perspectiva temporal relevante para a
economia da sobrevivência.

A energia de baixa entropia não pode, portanto, ser considerada um recurso de oferta
ilimitada. Pelo contrário, relativamente às nossas crescentes necessidades, e dado o atual estado
das artes, é recurso cuja exaustão pode – pelo menos em um futuro mais estendido – vir a
ameaçar as condições de prosperidade da sociedade humana como a conhecemos. E tratando-se
de recurso escasso, seu uso é de interesse óbvio para a economia.

3. Crítica da postura da economia ambiental neoclássica em relação à relevância da


lei da entropia para a análise econômica

Georgescu-Roegen e os demais autores da economia ecológica, e particularmente, da


economia da sobrevivência insistem no papel fundamental da entropia para o estudo da
economia; para eles está na lei da entropia a raiz da escassez. Esse argumento não tem,
entretanto, sido aceito pelo mainstream da análise econômica. Um exemplo representativo está
no trabalho de Young (1991). Avaliando a relevância das leis da termodinâmica para a
economia, esse autor concluiu que, uma vez que a lei da entropia se refere a um sistema isolado
e não a um sistema aberto como o sistema econômico, a mesma “não apresenta especial
relevância à economia, no que diz respeito à escassez no longo prazo de recursos”.25 Para
25
Ver Young, 1991, especialmente p. 178-179. Esta é uma das resenhas críticas neoclássicas mais sérias; há
algumas que beiram o leviano. Ver, por exemplo, Burness et al., 1980.
272

Young, a economia ambiental deve se concentrar sobre a lei da conservação da matéria e da


energia (a primeira lei) e sobre aspectos relacionados ao funcionamento de mercados, evitando
confundir a análise da escassez com um conceito da física que – para o autor – não é adequado
ao tratamento do problema.

O problema em avaliações como esta é que se apoiam em percepção errônea do papel da


lei da entropia. Ninguém nega que a lei foi concebida para sistemas isolados, mas há algum
tempo a abordagem de Prigogine permitiu estender a abrangência da lei a sistemas abertos e
fechados. E é importante que se perceba claramente o significado da condição de sistema aberto
ou fechado: conforme ressaltou Georgescu-Roegen (1986, p. 4), “se a energia ou a matéria
podem entrar ou sair do sistema – como acontece, por exemplo, com o dinheiro em uma conta
bancária – não dá mais para falar de (...) “aumento” contínuo [de entropia]. Entretanto, os
sistemas da nossa experiência são todos, ou fechados (caso em que a energia mas não a
matéria é intercambiada com o meio externo do sistema), ou abertos26 (caso em que tanto a
energia como a matéria são intercambiadas com o meio externo). Nesses dois casos a entropia
pode, evidentemente, experimentar redução. Mas isso não nos permite afirmar que no sistema
econômico de nossos dias – um sistema aberto que funciona inserido no globo terrestre, um
sistema fechado – a entropia pode diminuir, como a crítica de Young parece sugerir.

Para demonstrar esse fato, Georgescu-Roegen (1986, p. 5) adaptou a formulação de


Prigogine da lei da entropia em relação a sistemas não isolados, acima esboçada. Para o autor, a
“idéia básica é elementar. A mudança de entropia de um sistema aberto se reduz a dois
componentes”:

∆S = ∆Se + ∆Si ,

onde ∆Si > 0 é a entropia ‘produzida’ dentro do sistema por processos irreversíveis e ∆Se” é a
troca líquida de entropia com o meio externo do sistema. E, a despeito do fato de que, pela lei
da entropia, o termo ∆Si é sempre positivo, ∆S pode ter qualquer sinal, dependendo das
magnitudes absolutas de ∆Si e de ∆Se. Assim, se a ‘importação’ de baixa entropia do sistema
for maior que a entropia por ele ‘produzida’, ∆S < 0; a entropia do sistema diminui.

Ao considerarmos a economia contemporânea, entretanto, não podemos perder de vista


o fato de sua 'produção' de entropia em um dado intervalo de tempo, ∆Si, é muito maior que o
máximo que poderia manter a partir do fluxo de energia acessível de baixa entropia fornecido
direta ou indiretamente pelo sol, ∆Se. O fluxo de energia solar é de importância fundamental
para a manutenção da vida no nosso planeta, mas apenas uma parte desse fluxo pode ser
captada para uso pela economia industrial moderna.27 E a diferença vem sendo coberta a partir
do ainda considerável estoque de energia de baixa entropia do nosso globo – o ‘capital’ de
energia na forma de combustíveis fosseis (o carvão, o petróleo, o gás). É esse ‘capital
energético’ que torna possível o enorme incremento de entropia atualmente gerado pelo sistema
econômico. Mas a taxa de depleção desse ‘capital’ é muito elevada e vêm aumentando. Dado

26 Para todos os efeitos, o globo terrestre é um sistema fechado. E, todos os seres vivos bem como o processo
econômico (no seu todo ou em suas partes), são sistemas abertos.
27
Pode-se alegar que o potencial de energia disponível e acessível oferecido pelo sol longe está de ser inteiramente
empregado. Entretanto, dados os preços relativos e o estado das artes, não é de se esperar que, mesmo com um
forte esforço de racionalização, a energia solar possa vir a substituir mais que uma pequena parcela da energia de
seu capital energético que a humanidade consome.
273

que o mesmo não pode ser renovado, essa depleção diminui em ritmo crescente o nosso ‘capital
energético’; aumenta, assim, inexoravelmente, a escassez.

No que se refere à economia industrial contemporânea, portanto, ∆Si é bem maior que a
magnitude absoluta de ∆Se, e o sinal de ∆S é necessariamente positivo. Em um dado intervalo
de tempo, a energia de baixa entropia fornecida pelo sol é suplementada a partir do ‘capital’ de
energia do nosso globo; e, em conjunto, essas duas fontes de energia de baixa entropia tornam
possível um formidável aumento líquido de entropia. Pode-se imaginar, entretanto, uma
sociedade primitiva, na qual o uso da ‘renda’ energética fornecida pelo sol se encontre bem
abaixo do potencial, e que use muito pouco da energia do ‘capital’ energético da terra. Nesse
caso, ∆S teria sinal negativo; como contrapartida, o capital energético estaria aumentando –
acumulando-se, por exemplo, em uma floresta em expansão. O ponto ressaltado pela economia
ecológica, entretanto, é que esse caso hipotético não pode ser usado como prova de que seja
possível à sociedade moderna gerar entropia líquida negativa e que, portanto, a disponibilidade
de energia de baixa entropia jamais constrangerá a expansão da economia, como alguns
parecem acreditar. É evidente, pois, a relação entre entropia e escassez.

Numa perspectiva de longo prazo não é legítimo, pois, menosprezar a relevância da lei
da entropia para a economia. Cumpre esclarecer, entretanto, que a economia da sobrevivência
não critica o fato de que, nas sociedades modernas, ∆S > 0. Considera que os recursos do
capital energético acumulado na crosta terrestre estão aí para serem usados, em adição à energia
de baixa entropia captada do sol. Mas recrimina enfaticamente o uso perdulário que vem sendo
feito dos mesmos. Para esse ramo da economia ecológica, atualmente a sociedade humana se
comporta como se a disponibilidade de energia de baixa entropia fosse ilimitada; com isso,
assegura uma elevada prosperidade no presente, acompanhada de crescentes riscos, se não a
para a sobrevivência, pelo menos para o bem estar e para as opções de desenvolvimento das
gerações futuras.

Num comentário ao trabalho de Young, Daly (1992) exprime bem a posição da


economia da sobrevivência no debate entropia-escassez. Conforme ressalta esse autor, a
escassez de recursos “resulta da combinação da primeira e da segunda leis da termodinâmica,
e não de uma delas isoladamente. Se as fontes [de recursos de baixa entropia] e a capacidade
de assimilação [da elevada entropia gerada pelo sistema econômico] fossem infinitas (ou
pudessem ser criadas ou destruídas), não teria conseqüência o fato de que os fluxos entre elas
são entrópicos e irreversíveis; se, sendo finitas as fontes e a capacidade de assimilação, não
existisse a lei da entropia, poderíamos tornar recursos degradados em recursos disponíveis,
reciclando tudo (...).” Mas não é isso que acontece. “A luz desses fatos, portanto, torna-se
difícil entender como alguém possa afirmar que a lei da entropia não é relevante para [a
ciência que se devota ao estudo da] escassez de recursos.” (p. 94).

4. A lei da entropia e a matriz geral de fluxos de matéria e energia

Conforme indicado no capítulo anterior, a matriz geral de fluxos de matéria e energia


necessita de mais elementos antes de ser útil no estabelecimento da estrutura analítica básica da
economia ecológica. Este capítulo avançou nesse sentido. Com base na discussão acima,
podemos caracterizar o sistema econômico contemporâneo como uma estrutura dissipativa, que
se expande e evolui graças ao fluxo contínuo de baixa entropia que absorve de seu meio
externo. Mas, como ocorre com todos os seres vivos, a manutenção do sistema econômico em
um estado de baixa entropia conduz a um aumento de entropia de seu meio externo – o meio
ambiente.
274

Deixando de lado por um momento o sistema econômico, para a maioria dos seres vivos
o processo de dissipação de entropia torna-se possível graças a um influxo contínuo de energia
solar de baixa entropia; mas para essas formas de vida é da ‘renda’ energética do sol,
unicamente, a energia de baixa entropia que alimenta o processo. Em conseqüência, é mínima a
aceleração entrópica produzida por esses seres vivos. Eles não ameaçam a estabilidade do
meio-ambiente, pelo menos não em uma escala global.

Quando consideramos o sistema econômico contemporâneo, a situação é totalmente


distinta. Como vimos, este não só faz uso da renda energética – a energia de baixa entropia
fornecida pelo sol – como tem acesso ao ainda apreciável estoque de capital energético de
nosso globo; vimos que este vem alimentando o progresso da humanidade nos últimos dois
séculos e meio. Assim, em decorrência do uso intenso do capital energético, a sociedade
humana vem gerando muito mais entropia que aquela possibilitada pela renda energética
propiciada pelo sol.

Conforme se pode ver na matriz geral de fluxos de matéria e energia esboçada a seguir,
o sistema econômico contemporâneo obtém energia de baixa entropia do meio-ambiente – tanto
a da renda energética oriunda do sol como a do capital energético de nosso globo –, que é
utilizada nos processos de produção e de consumo, e depois devolvida ao meio ambiente na
forma de energia de alta entropia, gerando, pois, um incremento de entropia por período de
tempo, ∆Si, de considerável magnitude, e que vem se acelerando substancialmente.

Sistema Econômico

Energia de baixa entropia do meio-ambiente

Matéria do meio-ambiente
Produção

Consumo

Energia de alta entropia (energia dissipada)



Matéria dissipada; resíduos não aproveitáveis ⎨

Esse processo de aceleração entrópica é o ponto central das preocupações da economia


da sobrevivência. Os fundadores da economia ecológica (e da economia da sobrevivência)
deram ênfase à questão do esgotamento dos recursos energéticos do nosso globo. Sua atenção
se fixava na parte de cima da matriz – na qual se destaca a entrada de recursos naturais (energia
e matéria), oriundos do meio-ambiente. Seu temor era o de que, com a extração acelerada
desses recursos, o capital energético do nosso globo viesse a se esgotar. Já os autores mais
recentes dessa escola vêm dando mais ênfase a processos resultantes do ressaltado na parte de
baixo da matriz; estes vêm se preocupando especialmente com a degradação do meio-ambiente
propiciada pela aceleração da dissipação de entropia efetuada pelo sistema econômico. Para
eles, a escassez crítica nos dias de hoje é a da capacidade de regeneração do meio-ambiente em
face à crescentes agressões antrópicas.
275

Na verdade, a diferença é essencialmente de ênfase; tanto os fundadores como os


autores recentes dessa corrente de pensamento têm uma visão integrada das inter-relações entre
o sistema econômico e seu meio externo. Ambos os grupos registram nítida percepção da
insustentabilidade da evolução recente do sistema econômico contemporâneo, mas, como
veremos nos demais capítulos, cada grupo dá ênfase a aspectos distintos do processo.

A discussão deste capítulo revela uma postura da economia da sobrevivência de


considerável preocupação em relação ao futuro da humanidade. Os capítulos que se seguem
detalham a natureza dessa postura. Vimos que existem duas visões extremas com respeito à
evolução da ciência e da tecnologia e do seu papel em achar soluções para problemas e
obstáculos difíceis: a dos que acreditam que a ciência e a tecnologia são garantia de um futuro
de ilimitado progresso; e a dos que enxergam limites estreitos nas contribuições que estas
podem dar e se preocupam com a fragilidade dos sistemas ambientais e sociais em situação de
crescente tensão ambiental. É evidente que a economia ambiental neoclássica está próxima do
extremo otimista. Como veremos, o contrário ocorre com a economia da sobrevivência, que se
alinha nitidamente no campo pessimista. O próximo capítulo focaliza a visão de futuro dos
iniciadores da economia da sobrevivência; o Capítulo 25, por sua vez, discute as contribuições
de variantes mais recentes dessa escola.
276

Capítulo 24. A economia da sobrevivência e o futuro da humanidade – a


visão dos fundadores da escola

A perspectiva da economia da sobrevivência em relação ao futuro da humanidade tem


como ponto comum uma base analítica apoiada na segunda lei da termodinâmica. De uma
forma geral, sua postura é pessimista, mas existem diferenças entre a visão dos autores iniciais
e a dos pesquisadores mais recentes dessa escola. A preocupação dos primeiros se voltou,
principalmente, à possível exaustão de recursos naturais essenciais, enquanto o segundo grupo
enfatiza os impactos da aceleração entrópica sobre a capacidade de regeneração do ecossistema
global.

Os primeiros autores da economia da sobrevivência – Nicholas Georgescu-Roegen e


Kenneth Boulding – têm postura semelhante no que tange ao papel da lei da entropia na
evolução no longo prazo da sociedade industrial dos nossos dias, mas apresentam uma visão
algo diferente das perspectivas futuras da humanidade em face aos impactos da aceleração
entrópica que vem ocorrendo. Segue-se um esboço da visão desses autores.

1. A visão preocupada, mas esperançosa de Boulding

A contribuição mais difundida desse autor no campo da economia ambiental é seu


trabalho de 1996, reimpresso várias vezes. Nele faz uma crítica à sociedade humana
contemporânea por sua resistência em abandonar a economia do cowboy – economia da
fronteira, que não acredita em limitações de recursos naturais –, em favor da economia do
astronauta – que reconhece como absolutamente prioritário para assegurar a sobrevivência da
“espaçonave terra”, um manejo prudente de recursos naturais. Contudo, como ficará claro
adiante, Boulding tem contribuições de maior peso para a economia da sobrevivência.

Em sua avaliação das perspectivas da humanidade em um futuro distante, Boulding


lança mão de conceituação mais ampla, embora menos precisa de entropia: a da entropia como
perda de potencial. Na sua visão, “o que detectamos na história da humanidade é a constante
interação de dois processos, atuando em sentidos opostos, dos quais um às vezes domina o
outro. Um processo é o do princípio da entropia, interpretado como o princípio da exaustão de
um dado potencial.” (...) Mas essa perda de potencial é “constantemente contraposta por
processos de recriação de potencial.”28 A evolução futura da sociedade humana será, portanto,
determinada, de um lado, por sua capacidade de reduzir a perda de potencial que gera e, do
outro, por sua eficiência em recriar potencial.

A esse respeito, embora considere muito elevadas as incertezas sobre o futuro,


especialmente porque “estamos lidando com um sistema muito diferente da mecânica
newtoniana e da previsão de eclipses”, Boulding deposita esperança no princípio da autopoese.
Segundo este, “em um sistema estocástico um evento de dada probabilidade, por mais reduzida
que esta seja, eventualmente ocorrerá desde que se passe um período de tempo o
suficientemente longo. E, uma vez ocorrido o evento, alteram-se as probabilidades de eventos

28
Boulding, 1980, p. 184 e 187.
277

na sua imediata vizinhança, simplesmente porque a ocorrência muda a estrutura do


sistema...”.29

Recordando o caráter inexorável do princípio da entropia o autor ressalta que não


“precisamos nos preocupar com a crescente entropia do sol. Este terá vida bem mais longa que
a do nosso sistema econômico, e que a de qualquer outro sistema que possamos imaginar.”
Argumenta, entretanto, que o funcionamento atual do sistema econômico não é sustentável pois
não há como fugir do esgotamento dos recursos do nosso capital energético, ora conhecidos.
Lembra que “ um número elevado de sistemas econômicos [do passado] sentiram o impacto da
lei da entropia, ao dependerem de recursos exauríveis cujos estoques” declinaram a ponto de
torná-los inviáveis.30

Não só é inexorável o esgotamento do capital de recursos energéticos atualmente


conhecidos, como não surgiram ainda fontes alternativas viáveis de energia para substituir, nos
montantes necessários, à energia de baixa entropia que se esgota. Boulding se apóia, contudo,
do princípio da autopoese para argumentar que não é impossível que se achem formas de
recriar o potencial que vai se esgotando.31 Lembra, entretanto, que esse princípio pressupõe a
passagem de um período de tempo, que pode ser muito longo; e se levar muito tempo para que
se concretize a recriação de potencial, ou se nosso uso perdulário de recursos abreviar muito a
duração do capital energético ora existente, quando vier a se concretizar a recriação de
potencial, esta pode deixar de ter sentido, dado o estado adiantado da degradação entrópica já
existente.

Para reduzir a chance disso ocorrer, seria fundamental que a humanidade passasse a usar
de forma mais prudente recursos escassos e finitos de baixa entropia. Há que “direcionar a
evolução no sentido da salvação ao invés de da destruição.” (Boulding, 1980, p. 188).

2. O forte pessimismo de Georgescu-Roegen

Boulding se mostrou, portanto, preocupado com futuro, mas esperançoso. Mas esta não
foi, pelo menos inicialmente, a posição de Georgescu-Roegen. Sua avaliação sobre o
comportamento da sociedade humana em relação aos recursos naturais levou-o a postura
extremamente pessimista. Chegou mesmo a considerar inexorável, em um prazo não muito
distante, acentuado declínio da humanidade. No seu artigo “Energy and the Economic Myths”,
por exemplo, após constatar a indiferença prevalecente em face às crescentes advertências de
entendidos sobre a inviabilidade do caminho que está sendo seguido pela humanidade,
desabafou: "Talvez o destino do homem seja o de ter vida curta, mas fogosa, ao invés de
existência longa, mas vegetativa e sem grandes eventos. Deixemos outras espécies – as
amebas, por exemplo – (...) herdar o globo terrestre ainda abundantemente banhada pela luz
29
Boulding ressalta que essas mudanças de probabilidades fazem com que a autopoese seja elemento fundamental
no processo de evolução.
30
Boulding (1980, p. 184). O autor fornece exemplos de sociedades primitivas que caçaram ou extraíram tanto,
que acabaram destruindo a capacidade de suporte do meio-ambiente, levando-as, ou à desintegração, ou à
readaptação em patamares mais baixos de atividade, geralmente acompanhada de forte emigração. A
sustentabilidade não é, portanto, problema exclusivo das atuais sociedades industriais.
31
Existiria sempre a possibilidade de, com o desenvolvimento tecnológico, serem descobertas formas de tornar
acessíveis novas fontes de energia disponíveis para realizar trabalho, que ainda não estão ao alcance da
humanidade. Ou seja, não estaria fechada a possibilidade da recriação do potencial destruído com o uso da
energia fornecida pelas fontes usuais; isso poderia ocorrer, tanto mediante a descoberta de novas fontes de energia
acumulada no nosso globo, como de formas de aumentar a acessibilidade à energia disponível oriunda do sol.
278

solar." (Georgescu-Roegen, 1975, p. 379). Mais recentemente, porém, abrandou seu


pessimismo, admitindo a possibilidade – que considerou remota – de um alongamento da
sobrevida da humanidade.

Ao desenvolver sua argumentação recente, o autor partiu da definição de tecnologia


como uma receita para fazer alguma coisa. Mostrou que existem receitas factíveis (as que
permitem realizar o que se deseja), e não factíveis (com as quais se gostaria de contar, mas que
ainda não estão disponíveis). Das tecnologias factíveis, interessam apenas as economicamente
viáveis. (Georgescu-Roegen, 1986, p. 15). A cada instante a sociedade conta com um complexo
tecnológico, compreendendo uma matriz de receitas factíveis na qual qualquer insumo não
primário de uma receita é o produto de outra receita. Contudo, como vimos na discussão da
matriz geral de fluxos de energia e de matéria, para que esse complexo opere, é imprescindível
que receba continuamente matéria e energia. Como, entretanto, pelas leis da termodinâmica,
estas não podem ser criadas do nada, é necessário que haja receitas (ou grupos de receitas) para
converter a energia e a matéria do meio-ambiente em energia e matéria aptas a serem usadas
por outras atividades. O grande problema é que tais tecnologias são muito difíceis de serem
obtidas. Isso porque elas têm que satisfazer uma condição restritiva: precisam gerar fluxos
líquidos positivos de energia e de matéria para abastecer aos outros setores. Em outras palavras,
no que diz respeito à energia, precisam gerar mais energia que a que as tecnologias extratoras
usam, repassando o excedente às demais tecnologias da matriz.

Georgescu-Roegen chama de tecnologia prometeana a tecnologia que cumpre essa


condição crucial. Argumenta que, no que diz respeito à energia, a humanidade teve, até hoje
acesso basicamente a duas tecnologias prometeanas: a do controle sobre o fogo (que denomina
Prometheus I) e a da máquina a vapor (o Prometheus II).

Convertendo em energia térmica materiais combustíveis, e permitindo reação em cadeia


(de uma faísca se pode incendiar toda uma floresta), o fogo deixou de ser visto exclusivamente
como fonte de destruição, de catástrofes, passando a ser considerado recurso essencial. O seu
controle permitiu à humanidade se aquecer, cozinhar, fabricar tijolos e cerâmica e derreter
metais para forjar instrumentos e utensílios, etc. Com a energia do fogo a sociedade humana
deixou de depender, quase que exclusivamente, da força muscular. Foram surgindo, em um
ritmo crescente, tecnologias que se valeram da energia do fogo e a humanidade ingressou em
uma longa era de desenvolvimento. O problema, entretanto, é que esse desenvolvimento acabou
destruindo a sua base de suporte; o principal combustível então empregado era a madeira e, no
alvorecer da primeira revolução industrial, o seu uso já havia eliminado as florestas de boa
parte da Europa. Parecia inevitável, então, uma crise energética. (Georgescu-Roegen, 1986, p.
15).

A crise foi, entretanto, contornada pelo Prometheus II, a tecnologia que “permitiu à
espécie humana obter força motriz de fonte mais abundante e bem mais poderosa: o fogo
alimentado por combustíveis minerais.” Há muito já se vinha usando o carvão mineral, mas se
tinha acesso apenas ao carvão próximo da superfície da terra, que acabou se esgotando. A
extração do carvão subterrâneo, que existia em grande quantidade, era obstaculizada pela água
dos lençóis freáticos, que se infiltrava nas minas. Contudo surgiu, no final do século XVIII, o
Prometheus II, a invenção, por Savery e Newcomen, de máquina que possibilitou a
transformação da energia térmica, obtida da combustão do carvão, em mecânica. A máquina a
vapor não só permitiu contornar o problema da água na mineração do carvão (impulsionando
bombas hidráulicas), como viabilizou a extração de bem mais recursos energéticos que os
usados na extração – recursos esses que foram colocados à disposição de outras tecnologias.
Mais adiante vieram o petróleo, as diversas formas de motor a explosão, e acelerou-se o ciclo
279

de progresso técnico. “Ainda vivemos sob a égide da tecnologia viável engendrada pelo”
Prometheus II. Entretanto, o desenvolvimento que essa tecnologia possibilitou também
“acelerou a depleção de sua base de suporte.” Por isso, “estamos agora nos aproximando de
nova crise tecnológica, uma crise energética”. (Georgescu-Roegen, 1986, p. 15-16).

Georgescu-Roegen se mostrou especialmente preocupado com a crescente depleção do


estoque de capital energético de combustíveis fósseis. Vimos que, inicialmente, considerava
especialmente trágico o futuro da humanidade. Mas, no seu trabalho de 1986 moderou esse
pessimismo ao reconhecer que é possível que surja nova descoberta prometeana. Tornando
acessível energia de baixa entropia (energia disponível) um Prometheus III atenuaria, pelo
menos por mais algum tempo, o peso da crescente escassez imposta pela segunda lei da
termodinâmica.

Emprestando a conceituação de Boulding, podemos dizer que Georgescu-Roegen


acabou admitindo a possibilidade de recriação de potencial; mas o autor insiste que essa
recriação longe está de garantida. Mostrou-se, inclusive, preocupado com a atual complacência,
fundada na fé no que chamou de falsas dádivas prometeanas – por exemplo, a energia nuclear e
a captação em larga escala da energia solar (Georgescu-Roegen, 1986, p.16).

Em suma, marcados que foram pela crise do petróleo da década de 1970, os dois
iniciadores da economia da sobrevivência identificaram como principal ameaça à
sobrevivência da sociedade humana, na perspectiva temporal relevante às suas análises, a
crescente escassez de energia de baixa entropia estocada no nosso globo. Reconheciam os
problemas da poluição e da degradação promovidas pelo sistema econômico, mas se mostraram
muito mais preocupados com a rápida depleção e com o risco de escassez crítica de capital
energético. Como se verá no próximo capítulo, contribuições recentes inverteram o âmbito da
preocupação central da economia da sobrevivência.
280

Capítulo 25. A economia da sobrevivência e o futuro da humanidade: a


perspectiva de variantes recentes

Recentemente, pesquisadores que adotam a base conceitual da economia da


sobrevivência passaram a analisar em maior profundidade os impactos desestabilizadores da
recente aceleração entrópica. Os problemas resultantes da possibilidade de esgotamento de
recursos naturais de baixa entropia ficam em um segundo plano pois se considera de maior
risco para a humanidade os impactos irreversíveis do sistema econômico sobre o meio-
ambiente. Na verdade, esses pesquisadores vêm centrando suas atenções sobre a exaustão de
um tipo distinto de recurso natural: a capacidade de suporte do meio-ambiente, que consideram
estar sendo levada ao limite pela atual expansão da escala da econômica global. Este capítulo
examina a contribuição de autores representativos dessa nova postura; mas ele se inicia com
uma discussão da moldura conceitual que adotam nas suas análises.

1. A moldura conceitual das novas abordagens


1.1. Evolução, quase equilíbrio e estabilidade

É óbvia a preocupação da economia da sobrevivência com o muito longo prazo; esse


ramo da economia ecológica vem ressaltando a necessidade de que se implemente o
desenvolvimento que dura. É importante ter-se em vista, porém que, para ela, a noção de
desenvolvimento não se alinha com a de crescimento, na linha do enfatizado pela modelagem
neoclássica (ver Perrings, 1987). Tem muito mais a ver com a noção de evolução, no âmbito de
um conceito especial de equilíbrio dinâmico. E é óbvio, também, que o futuro da humanidade
está associado à estabilidade do ecossistema global – à sua resiliência. Assim, o conceito
central ligando desenvolvimento à estabilidade é o de quase-equilíbrio dinâmico.

Existem dois significados de quase-equilíbrio dinâmico: uma é a do quase-equilíbrio


cibernético, por exemplo, o equilíbrio de um ecossistema estável (uma floresta madura, um
manguesal): neste observaremos “nascimento, morte, relações cooperativas e competitivas de
populações, mas [nele] existe um estado do sistema que pode ser chamado de quase-equilíbrio,
no qual uma mudança em qualquer de suas populações provoca a restauração de seu valor
original.” (Boulding, 1991, p. 23). Este não é, entretanto, o significado relevante para a análise
da estabilidade do desenvolvimento. E isso se dá porque o desenvolvimento não requer que,
após mudanças, haja um retorno ao equilíbrio anterior.

A noção de quase-equilíbrio dinâmico que mais se coaduna com o processo de


desenvolvimento, tem a ver com o conceito de evolução. Evolução é “um processo de
mudança continuada [com] de padrões ou parâmetros estáveis.” (Boulding, 1991, p. 23; ver,
também, Boulding, 1981). Recordando o conceito de exaustão de recriação de potencial do
princípio da autopoese, o desenvolvimento origina exaustão de potencial, mas também a
recriação de potencial, abrindo novos nichos que são ocupados, com isso dando origem ainda a
outros nichos, “e assim por diante, com o sistema em permanente transformação.” (...) Temos,
pois, “complexidade, controle, e consciência emergindo do caos por processos que têm muito
em comum com a autopoese.” (Boulding, 1980, p. 187).

É mais adequado, assim, caracterizar o desenvolvimento como mudança


281

evolucionária. Mas quando fazemos isso, não é válido esperar que os parâmetros
evolucionários permaneçam imutáveis. A evolução biológica oferece exemplos de catástrofes
que alteraram fortemente parâmetros evolucionários. Uma catástrofe evolucionária é um
“evento improvável, seja uma catástrofe externa ou alguma mutação improvável”, [que gera
mudanças drásticas, criando] “novos nichos, novas espécies e, talvez, ampla extinção de
espécies antigas, após o que as coisas se acalmam e a evolução se desacelera.” (Boulding,
1991, p. 23).

É inegável que a humanidade vem gerando distúrbios que se aproximam da categoria de


catástrofe evolucionária. O aparecimento do homo-sapiens “elevou o ritmo da evolução no
nosso planeta e se mostrou ecologicamente catastrófico para muitas espécies mais antigas”
(Boulding, 1991, p. 23-24). Invadimos quase todos os ecossistemas da terra e originamos uma
enorme quantidade de artefatos – tanto inanimados como biológicos – muitos dos quais ocupam
nichos extensos do ecossistema global, reduzindo populações prévias de artefatos biológicos.
Além disso, estamos envenenando extensamente o meio-ambiente.

Nesse ponto é importante recordar o que foi visto no Capítulo 24: a atual agressão
antrópica só vem sendo possível em virtude do acesso do homem ao capital energético do nosso
globo. Sem este teria sido impossível à espécie humana colonizar o planeta, transformando-o
virtualmente em um único ecossistema. E, fazendo isso, além de contribuir para a exaustão do
capital energético, a sociedade humana vem ampliando a possibilidade da ocorrência de
catástrofe evolucionária. Em suma, da forma como vem ocorrendo, o desenvolvimento aumenta
a prosperidade e o bem estar no curto prazo, mas também amplia a probabilidade da ocorrência
de catástrofes evolucionárias. Conforme ressalta Boulding (1991, p. 25), parece que nos
esquecemos que “somos criaturas biológicas, parte da biosfera, e que catástrofes na biosfera
inevitavelmente nos afetarão” .

1.2. A teoria dos sistemas dissipativos de Prigogine

A subseção anterior esboçou uma parte do contexto analítico das vertentes recentes da
economia da sobrevivência. Para completar, discutimos elemento importante de tal contexto: a
teoria dos sistemas dissipativos de Prigogine.32

A contribuição desse autor surgiu de preocupação com as limitações na termodinâmica


clássica, desenvolvida em relação a um sistema isolado evoluindo no sentido de um estado de
equilíbrio remoto,33 para a análise de sistemas abertos e fechados exibindo estados de quase-
equilíbrio. Visando a construção de uma base analítica mais apropriada, desenvolveu a teoria
das estruturas dissipativas longe do equilíbrio – estruturas que, uma vez constituídas,
adquirem certa estabilidade.34 Mas essa estabilidade não é eterna; ela pode ser rompida.
Prigogine desenvolveu a teoria das estruturas dissipativas para descrever fenômenos longe do
equilíbrio termodinâmico da física e da química. Entretanto, a teoria foi, depois, aplicada a
sistemas vivos; isso foi feito, principalmente, pela biologia e pela ecologia (Binswanger, 1993,
p. 220).

32
Ver Prigogine e Stengers, 1984; e, também: Binswanger, 1993, e Perrings et al., 1995, especialmente p. 4.
33
Para a termodinâmica clássica, equilíbrio é o estado em que a energia se apresenta com temperatura uniforme
não podendo, pois, gerar trabalho. É o estado de 'morte térmica'.
34
Recorde-se que o Capítulo 3 contém uma abordagem introdutória a abordagem das estruturas dissipativas.
282

Para a abordagem longe do equilíbrio, um sistema vivo é uma estrutura que dissipa
entropia. O conceito de entropia assume papel diferente na formulação de Prigogine, do que o
da termodinâmica clássica. Parte da constatação de que todo o sistema vivo – inclusive o
sistema econômico – é uma estrutura que dissipa entropia. O sistema vivo é um sistema aberto,
que intercambia matéria e energia com seu meio externo, podendo originar, como
conseqüência, reduções na sua entropia interna; isso ocorre, por exemplo, com os fenômenos do
crescimento e da evolução. Entretanto, essas reduções de entropia interna só são possíveis
mediante aumentos na entropia do sistema maior no qual o sistema vivo está inserido.

Para explorar as implicações da abordagem da termodinâmica longe do equilíbrio para o


sistema econômico – um sistema vivo –, considere-se a relação apresentada no Capítulo 23, de
mudança de entropia:

∆S = ∆Se + ∆Si

Recordando, pela segunda lei da termodinâmica, ∆Si, a entropia produzida pelo sistema
num intervalo de tempo ∆t, é sempre positiva (ignoramos o caso limite da morte térmica). Se o
sistema for isolado, não existe ∆Se, o intercâmbio de entropia com o meio externo, e a mudança
de entropia, ∆S, também é positiva e igual a ∆Si. Mas em sistemas fechados e abertos, isso não
acontece; a variação de entropia ∆S pode ser positiva, nula ou negativa, dependendo das
magnitudes absolutas de ∆Se e ∆Si.

O sistema econômico – que também é um sistema vivo – não só cresce, como se


desenvolve num processo de evolução no sentido de uma complexidade cada vez maior. E
consegue fazer isso se mantendo em estado de baixa entropia interna graças a um processo
contínuo de dissipação da energia e da matéria ordenadas fornecidos por seu meio externo, o
ecossistema global. Nos termos da concepção de Prigogine, o sistema econômico é uma
estrutura dissipativa, que se expande e evolui graças ao fluxo de baixa entropia que absorve de
seu meio externo. Mas como ocorre com todos os sistemas vivos, a redução de entropia dentro
do sistema econômico conduz a um aumento de entropia do seu meio externo – o ecossistema
global.

Conforme se ressaltou no Capítulo 3, o ecossistema global recebe um influxo constante


de energia solar de baixa entropia e irradia para o espaço energia de alta entropia. E o
funcionamento desse sistema envolve um conjunto de ecociclo, viabilizados por um fluxo de
energia de baixa entropia; e esses ecociclos reciclam continuamente a matéria. Imaginemos um
sistema exatamente como o do nosso globo, mas sem a sociedade humana na sua atual
configuração; nele, graças ao funcionamento desses ecociclos, a entropia tenderia a não
aumentar. Do ponto de vista da energia, nos termos da relação acima, a produção de entropia,
∆Si, pelo sistema seria contrabalançada pelo influxo de energia de baixa entropia do sol. Do
ponto de visto da matéria, esta seria perfeitamente reciclada pelo sistema de ciclos materiais
acionados pela energia solar. Em termos absolutos, ∆Se, o fluxo líquido de baixa entropia
recebido pelo sistema, seria sempre igual ou superior, em termos absolutos, a ∆Si. Para um
ecologista, esse sistema estaria empregando a energia solar de forma altamente eficiente,
possibilitando a evolução de uma grande variedade de espécies complexas em numerosos
ecossistemas locais;35 e o sistema terrestre seria sustentável.
35
Ver Binswanger (1993, parte 4.2.). Conforme ressalta esse autor, (p. 221), a conceituação ecológica de
eficiência é semelhante à da economia. Para a economia a produção eficiente é o máximo de produto que se pode
obter de uma certa quantidade de insumos. De uma maneira muito geral, eficiência ecológica é o máximo de
biomassa que pode ser mantida a partir da degradação de uma certa quantidade de baixa entropia.
283

Inserindo-se, porém, a atual sociedade humana nesse cenário, o sistema logo funcionaria
– e cada vez mais – fora do sistema de ecociclos. E o que tornaria isso possível seria o emprego
de grande quantidade de energia de baixa entropia extraída dos estoques de recursos
energéticos não renováveis de nosso globo. Ao funcionar e se expandir, o sistema econômico
passaria a dissipar muito mais entropia no ecossistema global, que a passível de ser sustentada
pelo fluxo líquido de baixa entropia ∆Se. E sabemos que isso só é possível porque o sistema
econômico vem se valendo dos estoques de recursos não renováveis de nosso globo.

1.3. A nova base conceitual e as vertentes recentes da economia da sobrevivência

As vertentes recentes da economia da sobrevivência se apoiam na estrutura conceitual


delineada nas seções anteriores. As suas abordagens partem de abstração conveniente de um
ecossistema global, um sistema fechado, dinâmico e auto-organizado, composto de um conjunto
interdependente e vulnerável de subsistemas. Como se ressaltou no Capítulo 3, graças ao fluxo
contínuo de energia solar, o sistema é mantido em um estado estável longe do equilíbrio. A
energia solar impulsiona uma série de processos bioquímicos vitais no sistema global; tais
processos compreendem um conjunto inter-relacionado “de ciclos materiais nos quais a
matéria é continuamente reciclada. Esses ciclos materiais são propulsionados pela dissipação
de energia captada do sol que, no final, é irradiada para o universo.” (Binswanger, 1993, p.
221). Os ciclos materiais biologicamente assistidos – os ciclos de nutrientes – contribuem para
a circulação de materiais e para a auto-regulação do sistema global. São essenciais para que
haja vida no nosso globo.36

As abordagens recentes ressaltam o fato de que a atual ‘produção’ de entropia pelo


sistema econômico não está adaptada à capacidade de reciclagem dos mecanismos de ecocíclos.
Reconhecem explicitamente que a atual estabilidade longe do equilíbrio do ecossistema global
é apenas um de vários estados de equilíbrio local, e que catástrofes evolucionárias têm o
potencial de deslocar o sistema, da sua atual configuração de equilíbrio a uma outra, com
conseqüências imprevisíveis, mas potencialmente dramáticas. Receiam, pois, que a resiliência
do ecossistema global possa não suportar os impactos da aceleração entrópica causada pelo
sistema econômico contemporâneo. Em outros termos, as variantes recentes da economia da
sobrevivência dirigem suas atenções aos efeitos desestabilizadores da nossa enorme ‘produção’
de alta entropia. Sua preocupação é com as conseqüências de impactos antropogênicos sobre a
estabilidade do ecossistema global, que temem estar ameaçada. A seguir, examinamos as visões
de longo prazo duas dessas variantes: a primeira dá ênfase aos impactos da intoxicação gerada
pela sociedade industrial moderna; e a outra avalia os efeitos da persistente destruição de
biodiversidade promovida pela espécie humana.

2. Impactos desestabilizadores de crescente intoxicação ambiental: a visão de Robert


Ayres e pesquisadores associados

Vimos que, em artigo seminal, Robert Ayres e Allen Kneese lançaram as bases da
economia ambiental neoclássica (Ayres e Kneese, 1969). Entretanto, aparentemente pouco a
vontade com os rumos tomados por essa escola de pensamento, Ayres acabou se afastando do
circuito neoclássico e passou a realizar estudos na perspectiva da economia ecológica.
Recentemente vem liderando um grupo de pesquisa que investiga os efeitos das emissões
tóxicas resultantes da recente aceleração entrópica produzida pela sociedade humana. Para esse
36
Para os não iniciados, seria conveniente, nessa altura, uma releitura do esboço de ecossistema da seção 3,
Capítulo 18.
284

autor, a principal ameaça à estabilidade do sistema global está, não no iminente esgotamento de
recursos não renováveis de baixa entropia, mas sim nos efeitos do processo de aceleração
entrópica que o sistema econômico vem promovendo, sobre o equilíbrio fundamental da
natureza.37

Tendo por base a formulação de Prigogine, acima esboçado, o ecossitema global é um


sistema dinâmico, que opera mediante uma série de processos físicos e químicos. “Esse sistema
se auto-organiza. Ou seja, ele se mantém em um padrão dinâmico de mudanças contínuas,
dentro de uma envoltória estável. (...) Em certo sentido, o sistema terrestre como um todo é
semelhante a um organismo individual: este assume um estado estável (...) graças a um fluxo
abundante de energia fornecida pelo sol.” A energia solar aciona um sistema cíclico de
processos bioquímicos que dão suporte a nossa atmosfera de oxigênio-nitrogênio. Há, também,
ciclos bioquímicos para o nitrogênio, o enxofre, o fósforo, o cálcio, o potássio, o cloro, o iodo,
entre outros. Todos são essenciais à manutenção da vida como a conhecemos. Mas “...todo o
ciclo fechado (da água, do carbono/oxigênio, etc.) é inerentemente um fenômeno de não-
equilíbrio, no sentido de que só se mantém graças à energia de baixa entropia oriunda do sol.
Esta é uma conseqüência óbvia da segunda lei da termodinâmica, segundo a qual a entropia de
todos os processos irreversíveis aumenta em um sistema isolado.” (Ayres, 1993, p. 203-204).

Conforme já se ressaltou, diferentemente dos demais organismos vivos, o sistema


econômico global está funcionando fora de sintonia com os ecociclos, causando perigosa
intensificação da degradação do ecossistema global. Surgem as seguintes questões: até que
ponto a estabilidade do sistema global resistirá aos efeitos do crescente fluxo de dejetos do
sistema econômico? Quais as conseqüências de uma interferência humana cada vez mais
acentuada sobre os processos naturais?

Tratando dessas questões, Ayres se apoia na noção de metabolismo, emprestada à


biologia. Segundo o Dicionário Aurélio, para a fisiologia, metabolismo é “conjunto de
mecanismos químicos necessários ao organismo para a formação, desenvolvimento e
renovação de estruturas celulares, e para a produção da energia necessária às manifestações
interiores e exteriores de vida...”. Compreende processos internos ao organismo vivo;
realizando metabolismo, este absorve materiais, os transforma e deles retira a energia e a
biomassa necessárias à sua manutenção, crescimento e reprodução; e, simultaneamente, emana
energia dissipada e excreta dejetos.

Numa analogia, o autor trabalha com a noção de metabolismo industrial.38 O sistema


econômico é visto como um organismo que emprega energia de baixa entropia para processar
materiais ordenados, gerando manifestações interiores e exteriores de vida. Ou seja, “o
metabolismo industrial compreende todas as transformações de matéria e energia que tornam
possível ao sistema econômico funcionar, isto é, produzir e consumir.” (Ayres e Simonis, 1994,
p. xi). E, em decorrência dessas transformações, a matéria e a energia são devolvidas ao meio-
ambiente em estado irreversível de alta entropia.

Essa analogia entre o sistema econômico e um organismo biológico só é válida até certo
ponto. Na natureza, os dejetos de uma forma de vida tendem a ser elementos essenciais a outras
formas de vida. As plantas, por exemplo, captam a energia do sol e, com a fotossíntese

37
Ver Ayres, 1993; e 1995.
38
Ayres emprega o termo indústria em um sentido amplo, do conjunto de segmentos que compõem as atividades
produtivas, e não no seu uso corrente de empresa manufatureira, ou de empresas de um certo ramo.
285

produzem biomassa a partir do dióxido de carbono e da água; e geram como resíduo o oxigênio.
Mas o oxigênio é essencial para a sobrevivência de animais; e estes emanam justamente o
dióxido de carbono como resíduo, fechando o ciclo. Este é um dos ecociclos essenciais ao
funcionamento e à estabilidade do ecossistema global. Entretanto, o sistema econômico não
funciona assim; as emanações do seu metabolismo compreendem, não só resíduos como o
dióxido de carbono, excessivos em relação à capacidade de absorção de outros organismos, mas
também, grandes quantidades de dejetos tóxicos prejudiciais a quase todas as formas de vida. E,
segundo Ayres, as emanações tóxicas estariam alterando os mecanismos de auto-regulação do
sistema global, ameaçando a sua estabilidade. “O globo terrestre como um sistema tem certa
capacidade de assimilar elementos tóxicos e de se limpar e rejuvenescer. Mas as atividades
antropogênicas estão produzindo rejeitos muito mais rapidamente que o permitido pela
capacidade de regeneração da natureza”. 39

Ayres não desconhece a possibilidade de exaustão de certos recursos naturais básicos –


o fulcro das preocupações de Georgescu-Roegen e de Boulding. Não nega o risco de escassez
crítica causada pela exaustão de certos recursos; numa reafirmação do ‘teorema da
impossibilidade’, considera insustentável no longo prazo a situação de uma população humana
em crescimento continuado em um globo terrestre finito, e com taxas de renovação de recursos
menores que as de extração. Preocupa-se, por exemplo, com a vertiginosa expansão do uso da
água pelas cidades, pela indústria e pela agricultura; e com a mobilização, em taxas muito altas,
de substâncias da crosta terrestre, notadamente combustíveis fósseis e metais. Para o autor, esse
estado de coisas não pode perdurar indefinidamente.40 Entretanto, considera bem mais
preocupantes os impactos desestabilizadores das emanações tóxicas do metabolismo do sistema
econômico. Receia que a perda de estabilidade poderá ocorrer antes que se manifeste forte
escassez de recursos básicos.

Seu argumento é o seguinte: sabemos que, semelhantemente a um ser vivo, o sistema


global se auto-organiza, mantendo-se em um padrão dinâmico estável de mudanças contínuas.
E, embora ainda seja elevada a nossa ignorância sobre o funcionamento desses mecanismos,
não parece haver dúvida de que alguns deles podem ser drasticamente alterados se ocorrerem
perturbações antrópicas o suficientemente grandes. Ayres receia que os mecanismos de auto-
organização do sistema global perca a capacidade de neutralizar as emanações tóxicas do
metabolismo industrial se as mesmas continuarem a se ampliar. Segundo o autor, as tendências
detectadas nos estudos do grupo de pesquisadores que coordena não são sustentáveis; tudo
indica que os impactos ambientais dessas emanações podem vir a se tornar intoleráveis muito
antes do que comumente se imagina. (Ayres, 1995, p.1 e 8).

A abordagem do metabolismo industrial rejeita a hipótese implícita da economia


ambiental neoclássica de um meio-ambiente neutro, benigno, ao qual se pode poluir em maior
ou menor grau, com reações previsíveis, reversíveis. Essa hipótese se choca frontalmente com a
concepção do sistema global como “um sistema extremamente não linear e auto-organizado
(...) em um estado quase estacionário, que pode sofrer súbita e imprevisível mudança. (...) Esse
estado quase estacionário pode não ser o único possível. “Com efeito, se suficientemente
perturbado esse sistema não linear pode ‘pular’ para um outro estado estacionário, ou mesmo
se deslocar de lá para cá entre dois ou mais de tais estados.” (Ayres, 1995, p.8).
Para ilustrar seu argumento, Ayres apresenta analogias topográficas de três visões da
capacidade de resistência do meio-ambiente em face a perturbações antrópicas.41 O painel (a)

39
Ayres, 1995, p. 2-3.
40
Conforme demonstra Ayres, 1995, na seção 3. Ver, também, Ayres, 1993, p. 199-202.
41
Ver Ayres, 1995, p. 8-9; para abordagem semelhante, ver Holling et al., 1995, p. 51-52.
286

da Figura 3 ilustra a concepção de estabilidade, não só da modelagem neoclássica, como a de


uma corrente de pensamento da ecologia (Holling et al., 1995, p. 50). Para estas, a estabilidade
do sistema global se assemelha ao equilíbrio de uma bolinha dentro de um copo com beiradas
altas. Um safanão no copo muda a posição da bolinha, mas, terminada a perturbação, esta volta
à posição inicial. Semelhantemente, o meio-ambiente pode ser perturbado mas não reage de
forma dramática; e uma vez cessada a perturbação, o equilíbrio será retomado. Implícita nessa
visão está uma concepção de natureza robusta, dotada de elevada capacidade de auto-
regeneração.

Figura 3. Ilustração topográfica de concepções da estabilidade do equilíbrio do sistema global

(a) (b)

(c)

Visão oposta – a de um equilíbrio altamente instável – é ilustrada no painel (b) da


Figura. É como se a bolinha estivesse situada sobre a base de copo virado de ponta cabeça;
basta um pequeno safanão para fazê-la cair e rolar para longe. Analogamente, se
suficientemente perturbado, o meio-ambiente reagirá de forma dramática. Esta é, por exemplo,
a visão do The Limits of Growth e de alguns ambientalistas – a visão de uma natureza delicada,
altamente vulnerável.

Mas há uma terceira analogia topográfica – a da bolinha em um recipiente de fundo


ondulado. Como indica o painel (c) da Figura 3, um pequeno safanão levará a bolinha a se
deslocar, mas a retornar logo à posição de equilíbrio inicial; contudo, uma perturbação mais
forte fará com que se desloque de seu nicho inicial para um outro no fundo do recipiente. Para
287

Ayres, esta última analogia oferece uma perspectiva mais realista do comportamento do mundo
natural em face às agressões do sistema econômico. Baseia-se em um modelo de compromisso
que é fundamental o reconhecimento do grau de fragilidade da natureza. Tendo em vista essa
perspectiva, as questões relevantes são ? (Ayres, 1995, p. 9):

● Qual a capacidade do sistema de absorver distúrbios sem perder a capacidade de se


recuperar?

● Quanto de perturbação será necessário que ocorra para ‘chutar’ o sistema de um


estado estacionário a outro?

Para a abordagem do metabolismo industrial, a restrição básica à expansão da escala da


economia mundial estaria na capacidade do meio-ambiente de assimilar, sem reações
catastróficas, os fluxos crescentes de dejetos tóxicos gerados por seu metabolismo. O problema
é que, como “não conhecemos em detalhe os mecanismos de estabilização para o clima e para
vários outros ciclos, não podemos saber qual a perturbação necessária para mover o sistema a
um outro estado quase estacionário, ou mesmo para iniciar um movimento no sentido de um
verdadeiro equilíbrio, aquele no qual a vida não se sustentaria. Podemos supor que
perturbações antropogênicas pequenas (...) não desestabilizarão o sistema. Mas, em relação a
alguns materiais (como os gases do efeito estufa), as perturbações” (resultantes do
metabolismo industrial) “ao longo do próximo século” poderão provocar situações
extremamente perigosas.42

O que se deve fazer em face a essa situação? Para Ayres (1993, p. 205), a única
alternativa prudente é a de uma atuação firme visando controlar as interferências
antropogênicas desestabilizadoras dos processos naturais.

3. Variante que ressalta a importância funcional da biodiversidade para a resiliência


do ecossistema global.

A outra vertente recente da economia da sobrevivência está associada ao Programa da


Biodiversidade, patrocinado pelo Instituto Beijer da Academia Real de Ciências da Suécia. Esse
programa de pesquisa, que conta com a participação trandisciplinar, incluindo economistas,
ecologistas e outros cientistas naturais, estuda o papel da diversidade de espécies na resiliência
de ecossistemas individuais e, por extensão, do sistema global. Visa aprimorar a compreensão
das inter-relações entre os sistemas econômico e ecológico, dando destaque ao papel da
biodiversidade.(Perrings et al., 1995, Prefácio). Esse esforço de pesquisa também tem como
pano de fundo a teoria das estruturas dissipativas de Prigogine.

Uma diferença fundamental da abordagem desse grupo em relação à da economia


ambiental neoclássica está, novamente, na hipótese ambiental adotada. O grupo rejeita
categoricamente a hipótese de que o meio externo do sistema econômico é neutro, passivo.

Ao contrário do que se pode imaginar, as atenções dos pesquisadores do Instituto não se


centraram no problema que vem capturando a atenção da opinião pública – o da eliminação de

42
Ver Ayres, 1993, p. 204-205. Para o autor, intervenções humanas, especialmente as decorrentes da combustão
em larga escala de combustíveis fósseis e do uso maciço de nitrogênio e de fosfato na agricultura, já estão
perturbando seriamente os ciclos do carbono, do nitrogênio, do enxofre, e do fósforo.
288

determinadas espécies de elevado potencial para a satisfação de necessidades humanas. A


destruição de biodiversidade vem tradicionalmente sendo discutida do ponto de vista do risco
da eliminação de espécies com propriedades potencialmente interessantes; menciona-se, por
exemplo, que a cura do câncer pode estar em material genético contido em espécies em risco de
extinção. Mas não é esse o prisma da análise do grupo. Os pesquisadores do Instituto voltaram-
se, ao invés, ao estudo do papel da biodiversidade na manutenção da estabilidade do quase-
equilíbrio de ecossistemas. Colocam em um primeiro plano as funções que a biodiversidade
desempenha na geração de serviços ecológicos fundamentais – notadamente as associadas à
preservação da resiliência de ecossistemas.43

Conforme ressaltam Holling et al., 1995, a ecologia tem duas concepções de resiliência.
Uma delas é a adotada pela ecologia de ecossistemas; esta considera a resiliência em termos da
resistência de um ecossistema a distúrbios e da velocidade do retorno deste a uma posição de
equilíbrio uma vez eliminados os distúrbios. Tais distúrbios provocariam deslocamentos nas
imediações de um equilíbrio globalmente estável, na linha do ilustrado na Figura 3 (a), acima.
A outra concepção – a da ecologia de comunidades – considera a dinâmica ecossistêmica em
situação de múltiplos equilíbrios locais, mais em linha com o ilustrado no painel (c) da Figura
3. Segundo essa concepção, resiliência é o montante de distúrbio que pode ser absorvida pelo
ecossistema antes que ocorra mudança fundamental na sua estrutura de controles, provocando
deslocamento de uma dada situação de equilíbrio local a outra. É essa a concepção dos
pesquisadores do Instituto Beijer.

É interessante observar que o predomínio da “ecologia de comunidades” entre os


ambientalistas do grupo de pesquisas dificultou, pelo menos inicialmente, o diálogo destes com
os economistas do grupo. Focalizando o meio-ambiente global, com o sistema econômico nele
inserido, a visão dos economistas era essencialmente macro. O contrário acontecia com os
ambientalistas; em decorrência de sua postura metodológica, estes vinham se dedicando a
estudar ecossistemas individuais; sua experiência resultava de um conjunto de estudos
independentes, dos quais não procuravam traçar generalizações. Sua visão era, portanto,
basicamente micro. Além disso, as análises dos ambientalistas se valiam do método indutivo
enquanto prevalecia, entre os economistas, o método dedutivo. No desenrolar das pesquisas,
porém, os dois grupos acabaram se entendendo. Os economistas puderam capturar as linhas
centrais dos múltiplos estudos de caso dos ecologistas, e estes passaram a realizar esforços de
generalização e de síntese dos seus estudos e observações – embora insistam que ainda se está
longe de derivar modelo global de ampla aceitação.

O esforço de pesquisa se iniciou estabelecendo os papeis centrais da diversidade de


espécies no ecossistema global. Estes seriam basicamente dois: as diversas espécies mediam os
fluxos de energia e de matéria – os ecociclos –, determinando as propriedades funcionais do
ecossistema; e, a diversidade fornece ao ecossistema resiliência em face a surpresas, a eventos
extraordinários. No seu papel de sustentar ciclos biofísicos no contexto de uma hierarquia de
ecossistemas, a diversidade biológica tem, portanto, um valor inestimável; ela é parte
fundamental da capacidade de auto-organização do sistema global e, portanto, da sua habilidade
de responder a pressões impostas pela degradação antrópica.44

A extensão da destruição de espécies no nosso globo nem sempre é inteiramente

43
Esta parte se apoia, principalmente, em Perrings et al., 1995, e em Holling et al., 1995; trata-se dos capítulos 1 e
2 de volume com resultados de pesquisas do Programa de Biodiversidade do Instituto Beijer.
44
Ver Perrings et al., 1995, p. 4-7.
289

percebida. Esta vai muito além do que vem sendo enfatizado pela imprensa, quando trata do
desmatamento das florestas tropicais úmidas – notadamente na Amazônia. A destruição vem
ocorrendo há séculos, em conexão com a ocupação humana de espaços, mas se acelerou em
função da simplificação promovida pela economia contemporânea. Está associada, por
exemplo, à monocultura, o esteio da atual agricultura tecnificada; à formação de extensas
pastagens; aos manejos inadequados de pastagens nativas e de áreas destinada à extração
vegetal; à indiscriminada drenagem de áreas alagadas; à pesca excessiva; e a ocupação do
espaço por cidades e pela infra-estrutura. Resulta, também, da intoxicação de habitats por
fertilizantes químicos e pesticidas e da introdução em ecossistemas de espécies exóticas. A
verdade é que a humanidade tem tratado os sistemas naturais de forma muito descuidada, e não
há sinais de que isso esteja mudando. Além disso, dada a expansão da economia contemporânea
e a atual dinâmica demográfica, esse comportamento assegura que a pressão sobre a
biodiversidade continuará forte. Ecologistas vêm constatando casos, cada vez mais freqüentes,
de alterações preocupantes de ecossistemas de diferentes tipos e mesmo de ruptura da
estabilidade, com mudança de um estado de equilíbrio local a outro. São florestas que se tornam
áreas de campo, é o colapso de zonas pesqueiras, a transformação de áreas de savana em semi-
desertos, são as áreas erodidas, acompanhadas de extenso assoreamento de cursos d’água.45

O grupo de pesquisa do Instituto Beijer enfatiza a dinâmica desse tipo de alteração. O


padrão é quase sempre o mesmo: com a simplificação e a exploração econômica inadequada há
crescente perda de diversidade funcional, com conseqüente redução de resiliência. Até um
certo ponto esse processo se desenrola lentamente: mas, subitamente, se observam mudanças,
geralmente irreversíveis, no sentido de um novo estado de quase equilíbrio. Conforme
ressaltam Holling et al. (1995, p.53), atividades antropogênicas produzem “mudanças nos
solos, na hidrologia, em processos de distúrbio e em complexos de espécies” de importância
fundamental para o funcionamento do ecossistema. Como resultado, o “controle de funções do
ecossistema se desloca de um conjunto inter-relacionado de processos físicos e biológicos a
outro.”.

A analogia topográfica da Figura 4, adiante, ilustra essa dinâmica. O painel (a) mostra
um estado de equilíbrio localmente estável do sistema global; existem duas regiões possíveis de
equilíbrio, e o equilíbrio se dá em uma delas. Começam as perturbações, que modificam
gradualmente a estrutura organizacional do sistema [ver o painel (b)]. E, como se pode observar
comparando os painéis de (a) a (c), a mudança na estrutura organizacional faz com que
perturbações progressivamente menores sejam necessárias para mudar o estado de equilíbrio do
sistema de uma região a outra. Finalmente, as alterações são tais que, como ilustra o painel (d),
o sistema acaba mudando espontaneamente de estado de equilíbrio.

Esse padrão de comportamento já foi observado inúmeras vezes em ecossistemas


individuais. “Ecossistemas reais (...) são não lineares e descontínuos, além de complexos no
seu comportamento temporal. Não há razão para acreditar que, como resultado de distúrbios
causados [por perturbações antrópicas], os mesmos convirjam novamente a um equilíbrio bem
definido (a um estado de clímax).”46 A questão que se coloca é: será que esse mecanismo
também opera no ecossistema maior, composto de muitos subsistemas que experimentam
mudanças de suas posições de equilíbrio local? De acordo com Holling (1996), a intensificação
de alterações irreversíveis dos parâmetros organizacionais do sistema maior poderia vir a afetar
criticamente a sua resiliência, levando-o a um deslocamento, de uma posição de equilíbrio

45
Ver Hollings et al., 1995, especialmente seção 2.2.
46
Perrings et al., 1995, p. 9-10.
290

localmente estável a outra.

Ou seja, suspeita-se que, se a destruição de biodiversidade for ampla e generalizada, a


resiliência do ecossistema global poderá ser afetada de forma crítica provocando a sua
desestabilização. E esta pode ter conseqüências dramáticas para a humanidade.

Figura 3. Ilustração topográfica da dinâmica do processo de mudanças na estrutura


organizacional de um ecossistema, em conseqüência de perturbações continuas

(a) (b)

Mudança no estado
(c) (d) de quase equilíbrio

O mais grave é que não se conhece a magnitude dos danos – via destruição da
biodiversidade – que o sistema econômico pode impunemente infligir sobre o sistema global.
Essa destruição já atingiu níveis preocupantes, mas desconhecem-se detalhes dos seus impactos
sobre a estrutura organizacional do sistema. Não se sabe, pois, qual o atual grau de
comprometimento da capacidade do sistema de resistir a perturbações. E o pior é que boa parte
da opinião pública nem mesmo percebe o problema, embora alguns ecologistas venham
apresentando previsões bastante pessimistas a respeito.47

Os pesquisadores do Instituto Beijer não pretendem ter desenvolvido tratamento


completo do problema; é inegável a sua contribuição fundamental no sentido de chamar atenção

47
Para Erlich (1988), por exemplo, a continuação da destruição da biodiversidade às taxas recentes pode ter efeito
comparável de um inverno nuclear, por volta de meados do próximo século. Esta é uma previsão extrema, mas
para os entendidos, são grandes os perigos de um comportamento irresponsável nesse campo.
291

para o mesmo. Acreditam que a manutenção das tendências recentes reduzirá significantemente
a resiliência do ecossistema global, podendo levá-lo a um estado crítico de difícil reversão. E
recomendam que se de alta prioridade a pesquisas que nos ensinem como preservar a resiliência
de ecossistemas dos quais dependem o futuro da humanidade.

Os ecologistas do grupo de pesquisas alertam para o fato de que o ‘ecossistema global’ é


uma abstração conveniente, mas não operacional. Na verdade o que existe é um grande número
de ecossistemas individuais, cada um com sua resiliência, que tende a ser reduzida pela ação
antrópica. Nesse sentido, a principal recomendação de política resultante das pesquisas do
grupo é a da atuação para proteger o potencial produtivo dos ecossistemas individuais
importantes para a atividade humana, potencial esse que depende crucialmente da diversidade
de espécies. Há que preservar a resiliência de ecossistemas específicos, confiando que, com
isto, se estará protegendo a resiliência do ecossistema global.

Concluindo o exame das duas vertentes recentes, cumpre salientar que a visão do
metabolismo industrial de Ayres, e a da resiliência fundada na biodiversidade do grupo do
Instituto Beijer, não são incompatíveis. As duas vertentes consideram o ecossistema global um
sistema não linear e auto-organizado em um estado de quase equilíbrio; para ambas, uma
expansão o suficientemente forte da escala da atividade econômica global pode gerar
perturbações desse sistema não linear, suficientes para desloca-lo da atual, para uma outra
região de equilíbrio estacionário. A diferença entre as duas abordagens é mais de ênfase: a
visão do metabolismo industrial ressalta os efeitos de um crescente envenenamento do meio-
ambiente causado pelas emanações e dejetos do sistema econômico; mas um desses efeitos é
justamente o da destruição de espécies fundamentais para o funcionamento adequado de
ecociclos. E o grupo do Instituto Beijer certamente reconhece o papel direto e indireto da
crescente intoxicação de ecossistemas na redução de suas resiliências. As formulações da
primeira vertente, mais agregada, adequa-se bem, por exemplo, à análise do ‘efeito estufa’, que
tanta preocupação vem causando. E as do grupo Beijer, de origem mais ‘micro’, põem em
evidência os perigos para a humanidade da redução de resiliência provocada por perturbações
antrópicas causadoras de extensa e crescente eliminação de espécies.
292

Capítulo 26. Comentários sobre a significância das contribuições da


economia da sobrevivência

Este capítulo conclui a avaliação de ramo da economia ecológica que, embora não se
constitua em corrente de pensamento organizada e influente, se caracteriza por focalizar uma
questão fundamental: a da preservação das oportunidades das gerações futuras. Vimos que a
perspectiva de longo prazo dessa escola é pessimista: para ela, se forem mantidos os atuais
padrões de expansão do sistema econômico mundial, a humanidade enfrentará, não só rápida
depleção de recursos vitais, como sofrerá as conseqüências de impactos com o potencial de
desestabilizar o meio-ambiente. Este capítulo começa com o exame de avaliação feita por uma
'comissão de sábios' sobre a sustentabilidade do atual padrão de expansão da economia
mundial, que parece dar razão ao pessimismo da economia da sobrevivência; seguem-se
comentários conclusivos sobre as contribuições dessa escola.

1. Avaliação de ‘comissão de sábios’, de sustentabilidade dos atuais padrões de


crescimento econômico

Vimos que existem, essencialmente, duas visões de futuro: a de um porvir de crescente e


ilimitada prosperidade, apoiado nos avanços da ciência, da tecnologia e em rápidos ajustes da
economia e da organização social; e a daqueles que se preocupam com a fragilidade dos
sistemas ambientais e sociais em face às elevadas taxas de crescimento da produção e da
população, e com a possibilidade de que ocorram efeitos indesejáveis da tecnologia. A
economia ambiental neoclássica se alinha, claramente, no primeiro grupo e isso transparece
nitidamente no seu patrocínio da curva do U invertido (a curva de Kuznets ambiental). A
posição da economia da sobrevivência é bem mais pessimista, embora reconheça os exageros
de algumas avaliações a respeito das perspectivas futuras da humanidade. No que segue
resumimos uma avaliação independente a respeito das bases concretas para um otimismo ou
pessimismo.

Em 1994, o Instituto Beijer reuniu uma comissão de alto nível, composta por seis
economistas e cinco cientista ambientais, coordenada pelo Prêmio Nobel de Economia,
Kenneth Arrow,48 para avaliar a “hipótese do U invertido” – tratada no Capítulo 1 –, que vinha
ganhando crescente aceitação. Segundo essa hipótese, construída com base na observação da
relação empírica entre a renda per capita e certos indicadores de qualidade ambiental, só a
baixos níveis de renda per capita aumentos desta seriam acompanhados de crescente
deterioração ambiental. Mas isso aconteceria até um certo ponto, após o qual aumentos de
renda per capita fariam a degradação declinar. A explicação para essa relação entre as duas
variáveis se apoia na idéia de que, em um país pobre, o crescimento é prioritário e a

48
Ver Arrow et al, 1995. Além de Kenneth Arrow, participaram da comissão: Bert Bolin (do Departamento de
Meteorologia da Universidade de Estocolmo), Robert Costanza (do Instituto Internacional de Economia Ambiental
de Maryland, EUA), Partha Dasgupta (Departamento de Economia, Universidade de Cambridge, Inglaterra), Carl
Folke (Instituto Internacional Beijer de Economia Ambiental, Suécia), C.S. Holing (Departamento de Zoologia,
Universidade da Flórida, EUA), Bengt-Owe Jansson (Departamento de Sistemas Ecológicos, Universidade de
Estocolmo, Suécia), Simon Lewin (Departamento de Ecologia e Biologia Evolucionária, Universidade de
Princeton, EUA), Karl-Göran Mäller (Diretor do Instituto Beijer e economista ambiental de renome), Charles
Perring (Departamento de Economia Ambiental e de Manejo Ambiental, Universidade de York, Inglaterra), e
David Pimentel (Departamento de Entomologia, Cornell University, USA).
293

preservação do meio-ambiente e o combate à poluição são luxos. Contudo, quando o país atinge
um padrão de vida mais confortável, a qualidade do meio-ambiente acaba se tornando
prioritária, levando à introdução de legislação ambiental, ao desenvolvimento de instituições, à
promoção de tecnologias e de produtos “limpos” e à implementação de políticas de proteção
ambiental.49 Representando em um gráfico a relação entre a renda per capita e um indicador de
degradação ambiental, teríamos, pois, a figura de um U invertido. Ademais, o desenvolvimento
tecnológico e as pressões internacionais e internas da sociedade, fariam essa curva se deslocar
para baixo; esse deslocamento também resultaria da disseminação global de tecnologias limpas
e do aprimoramento institucional, também em nível mundial. Assim, ao longo do tempo um
mesmo nível de renda per capita estaria associado a uma degradação ambiental cada vez menor.

Se verdadeira a ‘hipótese do “U” invertido’, estaria afastado o receio da


incompatibilidade entre crescimento econômico e a qualidade ambiental. No início da década
de 1970 tomou corpo o ponto de vista de que a continuação e a generalização do crescimento
econômico resultariam em insuportável degradação ambiental, de conseqüências dramáticas
para a humanidade. Com a teoria do U invertido, ao invés de anátema, o crescimento
econômico passou a ser apontado como instrumento para amenizar os problemas ambientais da
humanidade.

Segundo a ‘comissão de sábios’, entretanto, há sérias razões para se rejeitar essa visão
otimista: para começar, a curva do “U” invertido se aplica a apenas alguns poluentes –
geralmente aqueles com impactos locais e que não se acumulam (por exemplo, a poluição pela
falta de saneamento básico, as emissões de particulados, de dióxido de enxofre e de monóxido
de carbono); mas não é válida justamente para poluentes com impactos mais duradouros e de
amplo alcance espacial (por exemplo, a emissão de dióxido de carbono, com seus impactos em
termos do efeito estufa). Nas palavras da comissão, embora “o crescimento econômico possa
estar associado a melhorias em alguns indicadores ambientais, isso não quer dizer que basta o
crescimento para que haja melhoria ambiental generalizada, nem que os impactos ambientais
do crescimento podem ser ignorados e, com efeito, nem que a base de recursos do globo
terrestre é capaz de sustentar indefinidamente o crescimento econômico.” (p. 520)

A comissão apresenta argumentos contra a validez generalizada da hipótese do U


invertido. Mostra, por exemplo, que os estudos empíricos sobre a hipótese nada nos informam
sobre as conseqüências sobre todo o sistema das reduções de degradação em economias de
elevada renda per capita. Mas a diminuição das emissões de um poluente em um país pode
significar aumentos da emissão em outros países (mediante a transferência de indústrias 'sujas').
Ou pode resultar da transformação de resíduos altamente visíveis (alguns tipos de poluição
atmosférica) em poluição não tão visível, mas igualmente danosa (resíduos tóxicos de
filtragens).

Além disso, a hipótese do “U” invertido não é válida para estoques de recursos naturais.
A redução desses estoques vem se acelerando em resposta ao crescimento econômico. A
comissão expressou preocupação, não com o esgotamento de recursos minerais que, na pior das
hipóteses, deve ocorrer em um futuro muito distante, e sim com a degradação de recursos do
solo e de sua cobertura, com a destruição de florestas e outros ecossistemas, que estariam se

49
Vimos, no Capítulo 1, que a hipótese do U invertido se originou do Informe Sobre o Desenvolvimento Mundial
de 1992, do Banco Mundial, dedicado à relação entre desenvolvimento e meio-ambiente (World Bank, 1992).
Avaliações da hipótese, feitas por autores neoclássicos, projetam uma aura de otimismo sobre a discussão da
sustentabilidade (ver Goldin e Winters, 1994).
294

dando em ritmos preocupantes, ritmos estes que tenderiam a aumentar com o crescimento
econômico.

Registra, também, o fato de que, na maioria dos estudos empíricos feitos para validar a
hipótese, as reduções de emissões que acompanharam os aumentos de renda per capita
resultaram de ações em âmbito local, como a implantação de legislação ambiental e a
introdução de incentivos de mercado para a redução de degradação. Quase nunca essas ações
“resultaram de preocupação com conseqüências internacionais e inter-geracionais. Nos casos
em que os custos ambientais (...) são assumidos pelos pobres, pelas gerações futuras ou por
outros países, tendem a ser bastante pequenos os incentivos para corrigir problemas
ambientais.” (p. 521)

Não parece válido, pois, generalizar a relação do “U” invertido e nem supor que, nos
casos em que existe a relação inversa entre poluição e renda per capita, a redução na
degradação ocorrerá em tempo de evitar conseqüências importantes e irreversíveis sobre a
estabilidade do meio-ambiente. A comissão chama a atenção, nesse sentido, para possíveis
limitações associadas à capacidade de suporte do ecossistema global. Conforme Arrow, et al.,
1994, p. 521:

“A base de recursos ambientais da qual toda a atividade econômica depende, inclui


sistemas ecológicos que produzem uma ampla variedade de serviços. Essa base é finita. E,
um uso imprudente da base de recursos ambientais pode reduzir de forma irreversível a
capacidade de gerar produção material no futuro. Ou seja, existem limites à capacidade
de suporte do nosso planeta. Evidentemente, é possível que melhorias no manejo de
sistemas de recursos, acompanhadas de mudanças estruturais na economia que conservem
recursos, possibilitem a extensão dos crescimentos econômico e demográfico, pelo menos
por mais algum tempo, a despeito do fato de que é finita a base de recursos.” Mas não se
pode garantir que isso ocorra em tempo oportuno e com a intensidade necessária.

Merece atenção, pois, a capacidade de suporte da natureza – o tema central da


preocupação das variantes recentes da economia da sobrevivência. Na discussão desta, a
comissão se vale da noção de resiliência. Aceitando a definição de resiliência como a propensão
de um sistema a reter sua estrutura organizacional em face a perturbações. (Common e
Perrings, 1992, p. 116), “Uma maneira de se pensar em resiliência é a de se considerar um
modelo econômico dinâmico no qual existem múltiplos equilíbrios (locais) estáveis. Para um
modelo desses, resiliência é, pois, a medida da magnitude do distúrbio que o sistema pode
absorver antes que salte de um estado de equilíbrio estável localizado a outro. As atividades
econômicas são sustentáveis apenas se o ecossistema de suporte à vida do qual as mesmas
dependem se mantiverem resilientes.” (Arrow et al., 1994, p. 521).

Será válido sermos otimistas em relação à sustentabilidade? Existem três motivos para
rejeitarmos esse otimismo, todos associados à perda resiliência de ecossistemas: 1. Essa perda
pode significar súbita redução de produtividade biológica e, portanto, da capacidade de suporte
da vida humana, conduzindo a mudanças descontínuas e irreversíveis no ecossistema, de
estados familiares a não familiares. 2. Essas mudanças descontínuas podem conduzir a
alterações irreversíveis no conjunto das opções disponíveis, se não à geração presente, às
gerações futuras. Um exemplo de tal situação é o da desertificação; outros, menos dramáticos,
são os da erosão dos solos, da perda de diversidade e do esgotamento de aqüíferas. E, 3. a
possibilidade crescente de que ocorram mudanças descontínuas é fator importante nas
incertezas associadas aos impactos ambientais das atividades econômicas.
295

A comissão lamenta que a natureza não nos envie sinais claros de danos à resiliência
ambiental. Sabemos que, no limite, a perda de resiliência resultante de pressão antrópica
extrema tende a ocorrer de forma abrupta e irreversível. Entretanto, “ essas mudanças abruptas
raramente podem ser antecipados a partir do sistema de sinais tipicamente recebidos pelos
tomadores de decisão no mundo de hoje. Via de regra, os sinais recebidos não são percebidos,
ou são erroneamente interpretados, ou não fazem parte da estrutura de incentivos da
sociedade. Isso acontece pela nossa ignorância sobre os efeitos dinâmicos das mudanças nas
variáveis ecossistêmicas (...) e pela presença de empecilhos institucionais (...). E o
desenvolvimento de instituições adequadas depende, entre outras coisas, de maior
compreensão da dinâmica ecossistêmica e do estabelecimento de um conjunto de indicadores
confiáveis.” (Arrow, et al., 1994, p. 521).

A 'comissão de sábios' rejeitou, portanto, o otimismo prevalecente em alguns campos,


sobre os impactos ambientais do crescimento econômico. Suas principais recomendações
foram: dadas as incertezas sobre a dinâmica da estabilidade do sistema global e as drásticas
conseqüências da implementação de decisões erradas, devem receber prioridade máxima ações
de proteção à resiliência do sistema; e, uma vez que não há como saber em que condições a
resiliência estará seriamente ameaçada, ou seja, quanto de degradação o meio-ambiente pode
suportar antes que mudanças descontínuas venham a ocorrer, é errado considerar a liberdade
econômica e o crescimento acelerado como as principais bases de uma política ambiental
adequada.

Dado o patrocínio da ‘comissão de sábios’ pelo Instituto Beijer, pode haver a suspeita
de que sua avaliação tenha sido viesada. Examinando a composição da comissão, no entanto,
vemos que, embora alguns de seus membros foram (ou são) ligados ao Instituto, seu presidente
(Kenneth Arrow) é economista Prêmio Nobel, com contribuições seminais ao mainstream da
análise econômica; são significativas, também, as contribuições de Karl-Göran Mäller e Partha
Dasgupta para a economia ambiental neoclássica. Certamente nenhum destes daria seu aval a
uma avaliação que considerasse errada.

2. Comentários finais a respeito das visões de futuro da economia da sobrevivência

Parece haver fortes razões para se supor que, numa perspectiva temporal longa – que
englobe várias gerações – os recentes padrões de uso de recursos naturais e de degradação
ambiental não têm condições de se manter. Ademais, não parece válido esperar que o
desenvolvimento tecnológico possa oferecer à humanidade receitas fáceis para escapar de tais
tendências. Este é o tema central focalizado pela economia da sobrevivência. Vimos que a
preocupação dos fundadores dessa corrente se voltou principalmente aos possíveis efeitos do
esgotamento de recursos naturais não renováveis – especialmente os que compõem o capital
energético do globo terrestre, mas também minerais estratégicos. As variantes mais recentes,
por sua vez, vêm enfatizando os efeitos de interferências antropogênicas sobre funções
ambientais vitais à estabilidade do ecossistema global. Os economistas dessa corrente passaram
a ‘internalizar’ em suas análises o fato de que existem várias funções ambientas vitais para a
humanidade, como as de fornecer proteção contra radiações indesejáveis do sol, a de sustentar a
temperatura na terra em intervalos de variação suportáveis por seres vivos – e, portanto, pelo
homem –, a de preservar a resiliência de ecossistemas e a função de neutralizar ou reciclar
resíduos de processos econômicos, entre muitas outras. Reconhecem explicitamente o fato de
que esses recursos naturais fundamentais são complexos, frágeis e passíveis de serem
danificados de forma irreversível; e que a expansão contínua e descontrolada da escala do
sistema econômico pode vir a afetar perigosamente a resiliência do ecossistema global.
296

Mas não é só isso; as variantes recentes se preocupam especialmente com o nosso ainda
elevado desconhecimento dos limites da natureza. Não conhecemos a extensão da capacidade
de regeneração do meio-ambiente, nem a degradação que este pode suportar antes que ocorram
mudanças descontínuas e irreversíveis. Além disso, não temos noção mais precisa das
conseqüências sobre o bem estar da humanidade desse tipo de ruptura. Para as vertentes
recentes, uma estratégia que coloque a sustentabilidade em um primeiro plano, precisa dar
máxima prioridade à defesa da resiliência dos sistemas ecológicos dos quais a humanidade
depende. Essa deve ser a principal diretriz de estratégia que coloque a sustentabilidade em um
primeiro plano.

A economia da sobrevivência rejeita enfaticamente a hipótese ambiental tênue da


economia ambiental neoclássica – a de que o sistema econômico interage com um sistema
maior passivo e de funcionamento independente; que dele se pode extrair quantidades
crescentes de recursos para produzir bens e serviços, e nele se pode despejar, sem grandes
reações, volumes cada vez maiores de dejetos. Conforme ressaltam Perrings et al. (1995, p. 12),
com essa hipótese os modelos neoclássicos acabam ignorando características essenciais de
sistemas que se auto-organizam, dentre as quais se incluem mecanismos de auto-alimentação
ambientais, efeitos de patamar mínimo e descontinuidades. Essa deficiência desvirtuou a visão
de longo prazo da economia ambiental neoclássica e deu suporte ao otimismo, que alguns
consideram quase delirante, com respeito às possibilidades de sustentabilidade da atual
expansão econômica. A economia da sobrevivência insiste na necessidade de a análise
econômica abandonar tais simplificações, passando a considerar explicitamente as complexas
inter-relações entre o sistema econômico e o ecossistema global.

E é importante que o conceito de entropia e o de estabilidade longe do equilíbrio


termodinâmico se constituam na base das análises dessas inter-relações. Esses conceitos têm
papel especialmente importante nas variantes mais recentes da economia da sobrevivência,
apoiadas que são na teoria das estruturas dissipativas. Vimos que essas variantes tratam as
inter-relações entre o sistema econômico e o ecossistema global na perspectiva de evolução
longe do equilíbrio, possibilitada por processos termodinâmicos irreversíveis que dissipam a
energia e a matéria do sistema fechado do nosso globo, aumentando a entropia desse sistema. E
a aceleração entrópica que emana da expansão do sistema econômico é vista como tendo o
potencial de atingir, e mesmo de ultrapassar, certos níveis, acima dos quais se tornará muito
elevado o risco de desestabilização do sistema global. A questão é que, uma vez ultrapassados
esse níveis, talvez não seja possível o retorno à região de equilíbrio original, e ninguém garante
que a nova estrutura do sistema venha a oferecer condições adequadas de vida, de bem estar,
para a sociedade humana.

As abordagens recentes têm se beneficiado do trabalho conjunto de economistas e


ambientalistas; parece claro que, se desejarmos analisar de forma conseqüente as inter-relações
entre o sistema econômico e o ecossistema global, essa aliança deve permanecer e mesmo se
ampliar. Mas não tem sido simples o trabalho conjunto, uma vez que cada um desses dois
grupos reluta em abandonar as hipóteses simplificadoras que faz a respeito do sistema tratado
pelo outro, e a se dispor a analisar conjuntamente as inter-relações entre os dois sistemas. Mas
já há progressos palpáveis.

Mesmo endossando totalmente a importância fenomenológica do conceito de entropia,


economistas com pendor à modelagem matemática têm dificuldades com esse conceito. Como
ressaltou Georgescu-Roegen (171, p. 130), até para os físicos é difícil representar a entropia
analiticamente. Não devem, pois, causar espanto as dificuldades para estabelecer medida
297

concreta de entropia, possibilitando o emprego do conceito em modelos quantitativos do


funcionamento do sistema econômico. Há tentativas de formalizar a entropia em modelos, mas,
conforme argumenta Binswanger (1992, p. 226), os resultados não têm sido entusiasmantes.
Segundo esse autor, as relações entre o uso de recursos e entropia, e entre a poluição entropia
são essencialmente qualitativas, resistindo inclusive sua expressão na forma de um índice.

Esse problema ilustra a complexidade de se modelar as inter-relações entre o sistema


econômico e o ecossistema global. E à questão da quantificação da entropia se juntam
problemas causados pela existência de descontinuidades, de relações não lineares, de
mecanismos de retroação, de efeitos de patamar crítico, de irreversibilidades. Ademais, ainda é
enorme o desconhecimento de vários aspectos dessas inter-relações e muito terá que ser feito
para que a economia da sobrevivência avance, do campo das interpretações amplas e gerais,
para a constituição de estrutura analítica mais potente.

Todas as variantes da economia da sobrevivência rejeitam enfaticamente a validade de


se considerar a liberdade econômica e o crescimento acelerado como elementos básicos de
estratégia visando a sustentabilidade. Não negam a importância de políticas apoiadas em
mecanismos de mercado para atacar problemas ambientais localizados e de curto prazo, mas
consideram que estes devem ter papel apenas marginal na concepção de estratégia cujo
horizonte temporal englobe várias gerações. Conforme ressaltou Ayres (1993), muitos dos
recursos cuja degradação ou destruição vêm afetando negativamente as perspectivas das
gerações futuras estão essencialmente fora do domínio de mercados. Estes incluem "a
fertilidade dos solos, a água, o ar limpo, as paisagens não conspurcadas, a estabilidade
climática, a diversidade biológica, a reciclagem biológica de nutrientes e a capacidade do
meio-ambiente de assimilar resíduos e rejeitos. E não existem substitutos tecnológicos
plausíveis para esses elementos. A perda irreversível de espécies e de ecossistemas e a
crescente acumulação na atmosfera de gases do efeito estufa, e a de metais tóxicos e químicos
no solo, nas águas subterrâneas e no lodo do fundo dos lagos e dos estuários não são passíveis
de reversão por nenhuma tecnologia que, de forma plausível, surja nas próximas décadas.
Finalmente, os grandes ciclos de nutrientes do mundo natural – os do carbono, do oxigênio, do
nitrogênio, do enxofre e do fosfato – requerem estoques constantes em cada compartimento do
meio-ambiente e a entrada e a saída de fluxos equilibrada destes. E essas condições já foram
violadas por intervenção humanas em larga escala e não sustentável.”(p. 189-190). É difícil
imaginar que liberdade econômica e estímulos e incentivos de mercado possam reverter, ou
mesmo atenuar, esse estado de coisas.
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