Mudança climática e

desenvolvimento sustentável:
dois desafios e uma solução
Um dos mais conceituados intelectuais na área de desenvolvimento ambiental e sustentá-
vel, o físico e economista cingalês Mohan Munasinghe compartilhou, como vice-presiden-
te do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC-AR4), o Prêmio Nobel
da Paz 2007 concedido à instituição.

Seus estudos buscam formas práticas de enfrentar dois grandes desafios globais: o desen-
volvimento sustentável e a mudança climática. Segundo Munasinghe, os problemas de
desenvolvimento, como a pobreza, já são enormes e a mudança climática multiplica os
riscos, piorando outras crises. Portanto, questões mais profundas precisam ser resolvidas
sistematicamente, focalizando tanto as causas imediatas quanto pressões subjacentes
que causam esses problemas. Ele afirma que a abordagem mais eficaz é integrar as políti-
cas de mudança climática a uma estratégia nacional para o desenvolvimento sustentável,
com a utilização do Sustainomics (sustentabilidade + economia), estrutura que forneceria
as ferramentas práticas. Para o cientista, embora sejam dois problemas complexos, sérios
e interligados, que impõe grandes desafios à humanidade, eles podem ser resolvidos em
conjunto, se iniciarmos imediatamente um trabalho nesse sentido.

Chairman do Instituto Munasinghe para o Desenvolvimento, um centro de estudos

independente em Colombo, e diretor-geral do Instituto de Consumo Sustentável da
Universidade de Manchester (Reino Unido), Munasinghe já publicou mais de 90 livros.
O mais recente deles, já na segunda edição, é o elogiado Making Development More
Sustainable: Sustainomics Framework and Practical Applications (Mind Press, 2010,
Munasinghe Institute for Development, Colombo).

Às vésperas de mais uma viagem ao Brasil – convidado pela Fundação Dom Cabral
para participar da Conferência 2010 da EFMD (European Foundation for Management
Development) – ele falou a DOM sobre os riscos do aquecimento global e o papel de
governos, empresas e sociedade civil na preservação do equilíbrio ambiental.

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Se os níveis atuais de emissões de gases de
efeito estufa responsáveis pelo aquecimento global
se mantiverem estáveis, o impacto na vida no
Planeta será desastroso. Ainda é possível reverter
esse processo?
Se não houver sérias reduções de emissões,
as concentrações de dióxido de carbono, que
hoje excedem 387 partes por milhão/por volume
(ppmv), devem alcançar cerca de duas vezes o nível
pré-industrial (cerca de 550 ppmv) até 2100. A
temperatura global média aumentará cerca de três
graus centígrados acima dos níveis atuais e a média
do nível do mar subirá pelo menos meio metro.
Temperaturas extremas e precipitações devem piorar,
e o derretimento do gelo vai se acelerar. Mesmo se
as emissões fossem reduzidas drasticamente, as
temperaturas ainda subiriam mais de 1.5°C até
2100. O recente Acordo de Copenhague afirma que
2°C (correspondente a 400-450 ppmv) é um limite
de risco tolerável, o que implica que as emissões
globais de gases de efeito estufa precisam chegar
ao máximo, no mais tardar em 2020, para em
seguida declinarem. Os grupos mais vulneráveis
serão os pobres, idosos e crianças. As regiões
mais afetadas serão o Ártico, a África Subsaariana,
as pequenas ilhas e os grandes deltas da Ásia.
Altos riscos também estarão associados às áreas
costais baixas, aos recursos hídricos nos trópicos
e subtrópicos secos, à agricultura nas regiões de
baixa latitude, a importantes ecossistemas (como os
bancos de coral) e à saúde humana nas áreas mais
pobres. Além disso, deve aumentar a magnitude
e a frequência de eventos climáticos extremos –
especialmente ciclones tropicais e ondas de calor.
Um dos principais resultados desses impactos é
que as perspectivas de se alcançar muitas das
metas-chave de desenvolvimento do milênio, sobre
as quais já pairam algumas dúvidas, serão ainda
mais remotas.
O que mais podemos esperar e como
enfrentaremos os maiores desafios do nosso século?
A comunidade global precisa lidar, urgente e
eficazmente, com os dois maiores desafios do
século 21: o desenvolvimento sustentável e a
mudança climática. Na questão do desenvolvimento,
já enfrentamos problemas enormes, como a pobreza,
a segurança alimentar, a doença e a escassez de
água e energia. A mudança climática é a principal
preocupação de todos no planeta, porque ela
ameaça piorar os problemas já existentes. O IPCC
confirma que o aquecimento global é quase
certamente causado por atividades humanas
recentes que aumentaram as emissões de gases
estufa. Isso também indica que a mudança climática
provavelmente se intensificará no futuro próximo,
entrevista
com consequências potencialmente desastrosas
para os habitantes do planeta. Nossos estudos
demonstram que os problemas interligados –
mudança climática e desenvolvimento sustentável
– podem ser resolvidos em conjunto. Atualmente, o
mundo enfrenta múltiplas ameaças econômicas,
sociais e ambientais, que podem interagir
catastroficamente, a não ser que elas sejam
resolvidas, urgentemente e de maneira integrada,
tornando o desenvolvimento mais sustentável. Está
comprovada a ineficácia de respostas não
coordenadas, quando os problemas são interligados.
A pobreza e a desigualdade continuam destruindo
os benefícios do recente crescimento econômico e
excluem bilhões de pessoas pobres do acesso a
recursos produtivos e necessidades básicas. A
recessão econômica aumenta a pobreza,
piorando o desemprego e o acesso às necessidades
de sobrevivência. Enfrentamos também grandes
problemas ambientais, pois atividades econômicas
míopes continuam a danificar severamente a base
de recursos naturais, da qual, no final das contas,
depende o bem-estar humano. A mudança climática
é um dos resultados principais, mas há outras
questões igualmente sérias, como a degradação da
água, do ar e de recursos da terra. Ironicamente, os
piores impactos da mudança climática recaem
sobre os pobres, que são os menos responsáveis
pelo problema.
Como articular e equilibrar soluções que possam
atacar, em bloco, todos esses problemas e nos
mostrar o caminho que leva à sustentabilidade?
Nosso foco atual reside em indicadores de
superfície – como a pobreza, desigualdade, exclusão,
falta de recursos e conflitos, má governança e
danos ambientais – impulsionados por fenômenos
poderosos como a globalização e as forças de mercado
sem limites, baseadas no "Consenso de Washington".
Tentamos resolver diferentes problemas de forma
míope e de maneira reativa, desorganizada e
sem coordenação. As tendências atuais apresentam
riscos significativos que poderiam levar à destruição
da sociedade global – devido à ineficácia dos
governos que tentam lidar com crises múltiplas e
interligadas –, exacerbados por problemas mais
recentes, como a mudança climática. É possível
dar um passo imediato à frente, influenciando os
principais impulsionadores da mudança, incluindo
os padrões de consumo, a população, a tecnologia e
a governança. Essa transição ajudará a resolver, de
maneira integrada, uma ampla gama de questões,
controlando tendências globais e gerenciando as
forças de mercado. De forma mais ampla, usando
medidas práticas que tornam o desenvolvimento
mais sustentável, a sociedade civil e a comunidade
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 empresarial poderiam tomar a iniciativa de trabalhar
proativamente com os governos, para alcançar a
meta principal do desenvolvimento sustentável.
Essa abordagem em rede evitaria uma dependência
excessiva das alternativas extremas de controle
governamental hierárquico (de cima para baixo)
e de mercados não regulados – nenhuma delas
funciona bem. Um elemento-chave dessa transição
seria quebrar o ciclo destrutivo entre o clima e o
desenvolvimento, criando estratégias que resolvam
os dois problemas ao mesmo tempo. Aqueles que
têm poder de decisão estão mais preocupados
com problemas imediatos, como o crescimento, a
pobreza, a segurança alimentar, o desemprego e a
inflação. A melhor maneira de conseguir a atenção
deles é integrar as medidas para adaptar e mitigar
a mudança climática nas estratégias nacionais de
desenvolvimento sustentável. Se pudermos lançar
essa transição agora, então em décadas futuras,
nossos filhos e netos poderão buscar, como meta
de longo prazo, um paradigma verdadeiramente
global de desenvolvimento sustentável. Precisariam
trabalhar com as pressões subjacentes, ligadas às
necessidades básicas, à estrutura social de poder
e aos valores éticos, percepções, escolhas e base
do conhecimento. Serão necessárias mudanças
fundamentais, impulsionadas por preocupações
com a justiça social e a igualdade, através de uma
liderança inspiradora, um movimento global de
cidadãos composto de múltiplas partes interessadas
e em múltiplos níveis, uma estrutura de governança
responsável, melhores instrumentos de políticas,
tecnologias avançadas e melhor comunicação
(inclusive a Internet).
Qual seria a forma mais prática e rápida de
enfrentar esses problemas?
Uma maneira prática de fazer isso – conhecida
como Sustainomics – foi desenvolvida nos últimos
20 anos. Proposta em primeira mão durante o Earth
Summit Rio 92, hoje já é bem aceita e aplicada.
O Sustainomics se baseia em diversos princípios
e métodos. O primeiro princípio fundamental visa
tornar o desenvolvimento mais sustentável – o
passo a passo do método empodera as pessoas
para que implementem ações imediatas, o que
é mais prático, já que muitas atividades não
sustentáveis são fáceis de reconhecer e eliminar
(como a conservação de energia). Enquanto
essas medidas são implementadas, prosseguem
os esforços paralelos, visando alcançar as metas
de desenvolvimento sustentável no longo prazo.
O segundo princípio fundamental enfatiza que
essas políticas precisam passar por uma análise
balanceada e integrada, a partir das três perspectivas
do triângulo do desenvolvimento sustentável:
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social, econômica e ambiental. A economia está
estruturada para melhorar o bem-estar humano,
principalmente através do aumento do consumo
de bens e serviços. O domínio ambiental focaliza
a proteção da integridade e da resistência dos
sistemas ecológicos. O domínio social enfatiza
o enriquecimento das relações humanas e o
alcance das aspirações de indivíduos e grupos. O
terceiro princípio fundamental nos faz lembrar que
precisamos ultrapassar os limites convencionais
impostos pelos valores, disciplinas, espaço, tempo,
pontos de vista das partes interessadas e valores. É
essencial que se substitua valores não sustentáveis,
como a ganância, por princípios éticos firmes –
esta é uma tarefa de longo prazo e que envolverá
a educação, comunicação e liderança, com foco
especialmente nos jovens. Torna-se necessária
uma análise transdisciplinar, que encontre
soluções inovadoras para problemas complexos de
desenvolvimento sustentável e mudança climática,
envolvendo disciplinas convencionais. A análise
espacial deve variar de local a global – tipicamente,
da comunidade até as escalas planetária e dos
arredores. O horizonte de tempo precisa englobar
décadas ou séculos. O compartilhamento de dados,
a transparência e a cooperação entre as partes
interessadas (especialmente a sociedade civil e
a comunidade empresarial trabalhando com o
governo) precisam ser reforçadas, promovendo a
inclusão, o empoderamento e a participação. O
quarto e princípio final: a estrutura Sustainomics
utiliza uma variedade de instrumentos que formam
um ciclo completo – tanto de novos métodos,
quanto convencionais. Eles são aplicados de
maneira inovadora para englobar um completo ciclo
operacional, desde a coleta de dados até políticas
de implementação, monitoramento e feedback.
Mais do que isso, é preciso fazer uma análise
completa do ciclo de vida da cadeia de valor – da
extração da matéria-prima até o consumo final e o
descarte por parte do consumidor –, com base em
perspectivas econômicas, sociais e ambientais. Isso
ajudará a identificar áreas em que a inovação pode
melhorar o consumo e a produção sustentável, as
reformas na precificação, e reduzir as emissões de
carbono das atividades empresariais. E não apenas
ajudará a identificar as políticas mais desejáveis –
para que todos saiam ganhando e leve a caminhos
econômicos, ambientais e socialmente susten-
táveis –, como também garantirá os ajustes entre
metas conflitantes.
O que podemos considerar como maior desafio
para as políticas de mudança climática?
O maior desafio enfrentado pelos responsáveis
pelas políticas que dizem respeito à mudança
climática é a falsa percepção de que essas medidas
se tornarão um entrave à superação de outros
problemas do desenvolvimento sustentável, como a
pobreza. Um dos principais testes para as políticas
climáticas seria o de tornarem o desenvolvimento
mais (ou menos) sustentável, dentro da estrutura do
Sustainomics. A mudança climática está ligada aos
três domínios. O crescimento econômico impulsiona
as emissões que causam a mudança climática,
cujos impactos vão abalar as perspectivas de
desenvolvimento futuro. O clima também tem
sérias implicações sociais, piorando a pobreza
e aumentando a desigualdade. E, finalmente,
a mudança climática vai acelerar os atuais
danos ecológicos, enquanto os danos ao meio
ambiente (como o corte de florestas) vão piorar
o clima. As melhores opções, que satisfazem
os três critérios, devem integrar melhor o clima
com o desenvolvimento. Escolhas criteriosas serão
necessárias para resolver conflitos em potencial.
Qual o papel dos países desenvolvidos e em
desenvolvimento, na mitigação dos problemas
climáticos?
A abordagem do Sustainomics ajuda a delinear
um consenso no longo prazo: o de reconciliar a política
climática com as aspirações de desenvolvimento.
Alguns elementos são fundamentais para um acordo
funcional e global sobre mudança climática. Os
países industrializados (que já ultrapassam os
limites seguros) devem seguir um caminho de
crescimento futuro que reestruture seus padrões de
desenvolvimento, rompendo a ligação entre emissões
de carbono e crescimento econômico, e fazendo
com que esse caminho se torne mais sustentável.
Os países e grupos mais pobres precisam ter
uma rede de segurança adaptada para reduzir
sua vulnerabilidade aos impactos da mudança
climática. As nações de renda intermediária devem
adotar políticas inovadoras, aprendendo com as
experiências do mundo industrializado. Os países
em desenvolvimento devem ser encorajados, através
de ajuda técnica e financeira, a crescerem mais
sustentavelmente, seguindo um caminho que não
apenas seja menos poluente em carbono, mas que
também reduza a vulnerabilidade aos impactos da
mudança climática. Essa abordagem está de acordo
com as ideias de igualdade e justiça climática que
emergem do Sustainomics. A maior parte dos gases
de efeito estufa é produzida pelos países ricos
(que possuem melhores condições financeiras e
técnicas). Portanto, eles deveriam implementar mais
esforços para mitigar os efeitos e também ajudar
os países mais pobres a fazê-lo. Os países pobres
devem focalizar sua capacidade e adaptação, já
que serão os mais afetados pela mudança climática
- precisam aumentar seu uso de energia para aliviar
a pobreza e promover o desenvolvimento.
O que o cidadão comum pode fazer para
colaborar na contenção do aquecimento global?
O consumo da parcela da população mundial
composta pelos 20% das pessoas mais ricas (1,4
bilhões de seres humanos) é responsável por
75% do total das emissões de gases de efeito
estufa. Em vez de os enxergarmos como parte do
problema, eles poderiam contribuir para a solução.
O Sustainomics demonstra como uma análise do
ciclo de vida completo pode interligar a sociedade
civil e o empresariado, levando a um consumo e
uma produção mais sustentável. A análise da cadeia
de suprimentos e de valor é aplicada para capturar
a gama completa de inputs e atividades que as
empresas e os trabalhadores utilizam para entregar
produtos e serviços. Essa abordagem descreve todos
os estágios de produção e consumo, desde o conceito
até uso final. As cadeias de suprimento e valor
podem ser locais ou globais, e serem distribuídas
entre muitas empresas. Podemos fazer análises
focalizando indicadores-chave de sustentabilidade
como a energia, a água, poluentes locais, emprego
etc. Essa abordagem pode levar a um "ciclo virtuoso"
de consumidores e produtores sustentáveis que se
apoiem mutuamente, e isso ultrapassaria as barreiras
nacionais e os interesses não explícitos. E, ao final,
fortaleceria a vontade política de implementar
políticas sustentáveis. O foco sobre milhões de lares
em melhores condições pode entregar resultados
mais rápidos, com menos gasto de capital, e
complementar a abordagem tradicional de cima
para baixo, que depende de grandes investimentos,
tanto da indústria quanto do governo. Os ricos
dariam o maior exemplo, permitindo que bilhões de
pessoas pobres emergissem da pobreza seguindo
o caminho do consumo mais sustentável. Não há
necessidade de esperar por novas tecnologias,
leis ou infraestrutura. Os consumidores podem
ser persuadidos a se comportar de maneira mais
sustentável sem diminuir sua qualidade de vida. Os
instrumentos incluem a precificação, etiquetas nos
produtos e informação. Os truques de propaganda e
psicológicos, que atualmente encorajam um maior
consumo, poderiam ser modificados para promover
o consumo mais sustentável. Uma cultura orientada
para a sustentabilidade emergiria na medida em
que as tendências sociais se desenvolvessem –
um exemplo encorajador foi a grande mudança
da atitude social em relação ao fumo nas últimas
décadas.
Tradução | Carlos Alberto B. da Silva
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