Parece inadiável a necessidade de mitigar os impactos negativos da condição de
existir de uma significativa parcela da população que vive em pobreza extrema, chamada, por Castel de desfiliados e invisíveis (Castel, 1997). Invisíveis são aqueles que necessitam de proteção especial dos aparelhos do Estado para retorno à visibilidade social. Esta parece ser a situação de uma parcela da população das grandes metrópoles brasileiras, que parece não ter sido alcançada suficientemente pelas atuais políticas de saúde e de inclusão social: a população de rua. É um caso de extrema vulnerabilidade sócio- ambiental que precisa ser mitigado definitivamente, inclusive com a implementação de políticas que impeçam que outras camadas da população atinjam este constrangedor nível de risco. Confalonieri (2007), confirma que as comunidades mais pobres podem ser especialmente vulneráveis por se concentrarem em áreas de alto risco, por terem menor capacidade adaptativa e por serem mais dependentes de recursos locais sensíveis ao clima (água, alimentos). Os efeitos esperados incluem chuvas intensas, secas severas, frio e ondas de calor, só para citar alguns. Os desastres serão mais frequentes, provocados por furacões, enchentes, etc, trazendo doenças e fome para as populações mais vulneráveis. As doenças mentais e a depressão podem ocorrer em escala maior após desastres, por perdas de entes queridos, de propriedades e convulsões sociais. Por exemplo, após o Furacão Andrew, casos de stress pós-traumático foram relatados até dois anos depois do incidente (Norris et al., apud IPCC 2001 in CONRADO et al, 2004).
A figura evidencia as principais variáveis que exercem pressões sobre a saúde,
decorrentes dos efeitos das mudanças climáticas, previstas para se agravarem nos próximos anos: exposições diretas, exposições indiretas e as rupturas sócio- econômicas, que sofrem influências favoráveis ou desfavoráveis das condições sociais e ambientais e do vigor do sistema de saúde local. Segundo Conrado et al (2004), os efeitos sobre a saúde podem ser imediatos, de médio ou de longo prazo. As perdas imediatas podem incluir as propriedades e a vida. No médio prazo destacam-se as doenças de veiculação hídrica, as decorrentes de vetores e de contaminações. Já os efeitos a longo prazo incluem um aumento de suicídios, alcoolismo e desordens comportamentais e psicológicas, especialmente em crianças. É neste cenário que se constata que os indicadores de qualidade de vida podem funcionar como equipamentos indiretos de promoção de equidade, possibilitando uma “discriminação positiva”. (LORANDI et al, 2004), ste estudo propõe a criação de um Índice de Exclusão Social Ampliado – IESA, cujo objetivo é permitir a identificação dos grupos de risco à extrema vulnerabilidade e sua inclusão social através de ações públicas que visem alcançar esta população desprovida de saúde ambiental. Eventos climáticos extremos vêm sendo noticiados em diferentes cidades do Brasil. Além disso, os atores sociais que são geralmente mais vulneráveis a esses eventos são aqueles que menos contribuem para a mudança do clima. Tal desigualdade referente às responsabilidades e aos impactos sofridos deu origem ao conceito e movimento global por Justiça Climática. O conceito de Justiça Climática surge como um desdobramento do paradigma da Justiça Ambiental e da percepção de que os impactos das mudanças climáticas atingem de forma e intensidade diferentes grupos sociais distintos. Alguns casos de injustiça climática se relacionam aos efeitos de processos de desertificação, de eventos climáticos extremos (chuvas intensas, ondas de calor etc.),do aumento do nível do mar, entre outros. O objetivo é demonstrar que, apesar de eventos de injustiça climática já serem perceptíveis no Brasil, o discurso da Justiça Climática ainda não foi incorporado de forma consistente no país. • O Movimento por justiça ambiental O conceito de Justiça Ambiental foi proposto como uma alternativa ao que Bullard (2004) chamou de paradigma da “proteção ambiental gerencial”. Tal paradigma, considerado dominante por autores da Justiça Ambiental, define os problemas ambientais a partir da escassez de recursos naturais e da poluição do meio ambiente. Dentro da visão gerencial, todos os seres humanos seriam igualmente responsáveis pelo consumo dos recursos e pela “destruição da natureza” e seriam afetados indistintamente pela contaminação ambiental (ACSELRAD, MELLO, & BEZERRA, 2009). Opondo-se a essa visão, os propositores da Justiça Ambiental argumentam que grupos sociais distintos têm responsabilidade diferenciada sobre o consumo dos recursos naturais e, mais ainda, a desigualdade social define o grau de exposição dos grupos sociais aos riscos ambientais (ACSELRAD, 2004). Sendo assim, eles partem do pressuposto de que grupos formulação de políticas e que, portanto, seriam prejudicados no momento da tomada de decisão (IKEME, 2003). No moderno sistema produtor de mercadorias, isto é o capitalismo contemporâneo, qualidade de vida é associada, normalmente, ao consumo individual de bens e serviços, e desenvolvimento econômico é sinônimo de grande e crescente produção desses bens. Isso tem ocasionado graves consequências ao meio ambiente, principalmente pelo tipo e forma de produção predominante nos países industrializados, sobretudo após os anos 1970, período em que o problema torna-se ainda mais agudo pelo aprofundamento da internacionalização do capital. (UNDP/PNUD 2007-2008: 28) A utilização destas fontes fósseis, que para a transformação em energia compreende a combustão do material fóssil, libera gases aos quais se atribui parte significativa da responsabilidade pelo aquecimento global provocador da mudança climática. Tendo como síntese da medida de todos os gases efeito- estufa o equivalente em dióxido de carbono, CO2, as estatísticas mostram a escalada crescente na emissão deste gás, em paralelo com a tendência de aumento da temperatura terrestre. Mudança climática, na velocidade e na escala observadas, tem sido apontada como a causa de fenômenos como catástrofes, trazendo perdas de vidas humanas, de patrimônio natural, econômico, cultural, e de produção de bens e serviços (UNDP/PNUD, 2007-2008). Assim, como se vê, se de um lado a economia impacta a natureza, de outro ela sofre restrições e abalos advindos desta e decorrentes daquele impacto; a respeito desta inter- relação Munasinghe (2008:37) afirma: “a mudança climática afeta as perspectivas de desenvolvimento e o tipo de desenvolvimento determina o futuro do clima”. O velho e o moderno, encontram-se no assalto ao território e no desprezo às populações locais, tais quais os “aventureiros”, assim denominados por Sérgio Buarque de Holanda (Holanda, 1995, p.43), que fizeram o Brasil colonial. Seja na construção de barragens hidroelétricos, na carcinicultura, na hotelaria, na exploração madeireira, na mineração e na metalurgia, todos os empreendedores comportam-se como predadores dos ecossistemas e das populações locais e donos do território. Atualmente, acabaram-se as ilusões. Até mesmo porções do território outrora desprezadas são cobiçados: o cerrado, pela agricultura de grãos, a cana e o algodão; a Amazônia, pela pecuária e pela soja; o litoral, pelo turismo; seus manguezais, pela carcinicultura; terras em decadência, pelo eucalipto; rios, pela irrigação intensiva e pelas hidroelétricas.
• O que representa para eles o meio ambiente?
A terra torna-se mero suporte às atividades agrícolas intensivas em insumos químicos e água. etc, a tal ponto que a cultura hidropônica dispensa o solo! Para essas pessoas, a chapada do cerrado mineiro significa água em quantidade suficiente, terra barata e relativa proximidade das usinas consumidoras de carvão vegetal; decididamente, não vêem nela um complexo ecossistema manejado por comunidades multicentenárias, inter-relacionadas com as vertentes e as veredas. É o mesmo cálculo que fazem empresas da petroquímica ou da metalurgia, quando consideram as doenças dos seus trabalhadores e o profundo impacto negativo da sua produção sobre o entorno e a população como meras externalidades que não entram na formação do preço, para não afetar seu lucro. E isso leva áreas urbanas ou suburbanas a se tornar “zonas de sacrifício” em que sobrevivem populações trabalhadoras e pobres. Estas, alias, não têm outras alternativas, além das áreas de risco ou de longínquos subúrbios. Têm-se assim duas estratégias em confronto: a do capital que nega outras formas de ocupação do espaço e de uso dos recursos naturais do que a que ele promova e a de populações locais. Não se trata aqui de direitos, mas de um brutal processo de dominação pelo capital de espaços (litoral, rios, florestas, cerrado) que não lhe interessavam até então frente a populações cuja sobrevivência e reprodução dependem da manutenção dos ecossistemas ou de uma ambiente sadio. No que diz respeito ao espaço interiorano, enquanto os territórios ocupados por povos indígenas, quilombolas, extrativistas e pequenos produtores rurais não estejam sendo alvos de algum empreendimento, não há tantos problemas em reconhecê-los. Caso contrário, esses grupos entram num ciclo aterrador de impotência, de solidão e de violência criado pela surdez e cegueira do poder político e jurídico e dos meios de comunicação ou por sua cumplicidade, voluntária ou não, com o poder econômico que os agride. A violência explícita e/ou a violência simbólica manifestas nas centenas e milhares de casos de injustiça ambiental de que tomamos conhecimento, no Brasil, na América latina e no mundo já indicam uma cisão na humanidade. Além da exploração de classe e da escravidão, acrescentam novas formas de dominação e de opressão e surgem novos qualificativos que tentam nomear o indizível: fala-se dos invisíveis, dos descartáveis, do “refugo humano”. A expressão usada por Zygmunt Bauman é totalmente adequada, pois mostra como parte da humanidade vai para o “lixo” junto com as sobras, o refugo produzido por nossa produção e nosso consumo e pela dominação territorial, urbana e rural, do capital. A mudança climática já chegou e está impedindo o comprimento de nossos direitos. O direito à vida é universalmente reconhecido como um direito humano fundamental; contudo, a cada ano, 150.000 mortes prematuras são ligadas à crise climática - um número que deve aumentar com o aumento da temperatura.
As mortes relacionadas ao clima são causadas por eventos climáticos extremos,
ondas de calor, inundações, secas, incêndios florestais, doenças transmitidas pela água e por vetores, desnutrição e poluição do ar. A crise climática ameaça o direito à água e ao saneamento, contribuindo para crises hídricas como a da Bolívia, onde as geleiras estão recuando, e o racionamento de água é necessário nas principais cidades. A 2 °C, prevê-se que mais 100 milhões de pessoas enfrentem insegurança hídrica.
“A variabilidade climática e climas extremos estão entre os principais fatores por
trás do recente aumento da fome global e uma das principais causas de graves crises alimentares. O efeito cumulativo das mudanças no clima está minando todas as dimensões da segurança alimentar - disponibilidade, acesso, utilização e estabilidade de alimentos”, afirma a Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação, em seu Estado de Segurança e Nutrição Alimentar no mundo de 2018.
A falta de áreas verdes nas periferias é um dos problemas que intensificam a
instabilidade climática, já que a vegetação ajuda a controlar a temperatura. Porém, quando não há políticas de preservação, as árvores também ficam vulneráveis.
Infraestrutura precária, alta densidade populacional e desigualdades de acesso
aos serviços de saúde e às áreas verdes nas periferias são algumas evidências do chamado racismo ambiental, que afeta diretamente os moradores dessas áreas, segundo a geógrafa Nara Leme, 2U, moradora de Tucuruvi, na zona norte da capital paulista.
“Eles são os mais impactados por eventos climáticos e pelas temperaturas
extremas, sobretudo as mulheres pardas e pretas, que geralmente são a maioria em bairros mais pobres”, diz Nara. “A paisagem [das cidades] nos conta uma história sobre quem tem e quem não tem acesso ao bem-estar – seja social, econômico, logístico e, por que não, climático”.
É exatamente pela falta de infraestrutura urbana que o calor extremo, as quedas
bruscas de temperatura, o frio excessivo, as chuvas intensificadas e a baixa umidade do ar podem prejudicar mais as pessoas que vivem nas periferias do que aquelas de bairros mais nobres.
Os impactos são sentidos diretamente na saúde, em especial da população negra
periférica, que já tem uma expectativa de vida menor e menos acesso aos serviços de saúde básicos, elevando os riscos de agravamento de doenças pré- existentes.
O Desastre Natural Como Fenômeno Induzido Pela Sociedade Abordagens Teóricas e Metodológicas Operacionais para Identificaçãomitigação de Desastres Naturais PDF