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Uma resenha crítica do livro “A ideologia alemã” de

Karl Marx e Friedrich Engels


Resenha: MARX, Karl; ENGELS, Friedrich. A Ideologia Alemã. São Paulo: Martins Fontes,
2001. p. 3-34.
Julia de Mello Franzen
Graduanda em História pela Universidade do Estado de Santa Catarina (UDESC)
Trabalho final da disciplina de Teoria da História I, 2023

Introdução

Karl Marx nasceu em 5 de maio de 1818, na cidade de Trier, no Reino da Prússia


(hoje Alemanha), e falecido aos 64 anos, em 14 de março de 1883, em Londres, Reino Unido.
Ele foi um filósofo, economista, sociólogo, teórico político e revolucionário alemão,
considerado um dos principais pensadores e fundadores do socialismo científico e do
comunismo moderno. Marx estudou direito, história e filosofia na Universidade de Bonn e
posteriormente na Universidade de Berlim. Foi influenciado pelas ideias de Hegel, Feuerbach
e outros filósofos alemães.

Friedrich Engels nasceu em 28 de novembro de 1820, na cidade de Barmen, no Reino


da Prússia (atual Alemanha) e faleceu aos 74 anos em 5 de agosto de 1895, em Londres. Ele
foi um teórico social, filósofo, historiador e revolucionário alemão, parceiro, financiador e
colaborador próximo de Karl Marx. Durante sua juventude, Engels trabalhou na
administração das fábricas de sua família na Inglaterra, o que o levou a vivenciar em primeira
mão a exploração da classe trabalhadora, o que o impulsionou a se interessar pelas questões
sociais e a se tornar um crítico do sistema capitalista. Engels conheceu Karl Marx em Paris,
em 1844, e essa parceria marcou o início de uma longa e frutífera colaboração intelectual
entre os dois.

Juntos, Karl Marx e Friedrich Engels escreveram várias obras fundamentais no campo
da filosofia e da teoria política, incluindo "A Ideologia Alemã", cuja qual é o livro a ser
resenhado neste trabalho. Publicado postumamente em 1845, o livro apresenta uma crítica
contundente da filosofia idealista alemã, especialmente as obras de Ludwig Feuerbach e
Bruno Bauer. Ao mesmo tempo, propõe uma nova abordagem filosófica, que mais tarde se
desenvolveria no materialismo histórico.
Descrição da estrutura da obra

O livro possuí dois capítulos nomeados respectivamente como “Feuerbach - oposição


entre a concepção materialista e a ideológica” e “anexo - teses sobre Feuerbach”. O primeiro
capítulo possui explicações sobre a oposição materialista e a idealista, explicando sobre a
ideologia e por final sobre o comunismo, já o segundo capítulo possui onze teses sobre
Feuerbach.

Descrição do conteúdo da obra

Os autores iniciam a obra tecendo uma crítica aos discípulos tardios de Hegel, como
Feuerbach, Bruno Bauer e Max Stirner, que criticaram o sistema idealista hegeliano, porém
não o negaram. Esses discípulos acreditavam que, se as ideias determinam o mundo material
e as relações humanas, bastaria se livrar do domínio das ideias e de tudo o que a história
representava até aquele momento. No entanto, as condições reais de dominação permaneciam
inalteradas.

Marx rejeita a crença hegeliana e argumenta que os homens não organizaram suas
relações com base nas representações que faziam. Não foi a representação de Deus, por
exemplo, que alienou o homem, como Feuerbach criticou na religião. O homem não foi
dominado por seu próprio mundo imaginário, mas pelas relações reais e históricas. Portanto,
rebelar-se contra o domínio do mundo das ideias e trocar as ilusões que supostamente
determinavam a vida humana pela própria vida real e material seria uma atitude ingênua e
infantil. O domínio sempre teve origem no mundo real, e são as próprias condições reais e
materiais de dominação que precisam ser modificadas. A suposta revolução filosófica
promovida pelos jovens hegelianos, ao derrubar o sistema hegeliano, não passaria de uma
impostura filosófica de natureza burguesa.

Marx denuncia o comprometimento ideológico burguês desses filósofos alemães,


comparando a "revolução filosófica" dos jovens hegelianos a uma exploração industrial dos
resquícios do espírito absoluto e uma competição comercial para vender os produtos
derivados dessa indústria no mercado intelectual alemão. Ele compara a ilusão desses
filósofos à de um homem que acredita poder se salvar de um afogamento ao se livrar da ideia
de gravidade, destacando que as condições reais do homem só podem ser mudadas a partir
delas mesmas. Para isso, é necessário adotar uma perspectiva mais ampla do que a alemã.
Marx se coloca fora da perspectiva ideológica alemã para poder criticá-la, adotando uma
visão baseada na realidade francesa e mais especificamente na inglesa.

O sistema filosófico que teria exercido influência e dominado a mente alemã teria
surgido como resultado do sistema hegeliano. Os jovens seguidores de Hegel teriam criticado
sua filosofia, embora ainda dependessem dela, ou seja, eles não teriam questionado o sistema
hegeliano como um todo, apenas certos aspectos isolados. Suas críticas se concentraram
principalmente nas crenças religiosas, como se a mudança fundamental envolvesse se libertar
da religião, considerada a origem de todos os males por ser a fonte das ideias que determinam
as relações reais entre as pessoas. Tudo o que os antigos seguidores de Hegel compreendiam
teria sido criticado pelos jovens hegelianos por essa razão, enquanto estes últimos aceitavam
a autonomia dessas ideias e, ao mesmo tempo, se consideravam libertadores da humanidade
ao combatê-las. O cerne da mudança seria uma transformação na consciência: a substituição
da consciência religiosa pela consciência humana, crítica ou individual.

Ao afirmar que o homem estava sob o domínio de uma ideologia, os jovens


hegelianos estariam combatendo apenas no âmbito das ideias, em vez de atuarem no mundo
real. Para Marx, eles não teriam considerado a relação entre sua crítica e o contexto material
em que viviam. Marx define as bases do conhecimento humano como as condições materiais
de existência, e não como dogmas. Essas bases são criadas pela própria ação dos indivíduos
reais e podem ser verificadas empiricamente. A capacidade humana de produzir seus próprios
meios de subsistência distingue-os dos animais. O que as pessoas são está ligado à sua
produção, tanto no que é produzido quanto no modo de produção. Nosso modo de vida atual
só se tornou possível por causa de uma condição material inicial: o aumento da população.
Isso levou ao surgimento de novas necessidades, como o aumento do comércio, a divisão do
trabalho e a separação entre cidade e campo.

As formas de propriedade são determinadas pelas técnicas de produção em diferentes


estágios do desenvolvimento da civilização. À medida que passamos da caça e coleta para o
pastoreio e a agricultura, por exemplo, novas estruturas sociais surgem a partir dessas novas
relações de produção. O aumento da população e das necessidades abre caminho para a
escravidão, o comércio e a guerra. A forma de propriedade deixa de ser tribal e se torna
comunal quando várias tribos se unem em uma única cidade. Nesse ponto, Marx questiona se
a força motriz da história foi o contrato social ou a conquista violenta. No entanto, o mais
importante é que a estrutura social e o Estado surgem de um processo material, não de
representações. As condições e limitações dessas coisas são determinadas pela materialidade,
não pela vontade. Podemos entender o conceito de "real" em Marx como algo que independe
de nossa vontade e, portanto, difere do que é ideal.

Para Marx, a ideologia alemã não pode ser dissociada das condições materiais da
sociedade capitalista. Ele propõe uma análise materialista da história, afirmando que as ideias
e as concepções dos homens são moldadas pelas condições materiais em que vivem. A
ideologia não é um produto autônomo, mas sim uma expressão das relações sociais e
econômicas. Critica os jovens hegelianos por sua falta de compreensão da história concreta e
de suas contradições. Ele argumenta que a mudança social não pode ser alcançada
simplesmente por meio de transformações intelectuais ou filosóficas, mas requer uma
transformação radical das condições materiais de produção e das relações sociais de classe.

Análise crítica da obra

O livro possui uma leitura densa e complexa, e exige um leitor dedicado e


familiarizado com o contexto filosófico e histórico da época. As diferentes partes do texto
muitas vezes parecem desconectadas umas das outras. Além disso, Marx e Engels apresentam
suas ideias de forma fragmentada, deixando muitos conceitos e argumentos sem uma
explicação detalhada, o que dificulta muito a absorção de todas as críticas e ideias passadas,
gerando diferentes interpretações e disputas entre os teóricos marxistas posteriores. Além
disso, algumas das críticas feitas à filosofia idealista, como a de Feuerbach, podem parecer
simplistas e superficiais. Marx e Engels argumentam que Feuerbach não compreendeu
plenamente a dimensão histórica das ideias, mas não oferecem uma análise detalhada das
limitações e potencialidades do pensamento feuerbachiano. No livro "Marxism and
Literature" (1977) de Raymond Williams, o autor critica a abordagem de Marx e Engels em
"A Ideologia Alemã" por sua visão reducionista da cultura e da literatura. Ele argumenta que
a análise marxista deve levar em consideração a complexidade das práticas culturais e
simbólicas, indo além da simples base econômica.

Apesar da obra ter sido escrita no século XIX, ela pode contribuir para compreender a
realidade presente em diversos aspectos, como a análise crítica das relações de poder e das
estruturas sociais existentes. Isso pode ajudar a compreender como o poder é exercido e
distribuído na sociedade contemporânea, especialmente no contexto do capitalismo
globalizado. Além de criticar o sistema capitalista que ainda vivemos, através da exploração
das contradições inerentes ao capitalismo e a exploração das classes trabalhadoras. Essa
análise pode fornecer uma base teórica para compreender as desigualdades econômicas, a
concentração de riqueza e as crises financeiras enfrentadas pelo mundo contemporâneo. E por
final compreendendo o materialismo histórico, que busca compreender a história humana a
partir das condições materiais e das relações de produção. Embora o contexto histórico e as
forças sociais tenham se transformado, essa abordagem pode ser útil para examinar as raízes
estruturais dos problemas sociais e econômicos contemporâneos.

Por outro lado, é importante reconhecer que a obra também apresenta limitações para
compreender a realidade presente, já que houve transformações sociais, avanços
tecnológicos, mudanças culturais e novas formas de poder surgiram desde então, o que requer
uma análise adicional para compreender a realidade contemporânea. Além disso a obra dá
ênfase à dimensão econômica, negligenciando outras dimensões importantes, como questões
de gênero, raça, identidade e cultura. Para uma compreensão abrangente da realidade
presente, é necessário considerar uma variedade de perspectivas teóricas e abordagens
interdisciplinares. De igual modo, a obra concentra-se principalmente na realidade alemã do
século XIX. Embora as ideias e conceitos possam ser aplicáveis em contextos mais amplos, é
importante considerar as particularidades e complexidades das diferentes sociedades e
sistemas políticos ao analisar a realidade atual.

Conclusão

Portanto, "A Ideologia Alemã" de Karl Marx e Friedrich Engels é uma obra
fundamental que estabelece as bases do socialismo científico e do materialismo histórico. O
livro critica a filosofia idealista alemã e propõe uma abordagem materialista da história,
argumentando que as ideias e concepções dos indivíduos são moldadas pelas condições
materiais em que vivem. Os autores destacam a importância de uma transformação radical
das condições materiais de produção e das relações sociais de classe para alcançar a mudança
social.

Embora a obra tenha sido escrita no século XIX e apresente limitações para
compreender completamente a realidade contemporânea, ainda oferece uma análise crítica
das contradições do sistema capitalista e a exploração das classes trabalhadoras ainda são
pertinentes hoje, apesar de que requerem uma análise adicional para compreender
completamente a realidade contemporânea.
Referências bibliográficas

MARX, Karl; ENGELS, Friedrich. A Ideologia Alemã. São Paulo: Martins Fontes, 2001. pp.
3-34.

WILLIAMS, Raymond. Marxism and Literature. Williams. Oxford: Oxford University


Press. 1977. pp. 1-224.

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