Você está na página 1de 14

UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO

FACULDADE DE FILOSOFIA, LETRAS E CIÊNCIAS HUMANAS (FFLCH)

CAIO FILIPE RIBEIRO FREITAS 9335876


SARA REGINA DA SILVA SOARES 11285232

COMPREENDENDO A SOCIOLOGIA DE MARX: Uma Introdução para


o Ensino Médio

Trabalho apresentado à disciplina Sociologia de


Marx, ministrada na Faculdade de Filosofia, Letras e
Ciências Humanas da Universidade de São Paulo,
como requisito para avaliação semestral.

Prof. Dr. Ruy Braga

SÃO PAULO
2023
INTRODUÇÃO

Considerando que os alunos do ensino fundamental e médio geralmente possuem


pouco ou nenhum contato com a literatura marxista durante a trajetória escolar, este trabalho
pretende suprir essa lacuna, produzindo um material didático que auxilie e aproxime os alunos
dos conceitos e teorias marxistas.
A ideia é desenvolver uma abordagem clara e acessível sobre os fundamentos do
marxismo que seja adequada às necessidades e ao nível de conhecimento dos alunos do
ensino médio. O objetivo é abordar tanto a vida de Karl Marx quanto sua contribuição
sociológica de forma didática para guiar alunos e professores.
Assim, este trabalho buscará não apenas discutir conceitos-chave da teoria, mas
colocá-los em contexto com as questões e problemas que a sociedade contemporânea
enfrenta.

PARTE I - VIDA E OBRA DE MARX

Nascido em 5 de maio de 1818 em Tréveris, no Reino da Prússia (atualmente parte da


Alemanha), Karl Marx foi um filósofo, sociólogo, economista e revolucionário alemão. Ele
faleceu em 14 de março de 1883 em Londres, no Reino Unido. Marx é conhecido por sua
principal obra “O Capital” e por escrever o “Manifesto do Partido Comunista” com Friedrich
Engels. A vida e trabalho do pensador foram significativos para o desenvolvimento do
pensamento social e político.
Durante seus anos de estudo na Universidade de Bonn e, posteriormente, na
Universidade Humboldt de Berlim, Marx se envolveu com a filosofia e a história. Ele se
aproximou do pensamento hegeliano e se uniu a grupos estudantis radicais nessa época. Após
terminar seus estudos, ele se envolveu cada vez mais na política e no jornalismo, trabalhando
como jornalista e editor em Renânia, onde escrevia para jornais radicais e criticava o governo
prussiano.
Marx se mudou para Paris em 1843. Lá, conheceu Friedrich Engels, que mais tarde se
tornou seu colaborador mais próximo. Nesta cidade, Marx se envolveu com grupos
revolucionários e começou a criar seus conceitos socialistas e comunistas.
Concomitantemente, ele também desenvolveu seus conhecimentos sobre biologia e escreveu
livros como “A Ideologia Alemã” e “Manuscritos Econômicos e Filosóficos”. Todavia, em
1845, Marx foi expulso da França devido a problemas com as autoridades.
Diante disso, ele se instalou em Bruxelas, onde continuou escrevendo e coordenando
grupos políticos. Marx e Engels escreveram o “Manifesto do Partido Comunista” em 1848,
estabelecendo as bases teóricas para o socialismo científico e a luta de classes. O manifesto
foi uma das obras mais importantes da história política, influenciando a teoria marxista e o
movimento operário.
Marx passou o resto de sua vida em exílio em Londres após a revolução de 1848.
Durante esse tempo, ele continuou estudando e escrevendo sua obra mais significativa, “O
Capital”. Após sua morte, essa obra foi publicada em vários volumes nos quais examina o
sistema capitalista e expõe suas contradições e desigualdades.
Ainda, Marx passou por muitos problemas e teve que trabalhar como correspondente
para vários jornais para sustentar sua família. Sua obra teórica e sua influência política, por
outro lado, continuaram a crescer. Marx manteve correspondência com vários revolucionários
da época e foi um membro ativo da Associação Internacional dos Trabalhadores. Em 14 de
março de 1883, Marx vem a óbito aos 64 anos e embora ele não tenha vivido para
testemunhar o acontecimento dos movimentos socialistas e comunistas em todo o mundo, seu
legado teórico e político foi significativo no século XX e continua sendo relevante para uma
análise das estruturas sociais.
O impacto que Marx teve no pensamento social, político e econômico global é o que o
torna significativamente importante. Desse modo, pode-se atribuir sua importância às suas
várias contribuições analíticas e teóricas. Uma das razões pela qual o filósofo é considerado
importante é por causa do desenvolvimento da sua teoria sobre a luta de classes. Segundo essa
teoria, diferentes classes sociais com interesses conflitantes formam uma sociedade. Marx
acreditava que uma transformação social resultaria da luta constante entre a burguesia e a
classe trabalhadora (proletariado) no sistema capitalista.
Além disso, sua importância está atrelada a sua crítica ao sistema capitalista onde o
sociólogo expõe os problemas e as imperfeições desse sistema, auxiliando no entendimento
do porque esses problemas existem. Marx aponta que no sistema capitalista o proletariado não
recebe o valor integral pelo seu trabalho, enquanto é explorado pelos donos dos meios de
produção e enfrenta péssimas condições de trabalho. Ao examinar as desigualdades presentes
na sociedade contemporânea, a crítica de Marx ao capitalismo permanece relevante.
O filósofo também é relevante por causa da sua teoria sobre materialismo histórico.
Essa teoria aborda que a maneira como as pessoas processam as coisas, bem como por sua
posse e controle sobre os meios de produção, determina a estrutura de uma sociedade. Ele
demonstra que os conflitos e as diferenças entre as classes sociais são o que causam as
mudanças sociais, e não meramente as ideias abstratas. “O modo de produção da vida material
condiciona o processo de vida social, política e intelectual. Não é a consciência dos homens
que determina o seu ser; ao contrário, é o seu ser social que determina sua consciência.”
(MARX, 2008, p. 47).
Por último, mas não menos importante, vale ressaltar o impacto que Marx teve na
política. Durante o século XX, sua filosofia serviu de base para a formação e desenvolvimento
de muitos movimentos sociais e políticos, direcionando movimentos socialistas e comunistas
que tentaram aplicá-la em vários contextos ao longo da história.

PARTE II - O CAPITAL

Para Marx (2013) o que determinava uma época era o seu modo de produção de bens
materiais, ou seja, a estrutura econômica dava as bases da estrutural social (Estado) de tal
maneira que sempre haveria uma classe dominante e uma classe dominada, haveria aí uma
oposição estrutural que geraria o movimento da história, dessa forma o conflito de classes em
torno da organização econômica vai moldando a estrutura social à medida que ela acontece,
ou seja, a trajetória do conflito constrói a trajetória da estrutura social. Mas não apenas isso, as
relações sociais entre pessoas também é afetada por esse conflito, desse modo o autor cria
uma teoria com diversas camadas, dando muita consistência a ela.
O Capital é o livro mais importante de Marx, no qual o pensador concretiza toda sua
teoria sobre a história1. No livro, o autor faz uma espécie de gênese do capitalismo, com
objetivo de olhar para as condições materiais e reais do sistema econômico (responsável por
estruturar toda a sociedade), observando suas contradições internas de tal maneira a fazer uma
crítica à economia política da época que tinha uma visão muito idealizada das coisas, para não
dizer uma visão que mascarava a realidade material.
Não havia até ali nos autores clássicos da economia qualquer menção válida sobre o
proletariado, que era ali entendido como apenas uma ferramenta, um fator de produção,
literalmente uma coisa alienada de si, transformada em objeto por um trabalho que não
edifica, mas degrada. Assim, a economia política da época naturalizava o trabalho com a
falácia da “liberdade”, como se a relação entre o capitalista (dono dos meios de produção) e o
proletariado (dono da força de trabalho), fosse uma relação de equivalentes. Porém, na prática
não funcionava assim por n razões que veremos mais adiante, porém o principal é perceber
que quem produz a mercadoria não pode possuí-la, pois o fim do trabalho no sistema
1
A transformação do ser humano é produto da transformação das circunstâncias em que os humanos vivem.
capitalista não é o uso do objeto, mas a propriedade na forma de capital. Assim, o indivíduo
deixa de trabalhar apenas para si, para produzir seus próprios meios de subsistência, mas
também trabalha para o capitalista aumentar seu capital, e à medida que o segundo ganha
mais dinheiro à custa do primeiro, também muda a relação de poder. Logo, como uma relação
de troca pode ser considerada equitativa quando uns estão sendo controlados pelos outros?
Esse é um dos pontos principais no primeiro volume d' O Capital.
Para chegar ao centro da sua teoria, Marx (2013) começa o livro pelo menor elemento
de uma economia capitalista: a mercadoria. Ele faz isso porque, se o modo de produção
define uma época, então o que é produzido, ou seja, os meios materiais de reprodução da vida,
deve ser o primeiro a ser considerado. Sendo assim, ele começa mostrando que um objeto
fabricado tem dois valores: seu valor de uso e seu valor de troca. O valor de uso refere-se ao
uso prático do objeto; por exemplo, o uso de uma bola de futebol tem como objetivo divertir
aqueles que a jogam. O valor de troca, por outro lado, refere-se ao valor que uma bola de
futebol teria para ser trocada por uma bola de basquete, por exemplo.
Embora trocar uma bola de futebol por uma bola de basquete seja praticamente igual,
se você tivesse várias bolas de futebol poderia trocá-las todas por algo que valeria o
equivalente, como um celular. Em uma sociedade que produz poucas mercadorias a troca
entre elas parece mais fácil do que numa sociedade que produz muitas mercadorias, assim
sendo, o advento do capitalismo trouxe avanços que aumentaram muito a produção, sendo
necessário a criação do conceito de mercadoria e de dinheiro.
Qualquer objeto passa a ser mercadoria, ou seja, assume a forma mercadoria, na
medida em que o fim dele é o seu valor de troca, e esse valor é dado pela forma dinheiro cuja
função é ser o equivalente universal do valor das mercadorias. O tempo médio de trabalho
necessário para produzir uma mercadoria determina seu valor. Por exemplo, o tempo de
trabalho necessário para produzir uma bola de futebol e uma bola de basquete é praticamente
o mesmo, mas o tempo de trabalho necessário para produzir um celular é maior e por isso ele
vale mais do que uma bola2.
Essa ideia de valor é inovadora para época porque até o momento a explicação sobre o
valor de uma mercadoria baseava-se apenas na lei de oferta e demanda, ou seja, o valor é
maior quando há mais demanda (procura por um produto) e menos oferta (disponibilidade de

2
Marx também considera o custo fixo, ou seja, o custo com matéria prima e estrutura para produzir um objeto,
como parte da composição do seu valor, sendo assim o preço de uma mercadoria é definido pelo tempo que leva
para ser produzido, que é dado pela força de trabalho, mais o custo de produção. O seu lucro é obtido pelo
mais-valor, que consiste em trabalho não pago, ou seja, o trabalhador nunca recebe todo o dinheiro pelo tempo
que gastou para produzir uma mercadoria, mas apenas parte desse valor, veremos sobre isso mais adiante.
um produto no mercado), e o valor é menor quando há menos demanda e mais oferta. Essa lei
ajuda a entender algumas coisas, mas não é suficiente para um entendimento mais profundo,
pois não pode explicar como uma mercadoria pode ser trocada por outra, nem estabelecer um
critério crível que justifique que uma mercadoria custe mais ou menos que outra. Em outras
palavras, o valor de uma mercadoria não pode ser determinado apenas pelo acaso, mas pelas
relações sociais que a sustentam. Portanto, o trabalho concreto é o que determina o preço de
uma mercadoria, já que é por meio dele que ela é produzida.
Após essas definições Marx (2013) passa para a origem do capital: se uma mercadoria
é produzida e então é trocada pelo dinheiro, o trabalho que foi materializado nessa
mercadoria é chamado de objeto-dinheiro e não tem valor de uso; portanto, a única função do
dinheiro é ser um equivalente de troca e para cumprir seu propósito, deve ser trocado por
outra mercadoria. Dessa forma, o objeto-dinheiro é substituído por outro objeto-mercadoria,
permitindo que o trabalho, anteriormente materializado na forma de dinheiro, seja novamente
incorporado em uma mercadoria.
Esse sistema funciona em uma economia tribal. No entanto, o que caracteriza o
capitalismo é a transformação do objeto-dinheiro em capital, que nada mais é do que a
acumulação de bens que serve para se adquirir novos bens, isso ocorre, por exemplo, quando
o dinheiro é trocado por uma mercadoria para que ela seja trocada novamente por dinheiro,
mas também ocorre quando um pedaço de terra é comprado para ser utilizado por uma
atividade econômica. Diferentemente de outras situações onde o objetivo da troca de
mercadorias é o uso que elas têm, ou seja, sua capacidade de suprir as necessidades imediatas,
aqui ela serve apenas como acumulação para gerar mais acumulação. O capital é um fim em
si, não tendo uma utilidade para o proprietário do capital a não ser a de gerar mais capital.
A cada vez que ocorre o processo de transformar uma mercadoria em dinheiro, o
valor excedente, também conhecido como mais-valor, se materializa. Nesse momento, o
proprietário dos meios de produção se apropria de uma parcela maior do valor gerado pela
produção. Em teoria, a distribuição justa seria baseada na contribuição de cada indivíduo. No
entanto, no capitalismo, o proprietário dos meios de produção retém não apenas sua parte
justa, mas também uma parcela maior do que seria devida ao trabalhador assalariado, o
proletário. Sendo assim, o mais-valor nada mais é que trabalho não pago, que se diferencia do
lucro na medida em que é algo mais que comprar barato e vender caro, pois trata-se de
apropriação do trabalho alheio.
Para entender melhor, suponhamos que um trabalhador gere 100 reais por dia, ou seja,
uma jornada de 8 horas de trabalho e recebe 45 reais por dia. Nesse caso, o patrão desse
trabalhador recebe 55 reais extras para ele, o que significa 55 reais de mais-valor. No entanto,
como é definido o valor que um trabalhador recebe? O valor mínimo necessário para que ele
possa continuar trabalhando é o que o define. Essa noção foi levada ao extremo no início do
capitalismo, quando o pão era o principal alimento da classe trabalhadora e o salário máximo
era calculado com base no valor do trigo. Qualquer patrão que pagasse um valor a mais
sofreria uma sanção por parte do Estado e a razão disso era que, se um trabalhador ganhasse o
suficiente em um dia para sobreviver por uma semana, por que trabalharia os outros seis dias?
Essa noção justificava o roubo do trabalho do proletariado e permitia que não fosse pago ao
trabalhador todo o valor de seu trabalho; portanto, o salário do trabalhador era sempre
calculado para garantir que ele tivesse o mínimo necessário para sobreviver3 e continuar
trabalhando no próximo dia.
É importante lembrar que nas primeiras etapas do capitalismo, as condições de
trabalho eram as mais horríveis que podem ser imaginadas, com jornadas de trabalho de 18
horas e condições insalubres que causaram a morte de milhões de pessoas. O trabalho infantil
era legal, então era comum encontrar crianças com mais de 5 anos trabalhando em fábricas.
Além disso, o trabalho infantil pressionava ainda mais para baixo os salários dos
trabalhadores porque havia mais força de trabalho4 disponível no mercado, dessa forma havia
mais pessoas sem trabalho do que pessoas trabalhando, o que levava o sujeito a aceitar
receber o salário que o capitalista estava disposto a pagar, tendo em vista que caso esse sujeito
recusasse a proposta haveriam centenas de outras pessoas dispostas a aceitar o trabalho que
fosse para não morrer de fome.
Os avanços tecnológicos também não ajudaram a mudar a situação de exploração, pois
quanto mais a produtividade aumentava, menor era o salário. Por exemplo, se um trabalhador
pode agora, graças a maquinaria, produzir 150 reais no mesmo período em que podia produzir
100 reais, seu salário aumentará de 50 para 55, ou seja, o capitalista agora tem 95 reais de
trabalho não pago, ou melhor dizendo, trabalho expropriado.5

3
Para sua manutenção, o indivíduo vivo necessita de certa quantidade de meios de subsistência. Assim, o tempo
de trabalho necessário à produção da força de trabalho corresponde ao tempo de trabalho necessário à produção
desses meios de subsistência, ou, dito de outro modo, o valor da força de trabalho é o valor dos meios de
subsistência necessários à manutenção de seu possuidor. (MARX, 2013, p. 291)
4
Por força de trabalho ou capacidade de trabalho entendemos o complexo [Inbegriff] das capacidades físicas e
mentais que existem na corporeidade [Leiblichkeit], na personalidade viva de um homem e que ele põe em
movimento sempre que produz valores de uso de qualquer tipo. (MARX, 2013, p. 287)
5
O capitalista se apoia, portanto, na lei da troca de mercadorias. Como qualquer outro comprador, ele busca tirar
o maior proveito possível do valor de uso de sua mercadoria. Mas eis que, de repente, ergue-se a voz do
trabalhador, que estava calada no frenesib do processo de produção: “A mercadoria que eu te vendi distingue-se
da massa das outras mercadorias pelo fato de seu uso criar valor e, mais do que isso, um valor maior do que
aquele que ela mesma custou. Foi por isso que a compraste. O que do teu lado aparece como valorização do
capital, do meu lado aparece como dispêndio excedente de força de trabalho. Tu e eu só conhecemos, no
O processo de expropriação consiste no processo de tirar de alguém alguma coisa.
Esse processo foi comum no fim do feudalismo e início do capitalismo para pressionar as
pessoas a saírem do campo e irem para as cidades onde tornariam-se operárias. Nesse tempo
ocorreu um processo maciço de expulsão das pessoas do campo para a cidade. Esse processo
se inicia, por exemplo, com a privatização das terras comunais, que eram as terras de todas as
pessoas, onde elas podiam caçar e tirar dali seu sustento. Assim como as grandes terras dos
senhores feudais, onde a maioria da população europeia vivia e tirava de lá seu sustento, aos
poucos foram sendo entregues nas mãos da burguesia nascente. Esse processo se combina
com o que Marx denomina de acumulação primitiva.
A acumulação primitiva é um dos conceitos importantes da teoria marxista, pois esse
conceito explica a transição do modelo feudal para o capitalismo. Foi a acumulação primitiva
que permitiu o estabelecimento de condições políticas, sociais e econômicas para que o
sistema capitalista ganhasse espaço. As relações de produção feudais governavam a sociedade
feudal, onde os senhores feudais possuíam a terra e o controle sobre o acesso aos meios de

mercado, uma lei, a da troca de mercadorias. E o consumo da mercadoria pertence não ao vendedor que a aliena,
mas ao comprador que a adquire. A ti pertence, por isso, o uso de minha força de trabalho diária. Mas por meio
do preço que a vendo diariamente eu tenho de reproduzi-la a cada dia, pois só assim posso vendê-la novamente.
Desconsiderando o desgaste natural pela idade etc., tenho de ser capaz de trabalhar amanhã com o mesmo nível
normal de força, saúde e disposição que hoje. Não cansas de pregar-me o evangelho da ‘parcimônia’ e da
‘abstinência’. Pois bem! Desejo, como um administrador racional e parcimonioso, gerir meu próprio patrimônio,
a força de trabalho, abstendo-me de qualquer desperdício irrazoável desta última. Quero, a cada dia, fazê-la fluir,
pô-la em movimento apenas na medida compatível com sua duração normal e seu desenvolvimento saudável.
Por meio de um prolongamento desmedido da jornada de trabalho, podes, em um dia, fazer fluir uma quantidade
de minha força de trabalho maior do que a que posso repor em três dias. O que assim ganhas em trabalho eu
perco em substância do trabalho. A utilização de minha força de trabalho e o roubo dessa força são coisas
completamente distintas. Se o período médio que um trabalhador médio pode viver executando uma quantidade
razoável de trabalho é de 30 anos, o valor de minha força de trabalho, que me pagas diariamente, é de 1/365 ×
30, ou 1/10.950 de seu valor total. Mas se a consomes em 10 anos, pagas-me diariamente 1/10.950 em vez de
1/3.650 de seu valor total; portanto, apenas 1/3 de seu valor diário, e me furtas, assim, diariamente, 2/3 do valor
de minha mercadoria. Pagas-me pela força de trabalho de um dia, mas consomes a de 3 dias. Isso fere nosso
contrato e a lei da troca de mercadorias. Exijo, portanto, uma jornada de trabalho de duração normal, e a exijo
sem nenhum apelo a teu coração, pois em assuntos de dinheiro cessa a benevolência. Podes muito bem ser um
cidadão exemplar, até mesmo membro da Sociedade para a Abolição dos Maus-Tratos aos Animais, e viver em
odor de santidade, mas o que representas diante de mim é algo em cujo peito não bate um coração. O que ali
parece ecoar é o batimento de meu próprio coração. Exijo a jornada de trabalho normal porque, como qualquer
outro vendedor, exijo o valor de minha mercadoria.”40 Vemos que, abstraindo de limites extremamente elásticos,
a natureza da própria troca de mercadorias não impõe barreira alguma à jornada de trabalho e, portanto, nenhuma
limitação ao mais-trabalho. O capitalista faz valer seus direitos como comprador quando tenta prolongar o
máximo possível a jornada de trabalho e transformar, onde for possível, uma jornada de trabalho em duas. Por
outro lado, a natureza específica da mercadoria vendida implica um limite de seu consumo pelo comprador, e o
trabalhador faz valer seu direito como vendedor quando quer limitar a jornada de trabalho a uma duração normal
determinada. Tem-se aqui, portanto, uma antinomia, um direito contra outro direito, ambos igualmente apoiados
na lei da troca de mercadorias. Entre direitos iguais, quem decide é a força. E assim a regulamentação da jornada
de trabalho se apresenta, na história da produção capitalista, como uma luta em torno dos limites da jornada de
trabalho – uma luta entre o conjunto dos capitalistas, i.e., a classe capitalista, e o conjunto dos trabalhadores, i.e.,
a classe trabalhadora.(MARX, 2013, p. 362-364).
produção. Em troca de proteção e acesso aos recursos para sobrevivência, os camponeses
eram obrigados a trabalhar nas terras dos senhores feudais.
Todavia, essas relações de produção mudaram. Marx (2013), discorre que o processo
de acumulação primitiva iniciou-se a partir do processo de expropriação dos camponeses das
terras e dos recursos. Segundo o sociólogo, uma série de mudanças nas relações de poder,
avanços tecnológicos e o início de um mercado cada vez mais globalizado contribuíram para
esse processo. O cercamento das terras foi uma das principais formas de expropriação onde os
senhores feudais esforçaram-se para cercar suas terras e expulsar os camponeses que haviam
cultivado as terras por gerações. Os senhores feudais queriam aumentar a produtividade
agrícola e lucrar com a venda de produtos excedentes no mercado ao privatizar a terra.
Os camponeses foram obrigados a migrar para as cidades em busca de trabalho
assalariado como resultado dessa expropriação. Os proprietários capitalistas podiam controlar
as condições de trabalho e os empregos à medida que a demanda por trabalhadores
aumentava, aproveitando-se do grande número de camponeses despossuídos e desesperados
por emprego. Diante disso, o capitalismo se desenvolveu como um sistema econômico
baseado na propriedade privada dos meios de produção, na busca de lucro e na exploração da
classe trabalhadora.
Com isso, o movimento histórico que transforma os produtores em trabalhadores
assalariados aparece, por um lado, como a libertação desses trabalhadores da
servidão e da coação corporativa, e esse é único aspecto que existe para nossos
historiadores burgueses. Por outro lado, no entanto, esses recém-libertados só se
convertem em vendedores de si mesmos depois de lhes terem sido roubados todos os
seus meios de produção, assim como todas as garantias de sua existência que as
velhas instituições feudais lhes ofereciam. E a história dessa expropriação está
gravada nos anais da humanidade com traços de sangue e fogo. (MARX, 2013,
p.787)

O Capital termina por desnudar toda uma narrativa que legitimava a exploração do
proletariado pela burguesia. Essa narrativa não olhava para as condições materiais da
existência, mas para as abstrações produzidas pela própria burguesia. Afinal de contas o
trabalhador assalariado era livre, ele poderia escolher trabalhar como um cão ou morrer de
fome. Aqui tentamos demonstrar de maneira introdutória o pensamento de Marx,
especialmente sobre os conceitos que fundam a sua sociologia. Obviamente que um
entendimento mais aprofundado exige a leitura do livro todo e esperamos que esse texto seja
um convite à leitura de Marx.

PARTE III- À GUISA DA CONCLUSÃO: MARX HOJE


Como pudemos observar a teoria de Marx trouxe novos aspectos para se pensar a
realidade social. A característica fundamental da sociologia é o estranhamento do familiar e a
desnaturalização das relações que não são naturais, mas sim construções sociais concretas,
baseada na prática cotidiana de todas as pessoas. Por causa de seu método, Marx é
considerado um dos pais da sociologia porque sua teoria trouxe novos paradigmas para as
ciências humanas, tanto por aqueles que escrevem contra, a partir, ou para além de sua obra.
Essa influência e impacto da teoria do pensador foram tão significativos e poderosos que
ainda hoje alimentam as discussões políticas em todo o mundo.
Além disso, quando se trata de examinar as contradições e a desigualdade social que
compõem o sistema capitalista contemporâneo, a teoria de Marx é extremamente relevante e
atual. A concentração de riqueza e poder nas mãos de uma pequena elite, a exploração dos
trabalhadores, a alienação e a mercantilização de todas as esferas da vida são fenômenos que
podem ser compreendidos e criticados a partir das ideias marxistas.
Além das ciências sociais e políticas, a teoria marxista também se estende para outros
campos, como economia, filosofia, estudos culturais e até mesmo crítica artística. As ideias de
Marx ainda são usadas por vários pensadores e movimentos sociais para questionar as
estruturas de poder e defender uma transformação social mais justa.
A teoria marxista evoluiu em várias direções. Um exemplo é a relação entre
colonialismo e capitalismo. O feminismo examinou o papel do racismo na acumulação de
capital e no trabalho doméstico, que é fundamental para a reprodução da força de trabalho e,
portanto, também é trabalho não pago. Dentro dessa linha há uma obra muito interessante
chamada “Calibã e Bruxa” de uma autora italiana chamada Silvia Federici que demonstra a
articulação entre colonialismo, racismo e a perseguição das mulheres como fatores chave para
a acumulação capitalista.
David Harvey, um geógrafo britânico, é outro desdobramento que mostra que,
diferente do que Marx pensava, o processo de acumulação por expropriação que compõem a
acumulação primitiva não ocorre apenas nas fases iniciais do capitalismo, mas é uma
condição fundamental para a existência do capitalismo. Como resultado, é sempre necessário
encontrar algo a ser expropriado de alguém.
Além disso, a teoria de Marx ajudou a fornecer bases teóricas mais concretas para
pesquisas sobre o mundo do trabalho. Por exemplo, estudos recentes sobre as condições de
trabalho de trabalhadores de aplicativo têm se sustentado a partir de uma perspectiva marxista
das relações sociais.
Diante disso, a teoria de Marx continua a ser uma referência importante para
compreender e problematizar a realidade contemporânea. Ela estimula a reflexão crítica e o
debate sobre desigualdades, relações sociais e perspectivas de mudança.
BIBLIOGRAFIA
MARX, Karl. Contribuição à Crítica da Economia Política. São Paulo: Expressão Popular,
2008.
MARX, Karl; ENGELS, Friedrich. Manifesto Comunista. São Paulo: Boitempo, 1998.
MARX, Karl. O Capital (Livro I). São Paulo: Boitempo, 2013.
MCLELLAN, David. Karl Marx: vida e pensamento. Rio de Janeiro: Vozes, 2023.
INDICAÇÕES DE OBRAS DE APOIO DIDÁTICO

Filmografia:

O Germinal. Direção: Claude Berri. Ano: 1993. França


O filme é baseado no livro homônimo de Émile Zola, que retrata a vida dos
trabalhadores da Inglaterra no início do capitalismo. Além de ajudar os alunos a se
familiarizar com a realidade social sobre a qual escreve Marx, ele pode ajudá-los a pensar
sobre as diferenças entre as condições de trabalho no passado e hoje, enfatizando a
importância dos direitos que a classe trabalhadora conquistou e que transformaram toda a
estrutura social.

O Jovem Marx. Direção: Raoul Peck. Ano: 2017. França


O filme mostra as preocupações políticas e teóricas de Marx no início de sua vida
intelectual. O filme mostra a época anterior à escrita de O Capital. Na sala de aula, ele ajuda
os alunos a se familiarizar com o autor contextualizando o contexto geral em que Marx viveu.

Eu, Daniel Blake. Direção: Ken Loach. Ano:2016. Inglaterra


O filme retrata os desafios que um trabalhador mais velho (idoso) encontra para se
aposentar na Inglaterra moderna. O filme é excelente para discutir as novas questões criadas
pelo capitalismo e as mudanças que ocorreram de um mundo de Estado de bem-estar social
para um mundo de austeridade e Estado mínimo. O filme também levanta questões sobre a
pobreza e as dificuldades de mobilidade social para aqueles que vivem no capitalismo
miserável.

O Poço. Direção: Galder Gaztelu-Urrutia. Ano: 2019. Espanha.


O filme de ficção científica retrata uma distopia futurista onde as pessoas são postas
num lugar que reproduz a pirâmide social: aqueles que estão no topo roubam os recursos que
seriam para todos e aqueles que estão em baixo morrem de fome. O filme é útil para falar
sobre as relações sociais no capitalismo de forma metafórica, demonstrando que o grande
problema não é a quantidade de recursos disponíveis, mas como esses recursos são
distribuídos e como a ganância humana pode ser destrutiva.

Aquarius. Direção: Kleber Mendonça. Ano:2016. Brasil


O filme conta a história de uma moradora de apartamento que se recusa a aceitar as
investidas de um empresário do mercado imobiliário para comprar seu apartamento. O filme é
útil para ilustrar a diferença entre o valor de uso e o valor de troca, pois enquanto a
proprietária do apartamento considera seu valor de uso como imensurável, o empresário vê o
apartamento apenas pelo valor de troca, pois seu objetivo final é comprar o apartamento para
revendê-lo mais tarde.

Ilha das Flores. Direção: Jorge Furtado. Ano: 1989. Brasil


O documentário mostra todo o processo de produção do tomate até que ele seja
descartado como lixo. Além disso, o curta “A História das Coisas” mostra o processo de
alienação da mercadoria, que embora não esteja explicado neste material, pode ser discutido
em sala de aula. O filme também é interessante porque mostra o processo de fabricação de
uma mercadoria e como o valor aumenta ao longo do processo.

Tempos Modernos. Direção: Charles Chaplin. Ano:1936. EUA


O filme, por meio da figura do Carlitos, retrata de maneira cômica a condição da
classe trabalhadora durante a Segunda Revolução Industrial. O filme pode ser usado em sala
de aula para ajudar os alunos a se familiarizar com o contexto descrito por Marx e ilustrar
como a exploração ocorre.

Você também pode gostar