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Alessandra Simplício

Marx
O Estado e o direito em Marx

GUSTAVO GOMES*

A trajetória biográfica de Karl Marx já foi objeto de muitos estudos, publi-


cações e, em suas linhas mais gerais, já é bem conhecida por aqueles que se inte-
ressam pela sua vida e obra. Marx nasceu em Trier em 1818. De família judia
e filho de advogado, Marx matriculou-se, em 1835, na Universidade de Bonn,
onde permaneceu por apenas dois semestres até se transferir para Faculdade de
Direito de Berlim no ano seguinte. Na capital prussiana, Marx vivenciou toda a
21
atmosfera intelectual dominada pela filosofia de Hegel, docente e antigo reitor
da Universidade de Berlim, na qual as questões da teoria e política do Estado e
direito da época eram debatidas em numerosas polêmicas.1
O interesse cada vez maior em diversas áreas do conhecimento, para além
dos estudos jurídicos, aproximou Marx da filosofia e também da carreira aca-
dêmica. A sua pretensão de ingressar no magistério universitário com a disser-
tação doutoral, intitulada Diferenças entre a filosofia da natureza de Demócrito e
a de Epicuro, porém, viu-se dificultada e frustrada pelo fechamento do regime
político. Desse modo, a atividade jornalística surgiu não apenas como opção de
sustento financeiro, mas também como possibilidade de continuar o ativismo
político de crítica ao Estado prussiano.

* Professor adjunto de Teoria do Estado e Filosofia Política (ESS/UFF) e integrante do Centro de


Estudos de Justiça, Direitos e Movimentos Sociais (CEJUS). Este capítulo é resultado de estudos
realizados com o apoio do Programa de Pós-Graduação em Serviço Social da UFRJ (PPGSS/UFRJ)
e da Escola de Serviço Social da UFF (ESS/UFF) durante meu pós-doutoramento sob supervisão
da Profa. Dra. Sara Granemann. Registro ainda meus agradecimentos pela leitura crítica e suges-
tões de Wesley Carvalho. Em especial, agradeço também a Prof. Renata Schittino com quem orga-
nizei essa coletânea e debati longamente algumas das hipóteses e conclusões deste texto.
1 Existem diversas biografias disponíveis sobre Karl Marx. Neste capítulo, usamos como referência
principal a elaborada recentemente por José Paulo Netto: Karl Marx: uma biografia (NETTO, 2020).
ESTADO, DIREITO E MARXISMO

Em 1842, Marx tornou-se então o redator do jornal Gazeta Renana em


Colônia, escrevendo sobre diversos problemas cotidianos da política prussinana,
como a questão da censura da imprensa, a lei sobre o furto de madeiras, miséria,
divórcio entre outros. No entanto, a censura, o fechamento do jornal e a aprova-
ção do projeto de lei de furto da madeira demonstraram não apenas a irrelevância
dos melhores argumentos lógicos como os próprios limites dos debates públicos.
É provável que tais fatos e a esperança frustrada de maior liberalização do governo
Guilherme IV com a lei da censura, em 1841, tenham impactado Marx teorica-
mente, levando-o a amadurecer a sua reflexão sobre o Estado e o direito e “acertar
contas com a herança da filosofia hegeliana de Estado” (BENSAID, 2010, p. 14).
De qualquer forma, nos anos posteriores, logo após seu casamento com
Jenny em Kreuznach em 1843, Marx começou a escrever os rascunhos de suas
obras nas quais o Estado e o direito são os objetos prioritários de suas análises:
Crítica à filosofia do direito de Hegel e Sobre a questão judaica.
Embora não seja objetivo viável recuperar plenamente o conjunto de questões
suscitadas por Marx neste breve capítulo, a interpretação sobre estes primeiros
textos trouxe uma das maiores divergências entre marxistas que opunha o estrutu-
22 ralismo ao existencialismo e também ao historicismo. Essas polêmicas se destacam
na teoria política marxista desenvolvida por diversos pensadores até hoje pelo im-
pacto que possuem nas categorias empregadas na análise do fenômeno jurídico.2
Althusser identificou uma ruptura epistemológica no desenvolvimento do
pensamento de Marx, ou seja, uma significativa descontinuidade entre algumas
das suas principais e mais conhecidas publicações. Nesse sentido, seria possí-
vel opor um “jovem” Marx, humanista e democrata, contra um “velho” Marx,
científico e verdadeiramente revolucionário. Essa dicotomia afetou fortemente
as interpretações sobre as concepções marxianas sobre o Estado e o direito, pois,
as obras marxianas cujo objeto era o fenômeno jurídico datam do período de
juventude do pensador e, do ponto de vista althusseriano, deveriam ser preteri-
das pelas da sua maturidade intelectual e científica.3

2 O uso da expressão “marxista” no presente texto segue diversos outros autores que a utilizam para
identificar as diversas vertentes de contribuições teóricas, políticas e acadêmicas que têm no pensa-
mento de Marx sua principal referência e apoio, mas de forma a diferenciá-las das ideias e reflexões
“marxianas”, ou seja, aquelas elaboradas pelo próprio Karl Marx.
3 Essa interpretação possui grande influência em proeminentes teóricos marxistas do direito no Bra-
sil como Marcio Bilharinho Naves e Alysson Mascaro. Naves, por exemplo, condenou o que chamou
de “eterno retorno aos textos não marxistas de Marx”, pois os estudiosos que recorreram aos textos de
juventude do filósofo “julgaram ter descoberto uma teoria marxista do direito” quando, na verdade,
“só havia os ecos distantes da ideologia jurídica burguesa” (NAVES, 2014, p.10).
O Estado e o Direito em Marx

Se a utilização dos textos de juventude, separados do conjunto da obra


marxiana, pode realmente reforçar de forma equivocada uma associação da
teoria política marxiana aos elementos da ideologia jurídica burguesa, ignorar
tais textos acarreta outros graves problemas. A unidade da teoria política mar-
xiana com a percepção também de suas continuidades, é indispensável para
compreensão dos seus elementos essencias como a crítica a prevalência dos
interesses privados particulares no Estado, a crítica aos limites dos direitos hu-
manos e do Estado político ou a imbricação inevitável da luta de classes com
todos os fenômenos jurídicos.4
Tais pressupostos da teoria política marxiana, estão presentes, ainda que não
plenamente desenvolvidos, desde os escritos jornalísticos da Gazeta Renana até
o Capital. Portanto, acreditamos que o mais profícuo não seria opor o jovem ao
velho Marx como antagonistas em duelo fatal no qual apenas um sobreviverá.5
As críticas do jovem Marx ao Estado e ao direito, embora ainda superfi-
ciais comparadas às obras da sua maturidade, foram extremamente pertinen-
tes e importantes em sua época além de indispensáveis para a apreensão mais
profunda da dinâmica das sociedades capitalistas modernas. Igualmente, há
também muitos elementos já presentes nas suas obras pioneiras que possibili- 23

tam uma melhor interpretação das suas posições maduras sobre Estado, direito,
política, ditadura, democracia e legislação, entre outras.
Consideramos assim a apreensão do movimento intelectual realizado por
Marx como decisiva para a compreensão da teoria marxiana do direito, pois há
uma “unidade necessária” na passagem “das posições democrático-revolucio-

4 A afirmação dos elementos de continuidade na obra marxiana não ignora que várias das catego-
rias centrais desenvolvidas por Marx, como a de classes sociais, somente atinge sua plenitude após
as obras da juventude. Contudo, queremos enfatizar que, para a apreensão do significado dessas
categorias, é imprescindível observar o desenvolvimento intelectual das mesmas.
5 Uma consistente crítica a noção de “ruptura epistemológica”, elaborada por Althusser, pode ser
encontrada no artigo “A miséria da teoria ou um planetário de erros” no qual E. P. Thompson afirma
que o “absurdo de Althusser está no modo idealista de suas construções teóricas. Seu pensamento
é fruto do determinismo econômico fascinado pelo idealismo teorista. (...) Essa “ciência” é então
projetada de volta na obra de Marx – propõem-se que seus procedimentos eram da mesma ordem e
que, depois do milagre da “ruptura epistemológica” (uma concepção imaculada que não exigiu ne-
nhuma fecundação empírica vulgar) (...) a mão se estende sobre toda obra “imatura” de Marx, sobre
quase todas as obras de Engels, as passagens da obra madura de Marx que exemplificam a prática
do materialismo histórico, a correspondência entre Marx e Engels (que nos leva diretamente ao seu
laboratório e nos mostra seus procedimentos) e a maior parte do próprio Capital (“ilustrações”)
(THOMPSON, 2021, p. 35 e 36).
ESTADO, DIREITO E MARXISMO

nária para o socialismo consciente” com a fundação da dialética materialista a


partir da superação da filosofia de Hegel e Feuerbach (LUKÁCS, 2007, p. 122).
Além dessa dicotomia criada entre o jovem e o velho Marx, há também
tentativas de separar os chamados textos históricos e políticos dos textos teó-
ricos do pensador. Não há, porém, razão em valorizar mais alguns textos em
detrimento de contribuições como O Manifesto Comunista, Crítica ao programa
de Gotha, Guerra civil na França, 18 Brumário, entre outras, que ocupam lu-
gar de destaque para compreensão da teoria política marxiana. Não há como
separar a construção teórica do contexto no qual a mesma foi produzida e dos
debates com seus interlocutores. A filosofia política marxiana foi erigida sobre
as polêmicas com Hegel, Bruno Bauer, La Salle, Liebknecht, Proudhon, Baku-
nin, Ricardo, Smith entre tantos outros.
A disputa com o pensamento liberal e, internamente, com as correntes de
pensamento que tinham audiência no movimento operário são imprescindíveis
para apreensão da reflexão marxiana como um todo e, em especial, sobre o Esta-
do e o direito. A filosofia marxiana é marcada pela unidade entre teoria e prática.
Portanto, as reflexões realizadas por Marx em seus textos políticos, cartas, escritos
24 jornalísticos, polêmicas, entre outros, compõem o conjunto da sua construção
teórica. Para a compreensão das suas obras, é então fundamental a leitura dos
textos de Marx e Engels como a de “autores políticos” (TEXIER, 2005, p. 11).
Nessa perspectiva teórica e metodológica, destacamos a seguir alguns pon-
tos inovadores e decisivos como contribuições do pensamento de Karl Marx
para a teoria política contemporânea e que consideramos indispensáveis para
a compreensão do Estado e do direito assim como para superação dos atuais
limites à realização de uma sociedade inteiramente livre e igualitária.

O Estado como manifestação dos interesses privados

Uma das principais inovações da teoria política marxiana foi a afirmação


de que o Estado corresponde à manifestações dos interesses privados e não de
um suposto interesse público ou geral. Essa conclusão se opunha a tradição da
filosofia política moderna anterior que identificava o antagonismo entre o pri-
vado e público como característica diferenciadora do Antigo Regime e justifica-
va a existência de um corpo político apartado da sociedade civil justamente pela
necessidade de se fazer prevalecer o interesse público sobre os diversos interesses
particulares presentes na sociedade civil.
O Estado e o Direito em Marx

De Hobbes à Rousseau, a manutenção de uma sociedade comum pressu-


punha a ideia de um interesse público geral, protegido pela lei, pelo direito e
pelo Estado, que mantivesse a unidade entre indivíduos particulares apesar de
seus interesses distintos.6
Na sua análise sobre a lei do furto de lenha, Marx já havia percebido e de-
nunciado empiricamente como o interesse privado dos proprietários florestais
se sobrepunha aos interesses gerais da maioria da população.7 O principal fun-
damento das suas inúmeras críticas ao projeto de lei era a proteção ao interesse
privado dos proprietários florestais em detrimento do interesse público ao qual
o direito e o Estado deveriam proteger.

Toda nossa exposição mostrou como a Dieta Renana rebaixa o poder executi-
vo, as autoridades administrativas, a existência do acusado, a ideia de Estado,
o próprio crime e a pena à condição de meios materiais do interesse privado.
(MARX, 2017, p. 122)

O jovem Marx, de forma contundente, denunciava, através da análise do


caso concreto da lei do furto de lenha, a incompatibilidade entre o direito e o 25
interesse público que é o principal pressuposto da filosofia do direito hegelia-
na. Marx acusava os legisladores da Dieta Renana de promoverem a “violação
de nossas instituições” (...), com a “degradação completa do Estado” e com os
“meios contrários à razão e ao direito” (MARX, 2017, p. 98).
Marx identificava então que, neste caso histórico, ao contrário do que
afirmara Hegel, o Estado não se apresentava como o resultado da vontade

6 Michael Löwy percebeu esse elo comum à teoria política burguesa: “Sobre a infraestrutura da
propriedade privada e das leis do mercado capitalista constrói-se o mito do salvador supremo,
encarnação da virtude pública sobre a corrupção, do particularismo dos indivíduos, demiurgo da
história que rompe a cadeia do fatalismo; herói sobre-humano que liberta os homens e constitui o
novo Estado. Implícita ou explicitamente, esse mito aparece na maior parte das doutrinas políticas
da burguesia em desenvolvimento: para Maquiavel, ele é o “Príncipe”; para Hobbes, o “Soberano
Absoluto”; para Voltaire, o déspota “esclarecido”; para Rousseau, o “Legislador”; para Carlyle, o
“Herói”. E concluiu que o jovem Marx ainda nos seus primeiros escritos já superava a teoria bur-
guesa através de “uma crítica virulenta e radical que procuraríamos em vão em Hegel: denúncia dos
interesses particulares e dos proprietários privados (egoístas, covardes, estúpidos, etc), pessimismos
quanto à possibilidade de pô-los de acordo com o interesse geral do Estado” (LÖWY, 2012, p. 44).
7 Marx publicou uma série de artigos no jornal Gazeta Renana nos quais analisava a proposta de lei
do parlamento, Dieta Renana, que coibia e proibia o uso costumeiro da lenha. Esses artigos propi-
ciaram, motivadas por um problema concreto, algumas das suas primeiras análises sobre a legislação,
o Estado e o direito (MARX, 2017).
ESTADO, DIREITO E MARXISMO

racional e da sobreposição do interesse público sobre as particularidades dos


diversos interesses privados presentes na sociedade civil. Marx provara empi-
ricamente o contrário.
Embora Marx, neste momento, não tenha ainda desenvolvido teoricamen-
te as razões para a contradição entre o Estado e o suposto interesse público, per-
manecendo nesse aspecto em continuidade com a filosofia hegeliana ao exigir
que o Estado expressasse o interesse público, Marx também ia além de Hegel ao
demonstrar que o Estado, o parlamento e a própria lei protegiam os interesses
privados dos proprietários florestais.8
Neste momento da sua reflexão teórica, o problema que estava colocado
ainda não era as contradições entre os interesses particulares (de classes) na
sociedade, mas, sim, as supostas contradições entre o Estado e a sociedade que
se manifestava na prevalência de interesses privados no Estado em detrimento
de um interesse público abstrato como defendia a filosofia do direito hegeliana.

Essa lógica, que transforma empregado do proprietário florestal em autorida-


de do Estado, transforma a autoridade do Estado em empregada do proprie-
26 tário florestal. (MARX, 2017, p. 104)

O proprietário florestal legislador confundiu por um instante as pessoas, ou


seja, a si como legislador e a si como proprietário florestal. (MARX, 2017,
p. 113)

Essa percepção confronta radicalmente a ideologia jurídica burguesa domi-


nante no seu cerne e assenta as bases para sua posterior superação teórica. Marx
observa que o parlamento, a Dieta Renana, e as autoridades administrativas
do poder executivo do Estado serviam aos interesses privados dos proprietários
florestais. Em sua Crítica da filosofia do direito de Hegel, Marx procura compre-
ender melhor essas contradições entre interesse público e interesse privado e
entre o Estado e a sociedade civil.

A oposição entre Estado e sociedade civil está, portanto, consolidada; o Estado


não reside na sociedade civil, mas fora dela; ele a toca apenas mediante seus
“delegados”, a quem é confiada a “gestão do Estado” no interior dessas esferas.

8 No entanto, como destacou Bensaïd, Marx ainda abordava essa contradição “em termos hegelia-
nos”, ou seja, “de um ponto de vista racionalista liberal” (BENSAÏD, 2017, p. 34).
O Estado e o Direito em Marx

Por meio destes “delegados” a oposição não é suprimida, mas transformada


em oposição “legal”, “fixa”. O “Estado” é feito valer, como algo estranho e
situado além do ser da sociedade civil, pelos deputados deste ser contra a so-
ciedade civil. A “polícia”, os “tribunais” e a “administração” não são deputados
da própria sociedade civil, que neles e por meio deles administra o seu próprio
interesse universal, mas sim delegados do Estado para administrar o Estado
contra a sociedade civil (...) A identidade, por ele construída, entre sociedade
civil e Estado, é a identidade entre dois exército inimigos, em que cada sol-
dado tem a “possibilidade”, por meio da “deserção”, de se tornar membro do
exército “inimigo” e, com isso, de fato Hegel descreve com exatidão a situação
empírica atual. (MARX, 2013, 74 a 75)

A analogia a dois exércitos inimigos ilustra enfaticamente o significado do


antagonismo percebido por Marx entre Estado e sociedade civil nas sociedades
modernas o que o leva para soluções mais radicais. Nessa inversão completa
da teoria política moderna, o Estado, ao sobrepor interesses privados mino-
ritários na comunidade, mantinha-se em contradição com a sociedade civil e
não era agente pacificador da sociedade, mas, sim, elemento fundamental da 27
sua permanente disputa conflituosa. Desse modo, enquanto Hegel vislumbrava
no Estado a solução já acabada para tais contradições, Marx voltava-se para a
sociedade civil.
A contradição entre interesse público e interesse privado, entre Estado e
sociedade civil, que fundamenta a teoria política moderna burguesa, cede lugar
então para contradição entre os interesses entre as duas principais classes da
sociedade capitalista: a burguesia e o proletariado. Nela, um verdadeiro inte-
resse comum se identificará com o interesse da classe trabalhadora e o interesse
privado com o interesse da burguesia proprietária dos meios de produção.
A conclusão de seus estudos sobre a filosofia do direito hegeliana alçou
então o interesse privado ao fundamento da existência do próprio Estado. Marx
concluíra mais tarde que a prevalência dos interesses privados no direito e nas
funções do Estado não era apenas uma disfunção excepcional, como supunha
na análise da lei sobre o furto de lenhas, mas, sim, manifestava como uma regra
nos modernos Estados capitalistas. Portanto, a solução não estava na exigência
da adequação do Estado ao interesse público e na renúncia do interesse privado
pelo legislador, mas, sim, na superação das contradições entre os interesses na
própria sociedade civil.
ESTADO, DIREITO E MARXISMO

O movimento histórico então não tinha no Estado racional o seu ápice,


mas, ao contrário, o Estado corporificava as contradições entre os interesses
antagônicos presentes na sociedade civil. Em suas obras posteriores, Marx afir-
maria que tais contradições, existentes na sociedade civil, somente poderiam
ser resolvidas nela própria através da eliminação dos fatores estruturais de pro-
dução que cindem a sociedade em classes com interesses distintos. A síntese
revolucionária dessas contradições permitiria o estabelecimento de uma comu-
nidade verdadeiramente emancipada de homens e mulheres livres. Com isso, o
Estado político perderia sua função moderna e se dissolveria juntamente com a
contradição que o mesmo expressava.
Não obstante a mudança teórica em relação às contradições entre Estado
e sociedade civil, Marx manteve, em todos os escritos posteriores, a denúncia
da prevalência dos interesses privados no Estado, no direito, no parlamento
e nas leis. O caráter instrumental do Estado e das instituições burguesas fica
evidenciado na análise da história da legislação sobre a regulação da jornada de
trabalho na sua obra da maturidade, na qual afirma que a legislação trabalhista
foi “cunhada para exploração do trabalhador”, com desenvolvimento “sempre
28 hostil” aos mesmos, que os juízes ingleses estiveram “sempre a abanar o rabo a
serviço das classes dominantes, que o parlamento inglês por quinhentos anos
exerceu seu egoísmo como “uma permanente trades union dos capitalistas con-
tra os trabalhadores”. Marx considerou também a jurisdição como “serva fiel
do capital” e denunciava a atuação de proprietários como juízes de paz em
processos sobre a lei fabril nos quais eram também interessados (MARX, 2017,
p. 368, 809 e 812).
Igualmente, na análise do processo de cercamento dos campos na dinâmi-
ca do processo social na transição para o capitalismo, Marx percebeu na lei a
função de instrumento da expropriação camponesa. Por isso, se refere às leis de
cercamento do campo, as Bills for Inclosures of Commons, como “forma parla-
mentar do roubo” das terras comunais (MARX, 2017, p. 796).
Desse modo, é possível afirmar ser uma constante nas análises marxianas
sobre os fenômenos jurídicos a crítica da funcionalidade do Estado e do direi-
to para preservação e ampliação do interesse privado das classes proprietárias
dominantes na sociedade e no próprio Estado. A noção de interesse público se
distancia do interesse verdadeiramente comum aos membros da sociedade para
legitimar interesses privados protegidos pelo Estado.
O Estado e o Direito em Marx

Todo e qualquer interesse comum foi imediatamente desvinculado da socieda-


de e contraposto a ela como interesse mais elevado, geral, subtraído à atividade
dos próprios membros da sociedade e transformado em objeto da atividade
governamental. (MARX, 2011, p. 141)

O interesse geral, “mais elevado”, não é então saudado como uma preva-
lência do interesse da maioria sobre os da minoria o que justificaria a autori-
dade do Estado. Marx percebe que a noção de interesse geral é funcional para
deslocar os interesses comuns das atividades dos próprios membros da socie-
dade civil, transferindo-as e centralizando-as como atividades governamentais
exclusivas do Estado.
Desse modo, Marx critica a noção de interesse geral que fundamenta as
principais vertentes da teoria política contratualista liberal. Essa percepção
constitui também uma crítica aguda aos riscos que a centralização estatal, em
nome do interesse público, pode acarretar para a gestão comunitária dos inte-
resses comuns e da liberdade dos membros da sociedade.

A crítica marxiana aos limites dos direitos humanos 29

A relação da teoria política marxista com os direitos humanos é ainda ob-


jeto de polêmica e suscita inúmeros debates. Há aqueles que enfatizam a crítica
desenvolvida por Marx aos direitos humanos e concluem que o mesmo rejeite
por completo os direitos democráticos como o sufrágio, o direito de associação,
as liberdades civis e até mesmo os diretos trabalhistas. De forma oposta, outros
destacam a defesa dos aspectos progressistas desses direitos, também indicados
na reflexão marxiana, e defendem a conquista e ampliação gradativas dos direi-
tos humanos como um caminho para a sociedade comunista.
O recurso ao conjunto das obras produzidas por Marx parece trilhar cami-
nho distinto às duas perspectivas ao identificar tanto o progresso dos direitos
humanos e seu arcabouço jurídico como também os seus grandes limites para
efetivação de uma verdadeira democracia e emancipação humana. Em sua crí-
tica aos direitos humanos, Marx demonstrou a função que os mesmos desem-
penham na legitimação da dominação burguesa e na difusão de uma ideologia
jurídica, sem amparo na realidade, de uma suposta condição de igualdade e
liberdade entre os cidadãos fundada nos direitos humanos.
Os Estados modernos se constituíram na luta da burguesia contra os privilé-
ESTADO, DIREITO E MARXISMO

gios do Antigo Regime. A ideia de igualdade e liberdade humana se contrapunha à


servidão feudal e aos governos aristocráticos. As declarações de direitos dos homens
assumiram assim função unificadora nas revoluções burguesas como horizonte po-
lítico, porém insuficientes para garantir uma verdadeira emancipação humana.

Nenhum dos assim chamados direitos humanos transcende o homem egoís-


ta, o homem como membro da sociedade burguesa, a saber, como indivíduo
recolhido ao seu interesse privado e ao seu capricho privado e separado da
comunidade. (MARX, 2010 p. 50)

Esse homem, o membro da sociedade burguesa, passa a ser a base, o pressu-


posto do Estado político. Este o reconhece como tal nos direitos humanos.
(MARX, 2010, p. 52)

Aproveitando-se de polêmica com o texto do Bruno Bauer sobre a questão


judaica, Marx afirmou que os direitos humanos são os elos jurídicos que ligam
os indivíduos da sociedade burguesa ao Estado político ao mesmo tempo em
que permanecem separados dos demais membros da comunidade.9
30
Desse modo, ratificando o reconhecimento das diferenças materiais exis-
tentes entre os indivíduos em sociedade, Marx identifica nos direitos humanos
uma abstração irreal que pressupõe uma igualdade e liberdade inexistentes en-
tre os seres humanos nas sociedades capitalistas modernas.
Os cidadãos, que eram declarados livres pelo direito, encontravam-se então,
na vida real, presos por condições sociais adversas. Desse modo, a crença na efe-
tividade dos direitos humanos nos Estados políticos modernos substituía, para
Marx, a crença dogmática da religião nos Estados do Antigo Regime. O direito
ocupara nas sociedades capitalistas modernas, na perspectiva marxiana, a função
que a teologia desempenhava nas sociedades feudais como justificativa para per-
sistência das desigualdades entre os homens. A crítica então deveria ir além da já
realizada por Feuerbach em relação à religião. Por isso, Marx afirma que a crítica
da teologia deveria ser substituída pela crítica do direito, ou seja, “a crítica do céu
transforma-se assim, em crítica da terra, a crítica da religião em crítica do direito,
a crítica da teologia em crítica da política” (MARX, 2013, p. 26).

9 Marx responde ao texto de Bruno Bauer sobre a questão judaica e contesta o argumento que os
judeus deveriam abdicar da sua religião para obterem o reconhecimento da sua cidadania estatal. Ao
contrário, Marx rejeita essa exigência e aprofunda sua crítica sobre os direitos humanos e a cidadania
dos Estados modernos (MARX, 2010).
O Estado e o Direito em Marx

Há, portanto, para Marx, uma nova dualidade entre a vida “egoísta na
sociedade burguesa” e “a vida na comunidade política”. Assim como havia uma
dualidade entre a “vida terrena” e a “vida celestial” no Antigo Regime, os ho-
mens continuavam condicionados a uma “vida dupla” nas sociedades capitalis-
tas, pois “a relação entre o Estado político e a sociedade burguesa é tão espiri-
tualista quanto a relação entre o céu e a terra” (MARX, 2010, p. 40, 45 e 53).
O Estado político surgido na modernidade, com as revoluções burguesas,
assentava sua legitimidade na presunção do tratamento igualitário dispensado
aos seus cidadãos. Marx rejeitou essa associação entre Estado e interesse públi-
co, como também criticou a noção de cidadania, de igualdade jurídica e dos
direitos humanos ao apontar seus limites evidentes.

O Estado anula à sua maneira a diferenciação por nascimento, estamento,


formação e atividade laboral ao declarar nascimento, estamento, formação e
atividade laboral como diferenças apolíticas, ao proclamar cada membro do
povo, sem consideração dessas diferenças, como participante igualitário da
soberania nacional, ao tratar todos elementos da vida real de um povo a partir
do ponto de vista do Estado. (MARX, 2010, p. 40) 31

No Estado, em contrapartida, no qual o homem equivale a um ente genérico,


ele é o membro imaginário de uma soberania fictícia, tendo sido privado de
sua vida individual real e preenchido com uma universalidade irreal. (MARX,
2010, p. 41 e 42)

Desse modo contundente, Marx aponta para as diferenças reais existentes


entre os indivíduos em sociedade e como o direito as ignora ao estabelecer uma
subjetividade jurídica que pressupõe uma igualdade de tratamento da lei e do
Estado em relação aos seus cidadãos.10
Em carta endereçada a Wilhelm Bracke, Marx compreende que a abstra-
ção irreal da igualdade entre pessoas no direito burguês, longe de garantir uma

10 Emir Sader explicita assim a subjetividade jurídica burguesa constituída a partir dos direitos
humanos: “A separação característica ao capitalismo, entre proprietários dos meios de produção e
vendedores da força de trabalho, requisita, como condição de sua existência, relações jurídicas que
tomem, a uns e a outros, como indivíduos livres e iguais, bem como solicitem politicamente rela-
ções entre produtores diretos e apropriadores de mais-valor, sob a forma dissimulada de cidadãos"
(SADER, 2014, p. 23).
ESTADO, DIREITO E MARXISMO

forma de justiça, consolida as condições materiais de injustiça que são expres-


sões da exploração promovida pelo modo de produção capitalista. Por isso, o
“direito, por sua natureza, só pode consistir na aplicação de um padrão igual
de medida (...) A fim de evitar todas essas distorções, o direito teria de ser não
igual, mas antes desigual” (MARX, 2012, p. 31).
Entre os direitos humanos, Marx destaca o direito à propriedade privada
como um direito que reforçava a desigualdade real entre os cidadãos na socieda-
de burguesa. Com a existência do direito à propriedade privada, se estabelecia
também a contradição permanente entre classes proprietárias e não-proprietá-
rias que não podiam possuir interesses idênticos.

A Constituição é, aqui, portanto, constituição da propriedade privada. (...) A


propriedade privada é a categoria universal, o liame universal do Estado. Mes-
mo as funções universais aparecem como propriedade privada, seja de uma
corporação, seja de um estamento. (MARX, 2013, p. 130)

No Capital, Marx aprofunda a sua crítica aos direitos humanos elaborada


32 em Sobre a questão judaica ao descrever igualmente o direito à propriedade
privada, no capitalismo, como “a primeira negação da propriedade privada in-
dividual, fundada no trabalho próprio” (MARX, 2017, p. 832 e 833).
Dessa forma, Marx despe o direito à propriedade privada dos seus últimos
resquícios de justificação jusnaturalista para inseri-lo historicamente no con-
fronto da luta de classes. O direito de propriedade capitalista afrontaria o direi-
to do trabalhador à propriedade do seu próprio trabalho. Desse modo, Marx
afirma ironicamente que, para os capitalistas, “o direito à igual exploração da
força de trabalho” seria “o primeiro direito humano do capital” (MARX, 2017,
p. 353 e 364).
O direito à propriedade privada, protegido pelo Estado político, aparece,
então, não como garantidor da liberdade humana, mas, ao contrário, como um
obstáculo a sua plena realização, pois coloca os homens em situação de oposi-
ção e, como tal, como uma ameaça hostil uns aos outros.
A desigualdade social, como uma das maiores expressões da exploração
dos trabalhadores a partir da propriedade privada dos meios de produção, gera
uma instabilidade social com ameaças, coletivas e individuais aos grandes pro-
prietários capitalistas. A manutenção da segurança e da ordem pública torna-se
objetivo primordial do direito e das instituições estatais.
O Estado e o Direito em Marx

A segurança é o conceito supremo da sociedade burguesa, o conceito da polí-


cia, no sentido de que o conjunto da sociedade só existe para garantir a cada
um de seus membros a conservação de sua pessoa. (MARX, 2010, p. 50)

A noção de segurança ampara-se nos direitos humanos à vida, à proprie-


dade, à liberdade entre outros que aparecem como direitos individuais que
cada cidadão precisa opor aos demais para sua sobrevivência. Os direitos hu-
manos seriam então imprescindíveis para manutenção da sociedade. O Estado
político e os seus meios repressivos surgem como os garantidores da unidade
e da harmonia da sociedade e de seus membros que estão permanentemente
em potencial conflito. Não por acaso, na filosofia política burguesa contratu-
alista, garantir a ordem e a segurança é o objetivo fundante da existência da
comunidade política.
Marx invertia assim as conclusões de contratualistas como Hobbes e Lo-
cke, e até mesmo de Rousseau, de quem compartilhava a crítica à propriedade
e à desigualdade social. O Estado não era, assim, a instituição unificadora res-
ponsável por manter a paz na sociedade e pôr fim à guerra constante do homem 33
contra o homem. Ao contrário, o homo homini lúpus hobbesiano era assegurado
pelo Estado que mantinha, com violência, as contradições e desigualdades so-
ciais latentes sem que pudessem ser apaziguadas e resolvidas por uma síntese
revolucionária realmente pacificadora.
Nesse mesmo sentido, o direito então não existia para possibilitar a harmo-
nia da vida em sociedade, mas, ao contrário, os direitos humanos eram o pilar
de sustentação da manutenção do conflito permanente entre os homens. Os
homens não estariam fadados a viver uns contra os outros pela suposta natureza
humana hostil como pressupunha Hobbes. Como Rousseau, Marx acreditava
que os homens livres poderiam viver em harmonia. Marx considerava ainda
que as causas da hostilidade dos homens não estavam na sua natureza, mas, sim,
no modo de organização da produção na sociedade.
Os limites dos direitos humanos ficam então evidenciados por Marx que,
embora reconheça neles a superação do sistema estatal feudal de privilégios, não
vislumbra nos mesmos o cumprimento da sua promessa de liberdade, igualda-
de e fraternidade entre os seres humanos, pois a “a emancipação política ainda
não constitui o modo já efetuado, isento de contradições, da emancipação hu-
mana (MARX, 2010, p. 38).
ESTADO, DIREITO E MARXISMO

A distinção entre emancipação política e emancipação humana sublinhada


por Marx demarca os limites dos direitos humanos para o filósofo o que tam-
bém parece desautorizar interpretações no sentido que a inclusão dos direitos
humanos nas cartas constitucionais dos países capitalistas mais desenvolvidos
poderia significar, para ele, um caminho para uma sociedade realmente eman-
cipada ou comunista.
O Estado político moderno e seus direitos humanos foram resultados da
emancipação política com o fim dos privilégios feudais, realizada pela revolução
burguesa, mas, não, a superação definitiva das amarras materiais que impediam
o livre desenvolvimento da humanidade.

A emancipação política de fato representa um grande progresso; não chega a


ser a forma definitiva da emancipação humana em geral, mas constitui a forma
definitiva da emancipação humana dentro da ordem mundial vigente até aqui.
(MARX, 2010, p. 41)

A crítica contundente aos limites dos direitos humanos não significou,


34 portanto, a sua rejeição por Marx, que os reconheceu expressamente na eman-
cipação política como “um grande progresso”. Os seus textos posteriores não
parecem apontar para uma mudança de opinião quanto ao tema, pois a crítica
e os limites apontados por ele, e aqui mencionados anteriormente, já estavam
inclusive presentes, visto que a emancipação política não seria a emancipação
humana “definitiva”, mas seria aquela possível “dentro da ordem mundial vi-
gente”. Portanto, uma interpretação que oponha a emancipação humana à
emancipação política, como se esta última fosse irrelevante, também não parece
guardar coerência com a filosofia política marxiana.11

11 Ralph Miliband observa que a “emancipação política, pelo que ele entendia a consecução dos di-
reitos civis, ampliação do sufrágio, instituições representativas, restrições do governo monárquico, e
diminuição do poder estatal arbitrário em geral, não deveria ser de maneira nenhuma desdenhada.
(...) A ênfase do próprio Marx é significativa: ele realça um dos principais temas do marxismo, isto
é, que o de que a emancipação humana jamais pode ser conseguida apenas no reino político, mas
exige a transformação revolucionária da ordem econômica e social” (MILIBAND, 1979, p. 17).
No mesmo sentido, Carlos Nelson Coutinho afirmou que “caberia registrar, de passagem, contra
umas leituras apressadas, que, ao propor a “emancipação humana” ou comunismo, Marx não está
se opondo aos chamados “direitos dos homens” ou “emancipação política”, mas sugerindo que
eles devem ser dialeticamente conservados-superados através de uma forma de emancipação (de
cidadania) ainda mais radical” (COUTINHO, 2011, p. 62).
O Estado e o Direito em Marx

Estado político: a política como expressão da violência

Para compreensão da teoria política marxiana, parece fundamental tam-


bém identificarmos como Marx analisava a violência e, principalmente, como a
mesma se inseria na sua compreensão do fenômeno jurídico estatal.
O conceito de violência em Marx ocupa função de destaque na sua teoria
política, pois a violência aparece ao longo de toda sua extensa obra como ele-
mento intrínseco às sociedades até então e um fator constante no movimento
histórico. A violência perpassaria as relações sociais, pois os modos de produção
que dividiam as classes numa relação de exploração entre elas constituíam por
si só uma forma de violência. No capitalismo, por exemplo, Marx considerou
que “a coerção muda exercida pelas relações econômicas sela o domínio do ca-
pitalista sobre o trabalhador” (MARX, 2017, p. 808 e 821).
A filosofia política marxiana se opôs, portanto, à crença fundamental da
teoria política moderna na qual a violência se deslocou da sociedade para o
Estado como forma de assegurar a paz entre os membros da sociedade através
do seu uso racional, organizado, centralizado e legitimo pelo aparelho estatal.
Marx, ao contrário, aponta a permanência da violência na sociedade civil e 35

identifica no Estado político sua vinculação com a manutenção da violência


entre os membros da sociedade. Os seres humanos não apenas não estariam em
harmonia na sociedade como o Estado político seria um dos principais instru-
mentos dessa guerra constante entre seus cidadãos.
Desse modo, destacou a organização econômica das sociedades, com a sua
divisão pelo modo de produção em classes distintas, como uma espécie de vio-
lência, sendo a forma jurídica também uma expressão decorrente dessa mesma
violência. O exercício do poder político corresponderia assim ao “poder orga-
nizado de uma classe para opressão de outra” (MARX; ENGELS, 2007, p. 58).
A inflexão materialista de Marx afetou significativamente sua concepção
de política, que deixou o plano idealista hegeliano do desenvolvimento racio-
nal do espírito humano para se apresentar no plano da existência material das
formas de organização da sociedade. A história para Marx não se confundia
então com a história das ideias políticas, mas, sim, como destacou, “a histó-
ria de todas as sociedades até hoje existentes é a história da luta de classes”
(MARX; ENGELS, 2010, p. 40).
A política se desenvolveu histórica e materialmente dentro desse âmbito de
violência, econômica e jurídica, do modo de produção que opõe as classes explo-
ESTADO, DIREITO E MARXISMO

radas às exploradoras. Neste sentido, a política corresponde à disputa entre os in-


teresses distintos na sociedade e confunde-se então com a própria luta de classes,
pois “toda luta de classes é uma luta política” (MARX; ENGELS, 2007, p. 48).
Desse modo, o exercício da política não tinha como deixar de ser violento,
pois, se a luta de classes é uma luta violenta e se a luta de classes é uma luta polí-
tica, a luta política também é violenta nessas circunstâncias históricas e sociais.12
Não obstante as ressalvas quanto às comunidades primitivas, a mudança
política nas sociedades entre as classes, para Marx, ocorreu a partir da luta polí-
tica e violenta entre as classes. Por isso, atribuiu à violência um papel relevante
no desenvolvimento histórico ao afirmar que a “violência é parteira de toda so-
ciedade velha que está prenhe de uma sociedade nova” (MARX, 2017, p. 821).
Conclui-se então que, nas sociedades de classes, a política se encontra
associada inevitavelmente à violência. O fenômeno do surgimento do Estado
está também entrelaçado, na teoria política marxiana, à violência e à domi-
nação de classe, sendo aquela expressão desta. Não por acaso, Marx chega a
definir o Estado como a “violência concentrada e organizada da sociedade”
(MARX, 2017, p. 821).
36 É importante ressaltar que Marx ao se referir ao aparato que se impõe so-
bre toda a sociedade, como a administração, o exército, o judiciário e a polícia,
utilizava a expressão “Estado político”.13 Este Estado político se contrapunha ao
“Estado não político”, ou seja, o Estado real e concretum constituído pelo povo,
família e as corporações da sociedade civil (MARX, 2013, p. 82).
A constituição e o direito são meios pelos quais o Estado político se im-
põem através da coerção sobre o Estado não político. Como Marx considera a

12 Ralph Miliband destacou que as noções de dominação e conflito estão no cerne da teoria polí-
tica marxista, pois “dominação e conflito são inerentes a sociedades com classes”. A ordem social,
diante da instabilidade dos conflitos permanentes de uma sociedade de classes, seria mantida pela
violência, pois “em última instância a estabilidade não é uma questão de razão, mas de força”. Por
isso, segundo Miliband, Marx e Engels então “representaram a política como a articulação específi-
ca da luta de classes” e o direito como a “forma cristalizada que a política assume ao dar à necessária
sanção e legitimação a todas as formas de dominação” (MILIBAND, 1979, p. 22 a 24).
13 Pogrebinschi destacou que “sempre que Marx se refere à política, refere-se ao Estado moderno
que, por sua vez, é frequentemente qualificado por ele como “Estado político” (politishche Staat).
(...) A qualificação pelo adjetivo marca, portanto, um significado intencional: a política diz res-
peito ao Estado (de modo que é político aquilo que a ele se refere)” (POGREBINSCHI, 2009,
p. 30 e 31). No desenvolvimento deste capítulo ficará evidente que optamos por uma hipótese
um pouco distinta na qual o adjetivo “político” é empregado por Marx para designar o exercício
do poder coercitivo na dominação organizada de classes e, assim, a diferenciação com o Estado
“não-político”, ou seja, a sociedade civil.
O Estado e o Direito em Marx

violência, e a política dela advinda, como a principal característica dos Estados


nas sociedades de classes, é possível compreender a distinção entre Estado po-
lítico e Estado não político, ou real, na teoria política marxiana.14
Esse descolamento do aparato repressivo da sociedade, que constituiria o
Estado político, como centralizador e organizador da violência, seria fenômeno
decorrente e característico das sociedades divididas em classes antagônicas. O
Estado político nas sociedades capitalistas se expande, então, para aumentar sua
capacidade de controlar e tutelar a vida na sociedade civil.

(...) Estado enreda, controla, disciplina, vigia e tutela desde as mais abran-
gentes manifestações de vida da sociedade civil até os seus movimentos
mais insignificantes, desde os seus modos de existência mais universais até
a existência privada dos indivíduos, em que esse corpo de parasitas adqui-
re, em virtude de sua extraordinária centralização, um grau de onipresen-
ça, de onisciência, de acelerada capacidade de movimento e de reação (...)
(MARX, 2011, p. 76 e 77)

A enorme expansão do número de funcionário estatais e a centralização 37


surgem, então, como uma das principais características, percebidas por Marx
nos Estados modernos. Marx destaca o expressivo número de 500 mil funcio-
nários estatais e seus mais de 1,5 milhões de dependentes que tornam o Poder
Executivo francês elemento essencial na relação entre Estado e sociedade civil
(MARX, 2011, p. 44).
Essa compreensão do Estado político moderno, com essas características
de centralização e funções de controle e disciplina, parece acompanhar Marx
em toda sua trajetória e produção intelectual. Portanto, a teoria política mar-
xiana realiza uma inédita crítica ao Estado político moderno ao despi-lo da sua
legitimidade democrática e das suas pretensas ilusões de guardião do interesse
público e da paz social. A crítica marxiana à política e aos Estados modernos
possui, assim, como horizonte a superação da violência da política e o desman-
telamento do Estado político.

14 Umberto Cerroni observa essa contradição entre Estado e sociedade civil na teoria política mar-
xiana da seguinte forma: “Nas obras de juventude de Marx aflora com insistência um interessante
tema de teoria política que parece ir perdendo cada vez mais força, mas que se julga possível recu-
perar. Trata-se de um tema que Marx resume na contraposição à sociedade política abstrata de uma
sociedade política real” (CERRONI, 1976, p. 51).
ESTADO, DIREITO E MARXISMO

Democracia, ditadura e a comunidade sem Estado Político

A identificação entre política, Estado e violência realizada na teoria política


marxiana foi interpretada e denunciada por muitos críticos como um elogio
à violência e ao Estado ditatorial assim como um desprezo pela democracia e
pelos direitos humanos.
Essa interpretação se difundiu largamente ao final do século XX com a
crise dos Estados pós-revolucionários que reivindicavam o marxismo e o co-
munismo como inspiração. O recrudescimento do Estado político, do autori-
tarismo, do aparato repressivo e da burocracia estatal em muitos desses países,
que reivindicavam o socialismo, foi campo fértil para a crítica burguesa que
associava o comunismo ao Estado ditatorial e o capitalismo ao Estado de Di-
reito, aos direitos humanos e a democracia. A permanência hegemônica dessa
interpretação é certamente uma das razões para a crise atual do comunismo e
imbróglio ideológico e teórico ainda não bem resolvido.
Contudo, esse debate sobre a forma como a questão do Estado e da ditadura
se apresentaram no transcorrer da trajetória política e intelectual de Karl Marx
38 remete a período anterior à crise dos Estados pós revolucionários. A disputa entre
anarquistas e marxistas na I Associação Internacional de Trabalhadores já tinha no
papel do Estado um tema central. Bakunin publicou brochura cujo argumento
central seria demonstrar o “estatismo” autoritário da filosofia política marxiana.15
A análise da trajetória e produção intelectual e política de Marx, porém, não
permite tais conclusões. O reconhecimento do caráter violento das sociedades, da
política e do Estado, ao longo do processo histórico marcado pela luta de classes,
não se confunde com a resignação diante dessa violência ou, menos ainda, com a
defesa da mesma como um fim a ser almejado. Na sociedade comunista desejada
por Marx, não haveria violência, Estado político e até mesmo política na acepção
que assume nas sociedades modernas como luta entre classes antagônicas.

(...) assim que as funções deixarem de ser políticas: 1) não haverá nenhuma
função governamental; 2) a repartição das funções gerais se tornará uma ques-
tão técnica-administrativa, que não outorga nenhum domínio; 3) a eleição não

15 Mikhail Bakunin publicou o texto “Estatismo e anarquia” contra o qual Marx produziu um
resumo crítico no qual refutava as acusações contra ele, procurava se diferenciar da concepção de
Estado defendida por Lassalle e, também, explicar categorias importantes para tais diferenciações
como a de “ditadura do proletariado” (MARX, 2012, p. 105 a 119).
O Estado e o Direito em Marx

terá nada de seu atual caráter político. (...). Na propriedade coletiva, a cha-
mada vontade popular desaparece e dá lugar à vontade efetiva da cooperativa.
(MARX, 2012, p. 114)

Na resposta a Bakunin, Marx reafirmou que, com o comunismo e o fim da


divisão da sociedade em classes, a política perderia seu sentido de dominação
presente no capitalismo. Desse modo, as eleições e as funções de governo, os
meios de governo, deixariam de possuir o caráter político coercitivo e são subs-
tituídas por uma repartição técnico-administrativa das atividades.
O fim do direito à propriedade privada dos meios de produção e a adoção
da propriedade coletiva levaria ao fim da cisão da sociedade em classes e, por
conseguinte, dos interesses de classe com o surgimento de uma “vontade efetiva
da cooperativa” no seu lugar. Sem a existência da divisão da sociedade de clas-
ses, a política, o governo e as eleições assumiriam formas totalmente distintas
daquelas conhecidas nas sociedades capitalistas. A política, na atual acepção de
exercício da força, não mais existiria nas sociedades comunistas futuras.
Portanto, o próprio Estado também não existiria como Estado político, ou
seja, como poder concentrado de dominação de classe nas sociedades capita- 39
listas, pois, como concluiu Marx, “se a dominação de classe desaparecer e não
houver Estado em sentido político atual”, não haverá, como acusava Bakunin,
governo e dominação entre governantes e escravos (MARX, 2012, p. 114).
A concepção de democracia em Marx é distinta daquela formulada pela
teoria política liberal que associou a democracia ao denominado Estado De-
mocrático de Direito e seus direitos humanos. Como já ressalvado, Marx não
corrobora a perspectiva que os direitos humanos e o Estado político sejam pres-
supostos da democracia. Ao contrário, Marx afirmou que “na verdadeira demo-
cracia o Estado político desaparece” (MARX, 2013, p. 57).
A democracia aparece, então, para Marx em oposição a própria exis-
tência do Estado moderno que se justificava justamente pelas contradições
e desigualdades sociais que uma verdadeira democracia deveria suprimir. A
existência do Estado político demonstraria a inexistência da democracia e não
o contrário.16

16 Carlos Nelson Coutinho destaca que “na formulação de Marx e Engels, o comunismo não é o
oposto de democracia – como se compraz em afirmar até hoje o liberalismo, o qual, de resto, ao
longo de suas muitas metamorfoses, quase sempre se opôs à efetiva democracia –, mas sim a sua
completa realização” (COUTINHO, 2011, p. 69).
ESTADO, DIREITO E MARXISMO

A democracia somente seria possível com o fim dos antagonismos decor-


rentes da divisão da sociedade de classes, pois o Estado político corresponderia
ao exercício do poder em proveito das minorias. Ao contrário, o caminho para
verdadeira democracia passaria por um primeiro momento no qual a maioria –
os trabalhadores – exerceria o poder político e, depois, pelo fim da existência de
minorias e maiorias sociais de classes.
O exercício do poder político pela minoria, como nas sociedades capita-
listas, exige evidentemente um fortalecimento do aparato do Estado político.
Ao contrário, o poder político exercido pela maioria, deveria significar uma
diminuição do aparato do Estado político em especial do repressivo. Portanto,
a assunção do proletariado à direção do Estado político também deveria ser
acompanhada da diminuição dos seus aparelhos estatais, pois o movimento
proletário era identificado como “o movimento autônomo da imensa maioria
em proveito da imensa maioria” (MARX, 2010, p. 50).
Contudo, a teoria política marxiana vai além de associar a democracia ao
exercício da vontade da maioria sobre a minoria. O uso da força, mesmo no
exercício do poder pela maioria, não deixa de ser considerado como uma vio-
40 lência, ainda distante da concepção democrática. Para Marx, uma verdadeira
democracia precisaria acabar com as divisões permanentes em maiorias e mino-
rias, fundadas nas classes sociais, pois a democracia seria “a verdadeira unidade
do universal e do particular” (MARX, 2013, p. 56).
Essa concepção democrática radical revelou-se então na compreensão do
caráter autoritário e violento do Estado político, mesmo quando a serviço da
maioria social, ou seja, do proletariado. Para Marx, a democracia, seja ela bur-
guesa ou proletária, seria uma falsa ou inacabada democracia, pois, correspon-
deria, de fato, a uma ditadura de classe.17
A categoria da ditadura do proletariado utilizada pela teoria política mar-
xiana deve ser então entendida a partir dessa perspectiva.

Entre a sociedade capitalista e a comunista, situa-se um período de transfor-


mação revolucionária de uma a outra. A ele também corresponde um período

17 Balibar afirma que “para a teoria marxista do Estado, em que se investe um ponto de vista de
classe diametralmente oposto ao da ideologia jurídica burguesa, toda a democracia é uma ditadura
de classe. A democracia burguesa é uma ditadura de classe, ditadura da minoria dos exploradores,
a democracia proletária é também uma ditadura de classe, da imensa maioria dos trabalhadores e
dos explorados” (BALIBAR, 1977, p. 51).
O Estado e o Direito em Marx

político de transição, cujo Estado não pode ser senão a ditadura revolucionária
do proletariado. (MARX, 2012, p. 43)

O conceito de ditadura do proletariado, ao contrário do que muitas


interpretações apregoam, não significa uma defesa da manutenção da vio-
lência pelo proletariado. Em sentido oposto, o conceito aponta para uma
concepção alargada de democracia ao enfatizar os limites do próprio Estado
político que, mesmo sob a direção de uma maioria proletária, também não
seria democrático. Marx, ao destacar a violência presente na ditadura do
proletariado, está rejeitando o Estado político como um fim e ressaltando a
necessidade de sua superação.18
Marx apenas não parece crer na possibilidade do desvanecimento da vio-
lência em sociedades marcadas pela divisão em classes e pela exploração entre
seres humanos. A violência, portanto, somente poderia ser suprimida com a
supressão da divisão presente na própria sociedade. Não bastaria abolir o Esta-
do para pôr fim à violência e tão pouco a tomada do poder estatal pela maioria
significaria por si só o término da violência. Ao contrário, abolir a violência
como forma de organização social seria um pressuposto da abolição do próprio 41
Estado político. O comunismo como objetivo seria a abolição da divisão da
sociedade em classes e, com isso, da violência e do seu Estado político. Por isso,
Marx foi enfático na defesa do desmantelamento da máquina estatal.

Todas as revoluções somente aperfeiçoaram a máquina ao invés de quebrá-la.


Os partidos que lutaram alternadamente pelo poder consideraram a tomada
de posse desse monstruoso edifício estatal como parte do leão dos despojos do
vencedor. (MARX, 2011, p. 141)

Desse modo, em consonância com a perspectiva comunista, Marx aponta


que o objetivo da revolução protagonizada pelo proletariado deve ser o de in-
verter o movimento de ampliação do aparato estatal. Ao contrário de um senso
comum formado após as revoluções sociais do século XX e as experiências dos
Estados ditos socialistas e a defesa reformista da eternização do Estado políti-

18 Pogrebinschi, neste sentido, desenvolve sua hipótese: “A ideia de ditadura do proletariado será
igualmente examinada de modo a esclarecer que não implica um prolongamento do Estado e
suas funções, mas sim uma etapa constante do processo de seu desvanecimento” (POGREBINS-
CHI, 2009, p. 38).
ESTADO, DIREITO E MARXISMO

co19, a teoria política marxiana pressupõe o desmantelamento do Estado e a


superação do direito como horizonte societário.

Numa fase superior da sociedade comunista (...); quando, juntamente com o


desenvolvimento multifacetado dos indivíduos, suas forças produtivas tam-
bém tiverem crescido e todas as fontes de riqueza coletiva jorrarem em abun-
dância, apenas então o estreito horizonte jurídico burguês poderá ser plena-
mente superado e a sociedade poderá escrever em sua bandeira: “De cada um
segundo suas capacidades, a cada um segundo suas necessidades! (MARX,
2012, p. 31 e 32)

Evidente então a posição marxiana no sentido da superação da forma do di-


reito, do Estado político e do seu aparato como meio de organização e dominação
social. Desse modo, Marx expressamente enfatizou que, na revolução proletária,
a máquina do Estado político deveria ser quebrada e não tomada e aperfeiçoada.
Reconhecer a violência do Estado político e a necessidade de sua extinção
para uma emancipação humana verdadeira não se confunde, porém, com igno-
42 rar a permanência da violência e do Estado político no período revolucionário
de transição. Desse modo, apesar de muitas interpretações também neste senti-
do, a ideia da extinção do Estado político sem um período de transição parece
alheia a teoria política marxiana.20

19 Carlos Nelson Coutinho critica essa perspectiva “revisionista” do marxismo, pois “ao combina-
rem essa percepção do novo com o abandono das velhas determinações coercitivas e classistas do
fenômeno estatal (uma combinação estranha, como vimos, ao último Engels), Bernstein e Kautsky
chegaram, a partir de uma equivocada identificação entre liberalismo e democracia, a conceber o
que Engels chamou de “república democrática” como algo formado apenas por um conjunto de
regras jurídico-procedimentais socialmente “neutra”, o que faria dessa república um Estado acima
das classes” (COUTINHO, 2008, p. 29).
20 São muitos os autores que defendem atualmente a ideia, que supostamente estaria presente na
teoria política marxiana, da revolução como extinção imediata do Estado político: “Como espero
que fique esclarecido no próximo capítulo, a obra de maturidade de Marx é o principal testemunho
de que o Estado precisa ser extinto em sua inteireza com a revolução, não devendo o proletariado
utilizá-lo nem mesmo como meio para servir à organização da nova ordem social comunista. Dito
de outro modo, a revolução e o fim do Estado configuram um ato contínuo e único, não sendo
apropriado falar-se, portanto, em um Estado proletário.” (POGREBINSCHI, 2009, p. 65). Igual-
mente, Mascaro escreve que “Marx diz que a classe que controla o Estado não necessariamente lhe
dá o talhe estrutural nem o muda (...) Muitos dizem que, se o pobre pegar o Estado na mão, então o
Estado será a favor do pobre, ou, se os trabalhadores dominarem o Estado, então a sociedade será em
prol dos trabalhadores. Mas o que Marx ensina é que a sociedade continuaria a mesma, nós só mu-
daríamos seu administrador” (MASCARO, 2015, p. 19 e 20). Naves destaca a forma estatal como
O Estado e o Direito em Marx

Na filosofia marxiana e, podemos acrescentar na análise histórica, não se


encontram hipóteses ou exemplos que possibilitem vislumbrar uma passagem
de uma sociedade de classes, portanto violenta, para uma sociedade sem classes
sem que haja um período de transição no qual a violência ainda será um fator
marcante. Marx acreditava que a política moderna constituía uma violenta luta
de classes que não podia ser substituída sem um processo revolucionário.

(...) enquanto as outras classes, especialmente a capitalista, ainda existirem,


enquanto o proletariado lutar contra elas (pois com seu poder de governo seus
inimigos são dados, e a velha organização da sociedade ainda não desapareceu),
ele tem de aplicar meios violentos, portanto, meios de governo; enquanto ele
próprio ainda for classe e as condições econômicas sobre as quais repousa a
luta de classes ainda não tiverem desaparecido e tiverem de ser violentamente
extirpadas do caminho ou transformadas, seu processo de transformação será
acelerado por meios violentos. (MARX, 2012, p. 111)

A chegada ao poder do proletariado não teria então o condão de extirpar a


violência imediatamente da sociedade. Ao contrário, Marx considerava que os pró- 43
prios “meios de governo” da maioria social, o proletariado, não deixariam de ser
“meios violentos”. Os elementos contraditórios do Estado político e do direito, que
refletem as contradições entre as classes no modo de produção, permanecerão na
transição até se transformarem assim como a relação de classes. Enquanto houver
classes sociais distintas, haverá violência, direito e Estado político de classes.21

inevitavelmente burguesa: “A rigor, o que Marx descura, no Manifesto, quando analisa a questão do
Estado depois da revolução, é a questão da forma, prendendo-se exclusivamente ao conteúdo clas-
sista do aparelho de Estado, de modo que ali não está colocada a questão que ele elucidará depois,
de que a própria forma do Estado tem uma natureza de classe, não sendo possível à classe operária
utilizar o Estado burguês para o exercício de seu domínio político” (NAVES, 2014, p. 26). Neste
capítulo, desenvolvemos hipótese contrária a essa perspectiva, ou seja, no sentido que a forma estatal
não possui uma natureza inata, mas, sim, está ligada ao exercício da violência e do domínio histórico
de uma classe sobre a outra, inclusive não necessariamente da burguesia.
21 Balibar destaca a impossibilidade de se eliminar imediatamente as contradições da sociedade de
classes: “imaginar um modo de produção socialista autônomo, distinto ao mesmo tempo do modo
de produção socialista e do comunismo, é, imaginar de maneira utópica que se pode passar imedia-
tamente do capitalismo para a sociedade sem classes, ou imaginar que podem existir classes sem luta
de classes, existir relações de classes sem antagonismos. E a raiz comum dessas utopias é geralmente a
confusão entre as relações de produção, no sentido marxista do termo, relações dos homens com os
meios materiais de produção no trabalho produtivo, com simples relações de propriedade jurídica, ou
ainda relações de distribuição dos rendimentos, de distribuição do produto social entre os indivíduos e
as classes, reguladas pelo direito” (BALIBAR, 1977, p. 129).
ESTADO, DIREITO E MARXISMO

A extinção do Estado político e do direito, na acepção que assume nas


sociedades capitalistas, será resultante desse processo de extinção das classes
sociais que se realizará dialeticamente, entre Estado político e sociedade civil,
com a chegada do proletariado ao poder. Por isso, Marx insistiu na metáfora do
“trabalho de parto” na qual a sociedade comunista nasce da sociedade capitalis-
ta e é, assim, herdeiro das suas características.

(...) essas distorções são inevitáveis na primeira fase da sociedade comunista,


tal como ela surge, depois de longo trabalho de parto, da sociedade capitalista.
O direito nunca pode ultrapassar a forma econômica e o desenvolvimento
cultural, por ela condicionado da sociedade. (MARX, 2012, p. 31)

A centralização da produção, a ampliação da produtividade, a formação


de uma classe proletária numerosa, o crescente antagonismo entre Estado e
sociedade civil, o recrudescimento da máquina do Estado e o necrosamento
dos direitos individuais e das liberdades civis seriam elementos capazes de im-
pulsionar o processo revolucionário. Permaneceriam, porém, presentes durante
44 a transição para uma sociedade comunista na qual finalmente haveria uma sín-
tese da contradição que eles engendram.
O conceito de ditadura do proletariado revela um momento de transição
política no qual a violência da divisão e luta de classes permanece presente e
o Estado político agora exerce sua coerção contra a burguesia e em favor do
proletariado.
Desse modo, durante a transição para o comunismo, o Estado político e
seus meios violentos de governo permaneceriam atuando de forma coercitiva e,
na medida em que a divisão da sociedade em classes fosse se atenuando, o Esta-
do político se dissolveria. Portanto, o Estado político de transição, para Marx,
seria instrumento de violência da classe operária contra a burguesia.22 Ainda
respondendo a Bakunin que questionara a manutenção do Estado e do pro-
letariado como classe dominante, Marx reafirmou a defesa do uso “dos meios
comuns de coerção” pelo proletariado contra as “classes economicamente privi-

22 Balibar assim enfatiza: “As formas de Estados burgueses são extremamente variadas, mas a sua
essência é uma: em última análise, todos esses Estados são, de uma maneira ou doutra, mas neces-
sariamente, uma ditadura da burguesia. A passagem do capitalismo ao comunismo não pode evi-
dentemente deixar de fornecer uma grande abundância e uma larga diversidade de formas políticas,
mas a sua essência será necessariamente uma: a ditadura do proletariado” (BALIBAR, 1977, p. 218).
O Estado e o Direito em Marx

legiadas” e enfatizou ainda que o fim da coerção estatal apenas ocorreria com o
término da própria dominação de classe (MARX, 2012, p. 113).
Marx foi explícito na defesa da manutenção da coerção estatal pelo prole-
tariado, organizado em classe dominante, enquanto persistir o modo de produ-
ção capitalista que mantém a divisão da sociedade em classes. O Estado aparece
então como meio de exercício da supremacia política, agora do proletariado,
para “arrancar pouco a pouco o capital da burguesia para centralizar todos os
instrumentos de produção nas mãos do Estado” (MARX, 2010, p. 57).
Ao final da seção II do Manifesto Comunista, Marx e Engels propunham
a centralização do crédito, da renda da terra, dos meios de comunicação e de
transporte nas mãos do Estado, além da adoção de impostos fortemente pro-
gressivos. Embora Engels, em posfácio, tenha ressalvado os cuidados frente a
ampliação desmedida do Estado, essas medidas apresentadas reforçavam as fun-
ções estatais no programa comunista.
O Estado político aparece então novamente estritamente vinculado ao seu
caráter instrumental de classe, porém não mais como instrumento da suprema-
cia burguesa, mas, sim, da proletária. O Estado político, na fase revolucionária,
poderia ser definido então como “o proletariado organizado em classe domi- 45
nante” (MARX; ENGELS, 2010, p. 57) ou mesmo “Estado operário” como
Marx chegou a se referir posteriormente (MARX, 2012, p. 115).
Portanto, as interpretações marxistas que negam a possibilidade da exis-
tência de um Estado político, como expressão do interesse do proletariado,
acabam por negar a teoria da transição, a categoria da ditadura do proletaria-
do e, na prática, esvaziam o significado da luta pelo poder político e da insti-
tuição do “Estado operário” como fatores do movimento contra a dominação
capitalista.23
Ignorar a relevância na teoria política marxiana da categoria da ditadu-
ra do proletariado como indispensável para compreensão da transição para o
comunismo corresponde a ocultar o papel que a luta de classes possui para
transformação histórica no materialismo dialético de Marx além de subestimar

23 Mascaro insiste que o “Estado não é ocasionalmente capitalista, e sim necessariamente capitalista.
Com o exemplo banal de que na Idade Média, que era feudal, não havia Estado, mas senhor feudal,
percebemos que não há um tipo de Estado para cada modo de produção. O Estado existe somente
na lógica do capitalismo” (MASCARO, 2015, p. 24). Consideramos, em sentido diferente neste
capítulo, a existência de outros tipos de Estado político como os Estados absolutistas feudais e os
Estados operários.
ESTADO, DIREITO E MARXISMO

o peso da permanência da violência nos Estados operários. Eliminar a categoria


da ditadura do proletariado não resolve o problema da violência no socialismo,
mas, ao contrário, esconde o alerta realizado por Marx, da sua permanência na
transição socialista. Não reconhecer as continuidades e as disputas violentas nas
sociedades pós-revolucionárias, como nos Estados operários, já demonstrou ser
um grave e perigoso equívoco histórico.
Igualmente, seria incorrer numa perspectiva idealista de substituição de
um modo de produção e organização social por outro sem luta, sem revo-
lução, sem história. Essa é uma posição mais próxima da tese de Bakunin
sobre o Estado do que do próprio Marx que sempre a rejeitou política e
teoricamente.
A forma estatal está intrinsecamente vinculada à dominação de uma clas-
se sobre a outra, mas, não necessariamente da dominação burguesa sobre o
proletariado. A forma estatal já significou a dominação da aristocracia feudal
sobre as demais classes, durante o feudalismo, a dominação da burguesia sobre
todas as demais classes, durante o capitalismo, mas também pode significar a
dominação do proletariado sobre a burguesia durante a transição socialista.24
46 Obviamente o direito que fundamenta a dominação de classe desses perí-
odos expressa também a mudança da classe dominante na sociedade sem que,
com isso, signifique que traços de continuidade com o direito anterior sejam
imediata e totalmente eliminados. A subjetividade jurídica no capitalismo, fun-
dada na igualdade formal, é evidentemente distinta daquela do feudalismo na
qual a desigualdade estamental teológica prevalecia.
A confusão teórica e política ainda reside, porém, na identificação da
proposta comunista com uma sociedade e Estado político dominado pela
classe proletária. Em sentido oposto, a proposta comunista defende o fim
da dominação de classes, inclusive a proletária, o fim das próprias classes e,
com isso, o fim do Estado político. Para Marx somente assim surgiria uma

24 Perry Anderson destaca como Marx e Engels trataram os Estados Absolutistas como um equi-
líbrio de poder entre a nobreza e a burguesia que acabou por se desenvolver em favor desta última
classe, desse modo, a identificação do Estado absolutista com o capitalismo tornou-se interpre-
tação plausível para muitos marxistas. Contudo, Anderson refuta essa hipótese e ressalta que
durante todo o início da época moderna “a classe dominante – econômica e politicamente – era,
portanto, a mesma da época medieval: a aristocracia feudal” (ANDERSON, 1995, p. 18). Com
isso, não apenas percebemos outras formas de Estado, além do capitalista, como também identifi-
camos os impactos nos Estado absolutistas da luta de classes com o crescimento econômico, social
e político da burguesia.
O Estado e o Direito em Marx

comunidade emancipada, livre e democrática, por meio da livre associação


entre os indivíduos.25

O Estado político e o direito como


expressões da luta de classes

A incisiva crítica marxiana ao Estado político e ao direito justificou al-


gumas interpretações simplificadoras do fenômeno jurídico. Ao demonstrar e
ressaltar a ligação deste com os interesses e a dominação burguesa nas socieda-
des capitalistas, muitos marxistas consideram que o Estado político, o direito,
as leis, as sentenças judiciais, em suma, todos os fenômenos jurídicos em sua
essência exprimem apenas os interesses da burguesia.26
Contudo, a análise da obra marxiana em sua totalidade, parece apontar
em sentido contrário, para complexidade e mutabilidade do Estado político e
do direito em consonância com as mudanças ocorridas na correlação de forças
entre as classes sociais em determinado período histórico. Uma interpretação
sistemática do conjunto dos escritos marxianos vincula inevitavelmente o Esta-
do político e o direito aos rumos da luta de classes. 47
O fenômeno jurídico se apresenta então em toda sua abrangência quando
Marx analisa alguns processos históricos como, por exemplo, a instituição da
lei limitadora da jornada de trabalho na Inglaterra, a acumulação primitiva, a
guerra civil francesa, o golpe de Luís Bonaparte, a comuna de Paris, entre outros
acontecimentos abordados pelo pensador em seus escritos, manifestos e nas suas

25 “Nos sucedâneos da comunidade existentes até aqui, no Estado etc., a liberdade pessoal existia
apenas para os indivíduos desenvolvidos apenas nas condições da classe dominante e somente na
medida em que eram indivíduos desta classe. A comunidade aparente, em que se associaram até
agora os indivíduos, sempre se autonomizou em relação a eles e, ao mesmo tempo, porque era uma
associação de uma classe contra a outra, era, para a classe dominada, não apenas uma comunidade
totalmente ilusória, como também um novo entrave. Na comunidade real, os indivíduos obtêm
simultaneamente sua liberdade na e por meio de sua associação.” (MARX, 2007, p. 64)
26 Joachim Hirsch destaca duas correntes como as principais da teoria política marxista no século
XX: a teoria do marxismo ocidental e a teoria do marxismo soviético que “concebeu o Estado como
instrumento das classes dominantes e de suas frações” (HIRSCH, 2010, p. 21). Hirsch defende a pri-
meira vertente que englobaria o estruturalismo de Althusser, as contribuições de Gramsci e Poulant-
zas entre outras. Embora não seja objetivo possível de desenvolvimento neste capítulo, trabalhamos
com a hipótese de que mesmo no âmbito do denominado marxismo ocidental as multiplicidades
de interpretações ainda existentes no campo da teoria política marxista mantêm diferenças teóricas
fundamentais para a compreensão do fenômeno jurídico e para as possibilidades de sua superação.
ESTADO, DIREITO E MARXISMO

correspondências, nas quais se reportava aos problemas concretos dos rumos do


movimento comunista.
As descrições desses processos históricos não devem ser compreendidas de
forma determinista e teleológica como se pudéssemos extrair delas regras e pa-
drões de desenvolvimento social atemporais. O retorno a tais textos deve assim
buscar distinguir os processos históricos específicos e peculiares da teoria desen-
volvida por Marx para compreender as sociedades e suas instituições essenciais,
como o Estado político e o direito.27
As análises empreendidas por Marx sobre processos históricos concretos
não são meras ilustrações desprovidas de vinculações fundamentais para sua
perspectiva teórica. A luta de classes, como elemento indissociável ao direito,
apresenta-se não como circunstância histórica específica, mas, sim como pres-
suposto teórico-metodológico da filosofia marxiana.
No Manifesto Comunista, por exemplo, Marx e Engels já observavam os
múltiplos aspectos das lutas que contribuíram para a instituição da legislação
trabalhista inglesa. Eles destacaram assim a organização do proletariado que
obrigou “ao reconhecimento legal de certos interesses da classe operária, como,
48 por exemplo, a lei da jornada de dez horas de trabalho na Inglaterra” (MARX;
ENGELS, 2010, p. 48).
Essa explicação que identifica na lei o “reconhecimento legal de certos inte-
resses da classe operária”, aparentemente se contrapõe a outras passagens, inclu-
sive do próprio Manifesto, nas quais Marx e Engels denunciam o direito burguês
como “a vontade de classe erigida em lei” (MARX; ENGELS, 2010, p. 54).
Há algumas interpretações possíveis que buscam superar essa contradição.
Uma opção seria considerá-la absoluta, o que levaria a necessidade de se descar-
tar algumas afirmações ou escolher apenas alguns de seus aspectos. As vertentes
interpretativas da teoria marxista, que enveredam por este caminho, acentuam
as rupturas na trajetória marxiana entre os textos da juventude e da maturidade
ou entre os textos científicos e os políticos e históricos.
A consequência desse procedimento teórico-metodológico tem frequente-
mente isolado e realçado as passagens nas quais Marx demonstra e denuncia a
27 Marx é explicito nessa advertência em um de seus últimos textos sobre o desenvolvimento econô-
mico e social da Rússia e a questão das comunas rurais que poderiam para ele “tornar-se um ponto de
partida direto do sistema econômico para o qual tende a sociedade moderna; ela pode trocar de pele
sem precisar se suicidar; ela pode se apropriar dos frutos com que a produção capitalista enriqueceu a
humanidade sem passar pelo regime capitalista. (...) Porém, é preciso descer da teoria pura à realidade
russa” (MARX, 2013, p. 96).
O Estado e o Direito em Marx

prevalência dos interesses da classe dominante no direito e a sua instrumentali-


dade para dominação e exploração da classe burguesa sobre a trabalhadora. Por
outro lado, os recorrentes trechos, nos quais Marx analisa o direito e as leis como
parte integrante da dinâmica e complexa luta de classes, são negligenciados ou
mesmo descartados. O resultado prático dessa opção tem sido, muitas vezes, a su-
bestimação das possibilidades de luta inerentes à forma de dominação jurídica.28
A luta dos trabalhadores acaba por tornar-se, nessa perspectiva, incapaz de
romper a impermeável forma jurídica e assim deixar marcas de sua força e con-
quistas nela. A teoria política marxista se torna mais capaz de contribuir para a
compreensão do fenômeno jurídico na medida em que também enxerga a arena
de conflito surgida das disputas de classes no âmbito jurídico.29
Portanto, outro caminho para superação da contradição entre as distintas
perspectivas sobre o direito presentes nas obras de Marx, seria considerá-la uma
contradição aparente e analisá-la no bojo da totalidade da obra marxiana. Desse
modo, a contradição deixaria de ser compreendida pelos antagonismos presen-
tes em textos dos próprios autores do Manifesto Comunista, mas, sim percebida
como uma contradição inerente a realidade do fenômeno jurídico.
Essa opção teórico-metodológica ao valorizar o conjunto da obra marxia- 49
na, incluindo seus textos de juventude e de análise política, identifica então
o direito em Marx tanto como a “vontade da classe” burguesa como também
como o “reconhecimento legal de interesses da classe operária”. A chave para
compreensão, da medida na qual o direito possuiria um ou outro significado,
seria a correlação de forças entre as classes em luta em determinado período his-

28 Bernard Edelman chega a afirmar, no seu livro A legalização da classe operária, que seu objetivo com
o mesmo era “demonstrar, na contramão de todos os lugares comuns dos marxistas, que as conquistas
da classe operária – jornada de trabalho, férias remuneradas, reforma da dispensa... – eram, na realidade,
derrotas políticas” (EDELMAN, 2016, p. 8). O direito para o autor seria o compromisso dos trabalha-
dores com a dominação burguesa e a abdicação da disputa pelo poder e pela revolução. Não nos parece
que Marx tenha assim pensado ou que uma teoria política marxista, que mantenha a revolução no seu
horizonte, deva desconsiderar as disputas de classes sobre as leis e sobre o Estado político.
29 E. P. Thompson, em seus estudos sobre legislação repressiva na Inglaterra do início do século
XVIII, publicado no livro Senhores e caçadores: a origem da lei negra, se contrapõe a vertente marxista
que “floresce na forma de um marxismo sofisticado, mas (em última instância) esquemático” ao
considerar a lei “por definição (...) uma parcela de uma superestrutura que se adapta por si às neces-
sidades de uma infra-estrutura de forças produtivas e relações de produção”. Desse modo, Thompson
se desloca para uma perspectiva teórica que aceita apenas “parte da crítica marxista-estrutural”, pois,
seus estudos, embora tenham confirmado “funções classistas e mistificadoras da lei”, rejeitaram tam-
bém “seu reducionismo inconfesso”, pois a “lei não foi apenas imposta de cima sobre os homens:
tem sido meio onde outros conflitos sociais têm se travado” (THOMPSON, 1987, p. 349 a 358).
ESTADO, DIREITO E MARXISMO

tórico. A centralidade que a luta de classes possui para toda filosofia marxiana
fica assim ressalvada de maneira que o direito e o Estado político não podem ser
analisados aprioristicamente e desvinculados do processo histórico.
Na análise concreta de diversos processos históricos, o direito e o Estado
político aparecem para Marx como objetos complexos, contraditórios e dinâ-
micos de disputa entre os interesses das classes dominantes e os das classes
dominadas. Nesse sentido, Marx retoma no capítulo 8 do Capital, a questão da
regulação legal da jornada de trabalho através de meticulosa pesquisa histórica,
descrição e análise do processo de instituição da lei das 10 horas inglesa, já men-
cionada nas páginas do Manifesto Comunista. Ao mesmo tempo em que rejeita
uma interpretação idealista do surgimento da lei das 10 horas na Inglaterra,
como suposto “produto das lucubrações parlamentares”, Marx volta a enfatizar
que sua “formulação, seu reconhecimento oficial e sua proclamação estatal fo-
ram o resultado de longas lutas de classes” (MARX, 2017, p. 354 e 355).
Novamente persiste a ênfase marxiana na luta de classes para as determi-
nações também dos fenômenos jurídicos. Da sua elaboração no parlamento até
sua interpretação e execução pelos juízes, a lei é apresentada por Marx imersa
50 na luta entre as classes e suas frações, pois a “criação de uma jornada normal
de trabalho” é produto de “uma guerra civil entre as classes capitalista e traba-
lhadora” que se desenvolveu durante 400 anos (MARX, 2017, p. 343 e 370).
Além dessa centralidade conferida à luta de classes, destaca-se também ou-
tro elemento relevante para a compreensão da teoria política marxiana. Mesmo
submetido a uma relação de exploração pelos capitalistas, o proletariado teve
grande protagonismo na luta pela limitação da jornada de trabalho e, por con-
seguinte, também no processo de conformação da referida lei trabalhista, ao
ponto de Marx afirmar ser esta “sua própria obra” (MARX, 2017, p. 355).
A identificação realizada por Marx da lei das 10 horas como sendo uma
“obra” dos próprios trabalhadores, possui grandes implicações teóricas. A ação
do proletariado em defesa dos seus interesses aparece, para Marx, como ele-
mento determinante da instituição da lei limitadora da jornada de trabalho. A
lei, neste caso, não apenas reconhece direitos dos trabalhadores, mas é também
criada pela própria ação política destes trabalhadores.
Desse modo, atribuir ao interesse da burguesia a criação e conteúdo das leis
trabalhistas seria tão equivocado como atribuí-las exclusivamente aos interesses
do proletariado. As leis possuem assim as marcas das disputas entre as classes e
suas frações que determinam inclusive suas contradições e antinomias internas.
O Estado e o Direito em Marx

A teoria política marxiana mantém então sempre uma unidade entre o


fenômeno jurídico e a dominação de uma classe. Desse modo, parafraseando o
próprio Marx, é possível dizer que o direito dominante também será sempre o
direito da classe dominante. Contudo, a dominação de classes nunca será defini-
tiva e completa, pois sempre enfrentará resistências. As leis, o direito e o Estado
político não devem ser entendidos como uma vitória definitiva da burguesia ou
do proletariado, mas, sim, como um momento de uma constante disputa entre
as classes que vai inclusive além da sua formulação e promulgação, passando por
sua interpretação, aplicação e modificações posteriores.30
Reconhecer esse movimento e as mudanças da luta de classes e, portanto,
do Estado político e do direito, não significa ignorar seu caráter instrumental
para dominação de uma classe sobre outra, ao contrário, significa reafirmá-lo,
pois a forma jurídica estatal não poderia estar alheia a uma mudança da cor-
relação de forças social. A substituição ou mesmo atenuação da dominação
burguesa pelo proletariado implica necessariamente em alterações na denomi-
nada superestrutura jurídica. A teoria política marxiana apresenta então como
pressuposto que o fenômeno jurídico somente pode ser explicado a partir da
história da luta de classes. 51
A luta de classes encontra-se assim no bojo também nas análises realizadas
por Marx do fenômeno jurídico em diversos outros acontecimentos históricos,
o que permite compreender melhor a teoria política marxiana. Em seus escritos
sobre a guerra civil e o golpe na França, Marx analisou mais detidamente a
dinâmica do Estado político, do direito e das leis diante das intensas oscilações
decorrentes da correlação de forças entre as diversas classes sociais e suas frações:
aristocracia financeira, grandes proprietários de terras, pequena burguesia, pro-
letariado, lupemproletariado, camponeses parceleiros. Os sentidos dos direitos
humanos e da própria República francesa então se modificam e assumem con-
tornos distintos conforme a sua evocação pelas classes.

30 Poulantzas define então dessa forma o caráter maleável do Estado de acordo com a luta de clas-
ses: “Se as lutas detêm sempre o primado sobre os aparelhos, é porque o poder é uma relação entre
lutas e práticas (exploradores-explorados, dominantes-dominados), porque o Estado é em especial a
condensação de uma relação de forças, exatamente das lutas. (…) O Estado não é uma simples rela-
ção, mas a condensação material de uma relação de forças” (POULANTZAS, 1980, p. 173 a 175).
Em sentido semelhante, Joachim Hirsch explicita que o Estado capitalista “não é nem a expressão
de uma vontade geral, nem o mero instrumento de uma classe, mas a objetivação de uma relação
estrutural de classes e exploração” (HIRSCH, 2017, p. 32).
ESTADO, DIREITO E MARXISMO

A burguesia tinha a noção correta de que todas as armas que ela havia forjado
contra o feudalismo começavam a ser apontadas contra ela própria (...) Ela
compreendeu que todas as assim chamadas liberdades civis e todos os órgãos
progressistas atacavam e ameaçavam sua dominação classista a um só tempo
na base social e no topo político, ou seja, que haviam se tornado “socialistas”.
(MARX, 2011, p. 80)

Destaca-se que Marx chega a afirmar que as liberdades civis, como os di-
reitos de reunião, de associação, de livre expressão entre outros “haviam se tor-
nado socialistas”. Tal afirmação revela novamente a complexidade conferida ao
direito quando vinculada à luta de classes pela teoria política marxiana.
As liberdades civis não perderam sua natureza capitalista e ganharam uma
natureza socialista. O que Marx parece considerar é uma mudança na correla-
ção de forças social em favor do proletariado após a instalação da República,
modificando-se também a relação dessas classes com os direitos civis que de
“armas” da burguesia tornam-se ameaças a mesma. De forma similar, Marx
descreve as mudanças e disputas em torno da República francesa e seu regime
52 durante o período do governo provisório. Por isso, observa dois sentidos anta-
gônicos em disputa: a República Social e a República do capital.31
Um movimento que, originariamente, visava opor limites ao domínio da
aristocracia financeira, transformou-se, em seu percurso, com a entrada forte em
cena da classe proletária, que “por tê-la conquistado de armas na mão, (...) impri-
miu o seu selo e a proclamou como República Social” (MARX, 2011, p. 32 e 33).
Contudo, a evolução da luta de classes levou à alteração no Estado político
e ao fim dos anseios por uma República Social. Após a derrota do proletariado
na grande insurreição de junho de 1848, a República que surge não é mais
aquela aberta às acomodações entre as classes como a percebida durante o go-
verno provisório. A ideia de uma República Social foi enterrada junto com as
centenas de mortos dos insurgentes de junho. Destaca-se, como Marx observa,
que o caráter da República francesa acompanhava a oscilação da luta de classes.
A República burguesa torna-se então a forma de coesão das diferentes
frações da classe capitalista para garantir a dominação sobre a maioria prole-

31 Marx observa que, após a deposição de Luís Filipe, a República francesa acomodava, de forma
instável, as diversas classes que lutaram juntas contra o antigo regime. O caráter da República
era então provisório e indefinido, oscilando entre as aspirações do proletariado e da burguesia
(MARX, 2011, p. 29 e 41).
O Estado e o Direito em Marx

tária, pois nela “eles haviam descoberto a forma de Estado em que poderiam
governar conjuntamente” (MARX, 2011, p. 48). Surgida dessa correlação
de forças desfavorável ao proletariado, a República do Capital constituía-se
como uma forma de coesão entre as distintas frações da classe burguesa e
“representava o despotismo irrestrito de uma classe sobre as outras classes”
(MARX, 2011, p. 36).
Nessa forma de Estado, da “República do Capital”, verificava-se um cres-
cimento da burocracia estatal e, com isso, também uma maior autonomia em
relação as diversas frações da burguesia, desempenhando um papel coesionador
dos interesses comuns dos capitalistas. Marx observa que a centralização estatal
herdada da monarquia absoluta torna-se indispensável também nos Estados
capitalistas modernos no qual o trabalho do poder estatal é “dividido e centra-
lizado como numa fábrica” (MARX, 2011, p. 140).
O desenvolvimento dessa burocracia é também analisado por Marx inse-
rido nas disputas entre as classes desde a monarquia absoluta, passando pela
república parlamentar até o momento posterior do golpe de Luís Bonaparte,
quando a “máquina estatal consolidou-se de tal forma face à sociedade civil que
como líder lhe basta o chefe da Sociedade 10 de dezembro”. Marx então con- 53
clui que, neste momento, “o Estado se tornou completamente independente”
(MARX, 2011, p. 141).
Essa análise realizada por Marx no 18 Brumário foi fundamental para a
teoria política marxista posterior desenvolver a noção de autonomia relativa do
Estado. A categoria é usualmente associada a uma hipótese na qual o desenvol-
vimento do moderno Estado político burguês, com sua burocracia e atividades
crescentes, se adequou de tal forma à dominação capitalista que se confundiu
com a mesma. Desse modo, o Estado político tornou-se, na era contemporâ-
nea, inevitavelmente um Estado capitalista impermeável à disputa de classes,
ou seja, independentemente da classe no exercício do poder político, a natureza
burguesa do Estado político não se alteraria.32

32 Naves define assim a autonomia relativa do Estado: “Marx, no entanto, nas “obras históricas”,
e, particularmente, em o 18 Brumário de Luís Bonaparte, opera uma retificação fundamental em
seu modo de conceber essa questão, introduzindo o conceito - em uma terminologia que ele não
utiliza de autonomia relativa do Estado. Com isso, ele mostra que a burguesia pode deixar de
exercer o domínio direto do Estado sem que este perca sua natureza de Estado da classe burguesa,
porque a dominação de classe já está garantida, independentemente de ele ser ocupado ou não
pela classe dominante, em virtude dessa forma mesma, isto é, o Estado é um aparelho que “inscre-
ve a dominação de classe na sua própria organização interna” (NAVES, 2014, p. 33).
ESTADO, DIREITO E MARXISMO

No entanto, se levada às suas últimas consequências, essa interpretação


acaba por resgatar um idealismo que Marx tanto se esforçou em contestar ao
criticar a filosofia política hegeliana por atribuir ao Estado uma separação e in-
dependência inexistentes em relação à sociedade civil. A afirmação da indepen-
dência completa do Estado colide com a teoria política marxiana. O crescimen-
to da burocracia estatal não eliminou a relação umbilical que o Estado possui
com luta de classes. Ao contrário, significou a complexificação dessa relação e
dos mecanismos estatais de dominação política que contam com o crescimento
da burocracia e das instituições estatais para sua manutenção.
O Estado político se amplia então para acomodar interesses distintos e
até antagônicos através de mecanismos de encaminhamento dos conflitos,
sem que os mesmos transbordem para a sociedade civil de forma a ameaçar
a estabilidade e a ordem pública. Crescem os instrumentos e as ações estatais
de intervenção na sociedade civil. A luta de classes e seus reflexos no Estado
político tornam-se mais complexas e difíceis. Contudo, a luta de classes per-
manece viva e marcante inclusive no âmbito desse Estado político, no qual
multiplicam-se instituições para acomodar os diversos interesses em disputa
54 das classes e de suas frações.33
A leitura do conjunto das considerações sobre o Estado político e o di-
reito nos escritos de Marx parecem apontar então para a luta de classes como
fator fundamental de das suas determinações. Consequentemente, o direito e
o Estado político ao fazerem parte da luta de classes inserem-se nos processos
históricos de disputas e se modificam de acordo com os mesmos.
Embora saibamos “que revoluções não se fazem por meio de leis” (MARX,
2017, p. 820), as reivindicações jurídicas, como toda experiência concreta das
classes em luta, não devem ser descartadas pela teoria política marxista. Por
menores que sejam as vitórias do proletariado, inclusive no âmbito do direito,
são imprescindíveis no caminho para sua emancipação.
A profunda crítica empreendida pela teoria política marxiana ao fenômeno
jurídico pressupõe a superação do Estado político e desse direito derivado da
sociedade capitalista. Porém, essa superação não se confunde com uma subs-
tituição idealista da forma jurídica. Ao contrário, a manutenção da noção de

33 Balibar destaca assim a relação entre Estado e a luta de classes: “(…) a luta de classes se dá não
só entre o aparelho de Estado e as classes exploradas, mas também, em parte, no próprio aparelho
de Estado. O aparelho de Estado é apanhado na luta de classes de que é produto” (BALIBAR,
1977, p. 80).
O Estado e o Direito em Marx

revolução na teoria política marxista passa por não ignorar ou subestimar a


questão do direito e do Estado político como se uma nova forma pudesse surgir
ao largo das contradições existentes na sociedade capitalista e sem guardar tra-
ços de continuidade com a mesma.
Evitar as armadilhas jurídicas que pretendem imobilizar a classe traba-
lhadora no âmbito restrito da legalidade, do direito, do Estado político e do
status quo da dominação burguesa não pode significar ignorá-las sob pena de
nos enredarmos ainda mais em suas teias. Nas sociedades capitalistas contem-
porâneas, o Estado político e o direito são obstáculos inevitáveis para os que
desejam superar a sociabilidade e dominação capitalistas. Nesse sentido, a
teoria política marxiana é ainda a fonte mais promissora para apontar a supe-
ração do horizonte jurídico e pensar um futuro sem violência, sem exploração
e sem opressões no qual homens e mulheres sejam realmente emancipados,
livres e iguais.

55
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