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© Thomas Destro

n. 37 | AGO | 21
boas vindas Editorial

© Thomas Destro
V
ocê já parou pra pensar sobre quem é você? Com o passar dos séculos, os bandos se tornaram
QUANTA ACADEMIA DE ARTES
Talvez nessa hora, depois de ler essa frase, acampamentos, depois vilas, depois cidades... formaram direção
você tenha pensado na sua profissão, naquilo tudo aquilo que hoje sintetizamos em sociedade. Uma Marcelo Campos
que você faz da vida. Ou talvez você tenha sociedade cada vez maior, mais complexa e diversa gestão financeira | jurídica

pensado no seu próprio nome, nas coisas que que exigia muito mais fé de seus membros para que Alexandre Figueiredo
Stefany Berglin
gosta e na vida que leva. Pode ter pensado até na sua estes ainda conseguissem se sentir parte daquilo coordenação administrativa
genética, sua origem étnica e social, seu gênero. Se tudo, mesmo sabendo que cada um de nós é apenas Vanks Estevão | William Estevão
você for como eu, talvez tenha pensado que você é um dentre os 7 bilhões de habitantes do planeta. relacionamento com o cliente

apenas um aglomerado de átomos aleatórios, uma Grupos menores surgiram dentro da sociedade Daniel Clayton
parte ridiculamente pequena do universo. e subgrupos destes grupos menores também apa-
coordenação didática
Tainan Rocha | Higor Batista
2
Seja qual for a resposta, todo mundo já pensou receram. E subgrupos deste subgrupos numa conta assessoria de imprensa | comunicação
nisso um dia. E talvez esse seja o tema mais recor- extensa de possibilidades de “onde se encaixar”. Carol Fernandez | Felipe Campos
secretaria | recepção
rente no mundo das artes. No final, acabamos entendendo que cada um de
Vandreia Gonçalves
Hoje em dia falas-se muito na importância da nós não é apenas uma coisa, mas várias ao mesmo Janaína Sousa | Bruna Araújo
representatividade social, seja na mídia, esportes ou tempo, e que pertencemos a diversos grupos. Você Thais Rodrigues | Sonia Rocha
política. Mas a tal da “identidade” não é uma invenção leitor, por exemplo, independentemente da resposta limpeza | manutenção

recente na história da humanidade. que deu para a questão que abre este editorial, é Vania Toledo | Paulo César Toledo
Nossos mitos, dos mais primitivos aos atuais, provavelmente um fã ou praticante de algum tipo de QUANTA DIGITAL
sempre buscaram responder às questões sobre arte. Possivelmente um professor, aluno ou ex-aluno editor-chefe
nossas origens e o papel que temos dentro do grupo da Quanta. O que põe você e eu num mesmo grupo, Marcelo Campos
e do universo. Essa dúvida talvez tenha surgido da mas não nos resume a isso. Eu sou mais do que conselho editorial
Alexandre Figueiredo
nossa necessidade de vivermos em bando: preci- professor e ex-aluno de uma escola de artes de São Ronaldo Barata | Tainan Rocha
samos sentir que fazemos parte de um grupo – e Paulo tal qual você também certamente tem outros projeto gráfico | diagramação
precisamos que os demais membros desse grupo interesses e práticas que vão além do que a Quanta Ronaldo Barata
pensem o mesmo – para podermos trabalhar juntos e essa revista fazem. Mas nosso interesse na arte produção
Alexandre Figueiredo
e aumentar nossas chances de conseguir alimento e nos une e diz alguma coisa sobre nossa identidade. Tainan Rocha | Ronaldo Barata
proteção contra predadores na savana pré-histórica. Seja como for, eu te convido a se juntar a nós, este revisão
A questão deve ter aumentado ainda mais quando os grupo de pessoas que adora divulgar suas próprias Alexandre Figueiredo
primeiros grupos diferentes de hominídeos se encon- ideias mensalmente ou esporadicamente nessa
traram, criando a necessidade de separar quem era revista digital, na busca da tal identidade. Bora lá?
de um bando e quem era do outro, afinal, eles muito
provavelmente competiam entre si pelos recursos. Ronaldo Barata
diretor do Quanta Estúdio
A autenticidade de
um autor
Último romântico por Tainan Rocha

N
ão é de hoje que escuto, geralmente com fins mais curioso, me tornava único.
de elogio, que possuo um estilo “diferente!”. Bem mais tarde, nas mesas de botecos, acabei
Em suma, há até certo efeito benéfico. O ego por descobrir outros parentes de distração que, de-
que o diga. pois de terem já avançados os anos no RG, haviam
Mas não é bem assim. O que as pessoas substituído a famigerada perda da identidade pela
costumam admirar e taxar de “diferente” como, por perda de outros objetos, horários e até dignidades
exemplo, o uso (literal) das minhas digitais carim- – assim como eu.
badas no rosto ou cabeça de uma personagem para Naquela mesma tenra época, após tardes de fo-
gerar a ilusão de barba ou cabelo ali, é, na verdade, lhas e folhas de sulfite gastas em cópias esforçadas
a maneira que encontrei, após longa procura e ob- daquilo que devorava, eu deitava a minha cabeça no 3
servação, de ter o tempo que poderia ser dedicado travesseiro para sonhar que desenhava super-heróis
a hachuras revertido em assinatura própria – com bem como faziam meus ídolos /gurus.
fundos honestos de pura falta de paciência. Um ato de tamanha inocência, que beirava algo
Onde tantos enxergavam graça, brio e até mesmo puro, e até bonito. Ainda que doloroso.
meios terapêuticos, eu via desespero. Aquele universo, independente do esforço empre-
Nem de longe li o quanto deveria ou gostaria. gado, nunca fora, de fato, pra mim. Mas só futuramente
Pilhas de páginas virgens do meu olhar servem de isso serviria de combustível para que eu me sentisse
banquete a gordas traças. Mas em compensação, à vontade nas vestes do alternativo.
escutei muitas histórias em transportes públicos, Afinal, sair da escola, da casa, do bairro onde as
bares e, acima de tudo, eu as vivi também. nádegas sentavam acostumadas ao conforto do
As ruas são metade da escrita. O outro restante, assento praticamente exclusivo de desenhista da
a leitura e a febre tratam de dar conta. turma e cruzar de forma trepidante a cidade para
Ironicamente (ou não), durante um período que, cair estatelado no duro piso de realidade da escola
infelizmente, não foi curto e tampouco deixou saudades, de artes onde todos desenham é, no mínimo, uma
eu fui a criança, quase sempre rodeada pelos mais experiência marcante a qualquer ser que se preze
velhos, que estava sempre perdendo a identidade. a tal. Somada aos anos ocupando a função de gi-
Diversos eram os descuidos e, por consequên- bitecário, que também por obrigações contratuais
cia, também as idas ao órgão onde se repetia toda resumia-se a chafurdar e conhecer feito a palma da
a chateação burocrática para obter mais um novo mão todo vasto e diverso acervo dali, essas vivências

© Tainan Rocha
documento ou suas cópias autenticadas. me trouxeram constatações tardias e importantes
Não me recordo como, e muito menos quando, que, sem dúvida, ajudaram a moldar aquilo que
isso finalmente cessou. acredito podermos tratar, discutir e entender aqui
E, pensando agora, nem mesmo tal fato em si, por por “identidade”. Ou voz própria.
coluna Último Romântico

Digo isso porque nas páginas escritas por Bauman numa única e singela frase: envenena qualquer possibilidade de proliferação de
em seus ensaios sobre a cultura e liquidez dos nossos “Você não é especial.” grama, seja ela vizinha, verde, ou não.
tempos atuais, recentemente me deparei com uma Porém, isso me faria descumprir o combinado com Cada terra é uma terra, com seu tempo e adubos
dimensão mais ampla e surpreendente dos conceitos o editor dessa revista. próprios – mas não únicos ou especiais!
e significados identitários. Além, é claro, de perder a oportunidade de reforçar O lance é capinar seu terreno em paz. E bastante.
E não cuspo a referência a fim de dar aqui a pífia a quantidade de ontem necessária pra se ter um hoje. Mãos calejadas, capim canto d´boca, sorriso com as
carteirada do raso intelectual. Até porque, e sem E para além do respeito, acredito que o suco da sementes brotando a frente.
quaisquer vergonhas em admitir, ainda ontem o inspiração proveniente daqueles que vieram antes, Durante os últimos anos, suei muito cavando e
filósofo em questão era apenas mais um nome de do passado e história, está na coragem. E não pura e cavando.
desejo no meu carrinho de compras do site da livraria. simplesmente nos traços, sons ou palavras. A ponto de, sem querer querendo, acabar encon-
A tendência natural sempre foi a de me identificar A coragem, e certa falta de vergonha na cara, trando aquelas identidades perdidas do começo.
mais facilmente com aqueles ditos meus. Por isso, a necessárias para reconhecer, aceitar e assumir que, Ao me debruçar com olhar mais carinhoso, nelas
investida num campo tido como mais árduo e até so- pode sim, o anterior acabar nos servindo como uma reconheço ainda alguns poucos traços.
cialmente desassociado de uma figura como a minha, muleta – mas a coragem também, de entender que Mas, no fundo, apenas o carimbo da digital do
vem em forma de desafio pessoal. O qual, inclusive, ela não deve ser para sempre. Os primeiros degraus polegar é que permanece exatamente igual. Ou di-
recomendo a quem estiver um tanto entediado e bem costumam ser os piores, afinal. ferente... mas o ego é que o diga...
disposto à luta. Depois, mais coragem. Para desconectar o olhar
Independentemente do caso, sejamos francos dos tantos pares ao redor e se lançar ímpar (mesmo, 4
que toda a conversa acima poderia facilmente caber no fundo, não o sendo). A comparação em demasia

Tainan Rocha é um quadri-


nhista e ilustrador apaixona-
do por música, fabricado na
Bahia e nascido em São Paulo,
bem no fim dos anos 80. Foi
parar direto na antiga Fábrica
de Quadrinhos, onde estudou
Desenho e Quadrinhos. Pro-
fissionalmente, deu início às
publicações através do extin-
to zine “Ainda?”. Atuou como
letrista e ilustrador em diver-
sos álbuns do Quanta Estúdio
e como ilustrador de revistas e
livros em editoras como Abril,
Moderna, entre outras. Tam-
bém publicou diversos quadri-
nhos como QUE DEU TE ABAN-
DONE e DIVINO MUNDANISMO.

Trabalha como coordenador


da Quanta Academia de Artes
e dá aulas de ilustração.

@tainanilustra
© Tainan Rocha

tainanrochailustracao.tum-
blr.com

© Tainan Rocha
A Arte na criação da identidade
das pessoas
textão por Marcela Godoy
“A finalidade de toda a arte é a identidade produ- E se a arte está na raiz de nossa maneira de sentir o
zida através do espírito, na qual o eterno, o divino, o mundo, de concebê-lo, entendê-lo e representá-lo,
verdadeiro em si e para si é revelado em real aparição decerto está na raiz de nossa formação como pessoas,
e figura para nossa intuição exterior, para o ânimo e na formação de nossa identidade e na necessidade
representação” de dar, a essa identidade, algum sentido, algum valor.
Hegel, “Preleções sobre a Estética” Há um ditado (grosseiro, admito) que diz que “você
é o que você come”. Pensando sobre o tema proposto,

Q
uando recebi o convite para escrever sobre podemos dizer que “você é o que você aprecia”. Como
este tema fiquei a pensar, na verdade, de que artista, não tenho sobre a arte a visão do crítico, da
maneira a arte não estaria na formação da qual busco sempre me distanciar. Ao contrário, não 5
identidade das pessoas, pois até onde posso faço juízo de valor sobre nenhuma forma de arte ou
me lembrar, a manifestação artística está criação. Creio, sinceramente, que a arte – mais ou
presente desde que nos “entendemos por gente”. menos sofisticada – fala de maneira muito pessoal
Foi por meio da arte que o ser humano foi capaz e individual a cada um.
de fazer os primeiros registros de sua história. Mas, assim, como não se concebe o homem his-
Primeiro nas pinturas rupestres, no artesanato toricamente sem que seja à luz das lutas de classe
rudimentar, nos cantos rituais e rodas onde as histó- que movem a história, tampouco se concebe a arte
rias eram contadas passando, de geração a geração, à parte dessas mesmas lutas e dessas mesmas
os mitos, as tradições... Depois, com a invenção da classes. Assim, a arte, o acesso à arte, o apreço pela
escrita – todas nascidas como forma de expressão arte e a criação artística são objeto de profundas
artística, o refinamento das técnicas artesanais, a disputas, transformações, que dialogam de forma
invenção da escultura, da arquitetura, o desenvol- direta e contundente não apenas com o indivíduo,
vimento da literatura, da música e dos instrumentos mas – talvez principalmente – com o lugar ocupado
musicais, do teatro... por esse indivíduo em nossa sociedade.
Não é possível conceber a Humanidade sem pensar Se lá no começo de tudo a arte era o fator agre-
a arte que produz, em todas as suas formas, meios, gador do grupo humano, hoje, ela pode ser (e é de
mídias, seja qual for o sentido físico por meio do qual fato) instrumento de segregação e haja rótulo para
a arte entrará em nós (a visão, a audição, o olfato, dar conta de toda segregação que a arte pode pro-
paladar ou tato!), seja qual for o sentido espiritual, mover e promove!

© Júlia Fioretti
etéreo, imaterial por meio do qual ela terá, em nós, Mais do que falar à formação da identidade pessoal,
seu impacto. a arte evoluiu para trazer identidade coletivamente.
Não há arte que não fale a algum sentido, nem E quanto mais meios a humanidade encontrar para se
sentido que o seja sem que a arte o houver tocado. agregar em “nichos”, mais e mais segregadora esta
seção Textão

mesma sociedade se torna porque, paradoxalmente, A arte imortaliza, eterniza. Voce pode não ser um artista
ter uma identidade é, necessariamente, fazer parte profissional, mas pode ter seu “momento artístico”:
de um grupo que divide, com você, essa mesma iden- aquele discurso na formatura, aquele desenho que
tificação, que compartilha com você dessa mesma você fez para sua mãe, aquela música que você can-
identidade! tou no ouvido de alguém ou os passos de dança que
Sim, a arte está lá na raiz de nossa identidade! ensaiou para arrasar na balada... Não importa: boa
E o tempo todo buscamos reafirmar essa identi- ou ruim, rica ou pobre, a arte diz o tempo todo quem
dade com o mesmo entusiasmo e paixão com que nos você é, como deve ser, como se comportar, como falar,
lançamos a contá-la ao mundo! Somos seres sociais: como vestir-se. A arte exprime suas afinidades, seus
o indivíduo é que é uma invenção! Somos levados a gostos e desgostos. Seus ódios e amores! A arte é
crer em nossa individualidade, mas, de fato, esse é uma diretriz, um caminho... E ninguém quer caminhar
um aspecto tão profundo que quando se dá a conhe- sem saber para onde está indo, tampouco desejamos
cer, só se dá a conhecer por meio de uma expressão caminhar realmente sozinhos...
artística! Assim nascem os criadores com os quais Não há dúvida de que a arte é parte inseparável
nos identificamos: os autores que queremos ler, os de nós, daquilo que nos é mais caro! Desvencilhe-se
pintores que queremos ver, os atores que nos fazem de sua arte, de seus artistas, e o que sobre de você?
chorar... Assim nasce a música que marcou aquele Um vazio. E mesmo o vazio que você possa vir a ser
momento, o poema que você dedicou a quem ama, sem a arte que o define, é também arte! Porque se 6
o livro que subverteu sua forma de ver o mundo... não for, será morte.
Escolha a forma de arte, escolha seu artista: E, por falar em morte...
você vai se encontrar de tantas formas e por meio
de tanta gente! “Eu faço versos como quem chora
E isso é maravilhoso. Porque somos a soma de De desalento... de desencanto...
muitas visões. Em cada um de nós acumulam-se Fecha o meu livro, se por agora
todas as escolas de antes e nascem em nós todas Não tens motivo nenhum de pranto.
as escolas que virão. Ouso dizer que a arte está no
centro da formação de nossa identidade e que é, em
última instância, a substância da qual somos feitos. Meu verso é sangue. Volúpia ardente...
Não está em nós sentir o mundo sem que este sentir Tristeza esparsa... remorso vão...
esteja separado do sentido mais profundo: que é o Dói-me nas veias. Amargo e quente,
sentido com o qual a arte dialoga. Cai, gota a gota, do coração.
Nossa percepção sobre a arte, e nossa expe-
riência com ela, é sempre realisticamemte dual: o E nestes versos de angústia rouca
azul nunca é somente o azul. O azul é o que o azul é, Assim dos lábios a vida corre,
mas também o que o azul signfica. E assim o é com Deixando um acre sabor na boca.
as palavras que, combinadas, formam um poema, a - Eu faço versos como quem morre.”
© Júlia Fioretti
letra de uma canção ou um romance! Assim o é com
as notas musicais, com a argila sobre a qual a criança Desencanto, Manuel Bandeira
vai moldar o vaso...
A arte é o meio pelo qual compreendemos o devir!
A arte nos transforma e, pela arte, transformamos.
Você sabe com quem
tá falando?
textão por Octavio cariello

T
alvez a pergunta mais difícil de responder sem pouco, mas muito pouco, mesmo, do que acreditamos
gaguejar antes: Quem é você? ser somente nosso é somente nosso de verdade; a
O que faz com que as pessoas percebam gente faz parte de grupos que se definem por causa
que você é alguém único, inigualável, ímpar? da cor da nossa pele, mas também por causa de onde
Sem usar a tautologia (“eu sou eu!”), a resposta a gente nasceu, onde a gente cresceu, com quem a
mais sincera seria algo como “eu não sou você”. Já é gente trocou experiências... Mas a gente também pode
um bom começo. ser definido pelos lugares que a gente frequenta, as
Se você tiver curiosidade de aprofundar esse roupas que a gente veste, as palavras que a gente
papo, procura ler uns trabalhos de Jean-Paul Sartre, usa, as verdades em que a gente acredita... Nada disso
de Giles Deleuze, de Felix Guatari, ou de Paulo Freire. faz a gente ser melhor ou pior do que ninguém; essas 7
Cada um deles vai dar respostas diferentes àquela coisas vão dando forma à maneira como a gente vê,
pergunta lá do título, sem tentar ser espertinho ou percebe e sente o mundo à nossa volta. É aí que a
bancar a metida. gente começa a poder entender que a gente faz parte
Se você começa a descrever quem é através da- do mundo e que a ge nte tem muito mais em comum
quilo que parece, você pode afirmar que tem a pele com os outros do que a gente queria acreditar.
branca, negra, parda; que seu cabelo é liso, crespo, Quanto mais a gente entende o que nos faz
ondulado; que tem muito cabelo pelo corpo todo ou iguais, mais a gente consegue perceber o que nos
falta cabelo em partes específicas. Você pode falar faz diferentes.
de sua altura, do seu peso e descobrir nessa relação A maioria de nós gosta de trocar ideias, a gente
se tem quilos a mais ou a menos do esperado. Você acredita que tem o que dizer e que sempre vai ter
pode falar da sua voz fina ou da sua voz rouca; se usa alguém a fim de ouvir, de ver ou ler o que a gente
óculos ou cadeira de rodas. Você pode até comentar pretende contar. Não porque a gente vai contar algo
se gosta de meninos ou de meninas, ou se não se realmente novo e inédito, mas porque nossa manei-
interessa em beijar ninguém. Dá pra falar se mora ra de perceber o mundo pode jogar nova luz sobre
com os pais, se vive só, ou se juntou com amigos ou acontecimentos comuns, dos quais todo mundo já
juntou os trapinhos com quem faz você feliz. Você ouviu falar.
pode ser uma pessoa generosa, ou um pouco egoísta, Contar histórias (e fazer arte nada mais é do que
gostar de encontrar com outras pessoas ou de ficar contar histórias) é um jeito bem bacana de mostrar

© Fernando Franco
trancada no cafofo. às outras pessoas que o nascer e o por do sol podem
De tudo que você pode falar de si, você sempre ser encarados com alguma poesia, alguma melanco-
vai se comparar com outras pessoas. São os outros lia, alguma raiva, ou mesmo deslumbramento; que
e os valores que dividimos com eles que definem se caminhar pelas ruas, ou nas picadas no meio do mato
somos altos, gordos, agradáveis, invejáveis. Muito podem ter encanto ou incômodo. Que falar daquele
seção Textão

beijo pode ser feito com alegria ou com muito nojo. que fazer decoração, criar roupas, montar cenários. mento daquilo que faz você ser uma pessoa especial,
Nós, artistas, queremos que as pessoas percebam Tudo isso se junta pra criar um COMO que pode um artista único, uma voz como poucas.
o que a gente tem em comum e se deixem tocar por ser só seu; daí o COMO vira ESTILO. O diálogo é a base da real troca de ideias e sua
aquilo que nós temos de mais diferente: COMO con- Mas nada disso vale a pena se você não tem a arte deveria funcionar como um perfeito interlocutor
tamos as histórias. clareza de que suas narrativas precisam ser criadas entre a sua realidade e as possíveis realidades de
Uma imagem, uma frase ou uma cor podem ser sobre realidades que você conhece a fundo. Entender quem dialoga com sua arte.
apresentadas sozinhas ou acompanhadas de outras o mundo que nos rodeia, esse pedaço mais próximo Dedique-se a entender o mundo à sua volta e as
imagens, outras frases e outras cores pra serem que nos abraçou ou nos marginalizou, que nos fez pessoas que habitam esse mundo (você também faz
entendidas como narrativas; pedaços possíveis de carinho ou nos deu porrada, é o que a gente precisa parte dele, né?). Use esse conhecimento pra traduzir
realidades que traduzem ou recriam o mundo de pra fazer com que os outros se interessem por aquilo o mundo, ou mesmo criar novos mundos possíveis
dentro ou o mundo de fora de quem as conta. que a gente quer contar e sorrir e chorar e pensar e, e impossíveis, que permitam a verdadeira troca de
A maneira como a gente lida com traços, tons, muitas vezes, esquecer com a gente. experiências entre sua obra e os outros.
frases, gestos, composições, arranjos e formatos vai Se você vai contar sobre como foi o seu café da Se você conseguir entender um pouquinho do
resultar naquilo que a gente chama de ESTILO; muito manhã, sua viagem de férias, seu primeiro passeio mundo à sua volta, você entenderá muito do pouco
mais do que o uso de determinadas ferramentas, de mãos dadas, sua luta contra uma doença mais que faz você especial e isso levará a você contar
muito mais do que desenhar “estilizado” ou “realis- afoita, suas perdas e suas vitórias, usar como base um histórias de um jeito só seu.
ta”, muito mais do que trabalhar com cores ou com universo que você divide como aqueles a quem você Pra facilitar a vida de quem estiver lendo seu
preto-e-branco, muito mais do que fazer Quadrinhos, dedica sua história é meio caminho pra transformar trabalho pra saber com quem estão falando. 8
ilustração, charge, cartum, design, muito mais do sua narrativa num momento de troca e reconheci-

© Fernando Franco
seção Fala aí!

Três perguntas, Você acredita que a arte influi na formação da identi-


dade das pessoas? Júlia Fioretti: Sim, e isso fica muito nítido pra mim
quando eu penso em decorar a minha casa. Haha
três respostas, Caio Majado: Sim, qualquer forma de arte: ilus-
tração, cinema, música, teatro, dança, fotografia,
Alguns anos atrás, por exemplo, escolhi pintar a
parede do meu quarto de vermelho, por causa da obra

só um tema! moda, etc. Para mim, você é, basicamente, o que você


consome! Aquilo que você escuta ou a forma como
“Desvio para o vermelho”, do Cildo Meireles. Acho que
faz parte da minha identidade querer estar próxima
você se veste... O que você lê! Tudo isso irá moldar, de elementos que me remetem todo o significado
Convidamos três profis- não só o seu caráter, mas todas as pessoas ao seu que encontro em algumas obras.
sionais para responder redor, as pessoas com quem você se relaciona. Rafael Calça: Com certeza. A falta de representa-
a três perguntas sobre o Júlia Fioretti: Eu entendo a arte (especialmente a tividade negra fez com que por muito tempo não me
tema IDENTIDADE. Veja o produção de arte contemporânea) como uma espécie visse como alguém que poderia contar histórias, ou
que cada um deles tem a de espelho da vida e do cotidiano. Assim, ao meu ver, mesmo com uma vida digna de interesse. A cultura
dizer! uma vez que a arte trata de questões que permeiam é uma ferramenta de inclusão ou exclusão, e ao
o nosso dia a dia, ela influi sim na formação de iden- perceber isso escolhi um lado.
tidade das pessoas, podendo ser uma influência de
Caio Majado maior ou menor grau. E o quanto a sua identidade influi no seu trabalho?
É ilustrador Rafael Calça: Sim, fazem parte das nossas referên-
e quadrinista
que atua há
cias de vida. A forma como o mundo é representado Caio Majado: No fundo a arte acaba sendo uma 9
20 anos no na arte é uma janela para outras vivências. Inclusive mistura entre dar e receber, não é? A arte me influenciou
mercado molda a forma como nos vemos. Acabamos limitando para levar a vida que levo, porém eu escolhi certos
nacional e muito do que acreditamos ser natural no mundo por caminhos que hoje repercutem no meu trabalho. É
internacio- causa de estereótipos que insistem em aplicar. gratificante quando alguém olha pro seu desenho e
nal.
diz: “Nossa, isso é muito a sua cara!”, e realmente, é
Houve essa influência na sua identidade? mesmo! Você mesmo se enxerga ali! Isso acontece,
Júlia Fioretti porque, apesar da arte influenciar toda a sua vida,
É ilustradora Caio Majado: Minha vida é completamente influen- os temas dessas artes só cabem a você escolher.
e quadrinista,
formada em ciada por isso. Eu aprendi a ler com os quadrinhos da Júlia Fioretti: Nossa, demais. Em meus trabalhos
Artes Visuais Turma da Mônica, que foi o gatilho para eu entrar nesse de arte contemporânea, principalmente. Eu costumava
e é coorde- mundo “artístico”. Fui estudar desenho, quadrinhos, tratar muito sobre questões que envolvem o processo
nadora de ilustração e conheci um monte de gente que também de ter uma identidade e ser reconhecido pelo outro. Isso
cursos na queria viver assim como eu. Pessoas que gostariam com certeza veio de uma necessidade que eu tinha de
Quanta.
de viver de desenho, que queriam contar histórias... me sentir pertencente a algum grupo e lugar, e de ter
Conforme a vida vai passando, você começa a conhecer minha identidade validada por algumas pessoas.
Rafael Calça mais pessoas que te apresentam novas culturas e a Rafael Calça: Sempre procuro trazer persona-
É roteirista,
ilustrador, sua vida vai se estreitando como um funil e quando gens realistas pras minhas histórias. Com aparência
quadrinhista você percebe, está do lado de pessoas que gostam e personalidade que vejo nas pessoas ao meu redor.
premiado, de músicas parecidas com as suas, roupas do seu Também trabalho minhas vivências dentro dos temas,
além de estilo, conversando sobre os velhos assuntos que te por saber que todos somos muito mais parecidos do
professor trouxeram até aqui... que imaginamos. E podemos nos emocionar com as
de roteiro na
Quanta. mesmas coisas.
artbook Perfil Quanta

Conheça os
artistas que
fizeram - e os
que ainda fazem -
a história
da Quanta!

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Aluisio Cervelle
@aluisiocsantos

Atualmente é ilustrador que


trabalha para o mercado de
games internacional e foi pro-

© Aluisio Cervelle
fessor no curso de DESENHO na
Quanta Academia de Artes.
artbook Perfil Quanta

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© Aluisio Cervelle

© Aluisio Cervelle
Aluisio Cervelle é um jovem ilustrador nascido em Orlândia, SP e formado Publicou pela primeira vez pela DC Comics em 2010 com sua webcomic “Ro-
em design gráfico pela UNESP de Bauru em 2010 e reside desde então na ckstar”, e em 2012 pela Image Comics como coautor de Grim Leaper, escrito por
capital de São Paulo. Kurtis Wiebe (Rat Queens).
artbook Perfil Quanta

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© Aluisio Cervelle

© Aluisio Cervelle
Atualmente trabalha para o mercado internacional de games e faz quadri- Juntos publicaram diversas HQs de ficção científica, incluindo QUAD 2, ven-
nhos no cenário nacional com seus amigos Diego Sanches, Eduardo Ferigato cedora do prêmio HQMIX de 2015, que também conta com mais duas edições:
e Eduardo Schaal, desde que formaram o selo QUADCOMICS em 2013. QUAD 3 lançado no final de 2015 e QUAD 4 lançada em 2018.
Em 2016, com o apoio do ProAc, lançou Drop Dead.
indicações: na estante

Coisas legais
para você ver
por aí!
Filmes, séries, revistas,
livros, sites, vídeos... Um
universo para se desco-
brir, sob a ótica de...

3 músicas que marcaram 3 filmes que marcaram 3 livros que marcaram

Mágoa de boiadeiro Diários de motocicleta Ariel


No século XX, a urbanização no Podem dizer que é um filme sim- Esse livro, de José Enrique Rodó,
Brasil avançou de forma acele- ples, mas essa reconstituição publicado em 1900, apresenta-
rada e sem paralelo. Um país que cinematográfica do Diário de va, pela primeira vez, a ideia de
era majoritariamente rural em Viagens de Ernesto de la Serna identidade latino-americana.
1950 é hoje o mais urbanizado (que, no futuro, seria o Che Ideias são tão poderosas que um
do mundo. Isso deixou marcas Guevara) embalou a juventude movimento continental foi criado
nos problemas das grandes latino-americana de início do em torno dele. Obra que marca 13
cidades e também na identidade século. O espírito de aventura, a chamada de “Geração de 900”,
e memória coletiva. Nas vozes as paisagens e o desejo por um que abriu caminhos estéticos e
de Pedro Bento e Zé da Estrada, mundo novo cativam e dão iden- políticos para a América Latina.
Mágoa de Boiadeiro, foi a música tidade simbólica a uma geração.
que marcou essa geração de Cem Anos de Solidão
desterrados e o sentimento de OOsMundo Publicada em 1969, a obra de
...Alexandre Ganan desajuste diante do mundo novo. filmes desse diretor chinês
retratam as transformações na
Gabriel Garcia Márquez, vendeu
mais de 50 milhões de cópias.
@agbfigueiredo Luna Tucumana China contemporânea, especial- Garcia Márquez resgatou a nar-
Composição de Atahualpa Yu- mente a mudança na paisagem rativa do pântano onde alguns
panqui. Ele, de origem indígena e urbana de um país que caminha acreditavam que ela estava.
nascido no interior da Argentina, de volta ao centro da economia Mas, sobretudo, produziu a obra
não era bem o símbolo de iden- global. “O Mundo” traz em cena da geração do “boom latino-a-
tidade que um Estado voltado trabalhadores de um parque mericano”. Depois dele, o mundo
pra Europa gostaria. Mas o país temático de Pequim que replica passou a ler mais os autores e
se reconheceu na face e na voz monumentos identitários de autoras daqui.
daquele “cantador” soturno e ao todo o mundo...
mesmo tempo carismático. Essa
canção especial, composta por Formação do Brasil
um interiorano viajante, tornou- OO clássico
GrandedeDitador Contemporâneo
se símbolo nacional. Chaplin, composto Ano que vem, completamos 100
quando Hitler ainda era mimado anos da Semana de Arte Moder-
pelos EUA (consta que o próprio
Pau-de-arara Roosevelt chamou Chaplin
na. Essa geração mudou não só
a estética da arte mas também
Esse baião de 1940 é testemu- pra uma conversa de censura as perguntas que a arte tinha a
nho dos movimentos do Brasil. quanto ao filme), continua atual. fazer. O que era Brasil, afinal? De
Nele não há tristeza nem nos- Trabalhando a mobilização do onde vinha a pobreza? Perguntas
talgia. Há a chegada do sertão ódio por uma retórica vazia – e que repercutiram e levaram essa
na cidade, que abraça tudo o que vazia mesmo, em cena antoló- obra de Caio Prado Jr., publica-
Gonzaga trouxe de novo con- gica – “O Grande Ditador” é um do em 1942, consequência das
sigo. É o nascimento, ainda em alerta para os dias de hoje. reflexões que foram possíveis a
tom otimista, de um novo Brasil. partir da geração modernista.
seção FUNCIONÁRIO DO MÊS

Conheça AQUI AS PESSOINHAS


O
lá pessoal! Sou a Bruna e faço parte da família quântica
desde 2019, integrando a equipe do atendimento. Sou
LINDAS QUE FAZEM A Quanta E formada em estética e atuei na área por alguns bons
anos, o que me trouxe a convivência com mais diversos

O QUE ELAS TEM A DIZER! tipos de pessoas e suas particularidades.


Sou apaixonada por cultura pop e desde criança passei a ter
uma ligação bem forte com a arte - especificamente cinema e
música- lembro de aprender a ler com as HQ’s da Turma da Mô-
nica... me impressionar vendo o clipe Thriller do Michael Jackson,
me encantar por cinema assistindo Harry Potter, ou já adolescente
me envolver com a cultura emo e virar fã de carteirinha do Restart
– mesmo passando a infância toda ouvindo Queen e Metallica por
influência dos meus pais. Todos esses aspectos ajudaram na minha
formação identitária.
A identidade tem um conceito bem amplo e complexo, mas
podemos simplificar como “um conjunto das nossas caracterís-
ticas que nos definem e diferenciam dos demais, mas que nos
mantém como nós mesmos”. Parece ambíguo né? Como podemos 14
passar a vida sendo os mesmos e ainda assim mudar conforme as
influências externas? Considero a identidade metamórfica, já que
começa ser formada ainda na infância com nosso primeiro ciclo
social que geralmente é a família- onde adquirimos muito dos
nossos valores, - e conforme o tempo passa ampliamos esses
grupos, como por exemplo: a escola, religião, amigos, trabalho...
e cada um desses influencia na composição das nossas opiniões,
gostos pessoais, forma de se apresentar ao mundo, ideologias,
forma como lidamos com situações, pois somos apresentados as
mais variadas culturas e personalidades. Você ainda permanece
você, com o mesmo nome, talvez alguns mesmos gostos, mas com
certeza com muito mais experiência, o que reflete no que você é.
Já parou pra pensar que o seu modo de se vestir, profissão ou
sonho de profissão, time de futebol ou o que mais de autêntico que
você tenha foi influenciado por alguém?
Tendo a compreensão de todos esses fatos nós evitamos nos
submeter a coisas que normalmente não faríamos, deixar de
lado a nossa personalidade, precisar de validação das pessoas,
ou viver procurando aplausos pra satisfazer uma necessidade de
aprovação. Para mim, identidade é a consciência de si mesmo e a
Bruna Araújo contínua construção e desconstrução do Eu.
Secretaria
© Thomas Destro
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