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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE

FILOSOFIA DA CIÊNCIA E ENSINO


PROF. JULIANA HIDALGO
ALUNA: RINAMARA BATISTA DOS ANJOS

CHALMERS, Allan. O que é ciência afinal? Editora Brasiliense, 1993. Capítulo 3 -


A dependência que a observação tem da teoria.

Na tentativa de iniciar a discussão sobre os fundamentos do conhecimento científico,


Chalmers chama atenção para o paradoxo que marca a compreensão da ciência nas
sociedades modernas, onde há o estabelecimento de uma concepção de senso comum,
amplamente, aceita, que define o conhecimento científico confiável, há
contraditoriamente, uma visão negativa sobre a atividade científica, provocada pelos
malefícios do avanço científico, como a bomba atômica e a poluição. Ainda assim,
Chalmers destaca que a visão moderna de ciência confere a si própria, uma autoridade
que permite fazer uma distinção severa das outras formas de conhecimento ou
pseudociências, por estar estruturada como forma de conhecimento superior apoiada por
um método considerado seguro que permite derivar teorias verdadeiras sobre a natureza.
Essa visão é compreendida como consequência da revolução científica que ocorreu
principalmente durante o século XVII, levada a cabo por grandes cientistas pioneiros
como Galileu e Newton.

Conforme Chalmers, para o indutivista, o sentido da visão é o principal instrumento de


acesso à observação. Ressaltando esse fato, vale salientar dois recursos essenciais
adquiridos através do sentido da visão: o primeiro é a existência de fatores e propriedade
do mundo externo que serão registrados pelo cérebro, e o segundo é que dois observadores
normais também conseguirão registrar a mesma visão, mas também vão registrar em seus
cérebros essas informações.

Para refutar essa ideia, Chalmers (1993, p.49) cita Hanson: “Há mais coisas no ato de
enxergar do que o que chega aos olhos”, e ainda utiliza uma figura de caráter geométrico,
dentre outros exemplos, para demonstrar ao leitor que mais de um observador normal não
tem necessariamente a mesma experiência visual. O indutivismo é rigorosamente
criticado, sendo considerado ingênuo ao estabelecer que a observação e o experimento
formam a base, a partir da qual, as leis e teorias, que constituem o conhecimento
científico, tornam-se indiscutíveis sendo refutada a justificativa que as teorias são
propostas através da cumulação de dados observados, seguidos de indução.

As proposições de observação pressupõem a formação de teorias. Afirmações e


experiências perceptivas vão moldando o raciocínio tanto indutivo como o dedutivo
também. Uma vez que o indutivista desenvolve teorias de vários graus de generalidade e
sofisticação, sua atenção é voltada para as proposições observadas, que por sua vez, são
feitas a partir de uma linguagem simples e de alguma forma teórica.

Porém, Chalmers avalia as proposições de observação como sujeitas às falhas quanto as


teorias que elas pressupõem, tornando-as uma base não segura para construção de leis e
teorias científicas, para defender esse ponto de vista, ele se alicerça de vários exemplos.
Entretanto, ele afirma que essas proposições ainda têm importância para ciência, e que o
que está incorreto é o papel que o indutivista assume para elas.

Desse modo, a crítica ao problema da indução, consiste em como justificar os meios que
permitem extrair das afirmações singulares, que resultam da observação, as afirmações
universais, que constituem o conhecimento científico. Chalmers não acredita ser possível
fazer afirmações universais a partir de dados particulares e define a generalização uma
extrapolação. Com isso, o raciocínio indutivista não pode recorrer à lógica, pois
argumentos lógicos válidos se caracterizam pelo fato de que, se a premissa do argumento
é verdadeira, então, a conclusão deve ser verdadeira, como no caso dos argumentos
dedutivos.

Entretanto, os argumentos indutivos não possuem caráter lógico, é possível a conclusão


de um argumento indutivo ser falsa mesmo as premissas sejam verdadeiras e ainda assim,
não haver contradição envolvida. Segue-se que experimentos e observações servem para
lançar luz sobre alguma teoria e apenas as consideradas de caráter relevante devem ser
registradas, contanto que à medida que estas teorias sem falíveis e/ou incompletas,
devemos resguardar com a relevância destas, para que nossa investigação não seja dada
como enganosa.

Outra deficiência destacada por Chalmers é a tentativa do programa de justificar o


princípio da indução, definindo a exigência de um grande número de observações que
deve ser feita sob uma ampla variedade de circunstâncias. A objeção a estas suposições
confere à compreensão de que “proposições de observação são feitas na linguagem de
alguma teoria e serão tão precisas quanto à estrutura teórica ou conceitual que utilizam”,
mesmo que os indutivistas mais sofisticados não prescindam dessa afirmação.

Essa dependência que possuem observação e teoria chega a derrubar a afirmação


indutivista de que a ciência começa por observações. Como a teoria está intimamente
ligada às circunstâncias as quais surge, o autor chega a se adiantar e sugerir o abandono
do indutivismo, inclusive citando Lakatos para afirmar que tal indutivismo é
degenerativo.

ZYLBERSZTAJN, A. Galileu – Um cientista e várias versões. Caderno Catarinense


de Ensino de Física, v. 5 (número especial), p. 36-48, jun. 1988.

O objetivo desse texto não é o de traçar um quadro completo das interpretações existentes,
mas o de ilustrar, por meio de algumas linhas de pensamento representativas no âmbito
da história da ciência, diferentes perspectivas a respeito da obra galileana que são
usualmente ignoradas pela Física corporificada nos textos didáticos, e apresentada nas
escolas. Incorporada à “histórias da ciência”, que assumiram os pressupostos
epistemológicos do positivismo, a imagem empirista de Galileu foi adotada, de forma
quase que universal, por autores de livros-texto e projetos de ensino de Física, do ensino
médio à universidade.

Trezentos anos mais tarde, na terceira jornada do seu célebre “Discursos e demonstrações
matemáticas sobre duas novas ciências”, Galileu apresentará a regra da velocidade média,
como o teorema fundamental, a partir do qual deduzirá as propriedades cinemáticas dos
corpos em queda: proporcionalidade entre o espaço percorrido e o quadrado do tempo, e
entre os espaços em intervalos de tempo sucessivos e os números inteiros ímpares. A ideia
de considerar a queda dos corpos como um caso de movimento acelerado aparece em um
conjunto de comentários e questões sobre a “Física” de Aristóteles, que de Soto
apresentou em torno de 1545.

Existe toda uma diferença conceitual entre a ideia de “impetus” (força impressa e causa
do movimento) e a física inercial (que estabelece a possibilidade do movimento sem força
e coloca repouso e movimento uniforme em um mesmo nível ontológico), e a obra de
Galileu representa um avanço fundamental em direção a esta última.

Por um lado, ela contribui para uma reflexão mais profunda a respeito da relação entre
teoria e observação na produção do conhecimento científico que transcendesse os limites
impostos pela perspectiva positivista; por outro lado, vários autores chamam a atenção
para o viés idealista e apriorista que permeia a visão de Koyré Em sua obra mais
conhecida, “Contra o método”, o filósofo da ciência Paul Feyerabend defende a ideia de
que em ciência não existem regras absolutamente válidas, e que importantes
desenvolvimentos só ocorreram porque alguns pensadores deixaram de obedecer a
princípios metodológicos tidos como obviamente corretos e indiscutíveis.

Galileu tinha plena consciência destas dificuldades, como atesta a célebre passagem do
“Diálogo sobre os dois principais sistemas do mundo”, na qual Salviati (o porta-voz de
Galileu) responde a Sagredo, que se havia declarado surpreso com o pequeno número de
copernicanos: Você se admira que haja tão poucos seguidores da opinião pitagórica (de
que a Terra se mova) enquanto eu fico atônito de que tenha existido até hoje quem a tenha
abraçado e seguido. Mas as experiências que abertamente contradizem o movimento
anual são realmente tão maiores na sua força aparente que, eu repito, não há limites para
a minha perplexidade quando eu penso como Aristarco e Copérnico foram capazes de
fazer com que a razão conquistasse os sentidos, de modo que, em desafio a estes, aquela
se tornou senhora de suas crenças.

Em situações como esta, que envolvem um confronto de interpretações da natureza tão


radicalmente discordantes, os bons argumentos não bastam e: Até mesmo o mais puritano
dos racionalistas será então forçado a deixar de lado a razão e recorrer à propaganda e à
coerção, não porque algumas de suas razões tenham deixado de ser válidas, mas porque
desapareceram as condições psicológicas que as tornam eficazes e capazes de influenciar
os outros. Pelo contrário, o seu gênio se revela justamente na habilidade em combinar,
sutilmente, argumentos científicos e “propaganda” para induzir a aceitação de uma nova
e revolucionária visão de mundo, uma versão que certamente contrasta com as imagens
idealizadas de ciência e de cientistas que são tradicionalmente apresentadas nos textos e
aulas de Física.

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