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TECNOLOGIA

UMA SÉRIE DE PEÇAS DENTRO DE SUAS


TOLERÂNCIAS DIMENSIONAIS, SIGNIFICA
A OBTENÇÃO DE UM CONJUNTO NO
DIMENSIONAL?
POR FERNANDO HENRIQUE TERSETTI

O
universo dentro dos setores de obtido debaixo de uma prensa”. no mundo da simulação buscam novas
engenharia das montadoras auto- Enquanto isso, as empresas de tendências comportamentais e prome-
motivas e autopeças nem sempre software, após anos de testes já sabiam tem, em um futuro próximo, resolver
é o mesmo daquele vivenciado pelos e confiavam que era sim possível acre- muitos problemas que hoje ainda
seus consumidores finais. Enquanto ditar nos resultados da simulação refe- existem, tanto na área de estampados,
estes estão desejando, negociando e, rentes a critérios básicos como ruptura, como no body-in-white (BiW), como
principalmente, comprando modelos rugas, afinamento, etc. Enquanto esse veremos a seguir.
do ano, a cabeça dos engenheiros está paradigma era quebrado mundo afora, Quando falamos em compensação
focada no desenvolvimento de mode- os desenvolvedores já estavam pensan- do retorno elástico para garantir o di-
los que serão lançados daqui a algum do em como dar o próximo passo: Fazer mensional, quase sempre nos referimos
tempo. Essa realidade é muito similar com que a simulação também forne- apenas à própria peça ou peça singela
em diversas empresas que desenvol- cesse resultados confiáveis de critérios como alguns mencionam. Deixando
vem produtos, seja ele automotivo, dimensionais, como o famoso e temido de lado o fato de que muitas vezes, ela
de linha branca, marrom, eletrônicos, retorno elástico, ou simplesmente ainda vai ser parte de um conjunto que,
aeroespacial dentre outros, afinal de “springback”. por sua vez, será montado na carro-
contas, empresas que não desenvolvem Nos últimos anos esse desafio tem se ceria para só então formar o produto
e inovam em qualquer mercado que mostrado cada vez mais superado. Hoje final. É aqui que entra a pergunta que
estejam, estão fadadas a desaparecer. já é possível ver em encontros técnicos, dá título ao artigo, várias peças singe-
O mesmo acontece em empresas relatos, artigos, simpósios e workshops, las, cada uma dentro das tolerâncias
de software, e um exemplo clássico demonstrações de empresas que conse- dimensionais individuais, resultam em
disso será descrito no decorrer deste guem, de forma sistemática, a obtenção um conjunto montado / soldado dentro
artigo, então, antes de continuar a de peças com mais de 80% dos pontos das tolerâncias dimensionais?
leitura, separe a xícara de café, sente-se dentro de sua tolerância dimensional já
confortavelmente e prepare sua mente na primeira amostra estampada / ferra-
para uma visão no que as empresas de mentada. Apesar de ser algo que vem se
engenharia de software de simulação tornando uma realidade, ainda existem
estão trabalhando no momento e como algumas barreiras pontuais a serem
isso vem de encontro com a famosa e transpostas no quesito dimensional,
tão comentada Indústria 4.0. principalmente quando nos referimos
Em um passado não tão distante, a materiais de alta resistência, onde os
haviam discussões constantes nas requisitos para obtenção de bons resul-
empresas que trabalhavam na manufa- tados são ainda mais rigorosos. Porém,
tura de peças estampadas: “A simulação já está demonstrado que uma rápida e Figura 1: Conjunto Montado virtual CAD-0
é confiável?”, “Ouvi dizer que nosso adequada acurácia dimensional pode
concorrente está conseguindo tirar sim ser alcançada através do uso de
peças sem problemas de ruptura já nas simulações computacionais do processo Se você já teve a oportunidade de
primeiras amostras estampadas”, “Isso de estampagem, desde que as mesmas trabalhar ou interagir com alguém que
não funciona, ímpossível um progra- sejam criteriosamente realizadas. trabalhou no departamento de BiW,
ma de computador prever o resultado Atualmente, as empresas envolvidas certamente você saberá que a resposta

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negativa para esta pergunta é simples internamente) quanto as peças buy


e direta, e ela é assim por conta de pelo (compradas de parceiros de negócio)
menos três fatores: 1-) A “soma” das são projetadas tendo critérios individu-
tolerâncias individuais podem levar a ais e são, em sua maioria, aprovadas de
um valor fora da tolerância do con- forma individual. Processo que é ainda
junto. 2-) O Processo de junção, tanto agravado pelo fato de que, na grande
relacionado a localização das uniões, maioria dos casos, os paineis maiores
como a sequência em que elas são fei- (interno e externo) são peças make, com
tas, podem impor tensões ao conjunto um processo de desenvolvimento que
e que, somadas às tensões iniciais de segue uma determinada linha de racio-
estampagem, o tirem do dimensional. cínio, enquanto os reforços são passa-
3-) Tensões dos processos anteriores e/ dos a fornecedores (peças buy), que se
ou do próprio processo de união (solda preocupam em atender as exigências
por exemplo). para aquela peça individual.
A Figura 1 exemplifica o objetivo,
que é perfeito no mundo virtual, onde a
exatidão é garantida matematicamente.
Já a Figura 2, representa a realidade em
que vivemos, onde conseguimos sim pe-
ças dentro de uma faixa de tolerância
dimensional, mas nunca “perfeitas”.

Figura 3: Conjunto didático de um capô

Imaginem que o seu time de enge-


nharia se esforce, e entregue o capô
externo do exemplo acima, depois de
horas de engenharia, simulação, cons-
Figura 2: Conjunto Montado no Mundo Real - trução e tryout, dentro da tolerância
Tensões internas dimensional para a equipe de grafa-
gem. Essa mesma equipe de grafagem,
E aqui, entra mais uma questão: Até recebe um painel interno que não foi
que ponto vale a pena dispender exaus- feito com o mesmo cuidado e está fora
tivas horas de trabalho para se compen- do dimensional, talvez devido a tensões
sar desvios geométricos em uma peça imputadas ao processo por um dos
que será montada em um conjunto, reforços.
sem antes avaliar o que acontecerá Por se tratar de um painel em
quando o conjunto for montado? material macio e de baixa espessura,
Para tentar exemplificar o acima a tendência é que o painel externo se
citado, usaremos um exercício didático molde ao subconjunto interno, levando
mostrado na Figura 3, um conjunto de o resultado do conjunto completo a
capô, que consiste, de forma simplifica- também estar fora da tolerância, fazen-
da, em 4 peças, sendo elas: Capô exter- do com que todo o esforço do seu time,
no, capô interno, reforço da fechadura tenha sido em vão.
e reforço interno. Ao chegar até aqui, vocês podem es-
O processo comum que hoje é ob- tar pensando: “Ok, entendi, mas o que
servado em montadoras para manufa- isso significa? Que não devo me preocu-
tura deste conjunto, é o descrito acima, par em compensar o painel externo?”
onde tanto as peças make (realizadas O ponto aqui é: Não é possível

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saber qual seria a melhor estratégia a ser aplicada sem uma


avaliação prévia. Hoje, já existem tecnologias que permitem
isso e mostraremos aqui, como utilizá-las e como elas podem
alterar o processo atual de manufatura.
A Figura 4 mostra resultados de springback das simula-
ções do painel externo e interno, ambos medidos com relação
a suas condições nominais CAD-0, conforme o produto. É
possível observar valores altos de springback para ambas as
peças. Notamos também peculiaridades, como o desvio em
direções opostas em regiões que são sobrepostas no conjunto
final, como destacado na imagem.
Figura 5: Springback do Conjunto Soldado e do Conjunto Grafado

no painel interno e usando como referência o painel nominal


CAD-0. A Figura 6 mostra os resultados dessa compensação
tanto no painel singelo quanto no resultado do subconjunto
soldado. Esse novo subconjunto foi substituido no processo
de grafagem e a Figura 7 mostra o resultado de springback do
conjunto atualizado.

Figura 4: Springback Capô Externo e Capô interna

Já a Figura 5, apresenta os resultados de springback do


subconjunto interno soldado, formado pela estrutura interna
do capô, somada aos dois reforços mencionados anterior-
mente. No lado direito, temos o resultado de springback após
a grafagem do conjunto completo, composto pelo painel
externo e o subconjunto soldado.
Figura 6: Springback Capô Interno Compensado e do Conjunto Soldado
Aqui, vale a pena mencionar pontos interessantes, que
podem passar despecebidos:

1. O resultado inicial dos desvios dimensionais do conjunto


grafado, é diferente quando comparado as peças singelas
e, por incrível que pareça, não tão longe de um resultado
satisfatório, como estão as peças individuais;
2. Nenhum dos painéis mostrados nesse primeiro cenário,
passou por uma correção dimensional prévia;
3. As áreas de match da carroceria no resultado final, não
estão tão ruins, quanto nas peças singelas.

Como ainda temos regiões fora da tolerância, foi uma apli- Figura 7: Springback do conjunto grafado (sem compensação
cada uma compensação de springback, inicalmente apenas no painel externo)

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Uma melhora nas áreas de match é observada, agora to- comparativos, a simulação original do painel externo do lado
talmente dentro da tolerância. Nota-se também a existência esquerdo, e do lado direito a simulação compensada apenas
de regiões negativas na parte externa, que são reflexos ainda nas regiões que apresentaram desvios no conjunto final.
da peça singela, o que significa dizer que estas regiões não Este resultado é então levado novamente ao processo de
são influenciadas pelos outros processos, e a saída é compen- grafagem e um novo cálculo é realizado, chegando ao final
sá-la na origem. mostrado na Figura 9, que contém um conjunto dentro do
Aqui, entra uma novidade. É possível usarmos o resulta- dimensional.
do da Figura 7, para criar uma referência virtual a ser usada
na compensação do painel externo. Dessa forma, apenas
as regiões de interesse serão compensadas, mantendo as
áreas que já estão dentro da tolerância intactas. O resultado
desse método é mostrado na Figura 8. Ela mostra, para fins

Figura 9: Conjunto grafado final

Os olhares mais atentos já devem ter percebido quais


impactos o processo descrito acima podem causar, mas colo-
Figura 8: Capô externo sem compensação e Capô compensado caremos aqui os principais pontos em destaque:
com base no resultado da grafagem

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• O painel interno foi compensado na nos conjuntos e subconjuntos. Paradig- Sabemos que se trata de um assunto
maneira padrão, usando como refe- mas precisam ser vencidos para que polêmico e deixamos a cargo de vocês a
rência o produto nominal, CAD-0; isso um dia se torne realidade. Sobre reflexão sobre este tema. Estamos sem-
• A compensação do springback do esse ponto de vista, podemos colocar pre abertos a discussões, não hesitem
painel externo foi severamente dois pontos como conclusão: em nos contatar!
reduzida, reduzindo vários riscos, Obs.: Os cálculos e exemplos
entre eles, o de criação de defeitos 1. Já existem grandes empresas mostrados aqui foram executados com
de superfície durante este processo; fazendo testes com esse método e o software de simulação AutoForm®
• As tolerâncias dimensionais do obtendo excelentes resultados; tanto para os estudos de conformação,
painel externo podem ser liberadas, 2. A algum tempo atrás quem imagi- grafagem e todos os processos de união e
especialmente nas regiões de match; naria que seria possível tirar um montagem dos conjuntos e subconjuntos.
• O método reduziu significativamen- paralama com 85% dos pontos
te os esforços necessários na com- dentro da tolerância dimensional
pensação de springback de várias na primeira peça ferramentada,
Fernando Henrique Tersetti: Engenhei-
peças do conjunto. o que hoje se consegue obter de ro de aplicação na AutoForm do Brasil e
forma sistemática? Por que não integrante da equipe técnica responsável
pelo suporte a aplicação do software no
Isso significa dizer que, alteran- podemos acreditar que no futuro
mercado brasileiro e argentino, possui
do um pouco nosso processo atual e isso também possa acontecer 10 anos de experiência na indústria auto-
utilizando as tecnologias disponíveis no com a avaliação de conjuntos mobilística tendo atuado na área de projetos de ferramentas
para estamparia e simulação de processos de estampagem.
mercado, podemos gerar savings gran- e subconjuntos como um todo,
Possui graduação em Engenharia de Controle e Automação e
des em horas de engenharia e tryout incluindo processos de grafagem cursa MBA em Gerenciamento de Projetos. +55 11 4121-1644
tanto nos painéis estampados quanto e união? / fernando.tersetti@autoform.com.br

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