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Pontifícia Universidade Católica de São Paulo

PUC-SP

Clara Kislanov da Costa

A urgência subjetiva na urgência e emergência médicas: a inserção da escuta psicanalítica no


pronto-socorro

Mestrado em Psicologia Clínica

São Paulo

2017
Pontifícia Universidade Católica de São Paulo

PUC-SP

Clara Kislanov da Costa

A urgência subjetiva na urgência e emergência médicas: a inserção da escuta psicanalítica no


pronto-socorro

Mestrado em Psicologia Clínica

Dissertação apresentada à Banca Examinadora da


Pontifícia Universidade Católica de São Paulo,
como exigência parcial para obtenção do título de
Mestre em Psicologia Clínica, sob a orientação do
Prof. Dr.Luis Claudio Mendonça Figueiredo.

São Paulo
2017
Banca Examinadora
Talvez seja uma das experiências humanas e animais
mais importantes. A de pedir socorro(...) Eu já pedi
socorro. E não me foi negado.

Clarice Lispector

Dedico este trabalho a todos os pacientes que atendi no


pronto-socorro,os quais depositaram em mim sua
confiança em momentos difíceis de suas vidas e que
tanto me fizeram aprender .
Esta pesquisa foi realizada com o financiamento do Conselho Nacional de Desenvolvimento
Científico e Tecnológico (CNPq).
Agradecimentos:

Ao meu orientador, Luis Claudio Figueiredo, pela aposta neste trabalho, pela disposição e
precisão em suas observações e por contribuir para que a realização do mestrado fosse uma
experiência prazerosa.

Às professoras da banca de qualificação e defesa, Elisa Cintra e Maria Livia Tourinho


Moretto, pela leitura atenta do texto, pela generosidade e pelas imensuráveis contribuições a
este trabalho.

Ao CNPq, pelo financiamento desta pesquisa.

Aos colegas do grupo de orientação, pelas considerações feitas acerca desta dissertação, as
quais muito me auxiliaram neste percurso.

Ao Guilherme, pelo amor, incentivo e paciência.

À minha mãe, Sara, pelo enorme suporte e apoio, pelo modelo profissional que é e por ser
suficientemente boa. Ao meu pai, Sergio, também pelo apoio, pelas conversas sobre a vida e
pelas trocas ricas em Psicanálise.

Ao Bijos, por ser sempre tão presente e pelo carinho e afeto constantes.

Ao Pedro e à Pietra, pela parceria fraterna, e especificamente ao Pedro por entender os meus
momentos mais árduos na realização desta dissertação.

À Thais, Rafael e Carolina, pela amizade sobretudo, e por partilharem comigo as alegrias e
percalços do trabalho em pronto-socorro.

À Helena, também pela amizade e por me fazer compreender a importância de se trabalhar em


equipe multiprofissional.
COSTA, Clara Kislanov da. A urgência subjetiva na urgência e emergência médicas: a
inserção da escuta psicanalítica no pronto-socorro. 2017. 107f. Dissertação (Mestrado).
Programa de Estudos Pós- Graduados em Psicologia Clínica. Pontifícia Universidade Católica
de São Paulo.

RESUMO

A presença do psicanalista no pronto-socorro hospitalar ainda suscita indagações


acerca do que pode fazer tal profissional nesse local. Este estudo busca compreender quais são
as possibilidades de atuação para o psicanalista em um serviço de urgência e emergência,
considerando-se os impasses que esse profissional poderá encontrar nesse ambiente ao
trabalhar segundo uma ética e olhar específicos. Trata-se de pesquisa qualitativa
fundamentada em uma reflexão teórica realizada a partir de uma leitura psicanalítica e que
teve como base empírica vinhetas originárias de experiências da pesquisadora e de
profissionais de Psicologia entrevistados. Autores como Freud, Winnicott e Roussillon são
utilizados para a compreensão de temas caros à pesquisa, tais como a emergência da angústia,
a evitação do traumático e as possibilidades de simbolização. Visa-se ainda contribuir para a
valorização de uma escuta e cuidado que não são necessariamente exclusivos do psicanalista.
Dessa forma, podem ser utilizados também pelos demais profissionais que trabalham em
prontos-socorros em prol do paciente e de seu familiar.

Palavras-Chave: Pronto-Socorro; Urgência e Emergência; Escuta Psicanalítica; Psicanálise


em Hospital, Psicologia Hospitalar; Urgência Subjetiva; Cuidado
COSTA, Clara Kislanov da. The subjective urgency in the medical urgency and
emergency: the insertion of the psychoanalytical listening in the emergency service.
2017. 107f. Dissertation (Masters in Clinical Psychology) – Pontifical Catholic University of
São Paulo.

ABSTRACT

The presence of the psychoanalyst in the hospital’s emergency room still raises
questions about what this professional is capable of doing in such place. The main goal of this
research is to understand what is the role of the psychoanalyst in the emergency service, given
the hurdles he/she can find due to a different look and a specific sense of ethics in this
environment. To achieve this goal, a qualitative research was carried out, based on a
theoretical discussion and a psychoanalytical reading which, in its turn, originated from the
researcher experience and also from interviews with professionals from the field of
Psychology. Authors like Freud, Winnicott and Roussillon were mentioned in order to give a
better understanding to the main topics researched, such as the emergence of anguish, the
avoidance of the traumatic and the possibilities of symbolization. In addition, this research
also intends to show the importance of a care and listening that are not necessarily exclusive
to the psychoanalyst. This knowledge may be used by other professionals who work in
emergency units in benefit of the patient and his/her relatives.

Keywords: Emergency Service; Urgency and Emergency; Analytical Listening;


Psychoanalysis in the Hospital; Hospital Psychology ; Subjective Urgency; Care
SUMÁRIO

Introdução................................................................................................................................9
Método......................................................................................................................................11
1- O pronto-socorro................................................................................................................15
1.1 Conhecendo o pronto-socorro............................................................................................ 15
1.2 A rotina esperada................................................................................................................18
2- A problematização da atuação em urgência e emergência: reflexões acerca de
impasses e contradições..........................................................................................................21
2.1 Sofrimento X Sintoma/ Demanda X Oferta........................................................................21
2.2 Patologização/Hipermedicalização na saúde......................................................................23
2.3 Os protocolos de atendimento.............................................................................................26
2.4 A desautorização no cuidado..............................................................................................29
3- Para pensar a urgência subjetiva no pronto-socorro......................................................36
3.1 A urgência subjetiva:o que é?.............................................................................................36
3.2 A angústia como afeto onipresente.....................................................................................38
3.2.1 A angústia freudiana no contexto da urgência e emergência...........................................39
3.3 O traumático........................................................................................................................48
3.3.1 A concepção do traumático em Freud..............................................................................48
3.3.2 A concepção do traumático em Winnicott.......................................................................55
3.4 Localizando o desamparo na obra freudiana...................................................................... 60
3.5 A simbolização possível no pronto-socorro........................................................................67
4- A escuta como cuidado..................................................................................................... 78
4.1 A escuta analítica e o acolhimento......................................................................................78
4.2 A inserção da escuta analítica na urgência e emergência...................................................82
4.3 Quando todo cuidado não é pouco......................................................................................89
Considerações Finais...............................................................................................................94
Referências Bibliográficas......................................................................................................98
Anexos ...................................................................................................................................105
INTRODUÇÃO:

O interesse por desenvolver um trabalho centrado na inserção do psicanalista no


ambiente do pronto-socorro hospitalar foi despertado após a realização de uma residência
multiprofissional em saúde realizada no Hospital São Paulo, vinculado à Universidade
Federal de São Paulo (UNIFESP). Ao longo de dois anos, atuei majoritariamente no setor de
urgência e emergência desse hospital, destinado a atender a clientela que busca auxílio no
Sistema Único de Saúde. Durante esse período, foi possível observar possibilidades nessa área
de atuação,mas também foi preciso problematizar tal prática.

Já a opção pela Psicanálise como forma de olhar para tais fenômenos que estavam
presentes em meu dia a dia de trabalho é anterior ao início da atuação em pronto-socorro. O
interesse pelas determinações inconscientes motivou-me a adquirir uma escuta que as
privilegiasse em qualquer setting ,independentemente do ambiente de atuação profissional.

Antes da experiência como residente, foi possível vivenciar outras atuações prévias em
hospitais durante a realização de estágios na graduação, porém sem contato com o ambiente
do pronto-socorro e suas especificidades. Atuar no setor de urgência e emergência foi uma
escolha feita no momento de inscrição no processo de seleção para o programa de residência.
Ao longo dos dois anos de inserção nesse local, surgiram indagações sobre o porquê dessa
opção, isto é, o que teria me motivado a querer trabalhar com os aspectos psíquicos de
pacientes que estão em estado de emergência ou urgência médicas.

Outras questões se fizeram presentes durante esse período: como o psicanalista se


insere em uma equipe de urgência e emergência? Ele está ali para acolher o paciente e seus
familiares? E o que significaria esse acolhimento, para além de uma simples posição passiva?
Como manter uma escuta e olhar psicanalíticos e atuar de acordo com essa postura em meio a
tantos estímulos de diversas origens?

Questionei-me também se o psicanalista é chamado a atuar nesse espaço para lidar


com aspectos considerados difíceis por outros profissionais, tais como questões emocionais e
psicossociais, pois muitas vezes o pronto-socorro acaba por se tornar um depositário de
problemas que não são estritamente de ordem médica. Enriquez aborda a posição marginal
ocupada na sociedade pelo que denomina de “profissionais do psíquico” :
9
Se a sociedade contemporânea ocidental é essencialmente uma sociedade de
produção e um lugar onde cada um é interpelado na sua capacidade de decidir por si
mesmo, de dominar e de competir, essas pessoas atestam que não se interessam nem
pela produção, nem pela decisão ou pelo poder, portanto, por aquilo que é
constitutivo da existência dessa sociedade. Se um psicanalista pode ter um poder (e
sabemos que ele pode ser exorbitante), o que o caracteriza como psicanalista é o fato
de não se utilizar deste poder e também o fato de não decidir no lugar do outro, de
não querer adaptá-lo diretamente ao sistema social. (1991, p. 66)

A partir de tais considerações, pode-se indagar como um “profissional do psíquico”


deve lidar no pronto-socorro, por exemplo, com uma demanda da equipe para convencer um
paciente a comer ou a tomar banho? Será que ele, orientado pela ética psicanalítica, deve fazê-
lo? Diante de tantos questionamentos, nasceu o desejo de explorar os meandros dessa inserção
profissional ainda pouco estudada e caracterizada e, sobretudo, a curiosidade de analisar quais
problemas se apresentam para um profissional de Psicanálise em um serviço de urgência e
emergência. Isso implica pensar como ele pode auxiliar o paciente e seu cuidador, que
posição ocupa frente à equipe e como deve lidar com demandas que são provenientes de
ambos os lados (paciente e outros profissionais de saúde). Nota-se que o psicanalista parece,
muitas vezes, atuar no contrafluxo, em outro tempo e lógica, se o compararmos a
fisioterapeutas, médicos, enfermeiros, entre outros.

A reflexão sobre tais aspectos é importante, na medida em que traz subsídios para uma
atuação mais responsável e segura por parte do psicanalista e auxilia no fortalecimento do
tripé ensino - assistência - pesquisa, indispensável para a formação desse profissional em
qualquer campo de trabalho. A partir de tal compreensão, será possível vislumbrar o que é
passível de ser modificado e/ou repensado em sua dinâmica de trabalho.

Sendo assim, o objetivo deste trabalho consiste em compreender quais são os impasses
e contradições que um psicanalista encontra em seu cotidiano profissional no pronto-socorro e
de que modo pode lidar com essas problematizações, mantendo-se inserido na equipe
multiprofissional. Torna-se relevante indagar e tornar mais claras tais questões concernentes
a esse momento específico de urgência não só fisiológica, mas também subjetiva.

Vale ressaltar que não se pretende estabelecer protocolos fechados de atendimentos


ou firmar prescrições acerca do que deve ou não ser realizado e sim averiguar quais são as

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possibilidades para o psicanalista em uma área na qual sua atuação é recente. Com isso,
tornam-se viáveis espaços para discussões e trocas intersubjetivas.

Método:

Para a realização deste trabalho, optou-se pelo paradigma epistemológico vinculado à


pesquisa qualitativa. Segundo Bogdan e Biklen apud Turato (2003), essa modalidade de
estudo tem algumas características principais, em maior ou menor grau, que são: a pesquisa é
naturalística, tem dados descritivos, a preocupação é com o processo e a questão da
significação é essencial. Ao abordar a pesquisa qualitativa em saúde, Minayo (2010, p.57)
pontua que tal método “propicia a construção de novas abordagens, revisão e criação de novos
conceitos e categorias durante a investigação [...] também é utilizado para a elaboração de
novas hipóteses”.

Sendo assim, este estudo consiste em uma reflexão e elaboração teóricas realizadas a
partir de bases empíricas fundamentadas sobretudo em minha própria experiência como
profissional, dotada de uma escuta psicanalítica, atuante em pronto-socorro hospitalar. Desse
modo, foram descritos casos e experiências vivenciados ao longo dos anos de atividade nesse
local. Esses foram apresentados resumidamente, em formato de vinheta, de modo a não
propiciar a identificação e não expor nenhum dos participantes dos episódios relatados. Trata-
se, portanto, de uma dissertação que tem sua origem em minha prática profissional, bastante
rica, porém muitas vezes também inquietante e disparadora de indagações, tornando-se o
alicerce das concepções desenvolvidas ao longo deste trabalho.

A título de suplementação de tal embasamento empírico e para que fosse possível


atingir o propósito de ampliar as considerações sobre as situações vivenciadas em um pronto-
socorro, a partir do ponto de vista psicanalítico, cabe destacar a colaboração de cinco
profissionais de Psicologia atuantes em setores de urgência e emergência de distintas
instituições hospitalares os quais relataram suas vivências para esta pesquisa. Para fins de
saturação da amostra de participantes, escolheu-se entrevistar psicólogos em diferentes
momentos de sua trajetória profissional, o que incluiu desde profissionais jovens, inseridos

11
em programas de residência na área hospitalar, até psicólogos mais experientes, com muitos
anos de atuação em pronto-socorro. Salienta-se que tanto as experiências pessoais relatadas,
quanto as descritas pelos entrevistados, não foram submetidas a categorias de análise formal,
tais como as análises de discurso ou conteúdo, não sendo esse o propósito do estudo com vias
a atingir os objetivos almejados.

Optou-se pela modalidade de entrevista semiestruturada porque permite que sejam


especificadas as áreas a serem exploradas, garantindo algumas informações necessárias, ao
mesmo tempo em que possibilita aos entrevistados se expressarem de acordo com a
associação livre de ideias, o que instaura um espaço para que surjam questões não previstas.
Dessa forma, as duas partes da relação na entrevista possuem oportunidades de direcioná-la, o
que gera maiores ganhos em termos de obtenção de dados de acordo com os objetivos
propostos (TURATO, 2003). Segundo a literatura, a entrevista semiestruturada é considerada
o instrumento auxiliar mais adequado a ser utilizado em pesquisas qualitativas (TURATO,
2003).

O projeto de pesquisa desta dissertação foi submetido ao Comitê de Ética em Pesquisa


do programa de pós-graduação da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP) e
aprovado por esse. Da mesma forma, também foi aprovado na Plataforma Brasil pelo Comitê
de Ética em Pesquisa com seres humanos, órgão vinculado ao Ministério da Saúde. Para a
realização das entrevistas semi-dirigidas, os entrevistados foram indagados previamente sobre
a possibilidade de participação na pesquisa, sendo explicado verbalmente e por escrito do que
se tratava o estudo, bem como assinalada a instituição de ensino e pesquisa a que estava
vinculado.As entrevistas foram realizadas pessoalmente, gravadas e transcritas posteriormente
com a autorização dos participantes.

Esses últimos assinaram em duas vias o termo de consentimento livre e esclarecido


(Anexo 2), formulado de acordo com a resolução de número 466, de 12 de dezembro de 2012,
do Conselho Nacional de Saúde, sendo explicitada a garantia de sigilo em relação à
procedência das informações e relatos transmitidos. Sendo assim, os entrevistados não serão
identificados ao longo deste trabalho, pois entende-se que a distinção dos participantes não é
relevante para os objetivos pretendidos.

12
As entrevistas foram realizadas tendo como foco as experiências dos profissionais, isto
é, lhes foi solicitado que se recordassem e narrassem diferentes episódios vivenciados durante
os anos de trabalho no local em questão neste estudo. Assim, muitos exemplos retirados das
entrevistas foram utilizados ao longo da dissertação com a finalidade de ilustrar os impasses e
desafios com os quais se depara um profissional de saúde mental que adota um olhar e escuta
psicanalíticos no pronto-socorro.

É importante salientar que dois dos cinco psicólogos entrevistados não utilizavam
como instrumento de trabalho a Psicanálise, porém as situações relatadas pelos profissionais
foram localizadas posteriormente dentro do contexto psicanalítico, propósito de abordagem
desta pesquisa. Assim, os exemplos provenientes das entrevistas nos auxiliam a constatar
como ocorre na prática o que é descrito também no plano teórico, sendo ambos os aspectos,
teórico e prático, desenvolvidos concomitantemente.

A seguir, tem-se uma breve descrição dos capítulos desta dissertação:

No primeiro capítulo, é descrito o que é um pronto-socorro, como funciona enquanto


dispositivo de saúde, quais são os casos ali atendidos, como o usuário dos serviços de saúde
enxerga os atendimentos de urgência e emergência e de que forma isso interfere no trabalho
da equipe. Também são enumeradas as principais solicitações realizadas pela equipe a um
profissional de saúde mental nesse local e como é a rotina dos atendimentos realizados com
pacientes e familiares, o que é denominado de modo de atuação que se espera desse
profissional.

No segundo capítulo, destacam-se alguns elementos problematizadores, do ponto de


vista psicanalítico, acerca dessa rotina estabelecida. Faz-se necessário pensarmos sobre as
diferenças demarcadas entre sofrimento e sintoma, bem como entre demanda e oferta e no que
tal diferenciação implica para a inserção psicanalítica no pronto-socorro. Também é preciso
refletir sobre as razões que permeiam o excesso de medicalização observado, assim como
pensar sobre o uso indiscrimando de protocolos, isto é, a utilização de forma mecanizada e
pouco eficaz para o paciente, sendo necessário atentar para o uso adequado desse instrumento.
Por fim, neste capítulo, fundamentando-se nas concepções do psicanalista Daniel Kupermann,
são assinaladas as possibilidades de mal-entendidos existentes no pronto-socorro no que se

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refere à ausência de cuidados direcionados para os aspectos psíquicos por parte dos
profissionais de saúde.

No terceiro capítulo, são abordados conceitos indispensáveis para pensarmos a


urgência subjetiva no pronto-socorro, os quais são: a angústia, o traumático, o desamparo e a
simbolização. Sem considerar esses elementos, não é possível também refletir sobre o
posicionamento do psicanalista em qualquer situação de urgência e emergência. Assim, para
tal embasamento teórico, são utilizados autores tradicionais, tais como: Freud, Winnicott,
Anna Freud, Laplanche e Pontalis, assim como também autores contemporâneos, entre os
quais estão Figueiredo, Moura, Cintra, Rocha, Minerbo e Roussillon.

O quarto e último capítulo traz as considerações sobre a escuta analítica e as formas de


cuidado que essa escuta torna viável em urgência e emergência. Trata-se, portanto, de um
capítulo que visa colaborar à descoberta de caminhos possíveis para lidar com as dificuldades,
conflitos e indagações encontrados no pronto-socorro. São abordados temas como
acolhimento, inserção na equipe, distinção entre demanda de trabalho e demanda de presença
ao analista, relações transferenciais, além das noções de cuidado, implicação e reserva do
agente cuidador.

Nas considerações finais, são retomados, de forma sucinta, os principais aspectos


abordados durante esta dissertação, assim como são expostas as conclusões advindas de tais
discussões. Da mesma forma, são relatadas as possíveis contribuições pretendidas com este
trabalho.

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1- O PRONTO-SOCORRO

1.1 Conhecendo o pronto-socorro

As emergências médicas em hospitais podem ser caracterizadas como situações


intensas, imprevisíveis, abruptas e que comportam em si enorme sofrimento psíquico para
pacientes, familiares e/ou cuidadores. De acordo com o documento que define a terminologia
básica em saúde (BRASIL, 1987, p.21), o pronto-socorro é definido como: “estabelecimento
de saúde destinado a prestar assistência a doentes, com ou sem risco de vida, cujos agravos à
saúde necessitam de atendimento imediato”.
Funciona durante as vinte e quatro horas do dia e dispõe apenas de leitos de
observação. Enquanto local físico, esse ambiente pode ser definido como a porta de entrada
do hospital, recebendo portanto enorme demanda espontânea1. Para conhecer tal setor
hospitalar, é preciso em primeiro lugar discriminar o que significa uma urgência e o que é
uma emergência. O primeiro termo se refere a casos que demandam atendimento rápido,
porém sem risco de morte iminente, já o segundo diz respeito a situações com risco imediato
de morte (OHARA, 2009).
Para exemplificar, entre os acometimentos considerados como urgência, estão
incluídas cefaléias súbitas e intensas que não são exterminadas com analgesia convencional,
dores lombares repentinas somadas a náuseas e vômitos frequentes, alterações urinárias, febre
alta em crianças, entre outros. Já os casos de emergência comportam: quedas de grandes
alturas, choques elétricos, afogamentos, intoxicações graves, falta de ar, aumento súbito de
pressão arterial, grandes hemorragias, dor súbita no peito de grande intensidade, repuxo de
boca e olhos com dores de cabeça, acidentes automobilísticos e com máquinas, etc
(KOPSEL,VICENSI, 2012).
Sabemos, entretanto, que na prática e no cotidiano em especial dos serviços públicos
de saúde, tal definição e restrição a casos de urgência e emergência não se sustentam por

1
Vale salientar que existem as unidades de urgência e emergência referenciadas, as quais atendem
exclusivamente pacientes encaminhados por médicos de outros serviços de saúde, após estes já terem
confirmado um maior nível de gravidade no estado de saúde destes indivíduos que justifique o atendimento em
pronto-socorro, já que esse local é destinado em sua essência a casos de maior complexidade. Estas unidades
referenciadas também atendem pacientes trazidos pelo corpo de bombeiros e pelo SAMU (serviço de
atendimento móvel de urgência), mas não são, portanto, um serviço com o sistema denominado “porta aberta”.

15
completo, uma vez que o pronto-socorro acaba se transformando em local não somente de
observação, mas de internações por vezes prolongadas, ainda que falte infra-estrutura para
administrar o tratamento dos pacientes em um local concebido para atendimentos
relativamente rápidos. Do mesmo modo, o pronto-socorro acaba sendo onerado também por
demandas mais simples ou por indivíduos com adoecimentos crônicos que não conseguem
atendimento em outras instâncias do sistema de saúde tais como ambulatórios e unidades
básicas (ROMANO, 1999).

Nesse sentido, em termos de saúde pública, vale assinalar que esses usuários
pressupõem que têm o direito de serem atendidos ao procurar o pronto-socorro, não podendo
ter o seu atendimento nesse setor hospitalar recusado, pois entendem que é dever do Estado
proporcionar o serviço (KOPSEL;VICENSI,2012). Além disso, o pronto-socorro é visto pelo
paciente como um local onde irá dispor de um atendimento completo e integrado, isto é, não
obterá somente as consultas, mas conseguirá também, em determinados casos, remédios,
procedimentos, exames e até, se necessário, internações (MARQUES;MADS, 2007).

Dessa forma, é possível compreender melhor o fato de o serviço de urgência e


emergência ter se tornado um local com grande número de pacientes com os mais variados
níveis de gravidade. Tal situação sobrecarrega a equipe e torna a demanda maior do que os
recursos humanos e tecnológicos disponíveis.

Para tentar reduzir os problemas gerados em decorrência de tal cenário e de acordo


com os princípios da Política Nacional de Humanização2, o usuário que se dirige a um pronto-
socorro público irá inicialmente ser atendido por um profissional de enfermagem que realizará
o acolhimento, a avaliação e a classificação de risco do paciente. Essa última é feita de
acordo com protocolos, entre os quais o mais utilizado é o Protocolo de Manchester que
promove a separação em cores as quais são as seguintes (BRASIL, 2009):

*Vermelho- o paciente possui risco de morte iminente e é encaminhado diretamente


para a sala de emergência. O tempo de espera para atendimento é de 0 minutos.

2
Política instaurada pelo Ministério da Saúde em 2003 que visa concretizar os princípios do Sistema Único de
Saúde de modo que estes sejam efetivados no cotidiano dos serviços de saúde, beneficiando seus usuários. Para
tal, deve estar aliada a modificações nas práticas de gestão e cuidado. (BRASIL, 2004)

16
*Laranja- casos muito urgentes, nos quais o paciente necessita de atendimento quase
imediato. O tempo de espera para atendimento é de 10 minutos.

*Amarelo- o paciente deve ser atendido o mais rápido possível, porém não corre risco
iminente de morte, o que corresponde a um caso de urgência. O tempo de espera para
atendimento é de 50 minutos.

* Verde- o paciente não corre riscos, podendo aguardar o atendimento ou ser


encaminhado para outro serviço de saúde. O tempo de espera para atendimento é de 120
minutos.

*Azul- corresponde a casos leves, nos quais o paciente pode aguardar ou também ser
encaminhado a outros serviços. O tempo de espera para atendimento é de 240 minutos.

Cabe destacar que nesse contexto, profissionais com alta carga de trabalho se tornam
mais cansados e menos predispostos ou com possibilidades reduzidas de dispensar maior
atenção a pacientes e cuidadores/familiares que por sua vez se encontram em um momento de
crise. Dessa forma, enquanto os usuários dos serviços de saúde demandam atenção e amparo
por parte dos profissionais, esses últimos, na contramão, trabalham sob pressão e contra o
tempo.

Tais aspectos geram também reflexões acerca do vínculo que é possível construir com
os pacientes, o que pode vir a colocar à prova a qualidade das dinâmicas transferenciais e
contratransferenciais estabelecidas. Se a relação médico-paciente no pronto-socorro já é
naturalmente menos consolidada, devido à própria natureza passageira ou momentânea dos
atendimentos, pode tornar-se ainda mais frágil diante do panorama descrito.

Em meio a esse cenário em que as relações estabelecidas tornam-se conturbadas ou


são mesmo desconsideradas, que posição ocupa um psicanalista em um pronto-socorro
hospitalar? Que dificuldades encontra para preservar seu lugar e seu olhar para a
singularidade em um local no qual, a princípio, a única prioridade seria manter a vida do
paciente, isto é, seu aparato biológico em funcionamento?

Essas reflexões sobre a posição e a problematização em relação à inserção do


psicanalista no pronto-socorro serão desenvolvidas ao longo deste trabalho, sendo o seu foco.
No entanto, nesta parte inicial do estudo, torna-se interessante verificar o que é solicitado de
17
modo direto ao profissional de saúde mental no pronto-socorro e como se espera que ele
responda, enquanto tal, a esses pedidos.

1.2 A rotina esperada

Nos hospitais, em geral, as solicitações para atendimento são dirigidas não


especificamente a um psicanalista e sim a um profissional de psicologia ou àquele que se
dedica a questões de saúde mental, em termos genéricos. Os principais eventos em que há
solicitações por parte da equipe do serviço de urgência e emergência para atendimento desse
profissional ao paciente ou familiar incluem:

* solicitação de acompanhamento da equipe médica para comunicação de óbito a familiares;

* demanda de atendimento ao paciente que recebeu notícia de diagnóstico difícil ou


prognóstico reservado, entre os quais estão casos oncológicos, de HIV positivo, necessidade
de amputações de membros, entre outros;

* casos de violência sexual/doméstica;

* episódios de intoxicação exógenas;

* pacientes politraumatizados ou seus familiares

Há ainda demanda para atendimento a pacientes e familiares provenientes


especificamente do pronto-socorro psiquiátrico. De acordo com Baltieri e Andrade (2002), os
transtornos psiquiátricos mais comuns em serviços de emergência são: risco e tentativa de
suicídio, intoxicação e abstinência por álcool e drogas, surto psicótico agudo, doenças físicas
com alterações psíquicas, episódios de ansiedade ou de agressividade, transtornos
somatoformes ou dissociativos.

Diante de qualquer uma dessas demandas, há o que se pode denominar de modos de


atuação que são esperados do profissional, não essencialmente como psicanalista, mas sim
como funcionário institucional vinculado ao campo da saúde mental. Vale ressaltar que o seu
trabalho nem sempre se dirigirá imediatamente para o paciente que muitas vezes não está em
18
condições de ser atendido em um primeiro momento, mas sim para seus familiares e até
mesmo para a equipe. Com essa última, poderá obter informações iniciais, como por exemplo,
o que aconteceu com o paciente, qual seu estado de saúde e prognóstico e se há algum
familiar presente. Esse também é um espaço para que a equipe exponha alguma informação
extra que julgar importante. Alguns dos dados fornecidos por essa também podem ser
encontrados no prontuário do paciente. O profissional em questão deverá consultá-lo, a fim de
obter esclarecimentos relevantes como histórico prévio de doenças, profissão, idade, entre
outros.

Nos atendimentos ao paciente, é realizada geralmente uma primeira avaliação para a


obtenção de informações direcionadas para a atenção a aspectos psicológicos. Entre tais
dados, estão incluídas questões objetivas tais como antecedentes psiquiátricos na família,
realização de algum tratamento psicológico ou psiquiátrico atual ou prévio, uso de medicação
psiquiátrica, consumo de nicotina, álcool ou outras drogas; além de dados subjetivos, tais
como observar se tem informações adequadas, se considera seu quadro grave, quais são suas
expectativas de recuperação, sua compreensão do adoecimento e tratamento, se é ativo em
relação ao último, qual sua relação com a equipe de saúde, como se relaciona com a família e
se é receptivo em relação à abordagem específica do profissional que o avalia no momento.
Em situações nas quais o paciente está impossibilitado de ser avaliado, os aspectos objetivos
podem ser fornecidos por algum familiar próximo.

Além de tal análise, é essencial também realizar junto ao paciente, quando possível, o
exame de seu estado mental atual, o que consiste na avaliação de suas funções psíquicas, a
fim de verificar possíveis alterações. Dessa forma, examina-se prioritariamente a consciência,
atenção, orientação, sensopercepção, memória, afetividade, linguagem, pensamento e juízo de
realidade (DALGALARRONDO, 2008). Tais aspectos são importantes para que se possa ter
uma ideia inicial sobre o funcionamento psicodinâmico do paciente e averiguar como ele está
no momento da hospitalização.

Nos atendimentos com foco nos aspectos emocionais dos familiares, deve-se
primeiramente identificar qual familiar está mais organizado psiquicamente e, portanto, apto a
receber determinadas notícias, tomar decisões e também mais disponível para auxiliar outros
familiares mais fragilizados. Será assim o membro da família mais indicado para fornecer
informações sobre o paciente. Borges (2009) assinala a necessidade de se verificar entre os
19
familiares a ocorrência de situações anteriores de traumas ou perdas significativas, buscando
também compreender, em caso afirmativo, as reações emocionais e condutas adotadas à
época.

Devido ao fato de tal contato com esses familiares ser efêmero, Borges (2009) destaca
também a relevância de orientarmos os indivíduos mais fortalecidos emocionalmente na
família a observarem, nos dias que se seguem ao evento potencialmente traumático, eventuais
mudanças de comportamento em outros familiares, de modo a tomarem as devidas
precauções. A função do profissional de saúde mental adquire, nesse aspecto, um cunho
preventivo em relação à família do paciente.

Cabe aqui assinalar que assim como familiares e pacientes lidam com a
imprevisibilidade nesse ambiente, também o fazem todos os profissionais que nele atuam.
Diante dessa constatação e também devido ao caráter transitório desse local, os atendimentos
do profissional de saúde mental costumam ser pontuais, com início, meio e fim, ainda que
haja outros posteriores. Nesse sentido, Borges (2009, p. 18) assinala que: “A incerteza não
joga a nosso favor, mas não podemos negá-la e sim trabalhar com esse dado que é inerente
(...) à própria vida”.

Neste capítulo, foi descrito sinteticamente no que consiste um pronto-socorro e a


rotina de trabalho do psicanalista que nele atua como profissional de saúde mental. No
entanto, em seu cotidiano laboral, o psicanalista se depara com diversos questionamentos,
impasses e inquietações que fogem às práticas rotineiras e são considerados problemáticos do
ponto de vista psicanalítico, ou , em outras palavras, se o que se pretende é atuar segundo a
ética da psicanálise, tais questões devem ser reavaliadas. Quais são tais aspectos, como é
possível pensá-los e de que forma lidar com esses fatores? São questões que serão exploradas
nesta dissertação.

20
2- A PROBLEMATIZAÇÃO DA ATUAÇÃO EM URGÊNCIA E EMERGÊNCIA:
REFLEXÕES ACERCA DE IMPASSES E CONTRADIÇÕES:

2.1 SofrimentoX Sintoma/ DemandaXOferta

Para pensar essa questão, é importante considerar a diferenciação proposta por Moretto
(2015)3 entre sintoma e sofrimento na cena médica ao afirmar que o paciente busca o
atendimento médico para tratar de seu sofrimento, mas o que o profissional de medicina faz é
lidar com o sintoma do paciente, em busca de um diagnóstico. Se o pronto-socorro é a porta
de entrada do hospital, é, em geral, o primeiro setor hospitalar no qual o paciente pedirá
auxílio para seu problema. No entanto, se o socorro que o paciente busca em um pronto-
socorro é em relação ao seu sofrimento, ou seja, ele busca um cuidado direcionado para aquilo
que o faz sofrer, o médico e o restante da equipe tendem a não conseguir olhar além do
sintoma.

Assim, se o paciente tem determinados sintomas que indiquem um infarto agudo do


miocárdio, por exemplo, ele terá mais chances de ser imediatamente atendido, mas se tem
algo que é considerado popularmente como “piti”, então tem o risco de esperar por muitas
horas ou mesmo de não ser atendido. Não por acaso, muitos pacientes retornam ao serviço de
urgência e emergência após já terem sido medicados e já terem obtido recomendações para
seu tratamento, uma vez que o sintoma é tratado, mas o sofrimento permanece e o traz de
volta ao pronto-socorro.

Nesse contexto, Moretto (2015) afirma ainda que todo sofrimento comporta em si uma
demanda por reconhecimento, mas o que a equipe de saúde faz em geral é o contrário, isto é,
nega tal sofrimento, oferecendo um cuidado falho, que evidencia esse desencontro entre
demanda e oferta, já que aquilo que é ofertado não coincide com o que é demandado. Sendo
assim, questiona-se: o que o psicanalista pode oferecer ao paciente que está em um pronto-

3
Material extraído da apresentação da psicanalista Maria Livia Tourinho Moretto, intitulada “O sofrimento na
nossa cultura do sucesso”, no programa Café Filosófico, veiculado pela TV Cultura, em 2015.

21
socorro, assim como a seus familiares? O reconhecimento desse sofrimento, por meio de uma
escuta psicanalítica.

É a oferta dessa escuta, por sua vez, que gerará a demanda de atendimento psicanalítico
por parte de pacientes e familiares (MOURA, 2000). Se esses sujeitos, muitas vezes, não
sabem sequer o que o psicanalista faz no pronto-socorro, assim como muitos profissionais
também desconhecem, é a oferta do que ele tem para dar que irá produzir uma demanda, pois
a oferta permite inclusive um conhecimento do que ele faz ali naquele local. Como exemplo
de que a oferta de atendimento pode gerar uma demanda que se pressupõe inexistente, temos
a seguinte vinheta, narrada por uma das entrevistadas.

É passado à profissional o caso de um adolescente que havia dado entrada no pronto-


socorro devido ao uso abusivo de drogas, estando acompanhado por sua mãe no hospital. A
profissional vai então ao encontro dessa dupla, se apresenta como psicóloga e nota que a
familiar ri, nesse momento, aparentando tranquilidade. Em seguida, solicita que a mãe espere
em outro ambiente para que possa atender em separado o paciente, mas, ao fazê-lo, nota que
não há qualquer demanda para atendimento, ou seja, não observa na situação uma questão a
ser formulada. A psicóloga resolve então chamar a mãe do paciente de volta, para que retorne
junto ao filho. Antes disso, porém, ao se aproximar da familiar, mostra-se disponível para
atendê-la também, embora pense que essa talvez não se interesse por um atendimento para si,
devido à primeira impressão que teve ao abordá-la. Para sua surpresa, a psicóloga acaba por
realizar um atendimento de mais de uma hora com a mãe do adolescente na sala de espera do
hospital, ocasião em que essa mulher pode falar sobre sua história e a do filho.

Entende-se, nessa vinheta, que o “mostrar-se disponível”, isto é, a oferta de


atendimento, gerou a demanda por esse na familiar do paciente, pois a urgência para falar de
seu sofrimento e para tê-lo reconhecido era dela naquele momento. Ainda que a psicóloga não
tenha percebido, inicialmente, a existência desse sofrimento, a oferta de sua escuta
possibilitou detectá-lo, sem deixar que permanecesse calado.

22
2.2 Patologização/ Hipermedicalização na Saúde

Tamanha confusão entre sintoma e sofrimento e o não reconhecimento do último gera o


que pode ser compreendido como o fenômeno da patologização e consequente
hipermedicalização de aspectos psíquicos observado nos dias atuais, o qual, por sua vez, é um
exemplo nítido do mal-entendido existente entre demanda e oferta. Cria-se uma patologia
para o paciente que sofre, isto é, se oferece a ele um diagnóstico e, com esse último, um
remédio com a promessa de cura para seus males.

Winnicott, como médico, pôde observar a dificuldade de seus colegas de profissão em


enxergarem os aspectos psíquicos nos pacientes, por também não quererem enxergá-los neles
mesmos. Assim, ele diz:

(...) um sinal de saúde mental é a capacidade que um indivíduo tem para penetrar,
através da imaginação, e ainda assim, de modo preciso, nos pensamentos,
sentimentos e nas esperanças de outra pessoa e também permitir que outra pessoa
faça o mesmo com ele. (...) uma avaliação daquilo que estou chamando de
capacidade para identificações cruzadas- saber colocar-se no lugar do outro e
permitir o inverso- poderia ser uma das características importantes na seleção de
estudantes de medicina ( se essa capacidade pudesse ser testada). (1970/2005,
p.111)

O que são os sentimentos, esperanças e pensamentos que Winnicott menciona senão


componentes da subjetividade humana com os quais a Medicina não consegue lidar? Podemos
tomar como pressuposto, portanto, a adoção de uma postura psicanalítica no cenário do
pronto-socorro que tenha como base as proposições de Winnicott em relação ao conceito de
indivíduo saudável (1967/2005). Em 1967, ele afirma que saúde não é meramente a ausência
de doença psiconeurótica e inclui no conceito de saúde fatores como o medo, os sentimentos
conflitivos, dúvidas e frustrações, isto é, há na saúde tanto aspectos considerados positivos
quanto negativos, já que segundo Winnicott “a saúde não é fácil” (1967/2005, p.10).

Ao referir-se aos momentos de desintegração, por exemplo, o autor afirma que devem ser
aceitos pelo indivíduo saudável, pois estão presentes em episódios de relaxamento e até
mesmo em sonhos, sendo também um pressuposto para o aparecimento da criatividade.

23
Assim, para Winnicott (1967/2005), até mesmo a dor que faz parte da desintegração pode ser
admitida se considera-se que há também, junto a essa sensação, processos criativos.

Da mesma forma, a depressão, para o autor, constitui-se como evidência de que um


processo de integração foi realizado. Nesse mesmo sentido, de acordo com Luis Claudio
Figueiredo, fundamentado nas concepções de Winnicott:

(...) todo processo no rumo da integração e não só os momentos de fratura e


desorganização, implica também padecimento, pois a reunião de elementos afetivos
e ideativos antagônicos, díspares e até então dissociados, pressiona a vida psicofísica
e põe à prova a capacidade de metabolização. (2014, p. 24)

Essa concepção de que o processo de saúde comporta naturalmente adoecimentos, como


por exemplo, momentos regressivos e interrupções, remete à noção de que é preciso tolerar
tais extravios como parte da saúde e não, como vem sendo feito, patologizá-los e medicá-los.
Se o processo de saúde contém lugares para a doença, por que não aceitá-la e lidar com a
mesma? Essa é uma proposta que o psicanalista pode fazer no ambiente hospitalar, já que
como diz Winnicott, “a saúde não está associada à negação de coisa alguma” (WINNICOTT,
1967/2005, p.19) .

Por outro lado, é a não-aceitação de tais adoecimentos que leva ao que Winnicott
denominou de “fuga para a sanidade” (1967/2005), na qual as defesas maníacas, ao negarem a
possibilidade da doença, acabam por serem contrárias aos processos de saúde. A
hipermedicalização seria, portanto, uma representante dessa evasão não-saudável, na medida
em que se busca, de forma equivocada, viver bem, ainda que não se esteja disposto a aceitar
as dores e sofrimentos que fazem parte da vida. Para Luis Claudio Figueiredo (2014), há
outros exemplos de fugas para a sanidade na contemporaneidade, equivalentes à
medicalização exacerbada, tais como as fantasias onipotentes de jovialidade eterna e o uso de
outras drogas.

Para Winnicott, portanto, a hipermedicalização não corresponde ao que se faz necessário


para que um indivíduo se torne saudável porque a saúde está relacionada à capacidade de ser e
se sentir real, isto é:

O principal é que o homem ou a mulher sintam que estão vivendo sua própria vida,
assumindo responsabilidade pela ação ou pela inatividade e sejam capazes de

24
assumir os aplausos pelo sucesso ou as censuras pelas falhas. Em outras palavras,
pode-se dizer que o indivíduo emergiu da dependência para a independência, ou
autonomia. (1967/2005, p. 10)

Assim, o paciente muitas vezes entorpecido pelas medicações perde justamente a


capacidade de ser e se sentir real, pois o sentimento de realidade engloba diretamente o
sofrimento, enquanto a medicação visará apenas a eliminação de um sintoma. Ao trabalhar
sob a ótica da fuga para a sanidade, o médico mantém o foco estreito no sintoma em
detrimento da atenção para o sofrimento do sujeito. Ressalta-se também que a medicalização
que faz calar a subjetividade do paciente diminui suas capacidades de ser autônomo, pois
torna-se uma espécie de bengala de apoio, reduzindo suas possibilidades de escolha e de
assumir os aplausos ou censuras mencionados por Winnicott (1967/2005).

Em relação a tal tópico, o caso narrado por uma das profissionais entrevistadas é bastante
ilustrativo. A psicóloga relata que é chamada pela equipe para atender a mãe de um paciente
que havia falecido e, ao chegar para o atendimento, notou que essa senhora já estava
hipermedicada, pois observou como reação uma grande oscilação de consciência. A familiar
em questão dormia e acordava de modo alternado e já não sabia mais sequer dizer qual de
seus filhos havia falecido.

O luto, processo normal e que necessita ser vivenciado, é interrompido por efeito da
medicação que visa extinguir uma possível agitação manifestada pela familiar. Elimina-se,
com isso, o sintoma e o sofrimento do sujeito e ainda, como efeito colateral, são suprimidas
também uma eventual opção por vivenciar esse sofrimento e a escolha de como fazê-lo. O
objetivo do psicanalista, ao contrário, não é apagar o sofrimento de modo artificial, mas sim
possibilitar ao sujeito aceitá-lo, se apropriar desse sofrimento e transformá-lo. A solução
encontrada pela equipe ao sedar o indivíduo talvez diminua a angústia dessa, por não ter que
lidar com nenhum sofrimento (nem o próprio, nem o do outro), mas não a do paciente.

Por outro lado, o psicanalista, ao oferecer sua escuta, acaba por se preescrever, ele
próprio, ao paciente, por meio da relação transferencial que pode ser instaurada a partir de
então (SOTELO, 2014). Batista e Ribeiro (2015) mencionam pacientes que inclusive já
chegam ao hospital medicados, mas que não sabem as razões pelas quais tomam a medicação
e os seus efeitos, apresentando o que as autoras denominam de “apatia discursiva”. Não há

25
uma atitude ativa por parte do paciente, constituindo uma “relação sem ação do sujeito”
(BATISTA e RIBEIRO, 2015, p.113).

Ressalta-se que não se pretende invalidar o uso de psicofármacos no pronto-socorro, pois


há pacientes e familiares que de fato necessitam desse recurso. No entanto, avalia-se aqui o
uso que é feito dessas medicações de modo indiscriminado, sem reflexão prévia, por meio de
uma generalização que estende a todos os que sofrem a suposta necessidade do uso de
medicamentos, sem, mais uma vez, levar em conta a singularidade dos que adentram o
pronto-socorro, adotando-se uma solução em massa para o que há de mais particular no ser
humano: o seu modo de sofrimento.

2.3 Os protocolos de atendimento

Os protocolos de atendimento, segundo Silveira (2010) , visam “a descrição de como se


procede ou se realiza uma dada intervenção” (SILVEIRA, 2010, p. 109). Ainda segundo tal
autora, os protocolos são utilizados para “subsidiar decisões clínicas e identificar fatores
críticos relativos ao seu objeto de estudo” (SILVEIRA, 2010, p.111). O uso de protocolos é
importante para gerar reprodutibilidade e rastreabilidade, formalizando as atividades do
profissional que lida com aspectos psíquicos na área da saúde, o que, por sua vez, legitima e
confere visibilidade a ele no meio médico (SILVEIRA, 2010).

Turra et al. (2012) concordam com a ideia acima descrita no que se refere à maior
visibilidade conferida ao profissional que atua com protocolos e acrescentam que a
sistematização dos atendimentos promovida pelo seu uso garante ainda melhor comunicação
interdisciplinar ou mesmo a instaura. Associam também a utilização de protocolos aos
resultados eficazes e comprovados que devem, de acordo com os autores, ser apresentados
pelo profissional que atua na área hospitalar. A ideia é buscar resultados baseados em
evidências, em uma clara alusão ao termo “medicina baseada em evidências”4.

4
O termo “medicina baseada em evidências” consiste em atuar no meio médico segundo preceitos, normas e
padrões comprovados cientificamente, estando estes aliados à experiência clínica. Estas evidências auxiliam na
tomada de decisões, visando garantir o melhor tratamento ao paciente (LOPES, 2000).

26
Percebe-se nas assertivas desses autores uma necessidade do profissional que trabalha
com os aspectos psíquicos no hospital de se mostrar útil e eficaz ao restante da equipe,
especialmente ao meio médico. Para atingir tal objetivo, deve então utilizar os mesmos
instrumentos com os quais os outros profissionais trabalham.

Batista (2011, p. 133) analisa assim a demanda dirigida ao psicanalista no hospital:

São momentos em que a dimensão subjetiva- que permanece fora da determinação


que visa ao saber médico- irrompe de forma abrupta e sempre inesperada. Por não
estar incluído no discurso da ciência, esse algo da subjetividade que resta e insiste,
na maioria das vezes, não é contemplado nos conhecidos protocolos médicos-
documentos destinados à padronização de procedimentos que são dispostos para a
execução de uma determinada tarefa.

Sendo assim, se tais casos que não “cabem” no protocolo são justamente os que movem a
equipe a convocar o psicanalista, como responder a essa demanda com outro protocolo? Além
disso, se as situações de adoecimento e sofrimento que acometem o sujeito na urgência ou
emergência são as mais diversas possíveis, como saber já previamente o modo como se irá
atendê-lo, isto é, o que será investigado e como proceder/intervir? Desse modo, é possível
fazer a leitura de que os protocolos constituiriam tentativas de controlar ou prever o que é
incontrolável e imprevisível do ponto de vista subjetivo e, assim como a hipermedicalização,
seriam calcados em uma generalização do sofrimento a partir do foco nos sintomas.

Nesse sentido, tem-se o relato de uma das profissionais entrevistadas que salienta uma
mudança em sua forma de trabalho, ocorrida segundo os preceitos do hospital em que atua:
antes, diante da impossibilidade de atender todos os pacientes que adentravam o pronto-
socorro, fazia uma triagem, visando pré- selecionar alguns pacientes para serem atendidos,
usando como critério a gravidade da doença. Assim, quanto mais grave fosse o quadro clínico
do paciente, mais chances este tinha de receber auxílio em seus aspectos psíquicos. No
entanto, notou-se que tal critério para escolher quais pacientes seriam atendidos era falho.
Vejamos o que a entrevistada narra:

No momento, a gente está passando por uma transição, você veio bem na fase da
transição, porque agora que a gente vai começar nessa parte da emergência, é... por
solicitação da equipe. A gente não vai mais ficar selecionando paciente por
diagnóstico, a gente vai começar a avaliar agora - é um piloto- a demanda que a
equipe traz para a gente (...) Porque a gente percebeu que a gente usando aquela
27
ficha de rastreio, por exemplo, muitas vezes não se tinha demanda. Você seleciona
um diagnóstico que parece né, com um componente médico muito complicado, mas
aí você chega para fazer a triagem e não é porque a pessoa tem um diagnóstico
complicado que a parte emocional vai estar condizente com isso. Às vezes, ela pode
ter um diagnóstico entre aspas simples e ter uma demanda emocional e psicológica
intensa. (informação verbal)

Nota-se que, sendo inviável atender todos aqueles que buscavam auxílio no pronto-
socorro, a primeira solução encontrada pela equipe de saúde mental foi utilizar um critério
médico (gravidade da doença) e um instrumento também utilizado por outros profissionais
(uma ficha de avaliação) para investigar a subjetividade do sujeito. A ficha de rastreio
mencionada preconizava os sintomas (sobretudo físicos) do paciente e não seu sofrimento.
Percebe-se que a ideia era a seguinte: se o paciente tem uma doença mais grave, posso prever
que está pior psiquicamente (sendo isto, em realidade, uma suposição apenas), o que consiste
em uma tentativa de saber, de antemão, quem deve ser atendido, sem ao menos ter contato
com os outros pacientes menos graves.

De acordo com Marcos e Biondi (2015, p. 129):

(...) acumula-se um saber prévio sobre os sujeitos, este saber é organizado em


questões protocolares de tal forma que basta ao profissional aplicar o protocolo e
determinar se o sujeito tem ou não distúrbios.

Segundo as autoras (2015), o saber sobre o sofrimento estaria do lado de quem aplica os
protocolos, visando antecipar eventuais complicações que viessem a se tornar problemáticas,
adequando o sujeito a um determinado contexto e normas requeridos. Assim como ocorre
com a questão da medicação no pronto-socorro, também os protocolos seriam entendidos
como forma breve de resolução de conflitos, se moldando facilmente ao desejado pelos
profissionais que atuam nesse local, já que oferecem soluções rápidas.

De acordo com essa perspectiva acerca dos protocolos, o psicanalista não pode se inserir
nessa lógica se pretende atuar, de fato, de acordo com o referencial psicanalítico. Por outro
lado, é preciso questionar tal visão unívoca relativa a essas ferramentas na qual o uso de
protocolos é condenável, sem maiores observações. Como proceder então?

É incontestável que a utilização mecânica de protocolos não define uma boa comunicação
e inserção na equipe por parte do profissional de Psicanálise, que, portanto, não pode ter seu
28
trabalho restrito a esses instrumentos e nem mesmo orientado por eles. Contudo, entende- se
que o uso não enrijecido de protocolos pode sim ser útil ao psicanalista, pois, assim como os
psicofármacos, não constituem o problema em si, mas sim o uso que é feito deles, ou, em
outras palavras, o objetivo com os quais são utilizados. Sendo assim, ainda que o psicanalista
venha a usar os mesmos instrumentos de outros profissionais, o uso que fará dos protocolos
terá que ser marcadamente diferente.

Como afirmam Marcos e Biondi (2015, p. 131):

(...) a posição do psicanalista é de possibilitar a reinserção do discurso ali onde ele


foi banido, sustentando o lugar da escuta em relação ao sujeito do inconsciente. Há
que se introduzir a narrativa, a palavra do sujeito, para que algo da sua verdade
advenha. Sendo assim, o protocolo de atendimento em psicologia não tem um valor
em si, trata-se de fazer um bom uso desse dispositivo. Cabe ao psicanalista, dessa
forma, tomar o protocolo não como uma modalidade de saber e sim como um
convite à palavra singular do sujeito.

Compreende-se, assim, que o protocolo consiste em um recurso auxiliar de trabalho


para o psicanalista, sendo não-universalizante, não-classificatório e também não-excludente,
ao contrário do sinalizado no exemplo citado, extraído do relato da entrevistada. Nesse
instrumento, não deve ser procurado nenhum saber prévio, pois esse último estará sempre
com o sujeito em atendimento (SIMÕES, 2011). O uso do protocolo é viável para o início de
um trabalho no pronto-socorro, a favor do sujeito, mas não pode constituir um fim em si
mesmo, isto é, deve abrir para as produções inconscientes e singulares de cada paciente
atendido e não ser um meio de se fechar a essas.

Sabemos, contudo, que o protocolo tem sido utilizado de modo engessado, se


adequando à ordem médica instituída e não ao trabalho psicanalítico, fazendo-se necessária
uma reflexão sobre tal questão.

2.4-A desautorização no cuidado

Diante dos impasses descritos previamente, faz-se necessário atentarmos para uma
questão importante salientada por Kupermann (2016) ao contrapor o trauma, concebido em
29
termos ferenczianos, ao cuidado em psicologia hospitalar. Tal autor afirma que “o cuidado é a
contrapartida clínica para situações potencialmente traumáticas geradas pelo processo de
adoecimento” (2016, p. 16). Da mesma forma, em sentido oposto, a indiferença por parte dos
profissionais de saúde configura-se para o autor como uma inviabilidade do cuidado, o que
consequentemente, leva a um aumento do potencial traumático naqueles que vivenciam algum
adoecimento.

Ferenczi (1934/1992) define o trauma como um choque ou perturbação psíquicos


sofridos sem uma preparação, uma vez que antes disso ocorrer, o indivíduo traumatizado tinha
grande sentimento de confiança em si e no mundo a sua volta. Assinala, ainda, no que se
refere ao trauma:

O comportamento dos adultos em relação à criança que sofreu o traumatismo faz


parte do modo de ação psíquica do trauma. Eles dão, em geral, e num elevado grau,
prova de incompreensão aparente. (FERENCZI, 1934/1992,p.111)

Haveria então uma confusão de línguas entre os adultos e a criança, estando os


primeiros submetidos à linguagem da paixão e a segunda dotada da linguagem da ternura, o
que acarretaria em um trauma que a criança levaria consigo vida afora (FERENCZI,
1933/1992). Ferenczi ressalta que o que caracteriza o efeito traumático na criança imersa
nessa confusão de línguas é a negação em relação ao ocorrido ou o desmentido
(Verleugnung,5), isto é, o adulto nega o ocorrido com a criança, invalidando seu relato
(FAVERO, 2009). É importante salientar que Ferenczi apresenta uma releitura em termos
relacionais do conceito freudiano de Verleugnung, na medida em que esse autor enfatiza a
possibilidade de haver a recusa da realidade de um sujeito vulnerável feita por outro
indivíduo, isto é, há o não reconhecimento da narrativa de sofrimento de um sujeito por parte
de um outro, o que desautoriza o relato de quem vivenciou o sofrimento6 (KUPERMANN,
2015).

5
O termo Verleugnung pode ser traduzido por recusa da realidade. De acordo com Laplanche e Pontalis (2001),
Freud utiliza tal palavra para designar um mecanismo de defesa no qual o sujeito se recusa a reconhecer a
realidade de uma percepção traumática vivenciada por ele próprio, o que teria início na constatação pela criança
da ausência de pênis na menina (fenômeno da castração).
6
Neste sentido, Kupermann (2015) diferencia o trauma sexual explicitado por Freud, produto em última instância
de um mecanismo intrapsíquico, do trauma social apresentado por Ferenczi.

30
Segundo Ferenczi:

O pior é realmente a negação, a afirmação de que não aconteceu nada, de que não
houve sofrimento (...) é isso, sobretudo, o que torna o traumatismo patogênico.
(1931/1992, p.79)

Kupermann prefere traduzir o termo Verleugnung, nesse cenário concebido por


Ferenczi, por desautorização, na medida em que essa palavra evidencia o caráter de
“desapropriação subjetiva promovida no sujeito em estado de vulnerabilidade pelo encontro
traumático” (2016, p.15). Nesse sentido, o autor traça uma correlação entre tal situação
traumática e o que ocorre entre profissionais de saúde e pacientes em geral. Podemos entender
que aquilo que pode ser concebido como um mal-entendido entre profissionais e pacientes no
pronto-socorro comporta-se da mesma forma que a confusão de línguas entre adultos e
crianças e é, portanto, igualmente traumatogênico. Isso significa que há também nessa relação
uma negação para o que se passa com o paciente em termos psíquicos, o que Kupermann
(2016) avalia como uma espécie de violência, já que se constata uma desautorização por parte
da equipe de saúde em relação ao que é relatado pelo paciente, o que faria o sujeito duvidar de
suas próprias percepções e certezas.

Para esse autor, fundamentado em Ferenczi, a indiferença e abandono são tão


traumáticos quanto os comportamentos invasivos abordados por Freud (KUPERMANN,
2016). Assim, aquilo que a princípio poderia ser entendido como apenas um descuido ou
desatenção por parte dos profissionais de saúde, indica uma falha mais grave no cuidado
oferecido a esses pacientes, o que pode vir a se tornar nocivo. Diferencia-se aqui um simples
descuido, sem maiores implicações, de algo que é descuidado, isto é, de uma ausência de
cuidado.

O trauma não está, portanto, referido à situação em si, mas pressupõe sempre a
existência de um outro que traumatiza, implicando um desencontro na relação entre o
indivíduo e um outro (FERENCZI, 1931/1992,1933/1992). Nas palavras de Kupermann:

(...) ainda que Freud, na teoria da sedução, tenha postulado que o outro tem um
papel de agente provocador (seja em ato, seja em fantasia), é apenas por meio das
contribuições ferenczianas que a comunidade psicanalítica foi convocada a indagar
acerca da função – seja protetora, seja promotora de traumatismos – da alteridade
neste contexto. (2016, p. 14)

31
Kupermann (2016) enumera então os três tempos do trauma no adoecimento,
nomeando o primeiro tempo de indizível, no qual o indivíduo é acometido por um sofrimento
abrupto, novo, diante do qual não encontra um significado. No segundo tempo, o qual o autor
nomeia de tempo do testemunho, esse mesmo sujeito procura então outra pessoa, de sua
confiança, que presencie e possa confirmar seu sofrimento, validá-lo. Já no terceiro tempo,
que Kupermann denomina de tempo da indiferença desautorizadora, a pessoa procurada não
consegue presenciar e escutar o sofrimento de um outro que a lembra de sua própria
impotência, tornando o que era indizível no primeiro tempo em inaudível. É portanto, nesse
terceiro tempo, que ocorre de fato o trauma, pois é a indiferença diante do sofrimento, o seu
não reconhecimento, que é traumatizante.

Uma das profissionais entrevistadas, ao ser questionada sobre suas limitações para
atuar no pronto-socorro, relata a existência de uma falta de comunicação na equipe. Ela narra
o caso de uma criança de onze anos que é hospitalizada devido a um adoecimento no tecido
cutâneo:

(...) eu acho que essa coisa de comunicação com a equipe é muito importante né.
Porque fica difícil quando eu estou trabalhando com uma pessoa que se culpa pelo
adoecimento que ela tem, vamos supor, uma criança com dermatite de contato. Eu
estou atendendo uma agora que ele está com o corpo inteiro ruim, ele se coça o dia
inteiro e ele é horrível porque parece que ele tem uma crosta encima dele e ele tem
um problema com isso, entendeu? Ele não quer sair na rua, ele passa a maior parte
do tempo dentro da casa dele e ele tem 11 anos. Ele tem vontade de jogar bola, ir no
parque, não sei que. Aí chega a médica e fala assim: você tem que ficar calmo
porque quanto mais nervoso você fica, mais essa dermatite aí vai aumentar. Então,
quer dizer, é difícil quando a equipe não fala a mesma língua. Às vezes, ao invés de
você ajudar, nos detalhes da comunicação, você acaba... Você não está favorecendo
a pessoa, você está falando coisas que , naquele momento emocional, a pessoa vai
receber de um jeito, não vai contribuir, vai ainda dificultar mais né, ele vai se culpar,
ele vai, enfim. Eu sei que essa coisa da equipe falar a mesma língua é muito
importante e, pra isso, a equipe tem que se comunicar e a gente vê que isso não
acontece. (informação verbal)

Ao observarmos essa vinheta, notamos que não há somente a dificuldade de


comunicação entre os membros da equipe, como relatado pela entrevistada. O “falar a mesma
língua” mencionado por ela refere-se também à diferença entre a linguagem da médica e a da

32
criança, há aí uma confusão de línguas. Assim, a médica pediatra poderia inicialmente ser
uma figura de cuidado, na qual a criança pudesse depositar sua confiança para partilhar seu
sofrimento. Esse último, indizível, está materializado e exposto em sua própria pele, isto é,
diante da impossibilidade dessa criança simbolizar o sofrimento, ela somatiza. No entanto, a
médica não demonstra poder ouvir tal sofrimento e, diante de sua impotência para lidar com
esse, o desautoriza, exemplificando o que é a indiferença desautorizadora relatada por
Kupermann. Quando a médica diz: “Você tem que ficar calmo porque quanto mais nervoso
você fica, mais essa dermatite aí vai aumentar”, ela também está, de certa forma, dizendo que
não pode suportar o sofrimento da criança e muito menos legitimá-lo e, por isso, está focando
em seu sintoma. O sofrimento, em contrapartida, torna-se então inaudível.

Assim, é possível considerar que os temas problematizados anteriormente estão


relacionados à desautorização aqui mencionada no cuidado prestado aos pacientes. O foco nos
sintomas em detrimento do sofrimento, o qual acarreta uma hipermedicalização e o uso
equivocado de protocolos, bem como o consequente desencontro entre a demanda e o que é
ofertado ao paciente, são frutos dessa desautorização no cuidado, isto é, da negação de que há
nesses pacientes um sofrimento indizível e da impossibilidade de testemunhá-lo.

Kupermann (2016) descreve, por último, os três tempos do cuidado em relação ao


trauma. No primeiro, nomeado de hospitalidade, assinala a necessidade de se construir com o
paciente uma linguagem em comum, possibilitando acolhê-lo. É interessante fazer aqui uma
referência ao texto A adaptação da família à criança (1928a/1992), no qual Ferenczi usa o
termo hospitalidade para se referir à necessidade do meio acolher e se adequar ao infante em
seus primeiros anos de vida. Mais adiante, o autor afirmará que os hóspedes não bem-vindos
na família, assim denominados por ele, tornariam-se traumatizados e teriam seu desejo de
viver prejudicado (FERENCZI, 1929/1992).

No segundo tempo descrito por Kupermann, esse psicanalista se apoia no conceito de


empatia ferencziana e a considera o que seria o extremo oposto da indiferença que
desautoriza. Ferenczi (1928c/1992,p.27) define a empatia como “a faculdade de sentir com”, a
qual confere ao analista a capacidade para saber discernir e optar pelo momento adequado
para uma intervenção, da mesma forma que possibilita a ele definir com mais propriedade o
melhor modo de realizá-la (BOUWMAN, 2011). Kupermann, ao referir-se ao segundo tempo
do cuidado a pacientes hospitalizados, afirma que:
33
a empatia estaria referida à capacidade do cuidador se deixar afetar pelo sofrimento
do doente, e também à capacidade de afetá-lo, a partir do sentido produzido pela
ressonância estabelecida entre o seu corpo pulsional e o corpo pulsional daquele. (...)
não se resume ao efeito imaginário de se achar que se pode sentir “dentro do outro”,
mas de, no encontro clínico, sentir o outro dentro de si, tornar-se outro (2016, p.
17).

Por último, no terceiro tempo, nomeado de saúde do cuidador, afirma que o sujeito
que cuida, para estar apto a testemunhar o sofrimento alheio, necessita também cuidar de si
próprio. Podemos remeter novamente a Ferenczi (1928c/1992) quando diz que o próprio
analista deve submeter-se a uma análise profunda para poder analisar os outros e isso seria a
segunda regra fundamental da Psicanálise7. Assim, em seu texto O problema do fim da
análise (1928b/1992) aborda a necessidade de uma higiene particular do analista para dar
conta da sobrecarga decorrente de seu trabalho. Dessa forma, cabe ao psicanalista atuante em
pronto-socorro dispor de supervisões e buscar ele próprio ser analisado, mas mesmo assim,
vale questionarmos ainda o que fazem todos os outros profissionais que também lidam com
os pacientes cotidianamente, isto é, que cuidados oferecem a si próprios para cuidarem dos
outros e para se permitirem então encarar e autorizar os sofrimentos com os quais se
deparam?

No caso relatado da criança com dermatite, é possível afirmar que em um cenário


ideal, todos os profissionais cuidadores da criança deveriam legitimar seu sofrimento e
testemunhá-lo, adotando os três tempos do cuidado descritos por Kupermann. No entanto,
diante da impossibilidade da médica escutar o paciente, é necessário que alguém o faça, isto é,
que alguém possa autorizá-lo a transformar o indizível em algo audível, reconhecido e
passível de ser simbolizado, não tendo o trauma como destino. Cabe, então, à entrevistada,
como profissional de saúde mental, fazê-lo, ou seja, deve acolher o paciente, usando com ele
uma linguagem acessível a ambos e horizontal, sem confusão de línguas (ter hospitalidade);
deve ser empática a seu sofrimento e nota-se que ela consegue ser quando refere-se à culpa
sentida pela criança e, sobretudo, quando demonstra estar afetada pela postura indiferente da
outra profissional. No entanto, para que isso seja possível, a entrevistada não pode dispensar o
cuidado de si, necessário para que possa atender uma criança em sofrimento; é preciso que

7
A primeira seria a utilização da associação livre pelo paciente e da atenção flutuante pelo analista.

34
saiba sobre seu próprio sofrimento para diferenciá-lo da dor do outro e para então poder
testemunhá-la.

Diante de tais problematizações, faz-se necessário refletir sobre conceitos básicos, dos
quais o psicanalista não pode prescindir se quiser se inserir em um pronto-socorro. Ainda que
não saiba o que fazer em situações as quais, a princípio, não sabe quais serão, justamente por
se tratar de um pronto-socorro, esse profissional deve dispor de tal arcabouço teórico que lhe
ofereça certo amparo e contenção diante do imprevisto e dos problemas a serem
enfrentados.Tais noções são importantes para pensar sua matéria-prima de trabalho: a
urgência subjetiva.

35
3- PARA PENSAR A URGÊNCIA SUBJETIVA NO PRONTO-SOCORRO

3.1 A Urgência Subjetiva: o que é?

Para compreendermos o que é a urgência subjetiva, é necessário primeiramente


distinguir tal conceito da urgência e emergência médicas. A urgência subjetiva, como o
próprio termo já dá a entender, é a urgência psíquica própria de cada sujeito, a qual, portanto,
não se restringe ao espaço do pronto-socorro. Isso significa que há pacientes em enfermarias,
em UTIs e em outros espaços hospitalares e extra-hospitalares que também sofrem tamanha
urgência.

Para Sotelo, a urgência “para além da singularidade de cada caso, sempre confronta o
sujeito com o excesso” (2014, p.26, tradução nossa). Mas é possível perguntar em que
consiste tal excesso? Há, na urgência, um excesso de angústia, um transbordamento, que
extrapola as capacidades do sujeito de dar sentido, ao menos inicialmente, à experiência que
está sendo vivenciada, deixando-o sem palavras, o que pode se tornar um processo
traumático.

Alguns autores buscaram caracterizar a urgência subjetiva. Belaga e Sotelo (2014,


p.35, tradução nossa) a definem como “vivências subjetivas do não há tempo” e Perelli (2014)
menciona uma urgência em que a subjetividade se encontra ameaçada. Já Moura oferece uma
ideia precisa que ilustra bem no que se está falando quando se aborda esse conceito:

As situações de perda, seja de pessoas queridas (morte), da condição de “sadio”


(doença), da condição de inteiro (cirurgia)..., se caracterizam na urgência por
rupturas e descontinuidades que levam a pessoa a se perguntar: Quem sou eu agora?
e ao mesmo tempo a se deparar com a quebra de certezas e ilusões que a
sustentavam: Por quê? Na nossa prática sabemos com que frequência a perplexidade
nestas situações vem acompanhada da pergunta: Por que comigo? Pergunta que
revela a ilusão do “ao menos um” que não sofreria como o resto dos mortais. Estas
situações com as quais se depara o psicanalista em um hospital o confrontam com
uma práxis átipa, a da urgência, quando o sujeito vai estar assujeitado às situações
inesperadas e deste lugar pode fazer um chamado ao analista (2000, p.8) .

36
No pronto-socorro e também em outros setores hospitalares, a solicitação ao
psicanalista comporta, em geral, uma urgência subjetiva já instalada, ou seja, ele não é
chamado geralmente quando tudo, ao menos aparentemente, corre bem e de acordo com o
previsto. É justamente a irrupção de algo que de algum modo sai do controle que acende uma
espécie de alerta, convocando o psicanalista para lidar com tal questão. Todavia, como
ressalva Sotelo (2014), é preciso localizar quem é o sujeito dessa urgência, a qual nem sempre
se encontra com o paciente. É possível recorrer a uma cena, trazida por uma psicóloga
entrevistada, para ilustrar tal situação:

A assistente social me chamou, ela estava super angustiada, quase começou a chorar.
Teve o maior B.O.8 lá no pronto-socorro, disse que o pai quase bateu nela e parece
que quase bateu mesmo. E ela ( e era um traumatismo crânio-encefálico) (...) e ela:
“eu já acionei o conselho tutelar e eu falei para ele que ele era mal-educado e não sei
que”. Aí eu pensei: “essa mulher está angustiada, parece que a angústia é mais dela.”
Mas aí eu também pensei: “Mas tem essa criança que caiu e esse pai que passou toda
essa situação com ela, vamos lá ver como ele está.” E a equipe também me chamou
e eu fiquei com medo né. Falei: “se esse moço está assim com a equipe, se eu chegar
lá e falar que eu sou a psicóloga, ele vai querer sei lá né”. E ele foi super receptivo,
ele estava super ansioso e falou o que aconteceu em casa. (informação verbal)

Nota-se que, nesse exemplo, a urgência subjetiva maior que mobiliza o chamado da
psicóloga estava centrada na profissional de serviço social e não no paciente (a criança) ou em
seu familiar (o pai). O que fazer com isso? Independentemente de quem tem a urgência, ainda
que seja essencial localizá-la, é necessário um certo encorajamento por parte de um outro para
que o sujeito fale e produza uma narrativa que lhe permita situar onde essa urgência aparece,
tecendo um discurso sobre a mesma que a torne própria (Sotelo, 2014). Ainda para a autora
(2014), o manejo do psicanalista visa à subjetivação da urgência, ou seja, tornar a urgência de
fato subjetiva a partir da apropriação dela pelo sujeito. Podemos então depreender que a
urgência psíquica não é já subjetivada de antemão e sim torna-se subjetiva.

Ainda segundo a mesma autora, ao abordar os protocolos aplicados no hospital, o


psicanalista deve “derivar algo destas práticas imediatas, passando do feito ao dito”

8
B.O. é uma sigla utilizada para designar o termo boletim de ocorrência, documento oficial que visa a
notificação e o registro de um crime à autoridade policial ou judiciária. No trecho descrito acima, a entrevistada
utiliza o termo de modo informal para afirmar que algo equivocado ocorreu, isto é, aconteceu uma confusão ou
problema.

37
(SOTELO, 2014, p. 28,tradução nossa). Ao invés de buscar imediatamente eliminar a angústia
sintomática característica da urgência, o psicanalista a sustenta. Diferentemente da urgência
médica, a urgência subjetiva não necessita e, pode-se dizer, nem deve, ser aplacada de
imediato. Tal urgência não está remetida a um tempo cronológico e, sendo subjetiva, está sim
vinculada ao inconsciente que como sabemos, desde Freud (1915/1996), é atemporal. Moura
(2000) assinala que há o tempo do sujeito o qual não é, portanto, o tempo da ciência médica,
esse sim cronológico. É com este primeiro tempo que o psicanalista trabalha.

Assim, o analista no pronto-socorro oferece a possibilidade de uma pausa para que a


urgência subjetiva, sendo produto do inconsciente, não seja reprimida e sim se faça presente,
ganhe seu lugar, e possa, como conteúdo psíquico, ser desenvolvida até que o próprio sujeito,
aquele que a sofre, a finalize. Para Moura (2000), o analista busca devolver a palavra ao
sujeito, permitindo assim a formulação de uma demanda por parte desse indivíduo ao
psicanalista. Os modos de produção de subjetividade atuais, os quais geram os mal-estares
contemporâneos que muitas vezes levam o sujeito ao pronto-socorro, não comportam essa
forma de lidar com a urgência proposta pelo psicanalista. Portanto, o que esse profissional
instaura é uma nova possibilidade de pensar tal urgência.

3.2 A angústia como afeto onipresente

Para compreendermos a atuação do psicanalista em uma unidade de urgência e


emergência hospitalar, bem como suas especificidades e os problemas que encontra, faz-se
necessário conhecermos alguns temas. O primeiro conceito-chave é a angústia. Se pararmos
para pensar nos afetos com os quais o psicanalista tem de lidar em uma situação de urgência
ou emergência, a angústia seguramente ocupa uma posição de destaque, estando presente não
só em pacientes, mas também nos profissionais de saúde, dentre os quais se inclui o
psicanalista.

Diante da onipresença desse sentimento no pronto-socorro, torna-se válido tecer


algumas considerações importantes acerca da questão da angústia em Freud, levando em
conta sua relação com as problemáticas inerentes ao ambiente de urgência e emergência. As

38
observações freudianas serão complementadas com reflexões de outros autores que também
pensaram sobre esse afeto.

3.2.1 A angústia freudiana no contexto da urgência e emergência

Freud ( 1917a/1996) inicia seu texto na 25º Conferência afirmando que a angústia é um
estado afetivo vivenciado por todos nós; descrita pelos neuróticos como sendo seu pior
sofrimento, sendo nesses indivíduos dotada de enorme intensidade. Acrescenta ainda que
espera, com suas observações realizadas a partir do viés psicanalítico, conferir ao problema da
angústia uma abordagem muito distinta da obtida pela medicina acadêmica, uma vez que o
interesse dessa última havia permanecido sobre as vias anatômicas por meio das quais o
estado de angústia se efetivaria, isto é, os trajetos dos nervos ao longo dos quais passariam as
excitações que gerariam então o afeto de angústia. Freud (1917a/1996) assinala que, após
dedicar-se por longo tempo aos estudos sobre tais traços anatômicos, não tinha mais desejo de
compreender a temática da angústia a partir da perspectiva médica tradicional.

Dessa forma, partindo de uma leitura psicanalítica, descreve a angústia realística como
uma reação à percepção de um perigo externo esperado e previsto, sendo a manifestação da
pulsão de autopreservação (FREUD, 1917a/1996). Para Freud, a ocorrência desse tipo de
angústia dependeria do conhecimento do indivíduo acerca de uma situação ou objeto que
pudesse gerar esse afeto, isto é, uma pessoa pode ficar mais ou menos angustiada na medida
em que possui mais ou menos informações sobre uma determinada questão. Para
exemplificar, podemos utilizar um episódio extraído do pronto-socorro: supomos que um
paciente que busque atendimento em um serviço de urgência e emergência com um quadro de
infecção urinária incômodo, porém moderado, seja, ao mesmo tempo, um profissional de
saúde. Esse indivíduo, por ter um conhecimento maior sobre em que consiste seu
adoecimento, tem mais possibilidades de ficar menos angustiado.

No entanto, também há casos, como assinala Freud, em que ter mais conhecimento
pode significar maior quantidade de angústia. Nesse sentido, um familiar médico de um
paciente diagnosticado com um câncer em estágio avançado terá, pelo conhecimento

39
adquirido, probabilidade de ficar mais angustiado do que um indivíduo que desconheça a real
gravidade da situação aqui apresentada.

Se a angústia realística é considerada por Freud como reação a um perigo externo que
é esperado, podemos afirmar então que haveria alguma finalidade em se estar angustiado no
pronto-socorro? E quando a ocorrência desse afeto, ao invés de auxiliar, oferece
desvantagens? Freud (1917a/1996) afirma que a angústia pode tornar-se inadequada se for
excessiva, pois paralisa uma ação e até uma eventual fuga. No entanto, quando dosada, pode
ser vantajosa, já que se configura como uma preparação para o perigo, “através de um
aumento da atenção sensória e da tensão motora” (FREUD, 1917a/1996, p. 396). A ausência
desse estado de atenção expectante poderia então gerar sérios danos.

Assim, nota-se que a angústia configurada como um sinal de perigo torna-se


necessária até mesmo para um médico que irá realizar um procedimento em um paciente que
chega em estado grave no setor de emergência, após ter sofrido um sério acidente de carro,
isto é, o profissional precisa estar psiquicamente organizado para atuar em situações sob forte
estresse e isso inclui a precipitação do afeto de angústia em seu cotidiano laboral. Entretanto,
se tal afeto torna-se excessivo para o médico, pode vir a paralisá-lo em sua função de cuidar
do paciente.

Salienta-se também que, da mesma forma, a angústia do paciente ou do familiar,


muitas vezes mal vista pela equipe de saúde, é totalmente adequada quando abordamos o
cenário do pronto-socorro, já que também trata-se de uma angústia realística, ou seja,
despertada diante de um perigo previsto. A ausência de qualquer sinal de angústia nessa
circunstância indica a necessidade de maior investigação em relação a questões emocionais do
paciente ou familiar.

Para ilustrar a afirmação acima, é possível observar o caso relatado por um dos
entrevistados que se recorda do atendimento realizado aos familiares de uma paciente que
havia sofrido um acidente de moto e falecido, após ser atendida no pronto-socorro em que
esse profissional trabalhava. Enquanto a prima da paciente demonstrava sua angústia,
alternando momentos em que chorava com momentos em que buscava entrar em contato com
o restante dos familiares, além de conversar com a equipe de saúde; a tia da paciente
mencionava o quanto tinha sido positivo ter tomado de manhã uma medicação psiquiátrica da

40
qual já fazia uso diariamente e afirmava que estava bem, ponderando que quem necessitava
ser ajudada naquele momento era a prima da paciente e não ela. Segundo o entrevistado, a tia
da paciente afirmava ser muito forte e evidenciava certo alheamento ao que era dito por toda a
equipe, postura que levou o profissional a questionar para si, se não haveria certa negação por
parte dessa pessoa em relação ao falecimento da paciente.

Observa-se no caso narrado que a inexistência de um sinal de angústia diante de uma


situação em que isso era esperado alertou o profissional que buscou então tomar
conhecimento sobre questões emocionais prévias da familiar, podendo, a partir disso, adotar
inclusive medidas de prevenção em saúde mental para essa pessoa. Assim, tanto a total
inexistência de sinal de angústia quanto o excesso desse afeto servem como alerta de que algo
não vai bem.

Para Freud:

Quanto mais a geração de angústia limitar-se a um início meramente frustrado , a


um sinal, tanto mais o estado de preparação para a angústia se transformará, sem
distúrbio, em ação e mais adequada será a forma assumida pela totalidade da
sucessão dos fatos. Por conseguinte, o estado de preparação para a angústia parece-
me ser o elemento adequado daquilo que denominamos e a geração de angústia, o
elemento inadequado. (1917a/1996, p. 396).

O autor também diferencia a angústia do medo e do susto. Para ele (1917a/1996), a


angústia estaria referida a um estado, a uma indefinição e a uma falta e o medo, esse sim,
estaria referido a um objeto. Já o susto enfatizaria o efeito gerado por um perigo que o
indivíduo tem de enfrentar sem preparação prévia para a angústia. Dessas definições, Freud
conclui que alguém se protege do medo por meio do afeto da angústia. Podemos averiguar
que os três elementos mencionados por Freud estão presentes no pronto-socorro e não há
como um psicanalista trabalhar nesse local sem lidar com esses aspectos psíquicos em maior
ou menor grau.

A título de exemplificação, tem-se a seguinte situação: um familiar aguarda na sala de


espera por notícias do paciente que está na sala de emergência, após ter entrado no pronto-
socorro em parada cardiorrespiratória. Inicialmente, aos primeiros indícios súbitos de que
havia algo errado com a saúde de seu parente, é provável que esse acompanhante tenha sido
tomado pelo susto, isto é, quando nada até então indicava um mal-estar repentino no paciente.
41
Posteriormente, enquanto aguarda na sala de espera do hospital, ao mesmo tempo em que o
indivíduo enfermo é atendido na sala de emergência, o familiar é tomado pela angústia de não
saber como seu parente está, ou seja, não há ainda uma definição sobre o estado de saúde do
paciente, mas sente também o medo de que ele possa vir a falecer, isto é, há um objeto
concreto o qual temer: a morte do familiar. Dessa forma, é possível enunciar, de acordo com
as concepções freudianas, que a angústia do familiar enquanto aguarda por notícias o protege
do medo representado pela ideia de que seu parente possa vir a óbito.

A palavra Angst, que significa angústia, remete, segundo Freud, à ideia de lugar
estreito. O autor afirma que o trauma do nascimento seria a origem e o protótipo da
experiência de angústia (1917a/1996), a qual o indivíduo revivenciaria ao longo da vida em
outras ocasiões. Aqui podemos afirmar que as vivências do indivíduo em pronto-socorro
podem remeter a essa experiência de angústia original. Se, no nascimento, ocorre a separação
entre a mãe, até então única fonte de amparo e nutrição, e o bebê, na experiênca do pronto-
socorro, o paciente também se separa de seus familiares ou qualquer outra pessoa de
referência a partir do momento em que adentra o ambiente da urgência e emergência. Cabe
salientar que geralmente não são permitidos acompanhantes para o indivíduo adoecido, exceto
quando se trata de criança ou idoso, para os quais há a possibilidade de acompanhamento.
(BRASIL, 1990a; 2003). O pronto-socorro torna-se, então, o lugar estreito com o qual o
indivíduo tem mais uma vez que lidar, não sem angústia.

Para Figueiredo (1999), são justamente as repetições das vivências posteriores de


angústia, como por exemplo a que ocorre no pronto-socorro, que irão conferir sentido ao afeto
original vivenciado no nascimento, no qual ainda não haveria um ego suficientemente
constituído para que tal angústia pudesse ser de fato experienciada. Entende-se, então, que a
angústia vivenciada na urgência e emergência não é em si mesma nova, mas sim de certa
forma reeditada.

O mais provável é que não tenha havido angústia vivida no início, nem terror
plenamente experimentado como tal, mas que, na posterioridade, ela seja de fato
vivida e, eventualmente, “recordada”, como “tendo sido vivida antes” e que as
repetições atualizem e façam existir no “só depois” o que era mero apelo de sentido
no tempo objetivo da sua “primeira ocorrência”. (FIGUEIREDO, 1999, p. 55)

42
Em contraposição a essa primeira modalidade de angústia realística, Freud concebe a
angústia neurótica. Embora não esteja vinculada a um perigo real, como a primeira, e sim
encontre-se relacionada a um perigo interno, a angústia neurótica também pode ser observada
no pronto-socorro. Assim, ressalta-se que há inclusive ocasiões em que é sobretudo a angústia
neurótica que traz o paciente ao setor de urgência e emergência, o que não pode ser
considerado de menos valia para os profissionais desse local. A angústia neurótica vincula-se
a um perigo desconhecido, pulsional, o qual terá ainda que ser descoberto. Caracterizada
como livremente flutuante e pronta para se ligar a uma ideia, a segunda modalidade de
angústia pode ser constatada em pacientes que demonstram, por exemplo, uma
superexpectativa de que algo mau possa lhes ocorrer.

Para ilustrarmos uma situação em que a angústia neurótica predomina, podemos citar
o episódio em que fui chamada para atender um paciente no pronto-socorro que apresentava
cefaléia, porém já havia sido examinado e medicado, sem maiores complicações em seu
quadro clínico e encontrava-se apenas em observação, com possibilidade de alta próxima. No
entanto, o paciente não aceitava a possibilidade de deixar o hospital e demonstrava enorme
ansiedade, desproporcional à situação vivenciada, pois acreditava estar muito doente. Nesse
caso, observamos que a angústia do paciente não estava associada a um perigo real, pois
embora estivesse com uma questão fisiológica no pronto-socorro, seu estado de saúde estava
totalmente sob controle.

Ao vislumbrar uma comparação entre as angústias realística e neurótica, Freud


assinala que:

Assim como a tentativa de fuga de um perigo externo é substituída pela adoção de


uma atitude firme e de medidas apropriadas de defesa, também a geração de
angústia neurótica dá lugar à formação de sintomas e isto resulta em que a angústia
seja vinculada. (1917a/1996, p.405)

Em Inibições, Sintomas e Ansiedade (1926 [1925]/1996), já no contexto da segunda


teoria pulsional e da teoria estrutural da mente, Freud reformula a teoria da angústia, revendo
sua explicação econômica para a geração de angústia pelo aparelho psíquico. A angústia deixa
de ser compreendida como produto da transformação automática da libido reprimida e é
considerada agora pré-existente ao processo do recalque, isto é, não é mais o recalque que
causa a angústia, mas a angústia que gera o recalque (ROCHA, 2000). Na nova teoria da
43
angústia, Freud (1926[1925]/1996) também assinala de modo mais preemente que o ego é a
sede da angústia, capaz de produzí-la como defesa em face de uma situação potencialmente
traumatizante.

Assim, se já concebemos que o efeito de angustiar-se, por si só, não caracteriza um


adoecimento e sim faz parte dos processos de saúde, mas que cada angústia alavancada pode
reeditar consigo outras angústias que se sobrepõem e se potencializam, podemos conjecturar
que o analista no pronto-socorro busca evitar, junto ao paciente, que tais angústias despertadas
extrapolem as capacidades de tolerância do aparelho psíquico do sujeito, o que o levaria então
a uma paralisia em seu processo de saúde, já que é o excesso desse afeto e não sua existência
que leva a tal paralisação, como visto. Se o ego gera a angústia para se defender de um
possível perigo, o adoecimento psíquico se dá justamente pela produção em excesso de tais
angústias e pela consequente ativação de mecanismos de defesa contra esse afeto, isto é, é a
angústia produzida que leva ao recalque.

Recorre-se então à Anna Freud (1936/2006) que afirma em sua obra O ego e os
mecanismos de defesa que enquanto o ambiente puder dar o suporte necessário a certas
situações de angústia, os mecanismos de defesa não serão necessários, bastando, portanto, os
mecanismos de adaptação e autorregulação. Assim, o analista no pronto-socorro seria o
equivalente a tal ambiente proposto por Anna Freud, pois oferece ao paciente a sustentação
necessária em momentos de angústia excessiva, evitando a instalação de mecanismos de
defesa paralisantes.

Lembro-me de um paciente soropositivo que chegou ao pronto-socorro com uma carga


viral bastante elevada e com complicações orgânicas decorrentes de tal fato. Embora seu
diagnóstico não fosse recente, o paciente afirmou que não fazia uso da medicação prescrita
para seu quadro clínico, pois não achava necessário. Notei uma negação da doença e de seu
status sorológico. Nos atendimentos, concluímos que tomar a medicação diariamente era
também recordar cotidianamente que ele havia contraído o vírus HIV, o que lhe gerava
enorme angústia e, consequentemente, fazia com que negasse tal fato. Observa-se, nesse caso,
que uma enorme quantidade de angústia ativou um mecanismo de defesa representado pela
negação da condição de soropositividade, o que paralisou o processo de saúde do paciente,
incluindo sua saúde psíquica e também diretamente a física. Dessa forma, seria necessário
construir com ele mecanismos de adaptação e autorregulação que desbloqueassem tal
44
interrupção em seu processo de saúde. Como os atendimentos no pronto-socorro são, em
geral, em pequeno número, foi preciso fazer um encaminhamento para que tal paciente
buscasse um acompanhamento psicoterapêutico de maior duração, no qual pudesse construir e
fortalecer os mecanismos mencionados.

Ainda no texto de 1926, Freud descreve suas novas concepções acerca do afeto de
angústia, dividindo-o em duas espécies: a angústia automática e a angústia-sinal. A primeira
surgiria como reação a um acontecimento traumático, sendo o evento do nascimento o
protótipo de uma experiência traumática (FREUD, 1926[1925]/1996). Cabe assinalar que a
essência da vivência traumática é, para Freud, a experiência do desamparo do ego diante de
um excesso de excitações de origem interna ou externa com as quais não consegue lidar
(1926[1925]/1996). Diferentemente do que ocorre em sua primeira teoria, nota-se aqui que
Freud menciona as experiências do trauma e do desamparo como inerentes à questão da
angústia.

Já a segunda modalidade de angústia funcionaria como um sinal de perigo, isto é, o


ego produziria a angústia-sinal com o objetivo de evitar que um evento análogo à situação
traumática original do nascimento, permeada pela angústia automática, ocorresse. Assim, a
angústia-sinal funcionaria como uma “vacina”, isto é, o ego se submeteria a uma dosagem
pequena de angústia para evitar uma angústia traumática que colocasse em risco sua
integridade narcísica. Quando essa angústia sinal é ativada, as inibições e sintomas então
surgem a fim de livrar o ego da situação de perigo iminente.

Assim, Freud (1926[1925]/1996) estabelece a relação entre a angústia e o sintoma ao


afirmar que o segundo seria formado com o objetivo de evitar o surgimento da primeira ou,
dito de outra forma, “os sintomas são criados a fim de remover o ego de uma situação de
perigo” (FREUD, 1926[1925]/1996, p. 142). O ego, diante de uma situação de perigo
representada por uma exigência pulsional, formaria um compromisso com o id (o sintoma), ao
invés de emitir angústia. Desse modo, a formação dos sintomas é concebida por Freud como
um processo defensivo do ego equivalente à fuga empregada por essa instância psíquica em
relação a um perigo externo.

Freud (1926[1925]/1996) então enumera os diferentes perigos que poderiam


desencadear uma situação traumática em diferentes momentos da vida, os quais têm como

45
característica comum a separação ou perda do objeto amado ou perda de seu amor. São esses:
o nascimento, a perda da mãe como objeto, a perda do pênis (castração), a perda do amor do
objeto e a perda do amor do superego. Cada período da vida teria um perigo mais específico e,
consequentemente, seu determinante próprio de angústia. No entanto, o autor assinala que
todas as situações de perigo e determinantes de angústia correspondentes não seriam lineares,
podendo coexistir ou ocorrerem em fases posteriores às descritas.

Cabe aqui refletir sobre a revivência desses perigos em situações a que estão
submetidos os pacientes e seus familiares no pronto-socorro, sobretudo no que tange à ameaça
de castração, se pensarmos nas inúmeras perdas possíveis para os pacientes e seus parentes ou
cuidadores. Tais ocorrências incluem desde perdas simbólicas até perdas muitos concretas
como a possibilidade de ficar sem uma parte do corpo ou até sem a própria vida. Assim, a
emissão de angústia automática nessas ocasiões pode ocorrer com frequência.

Uma das entrevistadas narra um episódio no qual foi chamada para auxiliar na
comunicação de óbito a um familiar cujo filho de treze anos havia falecido no hospital, após
sofrer um traumatismo cranioencefálico em decorrência de um acidente. A profissional afirma
que o parente entrou em uma espécie de estado de choque após receber a notícia do
falecimento, não esboçando qualquer reação e não conseguindo se comunicar nem mesmo
com a esposa que chegou ao pronto-socorro em seguida. Devido à morte súbita e precoce do
filho, não houve qualquer possibilidade de emissão de uma angústia sinal para esse familiar
naquele momento, sendo tomado de forma imediata por uma angústia avassaladora e
traumática, paralisante.

Nesse mesmo sentido, se a angústia sinal consiste no emprego pelo ego de uma
quantidade pequena de angústia que funcione como um alerta, podemos pensar em alguns
casos que ocorrem em menor número, atendidos em urgência e emergência, nos quais o
próprio paciente ou algum familiar não demonstram sentir angústia. Tais situações, por serem
silenciosas e não demandarem atenção da equipe, não costumam ser alvos de pedidos de
atendimento para o psicanalista. No entanto, deveriam sim se destacar na medida em que a
angústia-sinal não parece estar presente e é saudável que esteja, pois em sua ausência, a
emergência de uma angústia automática denota um episódio traumatizante para o indivíduo
nele imerso.

46
Outro entrevistado assinala que é comumente solicitado pelo restante da equipe para
atender em casos nos quais há justamente alguma notícia de óbito, amputação ou em situações
de terminalidade. Em todas essas circunstâncias, há separação, perda do objeto e castração
que irão alavancar angústias automáticas ou angústias sinais. São justamente tais ocasiões tão
propiciadoras de angústias que levam a equipe a solicitar atendimento do psicanalista a
pacientes e familiares.

Freud (1926[1925]/1996) preocupa-se em caracterizar o afeto de angústia como


permeado por grande desprazer, somado a outras qualidades que o diferenciariam de outras
sensações. Assim, o caráter desprazeroso da angústia viria acrescido de sensações físicas as
quais poderiam estar referidas a órgãos específicos do corpo, em especial o coração e os
relacionados à respiração. Vale lembrar aqui dos episódios de ataques de pânico atendidos em
pronto-socorro, nos quais o indivíduo crê que está tendo alguma modalidade de acometimento
físico real, como por exemplo um infarto, apresentando sintomas como dificuldade para
respirar e palpitações cardíacas. Para Freud (1926[1925]/1996), essa natureza da angústia
seria a comprovação de que as inervações motoras seriam ativas nesse afeto, situando-o em
uma interseção somato-psíquica.

Os três aspectos inerentes à angústia seriam o desprazer, os atos de descarga e a


percepção desses atos. O processo gerador de angústia estaria fundamentado em um aumento
de excitação que, por um lado, geraria desprazer e, por outro, promoveria alívio por meio dos
movimentos de descarga. Assim, o mecanismo gerador de angústia no ego está relacionado à
regulação prazer-desprazer que ocorre no aparelho psíquico, sem a qual o ego permanece
desamparado diante de uma exigência pulsional constante advinda do id que é sentida como
perigo (FREUD 1926[1925]/1996).

Acrescenta-se que tal mecanismo torna-se perceptível em situações muito frequentes


em prontos-socorros públicos, nas quais não há medicação para o paciente ou esse indivíduo
não consegue realizar algum procedimento programado. Certa vez, um paciente encontrava-se
muito agitado, gritando e chorando, após ter sido informado de que a cirurgia que havia sido
programada para ele naquele dia não mais ocorreria. A equipe solicitou então que eu o
atendesse. Percebi nesse caso e em outros semelhantes que o reconhecimento por um outro da
angústia do indivíduo adoecido diante de sua sensação de impotência, isto é, de nada poder
fazer para que a cirurgia ocorresse, permitiu que o excesso pulsional presente e advindo
47
daquela situação fosse descarregado, gerando alívio, havendo ainda uma percepção pelo
próprio paciente em relação a esse ato de descarga. Isso significa afirmar que à medida que o
paciente pôde expor sua insatisfação com o evento e teve esse fato reconhecido por mim,
ocorreu em seguida um certo alívio, relaxamento, ainda que ele não tivesse de fato resolvido
seu problema.

Para concluir, podemos questionar no que consiste essa situação de perigo vista como
tão ameaçadora a ponto de gerar grande angústia. Freud afirma:

Claramente, ela consiste na estimativa do paciente quanto à sua própria força em


comparação com a magnitude do perigo e no seu relacionamento de desamparo em
face desse perigo (...). Ao proceder assim, o indivíduo será orientado pelas
experiências reais que tiver tido (...). Denominemos uma situação de desamparo
desta espécie que ele realmente tenha experimentado de uma situação traumática.
Teremos então bons motivos para distinguir uma situação traumática de uma
situação de perigo. (1926[1925]/1996, p. 161)

3.3 O traumático

3.3.1 A concepção do traumático em Freud

Vimos até agora que Freud (1926[1925]/1996) enfatiza ao longo de sua exposição o
fato de o indivíduo, após ter experimentado sua primeira reação de angústia automática no
trauma do nascimento, quando imerso no desamparo, criar a partir desse momento uma
expectativa de novas situações de perigo, podendo, para se proteger, emitir angústia-sinal. No
entanto, sabemos que nem sempre esse sinal de alerta funcionará do modo como descrito por
Freud, isto é, há situações em que o excesso de estímulos ultrapassará as capacidades do
aparelho psíquico de lidar com a situação de perigo que se apresenta, culminando em uma
situação traumática.

Desse modo, é interessante analisar a experiência de um paciente no pronto-socorro, a


partir do momento de sua entrada nesse local. Inicialmente, o indivíduo doente tem de dizer o

48
que está acontecendo com ele, isto é, tem de colocar em palavras o que sente fisicamente para
que possa vir a ser atendido. Em seguida, pode haver ou não algum tempo de espera para que
seja efetivamente cuidado por algum profissional, pois pacientes politraumatizados, isto é,
que sofreram algum tipo de acidente sério, costumam ter entrada imediata na sala de
emergência.

Para qualquer um dos pacientes, o ambiente do pronto-socorro comumente denota


sensações de medo, expectativas, além de muitos estímulos propriamente sensoriais. A luz
desse local, em geral branca e fria, não é acolhedora e os profissionais estão vestidos com
uniformes, algumas vezes já sujos de sangue ou de outras secreções. Além disso, também é
possível que o paciente sinta odores diferenciados, somados a inúmeros sons de aparelhos,
gritos, choros e sirenes de ambulância. Acrescenta-se o fato de que ao dar entrada no pronto-
socorro, esse paciente também irá se deparar, para além de sua própria condição física mais
debilitada, com outros indivíduos igualmente doentes, feridos, muitas vezes com algum tipo
de enfermidade aparente e que também enfrentam, portanto, algum tipo de sofrimento,
exposto para os demais que estão ali com ele. É possível também ao paciente notar que os
profissionais que ali trabalham não apresentam, ao atendê-lo, uma fisionomia relaxada,
estando em geral tensos e cansados.

Sendo assim, é compreensível que esse indivíduo, submetido a tal excesso de


estímulos internos e externos, esteja mais propenso a tornar-se traumatizado. Segundo
Laplanche e Pontalis (2001), a ideia de trauma em Freud tem como produto uma simetria
entre os perigos internos e externos ao ego, já que essa instância psíquica seria atacada tanto
de dentro, pelas excitações pulsionais, quanto de fora, por perigos reais. Nesse sentido, Freud
afirma que tanto em situações nas quais o ego esteja com uma dor intermitente, quanto em
ocasiões nas quais seja tomado por acúmulo de excitações pulsionais que não podem obter
satisfação, a situação econômica é a mesma. Acredita-se que em casos de pronto-socorro, os
dois perigos enunciados por Freud coexistem para eventualmente gerar um trauma e mais do
que isso, são os perigos reais e externos que muitas vezes geram os excessos pulsionais que o
paciente também terá de enfrentar.

No Vocabulário de Psicanálise Laplanche e Pontalis, podemos ter a seguinte


definição para a palavra “trauma”, fundamentada nas concepções freudianas:

49
Acontecimento da vida do sujeito que se define pela sua intensidade, pela
incapacidade em que se encontra o sujeito de reagir a ele de forma adequada, pelo
transtorno e pelos efeitos patogênicos duradouros que provoca na organização
psíquica. Em termos econômicos, o traumatismo caracteriza-se por um afluxo de
excitações que é excessivo em relação à tolerância do sujeito e à sua capacidade de
dominar e de elaborar psiquicamente estas excitações. (2001, p. 522).

É possível utilizar os estudos freudianos que contemplam as neuroses traumáticas de


guerra para traçar uma analogia com episódios potencialmente traumáticos que ocorrem no
pronto-socorro. Em 1917, durante a Primeira Guerra Mundial, apesar de diferenciar essa
modalidade de neurose do que denominou de neuroses espontâneas, Freud (1917 [1916-
1917]/1996) encontra um traço em comum em ambas: “as neuroses traumáticas dão uma
indicação precisa de que, em sua raiz, se situa uma fixação no momento do acidente
traumático” (FREUD, 1917[1916-1917]/ 1996, p.282). Desse modo, Freud nota que os
pacientes repetiam frequentemente a situação traumática em seus sonhos, tendo reações nos
moldes dos ataques histéricos e conclui que tais sintomas levavam de volta o paciente à
situação do trauma, pois entende que essa última era encarada por esses indivíduos como
ainda não finalizada.

Confere ainda um sentido econômico ao traumático, na medida em que a ocorrência


do trauma demonstraria os fatos econômicos presentes no funcionamento mental. O afeto
então presente na experiência traumática era tão intenso que o sujeito não conseguiria lidar
com essa vivência. Em seguida, ao tentar explicar a conexão, aparentemente inexistente, entre
os sintomas neuróticos atuais e a experiência passada que os havia despertado, Freud associa
os mecanismos geradores do trauma aos processos mentais inconscientes. Assim, é necessário
atentarmos para esses mecanismos psíquicos formadores do trauma quando atendemos
pacientes em estado de urgência ou emergência, considerando como podem lidar com tal
episódio posteriormente.

Em 1919, em seu texto Introdução à psicanálise e às neuroses de guerra, Freud


(1919/1996) afirma que a questão das neuroses de guerra havia feito com que os médicos, que
até então tinham evitado se aproximar da Psicanálise, fossem obrigados a entrar em contato
com esse campo clínico e teórico, já que, como médicos do exército, se viram às voltas com
os sintomas gerados nos soldados pela guerra. Freud (1919/1996) afirma que as neuroses de
guerra seriam as mesmas neuroses traumáticas existentes em tempos de paz, as quais estavam
50
presentes em pacientes que haviam passado por experiências muito assustadoras ou que
haviam sofrido graves acidentes. Assim, alguns aspectos geralmente presentes nas neuroses
dos tempos de paz também existiam nas neuroses de guerra, tais como a origem psicogênica
dos sintomas, a importância dos impulsos instintuais inconscientes e o papel adotado
mediante os conflitos mentais, como a utilização do ganho primário de se estar doente.

Desse modo, os médicos, até então muito reticentes à existência do inconsciente,


tiveram, em sua maioria, que passar a considerar tal possibilidade. A explicação para esse fato
é que, assim como já ocorria nas neuroses traumáticas dos tempos de paz, os médicos não
haviam encontrado uma explicação orgânica/fisiológica plausível para o surgimento dos
sintomas que acompanhavam os adoecimentos das neuroses de guerra, pois não havia
qualquer afecção anatômica no sistema nervoso que os justificasse.

Nesse mesmo sentido, podemos lembrar de médicos que não compreendem alguns
aspectos manifestados por pacientes em pronto-socorro, os quais têm como motivação fatores
inconscientes e conflitos mentais, mas têm de lidar com essas particularidades, pois
interferem em questões fisiológicas. Um paciente que não adere ao tratamento, por exemplo, é
um fato incompreensível para o profissional de medicina que dele cuida e é algo não previsto
por ele em seus estudos médicos. Como pode um paciente não querer melhorar?

É também, nesse momento, que entra em cena o psicanalista, cujo objetivo não é fazer
o paciente aderir à medicação e a procedimentos, mas sim tentar compreender quais os
mecanismos inconscientes que regem a atitude e as decisões de tal paciente. Nesse aspecto,
pode-se discutir também a questão da demanda do médico ao analista, como já abordado
anteriormente.

Vale salientar ainda as diferenças e semelhanças introduzidas por Freud entre as


neuroses de transferência nos tempos de paz e as neuroses traumáticas e de guerra:

Nas neuroses traumáticas e de guerra, o ego humano defende-se de um perigo que o


ameaça de fora ou que está incorporado a uma forma assumida pelo próprio ego.
Nas neuroses de transferência, em época de paz, o inimigo do qual o ego se defende
é, na verdade, a libido, cujas exigências lhe parecem ameaçadoras. Em ambos os
casos, o ego tem medo de ser prejudicado – no segundo caso, pela libido, e no
primeiro, pela violência externa. De fato, poder-se ia dizer que, no caso das neuroses
de guerra, em contraste com as neuroses traumáticas puras e de modo semelhante às

51
neuroses de transferência, o que é temido é, não obstante, um inimigo interno
(1919/ 1996, p.226).

No pronto-socorro, são muitas as possibilidades de uma situação vir a se configurar


como uma neurose traumática, isto é, são grandes as chances de uma situação exceder a
capacidade de tolerância do psiquismo, o que faz com que inclusive sujeitos até então
saudáveis psiquicamente, isto é, com recursos para lidar com intempéries cotidianas, possam
se ver diante de situações bastante desorganizadoras e traumatizantes. Desse modo, é possível
enumerar uma série de circunstâncias com potencial traumático vivenciadas em um pronto-
socorro de um hospital geral que se somam à variedade de estímulos aqui já mencionados
presentes nesse ambiente. Como exemplo, tem-se a ocorrência de um acidente vascular
cerebral, de uma parada cardiorrespiratória, de politraumas, a comunicação de um diagnóstico
difícil ou de um prognóstico reservado, a notícia de óbito a um familiar ou mesmo situações
de menor gravidade fisiológica, mas de grande impacto psicológico.

No entanto, a forma como cada indivíduo, sendo esse sujeito o próprio paciente ou
não, irá lidar com tais situações será única, singular. Nesse sentido, Freud (1919/ 1996)
assinala que não existe uma experiência traumática em si, isto é, o que determinará que um
acontecimento se torne traumático ou não é a combinação entre as intensidades dos estímulos
externos e internos presentes na situação e dos recursos do indivíduo para lidar com esses
estímulos (VOLICH, 2000). Isso significa que uma mesma situação pode ser vivenciada como
traumática por um sujeito e como não-traumática por outro, dependendo dos recursos internos
de que cada um deles dispõe. Essa constatação deve ser levada em consideração pelo
psicanalista em seu trabalho no pronto-socorro, pois assinala a singularidade de cada sujeito
que é atendido por ele em tal espaço.

O cunho preventivo do trabalho do psicanalista é um aspecto importante a ser


considerado quando abordamos o exercício de suas atividades na área da saúde. O cuidado
dispensado ao paciente pelo psicanalista no pronto-socorro pode sim ser pensado em termos
de auxílio na elaboração de vivências cujas excitações extrapolam as capacidades de
dominação psíquica, o que caracterizaríamos, segundo já exposto teoricamente, como
situações traumáticas já instaladas. No entanto, é possível também considerar a função anti-
traumática dos atendimentos a partir da noção de que tal assistência pode vir a reduzir as
possibilidades de uma situação se tornar de fato traumatizante, isto é, tais atuações ocorreriam
52
em um período que pode ser considerado de latência, isto é, entre o evento traumático e o
posterior desenvolvimento de uma doença psíquica.

A ideia de uma função anti-traumática nos atendimentos em pronto-socorro torna-se


mais compreensível se remetermos também à noção freudiana de a posteriori, que tem como
modelo a vivência do acontecimento traumatizante. Em carta a Fliess9 (1950[1892-
1899]/1996), Freud formula a hipótese de que o material psíquico existente na forma de traços
de memória estaria sujeito, com o passar do tempo, a rearranjos de acordo com novas
conjunturas. Com base nessa suposição freudiana, Klautau, Kislanov e Winograd se referem
à expressão “trauma em dois tempos” da seguinte maneira:

(...) as consequências do acontecimento traumático só se estabelecem a posteriori.


Ou seja, o traumatismo não se instala logo após o acontecimento primevo
supostamente traumático, mas, somente num segundo tempo, ou seja, só depois,
quando a lembrança da cena for ressignificada (2014, p.156).

Diante dessas considerações, é possível ao psicanalista atuar nesse primeiro tempo do


trauma, conferindo à sua atuação uma espécie de ação profilática. Lembro-me de um caso no
qual atendi uma familiar que havia perdido o marido de modo abrupto. Fui junto com a equipe
médica para auxiliar na comunicação de óbito do paciente. Assim que o médico deu a notícia,
se retirou da sala para voltar a atender outros casos de emergência que haviam chegado.

Em seguida, após chorar muito, a familiar pôde falar o que estava sentindo naquele
momento e de como era sua vida com o marido, de como se conheceram, além de abordar os
planos que tinham, isto é, falou do passado e do futuro não concretizado. Permaneci com ela
até que outros familiares chegassem. Acredita-se, nesse contexto, que poder falar sobre a dor
psíquica que vivenciava naquele instante permitiu, de alguma forma, um começo de
elaboração de seu luto, evitando, por exemplo, a possibilidade de vir a se configurar como um
luto anormal ou complicado. Tal fator dependeria ainda dos recursos emocionais prévios da
familiar, mas poder se expressar em um primeiro momento pode ter sido determinante para os
rumos concernentes à elaboração psíquica da situação anunciada. Nessa perspectiva, tal
profissional estaria situado então em uma esfera preventiva em termos de saúde mental.

9
Carta 52 de 6 de dezembro de 1896

53
Não é possível falar em trauma no pronto-socorro e em prevenção traumática sem
abordar o texto freudiano Além do Princípio de Prazer, de 1920. Nessa obra, Freud
(1920/1996) desenvolve a noção de compulsão à repetição que se sobreporia ao princípio de
prazer, na medida em há nesse movimento compulsivo a rememoração de cenas as quais não
comportam qualquer experiência de prazer e que nunca trouxeram qualquer satisfação, sendo
uma manifestação de poder do material reprimido no aparelho psíquico. Tal compulsão foi
notada por Freud nas brincadeiras de seu neto com um carretel (o fort da), nas transferências
analíticas e também nos sonhos presentes nas neuroses traumáticas.

Por meio desses últimos, Freud (1920/1996) descobre que nem todas as experiências
oníricas seriam realizações disfarçadas de desejos reprimidos, uma vez que os sonhos dessa
natureza repetiam cenas traumáticas dolorosas, sem desejo e prazer, e sua função seria então
desenvolver a angústia retroativamente onde ela não esteve presente na ocasião original do
evento traumático, ou seja, efetuar os trabalhos de ligação até então não realizados. O objetivo
de tais sonhos traumáticos seria a elaboração dos acontecimentos que até aquele momento não
haviam ganhado uma representação na consciência, não haviam sido integrados.

O trauma então liquidaria as condições adequadas para o funcionamento do princípio


de prazer. A compulsão à repetição, com seu caráter desprazeroso, apontaria então para um
mais além do princípio de prazer, para tendências mais primitivas. Com isso, Freud constata a
noção de pulsão de morte, já que a compulsão à repetição seria um movimento de toda pulsão
que comportaria uma tendência a um retorno a um estado anterior de vida, inorgânico. (apud
LAPLANCHE; PONTALIS, 2001)

Assim, se a compulsão para repetir atua a favor dos eventos traumáticos, o trabalho do
psicanalista no pronto-socorro, na medida em que tem como uma de suas finalidades prevenir
a instalação efetiva de um trauma, visa também, por conseguinte, evitar a instauração de
comportamentos, pensamentos e ações repetitivos e desagradáveis para o sujeito, favorecendo
um processo de elaboração. Cabe relacionar aqui os casos de dois pacientes atendidos no
pronto-socorro que tinham o mesmo nome e que apresentavam sequelas motoras semelhantes,
além de serem ambos relativamente jovens, ainda que houvesse uma diferença de idade entre
eles. Um havia sofrido um acidente de carro e o outro havia caído de uma escada.

54
No entanto, enquanto um dos pacientes apresentou melhoras, obteve alta hospitalar e
se tornou esportista profissional, o outro praticamente não conseguiu sair do hospital e após
passar por um período de um ano e meio em reinternações constantes, nas quais fazia muitas
exigências à equipe e a seus familiares, acabou por vir a falecer em decorrência de sucessivas
complicações em quadros de infecção hospitalar.

Podemos indagar o que levou esses dois pacientes tratados no mesmo hospital a
destinos tão diferentes? Um deles encontrou mecanismos sublimatórios e por meio do esporte,
pôde reconstruir sua história, enquanto o outro não conseguiu adotar recursos que lhe
permitissem lidar com o afeto inerente à vivência do trauma, repetindo continuamente as
experiências de adoecimento, hospitalização e dependência de um outro diante de suas
sequelas motoras, até que a pulsão de morte predominasse.

3.3.2 A concepção do traumático em Winnicott

A noção winnicottiana de trauma difere da concepção de Freud, pois dá ênfase aos


fatores ambientais, relacionando-se com a dependência do indivíduo ao ambiente que o
circunda. Segundo o psicanalista inglês, “o trauma é um fracasso relativo à dependência”
(WINNICOTT, 1965/1994, p. 113). Sendo assim, a noção de traumático teria seu sentido
variável em cada fase do desenvolvimento emocional do indivíduo.

A partir disso, Winnicott (1965/1994) afirma que a dinâmica familiar, isto é, o


ambiente, é preventivo ao trauma quando se entende que os aspectos traumáticos são
diferentes em cada etapa de vida do indivíduo. O conceito de “mãe suficientemente boa”
apresentado por esse autor torna mais compreensível tal ideia, uma vez que foi cunhado para
designar a mãe que se adapta ativamente às necessidades de seu bebê, isto é, “começa com
uma adaptação quase completa às necessidades de seu bebê e à medida que o tempo passa,
adapta-se cada vez menos completamente, de modo gradativo, segundo a crescente
capacidade do bebê em lidar com o fracasso dela” (WINNICOTT, 1971/1975, p. 25). Sendo
assim, a mãe sufucientemente boa é aquela, portanto, que não traumatiza o seu bebê.

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Winnicott, ao diferenciar um evento gerador de um trauma das falhas normais e
necessárias para o desenvolvimento do sujeito, afirma que o evento traumático representa uma
situação na qual houve uma grande intrusão de fatos reais, ocorrida de forma repentina e
imprevisível, gerando uma quebra de confiança até então instalada (1965/1994). A partir
desses enunciados, pode-se inferir que o traumático, em termos winnicottianos, encontra-se
muito presente em situações de urgência e emergência, as quais são, por excelência,
compostas por imprevisibilidades e rupturas, sentidas como invasões pelo indivíduo. Sendo
assim, deve-se observar o modo pelo qual os indivíduos acometidos abruptamente por um
adoecimento lidam com os aspectos emocionais gerados nesse contexto.

Da mesma forma que a mãe ou cuidador deve se adaptar ativamente às necessidades


do bebê, provendo-lhe confiança e evitando uma situação traumatizante, também os
profissionais de saúde devem reconhecer e considerar as necessidades do sujeito adoecido e
dependente naquela situação, o que implica admitir que há uma singularidade em questão.
Assim, não é o doente que deve adaptar-se ao profissional e sim o profissional ao doente.
Isso, por vezes, pode ser de difícil compreensão para médicos, enfermeiros e demais
trabalhadores que atuam em pronto-socorro, pois argumentam que tal adaptação exigiria
tempo. Mais do que a questão temporal, entende-se que está implicada nesse aspecto uma
mudança de posição subjetiva que acarretaria também naturalmente em uma modificação de
postura profissional.

É necessário que os pacientes, em condições regredidas, possuam confiança nos


cuidados oferecidos, isto é, no ambiente existente no pronto-socorro, para que sua estada não
se torne traumática. Prover um ambiente previsível, nesse sentido, significa oferecer um meio
no qual se sinta confiança, no qual não existam intrusões inesperadas. Sendo confiáveis, os
profissionais protegem os pacientes dos imprevistos, os quais podem trazer consigo a
confusão mental e o caos, sobretudo no que se refere a aspectos somáticos, traduzidos em uma
ansiedade impensável e física. (WINNICOTT, 1970/2005). Tais questões têm grande
importância em um ambiente inóspito e a princípio desorganizador como o pronto-socorro, no
qual a confusão mental e o caos supracitados são facilmente desencadeados se não forem
tomados os cuidados para evitá-los.

Uma das profissionais entrevistadas relata que recebe muitas demandas da equipe com
a qual trabalha para atender pacientes adolescentes que tentaram o suicídio. Ela credita tais
56
solicitações ao fato de que os demais profissionais da equipe de saúde não têm paciência para
manejar tal situação. A entrevistada afirma que já há uma menor tolerância dos membros da
equipe para atender adolescentes em geral, embora trabalhem em um pronto-socorro infanto-
juvenil, e que o nível de aceitação em relação à tal faixa etária torna-se ainda mais reduzido
quando esses profissionais se deparam com casos específicos em que se pretende dar fim à
própria vida. Nas palavras da entrevistada:

(...) é uma equipe que não... que tolera a criança, mas não tolera o adolescente. Isso
fica muito claro, até da forma como eles chamam, sabe, tipo: “ai, vai lá ver aquilo
porque eu não aguento”, assim. E quando é tentativa de suicídio, aí piorou, porque é
piti, é frescura, é a pessoa que está querendo jogar a vida fora, tipo “tanta coisa para
fazer e está aí tentando se matar”, tipo, “vai lá conversar com ele porque eu não
aguento isso”. Isso é muito comum de ver na fala da equipe. (informação verbal)

Nota-se, então, que o objetivo da equipe ao solicitar o suporte emocional para esses
pacientes não é o bem-estar dos sujeitos em questão, uma vez que tal demanda está
fundamentada na impossibilidade de oferecer um ambiente de confiança e cuidado. Diante da
angústia gerada ao ter que lidar com o indivíduo que tenta tirar a própria vida, os profissionais
reproduzem e perpetuam a confusão e o caos já presentes tanto internamente nos pacientes
quanto externamente no pronto-socorro.

A ideia de uma previsibilidade aliada a um sentimento de confiança estão associados à


preservação do “continuar a ser” tanto do bebê, em especial nos primórdios da vida
(WINNICOTT 1949/1978), quanto do paciente regredido no pronto-socorro. Em uma
situação permeada por fantasias de ameaça à vida, a conservação desse “continuar a ser” do
paciente faz-se urgente.

Assim, em uma palestra proferida para médicos e enfermeiros, Winnicott afirma:

O que as pessoas querem de nós, médicos e enfermeiros? O que queremos de nossos


colegas quando somos nós que ficamos imaturos, doentes ou velhos? Essas
condições-imaturidade, doença e velhice- trazem consigo a dependência. Segue-se
que é necessário haver confiabilidade.Como médicos, assistentes sociais e
enfermeiros somos chamados a ser confiáveis de modo humano (e não mecânico), a
ter confiabilidade construída sobre nossa atitude geral. (vou presumir no momento
nossa capacidade para reconhecer a dependência e nos adaptarmos ao que
encontrarmos). (1970/2005, p. 106)

57
No entanto, os profissionais de saúde também necessitam de cuidados. No texto Da
dependência à independência no desenvolvimento do indivíduo, Winnicott (1963/1983)
afirma que a mãe, para adaptar-se ativamente ao bebê na fase de dependência absoluta, em
atitude de devoção a seu filho, necessita também de uma rede de apoio, sem a qual pode ficar
sobrecarregada em seus cuidados. Podemos aqui fazer uma analogia com o que ocorre em
relação aos profissionais de saúde, já que também precisam de cuidados, de uma rede de
sustentação que pode ser concretizada por meio de supervisões periódicas, por exemplo, ou
outras atividades que filtrem os excessos psíquicos/emocionais inerentes ao seu trabalho
cotidiano.

Assim como Winnicott diz que não só o bebê, mas “a própria mãe está em um estado
dependente e vulnerável” (1963/1983, p.81), também os trabalhadores em saúde encontram-
se, muitas vezes, fragilizados física e emocionalmente, ainda que não lidem, na maior parte do
tempo, com indivíduos em dependência absoluta. Desse modo, é possível até mesmo
compreender que uma situação traumática pode ocorrer também em sentido inverso, ou seja,
com quem trabalha no pronto-socorro, pois esses indivíduos também são acometidos por
experiências invasivas e que comportam reações não apropriadas.

Do mesmo modo que constatamos em Freud, também é possível reconhecer por meio
da teoria winnicottiana que sentimentos observados em situações de urgência e emergência
podem não ter sido ali originados, mas sim apenas despertados nessas ocasiões extremas,
ainda que muitas vezes sejam sentidos como urgentes, inéditos. Para Winnicott (1949/ 1978),
diferentemente de Freud, nem toda experiência de nascimento é traumática. No entanto,
quando essa vivência torna-se efetivamente traumática, de acordo com os pressupostos
winnicottianos, acaba por se assemelhar à noção universal do trauma do nascimento em Freud
em um aspecto: em ambas, os traços mnésicos do trauma do nascimento ficam gravados no
aparelho psíquico do indivíduo e influenciam as experiências de trauma subsequentes.

Desse modo, sentimentos de insegurança e perda de continuidade do ser que são


nítidos em alguns pacientes e familiares que adentram o pronto-socorro podem ter suas raízes
nessa experiência primordial. Assim, o trauma do nascimento, tal qual todos os eventos
traumáticos para Winnicott, contém em si uma vivência de invasão, o que por sua vez detona
uma necessidade de reagir associada a um enorme sentimento de insegurança, formando a

58
base para expectativas posteriores em que também haverá a perda de continuidade do
ser.Winnicott afirma:

Quando o trauma do nascimento é significativo, cada detalhe da invasão e da reação


a ela, é, por assim dizer, gravado na memória do paciente de um modo com o qual
nos tornamos familiares, quando pacientes revivem experiências traumáticas
ocorridas em idades mais avançadas. (1949/ 1978, p. 326)

O autor relaciona ainda o nascimento traumático a desordens psicossomáticas


subsequentes, uma vez que as sensações físicas experimentadas no primeiro seriam
observadas posteriormente na sintomatologia psicossomática comum. Todas essas
experiências relacionadas ao nascimento podem ser revividas pelo sujeito em momentos nos
quais o trauma é novamente experienciado, tal qual ocorre em um serviço de urgência e
emergência.

Também a angústia, para Winnicott (1949/1978), recebe uma conotação diferente


quando a comparamos ao que foi dito por Freud sobre tal afeto. Winnicott não relaciona o
trauma do nascimento à origem da angústia, pois não haveria como encontrar as raízes de um
fenômeno universal, a angústia, em um caso especial de nascimento que é o traumático, ou
seja, que não ocorre com todos os indivíduos. Soma-se a isso o fato de que, para Winnicott, o
indivíduo deveria ter atingido um certo nível de maturidade que lhe dotasse de mais
capacidade de repressão para que fosse possível utilizar a palavra angústia ao se referir a um
afeto por ele sentido.

Assim, a experiência do nascimento traumático não definiria um padrão de angústia a


ser seguido pelo indivíduo, mas sim um padrão de sentimentos persecutórios devido às
vivências de invasão e às suas reações. Podemos dizer, então, que Winnicott ajusta à sua
maneira o que Freud diz sobre o nascimento e a angústia quando afirma que: “ o trauma do
nascimento determina por um método indireto a maneira pela qual a angústia se manifesta em
certos casos” (1949/1978, p. 334).

A angústia é, para Winnicott, uma experiência física não compreendida, nem passível
de evitação, relacionada a um conteúdo originário do inconsciente reprimido. De modo geral,
podemos ressaltar na teoria winnicottiana a importância de um ambiente que não traumatize
ou retraumatize o paciente que precisa estar em um pronto-socorro, isto é, um local que não

59
exija desse sujeito reações além das suportáveis e que lhe permita manter seu ego integrado,
seu continuar a ser, sem interrupções bruscas ou graves rupturas. Tal ambiente então é
também responsável pela relação que o paciente e seus familiares estabelecem com os
profissionais de saúde, na medida em que um ambiente suficientemente bom, isto é, que possa
falhar, porém não além de certos limites, inibe padrões de relações persecutórias estabelecidas
entre profissionais de saúde, familiares e pacientes.

Como exemplo dessa possível persecutoriedade estabelecida entre o paciente e a


equipe de saúde, temos os casos de indivíduos que são usuários de drogas e que, em geral,
acabam por chegar ao pronto-socorro em decorrência de tal condição. Não é raro algum
membro da equipe exercer quaisquer julgamentos acerca desses indivíduos. Assim, em um
ambiente de pouco acolhimento, tais sujeitos, já de antemão fragilizados, têm também
dificuldades para estabelecer uma relação de confiança com quem os atende. Recordo-me de
um paciente nessas circunstâncias que costumava fazer muitas perguntas acerca de qualquer
procedimento que era realizado com ele, demonstrando, assim, insegurança e medo.

3.4 Localizando o desamparo na obra freudiana

A questão do desamparo se torna emergente no pronto-socorro por si só, mas ganha


ainda mais relevância quando avaliamos que há nesse ambiente uma ausência de atenção para
os aspectos emocionais dos pacientes, familiares e também dos próprios profissionais que ali
atuam, isto é, há um foco direcionado para o corpo, o fisiológico, que parece, por sua vez,
desviar o olhar para o que há de subjetivo. Nesse sentido, há uma indiferença no que tange à
singularidade de cada um presente no pronto-socorro. Tal aspecto tende, portanto, a
potencializar o desamparo já presente em situações de adoecimento abrupto recorrentes nesse
local e, consequentemente, aumenta também as chances desses eventos virem a se tornar
traumáticos.

Freud assinala o caráter universal do desamparo , presente em todos os seres humanos,


desde o nascimento, e que será revivido com maior ou menor intensidade ao longo da vida
(1950[1895]/1996). O nascimento seria então a primeira situação de desamparo vivenciada

60
pelos seres humanos (FREUD, 1926[1925]/1996) que, desde o início da vida, necessitam de
auxílio proveniente do mundo externo, o qual está associado à experiência de satisfação,
mediante a descarga de estímulos desprazerosos. Assim, conclui-se que se por ventura, tal
vivência de satisfação não for possível de ser realizada, se produz em seu lugar uma certa
decepção, isto é, há o desamparo diante do desejo não realizado, da falta (LAPLANCHE e
PONTALIS, 2001). Segundo Laplanche e Pontalis (2001, p. 112), o desamparo “influencia
assim de forma decisiva a estruturação do psiquismo, destinado a constituir-se inteiramente na
relação com alguém”.

Rocha (1999) configura o desamparo como uma vivência diante do que não pode ser
previsto. Sendo assim, não é difícil constatar sua presença maciça no pronto-socorro.
Podemos conceber que o indivíduo que chega a esse local com um acometimento físico agudo
ou crônico grave está invariavelmente imerso em seu desamparo e, portanto, também assolado
por angústias que remontam a vivências primitivas.

Assim, o exemplo de um paciente que busca o pronto-socorro ilustra, ainda que de


modo extremado, o quanto o desamparo e, portanto, também a angústia, presentes desde o
evento arquetípico do nascimento, nos acompanham ao longo da vida como condições
estruturantes de nossa subjetividade. Esse desamparo é biológico, pois assim como o recém-
nascido, o paciente também depende de cuidados fisícos, corporais, mas é também um
desamparo diante do desejo do Outro, dependência de amor e desejo, sendo ainda
substancialmente um desamparo psíquico. (ROCHA, 1999).

Freud ainda associa a descoberta do inconsciente ao desamparo, uma vez que essa
nova evidência destrói a ideia até então concebida de que a consciência seria identificada com
o psiquismo. Assim, com tal descentramento, o indivíduo perde então sua suposta autonomia
(ROCHA, 1999). De acordo com Rocha (1999), a noção de inconsciente em Freud remonta
não só ao que estaria escondido ou latente, mas também ao Outro presente no discurso
consciente, em suas lacunas, como o que é inesperado. Assim, nas palavras de Freud (1917/
1996, p.153):

Essas duas descobertas- a de que a vida das nossas pulsões sexuais não pode ser
inteiramente domada e a de que os processos mentais são, em si, inconscientes, e só
atingem o ego e se submetem ao seu controle por meio de percepções incompletas e

61
de pouca confiança – estas duas descobertas equivalem contudo à afirmação de que
o ego não é o senhor de sua própria casa.

Desse modo, tal desalojamento do ego traz consigo a ideia de um ser humano
desamparado não só em relação às forças externas, mas também no que se refere a conflitos
internos, isto é, que não estava totalmente no controle de sua própria vontade. Pode-se dizer
então que o sistema inconsciente torna nítido o desamparo humano. Para Freud, tal fato
aumentou as resistências em relação à Psicanálise, na medida em que os estudos e práticas
psicanalíticos evidenciavam ao Homem sua condição de desamparo.

Dito isto, o desamparo é o que talvez melhor nos permita compreender a relevância da
presença do psicanalista no pronto-socorro, isto é, em situações de extrema crise. A escuta
àquele que se encontra desamparado é, em muitos casos, valorizada pelo indivíduo adoecido:
ao despedir-me, certa vez, de uma paciente em cuidados paliativos que não continuaria a ser
atendida por mim, ela pôde dizer o quanto havia sido importante estar em contato com alguém
com quem pudesse falar sobre o que estava ocorrendo, consciente de sua situação de
terminalidade, afirmando: “Sei que muitos não entendem o que você faz aqui, mas me ajudou
muito poder falar sobre tudo isso”. (informação verbal)

Acredita-se que essa senhora pôde colocar em palavras o que estava vivenciando e que
talvez não pudesse fazê-lo com mais ninguém naquele momento. A viabilidade de um
processo de elaboração daquela situação pareceu só ter sido possível na medida em que a
doente conseguiu se referir a um Outro, da mesma forma que a compreensão referida por ela
em relação ao atendimento psicanalítico naquele local se deu a partir de sua condição
acentuada de desamparo.

Em 1926, na segunda teoria da angústia, Freud estabelece que, quando desamparado, o


indivíduo já se encontra imerso no trauma, sem mais possibilidade de prevê-lo. Define ainda o
desamparo na situação traumatizante como uma ocorrência caracterizada por total
passividade, na qual o sujeito, submerso em excitações, não dispõe de recursos para encontrar
uma saída para suas questões, sendo mobilizado por essas últimas. Rocha (2000) contribui
para uma melhor compreensão desse estado de desamparo aliado à dimensão traumática ao
afirmar que na angústia automática, a libido estaria totalmente solta e desligada, o que geraria
o sentimento de uma força incontrolável, de aniquilamento e essa sensação de extremo
desamparo que dela resulta.
62
Haveria, então, o desamparo psíquico advindo de um perigo pulsional e o desamparo
físico originário de um perigo real. A situação traumática caracterizada pelo desamparo seria
gerada tanto por perigos internos quanto externos, isto é, pulsionais e reais. É somente à
proporção que vai se tornando mais ativo que o sujeito, criança ou adulto, consegue
reconhecer o perigo e prevê-lo com o sinal de angústia, evitando assim o trauma e o
desamparo (ROCHA, 2000).

Uma das profissionais que contribuiu para este estudo relembra o caso de atendimento
a um paciente de nove anos. Ele havia sofrido um acidente no quintal da casa onde morava
gerado por um caminhão que adentrou nesse local, quando brincava, e acabou por atingí-
lo,deixando-o prensado entre o automóvel e uma parede. Como resultado desse acidente, a
criança teve esmagamento de pelve, desarticulação da perna direita, fratura no membro
inferior esquerdo, além de precisar fazer uso de bolsa de colostomia.

Essa psicanalista conta que a criança tinha muita dificuldade na hora de tomar banho
no hospital, quando se via mutilado, além de sentir enorme dor, gritando muito. Inicialmente,
o paciente evitou contato com outra profissional de saúde mental que se mostrava disposta a
atendê-lo, o que levou a profissional entrevistada a tentar fazê-lo também. Ela narra uma das
primeiras intervenções com o paciente:

(...) uma das intervenções foi justamente essa de conseguir ajudá-lo a colaborar de
alguma forma no momento do banho porque como ele ficava com muito medo, ele
ficava muito tenso, e aí na hora de virarem ele na cama, ele se agarrava na cama e
não queria deixar virar. A enfermagem tentava virar para lá e tentava virar para cá e
aí é uma coisa bem complicada, então eu ficava inclusive no momento do banho
para tentar ajudá-lo a desfocar daquela questão da dor naquele momento. Perceber o
quanto ele podia, de alguma forma, ter algum controle sobre essa intensidade e se
ele pudesse combinar com a enfermagem um tempo... né: “Vai virar: vamos contar
1,2,3 e você vai ajudar, você vai jogar esse braço junto”. E aí ele se sentia mais
participativo e menos ameaçado nesse... nesse momento.(informação verbal)

É possível observar, nesse caso e no trecho relatado, o desamparo da criança no


momento de tomar banho. Freud associa o desamparo a uma situação de perigo, pois para esse
autor: “Uma situação de perigo é uma situação reconhecida, lembrada e esperada de
desamparo” (1926[1925]/1996, p.162). Podemos compreender, então, que o ato de banhar-se
remetia a criança ao acidente que havia sofrido, sendo ambas as situações vivenciadas como
63
um enorme perigo desencadeante de grande desamparo, no qual a criança sentia-se impotente,
sem possibilidade de reagir.

Desse modo, a situação do banho a fazia revivenciar os estados emocionais


experienciados durante o acidente. Nota-se que, nesse evento, o menino havia ficado prensado
entre uma parede e um caminhão, isto é, não havia de fato uma possibilidade concreta de
qualquer reação, na medida em que ficou obrigatoriamente imóvel, dependente de um outro
que o retirasse dali. A passividade psíquica e o desamparo de que nos fala Freud, quando
refere-se a indivíduos em situação traumática, tornaram-se reais e bastante materializáveis
nessa situação relatada.

Também podemos observar por meio desse relato, como a angústia está vinculada à
situação de desamparo extremo. Para Freud, a angústia é “a reação original ao desamparo no
trauma, sendo reproduzida depois da situação de perigo como uma sinal em busca de ajuda”
(1926[1925]/1996,p.162). Sendo assim, pode-se compreender melhor como a reação do
paciente no momento de tomar banho, com gritos e certa oposição, demonstrando receio, era
também produto da situação vivenciada previamente, além de ser sobretudo um pedido de
ajuda, como previsto por Freud.

A psicanalista em questão consegue ler essa busca por algo que o ajudasse a enfrentar
tal perigo e passa então a tentar fazer com que o paciente, à medida que se tornasse mais
ativo, também se sentisse menos desamparado. A angústia automática e a sensação de
aniquilamento quase real, a que ficou submetido o paciente diante de uma situação fortemente
traumática, puderam ser convertidas em um sinal de angústia, possibilitando a essa criança
começar a lidar com seus perigos tanto internos quanto externos.

Rocha (1999, p.342) avalia o desamparo como “um grito desesperado de ajuda
lançado na direção do outro”. A ausência de uma resposta a essa expressão transforma o
desamparo em desespero, segundo o autor. O pronto-socorro é um local no qual há infinitas
possibilidades de perigos geradores de desamparo. Nesse sentido, o psicanalista tem um
trabalho a ser realizado em prol do paciente que se acha desamparado nesse ambiente, de
forma a não permitir que tal desamparo se transforme em desespero, escutando seu grito.
Possibilitar o reconhecimento desses perigos e uma postura ativa para enfrentamento dos

64
mesmos, junto ao paciente, permite a esse sujeito tornar essa experiência mais própria,
conferindo-lhe maior sentido.

Para prosseguir acerca das reflexões sobre o desamparo em situações de urgência e


emergência, pode-se recorrer novamente a Freud quando afirma em seu texto O futuro de
uma ilusão (1927/1996) que os homens buscam na religião uma proteção ilusória contra o
desamparo estruturante da espécie humana. A origem da religiosidade estaria no desamparo
infantil e na demanda por um pai superpoderoso que amenize tal sentimento, atuando contra
um destino inexorável. Nesse sentido, a figura de Deus protegeria os seres humanos contra
todas as intempéries diante das quais não teriam controle.

É possível citar aqui uma ocorrência em que uma paciente já idosa havia sido
hospitalizada no pronto-socorro após sofrer um acidente vascular cerebral que a havia deixado
com sequelas motoras. Fui chamada para atender tal paciente e sua família, pois a mesma, ao
contrário do que previam as ordens médicas, estava querendo sair do hospital. Seus
familiares, por sua vez, a apoiavam nessa decisão, o que gerou um grande conflito entre eles e
o médico responsável pelo caso.

Ao atender a paciente e depois seus familiares, ambos me diziam que não era
necessário permanecer no hospital, pois Deus iria curá-la, mesmo que estivesse em casa.
Eram extremamente religiosos e demonstravam muita fé. Não cabe aqui um julgamento em
relação ao que seria correto do ponto de vista científico, mas sim a constatação de que, diante
de uma situação súbita e fora de controle, como a ocorrência de um AVC, os familiares e a
paciente buscaram na força gerada pelo sentimento religioso um artifício contra o desamparo
que vivenciavam naquele momento. Acabaram saindo do hospital, como desejavam, ainda
que a paciente não tivesse condições para isso, e essa decisão acabou configurada nos
registros do hospital como o que é denominado de evasão, isto é, a saída do paciente sem a
concordância e a autorização médicas.

Em O mal-estar na civilização (1930[1929]/1996), Freud retoma a questão da religião


para dar continuidade às suas ideias e cita também as três fontes principais das quais o
sofrimento humano advém: o poder superior da natureza, a fragilidade dos corpos e a
inadequação às regras reguladoras da convivência humana. Estando na origem do que nos
leva a sofrer, esses fatores são também desencadeantes consequentemente do desamparo, o

65
que nos permite reiterar a existência desse sentimento na essência de nossa condição humana
(ROCHA, 1999).

No pronto-socorro, a fragilidade do corpo humano ganha destaque como fonte de


sofrimento e desamparo. São corpos expostos que, muitas vezes, denunciam os adoecimentos
que portam, dispostos ao lado de outros acometidos pelas mais diversas enfermidades. Se por
um lado, esse estado de desamparo está, então, indissociado do sofrimento, expondo o
Homem à sua solidão, à descoberta de sua finitude e à impotência de lidar só com tal questão,
por outro, essa mesma condição lança o Homem à alteridade, estruturando um modelo de
subjetividade aberta que inclui o apelo ao outro (ROCHA, 1999).

É possível citar casos de alguns pacientes que possuem cicatrizes decorrentes de


cirurgias ou acidentes e que levantam os lençóis que os cobrem ou parte de sua roupa para
mostrarem deliberadamente suas marcas. Estão, de certa forma, querendo mostrar a
fragilidade de seus corpos modificados, diferentes de como eram antes da hospitalização, e
desejam que um outro indivíduo veja concretamente as marcas de seu desamparo. No entanto,
é possível também entender a exposição voluntária dessas cicatrizes ou ferimentos como
recurso de apelo a um Outro que os auxilie na superação de seu desamparo, isto é, uma
abertura para a alteridade, como assinalado.

Dessa forma, Rocha (1999) ressalta a dimensão dupla do desamparo, referindo-se


assim a esse sentimento que atinge a todos inevitavelmente:

E isto marca nossa condição humana, com a modalidade de existir na insegurança,


pois é um existir aberto ao que é inesperado e imprevisível. (...) Nessa inexorável
marcha do tempo, a única certeza é a da morte, a mais incerta de todas as nossas
certezas e a mais certa de todas as nossas incertezas. Ela pode nos surpreender a
cada esquina, em cada curva de nossas estradas, ou ela pode também estar nos
espreitando por detrás de cada um de nossos gestos e por trás de cada um de nossos
sorrisos. (1999, p. 343)

Ainda segundo o mesmo autor (1999), se não pode eliminar a sua condição de
desamparo, o Homem pode vir a aceitá-la, usando sua criatividade para buscar saídas e lidar
melhor com tal situação10. O psicanalista, ao escutar o grito do paciente ou visualizar suas

10
Winnicott (1971/1975), em sua obra, já destaca a importância da criatividade ao ressaltar que viver
criativamente constitui um estado saudável em oposição a um modo de viver submisso, associado à ideia de que
66
marcas, pode assim ampará-lo e auxiliá-lo a encontrar um caminho criativo que lhe permita
transformar, pelas vias possíveis de elaboração, suas vivências de urgência subjetiva. A partir
dessa ideia, será possível abordar o tema da simbolização.

3.5 A simbolização possível no pronto-socorro

De acordo com Cintra, “um dos destinos prínceps da angústia é a sua transformação,
através dos processos de simbolização”11. Com efeito, acredito que o psicanalista atuante em
pronto-socorro é convocado a trabalhar tanto com processos de simbolização primária, quanto
secundária, dependendo do paciente e da situação diante dos quais se encontra. Faz-se
necessário então definir o que é a simbolização, assim como demarcar as diferenças entre as
suas duas modalidades presentes nesse processo.

Roussillon (2012a), psicanalista francês, define o trabalho da simbolização como aquele


que engendra um processo de apropriação e integração subjetiva que permite ao sujeito
apreender a experiência vivenciada. Dessa forma, aquilo com o que o indivíduo é confrontado
em termos pulsionais e em suas relações de objeto deverá ser integrado. Roussillon (2012b)
assinala ainda que o propósito do trabalho de simbolização é se apropriar da experiência e isso
é diferente de tomar consciência dessa experiência, pois é possível se apropriar de algo sem
ter consciência disso.

Na simbolização primária, o traço mnésico da matéria psíquica primária é


transformado em representação de coisa e na simbolização secundária, essa última é
transformada em representação de palavra, isto é, traduzida para a linguagem verbal
(ROUSSILLON, 2012a). Para compreendermos melhor essas definições, podemos considerar
a ideia da entrada do paciente no pronto-socorro. Esse momento é, em geral, impactante, pois

não vale a pena viver a vida. A criatividade mencionada por esse autor está relacionada ao modo como o sujeito
aborda sua realidade externa, sentindo que a vida é digna de ser vivida.
11
Trecho retirado de material fornecido pela professora Elisa Cintra na disciplina “ Da angústia aos processos de
simbolização”, ministrada no programa de pós-graduação em Psicologia Clínica da PUC-SP no segundo
semestre de 2015.

67
há elementos das mais diversas ordens com os quais esse sujeito terá que lidar, já que estão
presentes sons, cheiros, imagens e movimentos que terão que ser metabolizados e inscritos no
aparelho psíquico do indivíduo, isto é, terão que tomar para ele uma primeira forma, como por
exemplo uma espécie de imagem mental, já diferente de seu estado bruto original, o que
consistiria em um trabalho de simbolização primária. Em um segundo momento, esse paciente
pode conseguir usar palavras para expressar o que pensa sobre essa experiência e como a
sente, o que consistiria em um trabalho de simbolização secundária.

Em relação mais especificamente ao processo de simbolização secundária, Roussillon


(2012a) afirma que esse engloba não só propriamente as palavras, mas todo o conteúdo
semântico e possibilidades de expressão inerentes a essas palavras. Assinala ainda que a
simbolização secundária não exclui outros níveis de linguagem tais como a do corpo com seus
gestos, posturas e mímicas faciais, ressaltando a necessidade de uma escuta plural e
polifônica. Essa última torna-se ainda mais essencial quando o sistema de transformações
descrito anteriormente falha. Cintra, fundamentada nas ideias de Roussillon, afirma:

Pois a linguagem é também corpo, ela não pode ser enunciada sem a participação da
voz com toda a gama de sua expressividade e os picos prosódicos. Mas ela é
também a influência sobre o outro (...) da maneira pela qual os conteúdos psíquicos
não são apenas evocados, mas são também transmitidos em forma de gesto, de ação,
para o outro. Ela é também uma linguagem dramática, que transmite as emoções e as
paixões e que tem efeitos concretos sobre o corpo. 12

Todavia, se tais processos simbolizantes não são viáveis para alguns pacientes, instala-
se uma situação traumática. Para Minerbo (2015, p.237), o trauma consiste em um
“acontecimento que bloqueia, em algum ponto, o processo de simbolização”. No trauma, as
grandes quantidades de estímulos atravessam o escudo protetor do aparelho psíquico e
aumentam a quantidade de excitação nesse último, gerando desprazer (FREUD, 1920/1996).
Para voltar a manter a quantidade de excitação em um nível mais baixo e tolerável, o aparelho
psíquico irá então promover ligações, mas também evacuar o que não é simbolizável. Em
algumas situações presenciadas no pronto-socorro, observei momentos de exasperação
vivenciados por pacientes, nos quais o que não era passível de ser ligado e representado, era

12
Trecho retirado do mesmo material citado anteriormente

68
consequentemente evacuado, sendo então promovidas contínuas repetições que ameaçavam a
integração do ego do indivíduo.

Acredita-se que os pacientes que chegam em estado de urgência ou emergência no


pronto-socorro se encontram bastante regredidos, diante muitas vezes da possibilidade de
finitude e acometidos por agonias impensáveis e ameaças de aniquilamento (WINNICOTT,
1962/1983). Assim como a mãe precisa prover um ambiente seguro ao bebê nos estágios
iniciais da vida, lhe gerando um sentimento de confiança e de continuar a ser, também o
psicanalista, ao atender um paciente nesses termos, precisa lhe oferecer o mesmo, mantendo
uma certa constância e estabilidade para esse indivíduo. O psicanalista funciona, portanto,
como objeto primário para o paciente.

Estar disponível junto ao bebê recém-nascido ou ao lado de um paciente em


diferentes momentos de sua análise, isto é o que Winnicott denominou de um
ambiente de amparo e sustentação, o holding. Ele cria a sensação de poder contar
com alguém que está por ali, de plantão, à disposição, em clima de confiança básica.
O holding protege da angústia mais arcaica, a de ceder à gravidade e cair, e coloca a
mãe na função de anteparo, protegendo desta ameaça em sua aparição mais básica:
medo de cair para sempre, de perder o chão, metáforas do medo de perder a
sustentação afetiva e sentir-se abandonado. Contra a queda e sua vertigem, os bebês
de todas as idades precisam de um ego auxiliar que venha a dar apoio firme à coluna
vertebral e ao ego incipiente, incapaz de sustentar-se por si só. (CINTRA, 2003,
p.37)

Ao exercer tal função de ego auxiliar como psicanalista no pronto-socorro, me senti,


em diversos episódios, como depositária de conteúdos muito precários e desorganizados
evacuados por tais pacientes e familiares. Em meio a choros em momentos desesperados, sem
possibilidade inicial de continência, tais indivíduos descarregavam suas emoções de modo
descontrolado. Compreende-se que o sofrimento é justamente o que não foi integrado ou foi
mal integrado na subjetividade, retornando sob a forma de uma compulsão à repetição que
poderia ser entendida também, portanto, como uma compulsão à integração (ROUSSILLON,
2012b). Assim, a compulsão à repetição, fenômeno descrito por Freud (1920/1996), pode nos
auxiliar na compreensão de tal mecanismo de evacuação quando tal autor afirma que
experiências não elaboradas são repetidas compulsivamente, ameaçando desorganizar a
subjetividade e reatualizar antigas situações traumáticas.

69
Ainda de acordo com a função simbolizante proposta por Roussillon (2012a,2012b), é
pertinente considerar que é justamente tal material evacuado por esses pacientes no pronto-
socorro que pode vir a ser digerido mediante uma relação pautada na transferência. Segundo
o autor, a matéria-prima psíquica de natureza afetiva-perceptiva-sensório-motora precisa
primeiro ser assumida em sua forma material, tornando-se perceptível, para então poder se
tornar consciente. Isso significa que essa matéria psíquica primeiro precisa ser percebida fora
para depois se tornar representável na consciência. A percepção de tal conteúdo psíquico se
daria por meio de sua transferência para algum objeto.

Nesse sentido, Roussillon (2012b) assinala que tais pacientes são inaptos para
realizarem essa transformação de suas pulsões e movimentos em um sistema imagético/
metafórico, que em seguida tornaria a ser convertido em sua forma verbal. Afirma, então, que
a esses sujeitos restará se expressarem diretamente no campo motor ou apenas mostrarem o
que ocorre com eles, porém sem conseguirem usar palavras.

Recordo-me de uma paciente que se direcionava com frequência ao pronto-socorro


psiquiátrico do hospital no qual trabalhava, pois costumava engolir pequenos objetos de
metal, motivo pelo qual algumas vezes tinha que ser encaminhada também para o setor
cirúrgico do mesmo serviço de urgência e emergência. Vinha ao pronto-socorro sempre sem
acompanhantes e relatava uma história de pouco investimento libidinal desde seus primeiros
anos de vida. Esse caso ilustra de forma contundente a impossibilidade de realização de uma
simbolização primária, já que a paciente não possuía recursos internos para transformar sua
matéria-prima psíquica que estava em estado bruto em representação de coisa, o que
acarretava em idas seguidas ao pronto-socorro, promovendo uma compulsão à repetição
daquilo que não conseguia minimamente integrar .

A imagem de seu raio X, em que os objetos engolidos ainda intactos podiam


claramente ser percebidos, circulava entre os médicos psiquiatras que frequentemente
cuidavam dela e parecia ser o modo pelo qual conseguia expressar seu sofrimento, já que não
tinha meios para transformá-lo em imagens mentais e, menos ainda, para colocá-lo em
palavras, isto é, para simbolizá-lo e elaborá-lo. Engolir tais objetos talvez fosse a única forma
que a paciente tinha de mostrar o que estava ocorrendo com ela.

70
Minerbo (2015) nos oferece a ideia do aparelho psíquico humano como destinado à
digestão e metabolização de vivências emocionais, o que a autora denomina de função
simbolizante. Sendo assim, destaca-se ainda em relação à vinheta descrita o fato de a paciente
ingerir utensílios não facilmente digeríveis, isto é, não metabolizáveis pelo próprio
organismo, tal como ocorria com seus conteúdos psíquicos. Do mesmo modo que suas
impressões, sensações, percepções e outros traços mnésicos permaneciam em estado bruto,
assim também ocorria com os objetos que colocava para dentro do seu corpo. Assim, algo
dela, de seu interior não digerido, se tornava aparente através do raio X.

Para situar melhor o que são ambas as simbolizações, a primária e a secundária, mas
especialmente para entender a primeira, é essencial considerar que aquilo que está hoje no
campo dos pensamentos, julgamentos e dos desejos, esteve antes na esfera das sensações e
nos órgãos dos sentidos (ROUSSILLON, 2012a) ou em outras palavras, como afirmou Freud
(1923/1996): o ego é, acima de tudo, um ego corporal. Da mesma forma, conclui-se então que
o corpo, do ponto de vista da Psicanálise, não é um corpo puramente biológico e sim já
erogenizado, objeto de investimento libidinal, o que nos permite afirmar que as angústias
inscritas no psiquismo e no corpo são dotadas de uma relação dialética (ROCHA, 2000).

Nesse mesmo sentido, Minerbo (2015), fundamentada em Roussillon, afirma que essa
mesma libido que investe o corpo é também o combustível necessário para que as
experiências vivenciadas pelo indivíduo possam ser digeridas e não somente evacuadas. Dito
de outra forma:

O processo de simbolização depende de um funcionamento pautado em Eros. É a


energia erótica, ou libido, que permite ao sujeito fazer as ligações psíquicas de modo
a reter as experiências emocionais no interior do psiquismo. Reter para ligar, ligar
para reter. (MINERBO, 2015, p. 246)

Assim, a paciente do caso relatado, pouco investida desde o início de sua vida,
acabava por não conseguir fazer as ligações necessárias para que houvesse qualquer processo
de simbolização. Diante de tal cenário, havia uma tentativa de promover tal ligação fora do
aparelho psíquico (MINERBO, 2015), em movimentos de mera descarga da pulsão, nos quais
ocorriam atuações, isto é, a ingestão de materiais, inclusive pontiagudos, que colocavam em
risco sua vida.

71
É a partir desse olhar que o psicanalista atuante em pronto-socorro deve estar apto a
trabalhar, com a escuta polifônica já mencionada, direcionada para esse sofrimento que, em
muitos momentos, não é passível de representação simbólica imediata. Aqui cabe uma
diferenciação proposta por Roussillon (2012b) entre o que é representação simbólica e o que é
representação não-simbólica, isto é, nosso aparelho psíquico está sempre representando, mas
podemos representar sem saber que o fazemos. Assim, as experiências traumáticas são
aquelas sem representação simbólica, porém há ainda nessas vivências alguma forma de
representação, já que foram sentidas, ou seja, há algum tipo de registro da cena traumática,
ainda que não simbolizado. Já na simbolização, o sujeito sabe que está representando.

Recorre-se novamente ao exemplo da paciente supracitado, uma vez que seu caso
também pode ser elucidativo em relação à representação não-simbólica. Um profissional de
saúde menos atento que atenda a paciente pode não inferir que há um grande sofrimento
psíquico no ato de engolir objetos metálicos, interpretando-o apenas como uma atitude sem
sentido, pois ela não diz diretamente que sofre ou não demonstra isso de modo simbólico. No
entanto, ela o faz de outra forma, ou seja, há uma representação não-simbólica de seu
sofrimento instaurada no ato de engolir objetos e mesmo que a paciente não tenha consciência
disso, a angústia não digerida a faz buscar um lugar no qual almeja um socorro para alívio em
relação a esse afeto. Assim, essa paciente enxerga no pronto-socorro a possibilidade de
alguma continência, isto é, de ser socorrida efetivamente.

Diante do cenário descrito, poderia-se contra-argumentar que o tempo hábil nesse


local para atendimento a esses pacientes, no sentido de promover um processo de
simbolização, é escasso, contestação que valeria inclusive para pacientes menos
traumatizados do que a do caso relatado. No entanto, mais do que interpretar os conteúdos do
que é dito por esses indivíduos, a função do psicanalista, nesse momento, é propiciar uma
reflexividade a esses, diante de suas emoções, sofrimentos e pulsões, reconhecendo o que é
expressado verbal e corporalmente para que possa ser vislumbrada ao menos uma
possibilidade de simbolização.

Tal ideia de reflexividade situa-se para Roussillon dentro de um novo modelo de


trabalho psicanalítico. Embora tenha sido concebida para pacientes com transtornos narcísico-
identitários, para os quais esse autor dedica seus estudos, a concepção de reflexividade pode

72
ser pensada no contexto do pronto-socorro. Tal noção contempla as capacidades de sentir e de
se sentir, de ver e de se ver e de ouvir e de se ouvir do analista. De acordo com Roussillon:

Se sentir é aceitar ser afetado pelo representante afeto da pulsão; ser capaz de ver e
de se ver é integrar a representação de coisa como, por exemplo, na atividade
onírica; ser capaz de ouvir e de se ouvir é integrar a representação de palavra (...)
Logo, um sujeito capaz de se sentir, de se ver e de se ouvir possui um triplo modo de
relação consigo mesmo e também é capaz de sentir, ver e ouvir o outro, além de
articular estes três sistemas de reflexividade (2012b, p.5,6)13.

Diante da citação do autor, observa-se que o trabalho da reflexividade, associado à


tarefa de para-excitação, contribui de modo crucial para o processo de simbolização.
Roussillon (2012b) prossegue afirmando que o analista deve procurar escutar o sujeito,
buscando diferentes formas de reflexividade no interior desse indivíduo. Assim, irá ao
encontro daquilo que o sujeito não sente nele próprio, mas faz com que o analista sinta; do
que ele não vê nele próprio, mas mostra ao analista e do que ele não ouve dele próprio, mas
faz ouvir. No exemplo da paciente que ingere os objetos de metal, notamos que é preciso que
o analista exerça plenamente tal reflexividade, isto é, ele sente o sofrimento da paciente, pois
essa faz com que ele o sinta, ainda que ela própria não consiga sentir. A paciente mostra ao
analista seus conteúdos derivados do traumático, ainda que não os veja. A ideia é que ela
possa se ver e se ouvir através de um outro que efetive tal reflexividade.

Por meio da ressonância propiciada por tal reflexividade, forma-se uma “concha
acústica” que permite desbloqueios nos impasses de significação, propiciando a nomeação e a
inscrição de tais vivências no psiquismo. É necessário que os pacientes expressem, da forma
como puderem, suas histórias a um outro que lhes confira um valor de linguagem, o que inclui
desde o que os trouxe ao setor de urgência e emergência até o que mais quiserem, uma vez
que a entrada no campo do sentido é, desde os primórdios, especular.

Dessa forma, acredita-se que o trabalho do psicanalista em pronto-socorro contenha


alguns aspectos em comum ao manejo de pacientes com transtornos narcísico-identitários,
ainda que ressalvadas as diferenças marcantes entre as duas práticas clínicas. Em ambos os

13
Texto transcrito e traduzido por Bianca Bergamo Savietto, produto da conferência realizada por René
Roussillon na Reunião Científica “A psicanálise e a clínica contemporânea – Elasticidade e limite na clínica
contemporânea: as relações entre psicanálise e psicoterapia”, no IPUSP, em 2012.

73
casos, busca-se instaurar ou resgatar no paciente traumatizado ou submetido a situações
potencialmente traumáticas suas capacidades de simbolização por meio, sobretudo, da
presença do analista em um primeiro momento. Nesse aspecto, vale assinalar a necessidade de
uma simbolização primária que precisa ser concretizada na presença do objeto e não em sua
ausência.

Roussillon (2012a) utiliza o termo meio maleável, cunhado por Marion Milner14, para
caracterizar a presença a ser adotada em tal trabalho pelo analista, especialmente no que se
refere à simbolização primária. Nesse primeiro momento, a simbolização ocorre na presença
do objeto e depende que ele seja suficientemente bom para que possa de fato acontecer. O
autor descreve três formas diferentes por meio das quais essa simbolização ocorre que são: a
relação com o objeto, o brincar e o sonhar. A primeira e a última serão contempladas para fins
de compreensão da atividade do analista no pronto-socorro.

Na primeira, o objeto será o psiquismo do analista. Os aspectos contratransferenciais


dão à matéria psíquica do paciente uma forma sensível, já que o analista vive algo que o
paciente não consegue vivenciar. Aqui podemos pensar no paciente em situação emergencial
que não pode experienciar algo desorganizador naquele momento, mas que tem junto a si um
analista que pode fazê-lo por ele. Do mesmo modo, esse analista, segundo Roussillon
(2012a), também oferece seu próprio material psíquico em prol da integração dos aspectos
clivados ou recalcados do paciente. Nesse momento, o analista constitui-se no próprio meio
maleável.

O meio maleável deve ter qualidades tais como ser transformável, adaptável, sensível,
receptivo, suficientemente disponível, acessível, previsível, porém não passível de ser
destruído ou abalado. Destaca-se aqui, no contexto da urgência e emergência, as três últimas
propriedades descritas como especialmente provedoras de um ambiente meio maleável, uma
vez que proporcionam sentimentos de constância e segurança.

A presença do psicanalista como meio maleável permite a percepção da matéria-prima


psíquica fora da consciência em um primeiro momento, isto é, o paciente pode precisar do

14
Psicanalista inglesa que estudou os fenômenos criativos, realizando uma articulação entre arte, Psicanálise e
prática clínica. (DEVITO, 2015)

74
contato com o analista para se dar conta das sensações despertadas em si próprio diante de
experiências novas que lhe são apresentadas no pronto-socorro. Vejamos o caso de um
paciente que não estava acostumado a demonstrar quando estava com raiva em seu meio
familiar, mas que de repente, se vê muito inquieto e irritado por não ter sido atendido no
período de tempo esperado por ele no pronto-socorro. Assim, se inicialmente o sujeito
adoecido não percebe, por exemplo, que está com raiva nessa situação nova para ele, pode
começar a perceber isso por meio de um outro, o analista, que faz com que o indivíduo note
essa raiva primeiro fora de si para só depois internalizá-la e enxergá-la como própria, ou seja,
integrá-la. Observa-se que é preciso que o analista, como meio maleável, não seja passível de
ser destruído diante da irritação do paciente, já que isso constitui uma das características desse
modo de presença, como visto.

A última forma propiciadora de simbolização citada corresponde ao trabalho do sonho


no qual o sujeito já possui uma capacidade de simbolizar que não depende da presença
concreta de uma pessoa ou objeto, significando uma capacidade de simbolização maior, já
transferida ao aparelho de linguagem em direção à simbolização secundária. Em relação mais
especificamente a essa modalidade de simbolização, já mais elaborada, o autor francês
salienta que a associação livre realizada pelos pacientes está vinculada à relação de
transferência, isto é, há uma associatividade que é endereçada ao analista, o que convoca a
uma organização narrativa. Sendo assim, o analista deve ter uma escuta que seja voltada para
os vínculos presentes nas associações do paciente.

Roussillon (2013) acrescenta que todos os dispositivos clínicos são permeados pelo
trabalho da simbolização e utilizam para tal uma mediação, que é o vetor da linguagem, por
meio da qual esse processo pode se desenvolver. Segundo o autor, tais mediações podem ser
tanto materializáveis, como expressões de pinturas ou artes plásticas, como também podem
ter uma forma menos concreta, como é o caso da linguagem verbal. Esse segundo caso
implica uma postura por parte do analista que coloca à disposição do paciente uma atitude
interna a serviço do acolhimento e da transformação daquilo que esse sujeito procura lhe
comunicar.

No caso do paciente irritado com o que ele considera ser uma demora no atendimento,
é necessário então que o psicanalista procure compreender o que esse indivíduo está lhe

75
exprimindo com sua raiva, o que há para além desse sentimento e que também está sendo
compartilhado com o analista pelo paciente, mesmo que não diretamente. Para além disso, é
preciso que, a partir desse encontro, o próprio paciente consiga enxergar também o que ocorre
com ele naquele momento.

Ainda tomando como referência a perspectiva de Roussillon (2013), o trabalho


realizado através do meio maleável ocorre em uma relação intersubjetiva na qual o outro, que
exerce a ação, será reconhecido como um semelhante antes de ser introduzido em sua
diferença. Assim como nas relações primárias, trata-se de dar um valor de mensagem aos
sentimentos experimentados pelo paciente, isto é, é o ambiente que transforma em mensagem
esses afetos, na medida em que são partilhados. Dessa forma, o que significaria a raiva do
paciente irritado que é dirigida especificamente ao analista? Que mensagem é possível
depreender desse afeto? O trabalho do meio maleável suscita as mensagens visuais, corporais,
gestuais, mímicas e posturais que ganharão sentido nas relações, nas quais o enquadre
propiciado pela mediação permitirá a inscrição pulsional em forma de linguagem sensório-
motora. A partir disso, as sensações podem progressivamente se transformar em emoções.

Roussillon (2013) evoca o conceito de empatia proposto por Ferenczi para pensar
essa função meio maleável, simbolizante, do analista, afirmando que a atitude interna a ser
adotada pelo analista para cumprir tal função deve ser plástica, isto é, ele deve estar propenso
a moldar uma parte de si de acordo com os estados psíquicos e emocionais de um outro
sujeito. Diante dessa característica de plasticidade, o autor entende, como já mencionado
previamente, que o analista pode, ele próprio, ser um meio maleável para o paciente, pois ao
acompanhá-lo, em meio ao processo transferencial, se ajusta às suas necessidades que variam
no caminho para a integração.

O psicanalista no pronto-socorro funciona assim como um meio maleável que deve ser
flexível diante do que apresenta cada paciente ou familiar, a cada momento, uma vez que os
objetos de mediação não são sempre os mesmos, isto é, não apresentam sempre as mesmas
possibilidades e as mesmas formas de simbolização. Esse profissional também deve estar
atento ao modo como esses sujeitos lidam com ele, pois a maneira como o indivíduo usa o
meio que lhe é proposto nos ensina sobre o seu funcionamento psíquico, o que é bastante útil
para a prática clínica (ROUSSILLON, 2013). Um paciente que recusa um atendimento ou

76
que o aceita e permanece em silêncio, por exemplo, está nos mostrando algo de seu modo de
funcionamento psíquico, o que, por sua vez, direcionará nossa conduta nas intervenções
realizadas com ele.

Pode-se concluir, assim, que as situações de extrema vulnerabilidade e fragilidade


encontradas nesse ambiente convocam, muitas vezes, a mecanismos de defesa também
extremos e primitivos, o que torna necessário que o psicanalista assuma sua função
simbolizante, permitindo transformar traços mnêmicos em representação-coisa e essa última
em representação-palavra. Propiciar ou facilitar os processos de simbolização parece ser uma
das funções primordiais desse profissional em tal contexto. Tais noções bem estabelecidas
facilitam a compreensão da escuta psicanalítica como possibilidade de cuidado frente às
urgências subjetivas que imperam no pronto-socorro. É possível entender a escuta como
instrumento de trabalho primordial do psicanalista, passível de desfazer mal-entendidos e
problematizações.

77
4- A ESCUTA COMO CUIDADO

4.1 A escuta analítica e o acolhimento

A escuta é o que qualifica, em primeira instância, o trabalho do psicanalista em


qualquer área de atuação. Assim, embora tal característica claramente não seja exclusiva do
trabalho do analista no pronto-socorro, é possível conceber que a escuta é o que o psicanalista
tem de mais próprio a oferecer ao paciente que adentra o serviço de urgência e emergência e
é aquilo que mais o distingue de outros profissionais, pois sua escuta é diferenciada, não
sendo a mesma que os demais membros da equipe propiciam. Pode-se dizer, como afirma
Moura, (2011, p.106) que “a escuta faz o analista”.

Mas o que uma escuta analítica tem de diferente? Essa escuta abre espaço para que a
singularidade do sujeito adoecido seja considerada no hospital. Escutar o que o paciente tem a
dizer é permitir que questões inconscientes venham à tona. Para Moura (2011), a escuta por
parte do analista irá intervir no ponto em que o indivíduo se posiciona como sujeito. Isso
significa construir, junto com o paciente, um lugar para ele em seu próprio processo de
tratamento, para além de concepções médicas e biológicas.

Diante de minha experiência como psicanalista em pronto-socorro, pude constatar que


sou vista “como aquela que conversa com o paciente e seus familiares”. Se essa é a forma
como somos representados, o que esse conversar significa? Essa visão aponta justamente para
o fato de termos uma escuta distinta para com esses sujeitos, isto é, escutamos algo que não é
escutado por outros profissionais. Para poder escutar, no entanto, há uma condição: é
necessário que o analista não adote o discurso médico no qual o paciente confere ao médico
um saber sobre sua doença e esse último adota uma posição de mestre. (MORETTO, 2013)

Segundo Moretto (2013), ainda que o psicanalista tome como base o determinismo
psíquico relacionado ao inconsciente, isso não permitirá que ele parta do pressuposto de que
sabe o que se passa com o paciente, sem a participação do mesmo. Se ele não sabe de
antemão o que ocorre com o doente, é preciso então que o escute. Carvalho e Couto (2011)
falam em condições de escutabilidade, marcadas pela disponibilidade de escuta por parte do
78
analista no hospital e pela forma com que irá oferecer respostas às demandas que lhe são
apresentadas, já que irá acolhê-las e manejá-las, sem obrigatoriamente atendê-las. Nesse
sentido, é preciso demarcar que a escuta do psicanalista é diferenciada não só para o que diz o
paciente, mas também para o que lhe solicita a equipe, o que demanda a delimitação de um
posicionamento.

Ao ofertar sua escuta, o psicanalista instaura possibilidades para que o sujeito possa
nomear sua angústia, elaborando assim as vivências nas quais se encontra imerso. A partir
dessa elaboração e significação, é possível adquirir estratégias de enfrentamento em relação
ao vivenciado.

Uma das entrevistadas para esta pesquisa rememora um episódio no qual a


coordenadora do pronto-socorro em que trabalha lhe solicitou, em tom aflito, que atendesse
diversos familiares que estavam se “rebelando” e se organizando para irem à ouvidoria da
instituição com o objetivo de se queixarem da demora na assistência prestada aos pacientes
naquele setor hospitalar, caracterizado justamente pela sua rapidez. A entrevistada relata que,
nesses momentos, busca esclarecer com o próprio autor da demanda de atendimento o que lhe
está sendo solicitado: “Às vezes, é, a gente dá algumas palavras para que o outro consiga
dizer um pouco do seu próprio sofrimento né” (informação verbal). Nesse sentido, questionou
à coordenadora se estava querendo afirmar que havia uma espécie de motim no pronto-
socorro, realizado pelos familiares, ao que ela respondeu afirmativamente.

A profissional então afirma que, ao encontrar esses familiares para atender a


solicitação que lhe havia sido feita, não soube inicialmente o que fazer, pois de fato estavam
muito raivosos e descontentes, conforme apresenta:

Eu imaginei que eu fosse atender cada um, familiar, mas eu pensei: “não, essa
estratégia vai ser péssima, de eu atender cada um, o que que isso vai adiantar?
Enquanto eu estou atendendo um, os outros estão indo na ouvidoria”. Não acho que
ir na ouvidoria seja errado, muito pelo contrário, mas... será que o que eles estão
indo (fazer) realmente não poderia ser escutado de um outro lugar? E aí eu propus
um grupo no qual eu entrei humildemente e falei: “Olha, boa noite”. Falei assim alto
né. “Eu me chamo X, eu sou psicóloga aqui do pronto-socorro e eu queria propor...
eu estou entendendo que vocês querem ir à ouvidoria, mas eu queria propor para
vocês de escutá-los um pouco para que a gente possa pensar é... o que está

79
acontecendo, é... o que vocês estão pensando em fazer mesmo né, para conhecê-los e
eles toparam, todos toparam. (informação verbal)

Em seguida, a entrevistada diz que ficou surpresa com a aceitação do grupo pelos
familiares que expuseram então suas questões, as quais extrapolavam as queixas iniciais que
teriam despertado a ideia de ir à ouvidoria. Com isso, puderam abordar o sofrimento de estar
naquele ambiente desorganizado e o medo de que os pacientes, seus parentes, não estivessem
sendo corretamente assistidos naquele local. Como desfecho da circunstância descrita, ela
narra ainda que os familiares foram então à ouvidoria, porém com uma queixa “mais
organizada”.

Nesse relato, pode-se observar que a entrevistada, diante de uma situação inédita em
sua atividade, para a qual, sublinha-se, não havia um protocolo indicando como deveria agir,
pôde transformar o não saber mencionado inicialmente em um saber novo, construído e
descoberto na prática. Ao mesmo tempo em que tal saber ocorreu mediante a urgência
presente na solicitação de atendimento, esse conhecimento também só foi possível a partir de
uma pausa instaurada pela profissional, marcada pela possibilidade de adotar uma escuta
singular e pela delimitação de um posicionamento frente à equipe e pacientes.

Nota-se que a profissional não atuou no sentido de intervir na ida dos familiares à
ouvidoria, como poderia depreender rapidamente, sem maior apuração, do pedido de
atendimento que lhe foi feito, mas soube acolher e manejar tal demanda. Buscou, assim, uma
inserção no sentido de nomear e compreender tal solicitação, podendo então propiciar um
espaço de escuta tanto para a coordenadora do pronto-socorro quanto para os familiares. Em
relação aos últimos, pôde reconhecer o que estava sendo expresso por eles, possibilitando
então a maior integração de conteúdos psíquicos que até então estavam sendo somente
evacuados de modo fragmentado, sem possibilidade de representação.

O conversar/ escutar está associado à outra função atribuída ao psicanalista nas


urgências e emergências: o acolhimento, entendido como suporte emocional aos que chegam
em situações disruptivas e de desamparo, o que se estende tanto ao paciente quanto aos
familiares. Segundo Schneider et al. (2008, p.82), o acolhimento é compreendido como uma
“tecnologia relacional permeada pelo diálogo”, o que permite a criação de vínculos entre
familiares, pacientes e profissionais de saúde.

80
Se considerarmos o acolhimento com sua função de continência, podemos concebê-lo
para além de sua dimensão dialógica e pensá-lo, em termos winnicottianos, como uma
possibilidade de propiciar um holding em meio ao ambiente caótico que caracteriza um
pronto-socorro. Ainda que já tenha sido abordada a importância do holding quando foram
descritos os meandros da função simbolizante do analista, considera-se necessário retomar
essa temática indispensável para a compreensão do que é o acolhimento nos termos aqui
propostos. Winnicott, (1960/1983) em sua teoria, define o holding como uma função essencial
a ser exercida pela mãe, desde a fase de dependência absoluta do bebê, para promover a
sustentação não só física, mas também psíquica desse sujeito, fornecendo-lhe assim condições
de desenvolvimento adequadas.

No pronto-socorro, ambiente desorganizador por excelência, o sujeito regredido em


seu adoecimento necessita, portanto, de uma sustentação propícia para que, assim como o
bebê, possa fazer uso de seus recursos psíquicos, de seu potencial criativo, rumo a
possibilidades de ser saudável. Destaca-se aqui um episódio relatado por uma das
entrevistadas ao ser chamada para atender a mãe de uma criança que iria passar por uma
cirurgia:

Me chamaram para ver uma mãe, falaram que ela estava muito ansiosa, muito
angustiada, muito chorosa e era um momento pré-cirúrgico. Aí eu penso: mas é
claro que essa mulher vai estar ansiosa e chorosa. A filha dela, daqui a pouco, vai
ser submetida a uma cirurgia e a gente não sabe o que vai acontecer nessa cirurgia,
efetivamente ninguém sabe. E aí eu pensei: será que essa equipe chamou
desnecessariamente? E aí eu pensei: não chamou desnecessariamente porque essa
mulher está sofrendo, essa mulher está ansiosa, essa mulher está com medo né, então
eu vou lá escutar o que ela quer me dizer e por mais que seja uma reação emocional
esperada para o momento, isso não tira o valor da minha escuta naquele momento
né? (...) Eu não vou pensar “isso é normal e então não é necessário eu ir”. Não, está
ali em sofrimento, está chorando em um momento pré-cirúrgico, o que é esperado
para o momento e eu vou ali sim oferecer a minha escuta. (informação verbal)

Podemos observar claramente, nesse trecho, uma situação de desamparo que demanda
acolhimento. Sendo assim, a mãe da paciente demonstra seu desamparo à equipe através de
seu choro, de sua angústia. Sendo o desamparo uma condição estruturante do ser humano,
como já visto, não atender uma familiar nesse estado seria um contrasenso, já que todos
somos desamparados em maior ou menor escala, dependendo da situação em que nos
81
encontramos. Assim, não ir ao encontro de alguém que manifesta seu desamparo, ainda mais
exacerbado no pronto-socorro, significaria, em última instância, não atender ninguém ali
presente. Desse modo, naturalizar a expressão do desamparo não significa banalizá-la e
consequentemente, não acolhê-la.

O acolhimento pode ainda indicar ao psicanalista a necessidade de ser mais diretivo


em sua prática diante de alguns momentos de maior dependência. Assim, atitudes simples
como oferecer alguma informação ao paciente ou ao familiar, tal como, por exemplo, explicar
como funciona o pronto-socorro ou para que serve um aparelho ou ainda comunicar qual é o
horário de visitas, além de ouvir alguma queixa, são possibilidades de situar a angústia e, com
isso, fazer com que aspectos psíquicos do sujeito venham à tona (CARVALHO; COUTO,
2011). Salienta-se que isso, quando não realizado de modo isolado, também é acolhimento e
não é de pouco valor, surtindo efeitos. Tal como explicam Carvalho e Couto (2011, p. 117 e
119), esses procedimentos têm como objetivo “oferecer certa contenção quando o outro se
mostra fragilizado em suas certezas” e “pode ter o efeito de circunscrever o real que irrompe
no psiquismo”.

De acordo com Batista, (2011, p.136):

(...) diferentemente da urgência ou da emergência clássico-médica, a urgência


tomada como subjetiva pelo acolhimento do psicanalista tem como direção situar
para o sujeito esta outra cena, a do inconsciente.

Dessa forma, o sujeito acolhido pode vir a ter seus recursos psíquicos integrados
novamente.

4.2 A inserção da escuta analítica na urgência e emergência

Se a escuta é o instrumento mais próprio de trabalho do analista no pronto-socorro,


abordar a inserção da escuta analítica nesse local é contextualizar a própria inserção do
analista no serviço de urgência e emergência. Moretto e Priszkulnik (2014) nos chamam a
atenção para a diferença entre fazer parte de uma equipe e estar inserido nela, já que a
primeira situação constitui um fato, fundamentado em um contrato de trabalho, mas estar
82
inserido é uma construção, um processo que exige uma postura, um posicionamento por parte
do analista. As autoras referem-se à inserção como um “processo de construção de um lugar”
(MORETTO; PRISZKULNIK,2014, p. 287). Ao abordarem a questão da inserção, afirmam:

Estamos falando de algo que tem a ver com um posicionamento simbólico, uma
localização subjetiva, e que, portanto, leva em conta um processo psíquico que
envolve, no mínimo, um “eu”, um “outro” (...) (MORETTO; PRISZKULNIK,2014,
p. 290).

De acordo com essa ótica, a escuta analítica está relacionada com a inserção do
psicanalista na equipe hospitalar e também com a questão da demanda que lhe é dirigida pela
equipe, pelo paciente e familiares. Esses três aspectos estão interligados. Em relação à
demanda da equipe, o psicanalista deverá ter uma escuta atenta para essa solicitação, pois isso
irá determinar como irá respondê-la, uma vez que a leitura da demanda que lhe é feita pela
equipe poderá contribuir ou não para a sua inserção (MORETTO; PRISZKULNIK,2014),
pois nem sempre a resposta dada corresponderá à solicitação feita, como já visto. Salienta-se,
inclusive, que em muitos casos, responder prontamente à demanda direta da equipe, sem
interrogá-la primeiramente, dificulta a inserção do analista na equipe, se considerada a
acepção enunciada do termo “inserção”.

Podemos dar o exemplo do paciente que não quer realizar um exame médico, ainda
que seja importante para seu tratamento. Nesse caso, a equipe solicita ao psicanalista que o
atenda e é comum compreendermos que há aí implicitamente ou até explicitamente um pedido
para convencê-lo a fazer tal procedimento. Assim, há que se questionar se a função do
profissional é de fato essa, o que corresponderia a uma atuação pouco centrada no paciente,
apenas para satisfazer a equipe, funcionando como um auxiliar da mesma, sem levar em conta
a subjetividade do doente.

Em Recomendações aos médicos que exercem a psicanálise (1912/1996), Freud já


assinala o perigo de se tentar alcançar com o método psicanalítico um efeito convincente
sobre outras pessoas, assim como condena ambições educativas por parte do analista em
relação ao paciente. No caso anterior relatado, poderia ser mais interessante ao profissional
explorar com o paciente os aspectos psíquicos que poderiam estar por trás da recusa, inclusive
se descentrando de tal negativa nos atendimentos.

83
Moretto e Priszkulnik (2014) fazem então uma nova distinção entre o que é a demanda
de trabalho ao analista e a demanda de presença. Nota-se que há apenas uma demanda de
trabalho quando se solicita ao analista que convença o paciente a algo, porém não há uma
demanda de presença do analista, havendo apenas um desejo de não lidar com a subjetividade
do doente, ou seja, há um não-querer saber sobre a sua singularidade (MORETTO, 2013).
Assim, as possibilidades de inserção do analista na equipe dependerão de seu posicionamento,
mas também de como a equipe lida com a subjetividade presente em seu cotidiano
profissional, se há um desejo de troca com o psicanalista ou apenas uma necessidade de se
livrar daquilo com o qual não consegue lidar ou mesmo suportar.

Moretto e Priszkulnik (2014) afirmam que, na segunda hipótese, permanece somente


um trabalho clínico com o paciente, sem a oportunidade de se realizar um trabalho
institucional, ainda que, em qualquer situação, seja preciso e importante sustentar o discurso
do psicanalista, diferenciado daquele do médico. Frisam ainda que a tarefa do analista não
termina quando consegue se inserir na equipe, pois há as consequências e responsabilidades
de tal conquista, representadas pela necessidade de tomar decisões junto à equipe e pela
ciência de que isso influenciará a todos que fazem parte do ambiente de trabalho.

Um entrevistado relata o caso em que uma paciente terá que retirar os dois globos
oculares em face da gravidade da doença que a acomete e a equipe solicita seu atendimento
para que convença o marido da paciente, refratário a tal intervenção, de que o procedimento
será o melhor a ser feito. O profissional afirma que, em situações como essa, tem de frustrar a
equipe com a qual trabalha:

(...) eu não acho que a gente está ali para convencer ninguém de que o que o médico
propõe é, com certeza, o que vai ser o melhor para ela. Então, às vezes, a gente tem
que dar esta devolutiva... mas vem essa demanda muito: paciente não quer fazer,
paciente não quer cirurgia, paciente não quer medicação, paciente não quer aquilo,
vai lá. (informação verbal)

No trecho acima, o entrevistado demonstra assinalar o que não é a sua função naquele
ambiente, pois o “frustrar” por ele referido significa não atender de prontidão à ordem médica
já mencionada, como fazem os demais profissionais. Esse “não atender de prontidão” adquire
maior relevância em situações de urgência e emergência, nas quais o tempo para refletir sobre
a melhor conduta profissional em cada caso é reduzido, isto é, ao mesmo tempo em que o

84
psicanalista atua de modo diferente dos outros profissionais, em outra marcação temporal, não
pode negar as características do local em que se encontra e deve estar preparado também,
assim como os demais, para ser ágil em determinadas ocasiões, atuando em uma lógica
distinta, porém junto com a equipe.

Tal observação significa que no exemplo relatado, o profissional não poderia


simplesmente desconsiderar o pedido inadequado da equipe, sem comunicar-se com ela e sem
atender o familiar, isto é, faz parte de seu trabalho explicar à equipe que não poderia atender
explicitamente ao pedido feito, mas que iria escutar o marido da paciente a partir de outra
referência e daria uma devolutiva a quem lhe havia solicitado o atendimento. Desse modo, o
ser ágil não coincide necessariamente no pronto-socorro com o ser rápido, mas sim com ser
hábil, ter habilidade para manejar as relações com a equipe, o paciente e seu familiar. Moretto
(2013) salienta que o lugar do psicanalista no hospital deve estar claro para ele, que pode
inclusive fazer esclarecimentos acerca de sua função para os outros profissionais da equipe e
até mesmo negar pedidos que considere equivocados, pois o seu foco é a questão do sujeito, o
desejo desse.

No entanto, há também que se observar a demanda do paciente direcionada ao analista


e como este último pode se posicionar frente a essa reivindicação. Nota-se que sempre há uma
posição de analista a ser conservada no hospital, ambiente no qual cohabitam diferentes
discursos, cabendo ao analista manter a sua especificidade (MOURA, 2000). Acrescenta-se
aqui que a especificidade referida pode ser considerada justamente a escuta psicanalítica
diante das mais diversas demandas que surgem nesse local. Moura (2000) afirma que é
importante que o analista não espere que tanto o paciente quanto os demais profissionais
saibam o que ele faz, mas sim mostre como pode atuar. Na medida em que as instituições de
saúde oferecem tratamentos padronizados e uniformes, não se pode conceber previamente o
trabalho do psicanalista com sua escuta.

Tal escuta pressupõe que há um chamado, o qual é singular, e que justamente por ter
tal característica não é ouvido pelos demais profissionais do hospital. A ideia aqui é que o
analista ofereça sua escuta, possibilitando que o sujeito ganhe seu lugar, até então não
reconhecido, em sua maioria, por outros profissionais. Dessa forma, será escutado a partir
dessa outra posição, diferente da ocupada enquanto paciente frente ao restante da equipe.
(MOURA, 2000)
85
Contudo, frisa-se que o trabalho do analista é sustentar, junto ao paciente, a produção
de um saber que altere o posicionamento subjetivo do indivíduo. Isso significa que o analista
não deve fazer esse trabalho no lugar do paciente que é o responsável por suas próprias
formulações simbólicas. Ao contrário do que objetiva a medicina, o sentido de suas vivências
não é dado de antemão ao paciente e irá depender do encontro, que é único, entre ele e o
analista no hospital.

Pinto (2011) assinala que não se trata de desconsiderar o que se apresenta como
universal, como pretende o saber médico, mas de intervir a partir da concepção de que o
trabalho com o sujeito realizado pelo psicanalista não é passível de reprodução nem mesmo
quando se refere ao mesmo paciente. Ainda que as políticas públicas de saúde tenham sua
qualidade mensurada por aspectos quantitativos e sejam construídas para todos, sem
considerar plenamente as particularidades de cada um (PINTO, 2011), o trabalho do analista é
não excluir essa subjetividade que de uma forma ou de outra se fará ser vista.

De acordo com Pacheco Filho ( 2011), a exclusão do sujeito do inconsciente gera uma
série de problemas para os profissionais de saúde no hospital, dificultando o tratamento dos
doentes. Entre tais entraves, o autor enumera a ausência de adesão de pacientes, o
aparecimento de distúrbios não-orgânicos e a dificuldade em curar por meio de tratamentos
cuja efetividade é reconhecida.

Ainda que haja tal princípio da universalidade preconizado pelo sistema único de
saúde (BRASIL,1990b), a instituição de saúde, e da mesma forma o pronto-socorro existente
nesse local, são únicos para cada indivíduo que neles adentram. Assim, a relação estabelecida
com o dispositivo institucional será também singular. Desse modo, não é possível para o
analista, como o fazem outros profissionais, atuar com um saber prévio formalizado, pois sua
atuação se dará exatamente a partir de seu não saber, ou seja, da ideia de que não há como se
ter um saber antecipado (PINTO, 2011). Nesse mesmo sentido, cabe também salientar então
que não há como listar ou enumerar o que deverá ser feito pelo analista em pronto-socorro,
pois isso não é conhecido a priori e será avaliado de acordo com a singularidade de cada
indivíduo atendido nas mais diversas situações existentes no serviço de urgência e emergência
hospitalar.

86
No entanto, tal não saber adotado pelo psicanalista não significa uma falta ou ausência
de posicionamento por parte desse profissional perante a equipe hospitalar (CARVALHO;
COUTO, 2011), pois, assim como os demais profissionais, também precisa ser resolutivo e
firme para poder operar e fornecer sua perspectiva junto à equipe. Isso significa que a própria
opção por adotar esse não saber já é se posicionar, isto é, consiste em uma escolha se o
analista sabe o que está fazendo e de onde está partindo. No caso do paciente que não aceita
fazer o exame, por exemplo, o psicanalista opta por partir de um não saber o que se passa com
ele. No lugar de acatar prontamente o pedido implícito da equipe de persuadir o paciente a
realizar o exame, partindo de um pseudo saber e de um pseudo poder quase mágicos de
convencimento, o profissional de psicanálise buscará investigar, então, junto ao indivíduo
doente o que ocorre, aceitando que não tem como saber isso previamente.

Destaca-se ainda que a intervenção analítica nem sempre ocorrerá diretamente junto ao
paciente, ainda que se beneficie com essa atuação e possa ser escutado, sendo tal constatação
mais uma diferença da posição ocupada pelo analista em relação a outros profissionais.
Carvalho e Couto (2011) salientam que o psicanalista no hospital, diante do contexto em que
atua, deve estar atento para demandas não explícitas de atendimento, acrescentando:

No hospital, há uma rede de relações-paciente, família, equipe- muitas vezes


entrelaçadas com as normas necessárias a seu funcionamento. A intervenção do
analista pode incidir nessa rede simbólica e possibilitar que um efeito seja possível
para uma das pessoas aí envolvidas. (CARVALHO; COUTO, 2011, p. 113)

Assim, em uma situação de urgência e emergência na qual, muitas vezes, o paciente


não tem condições de ser atendido pelo psicanalista em um primeiro momento, a atuação
junto a seus familiares é de igual relevância. Pode-se afirmar que a família do paciente
também está inserida na situação de urgência, isto é, também há nela uma demanda urgente,
do ponto de vista psíquico, de ser escutada e considerada. Além disso, a escuta dos familiares
gerará efeitos na equipe e no próprio paciente se pensarmos que um familiar bem acolhido
ficará menos angustiado frente ao restante da equipe, assim como também conseguirá auxiliar
melhor o paciente quando necessário. Do mesmo modo, é importante também observar as
reações da equipe frente ao paciente e familiares e poder, quando for preciso, intervir junto à
essa.

87
Para melhor ilustrar a questão anterior, cabe retomar o caso já narrado do marido da
paciente que não aceitava a retirada dos dois globos oculares dela. Nessa situação, o
profissional entrevistado teve que atuar ativamente junto ao familiar e também em relação à
equipe responsável pelo caso, pois ambos tinham ambições diferentes quanto ao que deveria
ser realizado. Nesse sentido, o marido da paciente conseguiu ser escutado, expondo os
aspectos subjetivos que fundamentavam sua recusa e a equipe teve que lidar com a
inviabilidade do profissional de convencer o familiar. Dessa forma, a própria paciente,
igualmente atendida pelo entrevistado, pôde também ser beneficiada a partir das intervenções
realizadas com a equipe e com seu marido.

Por fim, não é possível abordar a escuta analítica no pronto-socorro sem mencionar a
questão da transferência que extrapola os limites da clínica, podendo estar presente em
qualquer relação. Laplanche e Pontalis (2001, p.514) definem a transferência como “o
processo pelo qual os desejos inconscientes se atualizam sobre determinados objetos no
quadro de um certo tipo de relação estabelecida”. No entanto, tal questão transferencial, ainda
que presente, também não é considerada pelos demais profissionais, pois evidencia as
questões subjetivas que não desejam manejar.

Já o psicanalista, por sua vez, não pode desprezar tal aspecto que interfere nas
relações estabelecidas no pronto-socorro, bem como nas demandas subsequentes e,
consequentemente, no tratamento e auxílio prestados a pacientes e familiares. Já se sabe desde
Freud (1912/1996) que a transferência pode ser usada a favor ou contra o tratamento analítico,
sendo, no último caso, fonte poderosa de resistência. Ainda que não haja de fato um
tratamento analítico realizado no pronto-socorro, os aspectos transferenciais podem favorecer
ou complicar o próprio tratamento médico a ser efetivado.

Se a transferência se faz presente, deve portanto ser manejada, e o psicanalista pode


vir a ser o profissional mais apto a fazê-lo justamente por considerar sua existência. Segundo
Moretto (2013), ainda que o paciente vá ao hospital impulsionado por uma transferência de
saber que se dá em relação ao médico, esse sujeito acaba por aceitar ser escutado pelo analista
e faz uso disso, pois encontra na relação analítica um saber sobre si que supõe, por meios
também transferenciais, estar no analista

88
Considera-se ainda que a relação transferencial nem sempre se dá entre o paciente e o
psicanalista na instituição, isto é, o paciente pode estabelecer uma relação transferencial com
qualquer profissional de saúde. Cabe ao analista identificar isso, verificando a quem a
transferência se dirige e que efeitos advém desse fato.

4.3 Quando todo cuidado não é pouco

A proposta aqui é pensar sobre a questão do cuidado no pronto-socorro, buscando


refletir de que forma ele pode ser oferecido. Ressalta-se que esse cuidado articula-se com as
diferenciações existentes entre demanda e oferta e entre sofrimento e sintoma, assim como
também com a questão da escuta, aspectos já mencionados e que serão retomados a fim de
que seja evidenciada tal associação. Se compreendermos que a noção de cuidado aqui
proposta considera as singularidades dos sujeitos adoecidos no pronto-socorro, podemos nos
perguntar que cuidado é esse que está sendo oferecido pelos profissionais de saúde? E o que o
psicanalista pode fazer ao observar a ausência desse cuidado?

É necessário primeiro pensar o que vem a ser o cuidado. Ainda que se possa ter
dificuldades para definir o que faz um psicanalista em urgência e emergência, esse
profissional é um cuidador em primeira instância, assim como qualquer trabalhador da área de
saúde. O ato de cuidar pode ser compreendido como aquilo cujo sentido não está pronto e
delimitado, mas justamente como o que faz parte de um processo e portanto, não antecipável.
Da mesma forma, pode-se concebê-lo a partir da noção de devir e como aquilo que emerge
em meio às relações que são estabelecidas (Barros; Gomes, 2011). É a partir dessa noção de
cuidado que pretende-se pensar a inserção do psicanalista no pronto-socorro, visto que cada
situação vivenciada nesse ambiente é nova e exige sempre distintos olhares e possibilidades
de exercício profissional. Para corroborar tal afirmação, Barros e Gomes (2011, p. 648)
afirmam que:

É no concreto da experiência, na situação de trabalho, considerando a dinamicidade


desses processos, com suas variabilidades, seus vazios de normas, que inventamos
formas de operar nos serviços de saúde.

89
Merhy (2002) situa o cuidado como objeto do campo da saúde, necessário para atingir
a cura e a promoção do indivíduo saudável, objetivos do mesmo campo. Relata ainda que os
usuários do sistema de saúde, tanto público quanto privado, não costumam se ressentir da
falta de tecnologia em seus atendimentos, mas sim da indiferença em relação a seus
problemas, sentindo-se desprotegidos, desinformados e desrespeitados. Tem-se então
novamente exposta a articulação entre indiferença e desamparo já apresentada anteriormente.
Pode-se definir aqui a palavra cuidado como parte da concepção integrada e não
normativa de saúde, conforme assinala Figueiredo:
(...) o termo diz respeito a todo o campo das ocupações e preocupações recíprocas
onde dependência e interdependência individuais são tomadas como ¨fatos da
existência¨, apresentando-se como o mais próprio da condição humana, do nosso
¨ser-no-mundo¨. (2011, p.13)
Tal autor propõe uma noção de saúde em que não se separe os aspectos psíquicos e
somáticos, ultrapassando oposições que ainda persistem no cotidiano dos hospitais, tais como
aquelas existentes entre corpo e mente, indivíduo e sociedade (FIGUEIREDO, 2014). Essa
nova concepção de saúde estaria a serviço do trabalho multiprofissional, acarretando na
ampliação das intervenções possíveis nesse campo.

Para Figueiredo (2014), o homem não só não sobrevive sem os cuidados devidos,
recebidos e oferecidos, mas sobretudo não existe. O autor aborda o dispositivo analisante
como propiciador de cuidados e afirma que tal dispositivo atua como um objeto
transformacional, utilizando o termo concebido por Cristopher Bollas, em seu livro A sombra
do objeto, de 1987, definido como: “um ambiente capaz de produzir transformações na
experiência do self dos sujeitos que nele habitam ao lhes oferecer formas especializadas de
cuidados” (FIGUEIREDO, 2014, p.11).

Essa noção do dispositivo analisante como fonte de cuidados é de grande importância


para o tema abordado nesta dissertação, pois engloba uma noção de cuidado que inclui a
subjetividade. Pode-se assinalar, de acordo com Figueiredo (2008), as funções de implicação
e reserva de presença do agente cuidador, sendo as primeiras relativas aos fazeres do cuidador
e as segundas relacionadas a uma aposta no objeto de cuidados, ao seu ser e deixar ser. As
funções de implicação estão referidas às possibilidades do agente de cuidados de dar
sustentação e continência, propiciando integração e continuidade ao objeto, bem como
permitindo as devidas transformações. Acrescenta-se ainda as tarefas de reconhecer
90
necessidades, ansiedades, fantasias de desejos e transformações do self , além de oferecer
reflexividade e auxiliar no processo de apropriação subjetiva da experiência (ROUSSILLON,
2012a, 2012b) .

Recordo-me de um caso em que recebi um pedido para atender um paciente que iria
sofrer uma amputação de um de seus membros inferiores. Ao chegar para atendê-lo, observei
que estava muito assustado, não conseguia se expressar muito bem e estava também agitado,
fazendo movimentos bruscos. Ao longo de alguns atendimentos realizados com esse paciente,
pude acolhê-lo em sua necessidade de falar sobre a notícia que lhe haviam dado: era preciso
que amputasse um membro. Também foi possível reconhecer sua ansiedade em relação à
possibilidade de perda de uma parte de seu corpo, bem como reconhecer sua fantasia de que
poderia morrer na mesa de cirurgia (reconhecendo, inclusive, a possibilidade dessa fantasia se
tornar realidade). A perda iminente de um membro trouxe para o paciente uma ameaça muito
concreta de desintegração e descontinuidade que pôde ser sustentada e contida pela presença
de um psicanalista.

Por fim, Figueiredo (2014, p.14) assinala ainda as funções de “interpelar/ convocar/
despertar/ reclamar pulsões, ansiedades e fantasias” como próprias do agente cuidador, seja
esse agente um objeto primário ou o que é chamado pelo autor de objeto transformacional
derivado, ou seja, o objeto agente de cuidados que já passou por transformações tanto a nível
concreto, quanto simbólico. Considere-se um exemplo no qual o psicanalista, na figura do
objeto transformacional derivado, pode assumir essas tarefas: encontramos com alguma
frequência em prontos-socorros pacientes que obtêm os chamados ganhos secundários com o
adoecimento, isto é, se beneficiam com o fato de estarem adoecidos e procuram manter tal
situação para conservarem os privilégios advindos com a enfermidade. Nesses casos, é
importante ter a habilidade de interpelar ou convocar os indivíduos a assumirem outro
posicionamento, no qual deixem de enxergar a doença como fonte de privilégios e passem a
encará-la como origem de prejuízos e problemas a serem solucionados. Do mesmo modo,
trazer à tona e entender quais pulsões, ansiedades e fantasias geram tal comportamento
também faz parte das funções do agente cuidador.

Faz-se, no entanto, necessário que todas as funções de implicação estejam em


equilíbrio com as de reserva do agente de cuidados, isto é, há que haver também por parte
desse último uma confiança nas potencialidades daquele que é o foco dos cuidados. A saúde
91
então, para esse autor, estaria vinculada a uma troca bem regulada de cuidados. Nota-se aqui
que, no cenário hospitalar, tais equilíbrio e troca estão ausentes em muitos momentos, pois
tanto as funções de implicação quanto as de reserva do agente cuidador precisam considerar
os aspectos singulares do indivíduo adoecido. Em um pronto-socorro lotado de pessoas, o
fazer do agente de cuidados na saúde não comporta, em sua maioria, a subjetividade de quem
é atendido, não havendo também espaço para o deixar ser. Aí encontra-se a importância da
presença de um psicanalista nesse local, disposto a exercer as funções de implicação e reserva
mencionadas, pois ambas só podem ser realizadas verdadeiramente se considerada a
subjetividade humana.

A cura, no sentido médico do termo, parte de protocolos e técnicas que não incluem
tais aspectos subjetivos, mas trataremos aqui do termo “cura” com um sentido ampliado. No
texto intitulado A cura, Winnicott (1970/2005) afirma que a palavra cura, originalmente,
significaria justamente o mesmo que cuidado. Prossegue explicando que essa palavra adquire
posteriormente, já no contexto de um tratamento médico, o sentido de “desfecho bem-
sucedido” (WINNICOTT, 1970/2005, p.105). Assim, Winnicott observa que se antes cura e
cuidado eram termos muito próximos, essas palavras haviam seguido caminhos diferentes,
isto é, a cura estaria agora sobreposta ao cuidado, podendo mesmo ocorrer a cura, no sentido
médico do termo, sem um cuidado genuíno.

O autor convoca ainda profissionais de saúde a serem confiáveis, pois o sentido de


cura por ele defendido, significando também cuidado, pressupõe tal característica: “Como
médicos, assistentes sociais e enfermeiros, somos chamados a ser confiáveis de modo humano
( e não mecânico), a ter confiabilidade construída sobre nossa atitude” (WINNICOTT,1970/
2005, p. 106). Nesse mesmo sentido e evocando as concepções winnicottianas, Figueiredo
(2014) sugere a articulação entre saúde individual e ambiente, na medida em que a troca de
cuidados depende tanto da confiança depositada pelo indivíduo no ambiente quanto de seu
oposto, isto é, da confiança do ambiente nas capacidades do sujeito. Pode-se aqui destacar o
que Figueiredo diz em relação à associação entre saúde e ambiente:

O saudável, em um organismo vivo- e mais ainda em um sujeito humano, um


existente-precisa sempre ser considerado a partir das relações com o ambiente em
que o próprio do sujeito, em um momento e em uma condição singulares, possa ser
reconhecido, preservado, enriquecido e confirmado. Isso vale, paradoxalmente,
também para o momento de morrer. (2014, p. 22)
92
Assim, no pronto-socorro, a tarefa ambiental descrita deve ser realizada por todos os
profissionais de saúde, mas acaba sendo feita em grande parte, ainda que não restritamente,
pelo psicanalista. Winnicott (1970/2005) afirma que a Psicanálise não pode se limitar a
interpretar o inconsciente reprimido, mas sim deve oferecer uma conjuntura profissional na
qual a confiança tenha espaço, balizada por aspectos transferenciais. Defende também a
importância de ser confiável para proteger os pacientes dos imprevistos, estando aqui a
imprevisibilidade vinculada à confusão mental, ao caos e a uma ansiedade impensável. Esse
psicanalista fornece o exemplo do médico que chega pontualmente à consulta marcada com o
paciente, evitando que tal sujeito sofra de angústia e reforçando a confiança depositada no
profissional.

Nessa visão, o ser confiável ganha relevância no pronto-socorro, local no qual não há
consultas marcadas e a imprevisibilidade, em termos concretos, sequer pode ser evitada, mas
pode ser contornada por um ambiente disposto a tal atividade, já que, se não evita o que é
imprevisível e, por isso mesmo, incontrolável, pode reduzir a sensação de caos e o sentimento
de ansiedade. Winnicott (1970/2005) considera que esse cuidar-curar proposto por ele seria
uma extensão do conceito de holding oferecido pelo ambiente facilitador desde os primórdios
da vida rumo à maturidade. Aconselha, então, os profissionais de saúde a utilizarem em seu
trabalho os mesmos preceitos “aprendidos” por eles no começo de suas vidas, quando
receberam cuidados suficientemente bons.

93
CONSIDERAÇÕES FINAIS:

Pôde-se compreender no decorrer deste estudo que o pronto-socorro desperta


sentimentos ambivalentes em quem nele chega buscando atendimento. Essa procura por
assistência comporta em si uma demanda por cuidado e também por atenção, além da
esperança de resolução de um problema que em geral aflige em maior ou menor grau aquele
que o detém. No entanto, esse mesmo local também gera, em muitas ocasiões, sensações de
desconforto e angústia demasiadas, além da incerteza em relação à solução das questões que
fizeram o indivíduo encaminhar-se até um serviço de urgência e emergência. O sujeito
desamparado defronta-se então com profissionais das mais diversas áreas que possuem com
regularidade uma sobrecarga de trabalho e nem sempre estão preparados ou mesmo
disponíveis para considerarem tais acometimentos do paciente.

Inicialmente, a descrição realizada do que é um pronto-socorro foi importante para


ambientar o leitor em relação ao funcionamento do local estudado, que tem suas
peculiaridades quando comparado a outros setores do hospital. Puderam ser observados
exemplos de casos atendidos nesse local e a caracterização da rotina do profissional de saúde
mental em tal lugar, além da enumeração das principais demandas dirigidas a ele. Pode-se
considerar que o cotidiano de um pronto-socorro está, de certa forma, em consonância com os
tempos atuais nos quais há um desejo pelo imediatismo, pela prontidão e menos
disponibilidade para o que demanda um tempo de espera, uma certa pausa ou suspensão.
Portanto, a Psicanálise inserida nesse ambiente traz consigo um elemento novo, isto é, a
possibilidade de remeter a uma outra dimensão temporal, porém sem deixar de ser eficaz em
sua proposta e sem se contrapor às diretrizes dos outros profissionais.

Buscou-se então localizar que posição pode ocupar o psicanalista no pronto-socorro.


Entendeu-se que tal posicionamento comporta em si a necessidade cotidiana imposta ao
profissional de lidar com impasses e contradições. No entanto, tais vicissitudes não
inviabilizam uma conduta embasada no viés psicanalítico, mas sim geram uma necessidade de
reflexão contínua acerca dessa prática. Concluiu-se que o sujeito dotado de uma escuta
psicanalítica, inserido profissionalmente em um pronto-socorro, deve ter uma postura
questionadora em relação à sua própria atuação e, ao mesmo tempo, assertiva diante das mais

94
diversas situações e demandas com as quais se depara, o que consiste em um exercício
constante, pois a possibilidade de automatização ou da banalização de sua atividade se faz
presente com frequência e torna-se, muitas vezes, o caminho mais fácil para um exercício
profissional alienado e alienante.

Dessa forma, procurou-se identificar as principais questões a serem observadas pelo


psicanalista para conduzir um trabalho em pronto-socorro. Para tal, foram empregadas
vinhetas ilustrativas de vivências experimentadas tanto por mim em minha prática profissional
quanto pelos sujeitos entrevistados. A exposição dessas experiências forneceu uma base
empírica importante para a melhor elucidação e compreensão do conteúdo teórico
desenvolvido.

Uma reflexão central que permeou este estudo foi: como lidar com ideias e ideais já
tão arraigados no cotidiano de outros profissionais que atuam em serviços de urgência e
emergência? Nesse sentido, pensar sobre tópicos como a hipermedicalização, os protocolos de
atendimento, a diferenciação entre sofrimento/sintoma e demanda/oferta, além da
desautorização no cuidado, fez-se essencial.

Essas são questões que obedecem a uma lógica não pertencente aos preceitos
psicanalíticos, mas que também não podem ser simplesmente dispensadas pelo psicanalista
que trabalha no ambiente estudado. São vivências que retiram o profissional em questão de
sua zona de conforto e possibilitam uma rica possibilidade de pensar sobre as peculiaridades e
as responsabilidades de sua atuação.

Se o paciente e seu acompanhante demonstram de algum modo seu sofrimento no


pronto-socorro, de forma mais ou menos expansiva, cabe ao psicanalista compreender
conceitos importantes que dão nome às diversas facetas desse sofrimento, tais como a
urgência subjetiva, a angústia, o desamparo e a emergência do traumático. Sem tal
compreensão, não é possível concluir o que faz um psicanalista nesse local. Destaca-se aqui a
urgência subjetiva como material de trabalho importante do psicanalista no pronto-socorro,
ainda que sua presença não esteja restrita a esse ambiente. A urgência subjetiva contrapõe-se,
em certa medida, à emergência médica, pois se a última exige pressa e pouco tempo, a
primeira sugere uma pausa.

95
Após o estudo dessas noções psicanalíticas, constatou-se que uma tarefa importante
do psicanalista no serviço de urgência e emergência é auxiliar nos processos possíveis de
simbolização em relação às situações muitas vezes extremas vivenciadas por quem adentra o
pronto-socorro. Se por um lado, tais processos se diferem dos observados no setting analítico
tradicional, por outro, auxiliam o paciente a atravessar situações potencialmente
traumatogênicas, evitando que se tornem de fato traumáticas.

A escuta analítica é propícia à promoção desses processos de simbolização e é também


o que distingue a presença do psicanalista no pronto-socorro em relação aos demais
profissionais que atuam nesse ambiente, ainda que não precise e nem deva ser exclusiva do
psicanalista. O cuidado dispensado por esse último tem como característica principal sua
escuta diferenciada que leva em consideração sobretudo a singularidade e a subjetividade de
cada indivíduo e pode ser compreendido como um processo, isto é, algo a ser construído junto
com aquele que é o objeto do cuidado. Isso significa que quem é cuidado também irá
determinar a forma como recebe esse cuidado, sendo um participante ativo de tal processo.
Concebeu-se, então, uma ideia de cuidado que não faz uma separação entre o psíquico e o
físico e que pressupõe as noções de implicação e reserva do agente cuidador expostas por
Figueiredo (2008,2011).

A atuação no pronto-socorro convoca o psicanalista em muitos momentos a intervir de


modo menos centrado na interpretação do inconsciente e mais direcionado à adoção de uma
postura empática, permeada por aspectos transferenciais, em que o ser confiável perante o
paciente e seu familiar, propiciando-lhes um ambiente suficientemente bom, (WINNICOTT,
1971/1975) torna-se de extrema valia em meio aos imprevistos desse ambiente.

Não menos importante do que as relações consolidadas entre o psicanalista, o paciente


e o cuidador, é o relacionamento que se estabelece entre o psicanalista e o restante da equipe
de saúde. Nesse sentido, é fundamental que esse profissional esteja inserido na equipe, de
modo a possibilitar o exercício de um trabalho interdisciplinar. Ao abordar-se a inserção do
psicanalista nessa equipe hospitalar, foi destacada a diferenciação entre “estar inserido” e
apenas “fazer parte”, articulando a inserção à demanda e à escuta analítica. A partir dessas
considerações, entendeu-se que a inserção do psicanalista no pronto-socorro não remete à
ideia de trabalho em separado dos demais profissionais e sim, ao contrário, está relacionada à

96
possibilidade de se somar e de ter sua prática integrada à atuação desses outros membros da
equipe, sem dispensar os aspectos inerentes à ética psicanalítica.

O trabalho do psicanalista no pronto-socorro constitui-se em um desafio diário,


permeado por grande sobrecarga emocional e por dificuldades de ordem prática e psíquica.
Assim, é importante que o psicanalista também cuide de sua saúde mental para que possa,
posteriormente, lidar com os aspectos psicológicos dos pacientes, de familiares e até mesmo,
por vezes, de seus colegas de trabalho. Desse modo, considera-se essencial a realização por
parte desse profissional de uma análise pessoal, além da inserção em supervisões, grupos de
estudos e afins.

Há ainda muitas questões a serem exploradas quando analisamos o trabalho do


psicanalista em um serviço de urgência e emergência hospitalar. A atuação nesse local é
dinâmica, repleta de novas situações e casos a cada dia, o que traz consigo consequentemente
novos questionamentos e possibilidades.

Sendo assim, este estudo não pretendeu esgotar as discussões existentes sobre a
temática, as quais, arrisca-se a dizer, talvez sejam inesgotáveis, mas buscou sim traçar um
panorama acerca das principais questões que afligem o psicanalista com regularidade nesse
trabalho. Afinal, não é somente o paciente e o familiar que se angustiam, mas também o
profissional que lhes oferece seu cuidado. Esta pesquisa teve início a partir dessa angústia e
do anseio por auxiliar o paciente da melhor forma possível. Acredita-se, chegando agora ao
final, que é também a prova de que nossas angústias, quando bem cuidadas, tornam-se
produtivas e podem frutificar. A partir dessa ótica, espera-se que possa auxiliar também
outros atores da área de saúde, psicanalistas ou não, no desempenho de suas profissões em
serviços de urgência e emergência.

97
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Entrevista concedida a Clara Kislanov da Costa. São Paulo, 15 mar. 2016.
Entrevista concedida a Clara Kislanov da Costa. São Paulo, 11 mai. 2016.
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104
ANEXO 1:

Roteiro de Entrevista:

-Nome:

-Função:

-Formação:

-Breve história do entrevistado

Conte a sua experiência no pronto-socorro- o que você faz lá?

Possibilidades de atuação no pronto- socorro

Um exemplo de tais possibilidades

Limites de atuação

Um exemplo relativo aos limites

Diante de tais limites, o que poderia melhorar?

Exemplo de caso em que a equipe solicita atendimento. Acha que essa demanda é adequada
ou não em relação à sua função?

-Observações da pesquisadora referentes à entrevista

105
ANEXO 2:

Termo de consentimento livre e esclarecido:

Esta pesquisa intitulada “Urgência psíquica X Emergência médica: a inserção do


profissional de psicologia em um pronto-socorro hospitalar” (título provisório) visa investigar
como ocorre a atuação do psicólogo em um pronto-socorro/unidade de urgência e emergência,
assim como os aspectos relacionados à tal atividade que podem vir a interferir ou mesmo
direcionar tais práticas. Por esta razão, torna-se importante ouvir os profissionais inseridos
nesse campo, tanto os que atuam de forma permanente quanto os que o fazem sob o regime de
residência multiprofissional com duração de dois anos.

Acreditamos que com estas entrevistas centradas na prática do profissional, aliadas a


articulações teóricas, será possível ainda vislumbrar o que é passível de ser modificado e/ou
repensado na dinâmica de trabalho desse.

Desta forma, a técnica para coleta de dados consistirá em entrevistas semi-


estruturadas com os profissionais atuantes neste campo, as quais serão agendadas de acordo
com a disponibilidade destes. Estas entrevistas serão gravadas e transcritas pela pesquisadora,
sendo necessário assinalar a garantia de sigilo que assegura a privacidade dos sujeitos
entrevistados quanto aos dados confidenciais envolvidos na pesquisa. As gravações obtidas
serão mantidas em local seguro, codificadas e as identificações só serão efetuadas pelos
pesquisadores.

Em caso de utilização do material coletado para publicações científicas ou fins


didáticos, não serão realizadas as identificações dos entrevistados, sendo mantida portanto a
garantia de sigilo já mencionada.

Esta pesquisa não comporta riscos potenciais ou iminentes para os participantes,


podendo implicar em algum grau de desconforto para estes ao responderem os
questionamentos propostos.

É importante ressaltar que o entrevistado pode retirar, a qualquer momento, seu


consentimento para participar desta pesquisa. É possível também ao participante requerer

106
esclarecimentos ou sanar dúvidas antes e durante a pesquisa acerca dos temas incluídos nesta,
bastando para tal entrar em contato com a pesquisadora Clara Kislanov da Costa pelo
telefone.

Declaro que li e compreendi todas as informações referentes a este estudo, tendo


obtido todos os esclarecimentos por parte da pesquisadora, aceitando participar do mesmo.
Afirmo que recebi uma via deste documento.

São Paulo, _____de_________de_______.

Nome do participante: ___________________________________________________

RG:___________________________________________________________________

Assinatura do participante: ________________________________________________

Assinatura da pesquisadora:________________________________________________

107

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