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Panorama

de tendências
geopolíticas Horizonte 2040

MINISTERIO DE DEFENSA
Panorama
de tendências
geopolíticas
Horizonte 2040
CATÁLOGO GERAL DE PUBLICAÇÕES OFICIAIS
https://cpage.mpr.gob.es

Edita:

SECRETARÍA https://publicaciones.defensa.gob.es/
GENERAL
TÉCNICA

© Autor e editor, 2020


NIPO: 083-18-154-2 (impressão sob demandal)
NIPO: 083-20-155-8 (edição em linha)
NIPO: 083-20-156-3 (edição em livro-e)
Data de edição: Julho 2020
Maquetação e impressão: Ministério da Defesa

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Introdução  ......................................................... 7
Metodologia utilizada  .................................... 11

15 Fator físico
Os espaços comuns globais  .......................... 17
O setor espacial  .............................................. 25
O ciberespaço:
novo cenário de conflito  ............................... 33
A mudança climática,
potenciadora do risco  ................................... 39

47 Fator humano
Demografia  ..................................................... 49
A desigualdade de género  ........................... 57
As religiões: um facto diferencial  .................. 65
A educação  .................................................... 73

79 O fator económico
Recursos não energéticos  ............................. 81
A energia  ......................................................... 87
A geoeconomia  ............................................. 95
Os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável:
a agenda do porvir  ...................................... 103
111 Fator sociopolítico
A comunicação e o processo
de globalização  ............................................ 113
Globalização e regionalização de um
mundo de geometria variável  .................... 121
Os fundamentos sociopolíticos:a cultura, as
crenças e as ideias  ....................................... 127

135 Fator militar


A era da informação  ................................... 137
A tecnologia  .................................................. 145
Conflituosidade e Defesa  ............................ 153

Agradecimentos  ........................................... 161
7

Introdução

Todos os Ministérios da Defesa dos planeamento da defesa por capa-


países desenvolvidos efetuam o deno- cidades foi implantado no ano de
minado Planeamento da Defesa. Tal 2005, mediante a aprovação da OM
como indicado na Doutrina para a Utili- 37/2005, que posteriormente foi substi-
zação das Forças Armadas (PDC-01A), tuída pela OM 60/2015.
de 27 de fevereiro de 2018, é o proces- Antes disso, o processo de planea-
so pelo qual se obtêm as capacidades mento baseava-se no estudo das
necessárias para se alcançarem os ameaças à segurança, mas os aten-
objetivos estabelecidos na política de tados de 11 de setembro de 2001
defesa e, especialmente, para a defi- puseram a manifesto a obsolescência
nição, obtenção e sustentação de destes métodos. A incerteza, consubs-
Forças Armadas eficazes, sustentáveis tancial à globalização, e atentados
no tempo e capazes de enfrentar os como o do 11S, tão difíceis de prever,
desafios de um cenário estratégico fizeram com que os países mais
incerto e em evolução constante. desenvolvidos, começando pelos
Desta forma, o Planeamento da EUA, mudassem para um sistema de
Defesa constitui um processo cíclico, planeamento por capacidades.
unitário, ordenado, integral e flexível. Este documento do IEEE regista
O objetivo deste processo é conce- as tendências geopolíticas globais
ber Forças Armadas com base em no período compreendido entre
capacidades eficazes e sustentá- 2019-2040, e é a base sobre a qual o
veis, sustentadas num equilíbrio entre Centro Conjunto de Desenvolvimen-
o conceito de utilização, estrutura to de Conceitos (CCDC) se apoiou
e financiamento. Na Espanha, este para elaborar o seu

Introdução
8 Panorama de tendências geopolíticas
Horizonte 2040

“Ambiente Operacional 2035”. Este Para a determinação desse quadro


pacote concetual permite que se estratégico e do seu ambiente opera-
informe a tomada de decisões sobre cional, é necessário efetuar uma análise
a conceção futura da Força Conjun- prospetiva sobre como é que o mundo
ta, como passo prévio à elaboração mudará daqui até ao ano de 2040, um
do Conceito de Utilização das Forças trabalho complicado, se tivermos em
Armadas (CEFAS). conta que este mundo globalizado se
O processo é iniciado com a emissão caracteriza pelo aumento permanente
do Conceito de Utilização das Forças da velocidade de mudança, em que
Armadas (CEFAS), que estabelece cada vez é mais condicionar o ambien-

o quadro estratégico, a frequente o te operacional em que deverão atuar


surgimento de factos disruptivos espe- os sistemas de armas que sejam conce-
cialmente por intermédio da tecnologia bidos atualmente para atuar num futuro
ou de atores não estatais capazes de próximo ou longínquo.
se converterem em riscos e ameaças Apesar desta dificuldade crescente,
poliédricas, mutáveis, difíceis de avaliar devido à aceleração das mudanças
e de prever. num mundo altamente globaliza-
Tudo isto nos dá uma ideia da dificul- do, é imprescindível a execução de
dade da execução de um estudo das um planeamento que nos permita
tendências estratégicas que podem enfrentar o futuro com um mínimo de
sua eventual evolução, os cenários garantias, pelo menos para permitir
genéricos de atuação e a forma de que se vão corrigindo os erros que o
utilização das FAS. tempo nos irá mostrando.
9

Por outro lado, a responsabilidade sidades perentórias como a saúde ou


no Planeamento da Defesa vai para a educação, a que a opinião pública
além da utilização do procedimento. dá prioridade em tempos de paz.
Caso se cometam erros, a sua Converte-se assim a análise de
correção implicará uma despesa que tendências num desafio difícil, comple-
se deveria ter evitado, dado que os xo e simultaneamente exigente, dada
recursos são sempre escassos e difíceis a sua importância para a execução de
de ser aumentados quando há neces- um Planeamento da Defesa correto.

Introducción
11

Metodologia utilizada
A metodologia seguida para a no nosso ambiente regional e a nível
execução da análise das tendências nacional.
mais relevantes que afetarão o mundo Também era necessário selecionar
no horizonte de 2040 teve em conta, adequadamente os fatores a anali-
não só como será o mundo nesse hori- sar, que deviam ser fundamentais na
zonte temporário, mas também como análise geoestratégica da segurança
evoluirão os diferentes fatores analisa- nesta parte do globo. Os fatores
dos a médio prazo, ano de 2030, e a selecionados foram os clássicos dos
longo prazo, 2040. métodos geopolíticos: Fator físico (a
São muitos os documentos que tratam mudança climática como potencia-
as tendências de futuro. De entre eles, dor do risco e os espaços comuns
devem-se destacar os publicados pela globais); o fator humano (demo-
União Europeia e pela NATO, e os elabo- grafia, a desigualdade de género,
rados pelos países do nosso ambiente, as religiões e a educação); o fator
onde, por exemplo, o último editado económico (geoeconomia, recursos e
pelo Reino Unido é a sua quinta edição, desenvolvimento sustentável); o fator
enquanto o Conselho Nacional de Inte- sociopolítico (cultura, crenças e ideias,
ligência dos Estados Unidos publicava a globalização e regionalização do
a sexta edição das suas Tendências mundo, a evolução do pensamento
Globais. Todos estes documentos, que geopolítico e da comunicação), e o
abordam o problema a partir de dife- fator militar (tecnologia, inteligência,
rentes perspetivas, tratam assuntos tão conflituosidade e Defesa).
diversos como a energia, a mudança Com estas premissas, o modelo
climática, a demografia, etc.. seguido é o representado no esque-
Para este documento, era neces- ma da página seguinte.
sário dar à nossa metodologia uma Para a execução da análise de
orientação destinada a satisfazer as cada tendência, foram organizados
necessidades da Espanha e, mais grupos de trabalho, que efetuaram
concretamente, as do planeamen- estudos no âmbito do Plano Anual de
to da defesa espanhola. As Nossas Investigação de 2017 e que, em alguns
Forças Armadas desempenham casos, se plasmaram em publicações
um papel em concordância com do Instituto Espanhol de Estudos
os interesses e as peculiaridades da Estratégicos: «A evolução da demo-
Espanha, uma potência média, com grafia e a sua incidência na defesa
uma posição geopolítica marcada e segurança nacional», «Energia e
pela sua pertença à NATO e à UE, mas geoestratégica 2018», «Paz, conflito e
também por ser um país mediterrânico religião no século XXI. Uma visão pros-
que constitui a via natural de comu- petiva», «A mudança climática e a
nicação com o Magreb e o Sahel. sua repercussão na defesa», «NATO:
Por todas estas razões, decidimos presente e futuro», «Uma estratégia
efetuar uma abordagem geopolítica global da União Europeia para tempos
que, além de analisar as tendências difíceis», «Segurança Global e Direitos
globais, se focasse especialmente Fundamentais», «Geoeconomias do

Metodologia utilizada
12 Panorama de tendências geopolíticas
Horizonte 2040

século XXI», «A água: fonte de conflito Também foi criado, no âmbito dos
ou cooperação?», «Cibersegurança: documentos de investigação publica-
a cooperação público-privada» e dos na página web, o programa de
«Para uma estratégia de segurança «trabalhos de futuro» sobre o «pano-
aeroespacial». rama de tendências geopolíticas».
13

Estes documentos, encomendados a Estes trabalhos foram efetuados


autores de prestígio pelo Instituto, conti- seguindo a metodologia exposta,
nuarão disponíveis para consulta. com uma análise da evolução de
Simultaneamente foram realizados cada tendência a curto, médio e
workshops com especialistas em muito longo prazo e o seu impacto a nível
diferentes matérias relacionadas com o global, regional e nacional, para esta-
estudo das tendências de futuro. A partir belecer em forma de conclusão as
da exposição de um orador de reconhe- consequências que pode ter para a
cido prestígio, nacionais e estrangeiros, segurança. Uma metodologia pensa-
estabelecia-se um debate com especia- da para alcançar os objetivos que esta
listas selecionados nos diferentes setores edição se propõe e que se pretende
da sociedade relacionados com o tema manter como sistema de trabalho de
e que, reunidos propositadamente, forma regular.
debatiam para, finalmente, elaborarem Tendo em conta que, com a
um documento breve em que fossem metodologia utilizada durante a
registadas as conclusões extraídas. análise de tendências já se avaliou
Estes workshops abrangeram temas o impacto na área da segurança a
como o terrorismo, geopolítica global nível global, regional e nacional, não
e regional, liderança, evolução da se considerou que seria necessário
tecnologia na área dos novos mate- fazer uma secção específica rela-
riais, da nanotecnologia, da robótica, cionada com as diferentes regiões
do ciberespaço, etc. geopolíticas.

Metodologia utilizada
Fator
físico

Os espaços
comuns globais

O setor espacial

O Ciberespaço:
novo cenário de conflito

A Mudança Climática, poten-


ciadora do risco
Os espaços
comuns globais
17

Os espaços
comuns globais

•  Definição e relevância — públicos ou privados — assim como


ao grau de cumprimento e efetividade
O avanço da tecnologia e a das normas acordadas.
mudança climática foram configuran- Desta forma, o Direito Internacio-
do espaços físicos e virtuais em que a nal Público considera bens públicos
soberania estatal está substituída por globais os que são «património comum
uma regulação que é fruto de acordos da humanidade» (conceito juridica-
entre os Estados ou por vazios legais, mente complexo). Uma perspetiva
onde cada ator tenta influenciar, mais humanista considera que são os
atendendo exclusivamente aos seus que se destinam ao desfrute de toda a
interesses de todo o tipo. São os «bens humanidade, como a biodiversidade
públicos globais» (também conheci- ou o meio ambiente.
dos como «global commons»). Uma terceira aproximação é a que
Surge assim o problema da deter- os considera como espaços físicos ou
minação do regime jurídico aplicável, virtuais para o livre tráfego de bens,
face à necessidade de uma regu- recursos, mercadorias, pessoas e ideias;
lação — uma governação — que isto é, todos os espaços oceânicos, o
impeça a depredação, a apropriação espaço aéreo, o espaço ultraterrestre e
descontrolada e o uso indevido destes o ciberespaço. Sem obviar totalmente
espaços e dos recursos que albergam. os primeiros dois enfoques, seguiremos
Esta necessidade apela à respon- o último, cobrindo oceanos e espaço
sabilidade dos agentes envolvidos aéreo, dado que o espaço ultraterres-

Os espaços
comuns globais
18 Panorama de tendências geopolíticas
Horizonte 2040

tre e o ciberespa ço são tratados como Este tipo de transporte, devido ao


tendências à parte. seu altíssimo índice de regulação
contaminação, necessitará de uma
•  Evolução no tempo específica, até agora inexistente, que
também limitará as suas zonas de
O surgimento de potências emer- passagem. Isto aumentará o custo
gentes ávidas de matérias-primas e dos fretes, afetando o destacamento
desejosas de garantir o seu acesso e marítimo comercial e militar.
regular estas áreas em seu benefício, De igual modo, os espaços marí-
Os espaços juntamente com os avanços tecnoló- timos serão crescentemente fonte
marítimos gicos, que as tornam mais acessíveis de controvérsias na sua delimitação
serão de for- a novos atores estatais e não estatais, entre os Estados. No futuro a médio
ma crescen- representarão de forma crescente um prazo, assistiremos à progressiva deli-
te fonte de risco para a estabilidade e a segu- mitação das plataformas continentais
controvérsias
rança mundiais. alargadas, tarefa à qual se lança-
na sua delimi-
A principal preocupação continua- ram praticamente todos os Estados
tação entre os
Estados rá a ser a salvaguarda do livre acesso costeiros do mundo. Isso provocará o
a estas áreas para fins comerciais e aparecimento de novas controvérsias,
militares, ou a regulação das mesmas devido ao aparecimento de platafor-
para se evitar um uso indiscriminado mas continentais sobrepostas.
ou contrário aos interesses de certos Além disso, alargar-se-ão os direi-
Estados. A esta visão juntam-se de tos soberanos dos Estados que vejam
forma crescente as preocupações de reconhecidas as suas reclamações da
natureza mais humanista, estimuladas plataforma continental para além das
pela opinião pública mundial. 200 milhas marítimas, o que por sua
Desta forma, o transporte de merca- vez terá consequências na gestão dos
dorias por mar continuará a estar muito fundos marinhos e nos recursos que
dependente do acesso sem restrições albergam, reduzindo progressivamen-
aos denominados pontos de estrangu- te o mar não territorial. As zonas de
lamento (também conhecidos como responsabilidade de procura e salva-
«choke points»). A diminuição de velo- mento marítimo poderão ser os postos
cidade que impõem à navegação avançados legais em áreas onde, até
continuará a facilitar as ações de piratas agora, não havia um tráfego que os
e eventuais ruturas no fluxo comercial, tornasse necessários.
devido a conflitos ao longo das suas Por outro lado, ocorrerá a abertura
costas. Constituem, pois, um alto interes- de grandes vias de trânsito no Árti-
se estratégico, dado que continuarão co, em consequência da mudança
a impor servidões para o comércio e a climática, para fins comerciais e mili-
deslocação de forças navais. tares, que unirão a Europa ao Extremo
Isto chamará cada vez mais a Oriente por uma travessia 7.000 quiló-
atenção de atores estatais e não metros mais curta do que a do Canal
estatais e constituirá uma crescente do Panamá.
preocupação devido ao seu efeito Será uma questão crucial no futuro
negativo no transporte e, portanto, na próximo, que implicará questões de
economia. livre passagem, extração de recursos
19

e proteção ambiental, numa zona tendência negativa a considerar)


especialmente frágil de crescente continuará a afetar o ambiente e
interesse geoestratégico. também será motivo de potenciais
Uma das principais tendências de conflitos, pelo que necessitará cres-
futuro que os mares enfrentarão é a centemente de recursos e medidas
progressiva degradação ambiental e para a sua regulação e controlo.
o esgotamento da biodiversidade. No Pela sua parte, a área do espaço
médio prazo, desenvolver-se-ão em aéreo continuará a protagonizar
Ocorrerá a
grande escala novos usos comerciais uma escalada no seu uso, que será a abertura de
do mar, especialmente da mineração expressão da reafirmação do poder grandes vias
marinha, que por sua vez apresenta- militar de novas potências que tentam de trânsito no
rá novos desafios jurídicos e éticos, desafiar o tradicional predomínio Ártico para
devido ao seu eventual impacto ocidental. fins comer-
ambiental, e será fonte de potenciais A vulnerabilidade dos voos aéreos ciais e militares
conflitos. comerciais, alvo fácil de atentados
Pela sua parte, a pesca comer- de grande repercussão mediáticade-
cial (com o excesso de pesca como terminará a adoção de medidas de

Os espaços
comuns globais
20 Panorama de tendências geopolíticas
Horizonte 2040

controlo cada vez mais sofisticadas, vamente, melhorando a segurança


mas em liça com as liberdades dos das operações aéreas, substituin-
cidadãos e os interesses comerciais. do progressivamente a intervenção
A generalização do uso de drones, humana e melhorando a velocidade
«A para fins privados ou estatais (civis e milita- e eficiência da aeronavegabilidade,
generalização res), apresentará importantes problemas mas tornando-a mais vulnerável aos
do uso de jurídicos, éticos e de segurança. ataques de hackers.
drones
apresentará
importantes
problemas
jurídicos e
éticos»

A crescente consciencialização Em última análise, a longo prazo as


ambiental forçará a aviação comer- preocupações ambientais relativa-
cial a assumir os custos derivados da mente à gestão dos espaços globais
contaminação acústica e ambien- comuns serão a consequência de
tal, o que por sua vez se poderá uma crescente pressão da opinião
repercutir no aumento dos preços pública, que afetará o uso e a renta-
do transporte aéreo e reduzir as suas bilidade dos mesmos.
zonas de voo.
Também do ponto de vista jurídico, •  Influência na área dasegurança
a indefinição existente entre o limi-
te do que se deve entender como Num mundo globalizado e interliga-
espaço aéreo e o que é espaço ultra- do, qualquer limitação do acesso aos
terrestre, problema impulsionado por bens globais comuns terá consequên-
novas tecnologias, mais sofisticadas e cias cada vez mais importantes no
acessíveis, necessitará de uma regu- equilíbrio geopolítico, aspeto que as
lação mais nítida sobre o uso destes novas potências e os agentes não
aparelhos. estatais tentarão explorar em seu
Pela sua parte, o uso da inteligência proveito e em detrimento dos outros.
artificial ir-se-á alargando progressi- Desta forma, a principal preo-
21

cupação continuará a ser a siva militarização, irá desenhando um


salvaguarda do livre acesso a estes cenário onde a probabilidade de crises
espaços ou bens, face ao desa- e confrontos aumentará de forma
fio das potências emergentes não exponencial a curto e médio prazo.
ocidentais — especialmente a China No acesso aos bens globais também
e a Rússia — ou inclusivamente de será travada desenvolvimento ou
agentes não estatais, o que provo- potências emergentes, como a China
cará uma progressiva militarização — às quais ultimamente parece que
dos mesmos. se começam a juntar os EUA — face

A principal
preocupação
continuará a
ser a salva-
guarda
do livre acesso
uma batalha comercial, no quadro às que propugnam o livre comércio, a estes es-
da expansão das regras da Organi- como a União Europeia ou o Japão. paços ou
zação Mundial do Comércio (OMC) e A redução da dependência do bens, face
ao desafio
da rede de tratados de livre comércio. transporte marítimo para as nações
das potências
Este sistema deparar-se-á no futuro que não têm potência naval ou que
emergentes
com uma maior pressão entre as polí- estão em fase de construção da não ociden-
ticas protecionistas, tradicionais nos mesma, através do desenvolvimen- tais ou inclu-
Estados em vias de desenvolvimen- to de infraestruturas alternativas, sivamente de
to galopante da tecnologia e dos vai ser uma constante do futuro. agentes não
sistemas antiacesso/recusa de área Desta forma, tratar-se-á de evitar estatais
assimétrica ou A2/AD, juntamente com estreitos que estejam situados perto
a crescente competitividade entre as de zonas conflituosas, que possam
potências, os agentes não estatais e as limitar a liberdade de navegação e
organizações, assim como a progres- pelos quais passa uma percentagem

Os espaços
comuns globais
22 Panorama de tendências geopolíticas
Horizonte 2040

significativa do movimento comercial cortar o fluxo dos seus abastecimen-


e de matérias-primas. tos, colapsando a sua economia.
Neste sentido, a China lançou um Os riscos para a segurança global
vasto plano («One road, one belt»)que, acima analisada são particularmente
invocando a lembrança da antiga aplicáveis à área da UE.
«Rota da seda», procura aumentar a sua Pela sua parte, o progressivo desta-
influência económica e cultural, esqui- camento militar russo no Ártico e a
vando-se aos estreitamentos nos tr ajetos consequente reação da NATO
continuarão a impulsionar o rearmamen- negativos que uma desestabili-
to na região, com o aumento da tensão zação da zona poderia ter no tráfego
e o risco de escalada não desejada. no Canal de Suez.
Por outro lado, considera-se que Na área do Magreb, o atraso tecno-
as probabilidades de rutura da nave- lógico e a falta de infraestruturas
gação entre o Báltico e o Mar do limitarão o seu acesso aos bens globais

Norte, com um valor comercial muito sofrendo, no entanto, as consequên-


elevado, são mínimas. cias da deterioração ambiental de
No entanto, os conflitos que acossam mares e céus. Esta tendência será
o Crescente Fértil continuarão a provo- muito mais acentuada no Sahel. Mas
car uma alta preocupação, devido aos ambas as zonas são suscetíveis de se
efeitos marítimos mediante uma rede de converterem em plataformas a partir
oleodutos, gasodutos e infraestruturas das quais se poderá atentar contra os
de comunicações terrestres e marítimas. referidos bens.
Desta forma,evitará que potências O nosso país, como membro
navais como os Estados Unidos possam da UE, partilha os riscos derivados
23

de uma limitação do seu acesso siva limitação no uso dos mares para
aos bens globais. Por outro lado, a fins pesqueiros.
Espanha é uma nação eminente- Por outro lado, o volume e a impor-
mente marítima, que como potência tância do tráfego no estreito de
pesqueira ficará afetada pela cres- Gibraltar poderá torná-lo atrativo
cente competição pelo acesso e para ações de rutura, com graves
extração, assim como pela progres- consequências.

A principal preocupação
continuará a ser a salvaguarda
do livre acesso a estes espaços
ou bens, face ao desafio das
potências emergentes ou
inclusivamente agentes não
estatais, o que provocará uma
progressiva militarização dos
mesmos e de forma crescente
um risco para a estabilidade e
segurança mundiais

Os espaços
comuns globais
O setor espacial
25

O setor espacial

•  Definição e relevância 1.  A necessidade de monitorizar


a mudança climática e os seus
A tecnologia espacial converteu-se efeitos.
num elemento fundamental para as 2.  O crescimento demográfico,
sociedades desenvolvidas e de peso que aumentará a procura de
crescente para as que estão em vias serviços de comunicações
de desenvolvimento. omnipresentes em banda
As tecnologias de satélite penetra- larga.
ram nos mais diversos setores, desde 3.  O acesso generalizado à
as comunicações, o posicionamen- tecnologia, que permitirá
to de telemóveis ou a navegação a aproximação ao espaço
de veículos de todo o tipo, passando a um número crescente de
pela meteorologia, a exploração de novos atores, governamentais
recursos naturais ou a sincronização e privados, para uma gran-
de redes de agentes financeiros e a de variedade de usos, alguns
distribuição de energia elétrica. As deles potencialmente ilícitos
carências nesta área afetariam grave- ou perigosos.
mente a economia mundial. 4.  O desenvolvimento de novas
Esta situação tenderá a reforçar-se tecnologias, espaciais ou não,
nos próximos anos, quando o espaço que impulsionarão a procu-
se converter num fator determinante ra de aplicações espaciais:
para a vida humana no nosso plane- Internet das coisas, com quase
ta, e inclusivamente para além deste, 100 mil milhões de dispositivos
com o aumento das seguintes tendên- interligados em 2040; a logís-
cias globais: tica autónoma, com veículos

O sector espacial
26 Panorama de tendências geopolíticas
Horizonte 2040

não tripulados e drones, ou a sistemas, especialmente dos lança-


procura de mobilidade entre mentos de CubeSats (ou semelhantes)
as futuras com crescente capacidade. Ir-se-á
5.  O embaratecimento do desen- embaratecendo progressivamen-
volvimento, produção e te o custo das missões espaciais e do
exploração dos sistemas espa- lançamento de satélites, reduzindo os
ciais, destacando-se: prazos para a implementação de algu-
•  A redução do tamanho, massa mas das megaconstelações (Galileo,
e consumo dos sistemas e Oneweb, etc.), o que representará
sensores a bordo. uma mudança significativa na forma
•  O desenvolvimento de novos de produzir e operar sistemas espaciais.
materiais. O aumento de objetos e desper-
•  Os avanços na produção e dícios em órbitas baixas aumentará
armazenamento de energia. o risco de colisão entre eles, o que
•  As tecnologias de produção poderá dificultar o lançamento para
aditiva (impressão 3D e 4D). órbitas mais altas. As potências espa-
•  Os avanços nas tecnologias ciais aumentarão os seus programas de
de suporte à vida humana voos tripulados, liderando o segmento,
no espaço, em inteligência e desenvolverão veículos autónomos
artificial e em robótica, que para assistirem à exploração humana
aumentarão as capacidades de outros corpos celestes.
humanas em tal meio. A médio prazo, acelerar-se-á o
6.  A concorrência pela hegemonia desenvolvimento de plataformas
espacial entre as altas potências de menor tamanho e custo, que
que, além de estimular o desen- juntamente com o progressivo emba-
volvimento tecnológico, poderia ratecimento das tecnologias de
gerar conflitos devido aos direi- lançamento, permitirá satélites de
tos sobre territórios espaciais, a vida útil mais curta facilmente substituí-
exploração de recursos extra- veis em caso de falha ou destruição.
terrestres ou devido ao uso e Por outro lado, o avanço da compu-
ocupação de zonas da órbita tação distribuída e da miniaturização
terrestre. eletrónica permitirão que se ponham
7.  A afluência de grande quan- em órbita enxames de satélites, dimi-
tidade de capital privado ao nuindo a vulnerabilidade.
setor espacial, que aumentará a As altas potências aumentarão o
médio e longo prazo, afetando tamanho e a utilização das estações
as regras do jogo. espaciais em órbita, lideradas pelos
Estados Unidos e pela China, relançan-
•  Evolução no tempo do a corrida espacial para outros
planetas.
A curto prazo a situação no setor O mercado de telecomunicações
espacial não evoluirá significativa- por satélite terá oscilado para as cons-
mente, reforçando-se as tendências telações em LEO — órbita baixa — e
dos últimos anos. MEO — órbita intermédia —, embora
Aumentará a miniaturização dos o mercado GEO — órbita geoestacio-
27

« As potên-
cias espaciais
aumentarão os
nária — continue a ser relativamente podem favorecer a procura de grandes seus progra-
estável. A procura de difusão de tele- plataformas destinadas a essas órbitas. mas de voos
visão, juntamente com a chegada da A Europa perderá progressivamente tripulados,
televisão de ultra HD, obrigará a repor a a liderança no mercado comercial de liderando o
capacidade em órbita. Por outro lado, lançamentos a favor dos Estados Unidos, segmento»
o avanço da tecnologia de sensores com a China, e em menor grau a Índia,
e a necessidade de plataformas de a penetrar em tal mercado.
observação GEO para monitorizar a Os avanços em propulsão permitirão
mudança climática podem favore- o arranque de um incipiente negócio
cer a procura de grandes plataformas de turismo espacial, que aumentará
destinadas a essas órbitas. a procura para um acesso seguro ao
O mercado de telecomunicações espaço e apresentará novas vulnerabi-
por satélite terá oscilado para as cons- lidades.
telações em LEO — órbita baixa — e A longo prazo as altas potências
MEO — órbita intermédia —, embora o poderão estabelecer uma presença
mercado GEO — órbita geoestacionária permanente e o envio de missões tripu-
— continue a ser relativamente estável. ladas a outros planetas, iniciando a
A procura de difusão de televisão, junta- exploração de recursos neles, com uma
mente com a chegada da televisão de capacidade comercial ainda muito limi-
ultra HD, obrigará a repor a capacidade tada.
em órbita. Por outro lado, o avanço da As tecnologias de propulsão ióni-
tecnologia de sensores e a necessida- ca e de armazenamento de energia
de de plataformas de observação GEO permitirão que as principais potências
para monitorizar a mudança climática disponham de estações permanentes

O sector espacial
28 Panorama de tendências geopolíticas
Horizonte 2040

em órbita para uma grande quanti- meios de alta energia contra outros
dade de usos, incluindo os militares. ativos espaciais ou objetivos terrestres.
Algumas delas serão de proprieda- Influência na área da segurança
de privada com fins comerciais: voos Os sistemas espaciais converter-se-
suborbitais para transporte supersóni- ão em infraestruturas críticas para o
co comercial e turístico, ou a produção desenvolvimento económico e social
de novos materiais em condições de e, portanto, em objetivos valiosos para
microgravidade. os Estados e organizações terroristas e
«Os sistemas Será desenvolvida tecnologia e criminosas. Também serão vitais para as
espaciais con- meios para a limpeza das congestio- forças armadas e os organismos e forças
verter-se-ão nadas órbitas LEO e MEO a partir de de segurança das nações mais desen-
em infraestru-
naves dedicadas a esse fim. volvidas. A possibilidade de implementar
turas críticas
O avanço em matéria de sensores sistemas de armas e a necessidade de
para o des-
envolvimento multiespectrais permitirá que as princi- proteger os ativos em órbita levarão
económico e pais potências e algumas organizações a uma progressiva militarização do
social e, por- privadas disponham de satélites em órbi- espaço, apesar das ambíguas restrições
tanto, em ob- ta geoestacionária ou em órbitas de alta dos tratados e princípios internacionais
jetivos valiosos excentricidade para observação e tele- em vigor, e das novas estruturas de
para os Estados deteção com muito alta resolução. cooperação e governação internacio-
e organizações De igual modo, o avanço na capa- nais que se possam desenvolver.
terroristas e cidade de gerar energia em órbita e Por outro lado, a progressiva demo-
criminosas» de transmitir tal energia para a terra cratização da tecnologia permitirá o
para ser usada converterá as estações acesso ao espaço a mais nações e a
espaciais, e talvez outros tipos de um bom número de entidades priva-
naves não tripuladas, em plataformas das, incluindo organizações criminosas
capazes de dirigir ataques mediante ou terroristas, que se poderão dotar
29

de redes de comunicações e obser- A saturação das órbitas LEO pode


vação, independentes e opacas. chegar a ser intolerável. Uma colisão,
Não se pode descartar a possibili- mesmo que acidental, pode repre-
dade de ataques para destruição de sentar uma grave ameaça para os
ativos em órbita, embora seja mais restantes objetos em órbita e dar
provável a utilização de outros enfo- origem a conflitos internacionais de
ques, como a infiltração nos sistemas índole global.
de controlo suplantando os opera- O número de países que disporão
dores, ciberataques ou a inutilização de engenhos espaciais terá quase
eletrónica daqueles. duplicado em 2040, mas a capacida-

A proliferação de constelações de de tecnológica para os desenvolver e


satélites comerciais e militares aumen- colocar em órbita continuará restringi-
tará consideravelmente o risco de da a um número limitado, que incluirá a
ataques cibernéticos, o que obrigará ao Espanha. A Europa manter-se-á como
desenvolvimento de novas tecnologias uma das potências espaciais, embora
que evitem o acesso mal-intencionado em declínio.
a estes sistemas. Tais ataques poderão No entanto, no curto e médio prazo
ser levados a cabo por quem dispu- a segurança dos futuros sistemas
ser de meios para os lançar mediante espaciais estará fundamentalmente
impulsos eletromagnéticos, previsivel- sujeita a riscos devidos ao aumento
mente altas potências. de desperdícios espaciais e ao clima
solar, que podem ocasionar a inutili- Não é provável que os países do Norte
zação temporária ou permanente dos de África, e menos ainda do Sahel,
engenhos em órbita, provocando a desenvolvam este tipo de capaci-
paralisação de sistemas críticos para a dades ou disponham de meios para
defesa ou a economia. destruir objetos em órbita, embo-

O sector espacial
30 Panorama de tendências geopolíticas
Horizonte 2040

ra alguns deles tenham adquirido a proporcionadas pelas próprias Forças


capacidade de observação por saté- Armadas. Pelas mesmas razões, será
lite e possam ser sede de organizações necessário dispor de tais capacidades
privadas que, dispondo destas tecno- para cobrir o Norte de África e o Sahel,
«O desenvol-
logias, as coloquem à sua disposição. antecipando ameaças à estabilidade
vimento de
A possibilidade de ciberataques aos ou segurança nestas zonas.
tecnologias de
observação meios próprios a partir de tais países irá Uma parte dos futuros sistemas
multiespectral aumentando. de combate espanhóis será consti-
e de proces- Os efeitos da mudança climática tuída por meios não tripulados em
samento de necessitarão de uma utilização cres- comunicação por satélite com outros
dados des- cente de sistemas de satélite para a tripulados, pelo que será neces-
empenhará deteção e o seguimento de catástrofes sário que se garanta um acesso sem
um importante naturais ou provocadas, crises alimen- restrições a tais sistemas.
papel na ma- tares e na administração dos recursos Embora a cooperação internacional
nutenção da naturais, especialmente da água. seja um elemento fundamental para a
estabilidade e Por isso, o desenvolvimento de segurança espacial espanhola, deve-
da segurança»
tecnologias de observação multies- remos dotar-nos de meios avançados e
pectral e de processamento de dados independentes, incluindo uma combi-
desempenhará um importante papel nação de constelações em órbita
na manutenção da estabilidade e da baixa e outras em GEO ou MEO, para
segurança. serem capazes de seguir a evolução
O exponencial aumento do uso dos acontecimentos nas regiões do
de sistemas autónomos representará nosso interesse geoestratégico.
um aumento da procura de comuni- Desta forma, será necessária a
cações de satélite e dos suportes que cooperação internacional para garan-
contribuam para a coordenação das tirmos a nossa presença no espaço e nos
operações militares, incluindo a de protegermos contra as ameaças prove-
naves não tripuladas e autónomas nientes do mesmo, mas impulsionando
com outros meios tripulados. e coordenando simultaneamente as
Os países europeus, incluindo a iniciativas do set or privado nacional.
Espanha, disporão desta tecnologia,
que terá evoluído para se tornar mais
resiliente. «A importância crescente na
Os atuais satélites militares propor- utilização do espaço ultraterrestre
cionam capacidade de comunicações, oferecerá múltiplas possibilidades
observação e vigilância a partir do de utilização em benefício
espaço, mas com prestações abaixo da sociedade, mas também
de recusa da livre utilização
das de outros satélites comerciais, o
do mesmo por parte dos que
que aconselharia a sua substituição ou
têm capacidade para o fazer,
reforço para se garantirem as capaci- juntamente com o crescimento
dades necessárias. exponencial da indústria espacial,
A médio prazo, o seguimento dos que se converterá num dos
efeitos da mudança climática neces- motores do setor secundário das
sitará de cada vez mais informações principais economia »
por satélite, em grande medida
O ciberespaço: novo
cenário de conflito
33

O ciberespaço: novo cenário de conflito

•  Definição e relevância profissionais, os cientistas de dados.


Começa a ganhar força um novo
O ciberespaço é um mundo não paradigma tecnológico, um mode-
físico ilimitado, onde qualquer pessoa lo de computação em que a recolha
ou coisa pode interagir com o resto do e o processamento dos dados são
mundo e sem restrições. Nele coexis- efetuados nas fontes onde são cria-
tem os três pilares-chave da nova dos (sensores e dispositivos) para
revolução cibernética: computação se ganhar segurança e rapidez nos
na nuvem, big data (BD) e Internet processos, que começa a ser deno-
das coisas. A computação na nuvem, minado de «computação em névoa»
popularmente a nuvem, aloja os — por extensão, «a névoa» —.
grandes centros de dados no ciberes- As tecnologias emergentes permi-
paço. O ecossistema tecnológico BD tem que os Governos ofereçam
comporta a análise do grande volume serviços públicos mais eficientes e
de dados associado à nuvem. efetivos, capazes de criar um maior
Por último, a Internet das coisas é valor acrescentado e transformar a
composta pelos objetos (coisas) que vida das pessoas.
podem comunicar entre si através de A Inteligência Artificial (IA) e a Inter-
tecnologias sem contacto. net das coisas, em convergência com
O mundo é controlado cada vez BD, a nuvem e a cibersegurança terão
mais por dados provenientes de múlti- um grande impacto na segurança
plas fontes, sensores e dispositivos dos cidadãos, melhoramento no meio
que se analisam com técnicas de ambiente e mobilidade urbana.
BD suportadas por uma nova disci- Por outro lado, também levarão de
plina, a ciência de dados, e novos forma crescente a desafios e dilemas

O ciberespaço: novo cenário de conflito


34 Panorama de tendências geopolíticas
Horizonte 2040

de segurança onde as áreas real e 3.  Rede: Agrupa as conexões em


digital se justapõem. expansão de pessoas, negócios,
dispositivos, conteúdos e serviços
O mundo é •  Evolução no tempo para oferecer resultados digitais.
controlado Que serão complementadas pelas
cada vez mais A curto prazo, além dos três pilares seguintes tendências:
por dados tecnológicos mencionados, une-se •  IA em todo o lado e como
provenientes a nascente tecnologia «cadeias de cimento: BD, algoritmos e
de múltiplas blocos» (Blockchain), que será utiliza- análise de dados, robôs cola-
fontes, senso- da como suporte das criptomoedas e borativos (cobots) e robôs
res e disposi- numa infinidade de aplicações e seto- virtuais (bots e chatbots).
tivos res, dada a sua grande fiabilidade e •  Aplicações e análises inte-
segurança em transações de dados. ligentes que, criando uma
As tendências tecnológicas estra- nova camada intermédia
tégicas no ciberespaço podem ser entre pessoas e sistemas, têm
agrupadas em três grandes setores: o potencial de transformar a
1.  Inteligência Artificial: Presen- estrutura do local de trabalho e
te em praticamente todas as a própria natureza do mesmo.
tecnologias, permite sistemas •  Coisas inteligentes: S ã o
mais dinâmicos, flexíveis e poten- objetos inteligentes que
cialmente autónomos. comunicam entre si e que
2.  Digital: Combinando o mundo configuram a Internet das
virtual com o real. coisas, como veículos autó-
35

nomos, aviões não tripulados gem automática, robôs inteligentes,


(drones), etc., com a conexão espaços de trabalho inteligente e
futura das redes 5G. computação quântica.
•  Gémeos digitais (digital twins): Nas experiências imersivas transpa-
Representações digitais rentes, as tecnologias centrar-se-ão
virtuais de qualquer dimensão nos aspetos humanos onde introduzirão
ou sistema do mundo real. transparência entre pessoas, negócios
•  Plataformas conversacionais: e coisas: tecnologias críticas, impressão
Novas interfaces entre huma- 4D, realidade aumentada, realidade
nos e máquinas, e de máquinas virtual, interface cérebro-computador,
entre si. casa conectada, humanos conec-
•  Experiência imersiva: Reali- tados, eletrónica de nanotubos e
dade virtual e realidade apresentações volumétricas.
aumentada em experiências As plataformas digitais resolverão
mistas e envolventes, confi- o processo e análise dos grandes
gurando a realidade mista ou volumes de dados nos ecossistemas
fundida. ubíquos que irão sendo criados. As
•  Risco adaptativo contínuo tecnologias-chave facilitadoras das
e confiança: Consistindo na plataformas serão: 5G (as novas redes
gestão de riscos em tempo móveis), gémeos digitais, compu-
real, que garante a rápida tação em névoa e cadeia de blocos.
tomada de decisões para se Por outro lado, as plataformas da
adaptar aos níveis de risco e Internet das coisas serão aglutinadoras «A ciberse-
oferecer respostas imediatas, de todas as tecnologias emergentes gurança será
flexíveis e à medida. das três megatendências. cada vez mais
Por outro lado, as tecnologias que A longo prazo, ir-se-ão impondo determinante»
maior impacto potencial podem as redes 5G, interfaces do utilizador
provocar no domínio cibernético são conversacionais máquina-máquina,
a aprendizagem profunda (Deep robôs inteligentes, assistentes virtuais,
Learning) e a computação quântica. casa conectada, computação cogni-
A médio prazo, as previsões de tiva, cadeia de blocos e realidade
tecnologias emergentes anunciam aumentada. A tudo isto será neces-
três megatendências: a «IA em todo o sário somar a poeira inteligente, a
lado», experiências imersivas transpa- inteligência artificial geral, a impressão
rentes e plataformas digitais. 4D, a computação quântica, os
A «IA em todo o lado» será a tecno- veículos autónomos e a interface
logia mais disruptiva. É composta por cérebro-computador.
um ecossistema de tecnologias apoia-
das fundamentalmente nas redes •  Influência na área da segurança
neuronais e na aprendizagem profun-
da, tais como: inteligência artificial Tudo o que fica expresso acima
aplicada, aprendizagem profunda, apresenta um mundo cheio de riscos:
veículos autónomos, computação ciberataques, fraudes e roubos de
cognitiva, drones, interfaces do dados, provenientes de qualquer
utilizador conversacionais, aprendiza- ponto do planeta e cuja autoria será

O ciberespaço: novo cenário de conflito


36 Panorama de tendências geopolíticas
Horizonte 2040

um impacto direto ou indireto na todos os outros terão regulações estri-


mesma. tas de proteção de privacidade e
Isto obrigará a desenvolver diretrizes dos dados a níveis mundial, regional e
éticas para a IA, a robótica e a gestão nacional.
de algoritmos, com difícil de identifi- Merecem especial atenção as cida-
car, especialmente os capitaneados des inteligentes, que serão o reflexo

por Estados. A cibersegurança será de todos os pilares tecnológicos e as


cada vez mais determinante. tecnologias emergentes, intensamen-
A Internet será o vetor que propul- te conectadas entre si.
sionará os referidos riscos, pelo que a O ciberespaço estará cada vez mais
exposição cibernética aumentará em relacionado com a segurança nacio-
consequência da crescente depen- nal, onde conviverão duas tendências
O ciberes- dência tecnológica dos Estados, de impacto opostas. Por um lado, o
paço estará organizações, empresas e indivíduos. caráter reativo das administrações
cada vez Seis vetores de mudança dirigirão a face às ameaças cibernéticas impul-
mais relacio- Internet nos próximos anos: a inte- sionará a tendência para fragmentar
nado com a ração entre a Internet e o mundo real a Internet nas fronteiras estatais, o que
segurança
(com o consequente risco de aumen- impedirá o funcionamento pleno do
nacional
to do número e intensidade dos sistema, afetando negativamente o
ciberataques), a IA, ciberameaças; a intercâmbio de dados e o livre aces-
economia na Internet, redes, padrões so aos mesmos, o que em certos casos
e interoperabilidade e o papel dos poderá atentar contra os direitos
Governos e administrações. humanos.
Embora só um destes vetores esteja Por outro lado, as leis e regulações
relacionado com a cibersegurança, de proteção de dados e do consumi-
37

O segredo
para a segu-
rança ciberné-
dor e de responsabilidade, serão cada taques ou em plataformas a partir de tica na Europa
vez mais necessárias e exercerão um onde os dirigir. será a inten-
efeito positivo. A cibersegurança nacional assen- sificação da
O segredo para a segurança ciber- tará em grande parte nos meios, cooperação
regional
nética na Europa será a intensificação regulações e instituições nacio-
da cooperação regional, espe- nais, que deverão estar dotados
cialmente entre a NATO e a União da necessária resiliência, embo-
Europeia. Em 2018 entrará em vigor o ra reforçada pelas organizações
regulamento europeu para a Regu- regionais a que pertencemos,
lação da Proteção Geral de Dados, fundamentalmente a NATO e a
que afetará todas as empresas e cida- União Europeia, pelo que a parti-
dãos comunitários. cipação em tais organizações irá
Também deverá ser a referência crescendo em importância.
nas regiões geográficas limítrofes, Em qualquer caso, será impres-
como o Magreb e o Sahel, com cindível uma estratégia nacional de
menos impacto neste último, devido cibersegurança em adaptação cons-
à sua menor infraestrutura e meios tante.
cibernéticos.
É precisamente no Sahel onde
ocorrerá mais intensamente o fenó-
meno dos «deslocados digitais», que
com meios e infraestruturas ciberné- “A IA e a Internet das coisas, em
ticas muito menos resilientes a nível convergência com BD, a nuvem e
administrativo, corporativo e individual a cibersegurança, exigirão que o
se verão excluídos em grande parte ciberespaço esteja cada vez mais
relacionado com a segurança”
desta revolução, convertendo estes
Estados em presas fáceis de cibera-

O ciberespaço: novo cenário de conflito


A mudança climática,
potenciadora do risco
39

A mudança climática, potenciadora do risco

«Os países em
vias de des-
envolvimento,
que são os
•  IDefinição e relevância para o aquecimento global, são os que que menos
mais contribuem
O aquecimento no sistema climáti- sofrem os seus efeitos negativos. Os para o aqueci-
co é inequívoco. Muitas das mudanças riscos associados à mudança mento global,
observadas nos últimos decénios não climática são complexos por serem são os que
tiveram precedentes nos últimos milé- variados (secas, inundações, subida mais sofrem
nios e afetam os sistemas naturais e do nível do mar, fenómenos meteo- os seus efeitos
negativos»
humanos em todos os continentes e rológicos adversos) abrangem a área
oceanos. global e local e têm envolvimentos a
Embora a mudança seja global, as curto, médio e longo prazo.
suas manifestações são regionais e O impacto nas populações também
inclusivamente locais na sua ocorrên- está relacionado com a sua situação
cia, caráter e envolvimentos. política, económica e social, pelo
Os riscos da mudança climática facto de aumentar as desigualdades
dependem em parte das emissões existentes e aumentar os fatores de
acumuladas de gases com efeito de tensão e a insegurança.
estufa (GEE) e a janela para atuação
está a fechar-se muito rapidamente: o •  Evolução no tempo
limite máximo de aumento da tempe-
ratura, de 2°C, em relação à época A temperatura da superfície terres-
pré-industrial até fins deste século já tre continuará a aumentar ao longo
foi alcançado. do século xxi. Prevê-se que as emissões
Os países em vias de desenvolvimen- de GEE aumentem entre 37% e 52%
to, que são os que menos contribuem até 2050, o que provocará um aumen-

A mudança climática, potenciadora de risco


40 Panorama de tendências geopolíticas
Horizonte 2040

to da temperatura de 1,7° a 2,4°C. As A extensão e a espessura do gelo


ondas de calor serão mais frequentes e marinho ártico continuarão a diminuir
durarão mais, e os episódios de precipi- rapidamente, pelo que em 2030 tal
tações extremas serão mais intensos e massa de gelo poderá desaparecer
habituais. O oceano continuará a aque- durante os meses mais quentes.
cer-se e a acidificar-se, e o nível médio Na Europa ocorrerá um maior
global do mar continuará a elevar-se. número de episódios de calor extre-

«As projeções
climáticas
assinalam
um aumento
do número
de desastres
naturais em
regiões vulne-
ráveis e com
pouca ca-
pacidade de As projeções climáticas assinalam mo, que exercerão efeitos nocivos na
adaptação, o aumento do número de desastres saúde e no bem-estar da continente,
como o Sahel naturais em regiões vulneráveis e com onde ocorrerão restrições de água em
e a Ásia oci- pouca capacidade de adaptação, consequência da menor disponibilida-
dental e do como o Sahel e a Ásia ocidental e do de de água fluvial e subterrânea.
sudeste» população, diminuindo a produtivida- Para se alcançar o objetivo de
de laboral e provocando perdas. desaceleração do aquecimento,
Também aumentará o risco de seriam necessárias reduções significa-
incêndios florestais no sul do sudeste, o tivas das emissões de CO2 e de outros
que empurraria cerca de 720 milhões GEE durante os próximos decénios e
de pessoas para uma situação de emissões próximas de zero no fim do
pobreza extrema no período de 2010- século. Isto necessitará de fundos que
2050. nem todos estarão dispostos desem-
Por cada grau de aumento da bolsar ou não poderão fazê-lo.
temperatura da superfície do planeta, O objetivo da União Europeia de
cerca de 7% da população mundial redução em 40% das emissões de
sofrerá uma redução mínima de 20% GEE até 2030 representará um enor-
nos seus recursos hídricos renováveis. me esforço económico para setores
Em 2025, cerca de 1.800 milhões como o energético, o residencial e
de pessoas viverão em regiões em de serviços, que devem reduzir as suas
situações de escassez absoluta de emissões em mais de 90%.
água, exacerbando as tensões intra e As emissões do transporte marítimo
interestatais. internacional não estão incluídas nos
41

compromissos de redução de GEE, Aumentará a concorrência pelos


apesar de se prever um crescimento recursos hídricos e a pressão sobre as
de 86% até 2050. estruturas de governação atualmen-
te existentes, exacerbando as tensões
•  Influência na área dasegurança entre agricultores e pastores.
A escassez de água e alimentos, o
O aquecimento global agravará aumento da pobreza, as inundações
problemas como a pobreza, a inse- costeiras, que aumentarão a popu-
gurança alimentar, a degradação lação deslocada (com incidência
do meio ambiente e a fragilidade dos especial nos deltas), são alguns dos
Estados, pois incidirá negativamente potenciais impactos que afetarão a
na produção de alimentos, aumentan- segurança e a estabilidade, sobre-
do os seus preços, o que aumentará tudo em regiões frágeis. A situação
a população em risco de fome, espe- será especialmente preocupante
cialmente no sudeste asiático e no nos pequenos Estados insulares, que
Sahel. poderão chegar a desaparecer, crian-
A consequente instabilidade social do apátridas.
facilitará o recrutamento de jovens por O ACNUR prevê que em 2050 pode-
grupos terroristas ou redes de crime rá haver entre 150 e 1000 milhões de
organizado, num círculo vicioso entre deslocados em consequência da «O objetivo
a degradação ambiental e o conflito mudança climática, embora o valor da União
violento. mais provável se situe em cerca de Europeia
A disponibilidade e a qualidade da 200 milhões. de reduzir
em 40% as
água também ficarão afetadas.
emissões de
GEE até 2030
representará
um enorme
esforço
económico
para setores
como o
energético,
o residencial
e o dos servi-
ços»

A mudança climática, potenciadora de risco


42 Panorama de tendências geopolíticas
Horizonte 2040

O aqueci-
mento global
agravará pro-
blemas como
a pobreza, a
insegurança
alimentar, a
degradação
do meio
ambiente e a
fragilidade dos
Estados
43

A superpopulação insustentável exploração dos recursos oceânicos,


das megacidades, em consequência especialmente no Ártico, onde o
destas deslocações descontroladas degelo permitirá novos trajetos comer-
de pessoas afetadas pelos efeitos da ciais e a exploração dos seus recursos
mudança climática, criará situações naturais, principalmente petróleo e
de superpopulação e congestiona- gás, constituindo um potencial foco «Em 2050
mento. Isto criará situações de conflito, de conflito. poderá haver
crime organizado e pandemias no As altas temperaturas do ar e do entre 150 e
curto e médio prazo. mar afetarão de forma direta a opera- 1.000 milhões
Intensificar-se-ão os desacordos cionalidade do pessoal, plataformas e de deslo-
sobre as fronteiras marítimas e a sistemas de armas. A acidificação, a cados em
consequência
da mudança
climática»

A mudança climática, potenciadora de risco


44 Panorama de tendências geopolíticas
Horizonte 2040

Um maior
stress hídrico salinidade, a densidade do mar e a Lagos, sofrerão inundações, o que
reduzirá a pro- eventual modificação das correntes se repercutirá negativamente no PIB
dutividade dos marinhas poderão afetar a acústica regional.
cultivos e afe- submarina. Por outro lado, as mudanças na
tará a segu- A mudança climática também média e variabilidade das precipi-
rança alimen- terá uma influência cada vez mais tações e temperatura provocarão
tar, agravando importante na saúde da população. mudanças na incidência e na área de
as tensões Em consequência da contaminação distribuição geográfica das doenças
entre pastores do ar, aumentarão os casos de transmitidas por vetores, com um forte
e agricultores, doenças vetoriais como a malária ou impacto nas grandes urbes. A adap-
o que ocasio-
a dengue. tação e o aumento da resiliência nas
nará conflitos
As ondas de calor e as doenças mesmas serão grandes desafios, espe-
intra e trans-
fronteiriços relacionadas com a água, como a cialmente na África.
diarreia, provocarão um maior número No Sahel, com maioria de popu-
de afetados, aumentando a pressão lação rural, um aumento de 1° C
sobre os sistemas de saúde. colocaria em perigo a segurança
O Mediterrâneo é muito vulnerável económica e alimentar, criando
aos efeitos das secas, principalmen- situações de instabilidade e forçando
te os países litorais do sul e do leste, movimentos migratórios.
onde a mudança climática reduzirá Prevê-se que dezenas de milhões
a disponibilidade de recursos hídricos; de pessoas se desloquem para a zona
de acordo com o Banco Mundial, isto mediterrânica.
poderá provocar a redução de 6% Esta tendência será reforçada pela
do PIB anual da região MENA (Médio propagação de pragas que compro-
Oriente e Norte de África, das suas meterá a segurança alimentar de
iniciais em inglês). milhões de pessoas.
Nas regiões africanas propensas às Na Europa, crescerá o número de
secas, um maior stress hídrico reduzirá pessoas afetadas por desastres natu-
a produtividade dos cultivos e afeta- rais e o nível do mar subirá nas zonas
rá a segurança alimentar, agravando costeiras, provocando importantes
as tensões entre pastores e agriculto- perdas económicas.
res, que ocasionará conflitos intra e No cenário nacional o aumento
«A crescente transfronteiriços, com o aumento do das temperaturas e a falta de água
frequência
extremismo violento e do crime orga- farão com que os incêndios flores-
e gravidade
nizado. tais aumentem em frequência e
dos desas-
tres naturais Prevê-se que em 2030 haverá um dimensão. De igual modo, a invasão
impulsionarão aumento significativo do número de do mar das albufeiras e marismas
a sociedade guerras civis na África Subsariana. exigirá importantes recursos econó-
para exigir a O aumento do nível do mar afeta- micos para se aliviarem os seus
intervenção rá negativamente as infraestruturas e efeitos.
do Estado, o a produção agrícola do delta do Nilo, A crescente frequência e gravida-
que afetará as onde se concentra 25% da população de dos desastres naturais impulsionará
Forças Arma- do Egito. a sociedade a exigir a intervenção do
das (FAS)» As cidades costeiras da África Estado, o que afetará as Forças Arma-
ocidental, como Dakar, Lomé ou das (FAS).
45

De igual modo, é de esperar uma


maior pressão política e social para
que as FAS cumpram rigorosamen-
te as exigências ambientais, a nível
nacional assim como em zonas de
operações, o que obrigará a adotar
regulações cada vez mais rigorosas,
podendo afetar a condução das
operações.

«Durante as próximas décadas,


o impacto da mudança climática
pode contribuir para aumentar
as desigualdades existentes e
aumentar os fatores de tensão
e a insegurança a nível mundial,
regional e nacional.
Para se alcançar o objetivo
de redução do aquecimento
global por debaixo dos 2°C,
seriam necessárias reduções
significativas das emissões de
CO2 e outros gases com efeito
de estufa durante os próximos
decénios e emissões próximas de
zero no fim do século»

A mudança climática, potenciadora de risco


Fator
humano

Demografia

A desigualdade de género

As religiões: um factodiferencial

A educação
Demografia
49

Demografia

•  Definição e relevância Em 2030, o declínio demográfico da


Europa terá começado, perdendo nove
Existe uma forte correlação entre milhões de habitantes líquidos (0,5%),
a evolução dos indicadores demo- principalmente nos países do leste e sul
gráficos e a segurança, dado que as (3 na Rússia, 3 na Ucrânia, 2 na Polónia, 1
tendências populacionais indicam na Roménia, na Itália e na Grécia).
potenciais riscos e novas ameaças. Na Ásia, o retrocesso mais importan-
Os fatores demográficos contri- te será o do Japão, que perderá seis
buirão para o surgimento de novas milhões (5%).
potências, que desgastarão a A maior parte do aumento previsto
liderança global do Ocidente e consti- da população mundial será protagoni-
tuirão a nova «geometria polimórfica» zado por uma curta lista de países com
que se está a configurar na área das um alto índice de fecundidade, embora
relações internacionais. se espere que o índice de fecundidade
global desça dos atuais 2,5 filhos por
•  Evolução no tempo mulher para 2,2 em 2045-2050.
A médio prazo, a Ásia também
A população mundial alcançou iniciará o seu declínio demográfico,
quase 7.405 milhões em meados embora continue a proporcionar mais
de 2017, um crescimento de quase de metade da população mundial.
1.000 milhões de pessoas nos últimos A África continuará com o seu cresci-
12 anos, dos quais: 60% vivem na mento imparável até constituir mais de
Ásia (4.500 milhões); 17% na África um quarto da população mundial.
(1.300 milhões); 10% na Europa (742 Prevê-se que no fim de 2050 seis
milhões); 8% na América Latina e países africanos (Angola, Burundi,
nas Caraíbas (646 milhões), e os 6% Níger, Somália, Tanzânia e Zâmbia)
restantes distribuem-se pela América terão triplicado a sua população, pelo
do Norte (361 milhões) e Oceania (41 que o continente africano duplicará o
milhões). número de habitantes atuais.

Demografia
50 Panorama de tendências geopolíticas
Horizonte 2040

No fim do século, a população nésia*), muitos deles (*) com maioria


africana (4.468 milhões, um terço da muçulmana. Além Burundi, Camarões,
população mundial) chegará a igua- RCA, Congo, disso, espera-se que o
lar a asiática. Muitos países, a maioria índice global de fertilidade desça até
em vias de desenvolvimento, têm uma 2,0 em 2100.
«Em 2030, o alta probabilidade de triplicar o seu Sudão do Sul, Palestina, Sudão,
declínio de- tamanho (Angola, Togo e Zimbabwe), e inclusivamen-
mográfico da
Europa terá
começado»

A longo prazo (2050-2100), em te chegar a quadruplicá-lo (Costa


2050, 40% dos nascimentos em todo o do Marfim, República Democrática
mundo serão africanos, o que signifi- do Congo-RDC, Guiné, Guiné-Bissau,
cará que a África totalizará entre 2000 Iraque, Libéria, Madagáscar, Malawi,
e 3.000 milhões de pessoas (90% na Mali, Moçambique, Nigéria, Senegal,
África Subsariana), constituindo 26% Somália, Uganda, Tanzânia e Zâmbia).
da população mundial. O Níger merece uma menção espe-
50% do crescimento mundial cial, visto que chegará a decuplicar a
concentrar-se-ão em nove países sua população até 2100.
(Índia, Nigéria*, República Democráti- Nas regiões do Magreb e Sahel,
ca do Congo-RDC*, Paquistão*, EUA, encontramos duas realidades total-
Etiópia*, Tanzânia*, Uganda* e Indo- mente diferentes, com indicadores
51

demográficos de trajetórias quase da população (salvo a Tunísia, com


divergentes. Desta forma, enquanto o 39%) abaixo dos 25 anos em 2017.
Magreb está prestes a concluir a sua Embora o crescimento demográfico
transição neste período, na segunda do Magreb continue da mortalidade
metade de século mudará de sinal, infantil e ao controlo das epidemias,
salvo na Argélia, que continuará a com uma esperança de vida que
crescer, mas com um índice de fertili- aumentará numa média 6,5 anos na
dade reduzido em 50%. segunda metade de século.

«No fim século,


a população
africana
(4.468 mil-
O Magreb também experimentará Atualmente, 60% dos habitantes do hões, um
um crescimento da população maior Sahel são menores de vinte e cinco anos, terço da po-
de sessenta anos devido à diminuição percentagem que descerá ligeiramen- pulação mun-
Fonte: UN World Population Pros- te para 57% em 2030, para continuar a dial) chegará
pects: 2017 Revisão diminuir até 50% em 2050. Mesmo assim, a igualar-se
demográfica (os índices atuais de representará a maior percentagem de à asiática»
fertilidade oscilam entre 2,6 da Argélia e jovens de todas as regiões do mundo.
2,15 da Tunísia), a população do Sahel Desta forma, a população saheliana
continua a crescer a um ritmo exponen- em idade de trabalhar será 2,5 vezes
cial, com valores record a nível global. superior à europeia.
Até 2030, o aumento da população A trajetória crescente dos cinco
magrebina flutuará desde 11,3% na países da região saheliana levará
Tunísia até 18,6% na Argélia. Um dos a sua população dos 78,5 milhões
dados mais característicos e apela- atuais para duzentos milhões em 2050,
tivos desta região é o da distribuição e cerca de quatrocentos e trinta e
por idades, com uma média de 44% quatro milhões em 2100, sendo que

Demografia
52 Panorama de tendências geopolíticas
Horizonte 2040

somente o Níger albergará mais de Embora o índice da UE 28 aumente


duzentos milhões de pessoas, face aos quase 1,8 até 2050, continuará abaixo
vinte milhões atuais. dos 2,1 necessários para a substituição
«A população pazo, pelo que a contração da da população a longo e Miasto Lódz),
do Sahel con- população total continuará, perdendo Letónia (Riga), Grécia (Attiki) e Portu-
tinua a cres- nessa altura vinte e três milhões (3,1%). gal (Grande Porto).
cer a um ritmo Prevê-se que em 2050 o número de Além disso, a Bulgária, a Croácia,
exponencial, habitantes estará reduzido entre 24% a Lituânia e a Roménia verão a sua
com valores e 30% em certas regiões da Alemanha população reduzida em mais de
record a nível (Herford, Ennepe-Ruhr-Kreis), Polónia 15%. É neste período que se prevê
global» (Katowice que comece uma descida mais

«A trajetória
crescente dos
cinco países
da região sa-
heliana levará O Sahel também experimentará um acentuada da população, que até
a sua popu- rápido envelhecimento (maiores de 2100 representará uma perda de
lação dos 78,5 sessenta anos), devido à diminuição setenta e três milhões de europeus,
milhões atuais da mortalidade infantil (reduções de isto é, 8,8%.
para 200 mil- 50 a 80%) e ao controlo das epide- A partir de 2030, a Europa será a região
hões em 2050, mias. mais velha do mundo, com uma média
e cerca de A esperança de vida aumentará de idades de quarenta e cinco anos. Em
434 milhões em média sete anos (salvo a Mauritâ- 2050, os maiores de sessenta e cinco anos
em 2100» nia, com 4,9 anos). serão um terço da população, com um
Pela sua parte, a União Europeia profundo efeito na relação população
(UE 28) iniciou o seu declínio demo- ativa/população passiva.
gráfico, com índices de fertilidade que Desta forma, muitos países deverão
apresentam uma média de 1,6 filhos fazer face nas próximas décadas a
por mulher, pelo que está previsto que crescentes pressões fiscais e políticas
perca três milhões de habitantes até para susterem os sistemas de proteção
2030 (-0,4%). social.
53

Em 2014, 72,5% dos europeus subúrbios de grandes cidades e áreas


viviam em áreas urbanas. Até 2050, os rurais constituirão um paiol fácil de
aumentos mais rápidos de população incendiar por populismos e extremis-
verificar-se-ão nas capitais ou nas suas mos nacionalistas e/ou religiosos, que
regiões urbanas adjacentes. podem chegar a retirar do poder líde-
res que se pretendam perpetuar nele. «A partir de
•  Influência na área da segurança Os movimentos migratórios maciços 2030, a Eu-
de população internos e transfrontei- ropa será a
O capital humano continuará a riços, juntamente com as altas taxas de região mais
velha do
ser um fator potenciador geopolítico fecundidade de determinados grupos
mundo»
de primeira ordem, que provocará étnicos e/ou religiosos, mudarão o
(como já o está a fazer) mudanças equilíbrio social. Isto, juntamente com
na ordem mundial. Isto terá indubita- a combinação de problemas sociais
velmente efeitos na estabilidade e na com Governos fracos, poderá criar
segurança, dado que as potências distúrbios internos, que se podem
emergentes reclamarão um papel estender aos países vizinhos e provocar
mais preponderante e assertivo na inclusivamente conflitos interestatais.
defesa dos seus interesses. Este desequilíbrio transferir-se-á para o
Os aumentos demográficos não campo político, dando lugar à transfor-
serão acompanhados de um cres- mação de minorias de hoje em maiorias
cimento económico proporcional, de amanhã, forçando mudanças que
dado que na sua maioria ocorrerão não serão necessariamente positivas.
em países desfavorecidos, o que Os altos índices de desemprego
provocará migrações maciças que entre a população de homens jovens «O capi-
deverão ser absorvidas pelas regiões e as carências educativas constituem tal humano
cujo crescimento demográfico tenha um caldo de cultivo para o bandi- continuará a
estancado ou esteja em franco retro- dismo crónico existente em muitos ser um fator
cesso, com consequências negativas países da região, especialmente no potenciador
na estabilidade e na segurança. Sahel. Isto, juntamente com o aumen- geopolítico
Neste sentido, a África provocará to do radicalismo islamita, augura um de primeira
o denominado «tsunami demográfico aumento do fenómeno terrorista e do ordem, que
africano», que deverá ser absorvido, crime organizado, que evoluirão para provocará
em parte, pela Europa. se adaptarem ao ambiente urbano. (como já o
está a fazer)
Na região Sahel-Magreb, a explosão A governação tornar-se-á progressi-
alterações na
demográfica provocará uma proli- vamente mais difícil, dado o elevado
ordem mun-
feração progressiva dos conflitos ritmo de crescimento da população, dial»
comunitários associados à luta pelos concentrada nos países e grupos
terrenos (cultivos ou pastos) e pelos mais pobres, dificultando a ação dos
recursos entre autóctones-migran- Governos para a erradicação da
tes-estrangeiros, numa competição pobreza, a redução da desigualdade,
pelo controlo dos espaços rurais. o combate à fome e à desnutrição e
Muitas vezes, estes conflitos apare- a ampliação ou atualização dos siste-
cerão mimetizados como étnicos e/ mas de serviços sociais básicos.
ou religiosos. As crescentes massas de Em 2040, 50% da população africana
homens jovens desempregados nos viverão em zonas urbanas. As mega-

Demografia
54 Panorama de tendências geopolíticas
Horizonte 2040

Las megaló-
polis resul-
tantes de las
migraciones
masivas y del
galopante
crecimiento
demográfico
serán progre-
sivamente in-
gobernables

«O fenómeno
terrorista e o
crime orga-
nizado evo-
luirão para se
adaptarem lópoles resultantes das migrações do Sahel, impulsionará os seus líderes
ao ambiente maciças e do galopante crescimento para reclamarem uma maior repre-
urbano»
demográfico serão progressivamente sentação e peso nas organizações
ingovernáveis, o que será potencia- internacionais e regionais, o que
do pela sua extensão, que em alguns pode alterar em parte o equilíbrio em
casos chegará aos 100 km. tais organismos. Desta forma, a União
O crescimento económico no Africana irá ganhando progressi-
caso do Magreb e demográfico no vamente protagonismo, ao mesmo
55

tempo que o seu equilíbrio interno se (calculada na Europa em cerca de


vá alterando. 71 milhões para 2050, aproximada- «Em con-
Por outro lado, a implantação e mente 13%). sequência
expansão do wahabismo na região A Espanha deverá absorver a respe- do <tsunami
auguram uma evolução do islão tradi- tiva parte do «tsunami africano», o demográ-
cional para teses mais radicais. que obrigará a pôr em prática políti- fico africa-
A crescente instabilidade obrigará cas eficazes para a integração de um no>,A Europa
a União Europeia a intervir de forma volume de população em constante receberá
crescente nas regiões do Magreb e aumento durante as próximas déca- migrações
Sahel, especialmente nesta última, das. maciças de
200 milhões
para enfrentar todo o tipo de crises A crescente instabilidade da região
de imigrantes
e reforçar Estados fracos ou falidos, o Magreb-Sahel obrigará as nossas
nos próximos
que deveria impulsionar o aumento Forças Armadas e os organismos de trinta anos»
da coordenação regional com outras apoio ao desenvolvimento a intervir
organizações mundiais e africanas. de forma crescente na região, para
Pela sua parte, na Europa, em enfrentarem todo o tipo de crises e
consequência do «tsunami demo- combater o terrorismo, o crime orga-
gráfico africano», serão recebidas nizado e outras ameaças que surgirão
migrações maciças, com o risco de indubitavelmente.
surgirem aglomerações urbanas em Isto exigirá coordenação a nível
cidades ou concentrações em regiões regional.
despovoadas, que tenderiam a agru- De igual modo, a vigilância das
par-se por etnias, línguas ou religiões, fronteiras poderá exigir um maior
podendo ser criados os denominados envolvimento das Forças Armadas no
«bantustões». Supondo que o conti- apoio aos restantes organismos do
nente africano e o resto do mundo Estado em tal função.
poderiam absorver 80% do seu cres-
cimento demográfico, isto obrigaria a
Europa a receber mais de 200 milhões «Os aumentos demográficos
de imigrantes nos próximos trinta anos. não serão acompanhados de
O aumento crescente da popu- um crescimento económico
lação imigrante nos países da UE, com proporcional, dado que se
verificarão, na sua maioria, em
diferentes costumes, religiões, línguas
países desfavorecidos, o que
e raças, juntamente com a sua even-
provocará migrações maciças
tual concentração em guetos urbanos que deverão ser absorvidas
ou zonas geográficas, poderá fratu- pelas regiões cujo crescimento
rar a coesão social, criando tensão e demográfico se tenha estancado
conflitos. ou esteja em franco retrocesso,
Esta fraqueza devidamente mani- com consequências negativas
pulada pode levar a confrontos para a estabilidade e a
sociais de grande dimensão, alimen- segurança. A Europa deverá
tados pela espiral de radicalização enfrentar o denominado ‘tsunami
que os setores sociais marginalizados africano’, cerca de 200 milhões de
experimentariam, especialmente a imigrantes de tal continente nos
próximos 50 anos»
população imigrante muçulmana

Demografia
A desigualdade de
género
57

A desigualdade de género

•  Definição e relevância protagonistas na construção da paz.


Neste sentido, destaca-se de modo
A perspetiva de género demons- especial a Resolução 2.242, de 2015,
trou ser um enfoque eficaz para a que contempla a formação de mulhe-
segurança. Tarefas como a inteligên- res para participarem nos processos
cia, os trabalhos de desarmamento e de paz, tendo em atenção a análise
desmobilização, a desradicalização, do impacto de tal participação e as
a proteção de civis ou a construção estratégias para a sua inclusão efetiva.
de uma paz duradoura não podem Tal resolução, impulsionada pelo
ser bem sucedidas caso 50% da popu- Reino Unido e pela Espanha, é um
lação sejam esquecidos. grande passo em frente para o envol-
A igualdade de género constitui, em vimento da mulher nas missões e
si mesma, um elemento fundamental negociações de paz, dado que assi- «A igualdade
da segurança, assim reconhecido pelos nala o aumento da eficácia nos de género
Objetivos de Desenvolvimento Susten- processos de desarmamento, desmo- constitui, em
tável das Nações Unidas, cujo objetivo bilização e reintegração. si mesma,
número 5 estabelece que «A igualdade um elemento
entre os géneros não é apenas um dire- fundamental
da segurança
ito humano fundamental, mas também
a base necessária para se conseguir um
mundo pacífico, próspero e sustentável».
Além disso, a Resolução 1.325 do
Conselho de Segurança da ONU, do
ano de 2000, assinala que a população
civil, e em especial as mulheres e as
crianças, são alvo das hostilidades nos
conflitos, e reconhece a necessida-
de do reforço da sua presença como

A desigualdade de género
58 Panorama de tendências geopolíticas
Horizonte 2040

Desta forma, nas últimas décadas cional. As reações contra valores que
tem existido um consenso interna- pareciam assumidos, como os direitos
cional quanto ao entendimento da humanos ou a democracia, poderão
igualdade de género como um valor representar um retorno a um quadro
fundamental e como um imperativo de agenda de WPS mais estreito, que
operacional para efeitos da eficácia. condicionará a integração de mulhe-
res nas missões ao facto de a sua
•  Evolução no tempo incorporação não desafiar as estrutu-
ras ou sistemas existentes nas regiões
A curto prazo a Agenda de Mulher, Paz em conflito, escavando assim a efetivi-
e Segurança (WPS, das suas iniciais em dade da referida agenda.
inglês), que começou no ano de 2000, A médio prazo o progresso efetuado
demonstra limitações como quadro para ampliação da agenda WPS reduzir-
legal para a igualdade de género. se-á, dado que se tende a interpretar
Muitas vezes restringiu-se a enfoques o papel das mulheres como simples
centrados em intervenções a curto pacificadoras, uma visão demasiado
prazo nos Estados frágeis, em conflito e estreita que impedirá a implementação
pós-conflito, e em dar ênfase à violên- de todo o seu potencial.
cia sexual e de género nesse contexto Até 2030 ir-se-ão verificando avanços,
como principal insegurança que afeta com uma crescente inclusão destes
«Entender a as mulheres. valores nos programas educativos,
igualdade de O futuro da igualdade de género influindo positivamente na segurança,
género como
não parece animador a curto prazo, mas de forma muito desigual de acordo
um valor
dado o atual contexto político interna- com os países e as regiões do mundo.
fundamental
e como um
imperativo
operacional
para efeitos
da eficácia»
59

«Interpretar
o papel das
mulheres
como simples
pacificadoras,
uma visão
demasiado
estreita que
impedirá o
A longo prazo generalizar-se-ão portanto, uma menor estabilidade e uso de todo o
seu potencial»
os avanços na igualdade de géne- segurança.
ro, aumentando o seu efeito positivo Diminuirá ainda mais o reconheci-
no desenvolvimento e na segurança, mento do papel das mulheres e dos
mas sem se alcançar um equilíbrio de seus direitos, num círculo vicioso.
género total em nenhuma região. Espera-se um aumento mode-
De acordo com o World Economic rado do empoderamento das
Forum, ao ritmo atual, o mundo neces- mulheres muçulmanas por intermédio
sitaria de mais 118 anos para fechar do aumento do uso de redes sociais,
totalmente o fosso económico entre o que também provocará a radicali-
géneros (com as suas implicações no zação de algumas, embora em muito
acesso à saúde, educação e partici- menor dimensão.
pação política). Aumentará o número de mulheres
com funções de combate nas forças
•  Implicações para a segurança armadas e o protagonismo em movi-
mentos insurgentes, crime organizado
Embora seja provável que a e terrorismo.
autonomia das mulheres aumente A violência sexual continuará a ser
gradualmente na maioria das regiões, uma característica do conflito arma-
as disparidades de género subsistirão do, mas a pressão internacional contra
entre os principais fatores de pobreza e estas práticas aumentará.
insegurança, reforçando-os. Os países europeus encontram-se
As regiões com sistemas forte- entre as posições mais elevadas no
mente patriarcais sofrerão em maior índice de igualdade de género elabo-
grau a incapacidade do Governo e, rado pelo PNUD.

A desigualdade de género
60 Panorama de tendências geopolíticas
Horizonte 2040
61

Tal não é o caso dos países do Norte Na região do Magreb a situação de


de África: Argélia 83, Tunísia 97, Líbia partida é mais favorável do que no Sahel,
102, Marrocos 123 e Mauritânia 157. especialmente no acesso à educação,
Em posições ainda piores situam-se os o que acabará por dar frutos nos próxi-
países do Sahel: Senegal 162, Mali 175, mos decénios, exceto nas zonas rurais.
Níger 187 e Chade 186. As mulheres marroquinas alcança-
Desta forma, no ambiente europeu ram grandes sucessos nos últimos anos e
espera-se que as mulheres tenham espera-se que esta tendência continue.
«Ao ritmo
maiores oportunidades e autonomia, As mulheres argelinas têm um
atual,
embora sem alcançarem a paridade caminho mais longo a percorrer e as o mundo ne-
com os seus homólogos masculinos nos tunisinas estão condicionadas pela cessitaria de
ambientes de segurança e defesa. instabilidade do seu país. mais 118 anos
para fechar
totalmente o
fosso econó-
mico entre
géneros»

A desigualdade de género
62 Panorama de tendências geopolíticas
Horizonte 2040

A situação na Mauritânia é ainda especial, o auge do radicalismo islami-


mais difícil, pois o seu ponto de partida ta impedirão maiores avanços.
é mais desfavorável. A Espanha, situada no lugar 27 do
As mulheres e os jovens, que referido Índice de Desigualdade de
representam a grande maioria da Género, conta com uma presença
população no Sahel, estão excluídos feminina nas suas Forças Arma-
dos processos de tomada de decisões. das e nos organismos e forças de
Nesta região, com os níveis mais altos segurança do Estado ligeiramente
de desigualdade de género do mundo, superior à média da União Europeia
a exclusão das mulheres é política, e da NATO, ocupando cargos de alto
económica e social, o que represen- risco, juntamente com os seus colegas
ta uma barreira para a construção de masculinos.
uma estabilidade duradoura. Os avanços em igualdade de géne-
«Aumentará Por estes motivos, os avanços em ro seguirão a tendência europeia,
o número de igualdade nesta frágil região do aumentando progressivamente a
mulheres que planeta serão tímidos e lentos, não presença feminina em todas as áreas,
desempen-
só porque o seu ponto de partida é com o consequente efeito positivo na
harão funções
muito baixo, mas também porque o estabilidade, desenvolvimento econó-
de combate
nas forças contexto de insegurança e, de forma mico e segurança.
armadas e
protagonismo
em movimen-
tos insurgen-
tes, crime
organizado e
terrorismo»

«Embora seja provável que a


autonomia das mulheres aumente
gradualmente na maioria das
regiões, as disparidades de
género subsistirão entre os
principais fatores de pobreza e
insegurança, reforçando-os»
As religiões: um facto
diferencial
65

As religiões: um facto diferencial

•  Definição e relevância Com efeito, de acordo com dados


da Pesquisa Mundial de Valores (World
Apesar do que se possa pensar no Values Survey), a população religiosa
Ocidente (especialmente na Europa mundial aumentou no último século
ocidental), a religião, ou pelo menos a em 15% e a juventude tende a ser mais
identidade religiosa, vai aumentando crente, exceto na Europa Ocidental, no
o seu peso na vida pública e privada Japão, na Austrália e no cone sul-ame-
dos cidadãos. ricano (Uruguai, Chile e Argentina).

As religiões: um facto diferencial


66 Panorama de tendências geopolíticas
Horizonte 2040

Desta forma, os sistemas políticos entre sunitas e xiitas.


veem que a religião, ou pelo menos as No entanto, os limites geográ-
suas interpretações radicais, condicio- ficos destas linhas de fratura
na cada vez mais as suas decisões ou desvanecer-se-ão progressivamen-
os posicionamentos das organizações te, devido aos fluxos migratórios e à
políticas e sociais. demografia.
A nível social, a religião é elemen- A estas divisões soma-se o auge
«A nível social, to de identidade e especificidade dos das seitas protestantes na América
a religião é povos, da sua história e, portanto, da Latina e o reforço na África subsariana
elemento de sua memória e solidariedade. Esta das correntes tradicionais, formadas
identidade e
identificação delimita simultanea- por uma grande quantidade de reli-
especificidade
mente o grupo e converte a religião giões particulares que chocam com
dos povos, da
sua história e, num instrumento de diferenciação a expansão de outras novas, como o
portanto, da em relação aos outros, um fator de pentecostalismo cristão ou a salafismo
sua memória e alteridade que marca uma fronteira, muçulmano.
solidariedade» no mínimo, ideológica, e que pode Todas estas diferentes culturas reli-
favorecer a criação de comunidades giosas são fonte de potenciais conflitos
em torno de princípios excludentes no futuro ou, no mínimo, meios de legi-
e inegociáveis. Não obstante, esta timação de grupos de poder.
consideração é incompleta, enquanto Como assinala o professor Diez de
deixa à margem o potencial inte- Velasco, poderíamos estabelecer
grador do diálogo inter-religioso e a três tipos de conflitos com envolvi-
aspiração ecuménica das crenças mentos religiosos:
religiosas maioritárias. •  O conflito devido aos limi-
Ofenómenoreligiosocombinaelemen- tes geográficos de expansão
tos aparentemente contraditórios; por das grandes religiões, espe-
um lado, adaptaram-se à globalização cialmente o islão, e que se
— ao quadro dominante da indústria, da manifesta através dos nacio-
ciência, do império das leis igualitárias — nalismos.
mas, por outro, representam diferenças •  Os conflitos gerados pela
regionais, inclusivamente conflituosas. rejeição dos efeitos da globali-
Apostam na paz, mas também utilizam a zação, sendo o exemplo mais
violência: sustêm a concórdia e a revolta claro o dos fundamentalismos.
simultaneamente. As religiões, diversas •  Os conflitos que surgem em
e multifuncionais, manifestam-se numa consequência da multirreli-
multiplicidade de experiências e áreas e giosidade.
previsivelmente continuarão a ser utiliza- Dos três tipos, fixar-nos-emos sobre-
das como desculpa para o conflito. tudo no segundo e terceiro, que são os
O mundo continuará atravessado que mais nos podem afetar.
por diversas linhas de fratura religiosa: O fundamentalismo caracteriza-se
a que separa, no Próximo Oriente, a por fazer uma leitura dos textos na
África e a Ásia, o mundo muçulmano sua literalidade, sem ter em conta
do mundo cristão; a que divide o islão o contexto histórico, ideológico e
e o hinduísmo no subcontinente india- inclusivamente teológico de que
no, ou a que existe no seio do islão surgiram.
67

Os fundamentalismos tornam-se adaptação de sociedades homogé-


armas de ação política quando os neas a multirreligiosas.
seus defensores se propõem conse-
guir o poder e impor os seus pontos de •  Evolução no tempo
vista à totalidade de uma nação.
No caso muçulmano, estes grupos O aumento sustentado da
continuam a manter a jiade — enten- emigração implicará uma presença
dida, no melhor dos casos, como a significativa de minorias em contextos
expansão da fé islâmica — como culturais e geográficos em que a maio-
discurso legitimador da sua política ria dos cidadãos é de outra tradição
ou dos seus interesses, enquadrando ou cultura religiosa.
todas as ações num quadro religioso As formas de exclusão baseadas
que lhes confere autoridade. na identidade religiosa e/ou étnica
Os conflitos do terceiro tipo, os são muito diversas, desde a negação
derivados da multirreligiosidade, são do outro (a Arábia Saudita proíbe
gerados pela difícil gestão da diver- no seu território qualquer prática «O mundo
sidade, as sempre complicadas religiosa que não seja o islão) até à continuará
relações entre maiorias e minorias marginalização (os guetos na Irlanda atravessado
religiosas e a mudança e processo de do Norte). por diversas
linhas de fra-
tura religiosa:
a que sepa-
ra, no Médio
Oriente, a
África e a
Ásia, o mundo
muçulmano
do mundo
cristão; a que
divide o islão
e o hinduísmo
no subconti-
nente indiano,
ou a existente
no seio do
islão entre su-
nitas e xiitas»

As religiões: um facto diferencial


68 Panorama de tendências geopolíticas
Horizonte 2040

As posições intransigentes em Espera-se que em 2030 o total


relação à identidade religiosa, tanto mundial de crentes se aproxime de
entre a sociedade de acolhimento 85,2%. Ocorreu uma diminuição no
como entre os imigrantes, poderão número de ateus após a queda do
derivar em guetos culturais e religio- muro de Berlim e um importante
«A demogra- sos, o que geraria um modelo social aumento do cristianismo ortodoxo.
fia é o fator profundamente fragmentado. O ateísmo como horizonte políti-
principal que
impulsiona o
crescimento
ou declínio
das religiões»
69

co é, portanto, uma lembrança, Embora ainda maioritário, entre 1910


embora o seu impacto não seja e 2010 o cristianismo perdeu 40,4% de
totalmente desdenhável, especial- adesão na Europa e em 2050 haverá
mente no mundo ocidental, em que menos quase 100 milhões de cristãos
o número de não crentes ultrapassa nesse continente.
o de hinduístas e se aproxima do de Esta descida é compensada com o
católicos. auge experimentado na África e na
A religião maioritária do planeta é América Latina (de 22,2% no primei-
o cristianismo, com 2.168,3 milhões de ro e de 14,7% na América Latina, no
seguidores, 1.200 milhões dos quais mesmo período). Desta forma, prevê-
são católicos. se que os cristãos continuarão a ser
Segue-se o islão, com 1.600 milhões maioritários no mundo até 2100, data
de fiéis; o hinduísmo, com 1.032,2 em que é provável que o islão os
milhões; o budismo, com 500 milhões, ultrapasse por um ponto percentual
e o sincretismo chinês, cujo número é (34,9%), se os parâmetros demográfi-
difícil de calcular, embora possa oscilar cos atuais não se modificarem.
entre 400 e 880 milhões de seguidores. A demografia é o fator principal que
O judaísmo, pela sua parte, tem 14 impulsiona o crescimento ou declínio
milhões de fiéis. Estas cinco religiões das religiões. «A tendência
aglutinam 95% dos crentes do mundo. A maioria dos muçulmanos concen- entre as reli-
giões é para
Entre os cristãos prevê-se o crescimen- tra-se na região da Ásia-Pacífico,
a desativação
to das seitas protestantes na América onde há atualmente 980 milhões e
dos compo-
e na África. espera-se que em 2040 cheguem a nentes violen-
tos, não me-
nosprezando
a influência
política que
exercerão em
alguns países»

As religiões: um facto diferencial


70 Panorama de tendências geopolíticas
Horizonte 2040

1300, ultrapassando os hindus, atual- •  Influência na área da segurança


mente a religião maioritária na Ásia,
«A liberdade apesar de o crescimento demográfi- O peso específico das religiões cres-
religiosa e
co entre hinduístas e siques também cerá no futuro, salvo no Ocidente,
a laicidade
ser forte. Pelo contrário, o crescimento onde o laicismo pretende substituí-las,
do Estado
imperantes do cristianismo ortodoxo e do budismo podendo adquirir perfis pseudorreligio-
na Europa é menor, pelas mesmas razões. sos. Desta forma, coexistirão ambas
fazem com Continuará o crescimento e a as cosmovisões, a secular e a ecle-
que o modelo expansão das novas ortodoxias: o siástica. As religiões continuarão a
multirreligio- protestantismo evangélico nos EUA, a proporcionar uma dimensão de identi-
so prospere, hindutva na Índia, o salafismo e o islamis- dade importante, tal como acontece
em benefício mo e o wahabismo no Médio Oriente, o na Rússia com o cristianismo ortodoxo
da coesão pentecostalismo na África e na Améri- ou na China onde o Estado desalojou
social» ca Latina. Esta proliferação indica que qualquer religião que não tivesse o seu
o atual ressurgimento da fé é menos um centro de poder no país.
regresso à ortodoxia religiosa do que A religião também é capaz de
uma explosão de novas doutrinas. impulsionar os fanatismos e a xenofo-
Um denominador comum destes bia, que transcenderá as fronteiras,
novos movimentos será a imple- com um potencial impacto negativo
mentação de organizações com sobre a estabilidade e a segurança
potencial político. intra e extraestatal.
Embora as ações terroristas manten- Pela sua parte, o Ocidente tende-
ham a sua capacidade de impacto, rá a reforçar o modelo multirreligioso,
continuarão a ser minoritárias à escala que respeita a diferença e tenta evitar
global, dado que a tendência entre o fenómeno da exclusão por identida-
as religiões está encaminhada para a de religiosa.
desativação dos componentes violen- Desta forma, a prática religiosa
tos, sem depreciar a influência política será relegada para a área individual,
que exercerão em alguns países. reduzindo-se a sua dimensão pública.
Em qualquer caso, a principal preocu- O enfoque multirreligioso influirá nas
pação será a utilização das identidades legislações internacionais.
religiosas para fomentar o conflito e A liberdade religiosa e a laicida-
a fragmentação, potenciadas pelos de do Estado imperantes na Europa
meios de comunicação e pelas Tecno- fazem com que o modelo multirreligio-
logias da Informação e Comunicação so seja bem sucedido, em benefício
(TIC’s), incontroláveis e imediatas. da coesão social.
Por outro lado, espera-se que o Os fluxos migratórios tenderão a
diálogo inter-religioso, tendência aumentar a diversidade religiosa e
atual entre as três religiões monoteís- a multiplicar com isso o impacto do
tas (cristianismo, judaísmo e islão), se modelo, pelo facto de modificarem e
intensifique; diálogo em que os ateus adaptarem as religiões aos países anfi-
não participam significativamente. triões.
Também não há diálogo eficaz entre Na Europa, os muçulmanos conti-
as restantes religiões com milhões de nuarão a crescer e em 2050 chegarão
seguidores. a cerca de 13% da população, depen-
71

dendo do dinamismo demográfico e vão crescendo, devido à influência


dos níveis de migração futuros. Os países dos imigrantes.
com maior população imigrante serão No entanto, essa mesma imigração
a França, o Reino Unido e a Alemanha. contribuiu para o aumento do pluralis-
Para se garantir a convivência, mo ideológico e religioso, pelo que a
dever-se-á trabalhar mais por uma fé não será geradora de conflitos. Por
ética comum que respeite as diversi- outro lado, a condição religiosa está
dades culturais e religiosas, que sirva inserida entre as causas de xenofobia
para criar um quadro global de defe- ou como um elemento que dificul-
sa dos direitos humanos, para além de ta a integração, particularmente dos
particularidades culturais. muçulmanos. Este último, alentado
Desta forma, na Europa a religião pelo fundamentalismo islamita, conti-
não será geradora de conflitos, mas nuará a derivar na radicalização de
continuará a ser utilizada como vetor elementos e grupos, que poderão
ideológico por elementos ou grupos cooperar com outros no exterior. Em
extremistas, ou de pretexto para o qualquer caso, será necessário evitar
desencontro entre sociedades, espe- a demonização do islão, dado que
cialmente nas que têm um maior influenciaria negativamente a inte-
número de imigrantes. gração de tal grupo.
Será cada vez mais necessário que a
política para o mundo islâmico passe,
não só pela cooperação económica, «A religião voltou – à exceção
técnica, financeira e inclusivamente polí- da Europa - e juntamente com as
tica, mas também por uma profunda e novas doutrinas, afeta cada vez
imprescindível abordagem cultural para mais os posicionamentos políticos
os imigrantes, com a articulação de polí- e sociais, mediante os avanços
ticas que garantam a integração, mas no diálogo inter-religioso e as
proibindo os comportamentos identi- interpretações radicais que em
tários que vão contra a legalidade. alguns casos se servem da religião
Imersa na corrente europeia, na para tentarem legitimar o seu
Espanha a desafetação em relação poder. O cristianismo é a primeira
religião do mundo (2.168,3
à religião continua a crescer, espe-
milhões) e continuará a ser até
cialmente entre a juventude, pelo que
2100 quando o Islão (1.600 milhões
a tendência é para a diminuição da atualmente) o ultrapassará
população religiosa. ligeiramente»
Ao mesmo tempo, outros credos

As religiões: um facto diferencial


A educação
73

A educação

•  Definição e relevância aprendizagem reduz a desigualdade


na vida adulta e o germe dos conflitos
A educação é um capital essencial sociais.
para o desenvolvimento das nações, Mas de igual forma, as aulas
dado que promove o crescimen- podem-se converter em perigosos
to económico e, portanto, a coesão espaços multiplicadores de discursos
social. Além disso, afeta positivamen- excludentes, intolerantes e radicais;
te a qualidade de vida das pessoas: daí a importância de não serem utili-
melhora os índices de saúde, contribui zadas como centros doutrinadores de
para a igualdade entre os homens e ideologias ou crenças contrárias à paz
as mulheres e para o desenvolvimento e à legalidade internacional.
de cidadãos autónomos e com senti- Por outro lado, alguns dos aspetos
do crítico. que podem ser determinantes no futu-
Tudo isto aumenta a segurança e ro da educação são: os avanços da
a estabilidade dos Estados e alguns tecnologia e os dispositivos móveis; a
indicadores afirmam que o número demografia; as mudanças sociológi-
de anos de escolarização, a qualida- cas e as tendências económicas, dado
de, eficácia e equidade do sistema o seu impacto nos sistemas nacionais
educativo têm um impacto direto nos de educação e nas mudanças no
baixos níveis de corrupção, a liberda- mundo do trabalho.
de de expressão e a paz.
Os benefícios da extensão mundial •  Evolução no tempo
da educação e de melhores resulta-
dos na aprendizagem afetam a ordem A irrupção da tecnologia (compu-
global. A limitação dos fossos de tadores, dispositivos móveis, Internet e

Recursos não energéticos


74 Panorama de tendências geopolíticas
Horizonte 2040

redes sociais) está a mudar o mode- Os dispositivos móveis estão a


lo de ensino e aprendizagem, o proporcionar novas formas de aceder
papel dos docentes, os currículos e ao conhecimento e à aprendizagem,
a instituição escolar. A aceleração e são precisamente os setores jovens
nos avanços tecnológicos e a sua da população os utilizadores maiori-
generalização levar-nos-ão a um tários deste tipo de serviços. As regiões
modelo educativo muito diferente da África e da América Latina são as
do herdado da sociedade industrial, que mostram uma tendência mais
centrado nos sistemas nacionais e significativa para o uso de telemó-
na aprendizagem em salas de aulas veis para aprendizagem (conhecido
compartimentadas. como «m-learning»).

«A aceleração
nos avanços
tecnológicos
e a sua ge-
neralização
levar-nos-ão
a um mode-
lo educativo
muito diferente A função tradicional da escola A educação continuará a exigir
do herdado como transmissora de conhecimentos o aumento de investimentos em
da sociedade ir-se-á deslocando para outra, onde tecnologia das informações e da
industrial» a tecnologia será o segredo para se comunicação (TIC). Será necessária
ensinar a aprender. uma transformação radical da
Os docentes deverão preparar os educação e da formação para se
estudantes para um mercado labo- abordarem as novas capacidades e
ral incerto, onde deverão utilizar competências de um mundo globali-
tecnologias ainda desconhecidas zado.
e imprescindíveis para enfrentarem A qualidade da aprendizagem
problemas inéditos. irá adquirindo uma importância tal
75

que uma formação de baixa quali- guem a educação primária, se não


dade equivalerá quase a não ter for com uma aprendizagem significati-
educação. O fosso digital entre os va e focada no futuro, a fundamental
desigualdade entre países desen- para o melhoramento educativo. «Será neces-
volvidos e subdesenvolvidos poderá Numa escola cada vez mais sária uma
aumentar. multicultural, o aumento dos dispo- transformação
radical da
educação e
da formação
para a aborda-
gem das novas
capacidades e
competências
de um mundo
globalizado»

Desta forma, capacitar e moti- sitivos móveis aumentará o risco de


var bons docentes será um element manipulação dos jovens e da sua
que sabem utilizar a tecnologia de radicalização. Portanto, tornar-se-á
forma ativa, criativa e crítica e os que mais necessária a inclusão, no ensino
fazem dela um uso passivo e irrefletido obrigatório, de valores de responsa-
reforçará as desigualdades educati- bilidade, cidadania e democracia, o
vas já existentes. que deve incluir a aprendizagem do
A incorporação dos países mais uso crítico da massa de informação
pobres no ambiente digital irá crescen- que lhes estará disponível.
do, o que reduzirá as desigualdades Os jovens graduados concorrerão
educacionais. A proliferação de dispo- a nível global com os provenientes
sitivos móveis e os melhoramentos na de nações emergentes e as novas
capacidade energética (baterias tecnologias provocarão a redução de
mais pequenas, baratas e rápidas) empregados de formação baixa ou
poderá eliminar as barreiras geográ- nula, com o consequente risco social
ficas e económicas, favorecendo os de exclusão.
países em vias de desenvolvimento. Por isso, e dada a complexidade dos
O desafio do melhoramento da processos económicos da sociedade
qualidade educativa aumentará e, atual, será cada vez mais necessário
mesmo que os países pobres alar- que se repense também a ligação

Recursos não energéticos


76 Panorama de tendências geopolíticas
Horizonte 2040

entre economia e educação, para nente. Os trabalhadores deverão


se evitar a subempregabilidade dos atualizar os seus conhecimentos
jovens formados e os num mercado durante a sua vida laboral, para se
de trabalho cada vez mais competiti- adaptarem ao permanente desen-
vo e globalizado. volvimento tecnológico.

«O segredo
para a faci-
litação das
alterações
consistirá em Nas sociedades mais desiguais e Será nos países desenvolvidos onde
fazer com
com maior resistência à inovação, se verificará uma maior aprendizagem
que o acesso
o fosso salarial poderá aumentar. informal e à distância, acesso à tecno-
à tecnologia
seja universal O segredo para se facilitarem as logia seja universal e que a educação
e que a edu- mudanças consistirá em que o conse- acompanhe estas mudanças.
cação acom- quentes efeitos negativos: frustração
panhe estas social e crise de vocações. •  Influência na área da segurança
alterações» Os avanços da neurociência
poderão melhorar o conhecimento O cocktail de um aumento migra-
dos processos cognitivos, contribuindo tório, um melhor e mais barato
para uma aprendizagem muito mais acesso à tecnologia e às redes sociais,
individualizada. a desigualdade educativa e acadé-
As instituições educativas tradi- mica, o subemprego de graduados
cionais serão progressivamente e a forte concorrência no mercado
substituídas por uma aprendiza- laboral apresenta um cenário propen-
gem apoiada na Internet, onde o so aos conflitos sociais.
professor será um mediador entre De igual modo, uma educação
os estudantes, a tecnologia e o hipertecnificada e excessivamen-
conhecimento, sobretudo quando te centrada na preparação para
se alargar a aprendizagem perma- o mundo laboral pode implicar um
77

desperdício na formação integral ficados, mas com acesso à tecnologia


da pessoa. Portanto, será necessário e às redes sociais, o que poderá ter
conjugar a formação técnica com a implicação na segurança, além de
dedicada à consciência global, habi- representar um desequilíbrio interno «Nos países
lidades de aprendizagem e inovação para as escolas das nações europeias. do Medite-
e uso correto das informações. Se nessas regiões não se garantir o rrâneo Sul e
Nos países da União Europeia, o acesso de todos os cidadãos a uma do Sahel, a
alargamento da educação terciária e educação de qualidade, corre-se o neutralização
da doutri-
o investimento em tecnologia a todos risco de alguns setores da população
nação radical
os níveis educativos fazem prever um recorrerem a outras alternativas, como
nas escolas
futuro otimista. é o caso das escolas corânicas. Desta religiosas será
Mas se tal alargamento não corres- forma, nos países do Mediterrâneo importante»
ponder a objetivos satisfatórios de Sul e do Sahel será importante que se
empregabilidade, poderá provocar neutralize a doutrinação radical nas
frustração social, o que facilitará a escolas religiosas.
manipulação de setores marginaliza- Embora a Espanha assuma as dire-
dos da população. trizes educativas da União Europeia,
A educação dos países do Magreb será afetada pelo que acontecer
melhora continuamente, apesar de do outro lado do Mediterrâneo.
ainda persistirem desigualdades e Alguns dos riscos que estão ligados
não terem alcançado uma extensão ao aumento da desigualdade, tanto
educativa total. No entanto, não pare- na qualidade educativa como no
ce que as perspetivas educativas dos fosso digital, entre os países da União
jovens dos países do Sahel permitam Europeia e os do Sahel, poderão
que os níveis europeus sejam alcança- ser importados para a Espanha,
dos a curto e médio prazo. não só com os migrantes de primei-
Portanto, se a tendência migratória ra geração, mas também com os já
continuar, as salas de aulas europeias nascidos no nosso país.
receberão um grande número de Esta radicalização também poderá
jovens academicamente menos quali- ocorrer nas salas de aulas.

“A qualidade educativa deve


incorporar o uso crítico das
informações”

Recursos não energéticos


O fator
económico

Recursos não energéticos

A energia

A geoeconomia

Os Objetivosde Desenvolvimento
Sustentável:
a agenda do porvir
Recursos não
energéticos
81

Recursos não energéticos

•  Definição e relevância •  Evolução no tempo

Os recursos naturais — excluindo os No curto prazo, espera-se que o


energéticos — compreendem os vitais crescimento da procura de metais
(a água, a terra produtiva, os alimen- se mantenha relativamente alto, nos
tos, etc.) e os minerais (principalmente níveis atuais.
metais, minerais industriais e elemen- O crescimento da população em
tos de terras raras). zonas como o Sahel, o vale do Nilo ou
O acesso aos recursos globais tem o Médio Oriente, uma maior urbani-
sido uma preocupação constante na zação em zonas de stress hídrico e o
política de segurança das potências. aumento das classes médias na China,
O crescimento exponencial da China Índia e Sudeste Asiático aumentarão
e de outras potências asiáticas fez as necessidades de recursos vitais
com que a garantia de acesso a maté- e matérias-primas, com uma maior
rias-primas vitais passasse a ocupar pressão sobre o meio ambiente.
uma posição central na segurança, Todos os indicadores relacionados
dada a crescente procura de recursos com a exploração da água indicam
vitais (água e terra produtiva), assim uma tendência para a proliferação
como de elementos de terras raras e de conflitos a nível micro ou médio.
outros minerais metálicos e industriais. Os conflitos entre países com mais de
Isto desenha um panorama de conco- cem milhões de pessoas são pouco
rrência geoestratégica pelos recursos e prováveis.
de segurança alimentar incerta, com Os efeitos negativos da mudança
eventuais graves consequências para a climática sobre os recursos hídricos,
estabilidade e a segurança. com um estreitamento do cinto equa-

Recursos no energéticos
82 Panorama de tendências geopolíticas
Horizonte 2040

torial africano, afetará os países da A procura de peixe fresco continua-


zona. rá a aumentar, o que impulsionará a
Relativamente aos alimentos, os percentagem do que é provenien-
cereais continuarão a ser a principal fonte te de pisciculturas, que ultrapassará
de consumo, embora o aumento expo- amplamente os 50%.
nencial das classes médias no mundo A procura dos principais metais, que
tenha propiciado uma mudança nos crescerá entre 40 e 50% em relação
padrões alimentares, com um aumento a 2010, será liderada pela China, que
do consumo de proteínas animais. necessitará de importar metade do
Nos países mais desenvolvidos, o Pela sua parte, o alumínio será

«O cresci-
mento expo-
nencial da
China e de
outras potên- consumo destas proteínas diminui- afetado pelo custo da energia neces-
cias asiáticas rá a favor dos vegetais, mas não seu sária para a sua produção.
fez com que consumo, mantendo-se o défice em A médio prazo, a ajustada produção
a garantia de elementos de terras raras. agrícola, juntamente com o cresci-
acesso a ma- O cobre representará um dos maio- mento exponencial da procura de
térias-primas
res desafios, dado que o fosso entre a cultivo (alcançará os 2,7 mil milhões
vitais passas-
procura e a produção poderá ultra- de toneladas, face aos 1,9 dos anos
se a ocupar
uma posição passar os 30%, no melhor dos casos. O noventa), provocará um aumento
central na mercado do zinco poderá alcançar de preço entre 70 e 90% em relação
segurança» um superavit, enquanto o do níquel a 2010. Esta tendência será afetada
poderá satisfazer a procura apenas negativamente por uma mudança
com um pequeno défice. climática severa.
Compensará o aumento anterior- O ritmo de crescimento anual da
mente referido, que em países como produção de alimentos oscilará entre
a China chegará ao ponto máximo. 1,3 e 1,5% até 2030, mas as existências
83

médias mantêm-se no limiar da crise, facto de serem essenciais para as apli-


devido ao aumento da procura. cações de alta tecnologia, incluindo
A aquicultura, que continuará em as energéticas e os sistemas de armas.
expansão, proporcionará mais de 60% Mas a procura de metais especiais
do consumo, com uma maior influên- ainda será reduzida, pelo que o volume
cia chinesa nos mercados mundiais do das suas reservas ou o esgotamento de
peixe. depósitos será menos relevante, embo-
O consumo de metais nas ra alguns como o telúrio ou o rénio sejam «Todos os
indicadores
economias emergentes tenderá a geologicamente raros.
relacionados
acelerar-se para satisfazer as necessi- Embora o ritmo de crescimento
com a ex-
dades de infraestrutura e construção. da procura de produtos agrícolas se ploração da
Desta forma, espera-se um aumento deva reduzir, os fatores ambientais água indicam
da procura de aço (90% em relação poderão afetar negativamente. Have- uma tendên-
a 2010), de cobre (80%) e, em menor rá escassez de água e terra em muitas cia para a
grau, de alumínio, níquel, e zinco. partes do mundo devido à crescen- proliferação
A produção de cobre alcança- te demografia, à urbanização e ao de conflitos a
rá apenas 50% da procura, o que o desenvolvimento industrial. nível micro ou
converterá num metal estratégico. A mudança estrutural nas dietas médio»
De igual modo, ocorrerá um estran- continuará, reduzindo a importância
gulamento no fornecimento de certos relativa dos alimentos básicos — como
elementos de terras raras e metais raízes e cereais — no consumo direto
especiais na resposta à procura das de alimentos, a favor dos produtos
novas tecnologias. Estas, por sua vez, pecuários, óleos vegetais, frutas e
poderão reduzir o ritmo de aumen- verduras.
to dos preços, especialmente com o A autossuficiência em cereais conti-
melhoramento da reciclagem e das nuará a ser baixa em regiões como
técnicas de extração e transporte. Médio Oriente e a África do Norte, que
A oferta de metais especiais e continuarão a depender da impor-
elementos de terras raras constituirá tação, enquanto a América Latina
uma preocupação crescente, especial- e as Caraíbas poderão alcançá-la,
mente nas economias avançadas, pelo inclusivamente com um potencial de

Recursos no energéticos
84 Panorama de tendências geopolíticas
Horizonte 2040

excedente de produção. O degelo to da procura de aço reduzir-se-á,


progressivo do permafrost nas regiões juntamente com o da construção nas
periglaciais, com um eventual aumento economias emergentes.
de terras produtivas, poderá exercer um A perspetiva a longo prazo para os
efeito favorável, mas insuficiente. elementos de terras raras dependerá
da procura das tecnologias emer-
•  Implicações para a segurança gentes, cujas taxas de difusão e uso
pressagiam um aumento da procura.
A concorrência pelos recursos, em Os conflitos a nível micro ou médio
aumento devido ao crescimento pelo uso da água aumentarão, tanto

«A reciclagem
desempenha-
rá um papel
cada vez
demográfico, a rápida urbanização em frequência como em intensidade,
mais impor-
e a mudança climática, provocarão enquanto os interestatais não serão
tante»
novas tensões, riscos e incertezas descartáveis.
nas relações internacionais. A nível A escassez de materiais para as
global, os riscos de escassez dos recur- tecnologias poderá ser afetada posi-
sos naturais irão aumentando, com o tivamente pelo desenvolvimento de
consequente impacto na estabilidade eventuais alternativas tecnológicas,
e na segurança. o que aliviará a pressão da procura
A reciclagem desempenhará um e a consequente concorrência por
papel cada vez mais importante, eles.
especialmente de metais escassos, O degelo do Ártico poderá favo-
como o cobre. O ritmo de crescimen- recer novas tensões pela exploração
85

dos seus recursos naturais e minerais, O progressivo stress hídrico de algu-


até agora inacessíveis. mas zonas da península exigirá que a
A necessidade, por parte da Euro- água deva ser tratada a longo prazo «Por isso, é
pa, de certas matérias-primas de que como recurso estratégico. necessário
carece, embora atenuada minima- Em qualquer caso, a alta depen- impulsionar o
mente pela reciclagem, coloca-a dência da Espanha de todo o tipo de equilíbrio en-
numa posição vulnerável de depen- recursos obrigará a diversificar ainda tre produção
e sustenta-
dência externa da evolução dos mais as fontes de obtenção das maté-
bilidade por
mercados, sem dispor de uma geopo- rias-primas. As políticas de promoção
intermédio de
lítica de acordo com as necessidades. da reciclagem permitirão uma dimi- políticas coor-
Por isso, é necessário impulsionar o nuição da procura, imprescindível a denadas de
equilíbrio entre produção e sustenta- médio e longo prazo. água, energia
bilidade por intermédio de políticas e alimentos»
coordenadas de água, energia e
alimentos.
A área MENA (Médio Oriente e
Magreb, das suas iniciais em inglês) é
especialmente vulnerável a tensões
locais, nacionais e transnacionais
pelo acesso aos recursos hídricos — só
atenuada, em medida reduzida, pela
utilização de instalações de dessalini-
zação — que se podem converter em
cenários de desestabilização.
O Sahel poderá quase duplicar a sua
população até 2040, no meio de um
cenário de crescente stress hídrico e a
consequente competição pelo uso da
água entre nómadas e sedentários, o
que aumentará progressivamente a
possibilidade de conflitos a nível local
e nacional.
Desta forma, a prospetiva de melho- «O aumento da população e
ramento da governação nos países das classes médias aumentará a
desta região não é muito animadora, pressão sobre os recursos hídricos
com um previsível aumento da insta- em zonas já em stress. Os conflitos
bilidade a nível sub-regional e um pela água aumentarão e não se
aumento da migração para as cida- pode descartar um conflito bélico
interestatal. O crescimento das
des e para os países europeus pelo
potências asiáticas transforma
caminho de menor resistência: Itália e
as matérias-primas num fator
Espanha. geopolítico e de segurança. Para
Tudo o que foi mencionado relati- a UE, a reciclagem de sucata terá
vamente à UE é aplicável à Espanha, uma importância crescente»
cuja dependência de recursos vitais se
manterá estável.

Recursos no energéticos
A energia
87

A energia

•  Definição e relevância A revolução do fraturação


hidráulica, a imparável emergência
As tendências energéticas são determi- económica da região da Ásia-Pací-
nadas pela economia, pela demografia, fico, que absorverá dois terços do
pelas políticas ambientais, pela tecnolo- crescimento energético mundial, e
gia e pelo grau de conflituosidade. a nova ordem de gás, consequên-
Por outro lado, o consumo de ener- cia da irrupção do gás natural
gia está relacionado com o grau de liquefeito (GNL), estão a redirigir os
desenvolvimento social e condiciona fluxos de exportação e importação.
a economia, a mudança climática, Desta forma, rompe-se a dinâmica
o transporte e a indústria. É, pois, um tradicional no aumento dos hidrocar-
fator decisivo na geoestratégia global. bonetos e reconfigura-se a geopolítica
global da energia. Em 2040, a Índia e
•  Evolução no tempo a China poderão concentrar 50% das
importações mundiais de petróleo e
As medidas de eficiência energéti- gás, deslocando para a Ásia o centro
ca implementadas pelas sociedades de gravidade do comércio da energia.
mais avançadas estão a permitir que A isto devem-se acrescentar os
elas cresçam economicamente sem desequilíbrios no crescimento demográ-
aumentarem, inclusivamente diminuin- fico a nível global, com o espetacular
do, o consumo de energia, pelo que auge africano, o declínio europeu e
o crescimento na procura de energia a crescente urbanização, como outro
ocorrerá fundamentalmente nos países elemento fundamental na transfor-
emergentes e em vias de desenvol- mação da procura global de energia.
vimento. Este aumento da procura Os EUA passarão em 2040 de
poderá chegar a 30% em 2040. principal importador mundial de hidro-

A energia
88 Panorama de tendências geopolíticas
Horizonte 2040

carbonetos a principal exportador, económicas dos EUA e da UE. Conti-


sendo o segundo na exportação de nuará a tecer uma rede de interesses
gás natural, só atrás do Médio Oriente, económicos-estratégicos pela fronteira
que continuará a ser o principal forne- siberiana, Pacífico e Médio Oriente, e
cedor de petróleo, embora em menor tentando aceder ao importantíssimo
quantidade. mercado indiano.

Em 2040 os
EUA passarão
de principal
importador
mundial de
hidrocarbone- Os avanços tecnológicos, os tempos O petróleo continuará a ser, a curto
tos a principal absolutos e relativos em que estes e médio prazo, o recurso energético
exportador ocorrerem e a sua relação com os de maior consumo e impacto geoes-
preços dos diversos setores energéticos, tratégico. O setor dos transportes
juntamente com as iniciativas destina- pesados, o da aviação e o petro-
das a reduzir o impacto ambiental do químico, garantem a sua relevância
setor, irão transformando a matriz ener- geopolítica. A sua procura continuará
gética global. a crescer, embora mais moderada-
A Ásia já é o principal mercado mente, e poderá alcançar o seu teto
mundial de hidrocarbonetos, enquanto no espaço de duas ou três décadas.
a Europa, que irá reduzindo lentamente O fracking, que está a mostrar uma
o seu volume de importações, manterá grande resiliência com preços baixos
a segunda posição. A Rússia procura- e ciclos de investimento mais curtos,
rá aumentar as suas exportações para impede que os preços subam até aos
a Ásia como alternativa às sanções níveis anteriores à crise de 2014.
89

A curto e médio prazo, os débeis irão ganhando relevância, devido ao


investimentos causados por vários facto de já não ser suficiente deixar
anos consecutivos de preços baixos de emitir para travar o aquecimento
impulsionarão em alta o preço inter- global. A longo prazo, as renováveis
nacional do crude, mas as novas e os avanços tecnológicos podem
O petróleo
tecnologias ajudarão a moderar a acabar por resolver em grande medi- continuará a
subida dos preços. da o desafio da descarbonização do ser, a curto e
O gás natural protagonizará o maior setor energético. médio prazo,
crescimento na procura global de Não obstante, em 2040 continuará o recurso
energia, representando em 2040 um a existir uma infraestrutura energética energético de
quarto do consumo mundial, perto de herdada do passado, que requererá maior consu-
ultrapassar o petróleo como principal tempo para ser substituída ou recondi- mo e impacto
fonte de energia primária, graças prin- cionada. Afetará mais as infraestruturas geoestraté-
cipalmente às novas tecnologias de elétricas, que se poderão converter gico
extração e à sua comercialização a em ativos subutilizados pendentes de
longa distância em forma de GNL. amortização.
O GNL facilita a integração dos No longo prazo, a necessidade de
mercados do gás, anteriormente regio- descarbonização da energia para se
nais, proporcionando flexibilidade e alcançarem os objetivos ambientais,
facilitando a sua competitividade com o desenvolvimento das tecnologias
outras fontes de energia convencional. do armazenamento e da distribuição,
O gás natural, o hidrocarboneto menos o progressivo embaratecimento das
contaminante e com tendência para renováveis e a digitalização da sua
a superabundância, desempenhará gestão somar-se-ão para que a eletri-
um papel fundamental como energia cidade acabe por dominar a matriz
de apoio das renováveis. energética global. Em 2040 esta
As preocupações ambientais tendência estará consolidada, mas
continuarão a impulsionar o desen- ainda estará a caminho da sua conse-
volvimento das energias renováveis, cução.
procurando a eficiência energética. O modelo atual de gestão da eletri-
No médio e longo prazo, as renováveis cidade, concentrado em poucos
protagonizarão o maior crescimento operadores, dará progressivamente
entre as fontes de energia. As energias passagem a um modelo mais descen-
fotovoltaica e eólica — que lide- tralizado, flexível e otimizado, com
rarão o setor renovável no futuro grande protagonismo dos utilizadores
— concorrerão progressivamente com e uma percentagem importante de
as tradicionais nos leilões de nova autoconsumo.
geração elétrica. Os veículos elétricos ir-se-ão
O uso da energia hidroelétrica, mais implantando, especialmente nos
daninha para o meio ambiente, irá países mais desenvolvidos, o que
diminuindo, especialmente nas áreas transformará o setor automóvel. A
geográficas em que entre em conco- china e a Índia ir-se-ão impondo
rrência com outros usos da água. como líderes na aplicação de novas
No médio prazo, as tecnologias tecnologias de armazenamento e
para absorção do CO2 da atmosfera veículos elétricos.

A energia
90 Panorama de tendências geopolíticas
Horizonte 2040

As consequências derivadas da Os elementos de terras raras (lítio,


mudança climática poderão aumen- cobalto, tungsténio, etc.), necessários
tar o grau de compromisso ambiental para as tecnologias renováveis e de
e acelerar a implantação das ener- armazenamento elétrico, escassos e
gias renováveis. Em qualquer caso, com as suas reservas concentradas
a progressiva consciencialização e em poucos lugares do mundo, terão
pressão pública afetará, em maior ou a sua importância geoestratégica
menor medida, as políticas energéti- aumentada.
cas dos países. Washington redirecionará a sua
atenção para a Ásia, o maior merca-
•  Influência na área da segurança do mundial para a exportação de
energia, e tentará desalojar a Rússia
A expansão das redes inteligen- no mercado europeu, o segundo
tes nos sistemas de distribuição de mundial, aumentando o antagonismo
energia, juntamente com as redes estratégico pelo domínio dos merca-
de comunicações integradas de dos energéticos.
apoio, multiplicará os eventuais riscos A China e a Índia, pela sua parte,
e ameaças, o que requererá uma ir-se-ão posicionando progressiva-
estratégia de cibersegurança ener- mente no Médio Oriente e noutras
gética coordenada a níveis regional áreas de produção de hidrocarbo-
e global. netos, utilizando a área energética
As infraestruturas hidroelétricas terão para impulsionarem os seus interesses
impacto em países vizinhos, dado que geoestratégicos.
afetarão a gestão geral da água, A União Europeia, com uma depen-
Será neces-
sária uma es- pelo que o setor da hidroeletricidade dência energética da Rússia muito
tratégia de ci- poderá ser uma potencial fonte de importante, no curto e médio prazo
bersegurança conflituosidade regional. poderá ser obrigada a uma política
energética
coordenada a
nível regional e
global
91

divergente da dos EUA, o que debilita- gética europeia e poderão afetar


rá o vínculo transatlântico, enquanto negativamente a Espanha. A curto e
procura alternativas para tal depen- médio prazo não estarão reunidas as
dência. O GNL irá reduzindo a longo condições de conexão energética
prazo a capacidade de utilização que favoreçam o seu cumprimento,
da rede de gasodutos como arma o que poderá criar dificuldades, tanto
geopolítica, o que ajudará a Europa a na política energética espanhola,
livrar-se progressivamente da pressão como na economia.
energética russa. Os grandes investimentos efetuados
O GNL irá
As novas tecnologias renováveis, nas infraestruturas elétricas e de gás,
reduzindo a
com preços mais baixos e estruturas embora encareçam a energia e conti- longo prazo a
mais flexíveis e modulares, facilitarão nuem a ser um fardo para a economia capacidade
a eletrificação da África subsariana, a médio prazo, também reforçam a de utilização
impulsionando o seu desenvolvimento, resiliência nacional face a circuns- da rede de
com consequências favoráveis para a tâncias imprevistas, embora reduzam gasodutos
segurança, embora ainda haja cerca a capacidade de inovação do setor como arma
de 700 milhões de habitantes sem energético espanhol a curto e médio geopolítica, o
acesso à eletricidade. prazo. Este setor deve enfrentar uma que ajudará
a Europa a
livrar-se pro-
gressivamente
da pressão
energética
russa

Além disso, os progressos da eletri- inevitável transição energética, que


ficação no Sahel não se conseguirão exigirá um complexo processo de
adequar ao aumento da população, reestruturação, ao mesmo tempo que
com os consequentes desequilíbrios amortiza os custos acumulados do
nos desenvolvimentos regionais, com passado.
consequências negativas para a segu- A mudança climática (fundamen-
rança. O desenvolvimento do setor talmente secas e desertificação),
energético no Sahel será fundamental obrigará progressivamente a hidroele-
para poder avançar a médio e longo tricidade a perder peso no conjunto
prazo na estabilidade regional. elétrico. No longo prazo, com a tran-
As exigentes condições ambientais sição energética, que deverá estar
da UE condicionarão a política ener- muito avançada, um desenvolvimento

A energia
92 Panorama de tendências geopolíticas
Horizonte 2040

tecnológico favorável à implantação A capacidade excedente de refi-


rentável das energias renováveis e nação de petróleo que a Espanha
resolvidos os problemas que pesam exporta e a grande diversificação
sobre o setor energético espanhol, o de lugares de proveniência do crude
panorama deverá melhorar nitida- reforçam a posição da Espanha em
mente com preços mais competitivos. caso de crise de abastecimento de tal
Uma grave crise na Argélia, de matéria-prima, embora a evolução do
onde a Espanha recebe quase 60% setor energético, com um peso cres-
do gás natural, afetaria negativa- cente das renováveis, vá reduzindo a
mente o setor energético europeu, nossa dependência energética exter-
sendo a principal ameaça a curto e na.
médio prazo para o espanhol. Os seis Desta forma, no curto e médio prazo,
terminais de regaseificação na Penín- a segurança energética da Espanha
sula, mais outro em desenvolvimento, dependerá em grande medida da
permitirão que se aborde o problema nossa capacidade para enfrentarmos
com garantias suficientes. os desafios atuais e os que surgirão.

“Dominada por uma séria


preocupação ambiental e
climática, a geopolítica da
energia está a mudar algumas
premissas básicas. A Ásia, e muito
especialmente a China e a Índia,
está a converter-se no principal
mercado importadorde gás e
de petróleo. Os EUA vão passar
de há uma década serem o seu
principal importador a converter-
se numa década no seu primeiro
exportador. Progressivamente,
o setor elétrico ficará mais
dominado pelas energias
renováveis”.
A geoeconomia
95

A geoeconomia

•  Definição e relevância mundo cada vez mais integrado, é


que serão capazes de ter êxito.
A geoeconomia (o poder econó- A economia mundial caminha para
mico em relação com os recursos um cenário globalizado de competi-
naturais) continua a ser o elemento tividade máxima, em que os Estados
fundamental que impulsiona as estra- serão cada vez menos autónomos.
tégias dos Estados, e a globalização Os que aspirarem a prevalecer na
mais não fez do que evidenciar que nova economia mundial deverão
continua a ser o fator essencial para fazê-lo através da inovação tecno-
aquisição de influência geopolítica. lógica aplicada à produção de
A globalização obriga Estados e bens e serviços, ao investimento na
empresas a enfrentar mudanças de economia do conhecimento e nas
paradigma e a uma evolução tecnoló- tecnologias da informação e da
gica acelerada, cujas consequências comunicação (TIC), internaciona-
na área económica estão por desco- lizando progressivamente os seus
brir. Só os que forem capazes de setores produtivos e reduzindo a sua
evoluir, inovar e de se adaptar, num dependência do carbono.

A geoeconomia
96 Panorama de tendências geopolíticas
Horizonte 2040

A área Ásia-Pacífico substituirá o O êxito ou fracasso da nova abor-


Ocidente como o cenário central dagem protecionista norte-americana
económico e maior defensor do afetará a evolução global, enquanto
A econo- processo de globalização. Pequim começa a ocupar com o seu
mia mundial As consequências da mudança poderio económico os espaços livres
caminha para climática terão um impacto econó- deixados por Washington, incluindo os
um cenário mico cada vez maior. Os países mais financeiros.
globalizado débeis ficarão afetados negativa- O comércio mundial, especialmen-
de competiti- mente em meios e infraestruturas, te o marítimo, continuará a crescer,
vidade máxi- perderão recursos produtivos, sofrerão consolidando a área do Pacífico como
ma, em que a migração da sua população e a grande plataforma de intercâmbio.
os Estados evasão de investimentos. As novas instituições financeiras
serão cada
Os benefícios dos avanços tecno- surgidas para darem resposta às neces-
vez menos
lógicos estarão associados a maiores sidades dos países emergentes irão
autónomos
riscos, em particular para as economias assentando e crescendo, concorren-
emergentes. A desindustrialização, do a nível regional com as dominadas
impulsionada pela inovação tecno- pelo Ocidente.
lógica acelerada em países pouco O avanço tecnológico possibilitará
desenvolvidos, pode devolver grupos novos métodos financeiros baseados
inteiros ao setor primário, constituindo em dinheiro virtual ou criptomoedas,
uma potencial fonte de instabilidade. especialmente nos países emergentes,
Desta forma, a globalização com o que se evita a volatilidade da
económica não implica uma melhor taxa de câmbio e das taxas e impos-
redistribuição da riqueza nem garan- tos associados ao crédito bancário.
te a sustentabilidade da atividade A economia mundial continuará a
produtiva, com o consequente impac- crescer, duplicando o seu tamanho
to na estabilidade e, portanto, na até 2040, mas de forma desigual de
segurança. acordo com as áreas económicas:
a Europa e o Japão terão taxas de
•  Evolução no tempo crescimento limitadas, enquanto os
EUA continuarão com um crescimen-
O crescimento económico mundial to moderado, que um desmesurado
será impulsionado pelas economias protecionismo poderá fazer perigar.
O avanço dos países emergentes, que gradual- A UE, liderada pela Alemanha, irá
tecnológico mente aumentarão a sua participação perdendo influência na economia
possibilitará
no PIB global face às grandes econo- mundial, que continuará a deslocar
novos méto-
mias ocidentais. o seu eixo fundamentalmente para a
dos financei-
ros baseados A formação de novos blocos Ásia.
em dinheiro económicos, ainda incipientes, irá Tal área geográfica continuará a
virtual ou crip- configurando uma nova ordem com impulsionar o crescimento mundial
tomoedas características mais protecionistas, juntamente com os países emergentes
entre cujos integrantes se intensifi- e em vias de desenvolvimento, com as
carão os fluxos de investimento direto. economias do E7 (Brasil, China, Índia,
Em 2020 a China poder-se-á tornar a Indonésia, México, Rússia e Turquia)
maior economia mundial. a crescer uma média anual de 3,5%,
97

em contraste com 1,6% do G7 (Cana- tráfego atlântico, consolidando a Ásia


dá, França, Alemanha, Itália, Japão e como o centro do comércio marítimo
Reino Unido). mundial e a principal região de carga
As economias emergentes, que e descarga, seguida da América,
passarão a ser mercados em si mesmas Europa, Oceania e África
e geradoras de inovação, serão lide- Os portos dos países em vias de desen-
«A UE, lide-
radas pela China, que ultrapassará os volvimento passarão de pontos de saída
rada pela
EUA, com 21% do PIB mundial. de matérias-primas a atores funda- Alemanha,
Os intercâmbios comerciais a nível mentais nos processos globalizados de irá perdendo
mundial continuarão a aumentar, produção, manufaturação e transporte. influência na
mas será nos novos blocos econó- As instituições financeiras mundiais economia
micos regionais que se reforçará (antigas e recentemente criadas) mundial, que
o movimento comercial e aumen- aumentarão a sua influência a nível continuará
tarão exponencialmente os fluxos de regional. a deslocar
investimento direto, especialmente Aumentará a utilização de cripto- o seu eixo
no bloco asiático, que beneficiará moedas e, por conseguinte, a sua fundamental-
do aumento do tráfego marítimo, penetração na economia dos Esta- mente para a
Ásia»
dominado pelos fluxos entre a Ásia, dos, e complementarão as moedas
Oceania e América. oficiais sem as substituírem, podendo
Desta forma, o tráfego do Pacífi- chegar a ser mais atrativas do que as
co ultrapassará em volume e valor o divisas clássicas.

A geoeconomia
98 Panorama de tendências geopolíticas
Horizonte 2040

O G7 poderá cair até cerca de elevado e uma população envelhe-


20% do PBI mundial, enquanto o E7 cida, além de problemas orçamentais
aumentará até quase 50% do mesmo, permanentes, face aos quais as políti-
A China, Índia impulsionado principalmente pela cas monetárias não serão eficazes.
e EUA serão China e pela Índia, que poderão ser as A Europa, além disso, sofrerá uma
as grandes maiores economias mundiais em 2050, altíssima pressão migratória a partir
economias ocupando a Indonésia o quarto lugar dos países do sul. Tudo isto poderá
mundiais com A China, a Índia e os EUA serão as dissuadir os Governos europeus de se
20%, 15% e
grandes economias mundiais com comprometerem em excesso na cena
12% do PIB
20%, 15% e 12% do PIB mundial, respe- internacional, o que previsivelmente
mundial
tivamente, enquanto a UE diminuirá o terá como consequências a perda de
seu peso para 10%. influência exterior e o questionamento
Neste cenário de crescimento da preponderância dos princípios e
global diferenciado por regiões, os valores ocidentais.
países e as organizações econó- Os EUA deverão dar prioridade os
micas dever-se-iam esforçar para seus esforços em função dos meno-
reduzir ou eliminar barreiras comer- res recursos disponíveis e da subida
ciais para estimularem o comércio e da China e das restantes potências
o crescimento. emergentes. Isto poderá debilitar os
A maior complexidade e diversida- atuais laços transatlânticos, pelo que
de do sistema financeiro necessitará a Europa não poderá dar por assente
de uma nova governação financeira a contribuição do aliado norte-ameri-
mundial, apoiada em novas instituições cano.
internacionais centradas no desenvol- O papel internacional da Rússia esta-
vimento das economias regionais. rá estreitamente ligado à evolução da
O dólar irá perdendo progressiva- sua economia, em que os hidrocarbo-
mente o seu status de reserva financeira netos continuarão a ser o seu motor
a favor de outras impulsionadas pelo e a principal componente do seu PIB
desenvolvimento económico mundial, (>60%). Esta dependência torná-la-á
o que poderá pesar sobre a economia vulnerável aos vaivéns do mercado. A
norte-americana. corrupção e um setor financeiro exclu-
sivamente público ou semipúblico
•  Influência na área da segurança dificultarão as reformas necessárias,
com um crescimento médio previsto
O cenário será uma economia de 2%, que a aproximará da estag-
global a três velocidades: a Europa e o nação.
Japão com um crescimento retraído; Os pobres resultados económicos
a China e a Índia, com taxas de cresci- podem impulsioná-la para procu-
mento muito superiores, consolidadas rar êxitos na política internacional,
como altas potências económicas, e aumentando a sua presença militar e
os EUA, com crescimentos positivos, diplomática, para evitar a sua margi-
mas com o seu poder e a sua capaci- nalização internacional.
dade de influência desgastados. A China, graças ao seu cresci-
A UE e o Japão terão que enfren- mento acelerado, aumentará a
tar um endividamento público muito sua capacidade militar. O seu posi-
99

As criptomoe-
das conver-
ter-se-ão
num método
cionamento global, cada vez mais problemas de estabilidade e segurança, habitual para
assertivo, provocará fricções com os especialmente nas nações mais débeis se evitarem
países que partilham os seus espaços e nas de economias mais fechadas. os controlos
legais
marítimos, assim como com os EUA e A evolução macroeconómica do
o Japão. Magreb será de uma subida moderada.
Alcançada a primazia económica Em resultado disso, a instabilidade pode-
mundial, tentará conseguir a militar. De rá ter origem na distribuição desigual da
igual modo, a Índia tentará compassar o riqueza e na pressão demográfica.
aumento das suas capacidades militares O Sahel continuará a ser uma das
ao ritmo do seu crescimento económi- zonas mais pobres do mundo e com
co, o que intensificará a «concorrência piores condições de vida. As suas
estratégica» entre as duas potências. economias débeis continuarão a ter
As criptomoedas converter-se-ão graves dificuldades na gestão de terri-
num método habitual para se evita- tórios demasiado extensos.
rem os controlos legais. A situação de instabilidade interna da
A sua associação a atividades ilícitas, maioria destes Estados prolongar-se-á
juntamente com o enfraquecimento no tempo, devido à sua incapacidade
das divisas oficiais e da capacidade económica, que favorecerá a pene-
de influência dos Estados, provocará tração dos movimentos jiadistas.

A geoeconomia
100 Panorama de tendências geopolíticas
Horizonte 2040

As iniciativas de estabilização em cerca de 2,3%. A tendência de cresci-


curso só serão viáveis caso se garan- mento que todos os estudos predizem
ta o financiamento para um esforço a só se manterá caso se aposte decidi-
longo prazo, juntamente com iniciati- damente na internacionalização, na
vas de desenvolvimento regional. economia do conhecimento e nas TIC
Estes fatores garantirão que a e inovação.
região se manterá um cenário com Tal crescimento económico mode-
«O Sahel alto potencial de conflitos, com claras rado estará submetido a tensões
continuará repercussões em segurança e defesa crescentes, devido à necessidade de
a ser uma para a Europa. aumento do investimento em segurança
das zonas A economia espanhola seguirá, e defesa face à pressão de um ambien-
mais pobres em traços largos, o devir da UE, o que te que continuará a degradarse.
do mundo e augura um crescimento médio de
com piores
condições de
vida»

La economía mundial camina


hacia un escenario globalizado
de máxima competitividad en el
que los Estados serán cada vez
menos autónomos. Solo aquellos
capaces de evolucionar, innovar y
de adaptarse, en un mundo cada
vez más integrado, serán capaces
de tener éxito
Os Objetivos de Desenvolvimento
Sustentável: a agenda do porvir
103

Os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável:


a agenda do porvir

«O sistema
terrestre está
a sofrer uma
•  Definição e relevância entre a erradicação da pobreza, o deterioração
aumento da resiliência e a diminuição progressiva,
A Agenda 2030 para o desen- da vulnerabilidade face a desastres e capaz de
volvimento sustentável relaciona o eventos disruptivos. provocar o
desenvolvimento humano e a susten- O sistema terrestre está a sofrer uma colapso das
tabilidade ambiental com a paz deterioração progressiva, capaz de sociedades
humanas»
duradoura. Desta forma, afirma que provocar o colapso das sociedades
não pode haver desenvolvimen- humanas, o que motivou a elevação
to sustentável sem segurança e não do direito à água e ao saneamento
pode haver segurança duradoura sem à categoria de direitos humanos. No
um desenvolvimento sustentável. futuro poderão aceder à mesma cate-
O lançamento dos Objetivos de goria o ar, a saúde e a energia.
Desenvolvimento Sustentável (ODS), Todos estes direitos afetam, não só
a assinatura do Acordo de Paris, a a dignidade humana, mas também a
aprovação da Adenda ao Protocolo própria sobrevivência dos indivíduos.
de Montréal e a assinatura do Acor- A limitação de não ultrapassagem dos
do Internacional para a redução das 2°C até ao fim do século para se travar
emissões de CO2 na aviação comer- o aquecimento global abre a possibi-
cial preconizam um novo modelo de lidade do estabelecimento de outros
desenvolvimento económico mais limites que evitem que se prejudique
sustentável baseado em três pilares: o gravemente a humanidade.
económico, o social e o ambiental. Entre os principais problemas
De igual modo, existem ligações ambientais que o mundo enfrentará nas

Os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável: a agenda do porvir


104 Panorama de tendências geopolíticas
Horizonte 2040

próximas décadas está a degradação global uma diminuição da desigual-


do ar e do solo, a escassez de água, dade entre países, no seio dos mesmos
a desflorestação, a contaminação o fosso socioeconómico continua a
marinha e a perda de biodiversidade. aumentar. A América Latina e a África
Embora a extinção seja um proces- serão as duas áreas que apresentarão
so natural que ocorreu durante toda a uma maior desigualdade nas próximas
vida do planeta, a taxa de extinção décadas.
das espécies cresceu mil vezes devido Mais de 1.400 milhões de pessoas,
à ação do ser humano. A biodiversi- metade das quais sofrem de uma
dade está a diminuir rapidamente situação de pobreza extrema, vivem
devido à mudança de uso do solo, à em regiões frágeis ou afetadas por
mudança climática, à propagação situações de conflito. Prevê-se que este
de espécies invasoras, à sobre-explo- número aumente em 82% até 2030.
ração e à contaminação. Se os padrões de aumento do
Os desafios ambientais atuais, consumo continuarem e a produção
potenciados pela mudança climática, se mantiver, em 2050 o uso global dos
apresentam uma intensidade e uma recursos naturais será quatro vezes
complexidade sem precedentes e, superior ao de 2010, pondo em perigo
para se garantir a sustentabilidade do ecossistemas e sociedades humanas.
planeta, será necessário considerar o Por outro lado, 92% da população
desenvolvimento sustentável no nexo mundial vivem em lugares onde a
«Os desafios água-alimentos-energia. Um eixo que contaminação do ar ultrapassa os limi-
ambientais estará submetido a numerosos fatores tes estabelecidos pela Organização
atuais, poten- de pressão, como a superpopulação, Mundial de Saúde (OMS). Embora as
ciados pela
a urbanização, a mudança climática doenças provocadas por tal conta-
mudança cli-
e o auge das classes médias, princi- minação ocorram principalmente
mática, apre-
sentam uma palmente na Ásia. na China e na Índia, com o auge da
intensidade e O desenvolvimento sustentável, urbanização e do desenvolvimento, é
uma comple- juntamente com os benefícios em provável que até 2050 os casos dupli-
xidade sem estabilidade e segurança que isso quem e se estendam à África.
precedentes» implica, só poderá ser alcançado se A quantidade e qualidade dos recur-
o crescimento da população mundial sos hídricos disponíveis continuarão
for acompanhado de uma mudança afetadas progressivamente pelo cres-
do modelo produtivo e da exploração cimento demográfico, contaminação,
dos ecossistemas. atividade humana e mudança climá-
tica. Em 2025, metade da população
•  Evolução no tempo mundial viverá em zonas com stress
hídrico.
A erradicação a pobreza em 2030 Nas próximas décadas a frequência
representará um grande desafio, dos desastres naturais aumentará devi-
principalmente na África Subsariana, do à mudança climática, e serão os
onde a sua redução é mais lenta do países em vias de desenvolvimento que
que no resto do mundo. sofrerão com mais severidade os seus
Embora durante a primeira década efeitos, o que evidencia a íntima relação
do século xxi se tenha verificado a nível entre pobreza e vulnerabilidade.
105

«Em 2025,
metade da
população
A saúde da população será um dos Além disso, haverá uma repercussão mundial vive-
grandes desafios do século xxi, com a negativa sobre o PIB mundial, que em rá em zonas
com stress
proliferação de epidemias e pande- 2050 poderá estar entre 1,1 e 3,8%.
hídrico»
mias. Para isso contribuirá a resistência Por outro lado, as doenças infe-
microbiana, que constituirá um risco ciosas continuarão a ser a principal
emergente devido ao aumento do causa de morte na África e, em menor
uso de antimicrobianos em humanos, extensão, no sudeste asiático e no
agricultura e pecuária Mediterrâneo oriental.

Os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável: a agenda do porvir


106 Panorama de tendências geopolíticas
Horizonte 2040

A mudança climática também Alimentos e, portanto, um aumento


aumentará a mortalidade causada do preço dos mesmos, o que exercerá
pela malária, malnutrição, doenças efeitos negativos na estabilidade e na
diarreicas e insolação. segurança.
Nos países desenvolvidos, os siste- Por outro lado, cerca de 1.600
A saúde da mas de saúde avançarão para a milhões de pessoas dependem das
população sustentabilidade e a prevenção, por florestas como meio de vida. Apesar
será um dos força dos avanços tecnológicos. de a velocidade de desflorestação ter
grandes desa- O uso insustentável do solo e os abrandado, existem zonas onde ainda
fios do século efeitos da mudança climática aumen- provoca graves efeitos ambientais, de
XXI, com a tarão a desertificação. degradação do solo e risco de desas-
proliferação
de epidemias
e pandemias

E embora se compense em parte tres naturais, especialmente na África


com a recuperação das terras agrí- e na América Latina.
colas degradadas, isso implicará uma Nos próximos anos será necessário
redução da produção de O meio desvincular o impacto ambiental e a
ambiente marinho será um dos siste- atividade económica do uso dos recur-
mas que continuará a apresentar os sos, tal como se conseguiu desvincular
maiores sintomas de degradação e o crescimento económico das emissões
perda de resiliência em consequência de gases com efeito de estufa. O mode-
da contaminação, da acidificação e lo linear baseado em «pegar, fazer e
da sobre-exploração. O grave risco em descartar», que não tem em conta
que a sustentabilidade do ambiente os impactos ambientais derivados do
marinho se encontra exigirá recursos consumo de recursos e da geração de
económicos e medidas de coope- resíduos, será substituído progressivamen-
ração a nível internacional e regional. te por um modelo de economia circular.
107

Este modelo, que será a pedra da coerciva (militar e/ou policial) que
angular do crescimento sustentável, envolva além disso, entidades rela-
poderá adicionar um trilião de euros cionadas com o desenvolvimento e
à economia global em 2025 e criar estabeleça soluções socioeconómi-
100.000 empregos nos próximos cinco cas a longo prazo que garantam a
anos. autossustentação. O fomento de um
desenvolvimento inclusivo e equitati-
•  Influência na área da segurança vo será essencial para contribuir para
a prevenção e a solução de confli-
A legitimidade de um Estado tos, mediante o enfoque integral e a
dependerá cada vez mais da sua adoção dos Objetivos de Desenvol-
capacidade para proporcionar vimento Sustentável como parte da
serviços à sua população e gerir solução.
adequadamente o ambiente natural, Os crimes relacionados com o
pelo que o apoio estratégico que seja meio ambiente, que atualmente são
prestado a Estados frágeis deverá ser a quarta atividade mais importante
acompanhado do melhoramento das a nível mundial com um valor que já
condições de vida. ultrapassa os 250.000 milhões de euros,
Desta forma, tanto os conflitos como continuarão a aumentar e a ultrapas-
O modelo
as situações de instabilidade reque- sar fronteiras. Isto representará uma
linear basea-
rerão uma resposta integral para além crescente ameaça à estabilidade,
do em ‘pegar,
fazer e des-
cartar’ será
substituído
progressiva-
mente por
um modelo
de economia
circular

Os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável: a agenda do porvir


108 Panorama de tendências geopolíticas
Horizonte 2040

paz e segurança, pelo que requererá vimento nesta região, acossada por
uma maior atenção dos Estados e das problemas de natureza multidimensio-
organizações internacionais. nal e transfronteiriça.
O setor pecuário, para fazer face a A resposta estritamente militar será
ameaças biológicas de origem natu- insuficiente, necessitando de um
ral, acidental ou intencional, terá que enfoque integral, em que o desen-

A resposta
estritamente
militar será
insuficien-
te, sendo
necessário
um enfoque trabalhar em uníssono com a saúde volvimento sustentável seja um pilar
integral, em pública e a área da segurança (apli- fundamental.
que o desen-
cando a filosofia «One Health»). Em qualquer caso, a longo prazo
volvimento
As sinergias entre a Agenda 2030 continuará a necessitar da colocação
sustentável
seja um pilar e a Agenda 2063 da União Africana em funcionamento de progra-
fundamental poderão impulsionar a transformação mas económicos, juntamente com
socioeconómica da região. operações civis e militares, que garan-
A consecução de uma atuação tam a sustentabilidade da ligação
precoce nas zonas de surgimento de entre segurança e desenvolvimento.
surtos epidémicos requererá um envol- Desta forma, as forças militares desta-
vimento cada vez maior das forças cadas também gerirão fundos que
armadas no apoio aos organismos aumentem as suas capacidades para
sanitários a ajuda ao desenvolvimento, tal como
No Magreb, o cumprimento da já acontece na UE.
Agenda 2030 e dos respetivos ODS, O plano de ação para a economia
devido ao exponencial crescimento circular de 2015 impulsiona a UE para
demográfico e à falta de infraestru- esta transição que oferece a oportu-
turas e meios, representa um grande nidade de se transformar a economia
desafio que necessitará da coope- e de se criarem novas vantagens
ração internacional a curto e médio competitivas e sustentáveis para a
prazo. Europa. Além disso, a UE poderá reduzir
A situação no Sahel é muito pior. A para metade as emissões de dióxido
pobreza e a instabilidade enfatizam a de carbono e em 32% o consumo de
necessidade de impulsionamento da recursos em 2030, que chegaria a 53%
ligação entre segurança e desenvol- em 2050.
109

Por outro lado, o Mediterrâneo, Dada a importância crescente


como espaço dinâmico e devido das questões ambientais na área A maior fre-
ao auge das atividades comerciais da segurança, as FAS deverão ser quência de
no mesmo, estará progressivamente um dos maiores garantes dos cuida- pandemias,
mais contaminado e mais explo- dos com o meio ambiente dentro e juntamente
rado, o que exigirá cooperação a fora das nossas fronteiras, minimizan- com a neces-
nível regional. do o impacto das suas atividades e sidade
No cenário nacional o planeamen- cooperando na luta contra os crimes de despiste
to das novas operações transcenderá ambientais. Desta forma, a sustenta- dos surtos no
a área do conjunto-combinado para bilidade do nosso ambiente marinho seu lugar de
ser integral, atuando juntamente exigirá um maior envolvimento das origem, re-
quererão um
com entidades civis de ajuda huma- nossas FAS em tal esforço.
maior uso de
nitária, apoio à reconstrução e ao
capacidades
desenvolvimento, pessoal de emer- e instalações
gência, forças policiais e instituições militares
de ajuda social.
O reforço da ligação entre segu-
rança e desenvolvimento continuará a
exigir o envolvimento das Forças Arma-
“A agenda 2030 para o desenvolvi-
das espanholas, principalmente na
mento sustentável pretende traçar o
zona do Sahel, pelo menos a curto e caminho para promover o desenvol-
médio prazo. vimento da humanidade em todos os
A maior frequência de pande- países de uma forma equilibrada entre
mias, juntamente com a necessidade os três pilares sobre os quais a susten-
tabilidade se apoia: o económico, o
de atalhar os focos no seu lugar de
social e o meio ambiente.
origem, requererá um maior uso de A saúde da população será um dos
capacidades e instalações militares. grandes desafios do século XXI. A
Também será necessário estabelecer globalização, a mudança climática, os
mais medidas de controlo do pessoal conflitos, o auge da urbanização e o
progresso tecnológico constituem fatores
no seu regresso, especialmente quan-
de risco no surgimento de pandemias
do for proveniente de regiões com a nível global. “A agenda 2030 para o
risco de surtos epidémicos. desenvolvimento sustentável preten-
de traçar o caminho para promover o
desenvolvimento da humanidade em
todos os países de uma forma equilibra-
da entre os três pilares sobre os quais a
sustentabilidade se apoia: o económico,
o social e o meio ambiente.
A saúde da população será um dos
grandes desafios do século XXI. A
globalização, a mudança climática,
os conflitos, o auge da urbanização e
o progresso tecnológico constituem
fatores de risco no surgimento de pan-
demias a nível global.
A economia circular será a pedra an-
gular do crescimento sustentável

Os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável: a agenda do porvir


Fator
sociopolítico

A comunicação e o processo
de globalização

Globalização e regionalização
de um mundo
de geometria variável

Os fundamentos sociopolíticos:
a cultura, as crenças e as
ideias
A comunicação e o
processo de globalização
113

A comunicação e o processo de globalização

•  Definição e relevância •  Evolução no tempo

Os avanços efetuados nas tecnolo- A revolução comunicativa à escala


gias da informação e da comunicação global evoluirá seguindo quatro vetores
(TIC) abriram o caminho à era da principais: a difusão maciça da socie-
globalização. Uma revolução comu- dade virtual ao resto da humanidade;
nicativa difundida à escala mundial os avanços que ocorram nas TIC; a
por um meio de comunicação radi- gestão e o controlo da expansão e da
calmente diferente, que está a gerar aplicação de novas formas de comuni-
um salto qualitativo na comunicação cação, e o enfoque para a resolução
humana. dos problemas e disfunções sociais,
Dadas as características da Internet políticas, económicas e culturais cria-
e a emergência de uma sociedade dos pela revolução da comunicação.
virtual deslocalizada, impossível de A expansão do acesso à Inter-
controlar plenamente pelos Estados, net continuará, mas de forma muito
as consequências são imprevisíveis. desigual de região para região, com
A sua narrativa, com ou sem corres- amplos setores sociais excluídos. Os
pondência com os factos reais, a avanços ocorrerão na capacidade de
imediaticidade da comunicação e armazenamento e processamento de
a potência das redes sociais condi- dados (tanto em suportes tradicionais
cionam as perceções humanas e como na nuvem), e na quantidade,
distorcem as dinâmicas de decisão qualidade e velocidade da trans-
e ação das sociedades, o que afeta missão de informações. Contribuirão
radicalmente a segurança para isso os avanços nas estruturas de

A comunicação e o processo de globalização


114 Panorama de tendências geopolíticas
Horizonte 2040

redes neuronais e o processamento Isto implicará um aumento das


quântico. ameaças e riscos associados, com
O uso de dispositivos fixos e móveis efeitos diretos na estabilidade política,
continuará a ser divulgado, com aces- coesão social e integridade dos Estados.
so a banda larga de alta velocidade, A Internet irá alcançando a quase
especialmente nos países em vias de totalidade da humanidade, onde a
desenvolvimento, embora a sua distri- hegemonia comunicativa global será
buição continue a ser inferior à dos dominada pela Ásia, com a China à
países desenvolvidos cabeça. Relativamente aos idiomas
Continuará a consolidação irrever- mais utilizados na rede, ver-se-á uma
sível da sociedade virtual provocada provável consolidação do chinês, do
pela multiplicação e difusão das redes espanhol e do árabe, que já figuram
sociais, que em 2021 se prevê que entre as principais línguas da Inter-
serão utilizadas por mais de 3.000 net, concorrendo com o inglês, que
milhões de pessoas. continuará a ser a referência na área
A exponencial e multidimensional da I+D+i. A Internet permitirá que os
expansão da comunicação global países mais avançados afiancem a
continuará a exceder a capacida- sua hegemonia política, económica e
de de gestão e controlo dos Estados social, mas o peso das maiorias demo-
e organismos internacionais, apesar gráficas obrigará os países e setores
da implantação de normas técnicas dominantes a redefinir os seus interes-
e jurídicas. ses e os seus objetivos.
115

O impacto das TIC nos países em cionados com o género, a ecologia,


vias de desenvolvimento favorece- a etnia, a religião ou as ideias políticas.
rá o seu crescimento económico, ao O desenvolvimento da socieda-
mesmo tempo que facilitará a implan- de virtual reforçará a emergência da «A expansão
tação das políticas sociais (educação, «igualdade comunicativa», que permi- exponencial
saúde, etc.) e reformas administrativas te que qualquer indivíduo comunique e multidi-
(fiscalidade, segurança, defesa ou com o resto do mundo sem restrições no mensional
justiça) que melhorem a capacida- número de seguidores ou utilizadores. da comuni-
cação global
de funcional dos Governos e a sua A velocidade das informações, por
continuará a
inserção no processo de globalização. sua vez, provocará nos cidadãos a
ultrapassar a
Mas tais mudanças e reformas provo- expectativa de uma imediaticidade capacidade
carão tensões políticas e sociais, pelo nas decisões e nas ações que ultrapas- de gestão e
facto de aumentarem as desigualda- sará por vezes os critérios de eficácia controlo dos
des socioeconómicas, e os confrontos e eficiência. Isto implicará importantes Estados e
políticos, étnicos e religiosos subja- restrições e dilemas funcionais quan- organismos
centes. O desenvolvimento das TIC já do se tratar de definir as estratégias e internacio-
terá alcançado o limiar da revolução planear as atuações políticas, econó- nais»
tecnológica seguinte com a aplicação micas e militares para média e longa
de avanços como o processamento duração.
quântico das informações ou a fotóni- A eventual falta de credibilidade
ca do silício. da mensagem, independentemente
Os Estados mais avançados da sua autoria, implicará um grave
disporão da tecnologia necessária ataque ao princípio da veracidade
para efetuarem o processo de reor- A combinação da igualdade
ganização institucional, regulação comunicativa, a imediaticidade e a
jurídica e cooperação transnacional falta de credibilidade, num contexto
que permita a gestão dos proble- de comunicação global, alterarão
mas políticos, económicos, sociais e profundamente os fundamentos de
culturais gerados nesta nova fase da sociedades e pessoas, criando novas
revolução comunicativa. fontes de legitimação política, econó-
Ocorrerá uma difusão maciça e à mica e social.
escala global dos progressos gerados
e desenvolvidos durante a década •  Influência na área da segurança
anterior. Os dirigentes políticos depen-
derão em maior grau das grandes A falta de controlo do acesso e
corporações que controlam a I+D+i do uso ilícito da Internet e das redes
das TIC e dos tecnocratas das infor- sociais para a difusão de informações
mações (programadores informáticos, falsas ou propaganda maliciosa
etc.), com uma redução dos prazos e continuará a aumentar. Devido à sua
processos de decisão política, imposta difícil neutralização e aos seus graves
pela imediaticidade das informações. efeitos nas opiniões públicas, estas
Os valores e princípios dos Estados práticas podem alterar ou destruir a
ficarão diluídos ou serão diretamente estabilidade dos países ou dificultar
substituídos por valores e princípios de a cooperação entre eles e, portanto,
caráter transversal ou universal, rela- ameaçar a paz e a segurança.

A comunicação e o processo de globalização


116 Panorama de tendências geopolíticas
Horizonte 2040

A rede também continuará a sociais e Internet, podendo ultrapas-


possibilitar ataques cibernéticos em sar em convencionais. Por outro lado,
qualquer lugar e por qualquer um que a segurança económica também
disponha dos conhecimentos e meios importância a ação das unidades mili-
suficientes (de aquisição relativamen- tares

O recurso às
redes sociais
por grupos
terroristas
facilitará o
recrutamen-
to de novos te fácil), ocultando a autoria. ficará Desta forma, o impacto da globa-
membros, afetada pela comunicação global, lização comunicativa dependerá de
magnificando
pelo facto de permitir o manusea- três variáveis fundamentais: a força e
e ocultando
mento das perceções, influindo assim estabilidade dos Estados; o grau de
as suas ativi-
dades ilícitas nas decisões dos agentes económicos homogeneidade ou heterogeneida-
privados e estatais. de cultural das sociedades e o nível
O recurso às redes sociais por grupos de incorporação das TIC.
terroristas facilitará o recrutamento Em termos gerais, a Europa, carac-
de novos membros, magnificando terizada pelos Estados estáveis
e ocultando as suas atividades ilíci- reforçados por instituições e orga-
tas. O manuseamento informativo nismos regionais que impulsionam a
através das mesmas também será integração e a cooperação entre
um instrumento governamental para eles, apresenta uma alta resiliência,
desestabilização de países terceiros. situando-se numa posição avançada
O futuro dos conflitos armados e no contexto mundial. Mas também a
das crises internacionais, decisivamen- situa como um objetivo prioritário dos
te condicionados pelo uso das TIC e ciberataques.
pelo seu impacto nas opiniões públi- Além disso, o peso das opiniões
cas à escala global, obrigará a lutar públicas, juntamente com a difusão
cada vez mais contra a propaganda das redes sociais e o enraizamento dos
e a desinformação através de redes meios de comunicação de massas,
117

facilita o manuseamento informativo zação e reduzida difusão das redes


com efeitos políticos desestabilizado- sociais nas habitações, com uma forte
res, sendo um ambiente favorável à concentração no Facebook e no
propaganda terrorista e à intervenção Youtube.
«O peso das
de terceiros Estados. A sua moderada inserção no siste- opiniões
A implantação da administração ma de comunicação global constitui públicas,
eletrónica nos Estados facilitará uma barreira contra o desenvolvimen- juntamente
ataques cibernéticos a partir de dentro to económico regional, mas também com a difusão
e de fora das instituições, assim como uma potencial base para o lança- das redes
a difusão global de informações mento de ciberataques. sociais e o
sensíveis ou secretas, minando a legi- Em contrapartida, são sociedades enraizamento
timidade dos Governos e facilitando muito vulneráveis ao manuseamento dos meios de
mobilizações maciças orquestradas informativo e à propaganda. comunicação
através das redes sociais. No Sahel, a escassa incorporação de massas,
facilitam o
Estas últimas, em conjunção com das TIC, salvo para a telefonia móvel,
manusea-
as tecnologias avançadas, permitirão reduz as ameaças às redes de comu-
mento infor-
o aparecimento de novas formas de nicações europeias, sendo o principal mativo com
terrorismo e criminalidade, o adestra- instrumento de comunicação utilizado efeitos políti-
mento criminoso mediante simulação pelas redes criminosas e organizações cos desesta-
e a utilização de meios e mobilizações terroristas que operam na região. bilizadores»
sociais que limitem a intervenção das A Espanha apresenta um perfil
forças de segurança. avançado de incorporação nas TIC.
No Magreb, o nível de penetração A curto prazo as ameaças e os riscos
dasTIC é desigual, com altas taxas associados à Internet e às redes sociais
de telefonia móvel, acesso à Internet (ciberataques, propaganda e manu-
limitado e reduzido uso da informati- seamento informativo) utilizadas por

A comunicação e o processo de globalização


118 Panorama de tendências geopolíticas
Horizonte 2040

terroristas, o crime organizado e tercei- Isso aumentaria a vulnerabilidade,


ros atores continuarão a existir. dificultando a prevenção e reação
A médio prazo, aumentará o face às novas ameaças que surgirão
número e alcance dos ciberataques, indubitavelmente.
o que obrigará a uma constante A escala global dos desafios que
atualização de planos estratégicos, serão criados pela próxima revolução
protocolos de intervenção e medidas da informação exigirá a participação
de proteção, aumentando a neces- e o apoio ativo às iniciativas de inte-
sidade de cooperação regional e gração regional e de cooperação
global, como instrumento comple- mundial.
mentar e não de substituição de uma A segurança nacional ficará indisso-
política nacional. luvelmente ligada às alianças capazes
A longo prazo, o principal risco seria de aplicar estratégias integrais para
ficar à margem da próxima revolução a resiliência (prevenção, proteção
das TIC. e restauração) dos sistemas de infor-
mação e comunicação.

«A expansão exponencial e
multidimensional da comunicação
global continuará a exceder
a capacidade de gestão e
controlo dos Estados e organismos
internacionais, o que representará
um aumento das ameaças e
riscos associados, com efeitos na
estabilidade política, na coesão
social e na integridade dos
Estados»
Globalização e regionalização de
um mundo de geometria variável
121

Globalização e regionalização de um mundo


de geometria variável

•  Definição e relevância O aumento nas relações também


implica um aumento dos conflitos e uma
A rápida globalização não é neces- deslocação dos seus efeitos. Confli-
sariamente um fenómeno pacífico que tos congelados e afastados ativam-se
favoreça a estabilidade. Comprimindo com as novas ligações, afetando
o espaço e o tempo, e aumentando a também o resto. Emerge uma lógica
interdependência, aumenta a vulne- que é inevitável, em que os benefícios
rabilidade às crises que ocorrem no se contrapõem aos custos imprevistos,
exterior, inclusivamente em áreas onde os benefícios são distribuídos de
longínquas. A relação entre os fluxos forma desigual a favor dos mais débeis,
de capital, mercadorias, informação, criando rejeição ao processo.
ideias e pessoas representará um A globalização continuará a progre-
impacto direto e imediato das tensões dir, rejeitada pelos marginalizados dos
e conflitos exteriores nos equilíbrios seus benefícios, por vezes hipoteca-
internos. dos devido aos seus custos, mas sem
No entanto, os cidadãos não estarão capacidade suficiente para a deter,
suficientemente preparados e forma- dado que os movimentos reativos
dos para compreenderem os efeitos serão resistências locais ou regionais
negativos associados à globalização, sem ligação.
impossibilitando uma valorização Com a globalização, definitiva-
dos benefícios e custos atuais do mente, já não há um dentro nem um
processo e das suas possibilidades no fora, com o mapa da conectividade
futuro. Os governos ficarão afetados progressivamente diferente do mapa
por pressões crescentes provocadas geográfico, ligando entre si zonas
por movimentos que não podem ser melhores com outras piores. O resulta-
geridos a nível nacional. do pode ser paradoxal onde as cidades

Globalização e regionalização de um mundo de geometria variável


122 Panorama de tendências geopolíticas
Horizonte 2040

estão mais interligadas entre si do que Simultaneamente, a subida suave e


com a periferia geográfica onde se pacífica, até agora, dos novos atores,
localizam. Este processo possibilita a tornar-se-á cada vez mais difícil, pois
deslocação interna dos estados. concorrerá em paralelo com outros
Simultaneamente, manifestam-se aspetos como a luta pelos mercados,
forças de uma relevância crescente no os recursos e as zonas de influência.z
interior dos estados ocidentais e que No médio prazo os atores transna-
são fruto do desenvolvimento de uma cionais fortalecer-se-ão em detrimento
Os governos sociedade civil mais densa e tapada, dos estados, que se esforçarão por
serão afe- que procura atenção e respostas, ao estabelecer medidas regulatórias de
tados por mesmo tempo que desafia o estado e implementação difícil.
pressões questiona a sua eficácia. A segurança como conceito impor-
crescentes Estes dois movimentos impli- se-á definitivamente à defesa, em
provocadas
cam a convergência simultânea de resposta à natureza multidisciplinar e
por movimen-
forças centrífugas e centrípetas que multidimensional dos desafios apre-
tos que não
podem ser encarnam um desafio à sua existência, sentados, estendendo-se até ocupar
geridos a nível enquanto nas potências emergentes as áreas que as ciências alcançarem.
nacional e revisionistas o controlo da opinião A segurança não deixará de ser um
pública será crescente, reforçando o processo transversal.
papel do estado. A associação de países com inte-
resses vitais compatíveis continuará
•  Evolução no tempo como forma de aumentar a sua segu-
rança, abordando os desafios comuns
A globalização manterá a curto num mundo polarizado com tendên-
prazo uma tendência para a cia para o alinhamento por receio do
regionalização, numa era pós-hege- «outro cultural».
mónica, onde os polos continuarão a Por outro lado, a globalização
ser o Ocidente e a Ásia-Pacífico, cujo levará à progressiva dissolução dos
desenvolvimento continuará a alte- componentes estanques das organi-
rar os equilíbrios geoeconómicos do zações regionais em prol da eficiência
mundo, forjando um novo equilíbrio económica, mas também aumenta-
de poder. rá o risco de novas barreiras para se
Não obstante, a Ásia Pacífico conti- enfrentarem os dilemas de segurança
nuará a estar fraturada por sua vez inerentes, fazendo desaparecer os
entre diversos atores. A China aspira a muros interiores, enquanto se fortale-
ser a potência hegemónica regional cem as fronteiras exteriores regionais.
em disputa com os Estados Unidos e os Em 2040 estas dinâmicas não
seus aliados: o Japão, os dragões asiá- estarão totalmente resolvidas e conti-
ticos e a Índia. As principais fraquezas nuaremos num processo de transição
que afetam esta massa geopolítica são para a bipolaridade. Não obstante,
a desigualdade na distribuição de divi- a transição da esfera económica de
dendos e riquezas, e as contradições influência para a Ásia-Pacífico, não o
ideológicas chinesas, juntamente com será a nível cultural, militar e tecnoló-
outros desequilíbrios associados ao seu gico, áreas que serão dominadas pelo
rápido crescimento. Ocidente. É de prever que no Oriente
123

A China
aspira a ser
a potência
hegemónica
regional em
disputa com
os Estados
Unidos e os
seus aliados,
o Japão, os
dragões asiá-
ticos
e a Índia

se atue a nível político para a redução volvimento de políticas de influência


deste desequilíbrio. através do «poder de irrupção» terá um
A África e o mundo islâmico, pela peso cada vez maior, que deverá ser neutra-
sua parte e especialmente após o lizado.
desenvolvimento de tecnologias que
embaratecerão o preço do petró- •  Influência na área da segurança
leo, terão um peso mais reduzido e
sentirão a pressão numa competição O mundo reunirá incentivos para
aberta pelos recursos provocada pela se unir e revitalizar as suas organi-
globalização. zações regionais, juntamente com
Aparecerão grandes grupos e uma crescente fragmentação interna,
corporações ligados não poucas provocada pelo individualismo ineren-
vezes a interesses estatais e com uma te ao pensamento pós-moderno. Além
alta capacidade de influência, que disso, deverá enfrentar contradições
aproveitarão a ausência de fronteiras internas como o envelhecimento,
eficazes para ativar, estimular ou refor- a descida demográfica, a crescen-
mular as narrativas existentes ou levar te desigualdade social, a crise de
a cabo políticas de desinformação confiança nas elites e nas instituições,
concorrentes com os seus interesses etc., que trarão simultaneamente uma
específicos. Isto representará uma progressiva e constante dissolução da
possibilidade direta de ingerência nos resiliência das sociedades para enfren-
assuntos internos de terceiros e uma tarem os desafios que possam emergir.
ameaça direta à soberania. O desen- O resultado pode ser uma dimi-

Globalização e regionalização de um mundo de geometria variável


124 Panorama de tendências geopolíticas
Horizonte 2040

nuição do potencial dissuasivo Além disso, é de esperar que, no


associado à incapacidade das socie- decurso do tempo, as sombras da
«A Europa e dades ocidentais de se sobreporem às Guerra Fria e as suas lógicas se diluam
os EUA, com
pressões e ingerências do exterior. ainda mais, favorecendo o abandono
20% do PIB
A Europa e os Estados Unidos, com de uma visão para a qual a Rússia não
mundial cada
um e um peso 20% do PIB mundial cada um e um contará com recursos e capacidades
económico peso económico proporcionalmen- suficientes.
proporcio- te decrescente, devem-se projetar A eventual aproximação da Rússia
nalmente globalmente de forma coordenada, à Europa criaria uma nova alternati-
decrescente, especialmente para a Ásia- Pacífico, va cuja execução envolveria o resto
devem-se onde a China conta com mais de 15% do Ocidente que, além disso, obteria
projetar do PIB mundial. acesso contíguo a valiosos recursos
globalmen- A China partilha com a Rússia cerca naturais e a mercados consolidados.
te de forma de 4.000 quilómetros de fronteira, Em qualquer caso, o desenvolvi-
coordenada, sendo o vazio território da Sibéria um mento das duas massas geopolíticas
especial-
território natural para a expansão e continuará com base nas respeti-
mente para a
o assentamento dos excessos demo- vas vantagens comparativas. No
Ásia-Pacífico,
onde a China gráficos chineses. Isto gera o natural Ocidente a tecnologia e no Oriente
conta com receio russo e poderá dinamizar a sua o peso da sua população. As contra-
mais de 15% aproximação ao Ocidente, desde dições e os desequilíbrios inerentes
do PIB mun- que se respeite a sua singularidade e a todos os processos de transição
dial» o seu prestígio. (diferenças e

“A geopolí-
tica do con-
hecimento
e da riqueza
tenderá a
convergir»

Com a Rússia, um cenário de Em resultado desta mudança


benefício mútuo para correção do de paradigma, os Estados Unidos e
reequilíbrio com a Ásia-Pacífico. a União Europeia necessitarão de
125

A União Euro-
peia dever-
se-ia fortale-
cer e unir, não
em oposição
aos Estados
Unidos, mas
sim como
uma forma de
melhorar as
sinergias do
conjunto

alguma espécie de convergência partilha de cargas. A determinação


contradições entre peso económico, das prioridades e do que se entende
peso político, tecnológico ou peso por equilíbrio continuará a ser uma
militar) continuarão a existir. Contudo, questão aberta. A organização sentirá
a geopolítica do conhecimento e da impulsos divergentes entre o norte e o
riqueza tenderá a convergir. sul, o que dará passagem ao fortale-
No cenário nacional e nesta conjun- cimento da sua vocação mediadora.
tura a União Europeia dever-se-ia Por outro lado, as dificuldades
fortalecer e unir, não em oposição aos na captação dos segredos de um
Estados Unidos, mas como uma forma cenário tão complexo, dinâmico e
de melhorar as sinergias do conjunto evanescente requererão esforços de
Um mundo tão competitivo como o inteligência cada vez maiores, tanto a
que se aproxima necessitará de uma nível estatal como privado.
relação mais estreita entre afins culturais.
A África continuará à margem,
embora com uma melhor ligação, «A globalização é um processo
dado que é principalmente ao longo dinâmico e hegeliano de
destas linhas de fratura que os dois racionalização feito com base
colossos hegemónicos competirão. na cultura ocidental, mas que
desloca o peso económico para
O mundo islâmico, enquanto espaço
a Ásia pacífico. Vamos para
cultural mais relevante, ficará sujeito a
uma multipolaridade enquanto
uma forte tensão entre os dois polos, se estão a formar duas massas
derivada da sua falta de peso tecno- geopolíticas que farão emergir
lógico e cultural. as suas próprias contradições
A NATO, depois da guerra da internas que em 2040 ainda não
Ucrânia de 2014, viu-se obrigada a estarão resolvidas»
reinventar-se e enfrentar um desafio de

Globalização e regionalização de um mundo de geometria variável


Os fundamentos sociopolíticos:
a cultura, as crenças e as ideias
127

Os fundamentos sociopolíticos:a cultura, as


crenças e as ideias

•  Definição e relevância a longo prazo, mesmo que os resulta-


dos o contradigam. Os adscritos a um
Crenças e ideias estabelecem os determinado sistema de crenças estão
quadros de referência que, por um lado, convencidos de que a outra parte,
nos permitem assimilar as convenções uma ideologia antagónica, está espi-
assumidas e, por outro, avaliar a magni- ritualmente corrompida e que a sua
tude, relação e consequências dos decadência é inevitável. Nesta luta pela
factos novos que nos afetam. Portanto, hegemonia ideológica, a obstinação é
são muito mais do que um multiplica- uma variável com o seu próprio peso
dor de outros vetores de futuro. em cada sistema de valores.
Uma forma de pensar predispõe A estrutura de crenças dos atores
a uma interpretação dos factos e da internacionais afeta a sua capacida-
sua projeção, absorvendo qualquer de de adaptação e a sua resiliência
mudança, prevista ou não, no âmbi- durante longos períodos de tempo.
to do seu próprio paradigma. O futuro O resultado da batalha das ideias
não é evidente e qualquer inferência define o que uma geração pode ser
está associada a alguma incerteza, e e ao que pode aspirar no futuro, dado
só o quadro ideológico é que tem a que têm a capacidade de gerar os
singular capacidade de se sobrepor às conceitos que compõem os limites e a
contingências, postulando-se como o forma de atuar.
único gerador de certezas que temos. Pensamentos, crenças e ideias defi-
Por esta capacidade intrínseca, qual- nem a natureza de cada protagonista
quer sistema de crenças se pode suster no cenário internacional e determinam

Os fundamentos sociopolíticos:a cultura, as crenças e as ideias


128 Panorama de tendências geopolíticas
Horizonte 2040

as combinações de fins, modos, meios e crescente fragmentação é relevan-


riscos que pode aplicar com confiança te do ponto de vista da segurança,
de êxito. Nos países democráticos, a pelo facto de degradar a coesão das
crise de confiança está a propiciar o sociedades abertas e a sua resiliência.
crescimento de movimentos populis-
tas, nacionalistas e autoritários, fruto de •  Evolução no tempo
uma nova forma de pensar que desfi-
gura a estrutura do seu sujeito gerador, O indivíduo como sujeito autorre-
que é o próprio Ocidente. A partir de ferencial será uma tendência central
dentro, o Ocidente é questionado pelo no Ocidente durante esta primeira
seu atual sistema de vigências e, a metade do século xxi. O ceticismo, o
partir de fora, pela sua artificial mani- individualismo e a diversidade estão
festação incoerente. inscritos na nova cultura social que
A grave deterioração da confiança se manifesta narcisista, hedonista e
no Ocidente, provocada pela falta reivindicativa.
de conhecimentos seguros, própria As sociedades ocidentais, duran-
do pensamento pós-moderno, impo- te as próximas décadas, viverão de
rá uma situação marcada por graves recursos éticos difusos. O sistema de
incertezas na área cultural, antropoló- valores em que a comunidade se
gica, ética e espiritual, o que afetará a enraíza, e do qual surge a solida-
espontânea vitalidade dos ocidentais. riedade, a confiança, a justiça e a
Impõe-se uma forma de pensar democracia representativa, estará
fruto do desencanto, que rompe não ameaçado por propostas utópicas,
só a continuidade, mas também com que minarão os pré-requisitos morais
a essência do Ocidente como civili- básicos, diluindo os vínculos interpes-
zação. O resultado é um movimento soais, sociais, económicos e políticos.
de regressão e de simplificação, mani- No Ocidente continuará a ser impos-
festado num novo adamismo solvente, to progressivamente um modelo de
produto da nossa própria civilização, sociedade líquida, fruto de uma era
mas que, paradoxalmente, mante- pós-moralista, que prega o ocaso do
rá uma pressão permanente sobre a dever e o triunfo de uma ética indolor
«No Ocidente validade do que é ocidental. O confli- que rejeita e desacredita o compro-
continuará a to de ideias já aparece a todos os misso comunitário e a solidariedade,
impor-se pro- níveis — global, regional, nacional, enquanto estimula a satisfação de
gressivamente local, familiar e pessoal —, impulsio- desejos imediatos. A liberdade
um modelo nado pelos vínculos favorecidos pelas será entendida como ausência de
de sociedade novas tecnologias, com efeitos deses- compromisso, sem obrigações. Por
líquida» tabilizadores. conseguinte, a dissociação psicoló-
As narrativas num mundo de gica entre as decisões tomadas e as
conceitos moles, instalados sobre suas consequências será crescente,
o relativismo, o culto do presente e e traduzir-se-á numa maior rejeição à
os discursos performativos, servem assunção de qualquer responsabilida-
eficazmente a estruturação social de. Escolher não significará renunciar,
em múltiplos grupos humanos cada dado que o sujeito e ou o grupo em
vez mais isolados uns dos outros. A questão reservarão o direito perma-
129

«Num mundo
globalizado
conviverão
sociedades
líquidas com
sociedades
sólidas, com
uma cres-
cente tensão
entre elas»

nente de reversão de qualquer uma de conter o desassossego, favorecen-


das suas decisões. do o crescimento dos nacionalismos,
Esta situação reduzirá a liberdade populismos e radicalismos ideológicos e
de atuação e a aspiração a alcançar religiosos.
e manter a iniciativa, que se traduzirá A expansão da apatia, da descon-
numa tendência de ficar sempre um fiança e da desesperança facilitarão
passo atrás dos acontecimentos. a formação de alianças por parte de
A sociedade líquida no Ocidente forças exteriores com grupos internos
criará um sentimento profundo de desa- desafetos, que serão manipulados,
fetação cultural, política e social. Alguns utilizando o «poder de irrupção» (sharp
setores sociais sentirão a chamada de power), mediante campanhas de desin-
novas ou velhas propostas capazes formação, confusão, manipulação,

Os fundamentos sociopolíticos:a cultura, as crenças e as ideias


130 Panorama de tendências geopolíticas
Horizonte 2040

desprestígio ou a linguagem do medo. lece a razão de estado e se debilita a


Estes mecanismos serão os detonado- governação global.
res de diferentes tipos de crises internas A convicção da superioridade
para debilitarem o sistema institucional ética das potências revisionistas e das
e de valores. potências em aumento reforçar-se-á,
A crescente fascinação pelo consu- impulsionada pelo seu crescimento
mo, pelo que é efémero e pela moda económico, o recuo democrática e
instalará muitos ocidentais no presente os reajustes de poder, consolidando a
como único tempo social relevante, sua autoafirmação.
desvinculando a pessoa do esforço de Nas democracias, a amplificação
aspirar a construir um futuro melhor para das vozes individuais por intermédio
todos. O desmoronamento da ideia da tecnologia e da desconfiança
de futuro será acompanhado de um nas elites continuarão a desgastar a
desmoronamento da própria história. influência dos partidos políticos, dos
Desta forma, o desencanto em sindicatos e dos grupos cívicos, impul-
relação ao futuro e a má consciên- sionando uma crise de representação.
cia do passado exacerbarão a perda A frustração traduzir-se-á num maior
de confiança nas possibilidades de distanciamento entre o conjunto da
progresso. sociedade e as elites, que já estão
Noutras áreas do globo, a moder- a ser identificadas como parte do
nidade líquida será cada vez mais problema.
rejeitada como decadente. Estas Emergirá um elevado número de
sociedades, solidamente assentes em estilos de vida e um grande núme-
crenças ou convicções, religiosas, étni- ro de ambientes sociais, cada um
cas ou políticas, recuperarão discursos com as suas próprias formas de
mais coesivos e integradores, associa- comunicação, o que dificultará
«A liderança dos a promessas de prosperidade e paz de forma crescente o contacto, a
instalar-se-á
social. relação e o desenvolvimento de
na capacida-
Os Estados autoritários defender-se- sociedades plurais. A ausência de
de de seduzir
a curto prazo, ão com uma maior repressão interna convivência entre grupos criará a
renunciando para conterem o pluralismo e atacando forma de oposição ao próximo e,
à capacida- os recursos imateriais das democracias paradoxalmente, a identificação
de de con- mediante o «poder de irrupção», apro- com grupos afins mas distantes. O
vencer. Os veitando as contradições internas resultado será uma progressiva frag-
argumentos culturais, políticas, sociais e económicas mentação interna das sociedades
políticos e a do Ocidente. abertas.
razão serão Num mundo globalizado conviverão Será cada vez mais difícil discernir o
substituídos sociedades líquidas com sociedades verdadeiro do falso, especialmente nos
pela ima- sólidas, com uma crescente tensão meios de comunicação e redes sociais,
gem e pela
entre si, devido à dificuldade em onde potências estrangeiras poderão
emoção que
encontrar mecanismos para o estabele- continuar a impulsionar campanhas
suscitam»
cimento de relações. de desinformação e propaganda
Por conseguinte, correr-se-á o risco para além das suas fronteiras, que
de o multilateralismo se continuar a desgastarão o próprio fundamento do
esfumar, ao mesmo tempo que se forta- debate democrático.
131

No Ocidente, a possibilidade de As crescentes expectativas e aspi-


debate construtivo continuará a retro- rações individuais, o aumento das
ceder em nome da correção política, desigualdades sociais, as maiores
que tentará impedir a rutura de um diferenças de oportunidades, a frag-
débil conglomerado social multiforme. mentação social e o crescente risco
A liderança focar-se-á na capa- de instabilidade aumentarão a proba-
cidade de seduzir a curto prazo, bilidade de protestos e desordens
renunciando à capacidade de conven- internos.
cer. Os argumentos políticos e de Os Estados autoritários terão mais
razão serão substituídos pela imagem recursos para ganhar tempo e reen-
e pela emoção que suscita. Emer- caminhar as mudanças, mas menos
girão ídolos com prazo de validade, incentivos para as implementar.
mas com capacidade para promo- As relações serão substituídas
ver um sentimentalismo efervescente pelas ligações, criando uma maior
potencialmente tóxico para qualquer incerteza.
análise crítica da situação, converten- A fragmentação social multiplica-
do a imagem no centro do discurso. rá as pressões divergentes sobre os
Surgirá uma comunidade aristocrá- Governos, instituições e sociedades,
tica cosmopolita com um crescente dificultando a sua capacidade para
poder de influência que afetará trans- porem em funcionamento mudanças
versalmente os discursos e as agendas sistémicas, reforçando a inércia de
políticas dos países mais desenvolvidos. graves anomalias que aumentam o
Fora do Ocidente, a influência reli- perigo de rutura interna.
giosa ou de identidade nos Governos As novas tecnologias vão propiciar o
será cada vez mais relevante, mais desenvolvimento de duas tendências
autoritária e mais oposta ao modelo não necessariamente contrapostas:
democrático liberal. uma orientada para uma maior demo-
cracia direta, e outra para uma maior
•  Influência na área da segurança capacidade de controlo dos cida-
dãos por parte dos aparelhos do
No Ocidente, a possibilidade de Estado e, por conseguinte, um maior
mobilização política para suster prolon- dirigismo mediante, tanto o controlo
gados sacrifícios será decrescente. O direto, como o indireto.
vazio pós-moderno, juntamente com Estes dois movimentos somar-se-
a crescente conectividade global, ão ao populismo que, em nome da
aumentará as tensões nas, e entre as radicalidade democrática, isto é, de
sociedades. O populismo e o nacio- uma democracia que não se subme-
nalismo continuarão a ameaçar a te a normas, apelará continuamente
democracia liberal. Muitos cidadãos à vontade do povo como justificação
ocidentais renunciarão aos seus próprios e legitimação de qualquer conduta
princípios fundacionais, enquanto, a decidida por líderes que disponham
partir de fora, as sociedades ocidentais de instrumentos sociológicos formula-
serão desafiadas por regimes autori- dos em forma de constructos.
tários que promoverão o descrédito da O papel dos populismos tornar-se-á
democracia liberal. assim cada vez mais relevante.

Os fundamentos sociopolíticos:a cultura, as crenças e as ideias


132 Panorama de tendências geopolíticas
Horizonte 2040

Na Europa, como no resto do ações contundentes. Portanto, o risco


Ocidente, o efeito da sociedade líquida de fraturas será maior a longo prazo,
degradará a resiliência face aos desa- especialmente na segunda.
fios de segurança e defesa, afetando a Os aumentos nos orçamentos de
sua capacidade dissuasora. defesa serão controvertidos pela

«Na Europa,
como no resto
do Ocidente,
o efeito da
sociedade
líquida degra-
dará a resi-
liência face
aos desafios
de segurança crescente dissolução dos vínculos poder de compra e à vida quotidiana
e defesa, afe- de solidariedade coletiva, especial- serão os elementos de mobilização,
tando a sua
mente quando afetarem o bem-estar dado que a despesa em defesa
capacidade
e a autodeterminação pessoal a curto será avaliada em função do custo/
dissuasora»
prazo. Os efeitos das ameaças ao benefício pessoal e do efeito no
Os conflitos de memória, o medo ambiente imediato. A segurança e
do futuro e a paralisia na decisão e a defesa terão progressivamente um
atuação provocarão um decaimento caráter menos nacional, a favor da
crescente da solidariedade interpes- nossa forma de vida.
soal e interestatal. Tratar-se-á de adiar O Magreb e o Sahel, sociedades
as mudanças necessárias que exijam predominantemente sólidas, terão a
fortes sacrifícios, pelo que a sua apli- uma maior autoafirmação religiosa
cação será mais dispendiosa. e cultural, especialmente nesta últi-
Esta tendência aumentará quando ma região, onde se verificará com
a NATO e, sobretudo, a União Euro- mais intensidade um regresso às raízes
peia, tiverem que enfrentar desafios étnicas e o aumento do radicalismo
que as obriguem a responder com religioso.
133

Imersa nas correntes ocidentais e cialmente na população agrária e


europeias, a sociedade espanhola imigrante. Isto tenderá a aumentar
ficará afetada por uma progressiva a conflituosidade social, afetando
perda de coesão, própria da socie- a segurança, devido à adscrição
dade líquida, mas com segmentos de indivíduos a movimentos radicais
da população que terão atitudes de caráter político, religioso, e até
próprias da sociedade sólida, espe- mesmo étnico.

“A grave deterioração da
confiança no Ocidente,
provocada pela claudicação
e paralisia do pensamento,
imporá uma situação marcada
por graves incertezas na área
cultural, antropológica, ética
e espiritual, que afetará a
espontânea vitalidade dos
ocidentais, criando um sentimento
profundo de desafetação.
Entretanto, o individualismo
autorreferencial ganhará terreno,
favorecendo a fragmentação
social. Os efeitos serão uma
redução da vontade de tomar
decisões e pôr em funcionamento
mudanças sistémicas capazes de
responder à inércia de anomalias
fundamentais, aumentando
o perigo de rutura interna,
estimuladas por campanhas de
desinformação e desprestígio».

Os fundamentos sociopolíticos:a cultura, as crenças e as ideias


Fator
militar

A era da informação

A tecnologia

Conflituosidade e Defesa
A era da informação
137

A era da informação

•  Definição e relevância 3.  Hiperabundância e omnipre-


sença de informações, com
Na «Era da Informação», as ativi- extenso e intenso uso de redes
dades da Inteligência continuarão sociais mediante sistemas inteli-
plenamente em vigor: apoiar a opor- gentes, que tentarão manipular
tuna tomada de decisões, incluindo o as sociedades injetando desin-
conjunto de atividades conducentes à formações.
consecução desse fim, assim como a 4.  Hiperconectividade, que criará
organização e coordenação das orga- uma estrutura mundial em redes
nizações dedicadas a tal atividade. complexas, de onde poderão
O uso maciço da Internet, juntamente derivar crises globais
com o impulso exponencial das novas 5.  Avanços tecnológicos, especial-
tecnologias, traz consigo novas opor- mente em inteligência artificial,
tunidades, mas também novas e mais miniaturização, biometria, robó-
perigosas ameaças, que se somam às tica, sensores, novos materiais,
já existentes. Desta forma, o cenário da fontes de energia, tecnologia
Inteligência será caracterizado por: quântica e biotecnologia.
6.  Embaratecimento da tecnologia
1.  Altíssima incerteza. acessível a um número crescen-
2.  Ameaças e riscos multiface- te de atores estatais e privados
tados, multidimensionais e para atividades potencialmente
multidirecionais, com atores ilícitas ou perigosas.
estatais e não estatais e forte 7.  Intensificação do ciberespaço
protagonismo destes últimos como área estratégica, econó-

La era de la información
138 Panorama de tendências geopolíticas
Horizonte 2040

mica/comercial, social, de etc.), assim como para uma maior


segurança e conflito. coordenação entre as diferentes
8.  Intensa atividade no espaço organizações da comunidade de Inte-
exterior dos Estados e empre- ligência nacional.
sas privadas, juntamente com a O mesmo é verdade quanto à
miniaturização e alta resolução fusão ou integração de disciplinas
dos sensores. antigamente separadas física e meto-
Os riscos irão ganhando peso rela- dologicamente (como a IMINT,
tivo face às ameaças, pelo que será inteligência derivada das informações
necessário trabalhar em contextos de obtidas de imagens por satélites
possibilidades face a probabilidades, ou meios aéreos, e a GEOINT, inteli-
avançando na determinação destas, gência geoespacial). Iniciar-se-á a
ultrapassando o enfoque tradicional, substituição dos «centros de fusão»
mais centrado na recorrência prévia por equipas multidisciplinares «orien-
e na extrapolação de séries históricas. tadas para missão», compostas por
Aumentarão os fenóme- especialistas nas disciplinas que forem
nos de hibridação pelo efeito necessárias, aumentando a ênfase
combinado de desenvolvimentos na análise, face à obtenção de infor-
desfavoráveis, juntamente com a cres- mações.
cente dificuldade na determinação O ciberespaço continuará a ser
das autorias e o aumento da velocida- uma área de atenção crescente, não
de dos adversários para aproveitarem tanto pelos seus riscos e ameaças,
vulnerabilidades, imprevisíveis até à mas também pela falta de regulação
sua materialização. e pelo quase anonimato que propor-
As tendências assinaladas ir-se- ciona.
ão apresentando com crescente Consolidar-se-á a atual tendência
intensidade, juntamente com outras para que as empresas, especialmente
«O ciberes- imprevistas. A natureza, magnitude e as grandes, desenvolvam capacida-
paço conti- caráter de muitas delas intensificarão a des de Inteligência de uso próprio.
nuará a ser
necessidade de novas medidas orga- A médio prazo, intensificar-se-á o
uma área de
nizativas, processuais e instrumentais aumento das informações disponíveis
atenção cres-
cente» nas organizações de Inteligência e no devido a novos sensores e platafor-
seu pessoal. mas de todo o tipo, mais potentes e
pequenas, e à expansão das Webs 2.0
•  Evolução no tempo e 3.0, que obrigará os profissionais e as
organizações de inteligência a uma
Continuará a tendência para a adaptação constante.
superabundância e o crescimento Podem ocorrer fenómenos de rutura
exponencial do volume de dados e que adicionem incerteza a um cenário
informações disponíveis, assim como cada vez mais complexo e interligado,
para o extenso uso das redes sociais. com hiperabundância e omnipre-
Manter-se-á a tendência para a sença de informações, ao alcance de
implantação de «federações de Inteli- todo o tipo de atores estatais e não
gência» entre organizações nacionais estatais, com o crescente protagonis-
e internacionais (NATO, UE, ONU, mo destes últimos.
139

«As diferentes
agências e
organizações
estatais (ser-
viços secre-
tos, inteligên-
cia militar,
policial, etc.)
e privadas
coorde-
narão as suas
atividades
em equipas
combinadas
para o efei-
to, mediante
uma atuação
federada»

Também podem ocorrer significativos será condicionada por uma atinada


e impressionantes avanços tecnológicos implementação dos requisitos e pela
em miniaturização, robótica, tecnologia capacidade de se adaptar e evoluir
quântica e biotecnologia, e de intensifi- nos processos de obtenção e análise
cação do ciberespaço como área de dinâmica das evidências.
crescente indeterminação de respon- Continuarão a ganhar peso relativo
sabilidades e vulnerabilidades. os riscos face às ameaças, e conti-
O ciclo de decisão será cada vez nuará a aumentar a dimensão do
mais curto, pelo que a inteligência híbrido no âmbito das realidades que

La era de la información
140 Panorama de tendências geopolíticas
Horizonte 2040

são objeto de interesse para as ativi- adquirirá uma importância crescen-


dades de inteligência. Juntamente te, esfumando-se a separação entre
com o vetor forças regulares-forças analistas e operacionais.
irregulares, surgirá a dimensão espaço A área privada de dados e algorit-
real-espaço virtual. mos será objeto de atenção crescente
«Atores esta-
A disponibilidade de enormes para as atividades de inteligência. O
tais e não es-
volumes de dados e informações, mesmo acontecerá com a difusão de
tatais poderão
difundir notí- provenientes de múltiplas fontes, desinformações para fins tais como
cias falsas nas exigirá novas e potentes capacida- a deceção ou o manuseamento da
redes sociais des tecnológicas para as avaliar e opinião pública por parte de atores
a partir de discriminar em prazos de tempo muito estatais e não estatais.
qualquer pon- curtos, com a permanente ameaça Continuará a aumentar o uso do
to do planeta, da deceção. Isto exigirá um esforço espaço exterior por atores estatais e
obrigando os crescente na formação do pessoal, empresas privadas, o que, juntamen-
serviços de que o capacite para que obtenha o te com a miniaturização e crescente
inteligência máximo rendimento. resolução dos sensores, dificultará a
a atuar cada Dado que os riscos e as ameaças ocultação de infraestruturas e ativida-
vez mais nes-
terão uma natureza cada vez mais des de caráter sensível ou secreto.
te domínio»
difusa, as diferentes agências e orga- No ciberespaço continuarão a
nizações estatais (serviços secretos, aumentar as atividades de todo o
inteligência militar, policial, etc.) e tipo por atores estatais, privados e até
privadas coordenarão as suas ativida- mesmo por indivíduos com capacida-
des em equipas combinadas para o des letais.
efeito mediante uma atuação federa- Manter-se-á o crescimento expo-
da. O êxito assentará na capacidade nencial das informações disponíveis e
de explorar ao máximo as respetivas das capacidades de armazenamento
especialidades, integrando esforços. e tratamento das mesmas.
A tendência será para reforçar e O ciclo de decisão continuará a
institucionalizar o diálogo entre as encurtar-se dramaticamente, enquan-
diferentes agências e organizações to a responsabilidade e capacidade
responsáveis por proporcionar inte- para decidir o quê e quando é que se
ligência que, neste contexto, terão envia aos decisores será delegada a
que ser extraordinariamente flexíveis, níveis cada vez mais baixos, para se
resilientes, adaptativas para serem garantir a oportunidade.
capazes de responder imediatamente Portanto, será necessário rever os
a mudanças de qualquer natureza. métodos e procedimentos para os
Aumentará exponencialmente a tornar mais ágeis e eficazes, impulsio-
capacidade de produção de Inteligên- nando o desenvolvimento de novas
cia na área privada, especialmente no e potentes ferramentas altamente
mundo empresarial. Também o farão tecnicizadas, o que intensificará a
as «federações de inteligência» que necessidade de uma alta qualificação
integrem atores públicos e privados do pessoal.
(«inteligência alargada»). A atividade no espaço exterior
A combinação das capacidades será frenética, com atores estatais e
de análise e de resposta operacional privados, o que, juntamente com a
141

permanência de seres humanos em tação.


tal meio sem limitação de tempo, Além disso, o surgimento de atores
permitirá uma maior capacidade não estatais com capacidades letais
de observação da Terra, graças aos desenha um cenário em que a neces-
avanços previstos em sensores multi- sidade de partilhar será cada vez mais
espectrais com altíssimas resoluções urgente.
e em satélites inteligentes a trabalhar Isto obrigará os serviços de inteligên-
em rede. O risco nesta área aumen- cia estatais a enquadrar as empresas
tará devido à crescente atuação de e vice-versa, dado que a economia
redes criminosas e terroristas. também será um domínio de confron-
O ciberespaço ter-se-á configura- tação.
do como uma área de conflito em Só as altas potências ou as orga-
que surgirão constantemente novas nizações internacionais é que terão
ameaças e riscos. O conceito de capacidade para se implantarem no
segurança será dinâmico e os planos espaço com capacidades defensi-
de segurança derivados necessitarão vas-ofensivas, mas isto será objeto da
de revisões constantes, dada a velo- inteligência de todos os atores, gran- «No Ocidente
cidade da evolução de ameaças e des e pequenos. continuará a
riscos. O ciberespaço, com redes muito impor-se pro-
complexas em que um enorme gressivamente
um modelo
•  Influência na área da segurança volume heterogéneo de dados e
de sociedade
informações fluirá a alta velocidade,
líquida»
As potências emergentes estarão exigirá uma grande especialização do
cada vez mais presentes, especial- pessoal e que se disponha de potentes
mente a China, e em áreas em que ferramentas tecnológicas de última
até agora não tinha havido confron- geração, que garantam a elaboração

La era de la información
142 Panorama de tendências geopolíticas
Horizonte 2040

de inteligência a partir desse universo avanços tecnológicos. Os procedi-


de dados e informações. mentos de inteligência, assim como as
A crescente urbanização também suas diferentes subdisciplinas, necessi-
levará ao desenvolvimento de even- tarão de evoluir rápida e eficazmente
tuais conflitos em zonas urbanas, onde para fazerem face aos novos desafios.
a inteligência deverá proporcionar A segurança nacional será enten-
informações precisas em tempo real dida como um conceito integral, que
sobre os objetivos para evitar baixas requererá a constante remodelação
civis. dos planos de inteligência específicos
Atores estatais e não estatais para as diferentes dimensões.
poderão difundir notícias falsas nas
redes sociais a partir de qualquer
ponto do planeta, obrigando os
serviços de inteligência a atuar cada
vez mais neste domínio, o que, junta-
mente com o ciberespaço, requererá
atenção permanente, onde terroris-
mo, crime organizado e radicalismos
ideológicos e religiosos requererão
uma maior especialização.
As organizações de inteligência
da União Europeia e da NATO conti-
nuarão a aumentar a sua cooperação
interna e externa, impulsionadas pelo
princípio da necessidade de partilhar,
o que multiplicará as suas capacida-
des, resiliência e adaptação face a
riscos e ameaças.
Continuarão a ser objeto prioritário “As diferentes agências e
de interesse a Rússia, o Magreb e o organizações estatais e privadas
Sahel, zonas em que, para se fazer face coordenarão as suas atividades
de forma eficaz a riscos e ameaças em equipas combinadas de
não partilhados, será necessário esta- pessoal altamente especializado,
belecer acordos com os Governos esfumando-se a separação entre
destas áreas, onde ciberameaças, analistas e operacionais. Será
terrorismo e crime organizado conti- objeto de atenção crescente
a difusão de desinformações,
nuarão a ser atores destacados.
juntamente com um crescimento
As tendências nas áreas globais
exponencial das informações
e regionais afetarão igualmente a disponíveis, exigindo potentes
área nacional, o que imporá a impe- capacidades tecnológicas
riosa necessidade de uma atuação para as discriminar, enquanto a
federada dos diferentes serviços de capacidade para decidir será
inteligência, dotados de pessoal com delegada a níveis cada vez mais
uma formação que permitirá que se baixos”
mantenha atualizado em termos de
A teconologia
145

A tecnologia

•  Definição e relevância Este desenvolvimento, juntamente


com os avanços em robótica, tecnolo-
Uma das características da gia da eficiência energética (incluindo
evolução das tecnologias está preci- a energia nuclear de fusão), os novos
samente no facto de estas serem materiais, a nanotecnologia, a engen-
disruptivas, pelo que devemos estar haria biónica, os sistemas biométricos,
preparados para que nos surpreen- a medicina e a alimentação, configu-
dam com um futuro radicalmente ram um futuro que estará repleto de
diferente do presente. As novas tecno- grandes oportunidades e surpreen-
logias estão a provocar mudanças dentes progressos disruptivos.
a todos os níveis: nas pessoas, nas Por outro lado, esses mesmos
sociedades e nos Estados, afetando avanços tecnológicos facilitarão o
de forma determinante as relações progressivo empoderamento das
entre eles e, portanto, a estabilidade potências emergentes revisionistas e
e a segurança. de redes criminosas e terroristas que
Um dos responsáveis por este poderão configurar um novo e cres-
complexo processo de evolução e cente sistema complexo de tensões,
mudança é o exponencial desen- instabilidades e ameaças.
volvimento das tecnologias da
informação e da comunicação •  Evolução no tempo
(TIC) que, com os seus progressos
tecnológicos contínuos, modulam a O progresso tecnológico continua-
sociedade empurrando-a para uma rá a acelerar-se com um ecossistema
constante e imparável necessidade de aplicações, computadores, redes e
de transformação e adaptação, nem sistemas que beneficiarão mutuamen-
sempre bem sucedidas. Desta forma, te dos respetivos avanços, numa espiral
a linha que separa a tecnologia dos crescente, interativa e dinâmica.
meios de comunicação é cada vez Prova disto é aquilo que é conhe-
mais ténue. cido como «Internet das coisas», que

A tecnologia
146 Panorama de tendências geopolíticas
Horizonte 2040

conseguirá que todos os elementos robótica, impulsionarão esta tendên-


do ciberespaço comuniquem entre cia para capacidades ainda
si: humanos com humanos, humanos desconhecidas. Ecrãs flexíveis, chips
com objetos e objetos entre si. neurológicos que permitam o contro-
Esta tecnologia permitirá que todos os lo de dispositivos com a mente e os
que se encontrem numa mesma rede olhos, acesso maioritário à realida-
(humanos e objetos) permutem infor- de virtual, expansão da publicidade
mações e efetuem ações a partir dos holográfica ou dispositivos de visão
dados recebidos, de forma autónoma. de 360o são apenas uma amostra das
Com a ajuda do que precede, e infinitas possibilidades.
impulsionando-se mutuamente, estará A robótica, que incorpora muitas
o big data, que consiste no armaze- das tecnologias que mencionámos,
namento de grandes quantidades afetará progressivamente a forma
de dados para o seu processamento de vida das pessoas e, portanto, das
posterior, o que levará ao desenvolvi- sociedades. Desde múltiplos trabalhos
mento de potentes sistemas de análise caseiros até às aplicações militares
e controlo dos mesmos. de todo o tipo, passando pela meca-
Outro dos grandes setores será o da nização na indústria, a robotização
IA, que conseguirá fazer com que os ir-se-á generalizando.
aparelhos inteligentes sejam progres- À medida que a IA faça progredir
sivamente mais intuitivos, eficazes e a autonomia dos robôs e a sua capa-
aprendam melhor e mais rapidamen- cidade de decisão, será necessário
te. A IA terá um impacto especial nos definir áreas legais e normativas para
avanços em robótica. regular a interação entre humanos e
Continuar-se-á a avançar nas robôs, assim como entre os robôs, a
tecnologias de eficiência energética, nível internacional, regional, nacional
o que irá melhorando progressiva- e local, chegando inclusivamente à
«A robótica
mente a autonomia de todo o tipo área privada. Isto, por sua vez, provo-
afetará pro-
gressivamen- de dispositivos e equipamentos, facili- cará dilemas ético-morais.
te a forma tando, além disso, a redução do peso Simultaneamente irá ocorrendo
de vida das e tamanho dos mesmos. Veículos de uma revolução baseada nos novos
pessoas e, transporte, robôs, drones, entre outros, materiais, tais como o grafeno que,
portanto, das serão especialmente beneficiados além de bom condutor, é duzentas
sociedades» com estes avanços nas áreas terres- vezes mais resistente do que o aço e
tre, marítima (superfície e submarina), de peso muito inferior. Isto permitirá
aérea e espacial. meios de transporte mais resistentes e
Impulsionada pelas anteriores, e leves, reduzindo enormemente o seu
beneficiando-as por sua vez, a nano- consumo e aumentando a sua auto-
tecnologia continuará a progredir, nomia, assim como que os cabos de
tornando mais eficientes e potentes fibra ótica sejam centenas de vezes
todos os tipos de equipamentos. O mais rápidos do que os atuais.
aumento de potência dos chips (que O aparecimento de novos mate-
verão a sua capacidade duplicada riais inteligentes proporcionará uma
de dois em dois anos) juntamente enorme variedade de recursos
com a progressiva miniaturização da para uma infinidade de aplicações
147

que marcarão o futuro da huma- Os avanços em computação


nidade, como os transportes, os poderão significar a mudança mais
equipamentos, a exploração espa- dramática. Espera-se que antes de
cial, a computação quântica, a 2030 seja produzido o «singularity»,
medicina ou o melhor aproveitamen- isto é, um computador que superará
to das energias renováveis, apenas o cérebro humano. Em 2050, um só
para mencionar alguns. computador poderá superar o poder

A tecnologia
148 Panorama de tendências geopolíticas
Horizonte 2040

cerebral de todos os seres humanos dos recursos alimentares graças às


juntos, o que é conhecido como «a técnicas de modificação genética.
singularidade da singularidade». Também melhorará a eficiência e
Se isto chegar a ocorrer, a nossa resiliência da pecuária, incidindo posi-
futura relação com eles será imprevi- tivamente na segurança alimentar.
sível. Serão especialmente significativos os
Estes avanços colocarão à nossa avanços nas tecnologias que permi-
«A justapo- disposição capacidades como a tirão o aumento da disponibilidade de
sição dos
tradução imediata automática, que recursos hídricos.
avanços
nos permitirá falar na língua local de
tecnológicos
atuará como qualquer parte do mundo; a imagem •  Influência na área da segurança
um impulso em 3D; as missões espaciais a plane-
exponencial tas e asteroides para podermos extrair A justaposição dos avanços tecno-
acumulativo, os seus recursos, juntamente com um lógicos atuará como um impulso
que provo- maior conhecimento do universo, exponencial acumulativo que provo-
cará o apa- e o surgimento de uma sociedade cará o aparecimento de novidades
recimento de hiperconectada, que criará desafios, a um ritmo cada vez mais acelerado,
novidades a vantagens, tensões e ameaças. obrigando a um esforço constante e
um ritmo cada Seguir-se-ão os avanços em medici- crescente para a dotação das capa-
vez mais ace- na, com um grande progresso na área cidades de última geração, que
lerado»
da engenharia biónica baseada na deixarão os equipamentos e materiais
nanotecnologia a nível celular (que obsoletos a alta velocidade.
desenvolverá métodos cada vez mais Além disso, esta tendência obrigará
eficazes para a deteção e o trata- à dotação de um pessoal altamente
mento de doenças), ou dos tecidos qualificado e com crescente capa-
sensorizados, chamados inteligentes, cidade de autoformação, capaz de
que nos informarão sobre a nossa se manter ao ritmo da evolução num
saúde e permitirão o seguimento universo de tecnologias interdepen-
do nosso historial médico através do dentes em que as capacidades serão
próprio genoma. Também se avança- cada vez mais eficazes, mais rápidas e
rá na decifragem do código cerebral, mais letais.
no desenvolvimento da comunicação As TIC, impulsionadas pela globa-
telepática e no abrandamento do lização, permitirão o acesso a todo
metabolismo humano, que permitirá o planeta, exercendo assim uma
um significativo avanço para as futu- influência a nível mundial. Tal capa-
ras viagens espaciais. A telemedicina cidade de influência será positiva
e o atendimento virtual serão uma das em muitas áreas, mas noutras será
principais tendências nas próximas negativa: quando for utilizada por
décadas. A robótica irá substituin- potências revisionistas, o terrorismo e o
do progressivamente a intervenção crime organizado, que aproveitando
humana e o uso de drones permitirá a enorme variedade de tecnologias
uma resposta mais rápida dos serviços disponíveis (comunicações encripta-
de saúde. das, robótica, ou drones) aumentarão
Ocorrerão avanços na área da significativamente o espetro da sua
alimentação e do aproveitamento ameaça.
149

A guerra das informações, cada vez Além disso, os avanços em IA permi-


mais apoiada nas diferentes tecnolo- tirão os ataques em enxame, com
gias, será progressivamente mais real crescente capacidade de saturação
e decisiva. De igual modo, o cibe- dos sistemas de segurança e também
respaço e o espaço exterior ir-se-ão de defesa. Isto fará com que ambas
impondo como domínios de confron- as áreas sejam cada vez mais interde-
tação, altamente tecnicizados, que pendentes.
imporão as suas próprias dinâmicas e, Os avanços em miniaturização e
em alguns casos, chegarão a dominar nanotecnologia possibilitarão inclu-
os clássicos terrestre, naval e aéreo. sivamente o empoderamento de
Na mesma linha, terão um peso indivíduos isolados que, dotados
crescente e determinante os siste- com os conhecimentos necessários,
mas de armas robóticos, com uma podem levar a cabo ações letais, de
crescente capacidade de decisão potenciais efeitos desestabilizadores
autónoma e miniaturização, pelo nas áreas social e internacional.
que estarão à disposição, não só de Desta forma, tanto empresas como
potências, mas também de orga- organismos públicos, em especial
nizações terroristas, criminosos ou as Forças de Segurança e Defesa,
movimentos radicais. deverão prestar cada vez mais impor-

A tecnologia
150 Panorama de tendências geopolíticas
Horizonte 2040

tância aos seus sistemas de vigilância desaparecendo da área da confron-


tecnológica. tação direta.
O progresso tecnológico será A segurança europeia dependerá
cada vez mais determinante para o da sua capacidade para avançar ao
crescimento económico e o desen- ritmo das novas tecnologias, o que de
volvimento das sociedades (o ritmo momento não está garantido, dado
de crescimento da economia digi- que necessitará da cooperação de
tal é sete vezes superior ao do resto todos para reunir esforços que permi-
da economia), dado que a segu- tam que a indústria europeia recupere
rança que os protege será altamente uma posição entre as potências em
dependente da capacidade tecnoló- investigação, desenvolvimento e
«A guerra das gica dos Estados e das organizações inovação.
informações, regionais. Desta forma, o principal risco é uma
cada vez Os avanços dos sistemas biométri- Europa que vá sendo progressivamen-
mais apoiada cos aumentarão a capacidade para te mais dependente da tecnologia do
nas diferentes o controlo de acesso a sistemas e exterior. Tanto a NATO como a União
tecnologias, instalações críticas, controlos de fron- Europeia se estão a esforçar para
será progres- teiras, etc. O desenvolvimento deste criarem os canais que facilitem a
sivamente tipo de tecnologia permitirá progres- evolução tecnológica, o que incidi-
mais real e sivamente a generalização do seu rá positivamente na segurança e na
decisiva»
uso e implantação em todo o tipo de defesa, caso sejam bem sucedidas.
suportes. No Magreb destaca-se Marrocos,
Os avanços tecnológicos permitirão que tem um dos maiores índices de
um crescente controlo dos escalões desenvolvimento económico e conti-
inferiores, conseguindo uma maior nua a forjar a sua posição de líder
precisão e eficácia nas operações, africano em muitas áreas, das quais
pelo facto de otimizar o número de se destacam as energias renová-
pessoas e tipos de armas, auxiliados veis, procurando cobrir 40% das suas
por sistemas que podem ser operados necessidades até 2020. É, além disso,
a partir de vários milhares de quilóme- o primeiro país do Norte de África e
tros. o quarto do continente em incorpo-
Esses mesmos avanços permitirão ração das TIC, com um crescimento
a redução da vulnerabilidade huma- exponencial de cerca de 9% ao ano.
na mediante tecidos inteligentes e O Sahel é uma região cuja carên-
materiais que aligeirarão a proteção, cia crónica de recursos económicos
complementados com uma grande e infraestruturas dificultará a sua incor-
variedade de sensores e sistemas de poração nas novas tecnologias, o que
armas portáteis, ofuscando a fronteira impede o desenvolvimento de ameaças
entre o combatente robô e o humano. próprias, mas tornando-a muito vulne-
Não parece irreal pensar-se num rável face às mesmas. Esta fragilidade
cenário de máquinas e humanos converte-a numa eventual plataforma
controlando-se uns aos outros e lutan- a partir da qual tais tecnologias podem
do contra os seus adversários, por sua ser utilizadas por organizações terroris-
vez máquinas e humanos, com uma tas, criminosas, movimentos radicais e
clara tendência de os últimos irem até mesmo indivíduos.
151

A Espanha, imersa na NATO e na O avanço cada vez mais frenético


UE, seguirá a evolução de ambas as da evolução tecnológica obrigará
organizações, que reforçam a sua resi- a uma interdependência cada vez
liência face às ameaças que surgirão maior entre as Forças Armadas e as
dos avanços tecnológicos. A partici- Forças de Segurança do Estado, assim
pação em iniciativas de cooperação como a uma exigência crescente na
regional será determinante quando formação e especialização técnica
se tratar de garantir que não se perca do pessoal que as compõe, que deve-
o ritmo de progresso tecnológico rá abranger um leque de disciplinas
nacional. cada vez mais amplo.

“O progresso tecnológico será


cada vez mais determinante para
o crescimento económico e o
desenvolvimento das sociedades,
dado que a segurança que
os protege será altamente
dependente da capacidade
tecnológica dos Estados
e das organizações regionais»

A tecnologia
Conflituosidade e Defesa
153

Conflituosidade e Defesa

•  Definição e relevância integrada, serão capazes de desen-


volver todo o espetro das operações
As FAS encontram-se no limiar de militares. As restantes potências fá-lo-
uma nova era que vai condicionar o ão limitadamente em função do seu
seu modo de combater, os ambientes poder nacional ou do seu nível de
operacionais em que o vão fazer, as ambição. Normalmente, orbitarão no
características dos seus componentes ambiente das altas potências num
e, inclusivamente, a conceção dos mundo que tenderá para um mode-
conflitos e da própria segurança dos lo desequilibrado e multipolar e que
Estados e das sociedades. será dominado pelos Estados Unidos e
Pela sua relevância, as tendências pela China. Esta última terá acabado
relativas às FAS incidem nos aspetos de emergir e disputará a primazia nos
operacionais, tecnológicos, humanos assuntos mundiais.
e orçamentais que são os que vão — As guerras serão cada vez mais
definir a sua estrutura, as suas carac- híbridas, mais cinzentas e mais
terísticas, os seus modos de utilização urbanas.
e os seus cenários de atuação futuros. Nos próximos anos, as guerras
serão cada vez mais híbridas, com
•  Evolução no tempo uma combinação de operações
convencionais e não convencionais,
— O mundo será multipolar e será guerra cibernética e ações de infor-
dominado militarmente pela mação, e ocorrerão de preferência
China e pelos Estados Unidos. nos espaços cinzentos, onde a ação
Duas grandes potências - a China e dos Governos é limitada ou, simples-
os Estados Unidos - e, em menor grau, mente, inexistente. A atuação nestes
a Rússia, a Índia e, se for caso disso, ambientes será a norma geral dos
uma União Europeia militarmente exércitos.

Conflituosidade e Defesa
154 Panorama de tendências geopolíticas
Horizonte 2040

«As guerras
serão cada
vez mais
híbridas, mais As guerras também serão muito mais e desinformação, juntamente com
cinzentas e urbanas e terão lugar cada vez mais abundante tráfego nas redes sociais
mais urbanas» em megalópoles com populações convenientemente exercido para
de mais de 10 milhões de habitantes. esmagar as opiniões públicas, torna-
Será nas cidades que os adversários rá impossível a formação constante e
tentarão atacar os exércitos conven- especializada das sociedades sobre
cionais e não nos campos abertos ou os conflitos. Desta forma, as guerras
nos desertos, onde estes têm vanta- poderão ser ganhas antes do início
gem. das operações militares. As ações de
A luta em zonas urbanizadas influência também complicarão a
passará a converter-se na forma prin- capacidade dos exércitos para obte-
cipal de combate; não obstante, as rem e manterem uma compreensão
guerras só serão ganhas caso se domi- precisa, atualizada e guiada pela
nem os grandes espaços vazios que situação da inteligência em cada
circundam as cidades. As manobras instante. Nos piores casos, os exérci-
continuarão a ser necessárias. tos serão incapazes de controlar o seu
— As guerras poderão ser ganhas ambiente de informação.
antes do início das operações 155
militares. A ciberguerra será a primeira guerra
As ações de influência nas opiniões que será necessário ganhar.
públicas próprias e alheias e nas FAS A guerra na Internet será um aspeto
serão determinantes. Os exércitos de fundamental do campo de batalha e
especuladores a difundir notícias falsas será medida em termos de intercâm-
155

bios de ciberataques com os atores A globalização tecnológica


informáticos inimigos. A importância implicará um aumento da confli-
da proteção da tecnologia fará com tuosidade, dado o maior acesso à
que a ciberguerra seja fundamental tecnologia pelos diferentes atores.
em qualquer conflito. Não se trata de Grupos pequenos, e até mesmo
uma faceta da guerra, mas sim de indivíduos, mas com fácil acesso às
uma guerra em si mesma, travada com tecnologias que governam o cibe-
caráter permanente e em que o esta- respaço, as armas de destruição
do de paz não existe. Nenhum exército maciça nuclear, biológica, radioló-
moderno operará ofensivamente sem gica e química, converter-se-ão em
ter resolvido favoravelmente a sua superameaças capazes de alterar o
dimensão cibernética. ambiente de segurança e redefinir as
«A cibergue-
Os exércitos que contem com condições de resolução dos confli- rra será a
pessoal mais formado nos novos tos. Os lobos solitários e as pequenas primeira gue-
ambientes tecnológicos terão vanta- células terão o poder de concorrer rra que será
gem. Nesta área, as potências em nível de violência com muitos necessário
tecnológicas, como a China e os dos Estados atuais. À medida que ganhar»
Estados Unidos, e talvez a Índia e a as vantagens tecnológicas dos Esta-
Rússia, estarão mais bem posiciona- dos desaparecem, a distinção entre
das. Boa parte do know-how futuro paz e guerra esfumar-se-á, tal como
concentrar-se-á nas suas mãos. Outras acontecerá com a dimensão interna
regiões, como a Europa, arriscam-se e externa da segurança, que será
a ficar atrasadas se experimentarem única.
uma perda crescente de competên- —  Na guerra dos ene blocos, a
cias tecnológicas críticas. IA gerirá a complexidade do
— As vantagens tecnológicas dos universo de dados.
Estados desaparecerão. Os exércitos combaterão em
A velocidade exponencial do guerras de ene blocos, onde inte-
desenvolvimento da tecnologia das ragirão com o seu ambiente como
informações fará com que as FAS não um sistema de sistemas formado por
possam assumir que terão os melho- camadas ou domínios que se interrela-
res computadores, drones ou sistemas cionarão entre si de forma complexa
informáticos no campo de batalha e desordenada. O êxito dos exércitos
futuro. Os equipamentos e sistemas e o fator que marcará a diferença
militares tornar-se-ão mais pequenos, entre uns e outros dependerão da sua
mais baratos e mais amplamente capacidade de gerir a complexida-
disponíveis, e será normal contar-se de do universo de dados. O segredo
com estruturas operacionais formadas para o fazer será a utilização maciça
por enxames de drones, batalhões da inteligência artificial e da robótica,
automatizados de carros de combate que permitirão uma maior interação
ou frotas que operarão autonoma- homem-máquina. Os robôs disporão
mente. de software capaz de entender, gerir
A conflituosidade aumentará. A e atuar por si mesmo. Mais ainda: os
distinção entre paz e guerra esfu- robôs pensarão mais rapidamente e
mar-se-á. A segurança será única. melhor do que os humanos.

Conflituosidade e Defesa
156 Panorama de tendências geopolíticas
Horizonte 2040

— As FAS organizar-se-ão em um maior número de subordinados.


pequenas equipas que comba- Os robôs dotados de IA aprenderão
terão em todas as áreas da a aprender. As lições serão adqui-
guerra. ridas imediatamente e da mesma
Os inimigos futuros não pensarão, forma introduzidas nos processos
nem combaterão, nem partilharão os militares, inclusivamente durante as
nossos valores, motivações e objetivos, operações. Estas serão rapidamente
mas serão capazes de atuar tão letal- modificadas, seguindo um processo
mente como nós e fazê-lo em múltiplos de realimentação ininterrupto e em
domínios (terra, mar, ar, espaço e cibe- tempo real.
respaço). A resposta exigirá FAS muito — Os soldados verão através do
mais ágeis, organizadas em pequenas nevoeiro da guerra.
equipas, mas que possam combater Os avanços na ciência biométri-
como as grandes unidades atuais e ca permitirão que os soldados lutem
fazê-lo, simultaneamente, simétrica e com armas com as quais interagem
assimetricamente, em todas as áreas ininterruptamente. Os avanços em
e em todas as modalidades da guerra. nanotecnologia permitirão novos
— Todos os soldados serão militares modelos de gestão da saúde dos
estratégicos. exércitos. Os nanochips poderão
Nas operações, todos serão militares analisar continuamente os fluidos e,
estratégicos que adquirem, transmi- inclusivamente, o estado anímico dos
tem e processam as informações em combatentes. Os sistemas de gestão
tempo real assistidos tecnologicamen- da decisão híbridos (humanos e robôs)
te. O software estará na rede e com conhecerão a todo o momento o
isso tudo o que é necessário para a estado da força e a sua capacidade
tomada de decisões, desde os proce- operacional. Poder-se-ão modificar os
dimentos até às ordens de operações. parâmetros de comportamento dos
Pelo facto de os níveis de inteligência combatentes.
aumentar e de se multiplicar a velo- A hipervisão, os sistemas potencia-
cidade de informação com que os dores dos sentidos, permitirão que se
exércitos trabalham, as decisões serão vejam e captem coisas para além
tomadas quase imediatamente, o do convencional. Poder-se-á adqui-
que permitirá que as operações sejam rir todo o conhecimento necessário e
«A distinção mais rápidas, mais simples e mais letais. utilizá-lo para melhorar a aprendiza-
entre paz e — A IA e a robótica permitirão estru- gem. Os chefes militares conhecerão
guerra esfu- turas operacionais mais horizontais. continuamente o que passa do outro
mar-se-á. A IA e a robótica permitirão o lado da colina, e poderão sentir o
A segurança aumento exponencial da capacida- campo de batalha.
será única» de de gestão. As atividades ordinárias O nevoeiro da guerra tenderá a
e as operações militares poderão ser diminuir drasticamente.
mais complexas, mas serão efetua- Os processos serão movidos para o
das com estruturas operacionais mais local da produção de dados.
horizontais. As esferas de controlo em As equipas militares estarão dota-
cada nível de comando aumentarão, das de um número crescente de
dado que os decisores poderão gerir sensores, que funcionarão como redes
157

A tecnologia
compensará
a demogra-
fia. Os robôs
neuronais capazes de ler os dados em comando operacional) que têm uma assaltarão as
tempo real e ativar respostas de forma forte componente subjetiva é que trincheiras
automática. Poder-se-ão aplicar, necessitarão de intervenção humana.
por exemplo, em drones capazes de A dependência da tecnologia fará
captar-processar-responder automati- com que os sistemas tenham que
camente em função das informações aumentar a sua resistência, de forma
que o ambiente lhes proporciona. que sejam robustos e fiáveis a todo o
— A Internet das coisas simplificará momento e em qualquer circunstân-
a gestão logística. Os equipa- cia climatérica ou operacional.
mentos serão mais robustos. — A tecnologia compensará a
A Internet das coisas simplificará a demografia. Os robôs assaltarão
gestão logística, que será totalmente as trincheiras.
automatizada. Os avanços tecnológicos em robó-
A velocidade da gestão logística tica e IA permitirão a compensação
será restringida pelos limites que a físi- da queda do man power nas FAS em
ca impõe à nanotecnologia (caso um consequência do envelhecimento
pneu se fure, o sistema logístico dete- da população. As sociedades com
tá-lo-á e gerirá automaticamente a poucos jovens estarão dispostas a
sua reparação). assumir mais riscos, dado que uma
Os sistemas de gestão logística e de boa parte destes recairá nos sistemas
pessoal estarão totalmente unificados robotizados.
e serão controlados por capacidades A tecnologia atuará como um
multidomínio. Todos os procedimen- compensador da demografia.
tos serão tratados imediatamente. Só Por conseguinte, haverá uma maior
as decisões de gestão extraordinárias facilidade para aceitar «tropas no
(por exemplo, a nomeação de um terreno». Nas guerras do futuro, o

Conflituosidade e Defesa
158 Panorama de tendências geopolíticas
Horizonte 2040

primeiro a assaltar uma trincheira será — As redes sociais serão híbridas
um robô. e apresentarão novos dilemas
Desta forma, os exércitos e armadas morais.
do século xxi serão muito mais reduzi- robôs? Um robô pode negociar
dos, mais profissionais e altamente em seu nome? Pode tomar decisões
tecnicizados, onde o que será mais críticas que afetem a segurança de
valorizado será a habilidade para um Estado ou o resultado de uma
manipular sistemas de armas extre- operação? O mesmo acontecerá
mamente complexos e robotizados, com os dilemas morais: Quem é que
que terão substituído progressivamen- dispara, quem é que decide?
Os orçamen- te os exércitos massificados do século — Gastar-se-á mais em armas e
tos de defesa xx. menos em manteiga.
dos Estados — Os líderes serão algoritmos. O menor crescimento da popu-
aumentarão A IA e a robótica alterarão o lação, acompanhado dos aumentos
sensivelmente conceito de liderança. Em processos de rendimento per capita dos países
nos próximos
rotineiros, as decisões serão toma- mais desenvolvidos ampliará o fosso
anos, para
se estabiliza-
rem no longo
prazo

das ordinariamente pelos robôs («o entre países ricos e países pobres e
meu chefe será um algoritmo»), aumentará os riscos geopolíticos. Isto
embora os processos de tomada de levará a maiores
decisão críticos continuem em mãos As redes sociais desempenharão
humanas. A ciência da guerra fica- um papel fundamental na forma de
rá automatizada, enquanto a arte comportamento dos exércitos e serão
da guerra continuará a ter caráter híbridas de humanos e não humanos.
humano. Os dilemas éticos aumentarão. Será
159

necessário resolver questões operacio- lo mais rapidamente do que o inimigo.


nais como: Que relações de comando Se tal não for conseguido (cisne
é que existirão com os negro), a União Europeia desapa-
necessidades de defesa, o que se recerá ou, no melhor dos casos,
traduzirá em maior instabilidade. Ao converter-se-á numa organização
mesmo tempo, o envelhecimento das militarmente irrelevante. A Europa
populações da maior parte dos países ficará relegada a servir os interesses de
exigirá um aumento significativo da outras potências.
despesa social. As maiores necessida- Os orçamentos de defesa dos Esta-
des de despesa social e de segurança dos aumentarão sensivelmente nos
e defesa aumentarão os desequilíbrios próximos anos para se estabilizarem
financeiros em défice e dívida. no longo prazo.
Por outro lado, o aumento dos A UE disporá de um orçamento
conflitos e as maiores solicitações de comum para a sua política de segu-
segurança propiciarão a tendência rança e defesa, que irá aumentando
crescente para o aumento dos orça- progressivamente.
mentos de defesa a nível internacional As FAS espanholas estarão total-
durante os próximos anos, que se esta- mente integradas em estruturas
bilizará com pequenas variações no supranacionais europeias. Ter-se-á
muito longo prazo. conseguido uma adequada intero-
Este processo também ocorrerá na perabilidade com os exércitos de
Espanha, com um importante cresci- outros países europeus, suficiente para
mento sustentado durante quase um a execução de operações milita-
decénio e uma certa estabilidade res complexas em todo o espetro do
posterior. conflito. «As FAS terão
A União Europeia continuará o Não obstante, as FAS espanholas um maior
seu processo de decadência glorio- continuarão a garantir a segurança protagonismo
sa e o seu peso geopolítico e, por nacional face a qualquer política de na luta global
conseguinte, militar, irá diminuindo factos consumados a que seja neces- contra o terro-
progressivamente. A sua ambição mili- sário dar uma resposta solitária. A rismo, assim
tar ficará limitada à consecução da dissuasão continuará a basear-se no como face a
estabilidade no seu ambiente próxi- gradiente de poder, também militar, ameaças não
estritamen-
mo e as suas intervenções militares com potenciais ameaças. As capa-
te militares,
centrar-se-ão de preferência na África cidades militares deverão permitir à
como o trá-
e, ocasionalmente, no Médio Oriente. Espanha atuações autónomas. fico de dro-
Os estados da União Europeia inte- As FAS terão um maior protagonis- gas, o crime
grarão militarmente as suas estruturas, mo na luta global contra o terrorismo, organizado ou
procedimentos, cenários de atuação assim como face a ameaças não a cibercrimi-
e financiamento. estritamente militares, como o tráfico nalidade»
As FAS europeias contarão com as de drogas, o crime organizado ou a
tecnologias mais avançadas e serão cibercriminalidade.
capazes de desenvolver todo o espe- Também aumentarão a sua partici-
tro das operações militares, atuar em pação em situações de emergência
ambientes voláteis, mudar quando tal provocadas por catástrofes naturais
for exigido pelas circunstâncias e fazê- ou humanas e poderão contribuir

Conflituosidade e Defesa
160 Panorama de tendências geopolíticas
Horizonte 2040

para determinadas tarefas próprias da de à aquisição dos materiais e meios


administração civil. técnicos que exijam menores esforços
Os exércitos constituirão uma estru- de pessoal. Não obstante, a tecno-
tura de força totalmente integrada, logia compensará parcialmente a
expedicionária, que trabalhará em demografia, que no ano de 2040 fará
rede, de forma descentralizada e com sentir o seu declínio.
uma capacidade de confrontação e Ter-se-á unificado a doutrina, a
de adaptação a ambientes variáveis organização, a logística e a gestão
muito superior à atual. Ter-se-á conse- do pessoal. Ter-se-á conseguido uma
guido a unificação completa a níveis cultura conjunta que permitirá a
estratégico e operacional e uma gestão das FAS como uma estrutura
adequada integração a nível tático. única. Em última análise, terá havido
O recrutamento continuará a ser um uma profunda transformação que,
dos pontos mais débeis da política mili- enquanto garante o caráter único,
tar. Condicionará o nível de ambição permitirá a gestão das FAS como um
militar nacional e a capacidade das todo, evitando duplicações entre
FAS de gerar forças e de as suster no as diferentes estruturas militares. Ao
tempo. mesmo tempo, a tecnologia e as
As operações militares exclusi- sinergias obtidas pela unificação de
vamente nacionais deverão ser estruturas permitirão a redução sensí-
resolvidas de forma rápida e contun- vel do pessoal dedicado à direção
dente, com conhecimento de que e gestão em benefício da força,
não será possível contar com grandes reforçando o caráter operacional da
volumes de reforço. Dar-se-á priorida- mesma.

“A globalização tecnológica
implicará um aumento da
conflituosidade, dado o maior
acesso à tecnologia por diferentes
atores estatais e não estatais. Os
exércitos e armadas do século
XXI serão muito mais pequenos,
mais profissionais e altamente
tecnicizados, onde o que será
mais valorizado será a habilidade
para manipular sistemas de armas
extremamente complexos e
robotizados
161

Agradecimentos
De acordo com a metodologia utili- —  Agencia de Cooperación y
zada, considerámos imprescindível que Desarrollo (AECID)
se apoie esta primeira experiência no —  Agencia Estatal de Meteorolo-
conhecimento, intuição e julgamento gía (AEMET)
de numerosos profissionais e autênti- —  Analistas Financieros Internacio-
cos líderes em muito diferentes setores nales, S. A.
da vida civil e militar. Muitos deles com —  ARPA EMC (Equipos Móviles en
uma relação contínua e profunda com Campaña)
o Instituto e outros, em contrapartida, —  Asociación Española de Historia
fruto da oportunidade e da sua gene- Militar (ASEHISMI)
rosidade em atender o nosso requisito —  Asociación por los Derechos
de forma pontual. Tudo o que de bom Humanos en Afganistán (ASDHA)’
este documento tiver será, sem dúvida, —  Banco Europeo de Inversiones
em grande parte graças ao seu pensa- —  Bankia
mento, e os desenvolvimentos menos —  Casa Asia
afortunados, claramente, fruto das —  Campsa
nossas limitações. —  Centro para Asuntos Interna-
Devido a serem numerosas a perso- cio-nales de Barcelona (CIDOB)
nalidades que nos acompanharam —  Cepsa Compañía Energética
nesta primeira aventura, torna-se —  Centro de Estudios de Derecho
impossível nomeá-las e agradecer-lhes Internacional Humanitario de la
pessoalmente as suas visões acertadas, Cruz Roja Española (CEDIH)
pelo que faremos unicamente eco das —  Centro de Enseñanza Superior
instituições, que listamos em ordem (CES) Cardenal Cisneros de Madrid
alfabética. Esperamos continuar com —  Centro de Estudios de Iberoamé-
o programa «Futuros» e poder conti- rica (CEIB)
nuar com a sua publicação nos anos —  Centro de Estudios de Seguridad
seguintes e alcançar a maturidade (CESEG)
de outros projetos: «Panorama estra- —  Centro de Estudios Universitarios
tégico» que este ano alcançou a sua (CEDEU)
vigésima-primeira edição, «Panorama —  Centro de Investigaciones
geopolítico dos conflitos», cuja oitava Energéticas, Medioambientales y
edição está atualmente em desenvol- Tecnológicas (CIEMAT)
vimento, e «Energia e Geoestratégia» —  Centro de Vigilancia Sanitaria
que já ultrapassou a sua sexta edição. Veterinaria (VISAVET), UCM
Neste continuado esforço pela —  Centro Internacional Toledo
excelência, esperamos continuar a para la Paz (CITpax)
contar com todas elas e, claro está, —  Centro Internacional de Diálogo
aumentar a lista com todas as insti- Interreligioso e Intercultural, KAICIID
tuições empenhadas na paz, na —  Centro Nacional de Microelec-
segurança e no progresso, e com um trónica (CNM)
expresso objetivo de serviço aos cida- —  Centro Nacional para la Protec-
dãos e à nação espanhola. ción de Infraestructuras Críticas

Agradecimentos
162 Panorama de tendências geopolíticas
Horizonte 2040

—  Centro Singular de Investigación —  Fundación de Investigación en


en Tecnologías de la Información, Seguridad y Policía (FINVESPOL)
CITIUS —  Fundación España Digital
—  Centro Universitario de la Defen- —  Gas Natural Fenosa
sa (CUD) de Zaragoza —  Geneva Centre for the Demo-
—  Centro Universitario Villanueva cratic Control of Armed Forces
—  Círculo de Inteligencia (DCAF)
—  Comisiones de Expertos del Centro —  Global Security VP en Telefónica
Superior de Estudios de la Defensa —  Grupo de Estudios de Seguridad
(CESEDEN): Energía, Espacio, Internacional (GESI)
—  Ética Militar, Inteligencia, Nuevas —  Grupo de Física no Lineal, USC
Tecnologías y Prospectiva —  Grupo de Investigación Farma-
—  Compañía Logística de Hidro- tox, USC
carburos (CLH) —  Grupo de Investigación
—  Club Español de la Energía —  Lignocelvalorization, USC
—  Comité Español del Consejo —  Grupo de Investigación de
Mundial de la Energía Nanomateriales, Fotónica y Materia
—  Consejo de Seguridad Nuclear Blanda (NaFoMat), USC
—  Consejo Superior de Investiga- —  Grupo Daorje
ciones Científicas (CSIC) —  Grupo Oesía Network, S. L
—  Cruz Roja Española —  Ibatech Tecnología S. L. U.
—  Departamento de Meteorología —  Iberdrola
de Castilla- La Mancha Media —  IBM España
—  Departamento de Seguridad —  IMDEA Materiales
Nacional —  IMDEA Networks Institute
—  ElevenPaths —  IMDEA Nanociencia
—  Fundación I+D del Software Libre —  Instituto de Cerámica, USC
(FIDESOL) —  Instituto de Cuestiones Interna-
—  Enagás S. A. cionales y Política Exterior (INCIPE)
—  Endesa, Empresa Nacional de —  Instituto de Estudios Sociales, USC
Electricidad S. A. —  Instituto de Fusión Nuclear, UPM
—  Enpetrol, Empresa Nacional de —  Instituto de Hidráulica Ambiental
Petróleo de la Universidad de Cantabria (IH
—  Escuela Técnica Superior de Cantabria)
Ingenieros Industriales de Barcelona —  Instituto de Matemática Indus-
—  Escuela Técnica Superior de trial (ITMATI)
Ingeniería, ICAI —  Instituto de Microelectrónica de
—  Escuela Técnica Superior de Barcelona (IMB)
Ingeniería, USC —  Instituto Galtung de España
—  Fundación Alternativas —  Instituto Internacional de Diplo-
—  Fundación CEDE, Comisión de macia Corporativa (IIDC)
Ética y de Asuntos Sociales —  Instituto Nacional de Cibersegu-
—  Fundación del Observatorio de ridad (INCIBE)
Investigación —  Instituto Geológico y Minero de
España
163

—  Instituto Choiseul España •  Ejército del Aire


—  Instituto Clingendael •  Guardia Civil
—  Instituto Complutense Euro-Me- •  Ministerio de Asuntos Exteriores
diterráneo (EMUI, por sus siglas en y Cooperación (MAEC)
inglés) •  Ministerio de Economía y
—  Instituto Universitario de Ciencias Competitividad
de las Religiones, UCM •  Ministerio del Interior
—  Instituto Universitario General •  Órganos Centrales del Ministe-
Gutiérrez Mellado (IUGM) rio de Defensa
—  ISDEFE, Ingeniería de Sistemas •  Policía Nacional
para la Defensa de España S. A. —  Unión Internacional de la Indus-
—  Observatorio Europeo de Seguri- tria del Gas (UIIG)
dad y Defensa —  Universidad a Distancia de
—  Observatorio Mediterráneo de Madrid (UDIMA)
la Energía —  Universidad Alcalá de Henares
—  Observatorio de Política Interna- —  Universidad Alfonso X El Sabio
cional y Relaciones Transculturales —  Universidad Autónoma de
—  Oficina de Investigación y Barcelona
Tecnología (OIT) —  Universidad Autónoma de
—  Oficina Española de Cambio Madrid
Climático (OECC) —  Universidad Carlos III
—  OHL, Obrascón Huarte Lain ‘ —  Universidad Complutense de
—  Olleros Abogados Madrid
—  Proyecto FEUTURE, Futuro de la —  Universidad de A Coruña
relación Unión Europea - Turquía, —  Universidad de Barcelona
TEPSA —  Universidad de Cádiz
—  Red de Laboratorios de Alerta —  Universidad de Cantabria
Biológica (RE-LAB) —  Universidad de Granada
—  Real Instituto Elcano (RIE) —  Universidad de Jaén
—  Representación Permanente de —  Universidad de la Laguna
España ante la Unión Europea —  Universidad de Loyola Andalu-
—  Revista de Aeronáutica cía
—  Revista de Defensa —  Universidad de la Rioja
—  Revista de Ejército —  Universidad de Salamanca
—  Revista General de la Marina —  Universidad de Santiago de
—  Revista de Ciberseguridad, SIC Compostela
—  Repsol —  Universidad de Valencia
—  S2 Grupo —  Universidad del País Vasco
—  Telefónica educación digital —  Universidad Europea
Televés, S. A. —  Universidad Nacional de Educa-
—  Unidades y Organismos de: ción a Distancia (UNED)
•  Armada —  Universidad Politécnica de
•  Estado Mayor de la Defensa Cartagena
(EMAD) —  Universidad Politécnica de
•  Ejército de Tierra Madrid

Agradecimentos
164 Panorama de tendências geopolíticas
Horizonte 2040

—  Universidad Pontificia de Comi-


llas. ICAI- ICADE
—  Universidad Rey Juan Carlos
—  Viesgo Distribución Eléctrica S. L.
—  Vertical de Defensa y Aeroespa-
cio, UTI Worldwide
—  Water Assessment Global
Network (WASA-GN)
—  Wise Pens International
—  Xunta de Galicia

•  Ilustrações

O nosso agradecimento:
—  À Agência EFE, que autorizou a
utilização das imagens das páginas:
14, 40, 48, 78, 108, 116, 118, 134, 144,
160, 198, 206 e 2014.1
— 
—  À página da Internet canva.com
da qual se obtiveram as imagens das
páginas: 84, 170, 172, 180 e 188.
—  À página da Internet pixabay.com.
da qual se obtiveram as imagens das
páginas: capa, 16, 24, 32, 62, 68, 86,
92, 100, 126, 142, 152 e 196.
—  À empresa El Orden Mundial
(EOM) pela elaboração dos restan-
tes infográficos.
.../__
SECRETARÍA
GENERAL
TÉCNICA

SUBDIRECCIÓN GENERAL
DE PUBLICACIONES
Y PATRIMONIO CULTURAL
SECRETARÍA
GENERAL
TÉCNICA

SUBDIRECCIÓN GENERAL
DE PUBLICACIONES
Y PATRIMONIO CULTURAL

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