Você está na página 1de 5

Entrevista a um adolescente do bairro

João, chamemos-lhe assim, é um dos muitos adolescentes do bairro da Serafina que


vive uma vida complicada, à margem da lei. Jovem de 18 anos, abandonou a escola com 15,
trocando-a por algo que desse dinheiro rápido e imediato, a droga. No seu currículo consta
apenas o 8º ano de escolaridade. Escolheu o anonimato por medo de represálias pela situação
delicada em que se encontra. Através dos seus depoimentos, em perguntas baseadas
substancialmente na vida do Bairro, procurámos explorar uma das maiores problemáticas que
envolvem os Bairros, o negócio da droga. O que os motiva a seguir esse “caminho” e os modos
possíveis para o evitar são os assuntos primordiais desta entrevista, toda ela perspectivada por
uma pessoa inserida nesta temática. Optámos por manter a fidelidade em relação ao discurso
do nosso entrevistado, pelo que as expressões utilizadas podem ser consideradas chocantes.

Foquemo-nos primeiramente na tua situação. Há quanto tempo fumas tabaco? E


porque o começaste a fazer?
Eu fumo tabaco desde os meus 13 anos, e comecei a fazê-lo porque me dava com o
pessoal. Eles fumavam, tive curiosidade em experimentar, gostei e foi desde aí que comecei.

Passaste depois a outro tipo de drogas, ilegais. Como foi essa transição e quem te
influenciou principalmente?
Essa transição foi muito rápida. A partir do tabaco rapidamente comecei a fumar as
“minhas ganzas”, comecei a ir a festas e a ingerir pastilhas, esse tipo de drogas. Apesar disso,
nunca me meti noutras drogas “mais pesadas”.

Mas quem te influenciou foram pessoas da tua idade ou mais velhas… do bairro?
Pessoas da minha geração, do bairro.

E começaste a experimentar porquê? Porque essas drogas já não “batiam” ou foi


também por curiosidade?
Por curiosidade, experimentei por curiosidade. Eles fumavam e entretanto via-os a rir,
a divertir-se e isso despertou-me o interesse em experimentar.

Falando agora pelos jovens do bairro que seguem por este caminho, o que pensas
que os motiva a fazerem-no?
Sinceramente pelo que eu vejo hoje em dia, os jovens são motivados a fazê-lo mais
pela “cena” de não serem recriminadas, porque pensam que o que os outros fazem é
“bacano”. Começam a fumar, se for preciso nem gostam de fumar mas fazem-no, só mesmo
para dar “aquela paleta” e essas coisas.

Então achas que o fazem para se inserirem no grupo?


Para se inserirem, para se enquadrarem dentro do grupo de pessoas com quem
convivem.

Há uma pressão por parte das pessoas mais velhas lá do bairro para os mais novos
fumarem?
Sim, há uma pressão mas ninguém obriga ninguém a fumar. Claro que há sempre
aquela “cena”, és jovem, és curioso e queres descobrir o mundo muito rápido. Depois quando
ganhares consciência se calhar vais ver que o descobriste rápido demais e quando deres por ti
“estás na merda”.

Achas que existe algum tipo de desinteresse por parte da população do bairro nos
seus jovens, e por isso se justifica o elevado número de jovens traficantes?
Acho que não. Pelo que eu vejo no bairro, montes de pessoas moram lá mas no
entanto não têm esse tipo de actividades. Acho que o elevado número de traficantes se
justifica pela falta de dinheiro de algumas famílias ou por falta de estudos e falta de vontade
em os completar. Ou então és uma pessoa que teve uma infância difícil, ou mente fraca.

Então achas que estes jovens não têm/tiveram oportunidades suficientes para ter
uma vida “saudável”?
Não digo que não tenham/tiveram oportunidades, mas não as procuram, ou se calhar
não as aproveitam. Preferem entrar por um mundo onde seja mais fácil arranjar dinheiro.

É verdade que grande parte dos jovens que se dedicam a este negócio abandona a
escola?
É verdade.

Isso define certamente o seu futuro, e limita desde logo as hipóteses de estes serem
bem-sucedidos na vida e de optar por outro caminho que não o da droga...
Não, depende das drogas. Há drogas mais pesadas que se calhar já são mais
complicadas conciliar com o estatuto que tens numa sociedade, mas por exemplo, as drogas
leves como o haxixe não acho que possam interferir tanto quanto isso. É claro que é uma droga
e faz mal como todas as outras, como todos os vícios, mas penso que cada um tem o direito de
saber o que quer da sua vida.

Mas quem se mete nessas drogas mais leves pode ir evoluindo para outras mais
pesadas ou não?
Depende da consciência de cada um e claro, também das companhias. Se por exemplo
“parasses” com companhias que “dessem na branca”, provavelmente irias ter mais curiosidade
em experimentar “branca” no que se calhar experimentar um “charro”.

Mas essas companhias que consomem cocaína são mais velhas?


Nem por isso. Abrangem todas as faixas etárias, dependente de cada um. Há pessoas
com a minha idade que “dão na branca”, há pessoas com a minha idade que “dão no cavalo”,
isso depende de cada um, da sua história de vida.

E sentes que jovens do bairro estão a consumir drogas mais leves ou mais pesadas?
Leves. Eu acho que o pessoal de hoje em dia já começa a ter uma maior percepção do
que são as drogas pois há uma maior divulgação por parte da sociedade.

Então o pessoal mais velho é que foi pelo caminho das drogas pesadas?
Quer dizer, não digo que o pessoal mais novo também não as consuma, como é óbvio,
mas acho que actualmente há uma maior consciência por parte da população acerca de todos
os riscos que a droga acarreta.

Sabemos que estás de novo a estudar e a tentar reintegrar-te na sociedade. Sentes


que existem mais jovens a arrepender-se e a voltar para a escola na tua idade? Ou constituis
algum tipo de “excepção à regra”?
Não sou uma excepção, como eu deve haver muitos, mas muito sinceramente, acho
bastante complicado sair deste mundo. Quando se entra é muito complicado sair.

Normalmente a adolescência é um período em que os jovens têm uma certa


curiosidade e acabam por tomar decisões erradas que os podem marcar para o resto da vida,
tal como entrar no “mundo das drogas”. Achas que quando esses jovens adolescentes
entram numa idade mais adulta geralmente não se arrependem e preferem voltar atrás?
Isso vai depender em muito das pessoas. Aquelas que vivem em precariedade se calhar
não se arrependem de ter seguido essa vida porque é a única maneira de sobreviverem. Há
pessoas que até começam a gostar deste negócio porque de facto ganhar dinheiro fácil é bom
e estas não pensam nas consequências em seguir este tipo de vida.

Através desta conversa podemos obviamente concluir que existe um problema na


juventude do bairro. O que pensas que pode ser feito para contrariar esta tendência, para
voltarmos a ter adolescentes socialmente saudáveis e com um futuro promissor?
É assim, para isso, primeiramente o haxixe e outras drogas consideradas leves
deveriam ser legalizadas. Legalizando estas drogas, o tráfico decresce e todas as implicações
contra o tráfico de droga reduziam.
Ilegal ou não, cada vez vejo mais jovens, e não só, a consumir este tipo de substâncias
e acho praticamente impossível acabar com este negócio a não ser que se proceda à sua
legalização, como já disse.

Deixando de lado esses temas mais controversos que certamente dariam muito que
falar, achas que deve haver uma maior atenção por parte dos pais a imporem os seus
educandos para a escola, investir na sua educação?
Falando a partir da minha experiência pessoal, não acho. Vocês já me conhecem desde
“puto”, desde a escola primária e como podiam ver, eu era “bué” certinho, sempre preocupado
com as “cenas” da escola e tudo isso. No entanto, agora está tudo diferente e entrei neste
mundo vivido à margem da lei. Acho que nunca me faltou o apoio e educação por parte dos
meus pais e não acho que seja essa a razão.

Então, o que achas que te motivou a “entrar no mundo da droga”?


O interesse pela escola foi-se perdendo até que acabei mesmo por chumbar, e perdi a
minha turma, onde tinha todos os meus melhores amigos. A partir daí comecei-me a dar com
outro pessoal e pronto, tudo aconteceu muito rápido.

Então achas que devia haver mais empenho na escola, ou talvez outras alternativas
para o futuro nesta, por exemplo?
Talvez, acho que isso parte um pouco por aí. A motivação começa pela escola, e acho
que esta devia incluir mais oportunidades e um maior número de escolhas. Só assim é que eu
vejo alguns dos jovens a ganharem um certo tipo de interesse pela escola.

Você também pode gostar