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Média I. Le Goff, Jacques. II. Título. 'o controle das terras e dos direitos que estruturam a organização dos senhorios, tanto
cu
06-1863 CDD-940.1 laicos corno eclesiásticos. As numerosas críticas que os clérigos lançam contra os
a) cavaleiros tirânicos e rapaces, acusados de "maus costumes", são frequentemente,
Índice para catálogo sistemático;
1. (_:iviliwção medieva! . História 940.1 c;
-
e em especial durante a fase mais aguda do processo de encelulámento, um meio
de defender as prerrogativas da Igreja e de seus pró prios senhorios. Existe, então,
o
lZ3 uma rivalidade entre os dois poios do grupo dominante, mas que permanece
CO
o submetida ao adequado exercício de sua superioridade sobre os dominados.
Direitos de edição em língua portuguesa para o Brasil A própria instituição eclesial não é homogênea. Além das contradições de
adquiridos por Editora Globo S. A. E interesse ou dos conflitos doutrinais que podem opor em seu interior diferentes
Av. Jaguaré, 1485 — 05346-902 — São Paulo — SP c tendências, existem importantes dualidades institucionais. Urna é hierárquica e
www.globolivros.corn.br In bastante simplificada quando se opõem ao alto e ao baixo cleros, mas pelo
o , menos nos lembra urna importante distância entre os grandes dignitários (aba-
numerosos senhorios, talvez um terço deles, têm em seu comando urna instituição
da Igreja — um monastério e seu abade, um cabido de catedral ou um bispo —
que faz pesar sobre os dependentes os pagamentos e as obrigações associados ao
poder senhorial, inclusive o exercício da justiça (sem falar dos casos de
cossenhorios, partilhadas entre um laico e um monastério). Enfim, a situação
particularmente vantajosa da Igreja apenas se consolida, pois, se rece be muito,
não transmite nada. Diferentemente dos bens aristocráticos, com fre quência
divididos e submetidos aos imprevistos dos destinos biológicos das linhagens,
tudo o que chega à instituição eclesial permanece em sua posse. Na teoria, o
patrimônio da Igreja não pode ser diminuído e os doadores muitas vezes
enfatizam que seu bem lhe é dado de maneira perpétua, não podendo ser nem
cedido, nem mesmo trocado. Entretanto, os períodos de turbulência favo recem a
usurpação dos bens da Igreja pelos laicos, e o conluio entre o alto clero e a
aristocracia pode apresentar algumas desvantagens, por exemplo, quando um
bispo desonesto concede bens diocesanos como feudo aos membros de sua
própria família. E mesmo se a Igreja deve arcar com despesas importantes, que
podem eventualmente obrigá-la a ceder algumas terras ou a penhorar bens
móveis, sua posição é tal que ela se beneficia de uma capacidade de acumula ção
desigual no seio da sociedade feudal.
Além das terras, é preciso incluir entre os bens da Igreja os edifícios, tais
como os monastérios, as catedrais, as dependências e os palácios episcopais.
A maior parte é rica em objetas preciosos: decorações murais e tapeçarias, ves tes
litúrgicas, retábulos e estátuas, altares e poltronas, livros e cruzes, cálices, vasos
11. Uma cena de doação, simbolizada pela entrega de urna igreja em miniatura, primeiro quartel do e relicários, muitas vezes feitos de ouro ou de prata e incrustados de pedras
século xtt (capite/ da catedral de São Lázaro, em Autun).
Sobre este capitel, hoje no museu, um laico, à esquerda, e um clérigo, com seu cajado cuja extremidade está preciosas, todos dotados de um grande valor espiritual e material. Esses objetas,
quebrada, seguram um modelo de igreja em miniatura, símbolo de uma fundação nova ou de um bem eclesiaí por vezes também dons dos laicos, constituem o "tesouro" de cada igre ja: é assim
sendo objeto de uma doação. Os braços estendidos do primeiro personagem indicam, provavelmente, que o
laico oferece a igreja, enquanto o clérigo a recebe, tendo o braço dobrado. Ena todo caso, um anjo sai da nuvem que se nomeia, na época, a coleção de seus relicários, livros e abje tos mais
e parece aceitar o dom ou, ao menos, benzê-lo. E o sinal de que as doações piedosas estão associadas a um sis tema preciosos (veja as figuras 20 e 48, nas pp. 209 e 489). Tal tesouro, onde o
triangular: Deus ou os santos são seus verdadeiros destinatários, e os clérigos, simples "depositários".
material e o espiritual se misturam indissoluvelmente, é o melhor meio de
aumentar ainda mais os eles atraem os peregrinos, que
rendimentos de uma igreja, pois não economizam suas dádivas
A C I V I L I Z A Ç Ã O F E I J O A L .173
para um santo prestigioso e para então, marcada logicamente por
sua "casa", na esperança de uma recusa ou, ao menos, por
graças no futuro ou em urna reticência ao pagamento
agradecimento àquelas já rece- dessa obrigação).
bidas. Mas tais objetos também Tudo o que precede seria
são os primeiros a ser pilhados e, incompreensível sem o poder
tratando-se de vasos litúrgicos, espiritual associado à própria
os primeiros a ser vendidos ou função dos oratores. Seu ofício
cedidos em penhor nos períodos consiste em orar e em realizar
difíceis. Enfim, lembremos que ritos, não apenas para eles
Carlos Magno tornou obrigatório mesmos, mas para o conjunto
o dízimo, que consiste, em dos cristãos, que podem assim,
média, em um décimo da sem nem mesmo pensar que
colheita ou do produto das outros se encarregam pela sua
outras atividades produtivas e salvação, dedicar-se às
que é destinado, em teoria, ao atividades próprias à sua ordem,
sustento dos clérigos que se combater ou produzir (figuras 12,
encarregam das almas, pois estes pp. 176 e 177). Os especialistas
não podem trabalhar a terra nem da prece e da liturgia, que são os
produzir com suas próprias clérigos, oficiam para todos os
mãos (o que os faria decair para seres vivos, e mais ainda para os
a ordem inferior da sociedade). mortos, o que se torna urna
Como se verá, ao longo dos grande especialidade monástica,
séculos x e xi os dízimos são sobretudo nos séculos x a xii. As
com frequência desviados pelos doações pra remedio animae
senhores laicas ou pelos (para o apaziguamento da alma)
monges; uma vez recuperados, permitem a inclusão entre os
cerca da metade ou um terço do familiares da comunidade
montante volta para o monástica, em favor dos quais
eclesiástico servidor da ela dirige suas preces e celebra
paróquia, o restante sendo missas, ou mesmo ver seu nome
devido ao bispo e consagrado ao incluído no livro da vida (ou
sustento dos pobres. Além de necrologia) do monastério, a fim
sua destinação prática, o de que sua memória seja
dízimo é também a garantia de periodicamente evocada. Além
um reconhecimento do poder da prece para os mortos, os
dos clérigos; ele é o "sinal da clérigos assumem duas funções
dominação universal da Igreja", principais, em virtude do poder
segundo a expressão do papa sagrado conferido pelo ritual de
Inocência w (toda forma de ordenação sacerdotal: transmitir
resistência contra o clero é, o ensinamento e a palavra de
Deus e conferir os sacramentos, se constitui no século xii).
sem os quais a sociedade cristã Mas, desde já, constata-se
não poderia se reproduzir. Trata- claramente que esses ritos são
se, em primeiro lugar, do indispensáveis para assegurar a
batismo, que, de uma só vez, coesão da sociedade cristã,
abre a promessa de salvação (por assim como o desenvolvimento
isso ele é chamado de "porta do de cada vida individual em seu
céu") e dá acesso à comunidade seio. Eles marcam suas etapas
cristã e, em consequência, à principais (nascimento,
vida em sociedade (não existe casamento e morte) e
forma de registro da existência autorizam, por si sós, a
social independente da Igreja esperança de salvação no outro
antes do aparecimento do registro mundo, sem o que a vida
civil, em fins do século xvnI). terrestre seria privada de
O ritual eucarístico não é sentido cristão. Ora, todos
menos fundamental. Golpe de esses ritos só podem ser
mestre do cristianismo, pelo realizados pelos sacerdotes (por
vezes, discute-se se um laico
qual o sacrifício do deus supera
pode, em caso de urgência,
definitivamente o sacrifício ao
proceder a um batismo, mas
deus, a missa (durante a qual
trata-se de um caso--limite, que
"se oferece o deus a ele
não tem nenhum efeito prático
próprio", segundo a expressão
e não põe em causa a regra
de Marcel Mauss) reafirma
fundamental). Assim, os
constantemente a coesão da
clérigos, especialistas do
sociedade cristã. Pela reiteração
sagrado e dispensadores
do sacrifício redentor de Cristo,
exclusivos dos sacramentos
ela garante a incorporação dos
necessários a toda vida cristã,
fiéis à comunidade eclesial e,
dispõem de um monopólio
enquanto sacrifício oferecido
decisivo: não se pode nem
por esta, assegura a circulação
viver em cristandade nem
das graças na esperança de
realizar sua salvação sem o
salvação dos justos.
seu concurso. Os fiéis não
Na segunda parte
podem se beneficiar da graça
retornaremos aos
divina sem fazer apelo à
sacramentos, e
mediação dos clérigos, sem
particularmente ao casamento
recorrer aos gestos que a
(os que já foram citados
ordenação sacerdotal dota de
formam — com a confissão, a
um poder sagrado. O clero é
crisma, a extrema-unção e a
um intermediário obrigatório
ordenação — o septenário que
entre
os homens e Deus. poder material se não lhe fosse
Seria absurdo — mas bem reconhecido um imenso poder
em conformidade com nossos espiritual: nenhuma doação de
hábitos de pensamento — terras ou de bens ocorreria sem
separar a parte material e a o arrependimento que nasce ao
mins ui( int4inutata parte espiritual do poder da termo de uma vida sobre a qual
DUOS Igreja. Na lógica do sistema pesa a reprovação dos clérigos,
/ttí,16itj_aao-14catit
Iluminam : medieval, tal divisão não tem sem a preocupação de salvação
ittifouoma main sentido, pois a Igreja se define da alma e sem a ideia de que a
41a'5oimic6millii • nela pelo fato de ser, ao mesmo Igreja pode ajudar os defuntos
CO1pCOS.~ tempo, uma instituição no além. Além disso, não se
Irgtto 01'1%4 encarnada, fundada sobre bases faz um dom à Igreja para que
ttibtilatitatiimain* materiais bastante sólidas, e ela acumule, mas para que, por
uma entidade espiritual, sua vez, ela também doe (urna
falitt$111116fittn~
sagrada (mesmo se a maneira ajuda material aos pobres e aos
W141.111110110
de articular estas duas enfermos, graças espirituais aos
inaltianOt0.~
lanam/nina dimensões esteja longe de não doadores e a seus próximos).
pio crimiirerikiwr; apresentar dificuldades, como Convém, então, retificar a
infra veremos). Ela não teria nenhum expressão utilizada acima:
12. A procissão do papa Gregório, o
Grande, estanca a peste que assola
"Marin/ niaucplanam Roma, e. 1413 (Riquíssimas horas do
nuun itrq; illoptant fit duque de Berry; Museu Condé,
Chantilly, 65, fls. 71v.-72).
miwteprotuG Esta suntuosa miniatura, habilmente
ipló aroqufirrontat disposta ás margens de salmos penitenciais
e de litanias, põe em cena um milagre
ngulneni0jprt9 non« atribuído a Gregório, o Grande, em 590, o
imfaitonobO.-1«. arcanjo Gabriel lhe aparece acima do castelo
de SantAngelo embainhando sua espada
para indicar o fim da epidemia de peste
(chamada de Justiniano). Claramente, a
imagem tem pouco a ver com as realidades
do século VF e evoca reais o fausto da
igreja romana do fim da Idade
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18. Igreja colegiada é aquela que, sem ser catedral, possui uni cabido de cônegos próprio. (N. T.)