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Número 1
Jan/Jun 2020
Doc. 3
pois implicava mudanças na carreira, principalmente a troca de um perfil de atuação técnico para
uma atuação gerencial e diretiva.
Tão logo assumiu o novo posto, Miguel começou a participar de reuniões de nível
estratégico, o que incluía participação nos conselhos diretivos acadêmicos e administrativos. Miguel
tinha certa experiência com decisões dessa natureza, pois, ao longo da sua carreira técnica, fora
eventualmente convidado a participar de escolhas relativas à gestão da TI. Todavia, aquelas novas
reuniões tinham um caráter mais abrangente. Afinal, agora envolviam a TI no contexto das demais
áreas organizacionais. Logo, Miguel sentia-se simultaneamente entusiasmado e intimidado com a
nova atuação, mas, ainda assim, confiante de que poderia aplicar as melhores práticas de gestão da
TI no contexto de uma organização pública.
A universidade e a TI
Entre técnicos, professores e alunos (de nível médio, graduação e pós-graduação), a
universidade era composta por cerca de 45 mil pessoas. Esse público lidava rotineira e diretamente
com os recursos de TI providos pela instituição, fosse por meio das redes de conectividade (cabeada
e sem fio/Wi-Fi), dos diversos computadores conectados a essas redes ou por meio de outros
dispositivos, como smartphones, câmeras, sensores de laboratório ou impressoras. Em outras
palavras, a universidade já tinha uma cultura de uso intensivo da TI e já desenvolvera, inclusive, os
próprios sistemas integrados de gestão (ERP/SIG) para suporte aos seus processos operacionais.
Essa tradição de uso da TI remontava à década de 1970, quando o primeiro computador foi
ali instalado. Tratava-se de um computador de grande porte, como se chamava à época, e que
centralizava todo o processamento acadêmico e folha de pagamento dos funcionários. Ao longo do
tempo, a universidade investiu constantemente em novas plataformas computacionais,
descentralizando o processamento de dados e a impressão de relatórios, de modo que várias gerações
tecnológicas conviviam simultaneamente e precisavam ser gerenciadas adequadamente.
À altura do início da gestão de Miguel, a universidade possuía um parque computacional
formado por cerca de 5 mil computadores e mais de 250 tipos diferentes de impressoras distribuídas
nos diversos setores. Essas impressoras foram adquiridas gradualmente, de acordo com as demandas
locais. Logo, isso resultou em uma combinação complexa de fabricantes, modelos e tecnologias,
difícil de gerenciar. Havia, por exemplo, impressoras matriciais (que imprimem com uso de um
cartucho de fita, semelhante a uma máquina datilográfica, sobre papel em formulário contínuo);
impressoras jato de tinta com cartucho; impressoras jato de tinta com reservatórios externos (em vez
de cartucho); impressoras a laser etc. Para cada tecnologia (fita, cartucho ou toner), havia uma
grande variedade de modelos, específicos para cada impressora.
Miguel estava a par dessa dificuldade e sabia também como isso afetava o processo de
compra e reposição de suprimentos de impressão. Afinal, como controlar o nível de tinta em cada
cartucho, fita ou toner de cada impressora espalhada pela universidade? Além disso, havia ainda
dificuldades com a gestão do papel usado nas impressões. Ou seja, havia uso indevido, pois alguns
funcionários imprimiam conteúdos pessoais usando recursos da instituição, e mau uso, quando
conteúdos que poderiam tramitar digitalmente eram equivocadamente impressos.
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TOMADA DE DECISÃO NA GESTÃO PÚBLICA: O CASO DA TERCEIRIZAÇÃO DE IMPRESSÃO
Pedro Jácome de Moura Jr, Flávio Perazzo Barbosa Mota
A prova de conceito
Miguel saiu da reunião e retornou imediatamente ao setor de TI que dirigia. Convocou uma
reunião com os seus gerentes e informou sobre o compromisso que assumira. Pediu que dois
técnicos fossem alocados ao projeto e estabeleceu os prazos. Em dois meses, eles precisariam ter
uma resposta para oferecer aos demais dirigentes da universidade, e Miguel esperava que fosse uma
resposta que confirmasse que a TI institucional poderia resolver o problema com ganhos sobre a
terceirização.
Rômulo e Jonas foram alocados ao projeto. Rômulo era programador e teria a tarefa de
selecionar um software já existente e em código livre1 para que pudesse ser personalizado de acordo
com as necessidades do projeto. Jonas atuava na gerência de redes e seria responsável pela
1
Modalidade de desenvolvimento de sistemas em que o código-fonte é publicado para uso por outros desenvolvedores,
sem custo.
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TOMADA DE DECISÃO NA GESTÃO PÚBLICA: O CASO DA TERCEIRIZAÇÃO DE IMPRESSÃO
Pedro Jácome de Moura Jr, Flávio Perazzo Barbosa Mota
O resultado
Foi em uma das várias reuniões de direção que se sucederam à greve que Miguel reportou ao
reitor e aos seus colegas os resultados do projeto. Após quase um ano desde que decidiram realizar a
prova de conceitos com recursos próprios, não havia sido possível validar a solução proposta pela TI,
tampouco verificar qual seria a redução possível nos custos. A equipe fora desfeita e realocada em
outros projetos prioritários, e Miguel lamentava, mas deixava aos colegas a decisão de recorrer à
terceirização, quando fosse oportuno.
Enquanto outros projetos eram priorizados e corriam bem em seu setor, Miguel refletia sobre
como agira no caso das impressões e pensava:
“Por que eu não pensei também em outras alternativas, outras possibilidades?”
“Por que eu tinha que assumir essa responsabilidade?”
“O que deu em mim, para que eu ignorasse as condições do serviço público e agisse como
se estivesse na iniciativa privada?”
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