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Falar baixinho pois se duvida amiúde de se praticar Marketing Farmacêutico não será
praticar algo de pouco ético, algo de inconfessável, e algo que equivalha à confissão de
se pactuar (indecorosamente) com os poderes económicos instituídos, ou pior, com os
grandes conglomerados economico-financeiros.
Afinal, praticar Marketing Farmacêutico não é querer vender mais medicamentos? Mais
marcas, mais caixas, mais comprimidos, mais ampolas? Não é procurar influenciar no
sentido de que mais médicos prescrevam, prescrevam mais caixas, tratem durante mais
tempo, e de que os doentes tomem consequentemente mais medicamentos, de forma
mais contínua, e com tanta regularidade e disciplina quanto possível? Sem dúvida que
sim, da mesma forma que a prática do Marketing, por exemplo no mercado dos
iogurtes, visa a venda de mais marcas, mais ”packs”, mais garrafas e mais vasos,
procurando fidelizar consumidores e expandir mercados.
A primeira questão que a sociedade coloca face a este alinhamento de intenções é: não
será isso incompatível com o desejo social do consumo regrado, racional e estritamente
técnico-científico de medicamentos?
A essa questão segue-se inevitavelmente outra, muito cara não apenas ao público em
geral, mas aos profissionais de saúde em particular: praticar Marketing Farmacêutico
não é desvalorizar a dignidade particular do medicamento, tratando-o como outro
produto qualquer e assumindo (ainda que implicitamente) que vender medicamentos é
igual a vender iogurtes?
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Ora, é certo que a indústria farmacêutica sabe muito mais que os médicos acerca dos
medicamentos que estes prescrevem, que os médicos o reconhecem, e que se apoiam
extensamente nos Serviços Médicos e de Marketing dos Laboratórios
Farmacêuticos para seu esclarecimento e formação. Se a sociedade em geral, saudável e
doente, se os médicos e se os restantes profissionais de saúde crêem na objectividade
das informações veiculadas pelos Laboratórios, isso já é outra questão. Sobre isto e por
ora, diga-se apenas que será surpreendente para alguns, mas não para quem está
envolvido social ou profissionalmente com o mercado, a constatação de que em geral os
médicos e os restantes profissionais de saúde confiam sim, largamente, na competência,
na seriedade, na objectividade e na conduta ética da indústria farmacêutica. O público
em geral é outra história.
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Ao longo das próximas quatro lições, em jeito de introdução ao mercado, aos seus
produtos e à sua promoção, iremos debruçar-nos sobre o que entendemos serem as
quatro principais especificidades dos meios do Marketing Farmacêutico:
- Os constrangimentos do mercado;
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Esta é uma afirmação que obviamente não serve apenas para comparar o Marketing
Farmacêutico com a generalidade dos Marketings de Produto, mas que é verdadeira
para o confronto das diversas actividades de Marketing especializadas num contexto
particular – a pretensão de vender iogurtes ou filtros de óleo identificar-se-á também
pelos fins; diferirá contudo pela particularidade da escolha e forma de utilização de
meios.
Esse facto determina que em Portugal os ”marketeers” que trabalham com produtos
OTC’s e com MSRM são em geral: integrados em departamentos diversos, provenientes
de experiências profissionais diversas e especializados em actividades de Marketing
diversificadas. Porquê? Essencialmente porque os primeiros comunicam
geralmente para o grande público e os segundos para médicos e outros profissionais de
saúde; porque os primeiros podem recorrer à publicidade de massa, e os segundos
apenas a publicidade especializada e ao marketing directo (a Lei da Publicidade, como
analisaremos mais tarde em detalhe, proibe a publicidade a MSRM dirigida ao
consumidor) e porque os primeiros são geralmente buscados entre quem tem
experiência em Marketing de Grande Consumo e os segundos entre quem provém da
área da Saúde ou se especializou, muito cedo, em actividades de Marketing ligadas ao
sector.
Neste curso endereçaremos sempre os MSRM, salvo nas lições em que tratarmos
especificamente de OTC’s. Daqui em diante pois, falaremos de Marketing Farmacêutico
como sinónimo de Marketing Farmacêutico de MSRM. Isto justifica-se tanto
pelo incomparável maior número de especificidades que os MSRM têm, em termos do
seu Marketing, face aos restantes Marketings de Produtos, exigindo maior
especialização dos seus profissionais, quando provenientes de formações generalistas
em Comunicação e/ou Marketing, como pelo facto de os OTC’s serem um segmento
muito menos interessante para a indústria: em valor, por exemplo, os MSRM
representam ainda cerca de 90% das receitas que o mercado farmacêutico gera, o que
deriva tanto do número de produtos disponível, como do considerável mais baixo preço
médio dos OTC’s face aos MSRM.
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Isto quer dizer que, fora da compreensão e respeito pelos dilemas éticos sociais,
políticos e profissionais que se jogam na prática da Saúde e na comercialização dos bens
e serviços que lhe estão associados, não há como fazer Marketing Farmacêutico eficaz.
Costumo dizer aos meus alunos, como “teaser”, que não há mercado mais ético que o
Mercado Farmacêutico. Explico depois o que digo, perante a chuva de objecções que
invariavelmente pulula, que não o digo necessariamente como juízo valorativo sobre as
condutas do sector, mas como constatação do seguinte facto: tudo o que é farmacêutico
implica especialmente dilema e percaução éticos - quem o ignore não sobrevive no
mercado.
Não deixo contudo de acrescentar depois que, de facto, poucas indústrias agem de
forma mais cautelosa, no que à ética dos seus actos respeita, isto é, de forma tão ética;
em poucas a dúvida sobre a ética do comportamento pode ter efeitos tão calamitosos no
sucesso e sobrevivência do negócio.
Três razões essenciais fazem com que o respeito estrito, cuidadoso e diligente por estas
éticas seja tão essencial para a sobrevivência e sucesso da indústria farmacêutica:
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Voltaremos a estas questões com mais detalhe, quando tivermos introduzido outros
conceitos essenciais ao seu aprofundamento. Destacaremos apenas adicionalmente ao
exposto que, ao lidar com a gestão de um bem social altamente valorizado: a Saúde, e
ao visar o lucro a partir dessa actividade, a Indústria Farmacêutica se expõe
automaticamente à controvérsia, nomeadamente por suscitar as seguintes questões:
- É ético enriquecer à custa da doença, isto é, do infortúnio de outrém?
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Verdade é contudo, por exemplo, que todos desejamos ser tratados por profissionais de
saúde perfeitamente actualizados tanto em termos estritamente científicos como técnico-
científicos, nas suas áreas de especialidade, devendo ser o investimento necessário a
essa actualização custeado em consórcio pelo empregador e pelo profissional. Os custos
avultados dessa actualização, e a identificação, na maior parte dos casos, do empregador
com o Estado, determinam contudo que não há capacidade de suportar, na ausência do
apoio de terceiros, os gastos envolvidos. Sem indústria farmacêutica (que suporta
extensamente esses custos, evidentemente esperando retirar daí algum retorno, mas
ainda assim, permitindo o acesso à formação), teriamos de esperar médicos muito mais
constrangidos do que temos, no acesso à informação que nos pode salvar a vida, ou que
pode, pelo menos, incrementar a nossa qualidade de vida.
Também é verdade que as entidades públicas não podem assumir os orçamentos multi-
milionários investidos pela Indústria Farmacêutica em Investigação e Desenvolvimento
(I&D) (voltaremos a esta questão quando falarmos no “pipeline” de produtos e sua
gestão). A ausência desses investimentos implicaria necessariamente menos
investigadores, menos centros de investigação, menos medicamentos, menos curas, isto
é, menos Saúde. Estaríamos dispostos a isso?
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A reter desta lição 2 as seguintes ideias-chave:
5- Há que atender a uma ética geral (da Saúde, do SNS) e a éticas profissionais
particulares (dos médicos e outros profissionais de saúde);
6- A sociedade exige acima da média aos responsável pela produção de bens e serviços
sociais que especialmente valoriza. A Saúde é um exemplo típico. Essa exigência acima
da média implica também a penalização acima da média dos comportamentos não
aprovados. A precaução e vigilância ética dos principais públicos-alvo da comunicação
do Marketing Farmacêutico, é também, em consequência, especialmente severa, o que
dita a tónica de toda a gestão da comunicação de MSRM.