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A literatura Egípcia

A decifração dos hieróglifos não somente colocou ao alcance do mundo científico a história do Egito como também
revelou uma literatura até então desconhecida. A tradução de milhares de inscrições trouxe à luz textos poéticos da
mais alta qualidade e também histórias que ainda hoje prendem a atenção dos leitores, não só pela originalidade dos
temas como pela inteligência em sua concepção.

Visão dos escribas sobre seu trabalho


Os egípcios letrados, pertencentes à classe social dos escribas, tinham a respeito das letras e da literatura
uma visão "moderna", segundo podemos entender, pois acreditavam que, por meio delas, o homem alcançava a
imortalidade. Essa idéia é até hoje aceita como verdadeira. Por meio das atividades literárias, entendemos que os
grandes escritores deixam o nome como uma herança a ser conhecida, partilhadda e utilizada por toda a
humanidade.
As primeiras manifestações literárias egípcias surgiram sob influência da religião. Os textos mais antigos
foram encontrados inscritos no interior das pirâmides e datam da época da quinta dinastia. Os textos das pirâmides,
elaborados no Antigo Império, são considerados os mais antigos escritos do mundo. Seu entendimento não é fácil;
destinavam-se a uso litúrgico e constituem-se de fórmulas mágicas, religiosas e também de orações.
No Médio Império, extensas inscrições eram transcritas diretamente nos ataúdes onde as múmias eram
encerradas. Os temas chamados textos dos sarcófagos são equivalentes aos das pirâmides, constituindo-se de
fórmulas para o defunto alcançar a imortalidade. Com as mesmas finalidades, surgiam - no período do Novo
Império - os chamados livros dos mortos, que apresentam semelhanças com os textos dos sarcófagos.

Os livros dos mortos


Colocados junto às múmias, escritos em papiros, os livros dos mortos incluem fórmulas religiosas que
deveriam ser lidas diante do tribunal de Osíris. Geralmente, esses antigos documentos incluem uma "confissão
negativa".
Livros dos Mortos
"Não causei sofrimento aos homens. Não usei de violência para com minha parentela. Não substituí a
injustiça na justiça. Não freqüentei os maus. Não cometi crimes. Não permiti que trabalhassem para mim em
excesso. Não fomentei intrigas por ambição. Não maltratei meus servidores. Não blasfemei contra os deuses. Não
privei o indigente de sua subsistência. Não cometi atos detestados pelos deuses"...
"Não levantei a mão sobre o homem de humilde condição. Não fiz chorar. Não fiz ninguém sofrer. Não tirei
o leite da boca das criaturas"... (Jean-Marc Brissaud: François Daumas).
Desde a época do Antigo Império, várias modalidades de obras literárias surgiram no Egito: poesias, ensinamentos
morais e políticos, biografias, contos e outras.

O amor na poesia egípcia


A poesia egípcia incluía trechos delicados de caráter lírico:
Há sete dias que não vejo a minha bem-amada.
O desalento se abateu sobre mim.
Meu coração tornou-se pesado.
Esqueci até minha vida.
Quando os médicos vêm à minha casa,
Seus remédios não me satisfazem...
Ninguém descobre minha doença.
Mas se me dizem: "Olha, ei-la",
Isso me restitui a vida. (Jean-Marc Brissaud)

O Hino ao Sol, escrito pelo faraó Aquenaton (Amenófis IV, que tentou implantar o monoteísmo no Egito), é
considerado por muitos a obra poética mais importante deixada pelos egípcios. Mesmo depois de traduções
sucessivas, que sem dúvida devem ter tirado muito de sua qualidade, essa obra de 33 séculos de existência mantém
ainda sua beleza.

Hino ao Sol
Apareces cheio de beleza no horizonte celeste, disco vivo que deste início à vida.

E ao te levantares no horizonte oriental, abranges todos os lugares com tua perfeição...


...No momento em que desapareces no horizonte ocidental, queda-se o universo submerso nas trevas como morto...
...Porém, quando chega a aurora, no momento em que despontas no horizonte, e fulguras, disco solar, ao longo da
jornada, dispersas as trevas e emites teus raios...
Então as Duas Terras ficam em festa, a humanidade desperta e se levanta... Os olhos contemplam sem cessar
tua perfeição, até teu ocaso; cessam todos os trabalhos quando te pões no ocidente.
Entretanto, quando te levantas novamente, tudo floresce para o rei que nasceu de teu corpo.
O rei do Alto e do Baixo Egito... O senhor das duas Terras... filho de Rá... senhor das duas coroas,
Aquenaton. Que seja grande a duração de sua vida! E também para a esposa que ele ama, a senhora das Duas
Terras... Nefertiti, que lhe seja permitido viver em juventude para sempre, eternamente! (François Daumas)
Outro tipo de obra que, desde o Antigo Império, marcou a literatura egípcia foram os ensinamentos: textos
escritos, às vezes, por faraós que procuravam, por esse meio, preparar adequadamente os filhos para exercer o
poder. Exemplo desses ensinamentos são os escritos pelo faraó Actoés II para seu filho Mericaré. Essa obra possui
um sentido ao mesmo tempo moral e político, recomendando ao futuro faraó o respeito para com os súditos e a
energia no exercício do poder.

Ensinamentos para Mericaré


A língua é a espada do rei.
A palavra é mais poderosa que qualquer outra arma.
... um povo rico não se levanta para rebelar-se. Não o empobreças, de maneira que não se veja levado à rebelião,
pois é o povo pobre aquele que fomenta o distúrbio.
...Não faças diferença entre o filho de um homem de qualidade e o de um homem comum... (François Daumas)
A história de Sinueh, A viagem de Unamon, A história dos dois irmãos, A história do camponês falador são obras
egípcias que lembram os contos e romances de nossa época. Elas incluem aventura, amor, tragédia, enfim os
ingredientes principais que caracterizam as obras literárias de qualidade. Permitem, além disso, que os homens do
século XX tomem conhecimento mais exato de uma realidade que emerge das profundezas insondáveis dos
milênios que os separam da civilização do Egito Antigo.

História do camponês falador


"Um camponês que morava num oásis chegou à cidade para fazer suas compras e astutamente roubaram-lhe
sua mercadoria e seus burrinhos. Visto que se tornara infrutífera a tentativa de convencer o larápio a restituir-lhe o
que lhe fora indevidamente tirado, dirigiu-se ao Grande Funcionário da Cortte, um tal de Rense, o qual, achando
graça da maneira arguta e o modo elegante em que o camponês pedia justiça, com vários pretextos continuava
mandando-lhe que repetisse a súplica, o que ele fazia com imagens e variantes sempre novas e diferentes.
Então Renses comunica ao faraó que, também achando graça, ordena que o oasiano e sua família vivam
secretamente a sua custa, mas que nesse meio tempo se continue fazendo-o falar e que se transcreva tudo o que ele
diz.
Enfim, visto que não havia mesmo jeito de fazer-se entender, o pobre camponês ficou muito impaciente e
repreendeu firmemente o Grande Funcionário que, não obstante, tinha tomado as providências para mandar prender
o ladraão. O "camponês falador" conseguiu de volta todos os seus haveres com o acréscimo de muitos presentes e o
ladrão lhe seguiu como criado".

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