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Caros amigos,

defendi minha tese de bacharelado, a qual foi intitulada "A Peste


Emocional Brasileira", que em seu bojo é uma leitura da cultura
brasileira (via Gilberto Freyre) pela metodologia Reicheana. Como não
posso postar a tese inteira, vou postar alguns trechos.

O objetivo do presente estudo é fazer uma análise histórico/psicológica


de certos aspectos da cultura brasileira:

· Qual a ligação entre o comportamento sexual dos indivíduos e a


estrutura social de uma sociedade?
· Sob qual estrutura foi formada a família Brasileira?
· Qual a ontogênese do sadismo e sua origem na sociedade brasileira?
· Se temos em nossa personalidade um traço sádico, qual é a explicação
para que o brasileiro apresente-se como um povo alegre, receptivo,
amável, despreocupado e passivo?
· Quais são as origens e os meios de propagação desta imagem do
brasileiro?
· Quais são os mecanismos da reprodução da dominação no Brasil?
· Qual a origem ontogenética da passividade?
· Por qual mecanismo a dominação é incorporada à classe dominada?

O modelo familiar brasileiro é baseado na estrutura familiar patriarcal.


O sadismo é um comportamento típico das sociedades patriarcais, pois
o sadismo, segundo a teoria reicheana, surge a partir de uma satisfação
biológica negada. Logo se o sujeito perde a capacidade de experimentar
a satisfação, ele passa a substituir a capacidade de experimentar o
prazer pela de odiar, tornando-se um indivíduo sádico.

Lançando mão do estudo realizado por Gilberto Freyre acerca da


sociedade patriarcal no Brasil e suas caracterísitcas, é possível atestar,
segundo o autor pernambucano, que nosso modelo sociológico está
assentado em uma sociedade agrária na estrutura, escravocrata na
técnica de exploração econômica, híbrida em sua formação étnica e
cultural e patriarcal/sádica na estrutura familiar; estando em
consonância com os estudos antropológicos de Wilhelm Reich.
Neste ponto surge uma questão: se nossa sociedade é estruturada sob
uma formação patriarcal-sádica, porque somos conhecidos por um povo
alegre, passivo, amável e despreocupado?

Segundo as leis psicanalíticas, os traumas nunca são esquecidos, mas


aparecem escondidos sob outras formas que, segundo a teoria do
caráter de Reich, aparecem sempre sob a forma antitética entre o
repressor e o que é reprimido. Ou seja se o indivíduo sente um ódio
intenso, mas não pode expressá-lo devido à repressão da sociedade,
desenvolve uma forma artificial de comportamento de cunho contrário a
tal impulso: torna-se um indivíduo extremamente amável. Tal defesa de
caráter cumpre a função de defender o indivíduo de sensações
desagradáveis e anti-sociais. Logo, somos levados a supor que a imagem
que se faz do brasileiro, de amabilidade, resignação ante à dominação e
ao estado de miséria, é na verdade uma defesa psico-social que cumpre
a função de tapar o sofrimento e o ódio estratificados na mente e nos
hábitos do brasileiro, presentes desde a fundação de nossa sociedade,
sob a forma de cultura popular, como o carnaval, o samba e o futebol.

Porém esta passividade ante à dominação e a dor, propiciou à classe


dominante, um mecanismo cruel de dominação, que caracteriza-se em
manter o povo resignado ante o sofrimento e a miséria através de
“migalhas” sob a forma de assistencialismo e pseudo-solidariedade. Tais
práticas, muito difundidas em nossa cultura, são herança de um hábito
comum aos Senhores de Engenho das fazendas coloniais do Brasil.

O domínio é cruel, porém, ao oferecerem migalhas para minimizar uma


possível revolta dos dominados, a classe dominante descobre uma
fórmula da manutenção do poder no Brasil: tirania solidária= dominado
passivo. Logo, a função da pseudo solidariedade inter-classes no Brasil
é justamente a de manter o domínio através da introjeção da culpa no
aparelho psíquico do dominado, contendo com isso sua revolta pelo
estado servil. Tal prática ainda é agravada pelo sistema familiar
patriarcal português exogâmico, no qual o patriarca alarga os laços
familiares aos escravos, misturando as relações mercantis de trabalho,
com as relações afetivas familiares, o que nubla ainda mais uma
possível revolta contra a dominação.

Todavia, a dominação tomou uma outra forma depois do surgimento do


cinema norte-americano pós II Guerra. Segundo a tese do professor
Antônio Pedro Tota, a dominação passou a ser simbólica, na forma de
sedução e fascínio. No Brasil, o representante desta dominação foi a
televisão, principalmente a TV Globo, a qual, sob propriedade da classe
dominante nacional, desempenhou o papel de manter a dominação
através do fascínio e da sedução. Para isto o mecanismo usado foi a de
reproduzir na tela da TV, do cinema e, posteriormente na indústria
sonora, tal falsa imagem do brasileiro - alegre despreocupado e passivo.

A TV Brasileira é comandada estetica e ideologicamente pela elite.


Insiste em mascarar a miséria e as falências das relações afetivas no
Brasil, exibindo incessantemente em sua programação, um carnaval e
uma alegria artificial permanentes, perpetuando nosso falso caráter
alegre, despreocupado e sensual. Tal prática serve ao intuito de
confundir o povo e aliená-lo de sua real situação, valendo-se do
mecanismo psicológico da sedução e da identificação. O povo, ao ver-se
retratado na tela da televisão e do cinema, (mais belos e alegres do que
são na verdade), nas letras das músicas, identificam-se com este falso
padrão, distorcido pela classe dominante, adotando-os, criando com
isso, uma ojeriza pelos hábitos originais de seus semelhantes. Disto
decorre o processo da perda de auto-estima e da identificação com o
outro, ou identificação com a imagem que o dominador produz.

Logo nos questionamos: por qual mecanismo a dominação é


incorporada à classe dominada, ou porque há resignação ante à
dominação e ao sofrimento no Brasil? Reich irá responder que a
estrutura familiar patriarcal é a responsável por gerar indivíduos
passivos e medrosos ante a autoridade. Segundo ele, o ser humano é
sujeito a duas grandes forças ideológicas que formarão sua estrutura
psíquica: por um lado sua situação material e econômica, e por outro,
pela estrutura ideológica da sociedade (ou o princípio da realidade).
Disto sempre resulta em sua psique, a contradição: situação material
versus estrutura ideológica. Desta maneira, a ideologia social altera a
estrutura psíquica do indivíduo fazendo-o agir de modo contraditório.

A família torna-se com isto uma espécie de escola domadora que possui
a função de tolher o indivíduo de seus impulsos naturais, moldando-o e
preparando-o para adaptar-se à ordem social do estado no qual vive.
Logo a estruturação autoritária do homem processa-se através da
fixação das inibições e medos sexuais nos impulsos sexuais da infância.
É exatamente nesta fase que o indivíduo é ensinado a pensar
contraditoriamente. Ele é levado a agir contra sua satisfação por
motivos que não compreende. Mais tarde isto ressoará como sua
contradição material versus econômica, conservadorismo e o medo da
liberdade de um lado e a plena capacidade de consegui-la do outro.

E por último resta-nos o questionamento se há algum foco de


resistência contra esta dominação na cultura popular. Para isto
lançamos mão do Livro “O Folclore Negro no Brasil” de Artur Ramos no
qual analisa o folclore do pai João, o qual talvez seja a melhor
representação popular do caráter passivo em nossos costumes. Tal
folclore, caracteriza-se pela figura do velho negro João: o escravo que
sofre, porém está sempre sinistramente passivo, amável e sorridente,
mas despeja sua revolta contra o branco na forma de sátiras e canções.
Faz-se necessário ainda a comparação do folclore do pai João com sua
antítese: o festejo dos palmares, festejo popular da tradição Alagoana
que se regozija com a revolta palmarina, símbolo de resistência contra a
dominação.
Explicando o modelo de família patriarcal

Imagem de: Jean-Baptist Debret.


Viagem pitoresca e histórica ao Brasil.

O chamado modelo patriarcal de família tem referência com o modelo


senhorial e os clãs parentais. Quando pensamos em modelo patriarcal,
pensamos de imediato em um tipo de estrutura familiar extensa, ou
seja, é um conceito de família que abriga em seu seio todos os
agregados.

Na definição da família patriarcal, temos uma família numerosa,


composta não só do núcleo conjugal e de seus filhos, mas incluindo um
grande número de criados, parentes, aderentes, agregados e escravos,
submetidos todos ao poder absoluto do chefe de clã, que era, ao mesmo
tempo, marido, pai, patriarca. O termo patriarcalismo, designa a prática
desse modelo como forma de vida própria ao patriarca, seus familiares e
seus agregados.

Nele, o pater seria o chefe (ou, autoridade maior) do grupo familiar.


Logo, não se restringe apenas ao núcleo familiar pai, mãe e filhos, mas
faz referência a todos os que giram em torno do núcleo centralizador
dos vários tipos de relação: o patriarca. Dessa forma, o patriarca
constitui-se em um núcleo econômico e um núcleo de poder.

Como núcleo econômico, vemos que o patriarca tem um extenso


número de agregados, criados, escravos, etc. que dependem dele como
provedor. Percebe-se que, neste modelo de sociedade, as relações
econômicas contornam a figura do chefe – do pater – este, muitas vezes,
era um senhor de engenho.

Como núcleo de poder destaca-se o fato de todos os seus agregados


estarem subordinados a sua autoridade; é o pater, quase que na
totalidade das vezes, quem decide o destino de seus agregados (sem nos
esquecer dos outros núcleos de poder que atuam em conjunto com o
patriarca, e que muitas vezes também está subordinado a ele: aí
incluímos autoridades religiosas, jurídicas e políticas).
O modelo patriarcal pressupõe, segundo a historiografia, algumas
premissas como:

1) a visão de uma sociedade dividida entre senhores e escravos


(dominantes e dominados). Este conceito analítico seria definido
principalmente por correntes historiográficas de tendências marxistas.

2) A escravidão teria desvirtuado o comportamento familiar do modelo


ibérico.

3) A família brasileira seria uma adaptação ao sistema colonial, ou seja,


resultado de um processo singular de criação de um determinado tipo
de estrutura social.

Essa visão, proposta sobretudo no terceiro ponto, naturalizou


historicamente o modelo patriarcal. Nas discussões a respeito do tema,
durante a década de vinte (quando estava em voga o processo de
modernização das estruturas de produção e de comportamentos,
sobretudo em Recife), cujo principal articulista foi Gilberto Freyre, no
Diário de Pernambuco – jornal em que publicou diversos artigos ao
longo dessa década -, a campanha regionalista e tradicionalista
encamparia esta bandeira ao pressupor que a sedução ao moderno
desenraizaria as tradições familiares do ser original do Nordeste.

O processo de colonização no Brasil deu-se sobre a égide de um tripé


fundamental estruturador da sociedade brasileira. Seriam estas as
bases: o latifúndio, a escravidão e uma economia agro-exportadora. A
família senhorial era a resultante desse tripé, segundo a formulação
freyreana. É como se este tripé fundador da sociedade colonial tivesse
resultado, necessariamente, no modelo patriarcal de família. Provém
desta visão o resultado de alguns trabalhos posteriores de intelectuais
como Oliveira Viana e Alcântara Machado, que generalizaram o conceito
freyreano, estendendo-o para todo o resto do território brasileiro através
da fórmula família brasileira = família patriarcal.

A estrutura desse modelo foi elaborada teoricamente por Gilberto


Freyre, e reproduzida dentro da historiografia subseqüente aos
principais trabalhos de Freyre (Sobrados e Mocambos e Casa-Grande e
Senzala). Autores como Sérgio Buarque de Holanda, Caio Prado Jr. e
Antônio Cândido são alguns dos exemplos dentro da historiografia
brasileira que se utilizaram desse conceito elaborado por Freyre.

Atualmente, muitas críticas e releituras desse modelo são realizadas


pelos historiadores. Alguns até buscam anular sua existência e
viabilidade, afirmando que não seria condizente com a realidade
brasileira (principalmente a realidade do Sul e Sudeste). É bom observar
que Freyre analisou, com primazia, os modelos de família no nordeste,
sobretudo em Pernambuco, e que parte significativa da historiografia
brasileira buscou, de forma generalizante, reproduzir esse modelo para
todo o país. Esse não era uma pretensão de Freyre, e, como eu disse,
tem mais a ver com sua reprodução pouco cuidadosa do que com a obra
do próprio Freyre.

Por sua vez, é também necessário dizer que este conceito, como
qualquer outro conceito nas Ciências Humanas, não existe como um
dado na natureza, ou seja, ele também foi construído ao longo do
tempo, possuindo data e local de invenção. Um dos papéis do
historiador, acredito, é o de quebrar com essas naturalizações dos
conceitos, mostrar como foram criados e com quais propósitos, suas
aplicabilidades e problemas, suas restrições e funções. Nesse sentido, é
tão necessário fazer uma história dos conceitos e dos processos, que de
grandes homens e heróis.

Segundo Ângela Mendes de Almeida, em seu texto Notas sobre a família


no Brasil, “Freyre foi o inventor do conceito de família patriarcal, para
descrever as relações familiares no Brasil, desde o período colonial até o
final do século XIX, quando esta teria entrado em declínio, para ser
substituída, paulatinamente, pela família nuclear burguesa.”

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Indicações de leitura:

• Ângela Mendes de Almeida – Notas sobre a família no Brasil. In:


Pensando a família no Brasil (Seminário).

• Gilberto Freyre – Casa Grande & Senzala.

• Gilberto Freyre – Sobrados e Mocambos.

• Sérgio Buarque de Holanda – Raízes do Brasil.

Para uma leitura mais crítica:

• Durval Muniz de Albuquerque Júnior. Nordestino: uma invenção do


falo – uma história do gênero masculino (Nordeste – 1920-1940).

• Durval Muniz de Albuquerque Júnior. A Invenção do Nordeste e


outras Artes (leia uma resenha minha sobre a tese do Dr. Durval Muniz,
postada neste blog)

PS: as indicações poderiam ser bem mais extensas. Mas, achei por bem
fazer uma seleção reduzida. Os leitores também pode se sentir a vontade
para fazer suas indicações e colocações nos comentários abaixo.

Autor: André Raboni


Difícil responder a esta pergunta, levando em consideração o conceito
em si, e suas adaptações quanto às diversas aplicações e extensões do
mesmo. Traçando um olhar antropológico sobre o comportamento
natural e o produzido em sociedade, há diversos pontos a serem
analisados.

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