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E agora, meio

ambiente?

Ricardo Ernesto Rose


Ricardo Ernesto Rose

Jornalista ambiental, autor e coordenador de publicações

Pós-graduado em Ciências Ambientais (Claretiano)

Profissional de inteligência de mercado no setor ambiental

Pós-Graduado em Sociologia (Universidade Gama Filho)

E agora, meio ambiente?

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Copyright © Ricardo Ernesto Rose (junho 2019)

O conteúdo desta obra é de responsabilidade do autor, proprietário dos direitos


autorais.

Parte do conteúdo deste e-book foi anteriormente publicado no jornal “GIRO ABC”
de São Caetano do Sul (SP) e no blog “Da Natureza e da Cultura”
(www.danaturezaedacultura.blogspot.com.br), editado por Ricardo Ernesto Rose,
proprietário dos direitos autorais destes textos.

É proibida a reprodução parcial ou total do conteúdo deste e-book, sem prévia


autorização escrita dada pelo autor.

Autorizamos a reprodução parcial para fins não comerciais, desde que devidamente
citada a fonte.

Coordenação, revisão, design e diagramação:

Ricardo Ernesto Rose

Capa:

Aquarela de Karl Schmitt-Rottluff (1884-1976)

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Índice

E agora, meio ambiente? (6-7)


O mercado brasileiro de energias renováveis (8-10)
Floresta, biodiversidade e pobreza (11-13)
Gestão de resíduos e saúde pública (14-15)
Tratamento e consumo de água (16-21)
Economia, complexidade e capacidade de resposta à crise (22-23)
Estratégia de exploração dos recursos naturais (24-25)
Cresce a preocupação com o clima da Terra (26-30)
Uso e exploração dos oceanos (31-36)
Plástico: a grande ameaça aos oceanos (37-39)
Novas maneiras de incentivar a eficiência energética (40-43)
O ciclo da energia e da matéria através dos organismo (44-46)
Turistas e degradação ambiental do litoral (47-49)
Eficiência energética no Brasil (50-54)
Efluentes domésticos e reuso de água no Brasil (55-57)
Agricultura, fome e desperdício de alimentos (58-62)
A política da prevenção (63-64)
45 mil anos de impacto ambiental (65-66)
Mais controle na atividade pesqueira (67-68)
Evolução da questão ambiental (69-70)
Previsão incorreta (71-75)
Origem e transformação dos materiais (76-77)
Lucrécio e o consumo (78-79)
Herbicidas e impasse na agricultura (80-81)
Do universo ao ambiente (82-83)
Ecossistemas e complexidade (84-85)
Prefeituras não conseguem implantar a PNRS (86-87)
O impacto das mudanças climáticas no litoral brasileiro (88-89)
Saneamento básico no mundo e no Brasil (90-91)
Crise, mudanças e adaptação (92-93)

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Faltam locais de lazer nas cidades (94-95)
Meio ambiente e tecnologias de informação (96-97)
Atividades econômicas e externalidades negativas (98-99)
Crise econômica, desemprego e meio ambiente (100-101)
Os raios e o meio ambiente (102-103)
A ameaça da degradação dos solos (104-105)
Aves urbanas (106-107)
Catástrofes e sobrevivência humana (108-109)
Vida e sobrevivência (110-111)
Aspectos do saneamento no Brasil (112-113)
Lucro fácil e rápido (114-115)
Queda do desmatamento e saúde (116-117)
Melhorar a eficiência no uso dos recursos (118-119)
Extinção em massa (120-121)
Produção de carne e redução de CO² (122-123)
A influência da natureza (124-125)
Cidade, a grande invenção humana (126-127)
Sal, açúcar e gordura (128-129)
Verde do extremo sul de São Paulo corre perigo (130-131)
Por que a questão ambiental avança tão lentamente? (132-133)
Produção, distribuição e consumo de alimentos (134-135)
O clima e o oceano (136-137)
A parábola do sapo e do Leviatã (138-139)
Os rios e o espaço urbano (140-141)
Brasil não dispõe de banheiros públicos (142-143)
Natureza e felicidade (144-145)
Proteção aos animais (146-147)
Meio ambiente: natureza e cultura (148-149)
Avanço tecnológico e gestão de recursos (150-151)
Extinção de espécies, o que perdemos? (152-153)
Crescimento da população, consumo e impacto ambiental (154-155)

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E agora, meio ambiente?

Enquanto a juventude europeia e norte americana cobra ações de seus governos


contra o aquecimento global e políticos de partidos ligados à causa ambiental passam
a ocupar um número maior de cadeiras no Parlamento Europeu, no Brasil a causa
ambiental sofre uma sucessão de retrocessos.

Não é de hoje que assistimos a uma crescente animosidade em relação a temas


ambientais por parte do governo brasileiro. Assim, apesar dos vários acertos nesta
área, Lula em seu governo, pressionado pelo setor empresarial, chegou a afirmar por
diversas vezes que o licenciamento estaria atrapalhando o início de diversas obras de
infraestrutura. Tais críticas acabaram por precipitar a saída da então ministra do Meio
Ambiente, Marina Silva.

Já o primeiro governo Dilma foi para muitos ambientalistas “o pior da história para o
meio ambiente”, como disse em entrevista à revista IHU Online, publicada em
20/01/2014, o geógrafo e diretor de políticas públicas da Fundação SOS Mata
Atlântica, Mario Mantovani. Alteração do Código Florestal, ausência de criação de
novas Unidades de Conservação (UC) e aumento do desmatamento na região
amazônica, foram algumas das principais críticas ao governo Dilma.

O descaso em relação à proteção dos recursos naturais só aumentou no governo


Temer. Começando com a tentativa de aprovar o Renca – projeto de mineração em
áreas indígenas, felizmente não aprovado por causa de protestos no Brasil e no
exterior –, a fragilização da legislação ambiental, a redução das áreas de Unidades
de Conservação e a flexibilização do licenciamento ambiental; foram diversas as
iniciativas rumo ao retrocesso. No entanto, como ponto positivo no governo Temer,
cabe ressaltar a assinatura da ratificação do Acordo de Paris, pacto mundial de
limitação das emissões de gases de efeito estufa.

Na área ambiental o governo de Jair Bolsonaro só vem acentuando a má atuação dos


governos anteriores. A começar por declarações do próprio presidente, noticiadas
antes da posse: planejava retirar o Brasil do Acordo de Paris.

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A saída do acordo climático traria a redução de recursos financeiros internacionais,
utilizados internamente para implantação e manutenção de projetos ambientais de
impacto social e econômico. Uma segunda hipótese é que ao deixar o Acordo, o Brasil
poderia ser alvo de sanções econômicas por parte de países pertencentes ao pacto.
Felizmente, tal saída não se concretizou, apesar da declaração do ministro das
Relações Exteriores, Ernesto Araújo, de que a “ideologia das mudanças climáticas”
havia sido criada pela esquerda globalista.

Outra ideia de Bolsonaro, a de acabar com o Ministério do Meio Ambiente sujeitando-


o ao ministério da Agricultura, gerou muitos protestos, fazendo com que o plano fosse
abandonado. A indicação de Ricardo Salles, ex-secretário de Meio Ambiente do
estado de São Paulo e condenado em primeira instância por fraude na elaboração de
plano de manejo em uma Área de Proteção Ambiental em favor de empresas
mineradoras, também não ajudou a melhorar a imagem do governo nesta área. Depois
disso foram promulgadas uma série de medidas e decretos, que começaram a minar
o ministério de Meio Ambiente, limitando sua capacidade de atuação. Com tudo isso,
aumentam exponencialmente os índices de desmatamento na região amazônica;
saneamento e gestão de resíduos urbanos não avançam; cresce o uso de agrotóxicos.
A situação é muito grave.

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O mercado brasileiro de energias renováveis

Cerca de 60% da energia elétrica no Brasil é de origem renovável, gerada por


hidrelétricas. A partir de 2002, depois de uma estiagem que reduziu drasticamente o
nível dos reservatórios das hidrelétricas, o governo deu início a um programa de
investimentos em energias renováveis, o PROINFA. Este programa, apesar de não
ter tido grande êxito, ajudou a atrair a atenção de investidores e fabricantes de
equipamentos para o grande potencial do mercado brasileiros de energias renováveis.

Em 2017 foram investidos US$ 6,2 bilhões em energias renováveis (10% de


crescimento em relação a 2016 e não incluindo as hidrelétricas). Segundo
especialistas, a tendência é que em 2018 os números do mercado sejam bastante
parecidos aos de 2017, já que o mercado de energia eólica continuou em crescimento
e o mercado de energia solar fotovoltaica apresenta gradual crescimento. Somente o
setor de energia eólica sozinho, tem planos de investir US$ 20 bilhões até 2020. Este
volume de investimentos coloca o Brasil entre os oito maiores investidores em energia
renovável, junto com a Alemanha, China, Estados Unidos, Índia, entre outros.

Em 2015, ano de realização da Conferência das Nações Unidas sobre Mudanças do


Clima (COP-21), a matriz energética brasileira já tinha um índice de energia renovável
de quase 30%, sem incluir neste cálculo as hidrelétricas. A meta do governo, acordada
na Conferência das Nações Unidas sobre Mudanças do Clima (COP-21), é chegar
aos 45% até 2030. O governo vem se preparando para isso, realizando leilões de
compra de energia renovável - eólica, biomassa, solar, pequenas centrais hidrelétricas
(PCHs) - desde 2007, tendo realizado 28 leilões entre dezembro de 2007 e novembro
de 2015.

Além dos leilões o governo dispõe de outros instrumentos para fomentar o mercado
das energias eólicas. O Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social
(BNDES) oferece linhas de financiamento para todas as energias renováveis, a juros
mais baixos e prazos mais longos, do que usualmente oferecidos pelos bancos
privados no mercado. Para obter tais financiamentos, é preciso que a empresa esteja
estabelecida no Brasil, cadastrada junto ao BNDES e atenda regras de conteúdo local
(local content) de 60%. Em muitos casos este critério é mais seletivo, dependendo de

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quais componentes do equipamento são de fabricação local (a ideia por trás deste
financiamento é fazer com que cada vez mais componentes de alto valor agregado
sejam fabricados localmente). Outro tipo de financiamento, criado em 2013, é o
programa INNOVA ENERGIA, que subsidia até 90% dos custos dos projetos de P&D
(Pesquisa e Desenvolvimento) nas áreas de smart grids, energias renováveis,
veículos híbridos e eficiência energética nos transportes.

Em dezembro de 2015 o Ministério das Minas e Energia (MME) lançou o Programa


de Geração de Energia Distribuída (ProGD) um plano de estímulo, para atrair
investimentos para o setor de energia solar. Através de iniciativas dos governos
estaduais, do MME, de órgãos ligados ao ministério, de parcerias com o setor privado
e financiamentos do BNDES e Banco do Brasil, o MME pretende direcionar R$ 100
bilhões em investimentos para o setor de energia fotovoltaica até 2030.

Além dos financiamentos, o governo também criou isenção de taxas e incentivos


fiscais para impulsionar este mercado. As leis 9648/98; 10438/2002; 10762/2003;
11488/2007 e 13097/2015 garantem descontos de pelo menos 50% nas tarifas de
transmissão e distribuição de energias renováveis para projetos entre 1 MW e 30 MW.

Para as energias renováveis também existe isenção de imposto de importação e


ICMS. O Decreto 7660 fixa o imposto de importação para equipamentos relacionados
com a energia eólica entre 2% e 10%. Em 2015 a Lei 13097 aprovou isenção de
imposto de importação para componentes de turbinas eólicas. Até 2021 todos os
equipamentos relacionados com a energia eólica e solar estão isentos do pagamento
do ICMS.

O mercado brasileiro de energia renovável, apesar da crise econômica que afeta o


restante da economia, é um dos poucos mercados em crescimento. Empresas
preveem que depois da crise a economia voltará a crescer em um ritmo mais
acelerado, o que aumentará a demanda por eletricidade. Outro aspecto é que devido
à grande disponibilidade de recursos naturais - vento, sol, biomassa - a geração de
energia renovável no Brasil é mais barata, a partir do ponto em que as empresas
alcançam ganho de escala. O aprimoramento da tecnologia e da engenharia
financeira (financial engineering) fizeram com que os custos caíssem ao longo dos
anos. Exemplo disso é o custo da energia eólica, cujo preço de contratação era de R$
374,00/MWh em 2002, passando para cerca de R$ 181,00 em 2015.
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Tais fatores fizeram com que grande grupos empresariais nacionais e empresas
estrangeiras passassem a investir neste mercado. Uma lista completa das empresas
atuando no setor de energia eólica encontra-se em
http://www.portalabeeolica.org.br/index.php/associados.html. As principais empresas
do setor de energia solar estão em: http://www.absolar.org.br/associado. O segmento
da biomassa é bastante pulverizado, mas muitas informações podem ser obtidas no
site: http://www.biomassabr.com/bio/resultadonoticias.asp?id=2879.

O mercado brasileiro de energias renováveis está em desenvolvimento e com isso


demanda novas tecnologias. Apesar de muitas empresas estarem já presentes neste
mercado, existem oportunidades para empresas especializadas em projetos de médio
e pequeno porte; que fazem parte da estratégia futura do governo brasileiro. O setor
de equipamentos também tem muitas oportunidades para fabricantes com know-how
específico, além dos setores de consultoria e de formação de mão de obra
especializada.

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Florestas, biodiversidade e pobreza

A maior parte das áreas de grande diversidade biológica está localizada em florestas
e savanas das regiões tropicais. Não por acaso, estes extensos territórios com alta
concentração de biodiversidade, estão situados em países onde por fatores históricos,
geográficos e econômicos, estas riquezas naturais ficaram relativamente conservadas
até as últimas décadas. O difícil acesso e o diminuto interesse econômico que estas
regiões despertavam, fez com que se conservassem quase intactos muitos de seus
ecossistemas ao longo da evolução da vida na Terra.

Este quadro quase idílico, no entanto, começou a mudar depois da Segunda Grande
Guerra. A expansão do capitalismo industrial para todos os continentes habitáveis do
planeta, incorporou estes países – muitos deles recentemente criados – como
consumidores de produtos e supridores de matéria de matérias primas, ao sistema
econômico mundial. Crescia a atividade econômica, chegavam os avanços da
moderna medicina, como a vacinação e o saneamento, e assim decresciam os índices
de mortalidade na infância. Com mais pessoas a serem alimentadas, a agricultura
precisava avançar sobre territórios inexplorados, cobertos por florestas e savanas,
onde a biodiversidade ainda era alta.

Começava assim a destruição das áreas remanescentes de biomas e ecossistemas


originais, em áreas tropicais. O processo teve início na década de 1950 e se estende
até os dias atuais. Ao longo desses sessenta anos, vastas extensões de floresta foram
destruídas, na maior parte dos países da Ásia, África e América Latina. Estima-se que
em 1800 a área de florestas tropicais era de cerca de 16 milhões de quilômetros
quadrados em todo o planeta. Em 2010 estimava-se que menos da metade dessa
área permanecia como floresta intocada, e cerca de um outro quarto sobrevivia como
floresta fragmentada e degradada (Jornal da Unicamp de 7/08/2017).

Segundo o professor Luiz Marques, livre-docente do departamento de História da


IFCH/Unicamp, as florestas tropicais são o lar de 80% de todas as espécies terrestres.
Ainda segundo o professor, haveria entre 40 mil e 50 mil espécies diferentes de
árvores nas florestas tropicais da Ásia, África e América do Sul. Segundo o docente,
dados coletados por satélites em todo o mundo entre 1990 e 2010, mostram um

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aumento no desflorestamento de 62% na primeira década do milênio. No Brasil o
processo de derrubada da floresta vinha diminuindo nos últimos dez anos, mas
apresentou considerável crescimento, notadamente no período 2017-2018.

Uma rede de 120 cientistas de diversas especialidades e regiões do Brasil elaborou


recentemente o Primeiro Diagnóstico Brasileiro de Biodiversidade e Serviços
Ecossitêmicos. O trabalho identificou que 40% da cobertura florestal brasileira está
concentrada em 400 municípios, nos quais vivem 13% da população mais
economicamente carente do país. Estes municípios localizam-se principalmente na
região Norte e em parte menor no Centro-Oeste. Estas áreas, apesar de ainda
possuírem cobertura vegetal original considerável, apresentam índices de
desenvolvimento humano (IDH) bastante baixos.

O baixo desenvolvimento econômico e social nessas regiões, classificado pelo


relatório como “pobreza verde”, representa uma ameaça à conservação da floresta. A
falta de perspectivas de sobrevivência, aliada à ausência de quase todos os serviços
oferecidos pelo Estado, faz com que a população se volte para o aproveitamento da
única riqueza imediatamente mais disponível: a floresta. Começa assim o ciclo de
degradação, que se inicia pela retirada da madeira com algum valor comercial. Em
seguida ocorre a derrubada e queima da vegetação, seguida pela agricultura de
sobrevivência e pela criação de gado. O solo, que na maior parte da região é pobre,
em poucos anos se torna degradado, não sendo mais indicado para a agricultura ou
criação de animais.

Ao final deste processo, que pode durar alguns anos, a população não tem mais
possibilidade de exercer nenhuma atividade econômica baseada na terra, que está
esgotada. O passo seguinte é abandonar a região e dirigir-se para outras áreas ainda
inexploradas ou se estabelecer na periferia das pequenas cidades da região. A falta
de infraestrutura de saneamento, assistência médica e educação, faz com que este
processo, do uso incorreto da floresta até a fixação na cidade, aumente a pobreza e
o atraso nestas regiões.

Outro aspecto é que geralmente a exploração da floresta e sua substituição pela


pecuária, não gera benefícios econômicos consideráveis para a região e seus
habitantes. A maior parte dos recursos auferidos pelo comércio de madeira e do gado
é recebido pelo dono (ou grileiro) da terra e do gado. Os impostos, quando
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devidamente pagos, pouco beneficiam as prefeituras e, indiretamente, a população
local. Findo o processo de derrubada da floresta e exaurimento da terra, nada sobra
para a região.

Para beneficiar econômica e socialmente estas regiões e suas populações, o relatório


propõe uma série de iniciativas baseadas na manutenção da vegetação e a criação
de cadeias de produção, com a utilização dos recursos naturais da floresta. “A
mensagem principal do diagnóstico é que biodiversidade e serviços ecossistêmicos
não podem ser vistos como obstáculos ao progresso”, diz o biólogo Carlos A. Joly,
professor de ecologia da Universidade de Campinas e um dos especialistas que
participaram na elaboração do documento, em declaração ao jornal Valor.

Os países em cujos territórios ainda sobrevivem florestas originais, ainda têm alguns
anos para mudar a maneira como vêm utilizando – e destruindo – suas reservas
vegetais. Além de repositório de grande biodiversidade e fonte de matérias primas e
produtos naturais, estas (ainda) extensas áreas têm um importante papel no equilíbrio
do clima do planeta. Seja como grandes sistemas que distribuem considerável parte
das chuvas e da umidade, ou como sumidouro de imensos volumes de carbono. Se
este gigante processo for afetado consideravelmente pelas atividades humanas, o
clima da Terra sofrerá alterações ainda mais rápidas e drásticas.

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Gestão de resíduos e saúde pública

A epidemia do vírus ebola avança na África Ocidental fazendo um número maior de


vítimas do que nos surtos anteriores. Aparentemente transmitido por morcegos e
macacos contaminados pelo vírus, este se transmite entre humanos através dos
fluidos corporais ou objetos infectados. A doença manifesta-se de duas a três
semanas depois da contaminação e ao ar livre o microrganismo pode sobreviver
durante alguns dias em líquidos ou materiais secos.

Em manifestações anteriores a doença estava limitada a regiões isoladas, com


poucas estradas, o que ajudou a restringir a área de atuação da epidemia. Atualmente
o vírus se manifesta em uma região de fronteira, com estrutura de transporte
desenvolvida e grande tráfego de veículos e ônibus, o que facilita a propagação da
epidemia. A doença, como toda epidemia virótica, espalha-se de maneira rápida em
ajuntamentos humanos: o primeiro paciente, um menino de dois anos, morreu e
contaminou irmã, mãe e avó, que faleceram semanas seguintes. Duas pessoas que
foram ao funeral da avó, levaram o vírus à sua aldeia. Dali, agentes de saúde que
desconheciam a doença espalharam a epidemia por outras cidades.

O processo de avanço do ebola já preocupa governos e a Organização Mundial de


Saúde (OMS), que em seu site publicou diversas instruções – principalmente
direcionadas a controles de fronteira, aeroportos e portos – com referência aos
primeiros cuidados com viajantes infectados. No Brasil, desde agosto, os aeroportos
e portos estão em alerta e o Ministério da Saúde informou que iria aumentar o nível
de atividade de um centro de operações em emergências em saúde. O ministro da
Saúde, Arthur Chioro, declarou que “Não há risco, neste momento, de transmissão do
ebola no Brasil.”

Supondo, no entanto, que em futuro próximo possa aqui chegar – por aeroporto ou
porto – algum portador do vírus ebola, convêm estarmos preparados. Além de leitos
em hospitais equipados é preciso que objetos e resíduos em contato com o portador
da doença também sejam tratados de maneira segura.

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Tal necessidade implica que os aeroportos e portos brasileiros disponham de um
sistema de gestão de resíduos, devidamente implantado e preparado para lidar com
materiais patogênicos infectados com um vírus de alta periculosidade, como o ebola.

Neste aspecto, todavia, os portos e aeroportos brasileiros ainda têm muitas


deficiências. O país dispõe de 37 portos públicos, dos quais três fluviais e 34
marítimos, gerenciados por companhias de capital misto, estados e municípios. Com
relação à operação, o órgão responsável pelos portos é Agência Nacional de
Transportes Aquaviários (ANTAQ). O sistema aéreo, constituído por 67 aeroportos,
69 agrupamentos de navegação aérea e 51 unidades técnicas de navegação, tem
seus serviços administrados pela Empresa Brasileira de Infraestrutura Aeroportuária
(Infraero). A legislação com relação à gestão de resíduos em portos e aeroportos foi
elaborada ao longo dos anos pelo Ministério do Meio Ambiente (MMA) e pela Agência
Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA).

Os dados mais atualizados sobre a gestão de resíduos em áreas portuárias e


aeroportuárias constam do “Diagnóstico de Resíduos Sólidos de Transportes Aéreos
a Aquaviários”; um estudo publicado em 2012 pelo Instituto de Pesquisa Econômica
Aplicada (IPEA). Enquanto muitos aeroportos já dispõem de planos de gestão de
resíduos incluindo coleta seletiva, equipamentos (autoclave, incinerador, etc.), áreas
de triagem, segregação e destinação em aterro sanitário, a maior parte dos portos
ainda não avançou neste tipo de gestão. Ainda segundo o estudo do IPEA, os
diferentes portos e aeroportos mostraram distintos graus de organização, além de
outros problemas, como: falta de dados sobre volume de resíduos gerados, tipo de
resíduos, tratamento e destinação; pouco controle dos planos de gestão já
implantados e falta de mão de obra treinada; falta de equipamentos e instalações
adequadas.

Como parte da Política Nacional de Resíduos Sólidos em vigor desde 2010,


aeroportos e portos precisam implantar e aprimorar seus planos de gestão de
resíduos. Se, por um lado, ainda há muito por fazer no país para se reduzir o impacto
ambiental das atividades portuárias e aeroportuárias, por outro, a correta gestão dos
resíduos em tais atividades também é tema de saúde pública.

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Tratamento e consumo de água

A cada ano, no dia 22 de março, celebra-se o Dia Mundial da Água. A data


comemorativa foi criada pela Organização das Nações Unidas (ONU) em 1992, para
levantar discussões sobre este precioso recurso com o lançamento do documento
"Declaração Universal dos Direitos da Água". O debate sobre este tema nunca é
demais, já que grande parte dos recursos hídricos do planeta ainda está sendo
desperdiçada e poluída. O quase desaparecimento do mar de Aral na Ásia Central, o
rebaixamento do lençol freático em várias regiões do globo, o assoreamento de
grandes rios; são sinais de que ainda há muito por fazer na gestão dos recursos
hídricos.

A água, apesar de ser relativamente comum no universo é rara na forma líquida sobre
a superfície dos planetas. A Terra é um dos poucos planetas que abriga grandes
quantidades deste elemento: os oceanos contêm 97% da água superficial do planeta;
as geleiras e calotas polares têm 2,4%; rios, lagos e lagoas abrigam 0,6%. A água
disponível para consumo das espécies vivas, incluindo os humanos, é limitada, mas
não insuficiente. Através do ciclo hidrológico o líquido é depurado e redistribuído,
atendendo às necessidades dos ecossistemas da Terra. Este processo ocorre desde
a formação do planeta, há 4,6 bilhões de anos. Os problemas efetivamente
apareceram quando pela ação do homem seu uso se tornou excessivo e a água
passou a ser devolvida ao meio ambiente contaminada por elementos orgânicos e
inorgânicos, na forma de efluentes e lodos. Nesta situação, o ritmo de depuração
natural da água é lento demais para as necessidades de uma civilização perdulária
com os recursos naturais e aí começam a aparecer os problemas. Aqui vale lembrar
que toda a preocupação com a poluição e a crescente escassez da água em
determinadas regiões da Terra, afeta principalmente os seres humanos. Se, por algum
acaso, desaparecermos como espécie, o ciclo hidrológico cuidará da despoluição das
águas ao longo das eras. Não somos necessários para o funcionamento do planeta.

O volume de água disponível na Terra, desde sua origem, permaneceu quase


inalterado. Os cientistas afirmam que apesar de toda a contaminação a que é
submetida, a água não desaparecerá, mas poderá se tornar cada vez mais poluída e
misturada a resíduos sólidos.

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Este processo fará com que sua limpeza para usos mais nobres se tornará
gradualmente mais cara e sua concentração - em lagos, rios e no subsolo – poderá
mudar. Por exemplo: a água que se tornou cada vez mais rara no Norte da África nos
últimos dez mil anos – seja na forma de precipitação ou no subsolo –, propiciando a
formação de um deserto, deslocou-se para outras regiões do planeta, através do ciclo
hidrológico. São os fatores climáticos como os ventos e temperatura, associados aos
aspectos geográficos (montanhas, oceanos, rios, vegetação), que fortemente
influenciam a incidência de chuvas, principal fator no ciclo da água. Este processo de
realocação dos recursos hídricos é constante e sujeito a inúmeros aspectos
adicionais, que ocorrem ao longo de extensos períodos de tempo, como as radiações
solares, a mudança do eixo da Terra, erupções vulcânicas, maremotos, etc. Daí a
grande dificuldade de se desenvolver modelos simulados de ciclos hidrológicos de
grandes regiões ou longos períodos.

O impacto humano sobre os recursos hídricos aumenta junto com o crescimento da


população. Se antes a poluição era restrita a áreas habitadas e de atividade agrícola,
com o início da industrialização estes aspectos mudam: em 1800 a humanidade
atingiu a marca de um bilhão de pessoas, no início da primeira fase da Revolução
Industrial. Daí para frente o crescimento populacional aumentou num ritmo cada vez
mais rápido: em 1930 o mundo tinha dois bilhões de habitantes; 1960, três bilhões;
1975, quatro bilhões; 1987, cinco bilhões; 1999, seis bilhões e 2012, sete bilhões de
pessoas. O crescimento da população só foi possível com uma maior oferta de bens
e alimentos, para cuja produção foi necessário mais consumo de água.

Os primeiros impactos significativos que os humanos provocaram sobre os recursos


hídricos ocorreram com a prática regular da agricultura, que teve início há
aproximadamente oito mil anos. Grandes extensões de áreas plantadas, geralmente
localizadas em regiões de pouca precipitação pluviométrica (Egito, Suméria e vale do
Indo), precisavam ser irrigadas, através da construção de canais. Assim além de
descarregar resíduos e efluentes sanitários nos rios, estas culturas também fizeram
obras de engenharia que influíam no fluxo regular dos rios e na qualidade de suas
águas. Foram estas as civilizações que primeiramente mostraram uma preocupação
com a qualidade da água potável. Métodos de melhoria do gosto ou do odor da água
potável datam de antes de 4.000 a.C.

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Os documentos mais antigos tratando deste tema foram encontrados em tumbas
egípcias e em documentos da antiga Índia, onde um texto médico denominado
Sus´ruta Samita, datado de 2.000 a.C., dá instruções sobre o tratamento da água. Os
métodos incluem a fervura, aquecimento da água pela luz solar, a colocação de ferro
aquecido na água, processos de filtragem com gravetos e areia e mistura de certas
sementes ou pedras à água. Nas paredes dos túmulos de Amenophis II e Ramses II,
faraós do 15º e 13º séculos a.C. respectivamente, encontram-se desenhos de
equipamentos para limpeza da água. Os gregos e romanos também desenvolveram
técnicas para purificação, já que os últimos tinham criado sofisticada engenharia para
captação e transporte de água através dos aquedutos.

As tecnologias de depuração da água não sofreram alterações significativas durante


todo o período medieval, até o início da Era Moderna. As pequenas cidades da Idade
Média eram abastecidas por água de poços, espalhados pelo perímetro urbano,
oferecendo água de relativa qualidade, limitando o surgimento de epidemias
provocadas por água contaminada. A partir dos séculos XI-XII, com o aumento da
população urbana e a lenta contaminação do subsolo, a disenteria tornou-se doença
comum. Causada por bactérias ou amebas e disseminada por alimentos e água
contaminada por matéria fecal, a moléstia ceifou dezenas de milhares de vidas,
principalmente de crianças, no período. A partir do século XVIII, com o aparecimento
das primeiras empresas de fornecimento de água para residências, o processo de
filtragem do líquido tornou-se procedimento regular na Europa. Ao longo do século
XIX a captação, preparação e distribuição de água tornam-se mais comuns, aliando
as novas descobertas na área da medicina – entre outras a descoberta do vibrião do
cólera por Koch e os conceitos da microbiologia desenvolvidos por Pasteur –
disseminando-se pelas mais importantes cidades da Europa e dos Estados Unidos.
Foi somente no início do século XX que os serviços de tratamento de água se
popularizaram – pelo menos nos países mais desenvolvidos.

No Brasil as primeiras estações de captação e tratamento de água surgiram no final


do século XIX e início do século XX, começando pelas cidades do Rio de Janeiro, São
Paulo e Belo Horizonte. Por volta de 1930 todas as capitais brasileiras possuíam
sistemas de tratamento de água. Estes, se não atendiam toda a população, pelo
menos forneciam água tratada para as regiões centrais e bairros mais antigos.

18
A partir da década de 1940, com o aumento do êxodo rural e o crescimento da
demanda por saneamento, surgem as primeiras empresas públicas e autarquias de
serviços de tratamento da água. O setor de saneamento – especificamente o
tratamento de água – tem um grande impulso a partir do início da década de 1970
com a implantação do Plano Nacional de Saneamento – Planasa. O plano criou as
companhias estaduais de saneamento, obrigou os estados a investirem no setor e
estabeleceu linhas de crédito com base em recursos do Fundo de Garantia por Tempo
de Serviço (FGTS). A década de 1980, também para o setor de saneamento, foi de
relativa estagnação, dado o alto endividamento do Estado e as elevadas taxas de
inflação. A retomada dos investimentos e a ampliação da infraestrutura do setor só
ocorrem a partir da estabilização da economia em 1994, com um aumento dos
recursos principalmente com a criação do Plano de Aceleração do Crescimento, em
2007. No entanto mesmo com a criação do Plano Nacional de Saneamento Básico
(Plansab), criado pelo Ministério das Cidades em 2012, e que prevê investimentos de
R$ 270 bilhões até 2030, as perspectivas para o setor ainda são incertas.

Atualmente, 81% da população do País, cerca de 157 milhões de pessoas, têm


abastecimento de água tratada. Os 37 milhões que não são atendidos em suas
necessidades básicas de água habitam principalmente a região Norte, o Nordeste e o
Centro-Oeste. Além de deixar de suprir parte considerável da população com água
tratada, em média 38% do volume de água tratada são perdidos no sistema de
distribuição. Isto sem mencionar que somente 47% do esgoto sanitário são coletados
e apenas 38% deste volume coletado é tratado – o que quer dizer que meros 18% do
volume total do esgoto gerado no Brasil são tratados.

Outro aspecto é quanto à qualidade da água tratada. Segundo dados do Ministério da


Saúde, apenas 67% das cidades estão preparados para fiscalizar e avaliar a
qualidade da água que sua população consome. Não havendo fiscalização constante,
não se conhece a situação da água nas fontes de fornecimento (lagos, rios,
nascentes), no tratamento e nem no produto final, distribuído aos consumidores. O
problema é grave e já na década de 1960 as autoridades de saúde dos Estados
Unidos chegaram à conclusão de que não somente a cor e a presença de patógenos
ou produtos químicos deveriam ser os únicos parâmetros na aferição da qualidade da
água.

19
Nessa época já havia uma série de novos produtos químicos e farmacêuticos, que
chegando às fontes de fornecimento acabavam poluindo as águas e não eram
eliminados nos sistema de tratamento – mesmo com tecnologias de adsorção em
filtros de carvão ativado. Hoje o número de substâncias químicas de todo o tipo, que
por vária maneiras chegam às fontes de captação da água para consumo são bem
maiores. Em pesquisa realizada pelo Instituto de Química da Universidade Estadual
de Campinas (UNICAMP) com a água consumida na Região Metropolitana da Região
de Campinas, foi constatada forte presença de interferentes endócrinos, substâncias
que se ingeridas por longos períodos podem interferir no funcionamento das
glândulas. Durante o período de pesquisa foram encontrados diversos tipos de
hormônios e de esteróides derivados do colesterol, produtos de origem farmacêutica
e industrial. As concentrações identificadas são em alguns casos mil vezes mais altas
do que em países da Europa. Estas substâncias são relacionadas com o
aparecimento de diversos tipos de câncer e não são eliminadas pelos sistemas
convencionais de tratamento de água em funcionamento no País, segundo
especialistas. Mas informações sobre o assunto estão em
http://www.unicamp.br/unicamp/unicamp_hoje/ju/dezembro2006/ju346pag03.html.

O tratamento da água com adição de cloro é bastante eficiente em um país onde


grande parte das fontes de fornecimento já está contaminada por efluentes
domésticos. Isto porque, grandes volumes de efluentes não tratados são
descarregados nos rios e lagos, que por sua vez também fornecem água para
consumo humano. Assim forma-se o círculo vicioso: a baixa qualidade da água
captada faz com que o tratamento se torne cada vez mais caro; e a descarga dos
efluentes torna as fontes de fornecimento cada vez mais poluídas, encarecendo seu
tratamento para consumo humano. Desta forma sobram poucos recursos para
tecnologias de tratamento da água mais avançadas que o cloro ou dióxido de cloro,
desinfetantes que não são unanimidade entre os especialistas. Descobriu-se, por
exemplo, que certos patógenos de água potável são resistentes ao cloro e podem
causar doenças como a hepatite, gastrenterite, criptosporidiose e Mal do Legionário.
Nos Estados Unidos, menos de 60% da água para consumo humano têm adição de
cloro; e em níveis mais baixos que no Brasil – 4 PPM (parte por milhão) contra cinco
PPM no Brasil.

20
Na Alemanha e Holanda o elemento só é utilizado em alguns casos, já que as fontes
de fornecimento são protegidas e controladas, proporcionando a captação de água de
alta qualidade, com pouca necessidade de tratamento. Pesquisas indicam que a
exposição prolongada ao cloro pode ocasionar câncer de bexiga, do aparelho
digestivo e de mama, devido à tendência do cloro de interagir com compostos
orgânicos na água, formando trialometanos (THM) e ácidos haloacéticos (HAA5).

O Brasil ainda está engatinhando no que se refere ao tratamento e distribuição de


água potável. Em uma primeira fase é preciso atingir algo em torno de 95% de água
tratada – mais do que isto é utópico para um país com as dimensões do nosso. Mesmo
o sistema alemão, eficiente e descentralizado (operado por cerca de 6.000 empresas
concessionárias) não chega a atender 100% da população. Quando alcançaremos
esta marca de pessoas abastecidas com água tratada é difícil estimar; talvez em 10-
20 anos, dependendo de fatores econômicos e sociais. Em uma segunda fase
provavelmente seriam implantados sistemas de avaliação e fiscalização das fontes de
fornecimento. Para que esta providência seja efetiva, terão que ser reduzidos ou
eliminados os níveis de poluição por efluentes domésticos de rios e lagos, que
funcionam como fonte de captação de água para consumo. Em uma terceira fase
poderiam ser implantados sistemas mais eficientes de tratamento – já em uso em
algumas poucas unidades de tratamento – como sistemas de ozonização (O³) e
tratamento com raios ultravioleta (UV), que eliminariam a prática da cloração da água.
Esta solução provavelmente não será aplicada a todas as unidades de tratamento do
país, já que fatores econômicos e características regionais poderão requerer outras
tecnologias. Outra possibilidade, possivelmente a mais provável, é que os avanços
técnicos citados acima ocorram de maneira diversa, em ritmos de implantação
diferentes, nas variadas regiões do País.

21
Economia, complexidade e capacidade de resposta à crise

A economia, assim como vários outros sistemas existentes - uma colônia de animais,
uma eleição, o clima, a bolsa de valores - são considerados sistemas complexos
porque suas propriedades emergentes decorrem principalmente de relações não
lineares entre suas partes constitutivas. Estes sistemas são compostos por vários
aspectos que interagem entre si, formando uma nova estrutura, que por sua vez
incorrerá em novas e mais complexas relações, e assim por diante. Os sistemas
complexos não são simplesmente a soma de suas partes, como mecanicismo
cartesiano; são muito mais. Não é por outra razão que para se estudar o
desenvolvimento destes sistemas são necessários computadores de altíssima
potência, processando bilhões de informações por segundo.

A crise econômica e financeira por que passa o país terá uma série de consequências,
numa cadeia de causa e efeito de resultados imprevisíveis, gerando novos fatos agora
ainda imperceptíveis. Sem nos preocuparmos em fazer a genealogia da crise pela
qual passa o país - já que esta também tem origens complexas - comecemos pelo fato
mais palpável e imediato: a alta da inflação e a consequente ascensão dos juros. A
elevação do custo do dinheiro (juros) já se baseia em princípios simplistas,
cartesianos, de mera causa e consequência: eleva-se o juros, tornando os
empréstimos ao consumidor mais caros, reduz-se o poder de compra, provocando a
queda da demanda e, como corolário, os preço das mercadorias. É através deste
artifício reducionista que muitos burocratas do Banco Central e do governo esperam,
não se sabe depois de quanto tempo, conseguir finalmente a queda dos juros. Fato é
que até agora, apesar de doses maciças do amargo remédio, a inflação resiste e até
aumenta.

Por enquanto, o xarope dos juros altos, além de não surtir efeito no combate da
inflação, está minando outras partes da estrutura da economia brasileira. Em sistemas
complexos cada providência tem suas consequências. Assim, a queda da demanda
provoca a redução do poder de compra. Este gera queda no faturamento das
empresas, forçando-as a demitir mão de obra.

22
Com o crescimento do desemprego em setores importantes, como o da construção,
de serviços e indústria ocorre uma queda ainda maior no consumo, resultando em
mais redução da produção e mais dispensas. Em todas as fases deste processo
"queda de vendas -> aumento do desemprego -> queda de vendas..." ocorre uma
queda na arrecadação de impostos. Sendo assim, o recente aumento de impostos
também não deverá surtir o efeito desejado, já que o aumento das alíquotas não
compensará a diminuição da base de cálculo.

A redução da receita do Estado terá outros impactos na economia, como a falta de


recursos para investimentos em infraestrutura: serviços de saneamento, hospitais,
escolas, projetos sociais, estrutura logística; isto para ficar apenas no básico
elementar. Nem consideramos os cortes que sofrerão os investimentos em ciência,
tecnologia e pesquisa (em medicina, agricultura, eletrônica e TI, aeronáutica, energia,
etc.), meio ambiente (criação de unidades de conservação, aparelhamento de parques
nacionais, implantação de programas diversos) e modernização da máquina
administrativa do governo em seus três níveis.

As medidas de ajuste ora implantadas são necessárias, pelo menos nos primeiros
instantes, para conter a hemorragia do paciente e evitar que a situação do Brasil se
agrave. Mas o tratamento para sua definitiva recuperação, implicaria medidas de
reforma política do estado, da política econômica e fiscal, além de outras providências
gerais de modernização, desburocratização e democratização do acesso aos serviços
do Estado.

Resta saber se com o capital humano de que dispomos - no Executivo, Legislativo e


Judiciário - tal empreitada é passível de ser realizada. Além do esforço mensal de
embolsar grandes quantias em dinheiro público a título de salário, auxílios e outras
benesses - algumas delas até não oficiais - a contribuição que estes poderes vem
dando à causa da República ainda está longe de ser suficiente.

23
Estratégias de exploração dos recursos naturais

“Produtividade máxima sustentável e estratégia de exploração por quota fixa e esforço


fixo”. Como estas técnicas de exploração procuram extrair produções máximas
sustentáveis de populações naturais?

O termo “produtividade máxima sustentável” é um termo que relaciona a ecologia com


a economia. Trata-se da máxima produção que se pode obter de qualquer produto
natural – vegetal ou animal – sem que o ambiente onde ocorra esta produção
(extração, cultura ou criação) seja prejudicado, ou seja, mantenha sua
sustentabilidade. Um exemplo interessante nos é dado com o plantio de açaí nativo,
feito pela Embrapa. Segundo o estudo vemos que há uma interferência no ambiente
natural onde a planta é encontrada. Diz o texto: “Nas áreas destinadas para a
produção de frutos, normalmente, são eliminados os estipes de açaizeiro excedentes
das touceiras e, também, algumas plantas de outras espécies, com vistas à redução
da concorrência por água, luz e nutrientes. Ambos os casos provocam sensíveis
alterações nos fatores que afetam a produtividade dessa palmeira. No caso da
exploração do palmito, são eliminadas grandes quantidades de estipes de açaizeiro
em decorrência da própria atividade.” (Nogueira, 2006).

No entanto, vemos que mesmo com esta interferência, é mantida a sustentabilidade


do ambiente, segundo afirma e especialista da Embrapa: “O manejo tem sido
enfatizado como a forma de garantir a extração sustentada dos recursos naturais. No
extrativismo da madeira, pesca e caça, por exemplo, há a preocupação de serem
igualadas as taxas de extrações com a capacidade de regeneração. No entanto,
a taxa de extração biológica, muitas vezes, não garante a sustentabilidade
econômica.” (Nogueira, 2006 – negrito nosso).

A grande dificuldade deste tipo de exploração econômica é o número de variáveis com


as quais se precisa trabalhar. No caso da plantação de açaí é preciso considerar as
taxas de luminosidade para as plantas, área de solo disponível, umidade, espaço,
concorrência de outras espécies, etc.

24
O termo estratégia de exploração por quota fixa e esforço fixo refere-se à exploração
econômica de um ecossistema, do qual se extrai quantias fixas de produto natural.
Um exemplo típico é a fixação de cotas de pesca de peixes, caranguejos ou lagostas,
durante certos períodos do ano em certas regiões. Não se sabe exatamente como
anda, por exemplo, a taxa de reprodução dos caranguejos – é por isso que estes
ecossistemas precisam ser constantemente monitorados. A pesca da lagosta no
Nordeste, por exemplo, atinge volumes cada vez mais baixos, devido a um histórico
de pesca predatória que ainda continua. Além disso, é preciso acompanhar
constantemente a tecnologia empregada no processo da pesca, já que a melhoria
desta tecnologia pode proporcionar a captura de maiores quantidades de pescado em
menos tempo. Atinge-se uma alta produtividade que, todavia, em pouco tempo exaure
os recursos naturais – neste caso as lagostas.

Estas estratégias de exploração procuram extrair quantidades máximas de


populações naturais através de um constante monitoramento das condições do
ecossistema que está sendo explorado. No caso do açaí, por exemplo, uma seca pode
deixar certos espécimes mais fracos, comprometendo a quantidade de frutos
produzidos. O mesmo pode acontecer entre os caranguejos já citados, onde
mudanças de temperatura da água podem aumentar ou diminuir o nascimento de
fêmeas, o que pode apontar para uma tendência de aumento ou diminuição no
nascimento de novos indivíduos no futuro.

Trata-se, pois de um tipo de exploração que requer muito cuidado e


acompanhamento, com o risco de destruir espécies ou ecossistemas inteiros,
dependendo da importância desta espécie explorada na cadeia de alimentação do
sistema.

Bibliografia:

Nogueira, Oscar L. Sistemas de Produção do Açaí. Embrapa, 2006. Disponível em:


<http://sistemasdeproducao.cnptia.embrapa.br/FontesHTML/Acai/SistemaProducaoA
cai_2ed/paginas/sp3.htm> Acesso em 7/06/10
Ecologia aplicada – Aula 4. Disponível em:
<https://webserv.dec.uc.pt/weboncampus/getFile.do?tipo=2&id=6598> Acesso em
7/06/10

25
Cresce a preocupação com o clima da Terra

Há alguns anos escrevi um artigo sobre a teoria das mudanças climáticas, no qual
comparava a atitude de nossa civilização à do fumante em relação ao cigarro. Este
sabe que o fumo faz mal à sua saúde e que, mais cedo o mais tarde, terá que
abandonar o vício. A grande maioria dos dependentes consegue largar o vício ao
longo da vida, com menores ou maiores prejuízos para a saúde. Alguns, no entanto,
por diversas razões, não querem ou não conseguem abandonar o mal hábito e
acabam falecendo, direta ou indiretamente por complicações causadas pelo cigarro.

Este comportamento, o dos relutantes em deixar o tabaco, parece ser o de nossa


civilização pós-industrial, em relação às práticas que estão contribuindo para o
aumento de emissões e, consequentemente, da temperatura da atmosfera terrestre.
Sabemos, ou pelo menos dispomos de fortes indícios, de que nossas atividades
econômicas em seus constituintes – a extração, a produção, a distribuição, o consumo
e o descarte – contribuem fortemente para o aquecimento da atmosfera e dos mares.
Sabemos, mas mesmo assim pouco ou quase nada fazemos para reduzir este
impacto.

Existem ainda aqueles que negam a existência das mudanças climáticas ou sua
origem antrópica. O fenômeno, caso efetivamente exista, é para eles parte de um
processo cíclico – os períodos glaciais e interglaciais – pelo qual regularmente passou
o planeta nos últimos 30 milhões de anos e relacionado com a mudança do eixo da
Terra. No entanto, dizem os cientistas favoráveis à teoria da origem antrópica do
aquecimento global, há apenas cinco chances em 1 milhão, de que o fenômeno esteja
ocorrendo de forma natural, sem interferência humana.

Outro aspecto é que a ideologia dos indivíduos também influencia sua opinião em
relação às mudanças climáticas. Através do site Amazona Mechanic Turk foi
recentemente realizada uma pesquisa nos Estados Unidos. Dividiram-se 2.400
participantes em dois grupos com igual número de integrantes; um formado por
pessoas politicamente conservadoras e outro por progressistas. Os participantes
tinham que prever a direção da curva de um gráfico, que mostrava a evolução do
degelo nos polos.

26
Os conservadores opinaram que a tendência da curva seria para baixo, com queda
no degelo, enquanto que os progressistas estimaram que a curva mostraria
crescimento, ou seja, aumento do degelo. Uma das explicações do resultado da
pesquisa, dada pelos organizadores, é de que pessoas conservadoras refletem a
noção de que para diminuir a emissão de gases, a atividade econômica deverá sofrerá
impedimentos.

A pesquisa também concluiu que a comunicação em um contexto social polarizado,


como as redes sociais, acaba por fortalecer posições de grupo, contra ou a favor de
certo tema. Ainda sobre a influência da ideologia nestas questões, declarou em
entrevista à BBC o pesquisador Chris Rapley, da University College London: “Em uma
época de populismo de direita generalizado, junto com a rejeição das mensagens que
partem das chamadas ‘elites cosmopolitas’ e a negação das mudanças climáticas
como uma questão séria, a probabilidade de que uma combinação de fatores
necessária para que a humanidade leve o planeta rumo a um ‘estado intermediário
aceitável’ é próxima a zero.”

Fato é que temos informações e dados suficientes, resultado de pesquisas de


centenas de instituições por todo o mundo, apresentando evidências da influência do
homem no clima da Terra. No entanto, organizam-se encontros periódicos de
cientistas, a ONU promove fóruns reunindo representantes de todas as nações do
planeta, e, apesar dessas iniciativas, os avanços na redução das emissões continuam
pífios. Sim, porque é disso que se trata: reduzir as emissões de gases que causam o
efeito estufa, principalmente o dióxido de carbono (CO²) e o metano (CH4); fenômeno
que provoca o amento da temperatura média do planeta, com todas as suas
consequências. Estas já são por demais conhecidas, divulgadas por todas as mídias:
derretimento das geleiras, aumento gradual do nível dos oceanos, aumento da
quantidade e da força das tempestades tropicais, chuvas torrenciais, secas
prolongadas, ondas de calor – além dos impactos sociais e econômicos destes
eventos.

Mesmo com tudo isso são mínimas, até agora, as iniciativas de redução das emissões.

27
Continuamos, assim como o fumante, pensando que ainda temos tempo e que os
efeitos danosos de nosso comportamento se farão sentir – se o fizerem – somente em
um futuro quase remoto, quando já tivermos mudado nossa maneira de produzir e
consumir. Países, políticos, empresas e consumidores, em sua grande maioria,
sabem do perigo que corremos, mas não querem ou não podem implantar mudanças
a curto prazo. Essa foi, até o momento, a atitude da maior parte dos agentes
envolvidos com o tema.

Mas os dados e as informações preocupantes chegam a um ritmo cada vez mais


rápido. O Fundo Mundial para a Natureza (WWF em inglês) divulgou em outubro de
2018 uma pesquisa na qual informa, entre outras coisas, que a velocidade com a qual
as espécies estão desaparecendo é de 100 a 1000 vezes mais rápida do que era
antes das atividades humanas alterarem significativamente o planeta, ou seja, antes
do século XIX. O mesmo estudo dá conta de que houve um acentuado declínio nas
populações de espécies vertebradas, da ordem de 60% em todo o mundo entre 1970
e 2018. Para se recuperar sozinha deste impacto na biodiversidade, a natureza
demandaria de um período de cerca de 6 milhões de anos.

Como resultado deste crescente impacto a WWF prevê em seu estudo que, a
continuar com este ritmo de degradação dos recursos naturais, até 2050 as atividades
humanas terão afetado 90% de toda a remanescente área natural do planeta. Na
prática, já estamos caminhando nessa direção; a Floresta Amazônica foi destruída em
20% e o Cerrado brasileiro em 50%, no período entre 1970 e 2018.

Outro aspecto dessa processo de alteração do planeta é o fenômeno recentemente


batizado de “Terra Estufa”. Novas pesquisas têm indicado que a partir de um certo
ponto do processo de acúmulo de CO² na atmosfera terrestre, pode ocorrer um
descontrole. Nesta situação a temperatura média do planeta, que já se encontra 1ºC
acima dos níveis pré-industriais e mantêm aumento de cerca de 0,17ºC a cada
década, poderia se elevar de tal maneira, alcançando em poucos séculos os
patamares mais altos já registrados nos últimos 1,2 milhão de anos. Os cientistas
dizem que estamos subestimando o poder e a sensibilidade dos sistemas naturais.

28
Em entrevista à BBC News o pesquisador do instituto de pesquisas Stockholm
Resilience Centre, da Suécia, Johan Rockström declarou: “Nós estamos no controle
agora, mas se ultrapassarmos os 2º C (de aumento de temperatura da atmosfera)
veremos o sistema Terra deixar de ser amigo para se tornar inimigo – colocaremos
nosso destino nas mãos de um sistema planetário que está começando a se
desequilibrar.”

Em início de outubro de 2018, representantes de 130 nações e mais de 50 cientistas


de diversas áreas se reuniram em Incheon, na Coréia do Sul, para prepararem um
relatório, discutindo as chances do planeta em manter a mudança climática sob
controle. Um dos principais objetivos deste trabalho é apontar o quanto os países
desconsideraram a questão nos últimos anos e deixaram de cumprir metas acordadas
no Acordo de Paris (2015), a fim de conter o aumento da temperatura média do
planeta em 1,5º C. Foi consenso geral entre os participantes de que para alcançar o
objetivo deverá ocorrer uma reorientação monumental da economia mundial em
direção à descarbonização. Assim, em 2030 as emissões mundiais precisarão
apresentar uma queda de cerca de 40% em relação a 2010. Em meados do século
XXI as emissões deverão ser de praticamente zero.

Entre outras coisas tais objetivos significariam a eliminação completa dos veículos
movidos a combustível fóssil, a abolição do carvão mineral nas usinas termelétricas e
o uso de biocombustível em aviões. Países onde a agropecuária e o desmatamento
são os maiores responsáveis pelas emissões de CO² e metano, caso do Brasil, teriam
que reduzir suas taxas de emissões nestas áreas para valores bem próximos a zero.
A situação é difícil e, segundo José Marengo, climatologista do Centro Nacional de
Monitoramento e Alerta de Desastres Naturais (Cemaden) disse em declaração ao
jornal Folha de São Paulo, “os tomadores de decisão querem ser o mais realistas o
possível, mas sem ser muito negativos para não gerar pânico na população e nos
mercados.”

No Brasil, especificamente, caso a temperatura média da atmosfera aumente em 2º


C, as mudanças do clima poderão reduzir ainda mais a precipitação pluvial no
Nordeste, diminuindo o volume de água no rio São Francisco e o potencial de geração
de eletricidade. O rio Amazonas também poderá perder até 25% de seu volume de
água, o que representaria um grande impacto para a biodiversidade da região e a

29
população local. Na agricultura os efeitos também seriam adversos. A produção de
milho cairá se a temperatura estiver acima de 35º C e o limite da soja é de 39º C.
Ainda não existem estudos detalhados sobre outras regiões do pais, como por
exemplo o interior do estado de São Paulo, um dos maiores polos econômicos do
Brasil, que recentemente já enfrentou um longo período de estiagem.

Permanece, no entanto, a dúvida. Será desta vez que os governantes, empresários e


consumidores efetivamente passarão a se preocupar e ocupar com a questão do
clima? É este o comportamento que estaremos vendo, seja na comunidade
internacional ou em nosso país? Ou será que devemos partilhar do pessimismo velado
da maioria dos especialistas, que já fazem um cômputo do custo social e econômico
dos impactos que nos aguardam num futuro próximo? Assim como o fumante
inveterado, provavelmente acabaremos vítimas de nosso próprio descuido – neste
caso com a saúde do planeta e de nossa civilização.

30
Uso e exploração dos oceanos

"A origem da vida está nos mares", diz a ciência. Apesar de ainda não termos uma
resposta definitiva sobre como e em que ambiente a vida teria surgido - se é que
alguma vez teremos -, permanece válida a ideia lançada por Darwin no século XIX,
de que a vida deve ter se originado em um meio aquático, provavelmente em mares
rasos e quentes. Assim, a vida na Terra não teria sido possível sem a existência dos
oceanos e do ciclo hidrológico.

Os mares, todavia, nunca foram o nosso habitat - uma comunidade humana vivendo
como a descrita no filme futurista Waterworld (1995), sem qualquer contato com terra
firme, muito provavelmente nunca existirá. Os oceanos sempre foram para nós fonte
de alimentos e rotas de navegação. Há 60 ou 65 mil anos, povos que habitavam a
atual região da Indonésia aproveitaram o baixo nível do mar no período glacial, e,
navegando de ilha em ilha, alcançaram a Austrália. Os antepassados dos índios
americanos utilizaram a mesma estratégia, viajando da Ásia para o atual Alasca ao
longo da costa. Os polinésios, provavelmente o primeiro povo de navegadores de
longas distâncias, iniciaram sua grande epopeia de colonização das ilhas do oceano
Pacífico há cerca de 3.200 anos. Expandiram-se através de uma região de formato
triangular, onde cada lado do triângulo tem aproximadamente 10 mil quilômetros. No
norte desta figura situa-se o arquipélago do Havaí, ao sul a Nova Zelândia e a leste a
ilha de Páscoa. Um feito memorável, dado o pequeno tamanho das embarcações, a
tecnologia primitiva e as imensas distâncias oceânicas a serem vencidas.

Na tradição ocidental as proezas dos polinésios somente são comparáveis às


Grandes Navegações do século XV e XVI, quando portugueses e espanhóis deram
início ao maior deslocamento de produtos, pessoas, animais, plantas, metais, jamais
havido na história da humanidade. Este comércio ultramarino aumentou nos europeus
o interesse por novos produtos estrangeiros, de todos os tipos. Dois séculos mais
tarde, o crescimento da procura por produtos manufaturados, principalmente tecidos,
seria atendido com a introdução de máquinas a vapor no processo produtivo. Ao longo
do século XIX estes equipamentos evoluíram e se tornaram especializados,
permitindo o aumento e a diversificação da produção - grande parte dela transportada
através dos oceanos.
31
Antes que se iniciasse o uso de embarcações movidas a vapor, as atividades
pesqueiras em grande parte dependiam da força humana. Por isso, a atividade de
exploração marinha de maior impacto, entre o século XVI e final do XIX, foi a caça da
baleia. Desta se aproveitava a gordura para fabricação de combustível para
iluminação, óleo lubrificante, sabão e margarina, além de algumas outras partes do
corpo do animal. A pesca do cetáceo, todavia, era rudimentar e perigosa, exigindo
aproximação do animal para lançamento do arpão. Ficou famoso na história da
literatura ocidental o romance Moby Dick, escrito pelo americano Herman Melville, que
conta a história de Ahab, capitão do navio baleeiro Pequod, e sua busca pela baleia
Moby Dick, que lhe arrancara uma parte de sua perna.

Com a introdução da navegação a vapor, os barcos de pesca passaram a ser


equipados com mecanismos que permitiam o uso de redes maiores. A partir do início
do século XX os equipamentos a vapor foram gradualmente substituídos por motores
movidos a óleo diesel, tornando barcos e navios mais ágeis e capazes de capturar
maiores quantidades de pescado. Nas últimas décadas a tecnologia muito contribuiu
para o aumento do volume de pescado em todo o mundo. Comunicação via satélite,
radares para localização de cardumes, previsões de tempo mais confiáveis; tudo tem
contribuído para que países como os Estados Unidos e China formassem as maiores
frotas de barcos pesqueiros.

O crescimento da população mundial está fazendo com que cada vez mais pessoas
dependam de atividades pesqueiras costeiras e oceânicas para suprirem sua
demanda por proteínas. No entanto, o volume de peixes e outras espécies capturadas
não têm aumentado significativamente nos últimos anos. Especialistas alertam que
fatores diversos estão provocando uma gradual queda no volume de pescado.
Segundo relatório da FAO (Organização das Nações para Alimentação e Agricultura)
publicado em 2015, 90% dos estoques pesqueiros dos oceanos encontram-se
sobrepescados ou completamente explorados. 90% dos grandes peixes marinhos,
como atum-azul e o espadarte já foram eliminados do oceano pela pesca muitas vezes
predatória, como no caso de certas espécies de tubarão, das quais só se aproveita
comercialmente as barbatanas.

Além da sobrepesca de várias espécies de peixes, outros aspectos têm contribuído


para afetar o equilíbrio dos diversos ecossistemas oceânicos.

32
Grande parte do dióxido de carbono (CO²) dissolvido na atmosfera e resultado da
queima de combustível fóssil nas atividades econômicas (indústria, transporte,
geração de energia, etc.) é incorporada pelo oceano. Dissolvido na água, o dióxido de
carbono gera ácido carbônico, o que faz com que os oceanos se tornem cada vez
mais ácidos, inviabilizando a reprodução e a sobrevivência de diversas espécies,
principalmente daquelas que tem um esqueleto de carbonato de cálcio, como conchas
e corais.

O aquecimento dos oceanos causado pelas mudanças climáticas está branqueando


grande parte dos corais, usualmente bastante coloridos. O fenômeno do
branqueamento foi observado pela primeira vez nos anos 1980 na costa da Austrália.
Nos últimos vinte anos o fato foi documentado por diversas vezes. Em 2017 foi
observado o branqueamento de grandes extensões de corais no sul do Mar da China
e na Grande Barreira de Corais, na Austrália. O aumento da temperatura da água faz
com que as algas que vivem em simbiose com os corais (formados por inúmeros
organismos que vivem em colônias) e que lhes dão o colorido, deixem de fazer a
fotossíntese e morram. Por causa disso, os corais ficam sem acesso aos nutrientes
fornecidos pelas algas e também morrem. Com a morte dos corais também
desaparece um riquíssimo ecossistema formado por peixes (mais de 4.000 espécies
de peixes habitam os corais), crustáceos, esponjas, cnidários, moluscos,
equinodermos, tartarugas, serpentes do mar e cetáceos, além de uma infinidade
desconhecida de bactérias e vírus. Estes complexos ecossistemas espalhados
principalmente nos mares tropicais - notadamente no sudeste da Ásia e no Caribe -
formam uma riquíssima cadeia alimentar, fazendo com que seu desaparecimento
represente uma grande perda na história da vida no planeta.

Desapareceram da cultura dos povos as histórias sobre mares habitados por


monstros, seres mágicos, demônios e maldições, que acompanhavam as tripulações
dos primeiros navios de longo percurso do século XV e XVI. Hoje os monstros somos
nós e as maldições são trazidas por nossa tecnologia. Rios, sistemas de coleta de
efluentes e emissários submarinos carregam grandes quantidades de efluentes para
os mares. Esgotos domésticos, resíduos de fertilizantes, nitrogênio e fósforo das
atividades agrícolas; é o ambiente propício para proliferação de algas que absorvem
o hidrogênio da água, tornando o ambiente inviável para qualquer outro tipo de vida.

33
Estas "zonas mortas", segundo estudos, variam em tamanho de dois a quarenta
quilômetros quadrados. Em todo o planeta, estas áreas ocupam aproximadamente
160 mil quilômetros quadrados e estão localizadas no Golfo do México, no Mar Negro
e Báltico, no Golfo de Bengala e no sudeste da Austrália e da China; basicamente em
todas as regiões onde rios que recebem grandes cargas de resíduos de fertilizantes e
esgotos domésticos encontram o mar. Algumas regiões da costa brasileira, como a
baía da Guanabara e partes do litoral paulista, começam a apresentar o fenômeno.

Rios que passam por regiões altamente industrializadas e com grande concentração
populacional carregam milhões de toneladas de resíduos, principalmente plástico,
para os mares. Ao longo dos últimos trinta anos estes resíduos, levados pelas
correntes marinhas, se concentraram em certos pontos dos oceanos, formando
verdadeiras ilhas de resíduos plásticos. A maior parte deste lixo tem dimensões
menores que cinco centímetros, o que faz com que frequentemente sejam
confundidos com alimento, por peixes, tartarugas e aves. Vagando pelos mares em
águas internacionais, estas concentrações possuem dezenas de quilômetros e
concentram-se principalmente no Pacífico Norte, entre o Japão e os Estados Unidos.

Os fatores que afetam a qualidade das águas dos oceanos - e com isso toda a fauna
e flora marinha - são variados e tendem a aumentar. Como por exemplo os
derramamentos de petróleo dos poços de exploração, lastros e combustíveis de
navios e diversos outros produtos e substâncias que secreta e ilegalmente são
lançados nos oceanos. O impacto das atividades humanas nos oceanos poderá em
futuro próximo, em seus efeitos, se aproximar daqueles de algumas das cinco
extinções em massa ocorridas na história da vida na Terra.

Apesar de tudo isso, os oceanos ainda continuam sendo os maiores responsáveis


pelo equilíbrio climática do planeta. As algas marinhas continuam sendo o "pulmão do
mundo", produzindo mais dos 50% de todo o oxigênio disponível no planeta, através
de processo de fotossíntese. Mesmo conhecendo somente 5% da área oceânica,
sabemos que no futuro seu solo poderá abastecer grande parte da demanda mundial
por metais escassos, como o antimônio, a platina, lítio, índio e tântalo, terras raras,
entre outros. Além disso, ainda grande parte da fauna e da flora dos mares é
desconhecida da ciência.

34
A exemplo das florestas tropicais, os oceanos ainda devem guardar grandes
quantidades de moléculas, nos tecidos vivos de seus habitantes, que poderão nos
ajudar a desenvolver novas substâncias para uso na medicina, na indústria, na
eletrônica, etc.

As ONU, através da Convenção sobre Diversidade Biológica, estabeleceu as


chamadas Metas de Aichi, discutidas e acordadas naquela província japonesa. O
acordo prevê a proteção de pelo menos 10% das áreas costeiras e marinhas de cada
país signatário até 2020. Desde quando o documento foi assinado em 2010, mais de
14 milhões de quilômetros quadrados de áreas protegidas marinhas foram criadas em
todo o mundo. Um dos problemas neste acordo é que muitos países criaram suas
áreas de conservação, sem planejar ou implantar ações efetivas de proteção destas
reservas. A área do oceano terrestre coberto por unidades de conservação é cerca de
7%, todavia apenas 3,6% são objeto de uma efetiva ação de monitoramento. O Brasil
criou recentemente duas grandes áreas de proteção: a Área de Proteção Ambiental
Marinha do arquipélago de São Pedro e São Paulo e a Área de Proteção Ambiental
Marinha de Trindade e Martin Vaz. Somadas, as áreas sob proteção são uma das
maiores do mundo e respectivamente a segunda e terceira maiores no oceano
Atlântico, depois da Área de Proteção Marinha das Ilhas Georgia do Sul e Sandwick
do Sul, da Inglaterra.

Apesar da boa notícia, os especialistas veem com atenção a questão do manejo da


área e o controle da zona de exclusão. A repressão à pesca ilegal em região tão
remota, a mais de 1.000 quilômetros do litoral é um problema que preocupa, já que o
entorno de ambos os arquipélagos é habitado por espécies marinhas raras em perigo
de extinção. No estado de São Paulo, por exemplo, a maior parte da zona costeira é
considerada Área de Proteção Ambiental há quase uma década. Mesmo assim, ainda
não existem regras claras para a ocupação e uso sustentável deste território e o plano
de manejo, que deveria ter ficado pronto em 2010 até hoje não foi concluído.

Uma coisa, porém é certa. Nosso planeta já passou por cinco grandes extinções e
pelo menos uma delas devastou quase 90% da vida marinha. A vida é resiliente e
mesmo que nossa civilização venha a destruir grande parte dos oceanos - e
provavelmente venha a sucumbir por isso -, a vida continuará o seu curso.

35
Em alguns milhões de anos a diversidade biológica terá se recuperado e novas
criaturas povoarão os mares.

36
Plástico: a grande ameaça aos oceanos

O polímero sintético produzido a partir de derivados de petróleo e conhecido


comumente como "plástico" teve seu uso popularizado depois da 2ª Grande Guerra.
As pesquisas aumentaram a oferta de diferentes tipos de plástico, o que ampliou
bastante seu campo de aplicação. Hoje seu uso se estende aos mais diversos setores
da economia - infraestrutura, indústria, lazer e medicina, entre os principais. Dois dos
setores da economia que mais se desenvolveram graças à popularização do plástico
foram a indústria alimentícia e a de bens de consumo em geral.

Atualmente, a economia mundial produz aproximadamente 8,3 bilhões de toneladas


de plástico de todos os tipos. Deste volume total, segundo estimativas, 9% são
reciclados e 12% são incinerados - em grande parte para geração de energia. Os
restantes 79% acabam em aterros, lixões ou, no pior dos casos, diretamente no meio
ambiente. Os impactos do plástico ao meio ambiente são inúmeros, desde o
entupimento de bueiros e canalizações, poluição de rios e lagos, até a formação de
criadouros de mosquitos transmissores de doenças no ambiente urbano. Segundo um
estudo elaborado pela ONU e publicado em 2014, os prejuízos ambientais
relacionados ao plástico - as externalidades negativas, segundo os economistas -
excedem os US$ 75 bilhões, dos quais 30% são referentes às emissões de gases de
efeito estufa e à poluição durante a fase de produção.

No entanto, é nos oceanos que o plástico exerce seu maior impacto ambiental. Em
2010, quando se realizou o até agora mais completo estudo sobre o assunto, já se
estimava que aproximadamente oito milhões de toneladas de plástico vão parar nos
oceanos anualmente. A maior parte deste volume de detritos não é jogada lá
diretamente, mas carregada através dos rios. 90% de todo este plástico, apontam
estudos, são jogados nos mares por dez rios: rio Yangtze (China); rio Indo (Paquistão);
rio Amarelo (China); rio Hai (China); rio Nilo (Egito); rio Ganges (Índia); rio das Pérolas
(China); rio Anum (Gana), rio Níger (Nigéria) e rio Mekong (Vietnã). Provavelmente,
se fluísse em direção ao oceano Atlântico o rio Tietê também seria incluído nesta lista.

37
Todos estes rios têm algo em comum. Percorrem regiões densamente povoadas (e
alguns países), que na maior parte dos casos não dispõem de serviços adequados de
coleta de lixo e de reciclagem, aliado ao baixo nível da educação ambiental das
populações. Na América Central ocorre um fato que, noticiado recentemente pelo site
BBC Brasil, é um exemplo desta situação. O rio Motagua nasce na região Oeste da
Guatemala e em seus últimos quilômetros, antes de desembocar no mar do Caribe,
faz divisa com Honduras. O rio recebe descargas tão volumosas de lixo, que ao longo
da região costeira, tanto da Guatemala quanto de Honduras, se estende uma imensa
ilha de embalagens plásticas. Honduras acusa a Guatemala de ser o poluidor do rio
porque os municípios guatemaltecos jogam nele seus resíduos. A Guatemala, por sua
vez, também não quer assumir toda a culpa. A discussão entre os países continua.

O acúmulo de plástico nos oceanos começou a ser percebido como impacto ambiental
a partir dos anos 1970. De lá para cá os indícios são cada vez maiores. A maior parte
do plástico que vai para os oceanos acaba retornando às praias onde, se não
recolhida, o resíduo pode permanecer por várias décadas, até se desfazer. No
ambiente natural, os fatores que mais contribuem para a degradação do plástico são
a luz do sol, o oxigênio e a água. No entanto, através deste processo de desintegração
permanece um resíduo de micro ou nanopartículas do material, que podem causar
grandes danos aos organismos.

A parte do plástico que, levada pelas correntes não retorna a terra, é muitas vezes
confundida com alimento pelas diversas espécies que vivem no mar, causando
acidentes no sistema digestivo e respiratório que muitas vezes resultam em morte.
Em grandes quantidades e levadas pelas correntes este material se degrada
transformando-se em uma "sopa concentrada" de pequenas partículas plásticas de
tamanho menor que cinco milímetros.

Nas regiões onde ocorre o encontro de correntes marinhas, como no Pacífico Norte,
na região do Caribe e na parte Sul dos oceanos Atlântico e Índico, a rotação das águas
forma imensas ilhas de plástico, com centenas de quilômetros de extensão. A maior
parte destas ilhas não é formada por resíduos grandes, como garrafas e potes de
iogurte, mas por partículas que já sofreram um processo de desgaste, de poucos
milímetros de tamanho e até menores. Existem evidências de que gradualmente estas
partículas micrométricas afundam e juntam ao solo marinho.

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A maior destas formações até agora avistadas, a Grande Ilha de Lixo do Pacífico
possui, segundo fontes talvez exageradas, um tamanho equivalente ao território dos
Estados Unidos.

O problema está se tornando cada vez mais sério e as consequências a médio e longo
prazo são imprevisíveis. É certo que o volume de plástico continuará aumentando
cada vez mais e o tempo de degradação do material é relativamente longo, podendo
variar de 50 anos, no caso de um copo de isopor, até 600 anos para a linha de pesca.
Enquanto isso aumenta a quantidade de plástico finamente dissolvido na água,
afetando toda a cadeia alimentar dos mares. Na Inglaterra, por exemplo, já foi
constatado que um terço dos peixes capturados tem resíduos de plástico em seus
tecidos, na forma de micropartículas.

Em dezembro de 2017 mais de 200 países presentes à Assembleia das Nações


Unidas sobre o Meio Ambiente, em Nairóbi, se comprometeram a reduzir
gradualmente o descarte de embalagens plásticas nos oceanos. O problema, no
entanto, é bem mais custoso e complicado do que parece, já que envolve a
implantação de planos de gestão de resíduos em todos os municípios que tenham
alguma ligação com o mar, como vimos acima.

O Brasil, segundo um estudo da revista Science de 2015, ocupa o 16º lugar entre os
países mais poluidores dos oceanos. A pesquisa levou em conta o número de
habitantes dos países vivendo em regiões litorâneas, o tamanho da costa e o nível de
desenvolvimento dos programas de gestão de resíduos. É previsto que a partir desse
ano (2018) as regiões metropolitanas já comecem a implantar a Política Nacional de
Resíduos Sólidos. Sucessivamente, até 2022, todos os 5.570 municípios brasileiros
deverão ter instaurado a política.

39
Novas maneiras de incentivar a eficiência energética

Enquanto as economias avançadas envidam cada vez mais esforços para reduzirem
o consumo de energia, o Brasil continua preso à ideia de que para crescer é preciso
gerar mais energia. A Alemanha, o Japão e os Estados Unidos aumentaram
consideravelmente o tamanho de suas economias nas últimas décadas, sem que este
crescimento tenha vindo acompanhado de um proporcional aumento da geração de
energia; seja eletricidade, calor, vapor, ou trabalho de máquinas.

A ênfase dos governos, institutos de pesquisa e empresas destas e de outras nações


industrialmente avançadas, é sobre o aumento da eficiência. Para isso são investidos
bilhões de euros e dólares, no desenvolvimento e na aplicação de tecnologias que
funcionem de maneira mais eficiente. Máquinas mais leves que realizam operações
mais precisas; processos inteiros que funcionam com mais velocidade, com menos
pontos de perda de energia e quase totalmente automatizados. Lay outs de locais de
produção e distribuição de mercados projetados para facilitar o fluxo, a armazenagem
e a circulação de produtos e materiais. Uso cada vez mais intensivo da ventilação e
iluminação natural. Existem inúmeras providências - muitas delas altamente técnicas
- que possibilitam um melhor aproveitamento da energia, seja qual for.

No Brasil a preocupação com a eficiência energética se tornou mais acentuada a partir


do início dos anos 2000, quando o país passou por uma grande crise de energia
elétrica, dado o baixo nível dos reservatórios das hidrelétricas, em função de longos
períodos de estiagem. Energias renováveis e eficiência energética tornaram-se temas
de debates, publicações e de eventos, já que se converteram em assunto de destaque
nas mídias mundiais. Isto porque, grande parte da geração elétrica nos países do
Hemisfério Norte era feita com combustíveis fósseis, cujas emissões são causadoras
do efeito estufa.

Gradualmente o governo brasileiro estabeleceu programas de financiamento


(PROINFA) e posteriormente leilões para compra de energia, incluindo a de origem
renovável. O mercado da energia eólica, por vantagens técnicas e financeiras, teve
um crescimento vertiginoso ao longo dos últimos oito anos, fazendo com que este tipo
de energia se tornasse a mais usada dentre as renováveis, depois da hidrelétrica.

40
A energia solar fotovoltaica, a energia da queima de biomassa e biogás, já se
preparam para alcançarem desenvolvimento semelhante nos próximos anos.

Mas, como dizem os especialistas, a melhor energia é aquela que não foi preciso
gerar. Ou seja, não foi necessário fazer qualquer investimento, queimar qualquer
combustível, derrubar qualquer floresta ou mudar o curso de um rio. Esta energia não
foi gerada e não causou todas estas externalidades, simplesmente porque não era
necessária. Mas esta poucas vezes foi a maneira de pensar de nossos governos e de
nossos empresários. Assim, a eficiência energética foi sempre relegada a um segundo
plano.

Em 2010 o Ministério das Minas e Energia em colaboração com a Empresa de


Pesquisas Energéticas (EPE) elaborou o Plano Nacional de Energia 2030. O
documento estabelece, entre outras providências, a meta de poupar 10% da energia
consumida projetada para aquele ano, em 2010. À primeira vista, trata-se de uma
proposta bastante factível, dados alguns fatos como:

- Cerca de 35% da perda de energia elétrica no Brasil já acontece durante a


transmissão, geralmente a longas distâncias;

- O setor industrial, o maior consumidor de energia em geral na economia brasileira,


tem em média uma perda energética de 30%;

- O setor de saneamento (tratamento de água e esgoto) também tem uma grande


perda de eletricidade por super ou subdimensionamento de equipamentos. Desta
forma, os custos de eletricidade representam o segundo item mais importante nas
despesas do setor, só ultrapassados pelos gastos com salários;

- São inúmeros os potenciais de redução no uso de energia, seja através da ampla


implantação de iluminação com LEDs - no setor privado e público -, a substituição de
sistemas de ventilação por equipamentos mais modernos, troca de compressores de
ar (usados praticamente em todos os segmentos industriais), modernização de
sistemas de refrigeração, entre outros.

As iniciativas como o PROCEL, apesar de serem bastante abrangentes, incluindo


atividades industriais, produtos e edificações, têm alcance ainda limitado, quase não
sendo conhecidos - exceção são as linhas de produtos eletrodomésticos.

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A lei que obriga as distribuidoras de eletricidade a investirem 0,5% da receita anual
líquida em projetos de uso racional de energia, alcança apenas 0,08% de economia
de energia ao ano. Muito pouco em relação ao que precisa ser feito para que o país
possa alcançar suas metas até 2030.

Uma proposta recentemente apresentada por Rinaldo Caldeira, pesquisador do


IEE/USP, através de uma tese de doutorado, propõe a adoção de um modelo de títulos
de eficiência energética, denominados "White Certificates". A ideia é que projetos que
efetivamente contribuam para a redução do consumo de energia sejam avaliados e
tenham sua redução energética calculada e oficialmente certificada. Por outro lado, o
governo ou a ANEEL podem estabelecer um patamar de redução de consumo de
energia a ser alcançado pelas empresas (provavelmente setorialmente). No caso de
não atingirem suas metas de redução de consumo de energia - estabelecidas
antecipadamente pelo governo -, as empresas podriam ser multadas. Eventualmente,
os certificados "White Certificates" poderiam ser comercializados e comprados por
empresas que ainda não tenham alcançado as reduções de consumo de energia às
quais estavam obrigadas. Com o certificado estas empresas compensariam uma
eventual multa, já que na contabilidade geral do mercado alcançaram - pelo menos
até aquele ponto - as metas que lhes haviam sido estabelecidas.

O próprio autor do projeto afirma que tudo ainda é uma proposta, que está sendo
apresentada ao MME e à ANEEL. O mecanismo dos "White Certificates" é bastante
parecido com o sistema de negociação de créditos de carbono (Certificates of
Emission Reduction) muito negociados no início da década de 2000, principalmente
por companhias americanas e países europeus. O cálculo do valor destes certificados
era feito baseado na quantidade de toneladas de emissões de derivados de petróleo
ou equivalentes (tep) capturados ou não emitidos, através de um projeto
(reflorestamento, substituição de combustível fóssil, etc.). A tonelada de tep tinha uma
cotação no mercado internacional e, desta forma, eram remunerados os certificados
gerados pelos projetos.

O mecanismo proposto parece ser interessante, mas precisa ser encampado pela
ANEEL e MME, além de obter o apoio de instituições como a CNI, a Bolsa de Valores
e outros organismos. Mais importante é que estes certificados tenham credibilidade,
sendo auditados por auditorias internacionalmente acreditadas.

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Paralelamente, é necessário que o governo continue com programas de
financiamento tecnológico, apoio a projetos, campanhas de esclarecimento e outras
iniciativas, visando divulgar a ideia da eficiência energética.

Em tempos de "Indústria 4.0" é cada vez mais importante que o país implante a política
da eficiência. Esta não só se limita aos recursos energéticos, mas a todos os outros
recursos naturais usados nos processo indústrias e no comércio. Eficiência no uso da
matéria prima, de insumos, e outros que entrem nestes processos. Quanto menos
recursos naturais forem usados, mais serão preservadas as espécies vivas e os
ecossistemas. Tudo, afinal, é feito para somente para nossa sobrevivência, já que se
desaparecermos a vida continua. Desenvolve outras formas de organismos e vai em
frente.

43
O ciclo da energia e da matéria através dos organismos

Todos os ecossistema estão estruturados basicamente em três categorias de


espécies:

1) Os organismos produtores: aqueles que produzem seu próprio alimento, a partir da


energia solar (ou energia química e térmica a exemplo dos organismos extremófilos
que vivem em ambientes com altos índices de acidez ou a grandes profundidades no
oceano). Nesta categoria estão as plantas, que produzem sua energia a partir da
fotossíntese.

2) Os organismos macroconsumidores: os que se alimentam de matéria orgânica, isto


é, de outros seres vivos que se situam abaixo deles na escala da alimentação. Nesta
categoria situam-se os herbívoros, os carnívoros e os onívoros.

3) Os organismos microconsumidores: aqueles (uni ou pluricelulares) que se


alimentam (obtêm sua energia) através da decomposição de matéria orgânica morta
ou através do parasitismo (bactérias em intestinos de mamíferos, que ajudam no
processo digestivo dos alimentos).

O papel dos decompositores é decompor, desfazer, desestruturar as substâncias


orgânicas; tenham elas passado por algum nível trófico ou não. Por exemplo, as folhas
que caem no chão da floresta e que se não são consumidas pelos insetos, tornam-se
alimento para bactérias.

Diferente, quando o gado se alimenta de relva; o homem se alimenta da carne de


vaca; e o corpo humano, quando morto e decomposto, destina-se à alimentação dos
microorganismos. Neste processo de decomposição os organismos decompositores
extraem seu alimento (energia) para sua sobrevivência e reprodução, devolvendo à
natureza substâncias cada vez mais simples, formadas por moléculas gradualmente
mais simples.

Da matéria orgânica as bactérias extraem sua energia e liberam metano (CH4) para
a atmosfera. Este, por sua vez, depois de queimado, libera CO2, gás que as plantas
“respiram” durante o processo de fotossíntese.

44
Caso os decompositores sejam inexistentes, o acúmulo de substâncias orgânicas é
cada vez maior. Na ausência de decompositores não há o que chamamos de processo
de putrefação. Aconteceria, então, o que sucede com certos corpos colocados ou
mortos em locais muito secos ou muito frios, onde quase inexistem os insetos e
microorganismos decompositores: um processo de mumificação. Os corpos iriam, aos
poucos, perdendo os líquidos e as gorduras, ficando apenas as peles e os ossos (ou
os exoesqueletos). A degradação desta matéria orgânica, sem a presença de
organismos decompositores, se daria basicamente por processos físico-químicos.
Depois de muitos anos, a matéria orgânica se esfacelaria e iria, gradualmente, se
transformando em pó. Na ausência de oxigênio (se, por exemplo, soterrado por uma
avalanche ou areia trazida por um tsunami) este corpo ou esta matéria orgânica
poderia se petrificar (uma possibilidade é que o carbonato de cálcio penetre nos
espaços ocupados pelos ossos e outras partes do corpo, formando o fóssil) ou
transformar-se em carvão mineral (no caso de plantas) ou petróleo (no caso de
microrganismos).

As relações energéticas do ecossistema com os organismos decompositores:

Luz solar (fornece energia) -> Produtores (plantas absorvem e transforma energia) -
> Macro consumidores (se alimentam de plantas e entre si, absorvendo energia) ->
Micro consumidores (se alimentam de produtores e macro consumidores,
absorvendo energia e restituindo as substâncias orgânicas aos seus elementos
constituintes principais ATRAVÉS DE PROCESSOS BIOQUÍMICOS, rápidos
eficientes) -> Elementos e substâncias químicas (C, H, O2, N, CO2, CH4, etc).

Estes elementos, por sua vez, passam a constituir novos organismos produtores e
assim são reincorporados à cadeia da vida.

As relações energéticas do ecossistema sem os decompositores:

Luz solar (fornece energia) -> Produtores (plantas absorvem e transforma energia) -
> Macro consumidores (se alimentam de plantas e entre si, absorvendo energia).

A partir deste ponto não há mais transferência de energia ao ecossistema. Aos


poucos, entram em ação processos naturais, abióticos.

Processos físico-químicos, lentos e ineficientes a curto prazo

45
Elementos e substâncias químicas (C, H, O2, N, CO2, CH4, etc.)

Neste caso parte da energia se dissipa no meio ambiente, sem ser utilizada. Aumenta
assim o processo de dissipação (perda) de energia de um ecossistema (aumento da
entropia), principalmente pelo fato de que os resíduos não são “desmontados” pelos
decompositores.

Poderíamos fazer um paralelo com o processo de eutrofização de um lago, onde o


excesso de material orgânico (= alimento) propiciou um rápido crescimento dos
microrganismos (bactérias), que em seu processo vital acabaram utilizando todo o
oxigênio livre na água. Na falta de oxigênio as bactérias morrem e o lago torna-se
estagnado, “morto”. Existem várias regiões nos oceanos que passam por esse
processo. Por um excesso de substâncias orgânicas e químicas (esgotos domésticos,
fertilizantes, etc.) aumenta exponencialmente o volume de bactérias nesta região do
oceano, exaurindo todo o oxigênio e liberando dióxido de carbono. Nestas áreas do
mar os organismos vivos - mesmo os mais primitivos - são inexistentes. O fato está
se tornando um grande problema em regiões do oceano Atlântico na Costa Leste dos
Estados Unidos e no Mar da China.

46
Turistas e degradação ambiental do litoral

Já faz alguns anos, mudei para o litoral. Cidade pequena e agradável, rodeada por
montanhas e de frente para o mar. Ar puro, bem diferente da atmosfera cinzenta de
São Paulo. O trabalho não é problema, já que minha principal ferramenta é a internet.
Vez ou outra apenas uma reunião de negócios na capital; bate e volta, porque não
suporto mais a cidade grande.

Algumas vezes, durante o ano, a calma da cidade é interrompida pelos feriados, finais
de semana prolongados e férias, principalmente as do verão, quando o afluxo de
pessoas é maior. Milhares de turistas põem o pé na estrada e descem para o litoral,
abarrotando as cidades e vilarejos dos cerca de 500 quilômetros do litoral paulista.
Nos outros estados a situação deve ser igual; mas nem em todo lugar se "desce a
Serra", como aqui. Nessas épocas, a população da região litorânea chega a triplicar,
até quadruplicar.

Durante dias ou semanas, tudo na minha cidade está lotado, com gente saindo pelo
ladrão. Padarias, supermercados, farmácias, bares, restaurantes, todos cheios. As
principais avenidas congestionadas, já que até pra ir até a adega, a duas quadras de
casa, usa-se o carro. Existe prazer maior do que desfilar com seu veículo, símbolo de
status social, mostrando a todos - principalmente aos vizinhos - o que o dinheiro pode
comprar (mesmo que seja em 60 prestações)?

Sob o sol forte e céu azul, as praias transformam-se no principal local de lazer. Praia
cheia, por todos os lados. Guarda-sóis, esteiras e barracas montadas por famílias de
turistas, debaixo das quais acomodam cadeiras de alumínio e as indefectíveis
geladeiras de isopor, repletas de latas de cerveja e, evidentemente, alguns
refrigerantes para as crianças. Perto da água, o jovem casal jogando frescobol e no
areão a garotada correndo atrás da bola. Sorveteiros, pipoqueiros, vendedores de
raspadinha, salgadinhos e até um carrinho vendendo roupas, chapéus e óculos de
sol. Perto da água, dezenas, centenas de pessoas caminhando, pra cá e pra lá.

Nestas épocas, os sistemas de coleta de lixo da cidade ficam sobrecarregados. A frota


de caminhões coletores não consegue dar conta do volume de detritos.

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Na região central, onde a concentração de pessoas é maior, principalmente à noite,
os resíduos jorram das lixeiras - sem contar a grande quantidade de lixo que é jogada
na rua, em qualquer lugar, sem qualquer consideração.

O mesmo ocorre com os sistemas de transporte público - só existem ônibus e vans -,


que já em outros períodos do ano são demorados, e que com o aumento dos usuários
ficam sob mais pressão ainda. O incipiente serviço de saúde apresenta a mesma
deficiência; emergências lotadas, esperas de horas para consultas urgentes, falta de
equipamentos, funcionários... É o quadro da maior parte das cidades brasileiras,
mesmo daquelas que por receberem grande número de turistas deveriam estar mais
bem equipadas.

O que toda esta invasão traz para a cidade? Quais benefícios revertem para a
população local? Muito pouco. Algumas centenas de empregos e subempregos no
comércio e no setor de serviços, quase todos temporários, por um período máximo
que vai de outubro a março. Para os comerciantes e prestadores de serviços, trata-se
da época do ano em que se deveria faturar o suficiente para cobrir a temporada das
vacas magras, que vai de março a junho e de agosto a novembro.

Também é nas férias de verão, ou nas semanas que as antecedem, que aumenta a
demanda por serviços de pedreiro, pintor, encanador, faxineiro, jardineiro, corretor
imobiliário, e outros: são os turistas preparando suas casas para a família ou para os
potenciais locadores. Lojas, hotéis, bares e o comércio em geral fazem reformas e
ampliações.

E o impacto sobre o ambiente urbano e natural de todo este aumento da população?


Muito lixo nas praias, removido diariamente, bem cedo pela manhã, pelos caminhões
da prefeitura. Mesmo assim, muita coisa fica pra trás. Embalagens de plástico, papel,
fraldas, garrafas e uma série de outros objetos de uso diário, como escovas de dente
e cabelo, óculos de sol, restos de brinquedos de plástico, camisinhas, rótulos de
produtos e até dentaduras. Às vezes cacos de vidro. Além disso, restos de cordas e
linhas de pesca e muito papel higiênico. É comum ver a barraca de uma família
armada na praia durante a manhã e na parte da tarde encontrar lixo no local. Alguns,
mais "educados" (ou dissimulados) às vezes se dão ao trabalho de enterrar os restos
na própria praia.

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As florestas do entorno, atravessadas por estradas com pouco ou nenhum controle
da polícia florestal, recebem visitantes que arrancam plantas, cortam árvores e
arbustos, fazem fogueiras e depositam ofertas para supostas entidades espirituais. Ao
deixarem o local ao final do dia, é comum abandonarem garrafas, restos de comida,
latas, embalagens e outros resíduos, profanos e religiosos.

Se por um lado é possível constatar que a infraestrutura da cidade não é


suficientemente desenvolvida para receber um número tão grande de visitantes, por
outro é claro que uma parte considerável dos visitantes ainda não tem educação
suficiente para este tipo de turismo. Ainda com relação aos turistas que frequentam a
cidade é preciso fazer uma distinção. Existem aqueles que possuem um imóvel na
cidade e, por isso, na maior parte dos casos, têm mais preocupação com a limpeza e
manutenção da estrutura do município. Outros, não têm qualquer ligação emocional
com a terra; são locatários de um imóvel no qual permanecerão por alguns dias ou
semanas.

Ocorre que parte destes visitantes, não tendo incorporado noções de higiene e
civilidade que deveriam ter aprendido desde a infância, pouco se importam com o lixo
e outro tipo de sujeira que vão descartando por toda a cidade e seus arredores. É
interessante observar que estes poluidores muitas vezes possuem carros novos, até
usam roupas de marca. Mas a educação... Nestas situações penso o quanto nosso
país ainda precisa evoluir culturalmente até mesmo nas noções básicas de
convivência humana.

O progresso de um povo não se mede pelo tipo de objetos que compra, pelo tipo de
carros que dirige, pelas roupas que veste. Não é só o crescimento econômico, o
consumo, a conta bancária. O parâmetro de progresso de uma sociedade é a maneira
como se comporta com seus semelhantes e, consequentemente, como trata o meio
ambiente urbano e natural. A considerar estes parâmetros ainda estamos muitos anos
distantes de um grau de desenvolvimento aceitável.

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Eficiência energética no Brasil

O Brasil não dispõe de dados recentes sobre investimentos realizados em eficiência


energética. Uma das dificuldades é o fato de que muitas vezes são tomadas ações
que reduzem o consumo de energia - troca de lâmpadas e de motores elétricos, por
exemplo - sem que estas providências sejam classificas especificamente como sendo
uma ação de eficiência energética. As iniciativas muitas vezes são pontuais, não
refletindo uma real preocupação em, de uma maneira planejada e constante, reduzir
o consumo de energia do empreendimento ou imóvel.

Apesar de já existir informação suficiente disponível e do tema ser bastante atual,


ainda mais em tempos de crise econômica quando as empresas precisam reduzir os
seus custos, ainda são poucas as iniciativas planejadas de redução do consumo de
energia. Alguns fatores, segundo os próprios empresários contribuem para o reduzido
número de iniciativas nesta área:

a) Instabilidade econômica, com redução de consumo, dificulta o planejamento de um


orçamento para investimentos, incluindo projetos de redução de consumo de energia;

b) A relativa elasticidade dos preços, mais acentuada em períodos de inflação, permite


com que todos os custos sejam incorporados ao preço do produto e do serviço. Assim,
eventuais aumentos nas contas de energia, gás e óleo, sejam incluídos na planilha de
custo de produção do produto ou execução do serviço;

c) A falta de uma efetiva competição na maioria dos mercados da economia brasileira.


Por um lado, existem mercados oligopolizados, onde os poucos concorrentes não
aumentarão sua participação no mercado reduzindo custos de energia. Nos mercados
não oligopolizados, a diferenciação por marca, qualidade, disponibilidade de outros
concorrentes (regionais ou nacionais), faz com que uma pequena redução dos custos
de produção não faça diferença.

Em suma, em segmentos onde os custos de energia não representam um componente


importante do produto ou serviço a eficiência energética ainda não é prioridade no
planejamento estratégico das empresas.

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Não é por outra razão que a elaboração de um projeto específico para reduzir o
consumo de energia ainda é bastante desconhecido e pouco implantado fora do
âmbito das grandes empresas ou empresas cujos processos são eletro intensivos. Na
situação atual, projetos de eficiência energética podem incluir, por exemplo:

- A compra e distribuição de geladeiras de baixo consumo de energia, feita pelas


companhias de distribuição de energia para pessoas de baixo poder aquisitivo. Estas
empresas são obrigadas por lei a destinarem 0,25% de seu faturamento a projetos de
eficiência energética;

- A implantação de placas de energia solar térmica para aquecimento de água usada


em processos de produção industrial;

- A colocação de painéis de energia solar fotovoltaica para gerar excedente de energia


em industrias;

- Projetos de iluminação pública com diodos LED, parcialmente financiados pelo


Banco Mundial e implementados em médias e pequenas cidades brasileiras; entre
outros.

Os dados sobre investimentos específicos em eficiência energética mais recentes que


identificamos foram elaborados pela Confederação Nacional da Indústria e datam de
2010¹. O potencial total de economia no setor industrial é de 17.271 GWh, o que
representa uma economia de cerca de R$ 4 bilhões² (ABESCO, 2014). Abaixo dados
elaborados pela Confederação Nacional da Indústria, contendo os investimentos em
eficiência energética por região brasileira:

Região Projetos Demanda Energia Investimento


evitada economizada
(1.000 R$)
kW (GWh/ano)

Sul 45 4.681 26 6.355

Sudeste 141 67.598 367 107.598

Nordeste 17 12.002 103 16.681

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Centro- 8 2.006 126 29.358
Oeste

Norte 6 687 2 1.038

Total 217 86.975 626 161.000

Fonte: CNI 2010

Segundo o mesmo levantamento, os setores industrias em que até o momento foram


feitos os maiores investimentos em eficiência energética são os que constam da tabela
abaixo:

Segmento Projetos Custo de energia Custo médio


conservada por projeto
(R$/MWh) (R$)
Alimentos e bebidas 35 73 361.158

Automotivo 9 109 633.365

Cerâmico 28 151 50.781

Couro 9 89 123.413

Fundição 12 319 46.657

Metalurgia 14 60 428.810

Mineração - Metálicos 5 106 246.648

Outros 44 61 953.116

Papel e Celulose
9 74 257.637

Químico 22 59 1.029.730

Siderurgia 55 4.888.238
12

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Têxtil 12 103 325.380

Fonte: CNI 2010

A pesquisa do CNI constatou que os setores industriais nos quais foram feitos os
maiores investimentos, foram:

Áreas de investimento e economia de eletricidade


Área Custo médio de energia conservada (R$/MW/h)
Cogeração/Recuperação de calor 113
Ar comprimido 108
Inversor 96
Fornos/Caldeiras/Estufas 95
Iluminação 89
Correção de fator de potência 72
Motor 63
Refrigeração frigorífica 53
Bombas 47
Gerenciamento/Automação 39
Fonte: CNI 2010

A partir destes dados é possível determinar um tendência de investimentos futuros,


seja por região, ramo industrial e setor industrial. No entanto, um efetivo
desenvolvimento do setor só deverá ocorrer quando a economia voltar a crescer,
aumentando a demanda por produtos e serviços. Nesse ínterim, no entanto, existem
empresas que estão modernizando parte de seu processo de produção, a fim de
estarem preparadas para retomada da economia. Esta substituição ou atualização de
equipamentos e processos muitas vezes trazem tecnologia energeticamente mais
eficientes.

Apesar das iniciativas das associações de classe (CNI, SENAI, entre outros), de
órgãos do governo (ANEEL, EPE) e da ABESCO (associação que representa as
empresas de engenharia e consultoria que atuam na área da eficiência energética)
ainda há muito por fazer para que o setor deslanche.

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Uma das maiores barreiras, no entanto, é a mentalidade que continua presente na
maior parte do governo e do setor privado, de que para crescer o país precisa
aumentar o consumo de eletricidade e outras energias. Enquanto isso, economias
altamente industrializadas como as do Japão e da Alemanha, seguem reduzindo o
consumo de energia por unidade produzida.

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Efluentes domésticos e reuso de água no Brasil

O Brasil é um dos países da América Latina com o menor índice de tratamento de


esgoto. Cerca de 55% dos efluentes domésticos são coletados, dos quais
efetivamente 40% são tratados (dados de 2014). Os principais aspectos no baixo
índice de coleta e tratamento de esgotos domésticos está relacionado aos seguintes
principais fatores:

a) Aspectos históricos

O tratamento e a coleta de esgotos não fazem parte da história do Brasil. Durante o


processo de colonização e até o início da industrialização, no final do século XIX, a
maior parte das cidades populosas situava-se à beira mar ou rio (Belém, São Luiz,
Recife, Salvador, Rio de Janeiro) e os esgotos eram descarregados diretamente nas
águas, sem tratamento (o que em parte ainda ocorre atualmente). Com a
industrialização e a movimentação de grandes contingentes populacionais para os
grandes centros urbanos, que surgiu a real necessidade de implantar sistemas de
tratamento de esgoto. As grandes obras de saneamento só foram iniciadas durante
os anos 1970, quando o governo militar deu início a projetos de longa duração
(construção de rodovias, hidrelétricas e estações de tratamento de esgoto).

b) Aspectos político-administrativos

A tradição política e a administração pública no Brasil sempre teve objetivos imediatos;


projetos de alto impacto e de curta duração, que pudessem ser implantados durante
uma administração (quatro anos) municipal ou estadual. Projetos de longo prazo eram
raros.

Obras de saneamento geralmente requerem prazos mais longos. Por isso, geralmente
quando se falava em saneamento, queria se dizer tratamento de água. É impossível
abrir novos bairros ou loteamentos sem disponibilidade de água. No entanto, para o
esgoto haviam as fossas céticas e a descarga dos efluentes em rios e no mar. Existe
também o aspecto de que obras de saneamento, principalmente o tratamento de
esgoto, têm custo elevado e não têm impacto político alto. Ficou famoso o bordão de
gerações de políticos brasileiros: "Obra enterrada não traz votos!".
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A Lei da Concessões (1995) permitiu que investidores privados pudessem atuar em
serviços públicos (energia, saneamento, transporte), através do investimentos em
projetos e posterior exploração dos serviços. A lei abriu uma série de oportunidades,
mas aspectos legais ainda impedem que o setor se desenvolva plenamente.

c) Aspectos econômico-financeiros

Não haviam fontes constantes de financiamento para a construção de grandes obras.


Os grandes projetos de saneamento nas regiões metropolitanas (São Paulo, Rio de
Janeiro, Belo Horizonte, Recife, Porto Alegre) tiveram início nos anos 1990, quando
fundos internacionais - como o BID (Banco Interamericano de Desenvolvimento), o
alemão KfW (Kreditanstalt für Wiederaufbau) e o japonês JICA (Japan International
Cooperation Agency) - estiveram disponíveis para, junto com a contrapartida nacional
(fundos estaduais e federais), financiarem grandes obras de saneamento.

À mesma época, o BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social)


e a iniciativa privada - através de projetos BOT (build, operate & transfer) e PPP
(parceria público-privada) - também passaram a investir em obras de saneamento.
Cidades como Americana, Ribeirão Preto e Jundiaí, transferiram seus serviços de
saneamento para o setor privado.

Não existem fatores que impeçam o reuso de efluentes tratados no Brasil. Afora a
legislação que estabelece determinados padrões de qualidade da água a ser
reutilizada - equivalentes aos internacionais - não há impedimentos no reuso do
líquido. O que ocorre é que até o momento são poucas as iniciativas para a
reutilização de efluentes, principalmente em grande escala. Empresas privadas,
dependendo de sua área de atuação já reutilizam seus efluentes no processo
produtivo. No setor público o maior projeto nesta área no Brasil é o de
reaproveitamento de efluentes na região de Capuava, na grande São Paulo. O projeto
é uma parceria entre a SABESP (companhia estatal de saneamento do estado de São
Paulo) e a construtora Odebrecht, reciclando 395 milhões de litros de efluentes
domésticos por mês.

A reutilização de água para outros fins ainda é ideia recente no Brasil, já que os custos
da água eram relativamente baixos.

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A indústria e a agricultura até há pouco nada pagavam pelo uso da água de rios e
lagos - a lei de pagamento do uso da água é de 1997 e ainda está em fase de
implantação pelos Comitês de Bacias Hidrográficas. As estiagens de 2000/2001 e
2014/2015 aumentaram a conscientização em relação à água e forçaram um maior
número de empresas a implantarem medidas de reuso e uso eficiente de
água/efluentes.

De acordo com especialistas, alguns fatores que influenciariam o desenvolvimento


deste mercado, seriam:

- Não existem impedimento legais/técnicos para reuso de efluentes, afora normas


referentes aos padrões de qualidade da água. O maior impedimento continua sendo
a relativa facilidade de se obter água limpa a custo razoável, em comparação ao custo
da água de reuso;

- O mercado demanda tecnologias que barateassem o custo de tratamento de água


de reuso;

- Dependendo da destinação a ser dada a água de reuso, existe a prevenção em


relação à origem do líquido. Um projeto recente da SABESP, utilizando água de reuso
para consumo humano - cujo equivalente existe na Califórnia, nos EUA - teve que
sofrer alterações, dada a resistência da população. Neste caso, uma campanha de
divulgação e esclarecimento pudesse trazer mudança de mentalidade na opinião
pública. (Cabe ressaltar que quase todos os rios e lagos cujas águas são usadas para
tratamento e posterior consumo humano recebem cargas de efluentes domésticos
sem tratamento - caso da represa Guarapiranga e do rio Piracicaba, por exemplo);

- Financiamento de projetos públicos e privados de reuso de água/efluentes, desde


que tivessem relevância para divulgar o conceito;

- Incentivos fiscais e isenção de taxas para projetos.

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Agricultura, fome e desperdício de alimentos

A busca por alimento, como em todos os seres vivos, sempre foi a maior preocupação
da humanidade. Nossos antepassados do Paleolítico, ainda desconhecendo a prática
da agricultura, dependiam da coleta e, principalmente, da caça. Durante mais de 100
mil anos o homem moderno, o Homo Sapiens, perseguiu manadas de gnus, zebras e
antílopes pelas estepes africanas e mamutes, renas e bisões pelas geladas planícies
da Eurásia. Aproximadamente há oito mil anos, no final do último período glacial, a
caça começa a minguar. Com o aumento da temperatura, o clima começou a mudar
e com isso flora e fauna também passam por mudanças adaptativas. Os animais, que
por milhares de anos eram abundantes e proporcionavam grandes quantidades de
proteína, decresceram em número, deslocaram-se para outras latitudes mais frias ou
se tornaram extintos.

Nossos antepassados, espalhados por uma extensa área que se estendia da África à
Europa e do Oriente Médio à Ásia até a América – onde os antepassados dos povos
indígenas já haviam chegado através de uma ponte de gelo cobrindo o estreito de
Bering – iniciaram a primeira grande revolução da humanidade: a prática da
agricultura. Observando o crescimento de plantas perto dos acampamentos, resultado
da queda ocasional de sementes, os homens devem ter percebido que este processo
poderia ser repetido em escala mais ampla, gerando volumes maiores de sementes.
Nos vales pantanosos à época dos rios Tigre e Eufrates, na região onde atualmente
se situam a Turquia, o Iraque e a Síria, a agricultura passou a ser praticada pela
primeira vez em larga escala a partir de 5.000 A.C. Cerca de milênio e meio depois, a
atividade agrícola já havia se espalhado para outras regiões; como o vale do rio Nilo,
no Egito; o vale do rio Amarelo, na China; e o vale do Indo, entre o Paquistão e a Índia.

A prática da agricultura se desenvolveu ao longo de toda a história, sempre ocupando


novas áreas, acompanhando o crescimento e a expansão das populações humanas.
Basta lembrar as extensões de terras agricultáveis que se abriram na Europa, depois
que gradualmente os povos celtas, germanos e eslavos foram cristianizados e
incorporados ao império romano e depois ao carolíngio.

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Ou no século XVI, quando espanhóis e portugueses descobriram imensas extensões
territoriais agricultáveis no outro lado do Atlântico, além de uma grande variedade de
novas plantas comestíveis, como a batata, o milho, tomate, abacaxi, abacate,
amendoim, baunilha, mandioca, feijão, cacau, pimentas, entre outras.

Apesar do constante aumento das áreas plantadas a fome, no entanto, sempre


acompanhou a humanidade. Já na Roma antiga, o historiador Tito Lívio nos informa
sobre uma grande fome que teria assolado a República romana em 441 A.C. Pouco
antes da Queda de Roma (476 D.C.) a história registra mais um período de grande
carestia no então império Romano, provocada pelo saque da cidade, pelo rei visigodo
Alarico. Entre os anos de 400 e 800, a ausência de uma estrutura político-
administrativa estável, fez com que grande parte da Europa fosse afetada por
períodos de carestia. A situação se tornou tão confusa, que em certas regiões da
Europa, durante o século VIII, até ocorreram casos de canibalismo. As ocorrências de
grandes carestias sucedem-se durante a Idade Média, em grande número de países.

No final da Idade Média, entre 1315 e 1317 ocorreu na Europa o que se passou a
chamar de "A Grande Fome". Devido ao excesso de chuvas e frio em diversas regiões,
perderam-se colheitas em extensas áreas, o que acabou provocando uma grande
fome em todo o Velho Mundo. Milhões de pessoas morreram por falta de comida e
em consequência de problemas sociais ligados à carestia, como o aumento de crimes,
doenças e de assassinatos. Foi somente a partir de 1322 que a Europa conseguiu,
aos poucos, se recuperar do terrível caos social que havia se instalado.

Assim, mesmo com grande variedade de alimentos conhecidos a partir das Grandes
Navegações – muitos autores falam em uma globalização do consumo de certas
plantas, frutos e sementes – grande parte da humanidade ainda continuava a comer
mal ou passar fome. O pintor e gravador alemão Albrecht Dürer (1471-1528), pintou
em 1498 o famoso quadro “Os Quatro Cavaleiros do Apocalipse”, representando os
maiores terrores da sociedade europeia à época: a peste, a guerra, a fome e a morte.

Foi somente a partir da gradual mecanização da agricultura e da utilização de


fertilizantes químicos – processo iniciado na primeira metade do século XIX nos
Estados Unidos, que já despontavam como grande potência agrícola – que as
colheitas se tornaram mais garantidas.

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Mesmo assim, a fome ainda era uma ameaça real para a maior parte da população
mundial, provocando grandes fluxos migratórios, principalmente da Europa para as
Américas. Uma lista detalhada das principais ondas de fome ocorridas no mundo
desde a Antiguidade até os dias atuais encontra-se em:
http://en.wikipedia.org/wiki/List_of_famines.

Ainda na década de 1960 a fome era uma preocupação para cientistas, políticos e
empresários – além do perigo de uma guerra atômica. O aparente problema da
progressão aritmética no aumento da produção de alimentos, frente à progressão
geométrica no crescimento populacional, ocupava grande parte das discussões
acadêmicas da época. Tomando como base a taxa média anual de crescimento da
população mundial naquele período (2,1%), previa-se a explosão de uma bomba
populacional. Mantido a taxa de crescimento, a população se multiplicaria oito vezes
no espaço de um século, 64 vezes em dois séculos, 512 vezes em três séculos, 4.096
vezes em quatro séculos e 32.768 vezes no espaço de cinco séculos. Isto significava
que a população mundial de três bilhões de habitantes em 1960, chegaria a 98 trilhões
de habitantes no ano de 2460; um número assustador. Muitos cientistas diziam que
as previsões feitas pelo economista e demógrafo Thomas Malthus (1766-1834) em
seu "Um ensaio sobre o princípio da população ou uma visão de seus efeitos passados
e presentes na felicidade humana, com uma investigação das nossas expectativas
quanto à remoção ou mitigação futura dos males que ocasiona” poderiam se
concretizar em um futuro próximo. A humanidade cresceria tanto em número, que não
haveria mais alimento para todos. Esta foi, inclusive, a principal preocupação das
primeiras reuniões do Clube de Roma, em 1968.

Felizmente, o ritmo de crescimento da população mundial começou a cair ao longo


dos anos, se estabilizando em torno de 1% ao ano nos dias atuais. Mas, não foi esse
o principal motivo pelo qual as preocupações do Clube de Roma mudaram o foco do
crescimento populacional para o crescimento da poluição. O que provocou uma
verdadeira mudança na segurança alimentar mundial foi a introdução da assim
chamada “Revolução Verde” na agricultura. A técnica foi desenvolvida nos Estados
Unidos pelo agrônomo Norman Borlaug e prevê a mecanização da atividade agrícola,
do plantio à colheita, associada ao uso de sementes geneticamente modificadas e
insumos industriais (adubos e defensivos químicos).

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A disseminação destas tecnologias em todo o mundo a partir da década de 1970, fez
com que as colheitas aumentassem e que o espectro da fome – pelo menos aquele
causado por falta de alimentos – desaparecesse ao longo dos últimos trinta anos.
Ainda persiste a fome originada por guerras, falta de recursos financeiros ou por
especulação; mas esta não tem causas naturais.

Resolvido por ora o problema da fome por falta de alimentos para grande parte da
humanidade, defrontamo-nos agora com novo desafio: o desperdício de alimentos.
Dados da Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação (FAO) dão
conta que no mundo são desperdiçados 1,3 bilhões de toneladas de comida ao ano.
Um estudo preparado pela entidade, intitulado Global food; waste not; want not
(Alimentos globais; não desperdice; não sinta falta), mostra que grande parte dos
alimentos em todo o planeta é perdida, principalmente, por condições inadequadas de
colheita, transporte e armazenagem; por adoção de padrões visuais muito rígidos para
os alimentos (maçãs vermelhas, bananas sem manchas, etc.); e fixação de prazos de
validade rigorosos demais. Na Inglaterra, por exemplo, segundo reportagem do site
da BBC, cerca de 30% dos legumes, frutas e verduras são sequer colhidos, por não
corresponderem aos padrões de aparência que agradam aos consumidores. Outro
aspecto apresentado pelo relatório da FAO é que depois de comprados
aproximadamente 50% dos alimentos são jogados fora, tanto na Europa quanto nos
Estados Unidos. O descarte de tão grande volume de alimentos representa uma perda
de aproximadamente 550 bilhões de metros cúbicos de água, usados para produzir
estas frutas e vegetais. Adicionalmente, segundo os cientistas, é preciso computar o
volume de gases de efeito estufa (CO² e outros) emitidos para a produção e o
transporte destes produtos, bem como o volume de metano (CH4) emitido quando de
sua decomposição, sem terem sido consumidos.

Liderado pelo Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (PNUMA), foi
criado um movimento mundial, com o objetivo de reduzir as perdas e o desperdício de
alimentos. A ideia, que surgiu durante a Rio+20, está sendo divulgada através de um
site (www.thinkeatsave.org) no qual constam informações, relatórios, dados, dicas,
eventos e iniciativas, sobre como economizar alimentos e evitar o desperdício.

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A ideia já estava em circulação há algum tempo: em 2012 o Parlamento Europeu
aprovou uma recomendação para que fosse reduzido o desperdício de alimentos, que
naquele ano chegou a 89 milhões de toneladas (equivalente a 179 Kg/ano/pessoa),
com uma previsão de aumento para 126 milhões de toneladas até 2020.

O Brasil, segundo o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA), é um dos


maiores desperdiçadores de alimentos do mundo. Segundo a instituição, 35% de toda
a nossa produção alimentícia são jogados fora; algo em torno de 27 milhões de
toneladas de comida ao ano. Dados do Instituto Akatu, publicados em 2003,
informavam que 64% do que se plantava no País era perdido ao longo da cadeia
produtiva: 20% na colheita; 8% no transporte e armazenagem; 15% na indústria de
processamento; 1% no varejo; e 20% no processo de preparação dos alimentos e na
alimentação.

A questão da produção de alimentos é parecida com a da produção de eletricidade.


Se ao invés de continuamente aumentar a produção fossem introduzidas medidas de
eficiência, o consumo – tanto dos alimentos quanto dos KWhs – seriam otimizados.
Reduzindo o desperdício e gerindo o processo de produção, distribuição e consumo
de uma maneira mais racional, não haveria necessidade de se fazer tantos
investimentos no aumento da produção – seja de alimentos ou de energia. O melhor
aproveitamento dos recursos diminuiria a necessidade de aumentar área de plantio e
de geração de eletricidade (hidrelétrica), reduzindo o impacto destas atividades ao
meio ambiente. Voltamos assim a um dos princípios básicos da economia: os recursos
são escassos e precisamos utilizá-los da melhor maneira possível.

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A política da prevenção

No Brasil é conhecido aquele ditado: “depois de estar arrombada a porta, coloca-se a


tranca”. A frase é famosa, porque é desta forma que efetivamente as coisas ocorrem.
Nossas práticas culturais em grande parte ainda funcionam desta maneira. Ao invés
de prevermos eventuais dificuldades que poderemos enfrentar no futuro – e assim
tomar medidas de prevenção dos problemas –, geralmente agimos como se nunca
algo de desastroso fosse ocorrer. Por causa desta visão simplista, preguiçosa e
irresponsável ocorre todo tipo de acidente, como o estouro da barragem de resíduos
de mineração em Mariana (2015), o fogo na boate Kiss em Santa Maria (2013),
incêndios como o dos edifícios Andraus (1972) e Joelma (1974), em São Paulo;
explosões como a que aconteceu em um restaurante no centro Rio de Janeiro (2011),
o naufrágio de barcos que a cada ano ocorrem na região amazônica, além dos
milhares de mortos em acidentes automobilísticos. Tragédias que refletem falta de
previsão do que possa acontecer; ausência de medidas preventivas como a
manutenção de equipamentos e o efetivo controle das autoridades responsáveis, a
fim de evitar mortes e prejuízos materiais.

A raiz desta atitude está provavelmente em nossas origens históricas de país


tardiamente industrializado, com órgãos de controle ainda pouco preparados. A
incorporação de normas de qualidade, manutenção preventiva e controle de
processos; a formação de uma mentalidade voltada para a prevenção de acidentes e
prejuízos; são itens de uma cultura ainda pouco disseminada no País. Os órgãos
públicos incumbidos do controle ou da manutenção de serviços essenciais – como
fornecimento de energia, água, segurança, saúde e transporte, etc., – também não
dispõem de tradição de conhecimentos nesta área, com raras exceções. Mesmo entre
os consumidores, a ideia da checagem periódica do estado de seus automóveis,
instalação elétrica das residências, por exemplo, é prática bastante recente.

No mundo industrializado já é parte da cultura empresarial e governamental a


prevenção de falhas e acidentes, ou qualquer outro tipo de ocorrência que poderia,
desde que detectada com antecedência, ser evitada.

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Isto porque a maior parte das atividades humanas envolvendo o uso de tecnologia –
seja na forma de conhecimento ou equipamentos – pode ser acompanhada através
de processos de checagem e verificação, identificando o mau funcionamento do
sistema, a incipiente capacitação de funcionários, a quebra do equipamento e
prevendo as eventuais consequências do problema detectado. Em setores de
infraestrutura, onde a correção de qualquer falha estrutural geralmente necessita de
tempo, como o fornecimento de eletricidade, gás, água e tratamento de esgoto, as
verificações e correções precisam ser realizadas com grande antecedência.

Pior ainda quando o problema é extremamente complexo, envolvendo a falta de


chuvas ou insuficiente capacidade de geração de eletricidade – aspectos que
precisam ser acompanhados desde o início, com providências que possam minorar a
gravidade do problema, através de um conjunto de intervenções. No caso das crises
energética ou hídrica – às quais estaremos cada vez mais sujeitos por força das
mudanças climáticas – o governo precisaria priorizar a introdução de programas de
eficiência energética e hídrica, envolvendo o setor da indústria, da construção civil da
agricultura e o consumidor final, entre outros.

Dado o desenvolvimento do País, já é hora de atuarmos de uma maneira mais


sistêmica, avaliando as consequências de nossos programas e projetos, planejando
melhor o futuro.

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45 mil anos de impacto ambiental

Atualmente, não há mais dúvidas para a ciência de que o homem, o homo sapiens,
vem alterando o ambiente em que vive há centenas de milênios. À medida que a
tecnologia se desenvolvia - desde as ferramentas de corte feitas de pedra e o domínio
do fogo até a invenção do arco -, o impacto do homem sobre o ambiente foi
gradativamente aumentando. No entanto foi com a Revolução Cognitiva, período a
partir do qual houve um acelerado desenvolvimento da cultura (tecnologia, religião,
arte), ocorrida há cerca de 50 mil anos, que o sapiens consolidou sua posição no topo
da cadeia alimentar dos diversos biomas que habitava.

A primeira incursão humana para um mundo fora dos continentes africano e eurasiano
se deu há aproximadamente 45 mil anos. O historiador israelense Yuval Noah Harari,
em sua obra "Sapiens - Uma breve história da humanidade" relata a ocupação da
Austrália por humanos vindos de ilhas da Indonésia. Logo depois disso, dados
arqueológicos dão conta do rápido desparecimento de diversas espécies de animais,
num ritmo além do natural. Cangurus imensos de 200 quilos e dois metros de altura,
coalas gigantes, leões marsupiais do tamanho de um tigre moderno, lagartos de 7
metros e até 600 quilos; o diprotodonte, ancestral do vombate que tinha três metros
de comprimento e o genyorni, ave carnívora com dois metros e pesando 230 quilos.
Todos extintos. Harari diz em seu texto: "Em alguns milhares de anos, virtualmente
todos estes gigantes desapareceram. Das 24 espécies animais australianas pesando
50 quilos ou mais, 23 foram extintas." Também há muitos indícios fósseis de grandes
queimadas efetuadas pelos primitivos habitantes da ilha, provavelmente para o abate
simultâneo de manadas de animais. O eucalipto, raro há 45 mil anos, espalhou-se por
todo o continente australiano, pois é muito resistente ao fogo, diferentemente de
outras árvores e arbusto que desapareceram.

Estudo recentemente publicado na revista "Nature Plants" mostra o impacto das


populações humanas, há milhares de anos, em zonas florestais como Sri Lanka, Nova
Guiné, Austrália, México e Amazônia brasileira.

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Em entrevista ao jornal Folha de São Paulo o representante do instituto Max Planck,
realizador do estudo, informou que a queima da vegetação era realizada de maneira
controlada, de modo a criar áreas abertas, propícias ao crescimento de certas plantas
comestíveis e à presença de certos animais. O que de maneira geral a pesquisa
indica, é que essas populações, através da experiência, já dominavam técnicas de
manejo da vegetação e com isso aumentavam suas chances de obter alimentos.

Outro estudo realizado pela Universidade de São Paulo entre 2016 e 2017 também
coloca em cheque o conceito de que a floresta amazônica era um ambiente quase
intocado até a poucas décadas. A identificação de mais de 400 geoglifos (grandes
figuras feitas no solo através da deposição ou remoção de sedimentos) no Acre,
atestam a ocupação destas áreas há quatro mil anos, através do manejo da vegetação
original. Os pesquisadores descobriram que a mata era substituída por espécies
comestíveis, como milho, abóbora e palmeiras.

O impacto ambiental de nossa espécie não se limita aos últimos 200 ou 300 anos,
com o aumento da população mundial e o advento da industrialização. A ação do
homem em seu ambiente tem relação direta com o desenvolvimento tecnológico das
sociedades.

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Mais controle na atividade pesqueira

Dois fatos relacionados ao meio ambiente marinho chamam a atenção no início do


ano: os protestos contra a proibição da pesca de peixes em extinção e a descoberta
de novas espécies marinhas no litoral de São Paulo. Por um lado, a pesca excessiva
faz com que peixes como o cação-bico-doce, o mero, o badejo-tigre, o cação-anjo e a
raia-viola estejam em desaparecimento. Por outro, cientistas descobrem novas
espécies de briozoários (invertebrados que vivem incrustados em rochas e algas,
conhecidos como “musgos do mar”) entre Ilha Bela e São Sebastião; região portuária
e de grande atividade turística.

A descoberta demonstra que além das 1.500 espécies marinhas atualmente


conhecidas na costa brasileira, ainda devem existir centenas de outras ainda por
descobrir – mesmo em localidades com forte atividade econômica. No entanto, dado
o ritmo de exploração das regiões costeiras – através da sobrepesca, aterramento de
mangues, descarga de efluentes e descarte de lixo –, muitos animais até hoje
desconhecidos podem desaparecer sem que tomemos conhecimento de sua
existência. Este é um dos dilemas das ciências que estudam a vida: quantas espécies
novas ainda poderão ser pesquisadas em seus ecossistemas, antes que este e seus
moradores desapareçam?

Para tentar evitar a diminuição e posterior desaparecimento de espécies de peixe


como a sardinha, o namorado a garoupa e crustáceos como o camarão-rosa, o
Ministério do Meio Ambiente (MMA) publicou em dezembro de 2014 a Portaria 445,
que proíbe a pesca de diversos tipos de espécies marinhas. A medida gerou protestos
em muitas partes do país, notadamente em Itajaí, em Santa Catarina, onde
pescadores, sentindo-se prejudicados em suas atividades pela portaria, bloquearam
a saída do porto de um transatlântico de turismo. Depois do incidente, o governo
decidiu criar um grupo de trabalho, formado por membros do MMA e do Ministério da
Aquicultura e da Pesca, que através de outras portarias e Notas Informativas fez uma
revisão na lista das espécies e no período estabelecido para o defeso (em que é
proibido pescar a espécie).

67
No Brasil existem mais de um milhão de pessoas que dependem economicamente da
atividade pesqueira, que a cada ano captura volumes maiores de pescado para
abastecer o crescente mercado consumidor. O excesso de pesca, aliado à utilização
de redes de trama fina que não deixam passar os indivíduos pequenos, fazem com os
barcos atuem como verdadeiras dragas, carregando tudo que se encontra no fundo
do mar. Peixes pequenos ou espécies sem valor comercial são posteriormente
descartados, quando estão mortos. Outro aspecto é que a pesca de fêmeas em
período de reprodução (quando ocorre o defeso), reduz a possibilidade de procriação
da espécie. Todos estes fatores, além dos já citados, poderão contribuir para a
diminuição gradual do volume de pescado e eventual desaparecimento das espécies.
Segundo o Instituto Chico Mendes (ICMBio) o Brasil tem oficialmente 19 espécies de
peixes marinhos ameaçados de extinção.

Somente através das atividades econômicas, utilizando os recursos naturais, é


possível gerar riquezas. Todavia, a apropriação do recurso natural deve ser feita de
tal maneira que possa ser realizada sempre, de uma maneira sustentável. Exaurir os
recursos naturais fará com os utilizemos apenas por um curto período, à custa das
gerações futuras e das espécies ainda desconhecidas.

68
Evolução da questão ambiental

Como jornalista e consultor ambiental venho acompanhado o desenvolvimento do


setor da sustentabilidade nos últimos vinte e seis anos. Ao longo deste período
pudemos constatar vários avanços, principalmente com relação às questões
ambientais urbanas. Se, praticamente até os anos 1970 o tema do meio ambiente
era completamente desconhecida do cidadão comum, foi a partir das décadas de
1980 e 1990 que o setor efetivamente tomou impulso com a criação de leis e
agências de controle. Outro aspecto é que desde esse período também surgiram as
primeiras ONGs ligadas ao meio ambiente e o tema passou a fazer parte da política
partidária e da programação das redes de TV.

A palavra “sustentabilidade” se tornou comum no nosso vocabulário diário a partir


de 1987, quando a Comissão Mundial sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento da
ONU, chefiada pela primeira ministra da Noruega Gro Harlem Brundtland, publicou
um documento intitulado Nosso Futuro Comum, também conhecido como Relatório
Brundtland. Entre outras coisas, o relatório indicou as diretrizes para o crescimento
da economia mundial no futuro: o desenvolvimento sustentável. Este, foi definido
pelo documento como sendo “o desenvolvimento que satisfaz as necessidades
presentes, sem comprometer a capacidade das gerações futuras de suprir suas
próprias necessidades”. Ou seja, as atuais gerações não podem impor à economia
mundial um ritmo de crescimento que esgote os recursos naturais – solo, água, ar,
florestas, mares –, tirando o direito das futuras gerações de disporem da mesma
quantidade de recursos.

Para evitar a exaustão destes bens, a ONU criou diversos acordos internacionais
para reduzir o impacto das atividades humanas sobre o meio ambiente. Tratado para
eliminação dos gases destruidores da camada de ozônio; acordos para proteger a
biodiversidade e os mares; para a redução das emissões de gases causadores do
efeito estufa, regular o transporte de cargas perigosas; proibir a caça e pesca de
certos animais, são muitos. Enfim, existem diversos pactos estabelecidos entre
todos os países membros da ONU, com o compromisso de reduzir a exploração
excessiva dos recursos do planeta.

69
Pelos noticiários, no entanto, fica evidente que apesar de todos os compromissos
assumidos, são diferentes os graus de empenho dos países em reduzirem seus
impactos ambientais. Enquanto grandes poluidores, como a China e a Índia,
começam a fazer investimentos para reduzirem emissões, há outros países que se
tornaram exemplo, como a Alemanha, que até 2020 deverá fechar todas as suas
usinas nucleares. O maior consumidor de recursos, os Estados Unidos, apesar dos
avanços em diversas áreas, está retrocedendo no controle de suas emissões
atmosféricas, por orientação da atual administração.

O Brasil ainda tem um longo caminho a percorrer. Se, por um lado o setor de energias
renováveis avança rapidamente com aportes de capital do setor privado, o
saneamento, que em grande parte ainda depende de recursos públicos, progride
lentamente. Para a maior parte dos governos a preservação dos recursos naturais
ainda não é prioridade; por uma série de razões. Cria-se, assim, uma grande
expectativa em relação aos novos administradores que assumirão o país em 2019.
Enquanto isso, o fenômeno climático evolui, e fica evidente de que não é mais possível
separar a gestão da economia da dos recursos naturais.

70
Previsão incorreta

A atividade de inteligência de mercado procura reunir informações e dados de um


determinado setor e ordená-los de maneira que permitam tirar conclusões. Estas,
podem ser de interesse de uma determinada empresa, ou daqueles que de uma
maneira mais ampla também têm interesse neste determinado setor. Em outras
palavras, baseados em informações e dados de um mercado (e uma série de
informações de outros mercados a ele ligados), podemos planejar a estratégia de uma
empresa ou inferir o comportamento futuro deste mercado, com margem de erro
aceitável. Mas, não é só isso; seria fácil, se tudo fosse tão simples.

A economia, como se sabe, é um sistema complexo, definido como aquele cujas


propriedades não são uma consequência direta e necessária de seus constituintes,
ou seja, seu desenvolvimento não pode ser inferido diretamente do comportamento
das partes que o constituem. Assim, a economia – nome genérico de um macro
sistema constituído de inúmeros subsistemas – comporta-se geralmente de maneira
pouco ou nada previsível, pelo menos para os atuais níveis de conhecimento humano.
O mesmo se aplica ao setor da economia que se convencionou chamar de mercado
ambiental. Basta tentarmos enumerar alguns subsistemas que o compõem: mercado
do saneamento ambiental (tratamento de água e esgoto); mercado de gestão de
resíduos (domésticos, hospitalares e industriais); mercado da poluição atmosférica
(veicular, industrial entre as principais); preservação, tratamento e descontaminação
de solos; reflorestamento e áreas de proteção, entre outros. Imagine-se o número de
agentes econômicos envolvidos em todas estas atividades. Além disso, é preciso
também considerar que o avanço tecnológico faz com que surjam a cada dia novas
demandas e, consequentemente, novos mercados.

Em uma primeira avaliação, já é possível estimar que o mercado ambiental está sujeito
às mais variadas influencias. Desde a disponibilidade de recursos financeiros por
parte de governos e empresas privadas para a implantação de projetos, à aprovação
de leis que podem criar demandas tecnológicas ao impedirem determinadas práticas
de alto impacto ambiental.

71
Da necessidade de cumprir normas técnicas internacionais, no caso de exportadores
de determinados produtos, até a identificação de novos fornecedores de matérias
primas, extraídas ou fabricadas por processos menos poluentes. Resumidamente,
três fatores exercem forte influência em mercados ambientais em desenvolvimento:
a) disponibilidade de recursos; b) legislação e normas técnicas; e) desenvolvimento
de tecnologias mais eficientes.

Disto exposto, é fácil depreender que a tarefa da inteligência de mercado num setor
altamente complexo como este não é trabalho fácil. A grande quantidade de
elementos que entram em consideração – e a escolha dos que exercem mais ou
menos influência no quadro geral – pode confundir as análises e levar a conclusões
que mais tarde não se confirmarão. Forma-se uma “hipótese desalinhada” do provável
desenvolvimento do mercado, o que faz com que as conclusões da análise teórica
também acabem se desencontrando da realidade no futuro.

Como exemplo disso, apresentamos uma avaliação do desenvolvimento do mercado


brasileiro de tecnologias ambientais que elaboramos em início de 2013. Depois de
expor um resumo dos fatores econômicos, sociais e tecnológicos que contribuíram
para formar o quadro do mercado à época (2013), mostramos e discutimos alguns
dados e números sobre este mercado, dividindo-o nos segmentos de saneamento,
gestão de resíduos e controle da poluição atmosférica. Finalizando, baseado em
várias informações, dados, previsões setoriais e macroeconômicas das quais
dispúnhamos à época, arriscamos construir um quadro do desenvolvimento do
mercado brasileiro de tecnologias ambientais, tentando apontar a provável situação
futura.

Dividimos nossa perspectiva sobre o mercado futuro de tecnologias ambientais no


Brasil em três áreas: a) as tendências econômicas; b) as tendências políticas e
jurídicas; e c) tendências tecnológicas.

a) Tendências econômicas:

Na questão das tendências econômicas havíamos previsto um aumento dos


investimentos em infraestrutura em função de programas de financiamento como o
PAC (Plano de Aceleração do Crescimento) e a implantação de legislação reguladora,
a Política Nacional de Resíduos Sólidos (PNRS).

72
Hoje sabemos que em final de 2013 já se descortinava uma crise econômica no país,
que, entre outros efeitos ao longo do tempo, reduziu drasticamente os recursos do
governo, diminuindo repasses para o PAC, e, mais especificamente, para o setor de
saneamento. Por outro lado, a PNRS, depois de prevista para 2012, teve sua
implantação prorrogada para 2018. Mesmo assim, os avanços foram pífios, já que a
maior parte dos municípios não dispõe, até o momento, de recursos para dar início às
práticas de atendimento da lei.

Também havíamos previsto uma maior internacionalização da cadeia produtiva


brasileira, através do aporte de investimentos estrangeiros e o crescimento das
exportações, o que provocaria um aumento da capacidade produtiva e,
consequentemente, o aumento dos investimentos em meio ambiente. O que
efetivamente ocorreu é que a cadeia produtiva local se internacionalizou em parte de
outra forma. Assim, parte das empresas deixaram de fabricar no Brasil e passaram a
licenciar fabricantes chineses. Isto ocorreu de maneira acentuada na indústria
autopeças, que fechou muitas de suas unidades de produção e passou a comprar de
fabricantes da China, apondo sua marca aos produtos.

Em consequência do aumento do padrão econômico médio da população, havíamos


previsto o aumento das exigências dos consumidores em relação aos produtos,
inclusive no que se refere aos aspectos de sustentabilidade. O que ocorreu, como
sabemos, é que o padrão econômico da maior parte da população caiu visivelmente
e as exigências dos consumidores se limitaram ao preço do produto.

b) Tendências políticas e jurídicas:

No aspecto das tendências políticas e jurídicas havíamos previsto que os novos


governos dariam mais importância às questões ambientais. Neste quesito o que
ocorreu é que a presidente foi reeleita e continuou a manter a mesma orientação de
seu primeiro governo, com relação à estratégia na área ambiental. A agravante em
seu segundo mandato foi a redução de verbas para o Ministério de Meio Ambiente
(entre outros), fato que se acentuou ainda mais quando assumiu o vice-presidente
Temer, depois do impedimento de Dilma Rousseff.

Outro aspecto que havíamos previsto com relação às tendências econômicas e


jurídicas foi a pressão que exerceriam os acordos internacionais e as barreias não

73
alfandegárias instituídas por países e blocos econômicos. Todavia, a dinâmica
internacional das negociações dos acordos ambientais foi diferente, principalmente
com a eleições de Trump e suas consequências na atuação dos Estados Unidos no
cenário internacional da proteção ambiental. Como sabemos, internamente o
presidente Trump cancelou diversos programas ambientais implantados por seu
antecessor, e a nível internacional abandonou o Acordo Mundial sobre o Clima.

Também havíamos considerado que uma maior atividade econômica levaria, muito
provavelmente, a uma melhor aplicação da legislação ambiental por parte das
agências controladoras. A retração da economia, no entanto, levou a uma menor
atividade produtiva, menor arrecadação de impostos e, assim, a uma diminuição dos
recursos direcionados para as agências controladoras e reguladoras.

c) Tendências tecnológicas:

Na nossa previsão de uma economia em crescimento acelerado, antevíamos uma


crescente concorrência interna e externa por recursos e insumos. Esta rivalidade
levaria a uma necessidade de otimizar processos produtivos para uso mais eficiente
do input, de modo a colocar produtos com preços mais competitivos nos mercados. A
melhoria dos processos teria um impacto ambiental bastante positivo, reduzindo
emissões em geral e aumentando a demanda por tecnologias ambientais.

O crescimento das energias renováveis, que também havíamos previsto como


tendência tecnológica, foi praticamente a única de nosso estudo que se concretizou.
Primeiramente a energia eólica e, a partir de 2017, a energia solar; ambas mostraram
um rápido crescimento que só tende a aumentar. Interessante observar que os leilões
de energia – através dos quais também se compra energia eólica e solar – são
organizados pelo governo, mas financiados exclusivamente pelo setor privado
nacional e internacional. Planejamento, construção, operação e financiamento; tudo
está a cargo da iniciativa privada, sem depender de recursos do Estado.

Por último, havíamos apostado que empresas locais, colocadas numa situação de
competição dado o crescimento da economia, demandariam tecnologias mais
eficientes, o que teria como consequência o aumento na procura por equipamentos e
serviços ambientais. Todavia, a crise econômica na qual o país afundou, fez com que
projetos de ampliação ou retrofit de unidades de produção fossem postergados.

74
Concluindo:

No caso de nossa análise, a “hipótese desalinhada” do provável desenvolvimento do


mercado – fazendo com que as conclusões da análise teórica também acabassem se
desencontrando da realidade no futuro - foi, principalmente, não termos considerado
a crise que se abateria sobre a economia brasileira, principalmente a partir de 2014 –
e cujas nuvens escuras ainda eram pouco visíveis no horizonte em início de 2013. Se
àquela época já se previa um crise, sua profundidade e extensão ainda não era
antevista pela maior parte dos economistas. Assim, um colapso econômico de
proporções extraordinárias, fez com que nossas previsões sobre o futuro do mercado
de tecnologias ambientais extrapolasse completamente a “margem de erro aceitável”,
mencionada no início deste artigo.

75
Origem e transformação dos materiais

Poucas vezes pensamos acerca das origens dos produtos e dos materiais que
utilizamos diariamente em nossas atividades. Não sou químico nem físico, mas como
leigo interessado no tema sei que qualquer produto é formado por um ou mais
materiais, que para existirem precisaram sofrer um processo de transformação. Esta
transformação físico-química pode ser de dois tipos: a natural e a produzida pelo
homem.

O petróleo é um exemplo de transformação natural. Esta substância oleosa, com cor


variando do castanho claro, passando pelo marrom até o preto, altamente inflamável,
extraída a grandes profundidades, é constituída pelos corpos de inúmeros
microrganismos, submetido a pressões altíssimas, na ausência de oxigênio durante
milhões de anos. Depois de extraído, o petróleo é submetido a um processo de
transformação artificial, executado pelo homem com sua tecnologia. O petróleo cru
passa por uma destilação fracionada (basicamente um aquecimento a temperaturas
crescentes) do qual resultam substâncias como: éter, benzina, nafta, gasolina,
querosene, óleo diesel, óleos lubrificantes, asfalto, piche, coque, parafina e vaselina;
todos extraídos em uma determinada faixa de temperaturas. A partir da nafta são
fabricadas matérias primas para plásticos PVC e poliuretano. De outros derivados
fabricam-se detergentes líquidos, defensivos agrícolas, produtos de higiene,
cosméticos, tecidos, remédios e até produtos para alimentos. Todo o processo
começou há milhões de anos, quando um terremoto ou outro fenômeno natural
soterrou o fundo do oceano, cobrindo bilhões de carcaças de pequenos organismos.
Sob o ponto de vista da química ocorreu apenas um processo de rearranjo e perda de
átomos formando novas moléculas, eventualmente com liberação de energia.

É desta maneira que surgem os diversos materiais dos quais nos utilizamos; seja
através da extração direta da natureza (mineração) ou através de processamento
físico-químico. O problema inerente a tudo isso é que essa transformação - do minério
em ferro ou aço; da argila em cerâmica, do gás natural em metanol até os solventes -
demanda grandes quantidades de energia, seja na forma de eletricidade ou calor.
Outro aspecto é que todos os processos de produção geram grandes quantidades de
resíduos, muitos dos quais com custo altíssimo de reaproveitamento.
76
O que então ocorre é que estes restos de materiais são incinerados ou depositados
em aterros especiais, destinados a produtos com alguma periculosidade. Quando os
resíduos do processo produtivo não são dispostos de modo correto, terminam
poluindo o ambiente - as ruas, terrenos baldios, aterros clandestinos, áreas
desabitadas e às vezes cobertas de vegetação original. Dependendo da toxicidade
destes resíduos (ou refugos), o material contamina os lençóis freáticos, poluindo
águas de nascentes, poços, rios e lagos.

O grande desafio da indústria continua sendo como aproveitar da melhor maneira


possível todas as matérias primas e insumos que entram no processo produtivo.
Quanto mais resíduo a indústria - química, automobilística, de alimentos, de bebidas,
de embalagens, etc. - gerar em sua produção, mais material estará perdendo,
principalmente se ao final a sobra for jogada fora. O planejamento da produção e da
distribuição diminui a poluição e reduz o desperdício dos recursos naturais.

77
Lucrécio e o consumo

Escrevia o poeta e filósofo romano Lucrécio (99 a.C-55 a.C) que “nada vem do nada
e nada acaba em nada”, referindo-se ao fluxo do universo; a energia a matéria e a
vida. Este mesmo princípio, se pensarmos bem, também se aplica perfeitamente ao
nosso mundo humano: a economia, com todos os seus fluxos de matérias primas,
insumos, energia e produtos. Podemos não nos dar conta disso, mas todo e qualquer
produto tem uma origem anterior e mesmo depois de descartado não desaparece.

O sapato, por exemplo; se é um produto de qualidade, é feito de couro. O couro


geralmente é extraído do gado bovino, que precisa se alimentar e crescer em áreas
de pasto e com ração. A área de pastagem em alguma época passada já foi área de
floresta ou cerrado, removida para dar lugar à criação. A ração é principalmente
produto da mistura de capins, silagens e farelos, plantados em terrenos que
originalmente também foram ocupados por algum tipo de ecossistema natural. Assim,
para obter a principal matéria prima do sapato, os homens tiveram que ocupar e alterar
o espaço natural.

O passo seguinte, depois da extração, é a preparação do couro, o curtimento. Para


isso também são necessários produtos químicos de origem vegetal, como o tanino,
ou mineral, como o cromo. Tanto para a produção do tanino, extraído principalmente
da casca do carvalho, quanto para a extração de cromo na forma mineral, é necessário
agredir o ambiente original, seja pela agricultura ou mineração. Além disso, o processo
de curtição do couro demanda grandes volumes de água e gera efluentes altamente
tóxicos. Não podemos nos esquecer de que muitos sapatos têm sola de borracha, o
que implica falar sobre mais outro segmento industrial e seus impactos ambientais, o
que não faremos no momento.

Pronto o sapato, este é distribuído para as lojas, geralmente por via rodoviária. Os
caminhões operam com diesel e ainda têm motores relativamente poluentes, emitindo
grandes quantidades de CO² e outros gases causadores das mudanças climáticas.
Também precisamos considerar o fato de que para comprar o par de sapatos, o
consumidor necessita se deslocar – geralmente com seu próprio carro – e assim
também contribuiu com emissões de gases poluentes.

78
Depois de alguns meses ou até anos, dependendo da frequência do uso e da
qualidade do produto, o sapato está gasto – nem o sapateiro pode ajudar mais.
Geralmente o destino do calçado é o lixo e dali para um aterro sanitário, onde levará
em média 50 anos até que se decomponha.

Esta é uma descrição bastante simplificada dos impactos ambientais que ocorrem na
produção de um par de sapatos. As matérias primas e insumos têm sua origem na
natureza. Estas, somadas à energia dos derivados de petróleo, à eletricidade de
hidrelétricas e ao trabalho humano físico e mental, formam os bens e serviços
necessários à nossa sobrevivência. Este processo ocorre e se repetirá por bilhões de
vezes com os produtos e serviços que diariamente são consumidos pela humanidade,
até que acabem as matérias primas, a fertilidade dos solos, a disponibilidade de água,
as fontes de energia e outros insumos. Quanto a isso, Lucrécio também escreveu:
“Para quem vive segundo os verdadeiros princípios, / a grande riqueza seria viver com
pouco, / serenamente: o que é pouco nunca é escasso.

79
Herbicidas e impasse na agricultura

As ervas daninhas são espécies vegetais diferentes das cultivadas e com elas
competem pela luz, água, solo e adubo, comprometendo parte ou toda a colheita da
espécie cultivada. Estas ervas aparecem de diversas maneiras: podem estar inertes
no solo aguardando condições propícias para germinar ou ter suas sementes trazidas
por pássaros, pelo vento ou pela água; por vezes chegam misturadas às sementes a
serem plantadas ou podem ser espalhadas por pessoas, animais ou equipamentos
(tratores, colheitadeiras) em seu deslocamento. Enfim, é muito difícil encontrar uma
cultura sem nenhum tipo de erva daninha.

O método mais antigo de combate às ervas daninhas era a associação da capina com
a monda - o arranque manual. Esta situação persistiu até quando os primeiros
cultivadores de tração animal e depois mecânica passaram a ser usados na
agricultura. No início do século XX tem início a utilização de substâncias químicas,
mais tarde classificadas como herbicidas, no combate às ervas daninhas. Nessa
época, pesquisadores nos Estados Unidos, na França e na Alemanha, começaram
usando sais de cobre e depois o ácido sulfúrico para o combate destas intrusas. O
primeiro marco no uso moderno de um produto químico para estes fins na agricultura
ocorreu em 1941, como a síntese do 2,4 D, o ácido 2,4 diclorofenoxiacético,
posteriormente. Nos anos 1960 e 1970 com o surgimento da Revolução Verde, que
visava aumentar a produção agrícola através da mecanização, adubação química,
seleção de sementes e uso de pesticidas (inseticidas, fungicidas e herbicidas), o
combate às ervas daninhas se tornou mais eficiente.

A fórmula deu tão certo que a monocultura intensiva expandiu-se rapidamente em


países com amplas extensões de terra ainda agricultáveis, como o Brasil, Estados
Unidos, Argentina, Austrália e Índia, entre outros. O principal objetivo, lançado pela
ONU, era aumentar a produção de alimentos para fazer frente ao rápido crescimento
da população mundial, principalmente nos países pobres, depois da 2ª Grande
Guerra. A grande demanda por produtos para a agricultura fez com que grandes
empresas do setor químico desenvolvesse novas herbicidas, que durante décadas se
mostraram bastante eficazes.

80
No entanto, ao longo dos anos, diversas espécies de ervas daninhas foram adquirindo
resistência aos produtos químicos. Segundo a EMBRAPA (Empresa Brasileira de
Pesquisa Agropecuária), o problema é mundial. 252 ervas daninhas já se tornaram
tolerantes a herbicidas atingindo 92 culturas agrícolas, semeadas em 69 países (jornal
Valor de 3/11/2017). No Brasil, as espécies que são imunes aos herbicidas são: a
buva, o capim-amargoso, azevem, capim-pé-de-galinha, cloris e caruru. O problema
já está provocando o aumento nas despesas de produção de diversas commodities
agrícolas, como a soja, por exemplo, cujo custo poderá mais que triplicar, devido as
necessidade de maior uso de herbicidas e da queda da produtividade.

O fenômeno é mundial, tendo sido identificado em diversos países a partir dos anos
1990. Junto com o já conhecido impacto ambiental dos herbicidas, representa um dos
maiores desafios do setor agrícola. Agora, a maior preocupação de organismos
internacionais e governos é saber em que velocidade mais de ervas daninhas se
tornarão imunes aos herbicidas atualmente disponíveis e qual será o impacto disso
na produção de alimentos.

81
Do universo ao ambiente

A ciência que estuda o surgimento e a evolução do universo, a cosmologia, avançou


muito nos últimos 30 anos. Se antes já havia fortes indícios de que o universo teria
surgido através de uma imensa explosão - apelidada de "big bang" -, novas teorias
dos anos 1980 consolidaram cada vez mais esta visão científica. A elaboração destas
teorias é trabalho multidisciplinar, no qual conhecimentos das diversas áreas - física,
química, astronomia - contribuem para formar uma visão coerente da evolução do
universo em suas primeiras centenas de milhões de anos. Importante lembrar que tais
especulações não são respostas definitivas sobre um tema tão complexo e que a cada
ano surgem novas descobertas, que podem colocar em cheque todas as teses
anteriormente aceitas. Ultimamente, por exemplo, vem ganhando adeptos a teoria dos
multiversos, teorizando sobre a existência de inúmeros universos em paralelo ao
nosso. Mas isso é outra história.

Resumidamente, em relação ao nosso universo, os cientistas em sua maioria aceitam


que este surgiu há cerca de 13,7 bilhões de anos. A partir de um ponto minúsculo que
concentrava toda a energia e matéria atualmente existentes, o universo explodiu e se
expandiu rapidamente. Durante o processo de expansão a matéria foi esfriando,
permitindo o aparecimento dos primeiros átomos e elementos químicos. O hidrogênio
e o hélio - elementos mais abundantes no universo - se agregaram em grandes
quantidades a altíssimas pressões e formaram a primeira geração de estrelas e
galáxias. Posteriormente, com a explosão das estrelas, surgiram outros elementos
químicos mais pesados, que contribuíram para o aparecimento dos planetas, satélites
e outros corpos celestes. Em um planeta específico - pelo menos de acordo com o
estado atual dos nossos conhecimentos - surgiu a vida como a conhecemos.

A teoria da evolução do universo também prevê que este terá um fim. De acordo com
a hipótese mais recente, que leva em consideração a descoberta da energia e da
matéria escura (sobre as quais não falaremos aqui), tudo indica que o universo se
expandirá indefinidamente, até perder a energia e dissolver toda matéria. Os cientistas
não estabelecem tempo para que isso ocorra; dezenas, centenas de bilhões de anos
ou trilhões de anos, como conjecturam alguns. Um tempo inimaginável em padrões
humanos, mas finito. O nosso universo, segundo a ciência, terá um fim.
82
Voltemos agora à Terra, onde nós e todas as outras espécies de seres vivos
nascemos e vivemos - a maioria já definitivamente extinta. A vida surgiu há cerca de
3,5 bilhões de anos; os primeiros organismos pluricelulares apareceram há 700
milhões de anos; o homem moderno há 200 mil. A civilização organizada surgiu há
menos de 10 mil anos; a escrita há seis mil e a ciência moderna tem pouco mais de
400 anos. Somos a única espécie viva na Terra e no universo (ao que saibamos) que
tem a capacidade de alterar o ambiente em que vive e de prever, com razoável
probabilidade de acerto, o resultado destas ações.

Talvez, sob esta perspectiva mais ampla, a humanidade se dê conta da gravidade de


nossas ações em relação ao meio ambiente e da importância em protegermos e
mantermos os recursos naturais sob todas as formas: espécies vivas, ecossistemas,
biomas e ambiente físico; incluindo mares, rios, montanhas, desertos, planícies e tudo
mais.

A Terra e o universo não foram feitos para o homem, como se supunha no passado.
Este surgiu provavelmente por acaso na história da vida, como filho da Terra e do
universo, junto com milhões de outras espécies. Temos o privilégio de olhar e
interpretar o universo. Como já escreveu outro autor: "O homem é o universo olhando
para si mesmo".

83
Ecossistemas e complexidade

Um ecossistema, assim como outros sistemas dinâmicos, é considerado um sistema


complexo. Uma eleição, a economia de um país, o clima de certa região e o
ecossistema de uma ilha, por exemplo, são sistemas complexos, porque seus
diferentes estados ao longo do tempo decorrem de relações imprevisíveis entre suas
partes constitutivas. Sistemas complexos são compostos por vários aspectos que
interagem entre si, formando uma nova estrutura, que por sua vez construirá novas e
mais complexas relações, e assim por diante. Os sistemas complexos não são
simplesmente a soma da atuação de suas partes, como um relógio ou um motor; são
muito mais complicados. Não é por outra razão que para se estudar o
desenvolvimento destes sistemas, são necessários computadores de altíssima
potência, processando bilhões de informações por segundo.

Quando uma extensa área de floresta ou de campo é destruída e substituída pela


atividade agrícola ou simplesmente degradada, a supressão do ecossistema original
provocará diversas consequências, numa cadeia de causa e efeito de resultados
imprevisíveis, gerando novos fatos agora ainda imperceptíveis. Geólogos podem
antever mudanças na constituição do solo, com o gradual desaparecimento de certos
minerais que eram liberados no solo pelas raízes de um tipo de planta, suprimida pelo
desmatamento. Hidrogeólogos poderão prever menor disponibilidade de água no
subsolo, já que esta era retida pelas raízes dos milhares de árvores e arbustos
derrubados. Biólogos, além de observarem menor presença de insetos polinizadores
- besouros, abelhas, borboletas, vespas e moscas - identificarão um solo mais pobre
em microrganismos, menos fértil. Todos estes aspectos irão interagir entre si e criarão
um novo ambiente.

Este novo ambiente, se usado para a agricultura, será submetido a soluções lineares
e mecanicistas - preparação do solo para o plantio, semeadura, adubação, irrigação,
aplicação de herbicidas e inseticidas. São intervenções que atacam apenas alguns
pontos do sistema de plantio, como suprir alimento e água e afastar eventuais
concorrentes e predadores; mas sem conseguir aprofundar a interação entre seus
elementos originais, como acontecia no ecossistema original.

84
Um dos aspectos a observar neste caso é que a vegetação original, que ocupava a
área, era um sistema com milhares, talvez milhões de anos de interação entre seus
membros e outros elementos (solo, água, clima). A cada mudança de condições -
enchentes e secas prolongadas, períodos de frio ou de calor mais intensos - este
ecossistema teve condições de lentamente se adaptar e voltar a entrar em equilíbrio,
mesmo com o desaparecimento (ou aparecimento) de uma ou outra espécie, em
função da mudança das condições.

A intervenção do homem, transformando aquele complexo sistema ecológico em algo


mais simples, destinado a produzir uma, duas ou três espécies de vegetais - sorgo,
milho e girassol -, suprimiu bactérias, protozoários, fungos, animais e vegetais, que
propiciavam um excelente equilíbrio ao ecossistema original. Com diversidade de
espécies menor, o ecossistema agrícola torna-se mais vulnerável às pragas e ao
desequilíbrio, como um corpo com carência de certas vitaminas.

A demanda por alimentos no mundo será cada vez maior. Assim, o maior desafio do
setor agrícola será desenvolver conhecimentos sistêmicos, a fim de aumentar a
produção sem destruir completamente os ecossistemas originais.

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Prefeituras não conseguem implantar a PNRS

Publicada em 2010 no final do governo Lula, a Política Nacional de Resíduos Sólidos


(PNRS) foi celebrada como solução para a questão da destinação de resíduos no
Brasil. O projeto de lei original é de 1992 e por muitos anos permaneceu no Congresso
esperando aprovação. Prevista para entrar em vigor a partir de 2014, teve sua
validade prorrogada pelo Congresso para 2018, já que pouquíssimos municípios
teriam condições de colocar a lei em prática, por falta de recursos. Parte do setor
privado mais organizado, principalmente as grandes empresas e aquelas cujos
produtos têm maior impacto ambiental, já elaborou e começa a implantar práticas de
gestão de resíduos, chamados de logística reversa. No entanto, enquanto as
prefeituras não organizarem sistemas de gestão - coleta, reciclagem e destinação -
de seus imensos volumes de lixo, a PNRS não acontecerá na prática.

Nem mesmo a queda na geração nacional de resíduos, que em 2016 com 78,3
milhões de toneladas geradas diminuiu 2,04% em relação a 2015, está ajudando os
municípios. A recessão econômica, provocando a queda do consumo, fez com que na
média nacional o brasileiro produzisse 2,9% menos lixo do que em 2015, segundo a
Associação Brasileira de Empresas de Limpeza Pública (Abrelp). Mesmo assim, as
prefeituras de todo o pais, com menos recursos arrecadados, estão acumulando uma
dívida de R$ 8 bilhões com empresas que prestam serviços de coleta, segundo dados
da Câmara dos Deputados. A inadimplência das prefeituras junto às empresas de
coleta, fez com que até agora o setor tivesse que dispensar 17mil funcionários,
segundo informação da Abrelp.

Mesmo no estado de São Paulo, o mais rico e desenvolvido do país, uma pesquisa
do Tribunal de Contas do Estado (TCE) realizada em 2016, constatou que 71,17% do
municípios paulistas não dispõem de áreas específicas para disposição dos resíduos
de saúde. 58,28% das cidades avaliadas não possuíam local para descarte de
resíduos da construção civil, 94,48% não contavam com usinas de compostagem de
resíduos orgânicos e 38,4% dos municípios nem dispunham de cooperativas de
catadores organizadas. O quadro no restante do país deve ser o mesmo ou talvez até
pior.

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Outro fato levantado por um estudo realizado pela Abrelp em 482 municípios, cujos
dados foram extrapolados estatisticamente para todas as 5.570 cidades brasileiras, é
que vem aumentando o número de administrações municipais que passaram a usar
lixões para destinar os resíduos urbanos. Segundo dados da associação, em 2016
havia 2.239 cidades que dispunham de aterro sanitário; 1.772 tinham aterro controlado
e 1559 utilizavam o lixão. O estudo revela que 81 mil toneladas diárias de lixo são
depositadas em locais inadequados e que também não houve um aumento da
reciclagem de materiais.

O quadro geral não permite otimismo, já que será lenta a recuperação da economia e
da arrecadação dos municípios. A Abrelp sugere que as cidades instituam a cobrança
de taxas específicas para a gestão da limpeza municipal, a taxa do lixo. Segundo a
associação, das cidades que planejam e têm orçamento para o setor, 75% dispõem
seus resíduos urbanos de forma correta, em aterros sanitários. A solução deveria
funcionar, desde que a população perceba que os recursos estão efetivamente sendo
destinados à implantação de um programa de gestão de resíduos, e não para outros
fins.

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O impacto das mudanças climáticas no litoral brasileiro

O Painel Brasileiro de Mudanças Climáticas (PBMC) publicou recentemente o relatório


"Impacto, vulnerabilidade e adaptação das cidades brasileiras às mudanças
climáticas" (disponível em:
https://drive.google.com/file/d/0Bxchau3sCq6keVYwZFI3TFoxWGs/view), apontando
os diversos efeitos que o fenômeno terá sobre o litoral do país. O aumento do nível
das águas do mar e seu efeito sobre a infraestrutura urbana e áreas vizinhas, deverá
ser percebido nitidamente a partir da segunda metade deste século.

Suzana Kahn, presidente do PBMC, em declaração ao jornal Folha de São Paulo,


apontou a gravidade do fenômeno: "Está bem ruim mesmo. A situação está difícil, mas
a função do relatório é apontar os cenários que podem acontecer." O PBMC, criado
em 2009 pelo Ministério da Ciência e Tecnologia e Ministério do Meio Ambiente, reúne
especialistas que se dedicam ao estudo dos impactos das mudanças do clima em
várias áreas, como infraestrutura, economia, urbanismo, etc.

O litoral do Brasil tem 8.698 quilômetros de extensão e área de 514 mil quilômetros
quadrados. Ao longo da costa se alinham aproximadamente 300 municípios de
diversos tamanhos, que com diversas atividades econômicas, como a pesca, o
turismo, portos, indústrias, exploração de petróleo e centros administrativos, entre
outros, respondem por 30% do PIB brasileiro e concentram 60% da população. A
preocupação dos especialistas tem fundamento, já que 18 das 42 regiões
metropolitanas brasileiras estão estabelecidas na região costeira ou então são
diretamente influenciadas por ela: Macapá, Belém, São Luiz, Fortaleza, Natal,
Aracaju, Maceió, João Pessoa, Recife, Salvador, Vitória, Rio de Janeiro, Vale do
Paraíba/Litoral Norte de São Paulo, Baixada Santista, Joinville, Foz do Itajaí,
Florianópolis e Porto Alegre.

Segundo os especialistas, o nível das águas do Atlântico deverá elevar-se em 20 cm


a 30 cm até o final de século na costa brasileira. O impacto dessa elevação será
percebido gradualmente, mas criando a necessidade de realocar bairros inteiros,
alterar e reforçar a infraestrutura (transportes, eletricidade, saneamento) e preparar
as cidades para outras emergências climáticas.

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Nessa situação, as cidades mais prejudicadas serão aquelas que terão menos
recursos financeiros e capacidade de planejamento.

Segundo o secretário-executivo do Observatório do Clima, Carlos Rittl, o país já


dispõe de um "Plano Nacional de Adaptação à Mudança do Clima", que fornece
diversos dados sobre o fenômeno climático e relaciona medidas importantes para que
o país possa fazer face a estas mudanças. Em 2015, a Fundação de Amparo à
Pesquisa de São Paulo (Fapesp) e cientistas americanos e ingleses, já haviam
realizado um estudo sobre os efeitos do aumento do nível do mar, focado na região
da cidade de Santos, em São Paulo.

Sendo assim, não faltam dados e indicações, para que cidades litorâneas de todo o
Brasil deem início ao planejamento de ações concretas para proteger as cidades. No
entanto, segundo Carlos Rittl, o plano ainda não começou a sair do papel. Para o
secretário, o Brasil está retrocedendo em suas políticas ambientais e climáticas.
Pressões de grupos econômicos, apoiados por bancadas de congressistas, estão
propiciando o aumento de desmatamento e a implantação de projetos que contribuirão
ainda mais para destruir os recursos naturais do país.

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Saneamento básico no mundo e no Brasil

Cerca de 4,5 bilhões de pessoas em todo o planeta ainda não têm acesso ao
saneamento básico. Os dados fazem parte de um relatório recentemente publicado
pela Organização Mundial de Saúde (OMS) e pelo Fundo das Nações Unidas para a
Infância (UNICEF). Os números refletem a situação da maior parte dos países pobres
e em desenvolvimento, nos quais parte significativa de seus habitantes, que juntos
perfazem cerca de 60% da população mundial, ainda não dispõem de acesso regular
a tratamento de água e/ou esgoto. Com relação à água, ainda são 2,1 bilhões de
pessoas - 27% dos habitantes do planeta - que têm não são atendidos por suprimento
de água potável. Atualmente, ainda cerca de 600 milhões de pessoas compartilham
latrinas com estranhos e quase 900 milhões não dispõem de qualquer tipo de
instalação sanitária.

Em setembro de 2000 a Organização das Nações Unidas (ONU) oficializou a


Declaração dos Objetivos do Milênio, documento assinado à época por 191 países.
Concordaram estas nações, incluindo o Brasil, em envidar esforços com o objetivo de
melhorar a situação em oito principais áreas, chamados de Objetivos do Milênio
(ODM); uma das quais - a sétima - melhorar o saneamento básico. O prazo para o
cumprimento das metas foi acordado para o ano de 2015.

Em relatório publicado em 2015, a ONU comunicava que de maneira geral, em quase


todas as regiões em desenvolvimento (o relatório não cita países), ocorreram avanços
em todas as sete áreas do programa; mais em algumas e menos em outras.
Especificamente em relação ao saneamento, houve um avanço na oferta de água
potável, que disponível para 76% da população mundial em 1990, chegava a 91% em
2015. Dos 191 países que implantaram o programa, 95 conseguiram atingir metas de
melhoria no saneamento básico. No entanto, ainda havia muito por fazer na maior
parte das nações. A crise econômica, que afetou a economia mundial a partir de 2008,
atingiu especialmente os países pobres, limitando seus recursos disponíveis para
investimentos em infraestrutura, especialmente saneamento.

Por isso, ainda em 2015, a ONU lançou um novo programa, os Objetivos do


Desenvolvimento Sustentável (ODS).

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Esta nova edição do programa anterior é composto por 17 metas, das quais a sexta
tem por objetivo assegurar saneamento básico (água e esgoto) para toda a população
mundial, até 2030.

O Brasil é um dos países com o mais baixo nível de saneamento na América Latina.
Segundo a ONG brasileira Trata Brasil, o país ainda possui mais de 100 milhões de
cidadãos (50,3% da população) sem acesso à coleta de esgotos e somente 42,6% do
volume do esgoto coletado é tratado (dados de 2013). No mesmo ano ainda havia 35
milhões de pessoas sem acesso à água, fornecida por rede de abastecimento. Na
média do país, as perdas de água nas tubulações de abastecimento eram de 37%.

Segundo dados do Banco Mundial, publicados na década passada, o país precisaria


investir cerca de 25 bilhões de reais ao ano, para atingir a meta de universalização do
saneamento até 2030. Mesmo nos melhores anos do governo Lula com o PAC (Plano
de Aceleração do Crescimento) I e II, os investimentos não chegaram a estes
patamares. Dados publicados recentemente pelo governo indicam que em 2017 o
governo reduzirá em 50% os recursos destinados à infraestrutura através do PAC.
Será possível a universalização do saneamento em 2030?

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Crise, mudanças e adaptação

A história nos mostra que tempos de crise são tempos de mudanças. Os períodos de
perturbação na economia e nas relações sociais representam uma ruptura com o
passado, com uma situação existente, indicando que a forma como a sociedade vinha
se organizando já não funciona mais. As consequências de tais condições podem ser
as crises e as reformas econômicas, os conflitos e o aparecimento de novos grupos
sociais, e o surgimento de novas ideias no âmbito da cultura. Assim, para que os
indivíduos, grupos sociais e sociedades possam continuar existindo, é necessário que
se adaptem às mudanças com a criação de novas estruturas econômicas e sociais.

A adaptação às alterações se desenvolveu com a própria vida, desde sua origem. O


desenvolvimento das espécies, processo do qual nós, seres humanos, também
fazemos parte, ocorre porque linhagens ou grupos de indivíduos foram submetidos a
algum tipo de perturbação. Terremotos, secas prolongadas, doenças e alterações
genéticas, provocaram o desaparecimento da maior parte dos membros do grupo,
sobrando apenas aqueles indivíduos que, por alguma razão, tiveram capacidade inata
de se adaptar às novas condições ambientais. Toda a vida existente na Terra é
resultado deste processo. Somos todos, das bactérias às palmeiras e dos besouros
às baleias, descendentes de indivíduos que passaram por crises de todo tipo e que
sobreviveram para contar a história. A ciência nos diz que 98% das espécies dos cinco
reinos atualmente existentes (plantas, fungos, animais, protista e monera) estão
extintos.

As sociedades humanas, diferentemente das outras espécies, podem acumular


conhecimentos sobre como reagir às crises. A cultura - incluindo ai todo conhecimento
científico e tecnológico acumulado ao longo de toda história do homo sapiens - é o
instrumento que nos coloca em vantagem sobre os demais seres vivos. Não
dependemos somente de uma possível capacidade de adaptação de alguns
indivíduos de nossa espécie, produto de mutações genéticas, e o que significaria a
morte para o restante da espécie. Temos meios de mudar o nosso meio ambiente -
através do fogo, dos instrumentos de caça, da agricultura, das máquinas, dos abrigos
e dos remédios - possibilitando que a maioria dos indivíduos de nossa espécie
sobreviva às intempéries, cataclismos e doenças.
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Esta capacidade dos humanos em sempre tirar proveito do meio ambiente,
sobrevivendo aos períodos glaciais, às explosões vulcânicas e abandonando regiões
áridas, pode ter um fim. Com a tecnologia usada na atividade econômica para nossa
sobrevivência, estamos indo longe demais na alteração do meio ambiente. A
tecnologia, empregada de uma maneira desastrada - superexploração dos recursos
hídricos, dos solos, dos mares - está diminuindo as chances da humanidade persistir
como espécie, pelo menos aqui no planeta Terra, se não implantarmos mudanças
para sairmos da crise.

A história da humanidade, escrita por cientistas de uma civilização do futuro, seria


emocionante e irônica ao mesmo tempo. Falaria sobre a única espécie deste planeta
capaz de criar suas próprias condições de adaptação, sobrepondo-se à natureza. Em
certo ponto de sua história, no entanto, as forças da natureza despertadas pelas
atividades humanas teriam sido poderosas demais, e acabaram destruindo o homem.

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Faltam locais de lazer nas cidades

A cada feriado prolongado ou festas de final de ano milhões de pessoas dirigem-se


ao interior e ao litoral, para aproveitar os dias livres. Estradas congestionadas,
acidentes; milhões de horas perdidas pelos turistas, deslocando-se de um lugar a
outro. Os feriados seriam muito mais agradáveis, se este tempo perdido, sentado
dentro dos automóveis, pudesse ser empregado passando mais algumas horas na
praia ou se divertindo com amigos. Mas do jeito como funciona o turismo e o lazer no
Brasil, isto dificilmente será possível - pelo menos nos próximos anos.

O problemas, como já escrevemos uma vez em outro texto, começam nas grandes
cidades. Sem suficientes opções de lazer, principalmente na periferia dos grandes
centros urbanos, os moradores das regiões metropolitanas ficam limitados a
frequentarem shopping centers, cinemas, shows de música, algumas exposições e os
poucos parques urbanos disponíveis. Todos superlotados, devido à pouca oferta de
lazer. A exceção são as grandes capitais litorâneas do Nordeste, a cidade do Rio de
Janeiro, Florianópolis e mais uma ou outra cidade de maior porte localizada no litoral,
como Santos. No entanto, mesmo assim, a população que mora na periferia destas
cidades litorâneas, morando distante do mar, também encontra seu principal lazer na
praia. Mesmo porque, outros logradouros, quando existem, muitas vezes são mal
cuidados e com pouca segurança, frequentados por assaltantes e consumidores ou
traficantes de drogas.

Assim, basta surgir um feriado - o Reveillon e o Carnaval são festas muito especiais
na cultura popular brasileira - para que grandes massas se desloquem para as praias.
Uns, vindo de longe e utilizando as autoestradas, e outros, deslocando-se dentro da
própria cidade ou região metropolitana, como ocorre no Rio de Janeiro, em Salvador
e outras cidades.

Se as metrópoles tivessem uma melhor infraestrutura, formada por clubes públicos,


com infraestrutura para a prática de esportes, piscinas, áreas de lazer e bosques -
efetivamente em funcionamento e bem administrados - a população teria mais opções
de lazer.

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Os clubes com piscinas públicas, nos quais os cidadãos passam a ter contato com os
esportes aquáticos, são muito comuns na Europa e deveriam ser construídos em
grande número nas cidades brasileiras - principalmente considerando o clima tropical
do país, onde em sua maior parte é possível utilizar a piscina durante o ano todo.

Inúmeros fatores contribuem assim para estes imensos deslocamentos de pessoas


em feriados e festas de final de ano, que tanto contribuem para sobrecarregar a
infraestrutura das cidades turísticas. Desde a falta de investimentos em lazer nas
grandes cidades, passando pelo alto custo das viagens para outras regiões
(passagens aéreas, alimentação e hotéis), até a incerteza da economia. A opção
próxima e barata são então as cidades do litoral, principalmente nos estados do
Sudeste e do Sul.

Apesar de continuarmos sendo uma das oito maiores economias do mundo, nossas
grandes cidades em pouco melhoraram sua infraestrutura de lazer nos últimos 50
anos. Existem poucas opções, principalmente para as pessoas de menor poder
aquisitivo e os moradores das periferias. É só olhar para os rios e lagos localizados
no ambiente urbano, para ver o descaso com estão sendo tratados pelo poder público.
Lixo, esgoto, invasões, entulho de obras, focos de doenças. O lazer ocorre somente
uma vez ao ano, quando muitos extravasam sua revolta e decepção - à luz dos fogos,
embalados pela música.

95
Meio ambiente e tecnologias de informação

As tecnologias de informação englobam toda a linha de produtos eletrônicos e de


informática e representam um dos mais importantes setores industriais. No Brasil, as
tecnologias de informação (TI) movimentaram cerca de R$ 192 bilhões em 2014. O
mercado brasileiro de TI é o sétimo maior do mundo em número de consumidores,
representando 46% do faturamento do mercado de informática da América Latina. Em
2017, segundo especialistas, este mercado deverá movimentar cerca de R$ 236
bilhões; um aumento de 2,9% em relação a 2016.

Os maiores fabricantes (montadoras) de equipamentos de TI no Brasil são as


empresas Dell, HP, Lenovo, Acer, Positivo, entre as principais. A fabricação de
equipamentos eletrônicos foi de 9,4 milhões de unidades de PCs e tablets e de 70,3
milhões de celulares em 2014. A recessão econômica fez com que esses números
tivessem uma redução significativa a partir de 2015, acumulando uma queda de mais
de 30% em 2016.

O descarte de produtos eletrônicos e de informática constitui o que se chama de


resíduos eletrônicos. O Brasil produzia em 2015 cerca de 2,5 kg de resíduos
eletrônicos por habitante/ano (para uma população de 205 milhões de habitantes em
2015). Segundo dados da ONU, o Brasil produziu cerca de 1,4 milhão de toneladas
de lixo eletrônico em 2014. A estimativa de órgãos do setor é que apenas 4% deste
volume eram reciclados e uma parte desconhecida era vendida para recicladores
localizados na China, Malásia, Paquistão e outros países.

Os resíduos eletrônicos tem forte impacto no meio ambiente. Se não forem


devidamente dispostos, podem contaminar o solo e o lençol freático com produtos
químicos e metais pesados. Mesmo assim, a reuso ou a reciclagem destes materiais
ainda é bastante limitada. Foi só recentemente, com a Política Nacional de Resíduos
Sólidos (PNRS), criada em 2010 e que começa a ser definitivamente implantada a
partir de 2018, que os resíduos de TI receberam atenção especial. Assim, o setor de
informática apresentou proposta de implantar projetos de logística reversa ao
Ministério do Meio Ambiente, a exemplo de vários outros setores da indústria (indústria
papeleira, indústria de bebidas, etc.).

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Os projetos de logística reversa estão em fase de implantação e envolvem todos os
fabricantes e importadores de produtos de informática.

No entanto, ainda é reduzido o número de locais onde se faz a reciclagem de IT. Como
ainda não existe a obrigatoriedade da lei, grande parte da população ainda não
adquiriu o costume de reciclar seus equipamentos. Na maior parte das vezes, os
equipamentos acabam sendo depositados em aterros sanitários ou lixões; estes
últimos simples depósitos de resíduos, sem qualquer tipo de controle técnico.

A TI Verde, além da reciclagem, também inclui os conceitos de eficiência energética,


ou seja, o desenvolvimento de equipamentos com menos consumo de energia, o
reuso e a reciclagem de materiais e o desenvolvimento de processos produtivos e
materiais menos poluentes, entre outros. A TI Verde abrange todo o ciclo de vida dos
produtos de informática, desde a extração das matérias primas - petróleo e minerais -
até o descarte dos equipamentos usados. Os grandes produtores de TI nos Estados
Unidos, Japão e Europa, estão preocupados em diminuir o impacto ambiental dos
seus produtos durante todo o ciclo de produção e consumo. O grande indutor deste
processo no Brasil seria a efetiva implantação da PNRS, fazendo com que fabricantes,
comerciantes e consumidores sejam obrigados a adotar práticas mais sustentáveis.

97
Atividades econômicas e externalidades negativas

O rompimento das barragens com lama de mineração da empresa Samarco, em


Mariana, foi o maior acidente ambiental jamais registrado no Brasil. Além de matar
mais de uma dezena de pessoas e destruir centenas de casas, a lama afetou uma
região bastante povoada e urbanizada, com diversas atividades econômicas,
localizada na bacia do rio Doce entre Minas Gerais e o Espírito Santo. O volume dos
detritos foi tão grande, que chegou à foz do rio Doce, no litoral do Espírito Santo,
afetando toda a vida marinha da região, inclusive áreas de proteção ambiental.

O que de imediato chamou a atenção foi a morosidade das autoridades dos dois
estados envolvidos - governadores, agências ambientais e demais órgãos ligados ao
assunto. O governo federal e seus ministérios - Minas e Energia, Meio Ambiente,
Integração Social e outros - só esboçaram alguma reação quando o ocorrido já tinha
tomado grandes proporções. Nas primeiras horas da tragédia, a população foi
abandonada à própria sorte. A Samarco, responsável pelo derramamento da lama -
já que este era resíduo de suas atividades de exploração - limitou-se a afirmar que as
barragens haviam sido vistoriadas e que "não é o caso de desculpas à população".

Investigações avançam e é necessário que o Ministério Público, associações de


moradores afetados, ONGs, auditores independentes e a imprensa isenta
acompanhem seu desdobramento. Não é possível admitir que os afetados por uma
tragédia de tão grandes dimensões - a população, a infraestrutura privada e pública,
as atividades econômicas e o meio ambiente - sejam destruídos sem o devido
ressarcimento. A empresa Samarco e sua proprietárias, a Vale e a BHP Billiton, são
responsáveis em reparar os danos, tenha ou não sido um acidente.

Aos efeitos de uma atividade econômica sobre terceiros (aqueles que nada têm a ver
com o que a empresa faz, como o morador que perdeu a casa e demais bens por
causa da lama), os economistas costumam chamar de externalidades negativas.
Neste caso, o vazamento da lama é uma externalidade negativa pela qual a empresa
terá que assumir todos os custos de reparação.

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O que alguns economistas defendem, principalmente aqueles embasados pelas
questões sociais e ambientais, é que às atividades econômicas sejam incluídos os
custos das externalidades de produtos e serviços. Assim, o criador de gado na
Amazônia deve incorporar ao custo do boi que venderá ao matadouro o valor da
floresta derrubada para fazer as pastagens, da água para dessedentar os animais, de
salários condizentes para seus capatazes e peões, das emissões de gases
provocadas pela atividade, etc. Todos estes custos deveriam ser incorporados ao
valor final do produto, para que este tivesse um preço real, incluindo as externalidades
negativas inerentes à sua produção. O mesmo princípio deveria ser aplicado a outros
setores da economia, como a mineração, a exploração de madeiras, agricultura,
indústria, produção e destilação de petróleo, serviços de limpeza, etc.

Todavia, as externalidades negativas ainda não são incorporadas ao custo do produto


e continuam a ser impostas às comunidades e ambientes, sem que haja uma
compensação. Assim, continuamos praticando o velho princípio do capitalismo sem
lei de "privatizar o lucro e socializar os custos". Com isso, os resultados, por vezes,
são trágicos.

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Crise econômica, desemprego e meio ambiente

Há vinte ou trinta anos, quando o ritmo de desflorestamento na Amazônia era maior


do que hoje, os desmatamentos diminuíam toda vez que a economia entrava em crise.
Decrescia o consumo de produtos, minguavam os investimentos em atividades
agropecuárias, fazendo com que parte da floresta fosse poupada por mais uma
temporada. Nos períodos de pouca atividade econômica diminui o consumo, a
produção e a consequente geração de resíduos, tanto industriais quanto domésticos.
Menos insumos e matérias primas são utilizados, o que reduz a pressão sobre os
recursos naturais. Quando a crise persiste e não ocorre a recuperação econômica de
setores, atividades ou regiões, vem a decadência e o abandono da infraestrutura,
como ocorreu por exemplo com a Fordlândia, no Pará, as cidades abandonadas de
mineradores na Namíbia e as regiões rurais do estado da Virgínia, nos Estados
Unidos.

Uma das consequências da crise econômica, o desemprego, também pode ser o


indutor de danos ambientais, com consequência consideráveis. No Brasil ainda temos
poucas análises deste tipo de situação, mas basta percorrer a web para encontrar
artigos que discutem as consequências ambientais do desemprego, sob diversos
aspectos. Queda na compra de produtos ambientalmente corretos (geralmente mais
caros), a suspensão de políticas de taxação de produtos poluentes, ou a diminuição
de investimentos em pesquisa e desenvolvimento (P&D), são consequências do
desemprego, discutidas na Europa e nos Estados Unidos. Um assunto que preocupa
especialistas americanos, por exemplo, é que com o rareamento de postos de
trabalho, pessoas são obrigadas a aceitarem empregos longe de suas casas,
provocando aumento nos deslocamentos de veículos, ampliando as emissões de
gases. A mesma situação certamente ocorre nas grandes metrópoles brasileiras, mas
dada a pouca disponibilidade de dados e informações, este fato passa despercebido,
ignorado no meio de tantos impactos ambientais maiores.

Há outros fatos, mais evidentes, que demonstram o efeito negativo da crise econômica
e do desemprego sobre o meio ambiente.

100
Recentemente o presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, assinou um decreto
através do qual voltará a dar incentivos à exploração do carvão, com o objetivo de
gerar mais empregos neste setor. A mineração de carvão já passava por uma crise
de empregos há alguns anos, devido à automação de processos e a queda no
consumo - carvão vinha sendo substituído por gás natural. A medida, criticada por
ambientalistas, também pretende liberar novas áreas para exploração do carvão.
Assim, para reabrir alguns milhares de postos de trabalho e beneficiar um setor em
crise, o presidente Trump aumentará consideravelmente as emissões de gases de
seu país.

No Brasil a crise econômica e o desemprego sempre foram usados como argumentos


para diminuir o rigor na análise de projetos, sob aspecto ambiental. Assim, a
construção de grandes obras de infraestrutura, de grande impacto ambiental, são
justificadas segundo a propaganda oficial, por gerarem empregos e desenvolvimento.
Isto ocorre desde a construção da rodovia Transamazônica, na década de 1970, até
as recentes hidrelétricas na Amazônia. O argumento é repetido pela imprensa, pelos
empresários e por políticos, sendo aceito por parte da população. Os que exigem mais
rigor ambiental, são considerados os inimigos do progresso.

101
Os raios e o meio ambiente

O aumento médio da temperatura da Terra nos últimos anos está trazendo verões
mais quentes, com trovoadas mais fortes e maior número de relâmpagos. Segundo o
Grupo de Eletricidade Atmosférica (Elat), ligado ao Instituto Nacional de Pesquisas
Espaciais (INPE), morrem no Brasil cerca de 120 pessoas anualmente devido às
descargas de raios. A tendência é que quanto mais alta a temperatura, maior a
incidência destas descargas elétricas. Devido à sua localização geográfica e extensão
territorial, o Brasil é o país no mundo com maior incidência destes fenômenos
atmosféricos.

Os raios são gigantescas faíscas de eletricidade estática, geradas durante uma


tempestade. A eletricidade forma-se dentro de nuvens do tipo cumulonimbus, que
alcançam 18 quilômetros de altitude, onde as temperaturas estão em torno dos 60ºC
negativos. As faíscas elétricas ocorrem dentro de uma mesma nuvem, entre duas
nuvens e entre uma nuvem e o solo. Como e porque se formam estas imensas
descargas, ainda não está completamente explicado pela ciência. O ar em torno de
um relâmpago chega a 30.000 graus Celsius (a temperatura da superfície do Sol é de
6.000ºC) e estas partículas aquecidas da atmosfera são chamadas de plasma,
emitindo a luz característica da faísca. A tensão contida num raio chega a 100 milhões
de volts, com uma intensidade de 30 mil ampères (cerca de mil vezes a intensidade
de um chuveiro de banho).

Segundo a revista “Super Interessante”, cerca de 3,15 bilhões de raios caem sobre a
Terra por ano. As regiões de sua maior incidência são a África Central (Congo e
Ruanda) e a região do Lago Macaraibo, na Venezuela. O Brasil recebe descargas
anuais de cerca de 100 milhões de raios, em sua maior parte na região Sudeste, nos
estados de São Paulo e Minas Gerais.

Os raios sempre tiveram um papel importante na história da vida na Terra. Segundo


os cientistas, nos primórdios do planeta há 3,8 bilhões de anos, as descargas elétricas
tiveram um importante papel na formação de aminoácidos – moléculas básicas para
a vida – catalisando reações químicas entre substâncias como amônia, metano e
hidrogênio.

102
Ao longo da evolução da vida, os relâmpagos sempre estiveram presentes nas
tempestades, produzindo óxido de nitrogênio (NOx), que reagindo com a luz do Sol e
outros gases da atmosfera gera o gás ozônio. Este, próximo ao solo, pode afetar a
saúde de todos os seres vivos; plantas, animais e o homem. Nas partes mais elevadas
da atmosfera, na troposfera com altura de até 12 km, o ozônio é causador do efeito
estufa. Na estratosfera, entre 12 e 50 quilômetros, o ozônio passa a atuar como
bloqueador da radiação solar ultravioleta, causadora do câncer de pele.

Pesquisas recentes, ainda em andamento, parecem indicar que o volume de geração


de óxido de nitrogênio (NOx) através dos relâmpagos é bem maior do que era
estimado até o momento. Especulam os cientistas que maior quantidade de NOx na
troposfera deva acelerar o efeito estufa, aquecendo ainda mais a atmosfera. Esta,
aquecida, aumentam as trovoadas e os raios, que por sua vez elevam os volumes de
NOx. Até o momento, dada a extrema complexidade dos fenômenos atmosféricos e
dos ainda incalculáveis fatores que podem influenciar e retroalimentar este processo,
não há uma explicação clara sobre seu funcionamento. Enquanto continuam
pesquisando, convêm continuar a tomar cuidado com os raios.

103
A ameaça da degradação dos solos

A destruição de solos férteis é um dos mais graves problemas a serem enfrentados


pela maioria dos países. Assim como o efeito estufa, a poluição dos oceanos e a
diminuição dos recursos hídricos, o desaparecimento de solos agricultáveis é mais um
fator de preocupação com relação ao futuro da humanidade.

Atualmente cerca de 38% das terras do planeta são usadas para atividades agrícolas.
No entanto, em grande parte dos países, principalmente as nações pobres, a
agricultura tem sido feita de maneira insustentável, sem levar em conta o impacto da
atividade sobre o meio ambiente e os demais recursos naturais, principalmente o solo.
Assim, por exemplo, a falta de técnicas de combate à erosão, como o plantio em
terraços, faz com que a chuva arraste parte da terra fértil, encharcada de adubos e
defensivos agrícolas, para a parte mais baixa do terreno e dali para os riachos e
córregos.

A eliminação da mata ciliar que vai beirando os cursos d’água, tendo para estes uma
função protetora, faz com que parte da terra lavada pela chuva da área de plantio,
acabe assoreando os rios e poluindo suas águas com excesso de fertilizantes e
defensivos. Muitas vezes são destes mesmos rios que os agricultores vizinhos e
cidades da região captam água para consumo humano. Ao mesmo tempo, não
penetrando devidamente no solo, o lençol freático não é suficientemente abastecido
com água, sofrendo queda constante e forçando os agricultores a buscarem água em
profundidades cada vez maiores – fato que acontece na Índia e no Paquistão há
alguns anos e que por fim secará o subsolo.

Segundo a FAO (Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura) a


degradação do solo é definida como uma mudança na saúde da terra, com a
diminuição da capacidade dos ecossistemas que se desenvolvem sobre este solo, de
fornecerem bens e serviços. Esta mudança não se limita à disponibilidade de água;
inclui presença ou não de microrganismos endógenos, composição balanceada de
minerais e de matéria orgânica, acidez e aeração correta, entre outros fatores.

Nem todos os solos são naturalmente propícios à agricultura, há que corrigi-los.

104
Da mesma forma, solos originalmente indicados para o plantio são desequilibrados
por uma prática incorreta. Esta é a razão pela qual a atividade humana aumentou em
10 a 40 vezes a velocidade de ocorrência da erosão, em comparação às condições
naturais. Aqui vale lembrar que a natureza leva em média 500 anos para repor 2,5 cm
de solo fértil. A prática agrícola necessita em média de uma camada de 15 a 30 cm
de solo e esgota 2,5 cm deste solo fértil a cada 25 anos. Com isso, os Estados Unidos
estão perdendo solo 10 vezes mais rápido que a capacidade natural de reposição; a
China e a Índia 30 a 40 vezes.

Uma das maiores preocupações da FAO é manter a produtividade dos solos, para que
no futuro não ocorra uma queda na produção de alimentos. Desflorestamento,
formação excessiva de pastos, técnicas agrícolas ultrapassadas, são os maiores
responsáveis pela perda de solos férteis no Brasil. Num mundo que em 40 anos
perdeu 30% de seus solos aráveis, nosso país ainda está em posição privilegiada,
mas precisa aumentar os cuidados com a manutenção desse patrimônio natural.
Fertilidade é um presente da natureza, que para ser recuperado demanda muito
tempo e recursos.

105
Aves urbanas

O Brasil abriga 1.833 espécies de aves, cerca de 20% do total mundial. Este número,
no entanto, continua crescendo, já que são constantes as descobertas novas espécies
nas diversas regiões do país, até nos arredores de grandes cidades como São Paulo
e Curitiba. O número de variedades de pássaros habitando a região metropolitana de
São Paulo (RMSP) gira em torno de 400, segundo a Secretaria do Verde e do Meio
Ambiente da cidade de São Paulo. Somente na área do Parque do Ibirapuera, já foram
observados 159 tipos de aves, cujo número aumenta em direção à Serra da
Cantareira, na região Norte da cidade, e do parque Capivarí-Mono, no extremo sul da
cidade, nos contrafortes da Serra do Mar.

Muitos dos habitantes antigos das cidades da região têm a impressão de que as
espécies e o número de aves urbanas, as aves sinantropicas (que sendo selvagens
se beneficiam da presença humana), vêm crescendo ao longo das últimas décadas.
Mais plantio de árvores frutíferas e floríferas, aumento das áreas verdes e praças,
conscientização em relação à proteção das aves (as crianças nem conhecem mais os
estilingues e as arapucas); são alguns dos motivos que parecem ter atraído mais
pássaros para áreas urbanas da RMSP. Tal interpretação é defendida pelo
engenheiro e ornitólogo brasileiro Johan Dalgas Frisch, um dos maiores estudiosos
das aves brasileiras.

Impressão ou não, o fato é que quanto maior o número de aves urbanas em nossas
cidades, tanto melhor. Os pássaros, além dos seus cantos e de suas belas cores,
prestam-nos serviços ambientais como o controle biológico de pragas (insetos,
pequenos vertebrados), a polinização de flores e a disseminação de sementes. As
aves também são um indicador ambiental; quanto maior a presença e a variedade de
pássaros, melhor a qualidade do ambiente. Por isso é importante que os habitantes e
os administradores municipais façam o plantio de árvores frutíferas e floríferas,
atraindo grande número e tipos de aves para os ambientes urbanos.

106
As aves mais comuns na RMSP são o pardal e o pombo doméstico (ambas as
espécies trazidas da Europa durante os primeiros anos de colonização), o sabiá da
terra, sabiá laranjeira, tico-tico, saíra, sanhaço, bem-te-vi, cambacicas, beija-flor,
coleirinha, corruíra, periquito, joão de barro, pica-pau anão, coruja buraqueira, entre
outros. Para aqueles que querem alimentar as aves urbanas, especialistas
recomendam recipientes colocados em árvores ou lugares abertos, contendo frutas
como mamão, laranja, banana, tangerina, maçã, pera, carambola; e sementes como
o girassol, painço, quirera de milho e alpiste.

As cidades brasileiras, em geral, ainda têm grandes deficiências de infraestrutura,


urbanismo e meio ambiente. Córregos poluídos por esgotos, loteamentos
semiclandestinos sem arruamento e construídos em áreas de risco, falta de parques
e arborização nas ruas; são problemas comuns a todos os municípios, há muitas
décadas. Para modernizar o país é preciso que novas gerações de vereadores e
prefeitos, devidamente preparados, tomem a si a tarefa de melhorar o padrão de
habitabilidade de todos os bairros de nossas cidades, distribuindo democraticamente
os benefícios do desenvolvimento econômico e tecnológico. Quando esta época
chegar, será talvez o número e as espécies de aves urbanas que se avistam em cada
rua, um dos fatores que definirá o padrão de desenvolvimento de cada município.

107
Catástrofes e a sobrevivência humana

Com certa regularidade encontramos artigos na mídia, falando sobre o provável fim
da nossa civilização ou do desaparecimento da humanidade, por algum cataclismo.
Nestes relatos, as possíveis causas da destruição de nosso modo de vida são
geralmente ambientais; mudanças do clima afetando regimes de chuva e a
temperatura, prejudicando colheitas e reservas de água, etc. Um longo encadeamento
de fatos, cujas origens estão na nossa maneira irresponsável de explorar os recursos
naturais do planeta.

Os mitos sobre o surgimento de catástrofes, destruindo cidades, impérios e multidões


de vidas, são bastante antigos. Já na epopeia de Gilgamesh, um dos mais antigos
documentos literários conhecidos (cerca de 2.700 a.C.), é contado como os deuses
assírios destruíram o mundo através de um dilúvio, do qual apenas se salva
Utnapishtim, em condições semelhantes às do hebreu Noé. Egípcios, judeus, gregos,
persas; quase todos os povos da Antiguidade tinham relatos sobre a destruição da
humanidade em algum período do passado ou do futuro. Os maias e os astecas,
povos que habitavam a região do México e da América Central, desenvolveram uma
elaborada religião, que exigia sacrifícios humanos e a construção de pirâmides, a fim
de evitar que os deuses se vingassem dos homens e destruíssem o mundo.

A origem destes mitos muito provavelmente está baseada em fatos reais, já que desde
o seu aparecimento sobre a terra, diversas gerações de humanos presenciaram
fenômenos naturais impressionantes, que através de relatos transmitiram às gerações
posteriores. Grandes terremotos sucedidos por maremotos, chuvas torrenciais e
enchentes, explosões vulcânicas, quedas de meteoritos; fenômenos cujas descrições
foram incorporadas aos relatos folclóricos e religiosos. Mitos como os do Dilúvio e de
Atlântida (civilização situada no oceano Atlântico, destruída por explosões vulcânicas
e maremotos, segundo relatos do filósofo grego Platão), muito provavelmente tiveram
origem em fatos reais, ocorridos em passado remoto.

Os relatos sobre grandes cataclismos, afetando e dizimando parte ou a totalidade da


humanidade, não deixaram de existir. A diferença é que atualmente o relato mitológico
e religioso foi substituído pelo científico.

108
Apesar de não podermos antever com exatidão o tipo de catástrofe que poderá nos
atingir, sabemos pela ciência que o desastre, se ocorrer, será causado por fenômenos
naturais até certo ponto previsíveis, ou pela interferência humana. Assim, desde o final
da década de 1940, temos conhecimento do risco que corremos em destruir o planeta
com explosões de armas nucleares. Estamos cada vez mais cientes dos efeitos das
atividades econômicas sobre o meio ambiente, destruindo os ecossistemas e, através
de reações em cadeia que ainda não conseguimos explicar em detalhes, minando
gradualmente nossas condições de sobrevivência nas condições atuais.

Os relatos sobre catástrofes destruidoras têm uma forte componente emocional.


Muitas dessas narrativas foram usadas pelas religiões, para fortalecer a doutrina e
manter os fiéis sob controle. Atualmente as teorias da ciência são capazes de fazer
previsões, mostrando o que poderá ocorrer ao planeta – e a nós principalmente – se
continuarmos mantendo as mesmas condições de produção, consumo e distribuição
das riquezas. Pode não sobrar ninguém para contar a epopeia humana.

109
Vida e sobrevivência

As espécies vivas têm em si o impulso de sobrevivência. No longo processo da


evolução do organismo unicelular ao complexo, que levou 3,8 bilhões de anos, o
ímpeto de preservação sempre foi a mais primordial e poderosa força a guiar os seres
vivos. Esta disposição se manifesta de diversas maneiras; na procura de alimentos,
procriação e proteção da prole e na luta ou fuga para a preservação da própria vida.
A vida, em todas as suas formas simples e complexas, tem essa misteriosa tendência
a se perpetuar, seja em si mesma ou em sua descendência.

Encontramos registros da existência de baratas com idade de 350 milhões de anos e


de tubarões com 400 milhões de anos. Os dinossauros, já extintos há 60 milhões de
anos, foram a espécie dominante no planeta durante 135 milhões de anos. Nós
humanos, da espécie animal homo sapiens, somos os atuais dominadores da Terra –
processo que teve início há apenas 150 mil anos e se consolidou gradualmente ao
longo dos últimos 10 mil anos, com a invenção da agricultura. No passado, outras
espécies de hominídeos também habitaram o planeta – muitas ao mesmo tempo –,
mas por obra do acaso apenas a espécie sapiens sobreviveu e se impôs em todos os
ambientes e a todas as outras espécies. Somos, portanto, recém-chegados à história
da vida e rapidamente dominamos.

O rápido desenvolvimento da espécie humana se deu nos últimos 35 mil anos. Por
essa época, por motivos ainda não esclarecidos pela ciência, nossos antepassados
começaram a produzir armas mais sofisticadas, desenvolver adornos, fazer pinturas
rupestres, adotar regras de convivência social sofisticadas, incluindo uma linguagem
elaborada e religião. Antropólogos, paleontólogos, sociólogos, biólogos e geneticistas,
entre outros, tentam achar uma explicação para este repentino desabrochar da
inteligência especificamente humana; o surgimento da cultura. Os humanos não
seriam mais limitados por ambientes e climas, já que com o processo de acumulação
de conhecimentos desenvolveriam tecnologias para sobreviver e, posteriormente
dominar. A invenção da agricultura, das cidades, da escrita, da fundição de metais, do
Estado e das grandes religiões (não necessariamente nessa ordem), estabeleceu a
base dos grandes impérios, do comércio mundial, da industrialização, até chegarmos
ao período da globalização.
110
Nesse processo esquecemos que fomos guiados principalmente pelo instinto de
sobrevivência, que herdamos dos nossos primeiros antepassados, as cianobactérias.

No entanto, depois de nossa espécie dominar completamente o planeta e desenvolver


um mundo à parte do natural – o mundo humano formado pela cultura – encontramo-
nos em uma encruzilhada: não estamos apenas sobrevivendo, mas exaurindo os
recursos da Terra. Assim, em seu mais recente livro “Half-Earth: our planet´s fight for
life” (Meia Terra: a luta de nosso planeta pela vida), o famoso biólogo Edward O.
Wilson aponta o crescimento populacional e o excessivo consumo, com os principais
fatores da degradação do planeta. Para barrar este processo, Wilson propõe a criação
de imensas áreas de preservação natural, no que muitos outros preservacionistas não
concordam. As soluções segundo estes, são muito mais complexas, envolvendo uma
série de providências que afetarão nossa tecnologia e nossos hábitos de consumo,
tudo para garantir a sobrevivência. Mas, teremos tempo para isso?

111
Aspectos do saneamento no Brasil

A prática do tratamento e coleta de esgotos não faz parte da história do Brasil. Durante
o processo de colonização e até o início da industrialização no final do século XIX, a
maior parte das cidades mais populosas situava-se à beira mar (São Luiz, Recife,
Salvador, Rio de Janeiro) ou rio (Belém, Manaus). Providencialmente, as
administrações construíam apenas sistemas de canalização, e os esgotos corriam
tranquilamente para algum canto afastado de uma praia ou para uma curva afastada
do rio. Esta prática era geral até quase meados do século XX e em muitos lugares
ainda ocorre hoje.

Com o início da industrialização e a movimentação de grandes contingentes


populacionais para os grandes centros urbanos, a partir dos anos 1940, surgiu a real
necessidade de implantar sistemas de tratamento de esgoto. O imenso volume de
resíduos gerados por milhões de pessoas não podiam mais permanecer nas
imediações da cidade, provocando mau cheiro e servindo de criadouros de todo tipo
de animais transmissores de doenças. Ou até abrigando jacarés, como ainda
acontece hoje em bairros da região Sul do Rio de Janeiro, onde em lagoas poluídas
pelo esgoto e atulhadas de lixo, os répteis sobrevivem bravamente.

Obras de saneamento requerem prazos longos. Por isso, geralmente quando se


falava em saneamento, pensava-se somente no tratamento de água. É impossível
abrir novos bairros ou loteamentos sem disponibilidade de água. Para o esgoto, no
entanto, havia as fossas céticas e a antiga prática da descarga dos efluentes em rios
e no mar. Outro aspecto é que obras de saneamento, principalmente o tratamento de
esgoto, têm custo elevado e não têm impacto político alto. Ficou famoso o bordão de
gerações de políticos brasileiros: "Obra enterrada não traz votos!".

É fato que a política e a condução da administração pública no Brasil sempre tiveram


objetivos imediatistas, nem sempre eram do interesse dos eleitores. Por isso, dava-se
prioridade a projetos de alto impacto midiático, de curta duração e, se possível, de
baixo custo. Obra que pudessem ser implantadas durante uma única administração,
seja municipal ou estadual. O importante era (e ainda é) impressionar o cidadão e
abocanhar mais um mandato.
112
Apesar dos grandes projetos de modernização do país implantados no governo de
Juscelino Kubitschek (1956-1961), grande parte das obras de saneamento só foi
iniciada durante os anos 1970. Os governos militares, seguindo metas de
planejamento, deram início a projetos de longa duração - construção de rodovias,
hidrelétricas e estações de tratamento de esgoto - alocando grandes recursos,
principalmente nas regiões metropolitanas.

Nas médias e pequenas cidades, no entanto, os recursos sempre foram parcos – ou


direcionados para outras obras e outros fins – e a situação na maior parte do país
permaneceu empacada. Mesmo a Lei de Concessões (1995), que permitia aos
investidores privados investirem e atuarem em serviços públicos, não ajudou muito a
resolver os problemas do setor. O Plano de Aceleração do Crescimento (PAC),
lançado no governo Lula, trouxe um alento para o setor, mas está quase se acabando,
anêmico, desde o final do primeiro governo Dilma.

Assim, por algum tempo, ainda teremos outras coisas se deslocando nas águas da
Baía de Guanabara e do rio Tietê, além de peixes. Espécie que no Tietê não existem
mais – pelo menos no trecho paulistano.

113
Lucro fácil e rápido

O Brasil sempre foi considerado um país da fartura. Os primeiros colonizadores


portugueses quando aqui chegaram, ficaram admirados ao verem a diversidade de
plantas e animais. Pero Vaz de Caminha, escrivão da armada de Pedro Álvares
Cabral, escreveu na célebre "Carta do achamento do Brasil" que "Andamos por aí
vendo o ribeiro, o qual é de muita água e muito boa. Ao longo dele há muitas
palmeiras, não muito altas; e muito bons palmitos. Colhemos e comemos muitos
deles." Em outro trecho do documento a ser encaminhado ao rei, Caminha relata como
viviam os índios: "Eles não lavram nem criam. Nem há aqui boi ou vaca, cabra, ovelha
ou galinha, ou qualquer outro animal que esteja acostumado ao viver do homem. E
não comem senão deste inhame, de que aqui há muito, e dessas sementes e frutos
que a terra e as árvores de si deitam. E com isto andam tais e tão rijos e tão nédios
que o não somos nós tanto, com quanto trigo e legumes comemos."

A comida e a água na terra na recentemente descoberta Ilha de Santa Cruz, eram


abundantes. Diferente da pátria que ficou para trás, onde a terra não era mais tão fértil
e as safras de trigo eram perdidas por falta de chuva ou pelo frio. A partir das primeiras
décadas de colonização criou-se o mito da terra fértil, com recursos abundantes
prontos para serem explorados. A exploração do pau-brasil nas matas do litoral
(século XVI), o plantio da cana de açúcar com mão de obra escrava (séc. XVII) e a
extração de ouro em Minas Gerais (séc. XVIII), refletem aspectos desta mentalidade.

Esta visão exploratória começou cedo sua história no Brasil. Os bandeirantes foram
os primeiros que com parcos recursos materiais e humanos, ingressavam nos sertões
à procura de riquezas - índios e pedras precisas -, sendo muitas vezes bem sucedidos.
Tornaram-se, junto com os senhores de engenho do Nordeste, as primeiras elites
econômicas e políticas da colônia. Mais tarde, esta mentalidade também foi fortalecida
pelas atitudes dos funcionários do reino e pelos investidores. Vindos de Portugal, os
primeiros queriam amealhar pequenas fortunas, para voltar à metrópole em melhor
situação social. Os segundos, planejavam multiplicar seus investimentos, aplicando
seus recursos em empreendimentos de lucro fácil e rápido, como o tráfico negreiro e
a mineração.

114
O tempo passou, o Brasil se tornou independente de Portugal, mas permaneceu no
arquétipo da cultura colonial brasileira a componente exploratória, visando o lucro
imediato.

Findo o ciclo econômico do ouro, começa o do café, nos arredores da cidade do Rio
de Janeiro. Florestas foram derrubadas, para o plantio da rubiácea. A destruição da
mata no maciço da Tijuca, gradativamente provocou a diminuição de água nas
nascentes que serviam a cidade. Foi preciso remover a cultura cafeeira para a região
do vale do rio Paraíba e reflorestar os arredores do Rio de Janeiro. Do vale do Paraíba
a cultura do café se estendeu para o interior da então província de São Paulo, em
direção Oeste. A expansão da cultura cafeeira envolveu a eliminação de grandes
extensões de floresta atlântica e, principalmente no interior de São Paulo, a morte de
milhares de remanescentes de povos indígenas.

A história recente do Brasil continua mostrando que a exploração com objetivo de


lucro fácil e rápido, destruindo e extraindo recursos até a exaustão, ainda faz parte do
inconsciente cultural brasileiro.

115
Queda do desmatamento e saúde

A revista científica americana "Nature" publicou recentemente um estudo, mostrando


que a redução do desmatamento na Amazônia fez cair o índice de doenças
pulmonares em toda a América do Sul. O trabalho foi realizado através de uma
parceria da Universidade de São Paulo (USP) com especialistas das universidades
de Leeds e Manchester (Inglaterra) e do Massachussetts Institute of Technology
(MIT), dos Estados Unidos. O tema principal da pesquisa é a emissão de aerossóis
(micropartículas carregadas pelo ar) através da queima da floresta (biomassa) e seus
efeitos sobre o clima e a qualidade do ar (http://www.nature.com/news/amazon-fire-
analysis-hits-new-heights-1.11467).

O estudo mostrou que a diminuição do desmatamento na Amazônia entre 2001 e 2012


tem permitido uma redução de 30% no material particulado (aerossóis), além de
reduzir os níveis de ozônio, monóxido de carbono, óxido de nitrogênio e outras
substâncias poluentes emitidas durante a queima da floresta. Esta diminuição dos
níveis de poluição também foi constatada em toda a região sul do Brasil, na Argentina,
no Paraguai e no norte da Bolívia. A queda do desmatamento deve-se ao aumento do
controle sobre a região por parte do governo e, principalmente, aos acordos assinados
entre empresas produtoras e compradoras de soja e carne bovina, atestando que os
produtos não são originários de áreas de desmatamento.

Através da comparação dos dados deste estudo com outros, a equipe de


pesquisadores pôde concluir que à redução do desmatamento correspondeu uma
queda nos números de casos de doenças e mortes precoces, causadas pela poluição
atmosférica. A diminuição de 40% no desmatamento, estima o estudo, poupou a vida
de 1,7 milhões de pessoas das regiões afetadas pela poluição. É a primeira vez que
um estudo desta abrangência pôde mostrar a relação direta entre a derrubada da
floresta amazônica, a poluição atmosférica no cone sul do continente e as mortes daí
resultantes.

A pesquisa científica identifica, cada vez mais claramente, a relação existente entre
os sistemas ecológicos e os seres vivos, que aparentemente nada têm em comum por
estarem distantes.

116
Há trinta ou quarenta anos atrás, quem imaginaria que as queimadas na floresta
amazônica, tão extensa e tão distante (do sul do continente), poderiam ter algum efeito
sobre a saúde das pessoas em São Paulo, Assunção ou Buenos Aires?

Se a floresta amazônica, distante milhares de quilômetros da região sul e sudeste do


Brasil, pode exercer tanta interferência no clima e na qualidade do ar, o que dizer da
Mata Atlântica, localizada praticamente na periferia das cidades e na de grandes
metrópoles, como Rio de Janeiro e São Paulo? Vale lembrar que quase toda a
ocupação do país se deu através de regiões dominadas por esta floresta e que ainda
hoje, cerca de 50% da população do país ainda habita áreas de influência deste
bioma.

A preservação das florestas e de outros biomas deveria ser prioridade nas macro
estratégias de todos os governos. A relação destas áreas naturais com o clima, os
recursos hídricos, a qualidade do ar e diversos outros aspectos do ambiente urbano e
rural, ainda são em grande parte desconhecidos. A destruição destes recursos
naturais em nome da expansão econômica e do crescimento populacional causará
fenômenos imprevisíveis - a crise hídrica é um pequeno exemplo disso.

117
Melhorar a eficiência no uso dos recursos

Por que em época de crise econômica as empresas e o governo deveriam se


preocupar com a questão ambiental, com a preservação dos recursos? Que
contribuição a discussão da ecologia poderia dar ao momento econômico brasileiro,
dominado por debates sobre a volta da inflação, da perda da competitividade dos
produtos brasileiros e da crise da indústria? A contribuição poderia ser grande, se
levarmos em conta a ecoeficiência; a produção e a distribuição de bens e mercadorias
utilizando menos recursos, gerando menos resíduos – os poluidores do meio
ambiente. Em outras palavras: fabricar, transportar, vender e consumir de uma
maneira mais eficiente. Esta ideia pode se estender a praticamente todas as
atividades econômicas; da agricultura à indústria, da administração pública ao setor
de serviços até o consumidor.

Este raciocínio pode parecer novo, mas não é. Durante toda a história, uma das
grandes metas do conhecimento aplicado às atividades humanas sempre foi o de
fazer com que uma organização, um processo, uma máquina, uma operação,
funcionassem de maneira mais eficiente; de uma forma mais organizada, mais rápida,
mais econômica e com menos falhas. Com o avanço das ciências humanas e exatas
este princípio universal pôde ser aplicado tanto ao governo de países, à administração
de empresas, ao gerenciamento de linhas de produção, ao desenvolvimento de
máquinas, à administração de uma casa e muitas outras áreas. Diz a física que quanto
mais organizado, mais eficiente for o funcionamento de qualquer sistema – seja algo
simples, como o motor de um automóvel ou muito complexo, como uma minúscula
célula – tanto melhor atuará esta estrutura, aproveitando da melhor maneira possível
os recursos – combustível ou alimentos – que tem a sua disposição.

Muitas economias desenvolvidas compreenderam isto e estão trabalhando para se


tornarem cada vez mais eficientes. A questão do aumento crescente dos preços das
matérias primas, dos minérios, da energia e da água, está mobilizando países como
o Japão, a Alemanha, os Estados Unidos, a Coréia e muitos outros. No estágio atual
de seu desenvolvimento, o setor industrial alemão pretende aumentar o índice de
automatização dos processos e tornar os já existentes ainda mais eficientes.

118
Mesmo empresas de médio e pequeno porte estão implantando sistemas de gestão
de processos produtivos modernos e automatizados, encurtando o ciclo de produção
de um produto e reduzindo o uso de insumos. Medidas como estas deixam o processo
de fabricação mais limpo e organizado; reduzindo perdas (resíduos) e custos de
produção; aumentando a qualidade e a competitividade do produto; e reduzindo o
impacto ambiental do empreendimento.

O Brasil está pronto para promover mudanças em seu sistema político, legal e
tributário; criar normas, técnicas e estratégias que possam levar o país a dar um salto
de qualidade – seja no setor público ou privado. A má gestão, a incapacidade e o
desperdício podem ser reduzidos, tornando o país mais eficiente, competitivo e
reduzindo os impactos ambientais de suas atividades econômicas.

119
Extinção em massa

Não sabemos ao certo quantas espécies existem na Terra. A estimativa mais recente,
divulgada em 2011 pelo Instituto Censo da Vida Marinha (Census of Marine Life -
http://www.coml.org/), informa que o planeta tem 8,7 milhões de espécies vivas; 6,5
milhões vivendo na Terra e 2,2 milhões habitando os oceanos. A pesquisa, segundo
o Instituto, pode ter uma margem de erro de 1,3 milhões de espécies para mais ou
para menos. Estes dados não incluem seres vivos que não possuem núcleo celular,
como as bactéria e os vírus, cujo número de espécies pode exceder o dos outros seres
vivos. As espécies vivas efetivamente conhecidas e catalogadas giram em torno de
1,2 milhões. Assim, mais de sete milhões de tipos de seres vivos continuam
desconhecidos e ainda não foram estudados.

O estudo de novas espécies acrescenta mais conhecimentos sobre a diversidade da


vida no planeta e sua evolução. Copiando formas e propriedades da natureza através
da engenharia biomimética, indústrias desenvolvem novos materiais e produtos. A
medicina descobre novas drogas e a pesquisa agrícola aprofunda seu conhecimento
sobre solos, novas espécies de plantas cultiváveis e técnicas de plantio. Por isso é
importante a proteção da biodiversidade do planeta.

Nos últimos 500 milhões de anos a vida do planeta foi afetada por diversos
cataclismos que causaram grande mortandade entre as espécies vivas. Estes
acontecimentos, que podiam se estender por milhões de anos, foram chamados de
extinções em massa - quando ecossistemas são totalmente destruídos ou afetados
de tal maneira, que a vida já não é mais possível. A ciência conta cinco grandes
extinções; sendo a maior delas a extinção do período Permiano, há cerca de 250
milhões de anos, que eliminou 95% de todas as espécies marinhas e 70% das
terrestres. A outra extinção em massa importante - especialmente para nós,
mamíferos - foi a extinção do Cretáceo-Paleógeno, ocorrida há 65 milhões de anos,
exterminando 60% de toda a vida, incluindo todas os tipos de dinossauros, espécie
dominante que foi substituída pelos mamíferos.

Fala-se hoje de uma sexta extinção, causada pelo homem, que começou há cerca de
50 mil anos, quando nossa espécie passou a ocupar novas regiões.

120
Indícios do rápido desaparecimento de espécies, associadas à chegada do homo
sapiens, são encontrados na Europa, Austrália e Américas. Com a disseminação da
prática da agricultura, há nove mil anos, o processo se acelerou cada vez mais,
aumentando com a industrialização. Somos hoje uma civilização planetária, abrigando
7,5 bilhões de pessoas, explorando todos os recursos disponíveis, à custa da
sobrevivência das outras espécies. Segundo estudo da universidade de Stanford,
desaparecem anualmente entre 11 e 58 mil espécies (o número é uma estimativa em
função do número de espécies existentes); outras tiveram suas populações reduzidas
em até 30% nos últimos quarenta anos. Cálculos estimam que cerca de cinco mil
espécies estão sendo dizimadas a cada ano nas florestas tropicais.

O empobrecimento destes ecossistemas torna-os mais vulneráveis aos fenômenos


climáticos e a todo tipo de pragas. Apesar disso, continuamos mantendo nosso
sistema de exploração dos recursos, ignorando tudo aquilo que para nós não tem uso
imediato. Essa ignorância pode nos custar caro; podemos estar destruindo nossas
possibilidades de sobrevivência.

121
Produção de carne e redução de CO²

O Brasil, devido a sua extensão territorial e clima propício, é talhado para o


agronegócio. Não é por outra razão que quase 50% das vendas internacionais
brasileiras são de produtos deste setor. Especialistas preveem que nos próximos
anos, com o aumento da população mundial e do consumo de carne, o Brasil terá um
papel cada vez mais importante na produção deste alimento para o mundo.

A carne bovina é e continuará sendo por muito tempo a mais importante fonte de
proteínas para a humanidade. O aumento do padrão econômico de milhões de
pessoas faz com que o consumo de carne continue crescendo, haja vista o que vem
ocorrendo na China e entre a classe média ascendente, de religião islâmica, na Índia.
Com o aumento da demanda, o Brasil expandiu em 727% suas exportações de carne
entre 2000 e 2014, o que representou um salto de 779 milhões de dólares para 6,4
bilhões de dólares.

No entanto, não somos os únicos fornecedores de carne no mercado mundial e com


certeza a competição com países como os Estados Unidos, Argentina, Canadá e
Austrália poderá, no futuro, ser cheia de surpresas. Guerra de preços, barreiras não
alfandegárias, cotas, entre outros, podem ser problemas com os quais nosso setor
agropecuário poderá se defrontar, nos próximos cinco a dez anos.

Para evitarmos incorrer em uma guerra de preços com nossos concorrentes,


precisamos aumentar a nossa produtividade. Segundo o jornalista Marcelo Leite, do
jornal Folha de São Paulo, a pecuária bovina tem baixíssima densidade, alocando
menos de 100 cabeças por quilômetro quadrado (km²), o que faz com que a atividade
ocupe 2,2 milhões de km², dos quais 700 mil km² na Amazônia. Esta ocupação se dá
à custa da derrubada da floresta nativa. Mesmo assim, nossa pecuária é muito
ineficiente. Com 211 milhões de cabeças - o maior rebanho do mundo - produzimos
9,1 milhões de toneladas de carne, enquanto que os Estados Unidos, com 88 milhões
de reses, produziram 11,7 milhões de toneladas.

122
Outro aspecto negativo, que poderá gerar barreiras comerciais à nossa carne e aos
seu derivados, é a grande emissão de metano, durante o processo de digestão de
bois e vacas. O metano, como sabemos, é um dos gases de efeito estufa, responsável
pelo aquecimento da atmosfera e das mudanças do clima. Os 115 milhões de
toneladas de gás carbônico emitido por nosso rebanho, é equivalente à poluição
produzida por uma frota de 115 milhões de veículos 1.0, rodando cada um 20 mil
quilômetros por ano. Uma quantidade imensa de gás poluente.

Uma possível solução é apresentada pela Universidade Federal de Minas Gerais, em


associação com a ONG Aliança da Terra e pesquisadores americanos. Constatou-se
que com uma melhor alimentação e em confinamento, o gado cresceria mais rápido,
chegaria mais cedo ao tempo de abate e assim ficaria menos tempo no pasto,
ruminando e arrotado o gás metano.

A solução significaria um grande avanço, pois liberaria terras para a necessária


expansão da agricultura, reduzindo o desmatamento, além de colocar o Brasil entre
os países empenhados na redução de emissões - fato que terá um papel cada vez
mais relevante nas relações comerciais internacionais. Assim, não seria surpresa se
no futuro certos países estabelecessem barreiras e cotas para a carne e derivados,
produzidos por nações não preocupadas com a redução de dióxido de carbono,
gerado pela sua agropecuária.

123
A influência da natureza

Todo ser vivo existe em constante interação com seu ambiente. O elefante, o homem,
as bactérias e o vírus; todos têm seu habitat para sobreviver. Ao mesmo tempo em
que está imerso no meio em que vive, o ser vivo também é uma unidade independente
do resto da natureza. Fechado em si mesmo, cada indivíduo precisa gerar energia
para manter-se vivo, através da incorporação de alimentos. Perdida a capacidade de
subsistir e manter sua estrutura, o ser vivo se desfaz e volta incorporar-se ao
ambiente.

A influência do meio ambiente sobre o indivíduo é tão grande que quase não é mais
possível estudar uma espécie abstraída de seu entorno. Assim cada ser vivo pode ser
visto como um nó de uma vastíssima teia de relações, onde cada parte influencia a
outra. Esta ideia é relativamente recente, foi criada na teoria dos sistemas, disciplina
que estuda de modo interdisciplinar a organização e interação de fenômenos,
incluindo seres vivos. Com o desenvolvimento da ecologia, da biologia molecular e de
outras ciências ligadas ao estudo do meio ambiente, este conceito da interação entre
ambiente e espécie tornou-se mais importante.

Por esse motivo são tão complexos os Estudos de Impacto Ambiental e os Relatórios
de Impacto ao Meio Ambiente (EIA/RIMA), necessários para avaliar os efeitos de um
projeto no local onde será instalado. No entanto, mesmo contando com uma infinidade
de conhecimentos e equipamentos científicos, além de pesquisas feitas in loco, ainda
não é possível estabelecer definitivamente todos os impactos de uma atividade.
Efeitos microscópicos a longo prazo ainda são desconhecidos em muitos casos, como
por exemplo o uso de sementes geneticamente modificadas e seu efeito sobre a flora
do entorno.

Há muitos aspectos ainda desconhecidos da natureza, que têm grande influência


sobre os seres vivos. Nos últimos anos a ciência descobriu que além das bactérias,
os vírus também atuam fortemente sobre a vida do planeta. Só para se ter uma ideia,
em um litro de água do mar vivem cerca de 10 bilhões de bactérias, acompanhadas
de 100 bilhões de vírus; todos no mesmo volume.

124
No passado, os cientistas admitiam que nosso genoma (o conjunto de nossos genes)
era basicamente determinante para nosso desenvolvimento. Atualmente, no entanto,
descobriram que existem três aspectos adicionais, de grande impacto na maneira
como nossos genes se comportam e nossos corpos (e de todas as espécies vivas) se
desenvolvem e funcionam: o epigenoma (as substâncias que envolvem os genes); o
microbioma (trilhões de bactérias que habitam nossos corpos células); e o viroma
(trilhões de vírus que habitam essas mesmas bactérias, nossas células e todas as
partes do nosso corpo).

O viroma ainda é pouco conhecido. Os autores Juan Enriquez e Steve Gullans em


seu livro "Evolving Ourselves: How Unnatural Selection and Nonrandom Mutation are
Changing Life on Earth" (Desenvolvendo-nos: como a seleção não natural e a
mutação não aleatória está mudando a vida na Terra), escrevem que "os vírus
carregam, trocam e modificam os genes entre as células ou de uma espécie para
outra. Eles dirigem a evolução em todas as escalas, nas bactérias, nas plantas, nos
animais e nos humanos." Os estudos sobre o papel dos vírus na evolução da vida
ainda estão no começo mas mostram, novamente, que a influência da natureza sobre
nós é muito mais abrangente do que imaginamos.

125
Cidade, a grande invenção humana

A cidade foi uma das maiores invenções da humanidade, há cerca de sete ou oito mil
anos. De um modo geral, o surgimento das primeiras aglomerações humanas está
ligado à prática da agricultura. Esta atividade começou a se difundir em toda a região
do Crescente Fértil, área que engloba os atuais Iraque, Síria, Líbano, Egito, Israel,
Jordânia, parte da Turquia e Irã. Sob a influência dos rios Nilo, Tigre e Eufrates, a
população local desenvolveu a cultura de plantas que passariam a ser incorporados
ao cardápio da posteridade, como a cevada, trigo, aveia, ervilha, lentilha, cebola;
frutas como o figo, a tâmara, o pêssego e a ameixa.

O excedente de alimentos produzido pela agricultura, associado à criação de gado, à


pesca e eventual caça, permitiu com que um numero cada vez maior de pessoas se
fixasse nas áreas urbanas, exercendo atividades tipicamente citadinas, como
artesãos, ferreiros, prestadores de serviços, sacerdotes, etc. Assim, a cidade
sumeriana de Tell Brak, localizada na atual Síria, já tinha uma população estimada em
4 mil pessoas por volta de 5.000 A.C.; as vizinhas Uruk e Larak tinham
respectivamente 5 e 10 mil habitantes por volta de 4.000 A.C., sendo que a primeira
alcançaria a impressionante população de 50 mil habitantes por volta de 2.500 A.C. A
título de comparação, a cidade de São Paulo tinha pouco mais de 30 mil habitantes
em 1872 e alcançou a cifra de 65 mil moradores somente em 1890.

Foi no espaço das cidades de todo o mundo que se desenvolveram outras grandes
criações humanas: o Estado, as religiões organizadas, a escrita e o cálculo, a ciência
e a tecnologia. No entanto, apesar de serem as capitais dos impérios, os centros
administrativos, religiosos e comerciais, as cidades tinham uma importância relativa,
já que a maior parte da população vivia no campo de forma autossuficiente e
necessariamente não precisava frequentar a cidade. Muitas pessoas, até o fim do
período medieval, visitavam a vila ou aldeia mais próxima somente algumas vezes em
suas vidas.

A partir dos séculos XIII e XIV ocorreram diversas mudanças econômicas, sociais e
culturais na Europa, que fizeram com que as cidades passassem definitivamente a
ser o centro das principais atividades humanas.

126
O campo ainda produzia alimentos e matérias primas, mas os centros urbanos agora
é que ditavam os destinos das nações; eram as sede dos governos, do comércio, dos
bancos, das universidades, da administração de impérios ultramarinos e da vida
cultural. As metrópoles foram os focos irradiadores das novas ideias religiosas e
políticas. A partir da segunda metade do século XVIII, as cidades também se tornaram
o local das atividades industriais e da pesquisa científica.

A cidade foi uma invenção tão bem sucedida que atualmente cerca de 55% da
população mundial vive em metrópoles - no Brasil já são mais de 80% da população.
Mas, como toda invenção humana, a cidade está sujeita a melhorias e adaptações, já
que é o local onde se concentram inúmeras atividades humanas, sujeitas às
condições históricas e ambientais do local onde ocorrem.

A cidade, seja de que tamanho for, é a amostra de como funciona um país. De como
atende às necessidades da população através do urbanismo, arquitetura, transporte,
saneamento, segurança, lazer, condições de saúde, educação e cultura. É uma
construção coletiva, da qual todos participam e devem se beneficiar.

127
Sal, açúcar e gordura

A alimentação representa o mais antigo e fundamental vínculo que o ser humano tem
com a natureza. Apesar de todo avanço da tecnologia agrícola, são as condições
ambientais - como a temperatura e o ritmo de chuvas e as características do solo e
de seus micro-organismos - que continuam sendo determinantes na produção dos
alimentos. Durante centenas de milhares de anos nos alimentamos principalmente de
carnes, acompanhadas de algumas raízes e eventuais frutos. Foi apenas nos últimos
10 mil anos, quando passamos a praticar a agricultura, que a base da nossa dieta
passou a ser de cereais e grãos - trigo, aveia, arroz, milho.

Os primeiros alimentos processados industrialmente surgiram no final do século XIX,


tornando-se populares depois da 2ª Grande Guerra. Atualmente é quase impossível
fazer uma refeição, sem ingerir algum alimento processado. Durante sua preparação,
são adicionados aditivos químicos - corantes, aromatizantes, conservantes,
antioxidantes, estabilizantes e acidulantes - que têm a função de dar sabor, cheiro,
aspecto natural e durabilidade ao alimento. Outros componentes bastante
importantes, dosados de modo a tornar os alimentos mais agradáveis ao paladar -
mas nem por isso mais saudáveis -, são o sal, o açúcar e a gordura hidrogenada. São
estas substâncias que aumentam o impulso de consumo de produtos como
refrigerantes, batatas fritas, salgadinhos, biscoitos, sorvetes e bolos.

Há mais de quarenta anos é conhecida a estreita relação entre o sal, o açúcar, a


gordura trans (hidrogenada) e as doenças cardiovasculares, o diabetes, o excesso de
peso e certos tipos de câncer. Na Europa e nos Estados Unidos, campanhas
governamentais e iniciativas de ONGs procuram conscientizar os consumidores sobre
o perigo do excesso de sal, açúcar e gordura, contidos em determinados alimentos.
Recentes legislações nestes países limitam a adição destas substâncias às comidas
e exigem que os fabricantes incluam informações mais claras nos rótulos dos
produtos.

No Brasil o problema mal começou a ser discutido. O percentual de pessoas adultas


com sobrepeso e obesas está em torno de 52% da população e o de crianças em
39%.

128
O aumento de peso das crianças se dá principalmente entre a população mais pobre,
que consome quantidades maiores de alimentos processados, por serem mais
baratos que os outros. Esta população tem menos acesso à informação e a recursos
como médicos e clínicas especializados, academias e remédios. O filme brasileiro
"Muito além do peso" (https://www.youtube.com/watch?v=8UGe5GiHCT4) aborda
este problema, em reportagens sobre a má educação alimentar infantil no país.

No Brasil, o controle da qualidade dos alimentos é partilhado por diversos órgãos e


entidades da administração pública, como o Sistema Nacional de Vigilância Sanitária
(SNVS), Sistema Único de Saúde (SUS), Agência Nacional de Vigilância Sanitária
(ANVISA), entre outros. A falta de clareza na competência do controle gera problemas,
além das legislação excessivamente detalhada e nem sempre revisada. Segundo o
jornalista americano Michael Moss, autor do livro traduzido "Sal, açúcar e gordura -
Como a indústria alimentícia nos fisgou", o setor está dominado por grandes
empresas, que exercem forte pressão sobre o governo e a mídia. Assim, para ter
melhor qualidade de vida, a sociedade civil precisa se organizar e reivindicar.

129
Verde do extremo sul de São Paulo corre perigo

O extremo sul da cidade de São Paulo ainda dispõe de áreas verdes, constituídas por
remanescentes da mata atlântica, repletos de nascentes e corpos d'água. Formada
pelos atuais distritos de Parelheiros e Marsilac, a área viveu em relativo isolamento
ao longo da história da cidade. Esta situação só foi interrompida em 1829, com a vinda
de colonos alemães que por lá se estabeleceram. O núcleo deste povoamento é o
atual bairro de Colônia. Sempre foi grande o número de chácaras e sítios na região,
que com sua produção de hortaliças e produtos de granja abasteciam as cidades de
Santo Amaro e de São Paulo - Santo Amaro foi município independente até 1935.

A partir dos anos 1970 a cidade de São Paulo começou a crescer fortemente em
direção ao leste e ao sul, regiões mais afastadas do centro e onde havia mais terra
desocupada disponível. Na região de Santo Amaro e Capela de Socorro formaram-se
extensos bairros e tiveram início as ocupações das margens das represas
Guarapiranga e Billings. Ao longo dos anos 1980 e 1990, com a crise habitacional por
que passava o país, estas ocupações clandestinas só aumentaram. O impacto
ambiental deste processo era diverso: derrubada da vegetação original, geralmente
formada por mata atlântica; formação de lixões clandestinos, já que o precário
arruamento impedia a entrada de caminhões de coleta; e poluição das águas dos
reservatórios, com a descarga de efluentes domésticos sem qualquer tratamento. O
poder público pouco fez para barrar ou organizar a ocupação destas áreas de
mananciais. As represas Guarapiranga e Billings são o maiores reservatórios da
região da grande São Paulo e poderiam ser melhor aproveitados - principalmente a
represa Billings - se suas água não estivessem contaminadas por tão grande volume
de efluentes e resíduos.

Nos últimos quinze anos o processo de ocupação irregular começou a avançar ainda
mais para o extremo sul da cidade de São Paulo, alcançando Parelheiros e Marsilac.
Áreas que até há alguns anos eram propriedades agrícolas do cinturão verde da
cidade, foram transformadas em loteamentos. As ocupações clandestinas também
avançam para dentro do perímetro da APA (área de proteção ambiental) Bororé-
Colônia, área de mananciais localizada entre as represas Billings e Guarapiranga.

130
O conhecido desmatamento "formiga" - invasões, adensamento populacional e
pequenos desmatamentos - são comuns na região. Segundo reportagem publicada
no jornal O Estado de São Paulo, a situação é do conhecimento da Secretaria
Municipal do Verde e do Meio Ambiente, mas a fiscalização da região é quase
inexistente.

A região do extremo sul de São Paulo, que engloba as APAs Bororé-Colônia e


Capivari-Monos ainda possui reservas florestais de mata atlântica e por isso ainda tem
grande quantidade de nascentes e córregos que contribuem para alimentar as
represas Guarapiranga e Billings. A floresta que cobre a região tem influência na
temperatura e no grau de umidade das regiões circunvizinhas.

Em tempos em que as cidades em todo o mundo procuram valorizar e ampliar suas


áreas verdes, a prefeitura da cidade de São Paulo tem obrigação de zelar para que a
cobertura vegetal do extremo sul não seja destruída. Sua supressão, além de destruir
um bioma único, poderia causar impactos climáticos não só em São Paulo, mas em
municípios limítrofes, como São Bernardo, Diadema, São Caetano e Santo André.

131
Por que a questão ambiental avança tão lentamente?

Por que a questão ambiental avança tão lentamente no Brasil? A velocidade em que
outros países industrializados implantaram mudanças estruturais na área ambiental -
políticas governamentais, legislação, normas técnicas, controle das empresas
públicas e privadas - foi bem mais rápida. Basta ver o progresso em toda a Europa e
Estados Unidos, no que se refere à atuação ambiental de governos e empresas,
ocorrido entre o final da década de 1960 e os anos 1980. Em pouco mais de uma
década, houve uma verdadeira revolução no que se refere à redução dos impactos
diretos ao meio ambiente - água, solo e ar -, concretizada através de grandes projetos
de despoluição, modernas estruturas de gerenciamento de resíduos e melhores
controles das emissões atmosféricas.

É verdade que a fase de pleno desenvolvimento do capitalismo industrial por que


passavam os países desenvolvidos naquela época, contribuiu para gerar excedentes
de recursos que foram efetivamente alocados na solução de grande parte dos
problemas ambientais. Ocorria que os governos, pressionados pela sociedade civil,
criaram leis ambientais mais rígidas, a serem cumpridas pelas empresas e pelos
governos, que para isto dispunham de capitais. Em dez ou quinze anos, bacias
hidrográficas e grandes áreas de solos contaminados foram recuperadas. Extensos
programas de reuso e reciclagem de materiais, reduzindo drasticamente os volumes
destinados aos aterros - construídos dentro de padrões técnicos -, foram implantados
e passaram a gerar milhões de empregos e novas demandas tecnológicas.

O processo foi relativamente rápido: da pressão popular para melhores leis e normas,
e destas para obras que ajudaram a reduzir a poluição e o impacto aos recursos
naturais. Para colocar este processo em marcha foi necessário o desenvolvimento de
novas tecnologias, para o que contribuíram os financiamentos governamentais e a
cooperação entre institutos de pesquisa, as universidades e o setor privado.

No Brasil a questão da redução dos impactos ambientais, ocasionados pelas


atividades econômicas, avança lentamente.

132
Já faz mais de trinta anos que o país criou a Lei da Política Nacional do Meio Ambiente
(6938 de 17/01/81), a mais importante. Outras normas importantes foram elaboradas
entre os anos 1980 (em sua maior parte) e nos anos 1990. Mais detalhes em:
http://planetaorganico.com.br/site/index.php/meio-ambiente-as-17-leis-ambientais-
do-brasil/. Portanto, não nos faltam leis. Recursos também não faltam ao governo e
às empresas; principalmente aquelas com maior impacto ambiental como
mineradoras, construtoras, agronegócio e pecuária, empresas públicas de
saneamento, setor químico e petroquímico, entre outros. Poucos recursos do PAC,
além daqueles destinados ao saneamento e que também foram reduzidos, estão
sendo utilizados para controle da poluição.

A grande falha, a nosso ver, ainda está no baixo grau de conscientização da sociedade
civil. Apesar de ter uma vaga noção sobre poluição, grande parte da população
desconhece suas causas econômicas e políticas e não exerce seu direito a um
ambiente limpo, assegurado pela Constituição. A mídia crítica faz seu papel da melhor
maneira possível, mas devido ao baixo nível educacional do povo acaba falando
sempre para os mesmos. Assim, sem pressão e mobilização "fica tudo como dantes
no quartel de Abrantes", como já diziam os portugueses.

133
Produção, distribuição e consumo de alimentos

Em várias partes do mundo persistem os problemas de saúde ligados à falta de


alimentos. Segundo a Organização Mundial de Saúde (OMS) a subnutrição ainda é
causa indireta de cerca de 30% das mortes de crianças no mundo. Afetando o
desenvolvimento físico e mental de milhões de crianças, a subalimentação também
compromete seu desenvolvimento intelectual e profissional, diminuindo o número de
cidadãos preparados para contribuir com o desenvolvimento de seus países.

Este é o ciclo vicioso a que são condenadas regiões pobres em todo o mundo: falta
de acesso a alimentos gera subnutrição. Esta prejudica o desenvolvimento intelectual
e profissional de parte da população. Na falta de cidadãos preparados, o crescimento
da economia fica comprometido e desta forma não geram-se menos recursos para
produzir ou comprar alimentos para toda a população - principalmente aquela mais
necessitada. Por isso, é preciso que os países detentores de tecnologia agrícola
desenvolvida atuem nestes países na transferência de conhecimentos.

A fome ainda presente no século XXI não é por falta de alimentos. A produção mundial
de comida é suficiente para abastecer os atuais 7,3 bilhões de habitantes da Terra.
Se parte da população dos países menos desenvolvidos não tem acesso a
quantidades suficientes de comida, isto se deve a fatores como insuficiente produção
local; falta de recursos do país para adquirir alimentos no mercado internacional; e
elevação dos preços internacionais devido a ações especulativas, entre outros.

A Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura (FAO) alerta que a
população mundial deverá atingir 9 bilhões em 2050, o que incrementará a procura
por alimentos. Segundo os especialistas, para fazer frente a esta demanda, o mundo
deverá atacar este problema em três frentes principais. Primeiro, aumentar a produção
de produtos agrícolas, sem comprometer os recursos naturais, não avançando sobre
áreas de vegetação natural. Isto significa que o Brasil, por exemplo, precisará investir
muito mais em pesquisa e tecnologia - o que em parte já vem fazendo - para obter
uma melhor produtividade das áreas agrícolas já existentes.

134
O segundo aspecto a ser considerado é a melhoria dos sistemas de armazenagem e
distribuição das colheitas. Dados apontam que cerca de 30% dos produtos agrícolas
mundiais são perdidos entre o campo e o ponto de venda do produto. Será necessário,
na maioria dos países produtores, construir mais silos e armazéns, ampliar a rede
rodoviária, ferroviária e ampliar e modernizar as instalações portuárias.

A última providência sugerida pelos estudiosos é reduzir a perda de alimentos nos


pontos de venda e entre os consumidores. Segundo um relatório elaborado pela FAO,
depois de comprados, aproximadamente 50% dos alimentos são jogados fora, tanto
na Europa quanto nos Estados Unidos. No Brasil aproxima 70.000 toneladas
(aproximadamente 2.800 carretas) de alimentos acabam no lixo a cada ano no Brasil.
Compra de produtos em excesso, mal acondicionamento são fatores que fazem com
que milhões de famílias descartem quantidade imensas de alimentos, sem
reaproveitá-las. No futuro serão necessárias campanhas em todos os países -
principalmente os ricos - incentivando e ensinando o reaproveitamento de alimentos.
Se os alimentos forem melhor manuseados e aproveitados, haverá comida para todos.

135
O clima e o oceano

O oceano foi muito provavelmente o local onde se originou a vida, há 3,8 bilhões de
anos. Ali ela permaneceu e se desenvolveu até que há cerca de 380 milhões de anos
os primeiros seres vertebrados passaram a ocupar terra firme. Desde então, os mares
continuaram a ser o habitat de centenas de milhões de tipos de animais, que se
sucederam ao longo da história da vida. Durante este longo período, as espécies
estiveram sujeitas àquilo que a ciência chama de extinções em massa: cataclismos
que causaram o desaparecimento de dezenas de milhares até milhões de espécies,
em um período de tempo relativamente curto, de algumas alguns milênios. Estas
extinções foram causadas por grandes erupções vulcânicas, espalhando cinzas na
atmosfera e impedindo a entrada de parte da luz solar, esfriando a temperatura do
globo; terremotos seguidos de imensos maremotos, com ondas colossais com altura
de dezenas de metros, inundando e destruindo toda vida em seu caminho. De uma
maneira ou de outra os mares eram bastante afetados, tendo sua temperatura ou
constituição química das águas alterada, o que frequentemente provocava grande
mortandade de espécies.

Aqui vale lembrar que muitas espécies não desapareciam por causa das condições
físico-químicas das águas, mas pela falta de alimento. Se espécies que estavam na
base da cadeira alimentar - como atualmente as anchovas e sardinhas - fossem
afetadas pela mudança das condições, todos os seus predadores também
desapareceriam por falta de alimento. Essa a razão por que as mudanças climáticas
e suas consequências no planeta são um evento tão complexo; sabe-se como se
iniciam, mas é difícil prever seu desenvolvimento e consequências.

Por causa das atividades humanas interferindo nos oceanos aproximamo-nos de mais
uma era de extinções de espécies em massa, segundo os cientistas. As condições
dos mares, segundo especialistas, estão se aproximando daquelas de 55 milhões de
anos passados, no período geológico conhecido como Máximo Térmico do
Paleoceno-Eoceno, que se caracterizou por uma mudança brusca no clima, alterando
em curto espaço de tempo a circulação do oceano e da atmosfera.

136
Em um breve período de seis mil anos, segundo dados geológicos, a temperatura
média da Terra aumentou em 6º Celsius, fazendo com que subisse o nível do mar e
crescesse a concentração de dióxido de carbono (CO²) e metano (CH4) na atmosfera.
A consequente escassez de oxigênio das águas oceânicas provocou uma mortandade
em massa de espécies.

Enquanto que no início do Paleoceno-Eoceno houve uma forte atividade vulcânica na


Terra - o que aumentou a concentração de gases na atmosfera -, atualmente ocorrem
fortes emissões de gases através das atividades humanas pela queima de
combustíveis fósseis. Outro aspecto é que quanto mais subir a temperatura da
atmosfera, tanto maior será a liberação de gás metano nas regiões de permafrost –
solos congelados da região ártica contendo grande quantidade de matéria orgânica,
que aquecida libera o gás resultante da decomposição destes materiais.

O gás carbônico contido na atmosfera se mistura com a água do oceano, tornando-a


mais ácida. Grandes quantidades de fertilizantes e esgotos domésticos, que
regularmente são carregados para os mares, reduzem a quantidade de oxigênio
dissolvido. Cientistas chamam esta situação de "trio mortal" para os mares: aumento
da temperatura, acidificação e baixa taxa de oxigênio. A estes fatores ainda se alia o
fato de que a pesca predatória só aumentou ao longo das últimas décadas.

137
A parábola do sapo e do Leviatã

Famosa é aquela história (ou será parábola?) do sapo e da panela sobre o fogo.
Segundo dizem, se você colocar o animal na água ainda fria, ele não perceberá que
a água está esquentando e morrerá quando o líquido ferver. Mas se você pegar o
anfíbio e jogá-lo em água já quente, ele imediatamente saltará do recipiente. Verdade
ou não - e existem aqueles que afirmam que experiências comprovam o relato - a
história não quer nos ensinar nada a respeito das reações deste pobres animais
submetidos a experiências tão dolorosas, mas nos dizer algo sobre nós mesmos.

Na forma de parábola, o relato se refere ao nosso relacionamento com o meio


ambiente, principalmente nos últimos 50 anos, quando nossa atuação sobre a
natureza se tornou cada vez mais destruidora. Se há 100 ou 150 anos abríamos
estradas, geralmente de terra para a passagem dos raros automóveis ou de carroças,
em nossos dias mudamos paisagens inteiras, para a construção de autoestradas de
seis ou oito pistas, permitindo o deslocamento de milhões de veículos e pesados
caminhões.

Para nós modernos, tudo parece muito natural. Grandes obras, imensas cidades,
largas áreas de monocultura, enormes fábricas empregando milhares de operários;
tudo grande para produzir e distribuir vastas quantidades de produtos a serem
consumidas por milhões de pessoas. A imagem lembra o gigantesco Leviatã, descrito
pelo filósofo Thomas Hobbes. O monstro, que segura um cetro e uma espada
representa o Estado, que por ser formado por milhões de cidadãos tem a aparência
de um homem, constituído por inúmeras imagens de pessoas.

É aí que entra a parábola do sapo, mas que nos tempos atuais se transformou em
Leviatã. O colossal personagem - na realidade formado pelos interesses, apetites e
ações de bilhões de criaturas humanas - não percebe que através de sua atuação
está destruindo suas próprias possibilidades de sobrevivência a longo prazo. A
exaustão dos recursos naturais e a destruição dos ecossistemas que os abrigam,
colocarão em risco, cedo ou tarde, a sobrevivência dos estados na forma como os
conhecemos hoje.

138
Secas, tornados, nevascas, chuvas torrenciais, serão fenômenos climáticos que se
tornarão cada vez mais comuns. A exaustão dos solos, dos recursos hídricos; a
diminuição das espécies de peixes comestíveis; a destruição das florestas
temperadas e tropicais. Tudo isto já está acontecendo, basta prestar atenção aos
noticiários ou escutar as palavras dos cientistas. Enquanto isso, a economia faz
questão em ignorar o assunto. "É preciso que a economia funcione a um ritmo cada
vez mais rápido, para que cada vez mais pessoas possam consumir. Mais consumo,
mais empregos, mais riqueza."

Será? Para que possa aumentar a velocidade da produção e do consumo é preciso


tornar os produtos obsoletos em menor tempo. E assim consumo, venda e produção
ocorrem em cada vez menor tempo, aumentando o ritmo de uso dos recursos naturais
necessários para a produção de mercadorias (muito anunciadas pela propaganda e
cujo financiamento é facilitado). Onde isto vai parar ninguém sabe.

Ou sabe. Basta ver a maneira como estamos degradando o ambiente com nossas
atividades econômicas. Somos o sapo que se transformou em Leviatã e que não se
dá conta de que a cada dia, ano e década a água está mais quente. Ainda há tempo
para saltar da panela. Mais um pouco, no entanto, e será tarde para a maior parte de
nós.

139
Os rios e o espaço urbano

Nos dias quentes do verão suíço, milhares de pessoas tomam banho no rio Limmat,
que liga o lago Zurique ao rio Aare. Até aí nada de especial. Milhões de pessoas
tomam banho em milhares de rios no mundo inteiro. O detalhe é que esta cena se
passa no centro financeiro da cidade de Zurique, a mais populosa cidade da Suíça
com mais de 400 mil habitantes. Muitos dos banhistas são pessoas que trabalham no
bairro central da metrópole e que usam parte de sua hora de almoço para dar um
mergulho no rio de águas límpidas.

Em Seoul, capital da Coréia do Sul, a população de um dos bairros mais populosos


da cidade tem uma nova área de lazer. Ladeado por avenidas e prédios corre o rio
Cheonggyecheon, em cujas margens existem pequenos jardins e áreas de passeio,
muito utilizados pela população. O rio, limpo e habitado por diversas espécies de
peixes, se estende por mais de cinco quilômetros pela cidade, por vezes interrompido
por cascatas e atravessado por pequenas pontes. Um ambiente idílico em plena área
urbana, em região onde até o início da década passada se erguia um elevado,
percorrido diariamente por milhares de automóveis.

Dois exemplos de como é possível conviver com os cursos d'água em plena área
urbana, mesmo em grande metrópoles. Seoul, por exemplo, tem uma população de
10,1 milhões de habitantes concentrada em uma área de 605 km²; pouco mais de um
terço da área da cidade de São Paulo (1.522 km²) para uma população quase
equivalente (São Paulo tem 12 milhões de habitantes). Assim, quando aqui no Brasil
invadimos as áreas de várzea, ocupando as baixas dos rios com avenidas e obras
urbanas, não se trata absolutamente de falta de espaço.

Isto ocorre porque em grande parte das administrações municipais ainda persiste uma
visão urbanística que tem origens no passado. Segundo este tipo de pensamento,
muito em voga entre os urbanistas e planejadores no final do século XIX e início do
XX, as regiões baixas das várzeas e dos rios continham miasmas, "ares ou vapores"
que podiam transmitir doenças como o cólera e o tifo. O médico inglês William Farr,
responsável pelo censo populacional de Londres em 1851, foi um ferrenho defensor
e propagador desta teoria. O argumento também foi usado para que o arquiteto

140
francês Hausmann pudesse promover a reurbanização da capital francesa,
desalojando milhares de pessoas pobres que viviam em prédios antigos, localizados
perto do rio Sena.

Apesar de partir do incorreto pressuposto dos miasmas, a teoria acertava no fato de


que áreas de várzea e rios podiam ser foco de doenças, por serem habitat de
mosquitos, ratos, baratas e outros tipos de vetores. A teoria errava, quando assumia
que estas áreas deveriam ser simplesmente aterradas, transformadas em avenidas,
ter os rios canalizados; por serem estas áreas "sujas" e "não urbanas", que não
deveriam nem poderiam ser incorporadas ao espaço urbano.

Este tipo de visão influenciou muitos urbanistas e administradores, responsáveis pela


modernização dos centros urbanos durante o século XX. No entanto, em muitas
cidades o processo foi revertido, fazendo com que várzeas e rios fossem
inteligentemente incorporados (ou reincorporados) ao dia a dia da cidade, propiciando
bem estar, lazer e contato com a natureza. No Brasil, ainda aguardamos pela
recuperação de rios como o Tietê e Pinheiros em São Paulo; o rio Belém em Curitiba;
o rio dos Sinos em Porto Alegre; o Capibaribe, em Recife; e muitos outros país afora.
As grandes metrópoles têm muito a ganhar em qualidade de vida, com a inserção
destes rios no espaço urbano.

141
Brasil não dispõe de banheiros públicos

A falta de coleta e tratamento de esgoto é um grande problema ambiental no Brasil,


refletindo pouca atenção à higiene e saúde pública. Assim, não é de estranhar que
ainda existam 3,5 milhões de casas que não dispõem de um banheiro, segundo o
Censo do IBGE de 2010. A falta de sanitários públicos nas cidades também é um
problema em todo o país, onde grandes centros como São Paulo e Rio de Janeiro
improvisam soluções com banheiros químicos móveis pouco higiênicos.

A falta de banheiros públicos nos centros urbanos também tem explicações históricas.
Até os anos 1960 a maior parte da população vivia em áreas rurais, as cidades eram
menos populosas e de menor área. Na maior parte das aglomerações urbanas então
existentes, seus habitantes não tinham necessidade de longos deslocamentos por
grandes distâncias. Era possível resolver as pendências pessoais em torno dos
quarteirões que cercavam a praça da matriz, já que era por ali que se situavam os
cartórios, bancos, consultórios médicos, etc. Se o transeunte precisasse “aliviar suas
necessidades”, havia sempre um bosque, uma beira de rio ou local ermo. Quem
estava em viagem pela cidade, tinha um hotel, hospedaria ou pensão como local de
permanência.

Nos últimos 50 ou 60 anos a população brasileira cresceu exponencialmente,


inchando os centros urbanos. No entanto, nenhuma cidade brasileira, pequena ou
grande, resolveu um problema básico de seus habitantes ou visitantes: onde fazer as
necessidades fisiológicas, quando fora de casa? Os poucos banheiros disponíveis em
aeroportos, shopping centers, rodoviárias, estações de metrô, ônibus ou trem, estão
em locais afastados, geralmente longe de onde circula a maior parte da população.
Isto sem falar das condições de higiene destes banheiros, muito ruins, especialmente
para as mulheres.

Nas estradas brasileiras a situação não é diferente. O país possui uma malha
rodoviária de aproximadamente 1,3 milhão de quilômetros, dos quais apenas 140 mil
estão pavimentados. Destes, 14 mil quilômetros foram transferidos a 51 empresas
privadas, que operam estas rodovias em regime de concessão.

142
Nesta modalidade, as concessionárias são responsáveis pela manutenção e
conservação das estradas e se remuneram através da cobrança de uma taxa, o
pedágio. As autovias privadas são melhores do que aquelas sob responsabilidade dos
governos municipais, estaduais e federal, dispondo de boa infraestrutura, sinalização,
telefones de emergência e equipes de apoio. No entanto, um importante item que
mesmo as estradas sob administração privada não dispõem são os banheiros
públicos. Não fosse algum restaurante, lanchonete ou posto de gasolina no percurso,
o usuário teria que aliviar suas necessidades à beira da estrada, como de fato muitas
vezes acontece. Recentemente vimos em uma importante estrada em São Paulo, de
altíssimo fluxo de veículos, alguns banheiros químicos, colocados lá para atender a
“demandas urgentes”. Instalações de alvenaria, limpas, higiênicas, principalmente
para mulheres e crianças, não existem nas estradas brasileiras.

O poder público tem como obrigação zelar pela higiene e pelo bem estar da população
– pelo menos é o que acontece em países civilizados e modernos. A exemplo do que
ocorre nestes lugares, já é hora de nossos prefeitos e do Ministério dos Transportes
pensarem em soluções para este problema tão humano.

143
Natureza e felicidade

Hoje nossa cultura dá muito valor ao bem-estar, à alegria e, cada vez mais
frequentemente, à felicidade (ou aquilo que as pessoas consideram como tal).
Atendidas as necessidades básicas de alimentação e proteção para a maior parte da
população – pelo menos nas nações desenvolvidas e em desenvolvimento, sob
influência da cultura europeia – a ideia da simples sobrevivência passa a dar lugar a
viver bem; viver com qualidade. E isto, além de incluir uma barriga cheia e um teto
sobre a cabeça, também abrange segurança quanto ao futuro e saúde para desfrutá-
lo. A este estado comumente se chama de bem estar, com momentos de alegria e,
mais raramente, felicidade.

Nossa sociedade afluente tem origem no desenvolvimento de um tipo específico de


capitalismo baseado no consumo, que surgiu nos Estados Unidos no início do século
XX. O país à época já era o mais fortemente industrializado e disponha de um grande
número de trabalhadores com recursos excedentes para o consumo. Assim, foram
inventadas máquinas e engenhocas, que se tornaram imprescindíveis no dia a dia das
pessoas e que devido ao seu relativo baixo custo, poderiam ser adquiridas por grande
parte da população: geladeiras, fogões, torradeiras, máquinas de lavar, automóveis.
Nos anos 1930, com a popularização do uso da eletricidade (também no Brasil),
apareceram os toca-discos, rádios, barbeadores elétricos e vários outros itens de
utilidades domésticas. Todos estes implementos são feitos para aumentar a sensação
de conforto e bem-estar, e sua compra traz alegria para muitos – mesmo que as
prestações sejam altas ou que a assistência técnica dos produtos ruim.

Por toda a história também houve pessoas que defendiam uma vida mais simples.
Desde os antigos filósofos cínicos e estoicos da Grécia e de Roma, passando pelas
ordens religiosas mendicantes da Idade Média, até chegar aos intelectuais e ativistas
modernos. Figuras como o poeta inglês William Blake (1757-1827), o escritor e filósofo
americano Henry David Thoureau (1817-1862) e o escritor alemão Hermann Hesse
(1877-1962) transmitiam em suas obras uma oposição ao industrialismo e contra a
ilusória busca da felicidade baseada na obtenção de bens de consumo.

144
Influenciado por estes e outros pensadores críticos, nasceu nos Estados Unidos nos
anos 1960 o movimento “hippie” (palavra derivada de “hip”, que em inglês indica
pessoa bem informada), que em poucos anos se espalhou por todo o mundo. Os
hippies defendiam uma vida simples, livre do excessivo consumismo da sociedade
industrial e valorizavam a natureza, em seus diversos aspectos. Pensadores que
influenciaram o ideário hippie foram filósofos como Alan Watts (1915-1973) e Herbert
Marcuse (1898-1979), além da filosofia indiana, o pensamento anarquista e o
movimento da contracultura. Muito daquilo que os ambientalistas passaram a
defender no final dos anos 1960 e início de 1970 tinha suas origens no pensamento
hippie. Alguns fundadores de importantes ONGs, como o Greenpeace, são oriundos
de grupos da contracultura americana e inglesa.

Em um ponto todos estes movimentos e filosofias estão de acordo: a felicidade, ou


pelo menos a alegria, estava muito mais em uma volta à natureza; uma vida mais
simples. Não no consumo, que muitas vezes não chega nem a nos trazer conforto e
bem estar, servindo apenas como passatempo dispendioso, para afugentar o tédio.

145
Proteção aos animais

Nos últimos quarenta anos a ciência aprofundou seus conhecimentos sobre os


animais, observando seu comportamento e sua percepção. Em estudos de campo na
natureza, em áreas de cativeiro e experiências em laboratórios, os pesquisadores
descobriram um complexo “mundo interior”, principalmente nos mamíferos e nas aves.
Com isso, é cada vez mais aceita a ideia de que estes animais são seres sencientes;
capazes de sentirem prazer e dor, sofrimento e felicidade, sendo dotados de
lembranças e pensamentos.

A relação do animal homem com os outros animais sempre foi de estranhamento.


Diversas tradições religiosas consideram o ser humano como a única criatura dotada
de alma imortal, diferente de outros seres vivos, que segundo o filósofo francês
Descartes (1596-1650), não passavam de autômatos que apenas reagiam aos
impulsos. Esta visão ainda persiste, por exemplo, em nosso Código Civil, que
considera os animais como “coisa fungível (substituível) e semovente (move-se por si
mesmo) no caso de possuírem proprietário”. Se não têm dono, são como “res nullius”
(coisa de ninguém), podendo ser apropriados por qualquer pessoa. Assim, tratamos
juridicamente os demais seres vivos como “coisa” e damo-nos o direito de fazer com
eles o que quisermos – geralmente visando lucro.

A ciência, neste caso, tem muito a dizer sobre a complexidade dos animais. Frans de
Waal, zoólogo e estudioso de renome internacional, relata em recente artigo (Scientific
American Brasil/outubro de 2014), o caso de uma fêmea de chimpanzé que sofre de
artrite. Em diversas atividades ela é ajudada por outros macacos de seu grupo. De
Waal conclui sobre a cooperação entre primatas: 1) A cooperação não exige laços
familiares; 2) A cooperação é muitas vezes baseada na reciprocidade; e 3) A
cooperação pode ser motivada por empatia, emoção despertada quando outros
sentem dor ou sofrimento. Em toda a sua extensa obra sobre os macacos primatas, o
zoólogo procura mostrar que muitas atitudes e reações tidas como humanas, já se
encontram, pelo menos em sua forma simples, no comportamento dos nossos primos
chimpanzés – pela teoria darwiniana descendemos de uma espécie comum.

146
Assim, comportamentos de colaboração, partilha e divisão justa, são comuns a muitas
espécies. Waal escreve que “A sobrevivência depende de partilhar, o que explica por
que humanos e animais são extremamente sensíveis às divisões justas. Experiências
mostram que macacos, cães e algumas aves sociais rejeitam algumas recompensas
inferiores às de um companheiro que executa a mesma tarefa; chimpanzés e humanos
vão ainda mais longe, moderando sua porção de recompensa conjunta para evitar
frustração alheia. Devemos nosso senso de justiça a um longo histórico de
cooperação mútua” (SCIAM 149).

A revista Página 22, da FGV, publicou em sua edição de julho de 2014 que a França
recentemente alterou seu Código Civil, no qual agora os animais não humanos
obtiveram o status de “seres vivos dotados de sensibilidade”. No Brasil tramita na
Câmara dos Deputados o Projeto de Lei no. 6.799/13 do deputado Ricardo Izar (PSD-
SP), propondo a mudança da natureza jurídica dos animais de “bens de posse” para
“sujeitos de direito”, já que segundo o deputado a legislação sobre crimes ambientais
é insuficiente para proteger os animais dos maus-tratos. Uma sociedade que respeita
os animais não humanos tende a respeitar mais ainda os humanos.

147
Meio ambiente: natureza e cultura

Há pelo menos vinte anos escutamos falar cada vez mais sobre temas ecológicos. A
proteção do meio ambiente, o aumento da poluição, a exaustão dos recursos naturais,
o uso dos recursos hídricos, a conservação das florestas, o aquecimento global, a
gestão dos resíduos urbanos. São todos temas que se incluem na questão ambiental,
tão tratada pela mídia e cada vez mais importante nas decisões políticas e econômicas
de nações e empresas, além de afetar diretamente a vida do cidadão comum.

Mas o que é o meio ambiente, do qual todos falam? São as florestas e os desertos, a
atmosfera e os oceanos; são os rios que cortam as cidades e as lavouras, os animais
selvagens e domésticos; é a área verde do nosso prédio e o canteiro central da
avenida? Parece que é tudo isso e muito mais, incluindo todas as atividades que de
alguma maneira causam efeito sobre este ambiente em que habita a nossa civilização.
Aí podemos incluir a agricultura, a criação de gado e a pesca em alto mar; a produção
de tudo o que consumimos; desde a extração das matérias primas até o transporte à
loja ou nossa casa. A coisa vai tão longe que até o nosso lixo, o combustível e a
fumaça dos nossos carros, a descarga de todos os banheiros e a água de chuveiros
faz parte do meio ambiente. Incluso o nosso corpo, os alimentos que ingerimos, os
milhares de tipos de bactérias que vivem em nosso intestino, tudo isto faz parte do
meio ambiente. Meio ambiente é tudo. Em uma linguagem religiosa podemos dizer
que meio ambiente é tudo aquilo que Deus colocou em existência nos primeiros seis
dias da Criação.

No entanto, meio ambiente é tudo isso e ainda mais. Não são somente as coisas que
existem na natureza, mas principalmente a relação entre elas. Sim, porque o mundo
natural não é estático; todas as coisas exercem influência umas sobre as outras. O
Sol evapora a água dos oceanos, que cai na forma de chuva e é absorvida pelo solo,
que molhado libera os alimentos para as raízes das plantas, que para crescer
incorporam CO², que causa o aquecimento da atmosfera, que aquecida causa os
fenômenos climáticos, que, que, que... Uma complexa teia de causas e efeitos
classificada pelos cientistas como sistemas complexos - um conjunto de coisas e
relações complicadas e difíceis de serem estudadas.
148
Mas não é somente a geleira do Ártico que se derrete com o aquecimento da
atmosfera, a floresta amazônica que é dizimada pela agricultura e pecuária ou os
tubarões que são mortos indiscriminadamente. Nossa civilização planetária
desenvolveu-se tanto tecnologicamente e exerce cada vez mais pressão sobre a
natureza, utilizando-se de seus recursos, que é impossível que alguma atividade
humana não cause certo impacto sobre o ambiente, seja localmente ou globalmente.
Isto é ainda mais verdade há pelo menos 200 anos, quando o processo de
industrialização e da moderna urbanização que teve início na Europa, espalhou-se
gradualmente por todo o mundo.

Paradoxalmente, apesar de tecnologicamente avançados como nunca o fomos, nós


humanos dependemos cada vez mais da natureza. Criamos as ferramentas, a
agricultura, e as leis; inventamos histórias para nós mesmos na religião, na literatura,
filosofia, e outras ciências. Mas dependemos cada vez mais dos recursos naturais -
energia e matéria - para continuar mantendo o nosso próprio ambiente humano,
elaborado ao longo dos últimos milhares de anos.

149
Avanço tecnológico e gestão de recursos

Todas as sociedades passadas, presentes e futuras, subsistiram e subsistirão através


do uso de recursos naturais. A afirmação parece óbvia. No entanto, ao estudarmos os
diferentes períodos históricos – e também os pré-históricos – aprendemos que os
recursos naturais raramente foram usados com parcimônia pela humanidade. A luta
pela sobrevivência de nossos antepassados, fez com que diversas espécies de
mamíferos e aves fossem extintas na África, Europa, Austrália e América, entre 50 e
10 mil anos atrás. Na Antiguidade, gregos e romanos derrubaram imensas florestas
de cedro na orla do Mediterrâneo, para construírem suas frotas navais de comércio e
guerra. O aumento da população europeia a partir do século X provocou a expansão
da agricultura e com isso a derrubada de florestas, aterramento de pântanos e a
canalização de rios.

A exploração dos recursos só não era maior, porque faltava tecnologia. O carvão
mineral, por exemplo, parece ter sido usado como combustível nos séculos II e III em
certas regiões da então província romana da Germânia. Depois, sua utilização foi
esquecida, vindo a ser redescoberta no século XII, como substituto à lenha, que
estava escasseando em certas regiões da Europa. Seu uso, porém, não se tornou
disseminado, já que o carvão não era encontrável em todos os lugares e seus custos
de transporte eram muito altos. Assim, foi somente no século XVIII, com o advento da
industrialização na Europa, que o carvão mineral passou a ser explorado em
quantidades cada vez maiores.

Pouco desenvolvimento tecnológico faz com que se utilize menor diversidade de


recursos naturais ou que os já conhecidos sejam usados de forma limitada. A água,
pelo menos até antes do início da Revolução Industrial, era utilizada para regar as
plantações, dessedentar humanos e animais, carregar resíduos e – de forma ainda
primitiva – gerar trabalho com o acionamento de máquinas. Fazendo uso de sistemas
de roldanas e cabos, as cerrarias podiam acionar longas serras e as tecelagens
movimentavam as pesadas máquinas de tecer. No início do século XVIII, o inglês
James Watt aprimoraria a utilização do vapor d’água para aumentar a capacidade das
máquinas e assim ampliaria as aplicações da água.

150
Ainda no século XIX se inventaria uma máquina (turbina) que, aproveitando o
movimento da água, geraria eletricidade. Ao mesmo tempo aumentava a utilização da
água na nascente indústria química, na siderurgia e nas primeiras estações de
tratamento de água e de esgotos, instaladas nas grandes cidades europeias. As
diversas aplicações da água à movimentação da economia aumentavam
exponencialmente.

A partir dos anos 1950 do século XX toma importância cada vez maior a gestão dos
recursos hídricos, associada à implantação de grandes obras de infraestrutura,
expansão da revolução verde na agricultura e financiamento internacional de projetos
hídricos em países pobres e em desenvolvimento. No Brasil, foi o período em que
começaram a aparecer os projetos das estações de água e de efluentes, sem que
chegassem a atender toda a demanda – pelo menos até hoje.

A recente crise hídrica por que passam diferentes regiões do Brasil, reflete também a
má gestão do precioso recurso. Atualmente, dispomos de conhecimentos técnicos e
recursos, que, se bem utilizados, poderiam ter diminuído o impacto deste fenômeno.
Faltou vontade.

151
Extinção de espécies, o que perdemos?

Nossas atividades econômicas, de uma maneira ou outra, estão gradualmente


destruindo o meio ambiente natural. Derrubamos a floresta para criação de gado,
preparamos áreas para abertura de condomínios residenciais, canalizamos córregos
para construção de estradas; sempre alteramos os ecossistemas originais. Com isso,
o complexo sistema formado pelo solo, recursos hídricos, vegetação e animais
(inclusive a microfauna) é destruído parcial ou totalmente, fazendo com que perca seu
equilíbrio, o que provoca a morte de espécies que habitam o ecossistema. Outros
indivíduos da mesma espécie podem voltar a ocupar o ambiente alterado – caso ainda
encontrem condições de sobrevivência – ou desaparecer daquela região. Se estas
espécies forem do tipo endêmico, que existem somente em um determinado lugar,
teremos destruído um tipo de animal ou planta, produto de milhões de anos de
evolução, que nunca mais voltará a existir.

O desaparecimento de uma espécie vegetal ou animal, na maior parte dos casos, não
tem nenhum efeito sobre nossas atividades diárias – pelo menos é o que a maioria de
nós pensa. Que efeito terá sobre nosso dia a dia a extinção de uma planta que só
existia nos arredores da região sul da metrópole de São Paulo e que foi extinta com a
construção do Rodoanel (tal fato quase ocorreu efetivamente)? O que importa para o
país, às voltas com tantos problemas econômicos e sociais, o desaparecimento de
uma ave, recentemente identificada na Amazônia, mas que já está em processo de
extinção? Pouco ou nada, diremos.

Ainda somos ignorantes em relação às complexas conexões que existem neste


vastíssimo sistema chamado vida. Desconhecemos a maneira como a eliminação de
um tipo de vegetal ou ave pode influir no equilíbrio (sempre instável) de todo um
ecossistema. Quais espécies de animais se alimentavam das folhas e do néctar das
flores desta planta, e qual a posição destas espécies na cadeia alimentar daquele
ecossistema? Que tipo de inseto e semente foi o alimento da ave? Conhecer as
respostas a estas perguntas e muitas outras, poderia ajudar os cientistas a prever as
chances de sobrevivência dos ecossistemas dos quais planta e ave desapareceram.

152
Estudar propriedades químicas da seiva da planta e as cores da plumagem do pássaro
proporcionaria, eventualmente, novas substâncias para o combate de doenças e
conhecimento sobre microestruturas nas penas que, copiadas, melhorariam técnicas
de camuflagem. Estas oportunidades, importantes para a nossa vida diária e para os
problemas do país, desaparecem quando espécies se tornam extintas. Se cada
espécie, planta ou animal, para muitos não tem importância em si e nem por sua
função na cadeia da vida, pelo menos deveria ter importância sob aspecto científico e
econômico.

A cada mês de novembro, bilhões de indivíduos da espécie de borboleta monarca


(danaus plexippus) chegam às florestas das montanhas centrais do México, vindas do
Canadá e dos Estados Unidos. Nesta longa migração, os pequenos insetos voam
durante dois meses e percorrem até 4.000 quilômetros, para então hibernarem
durante o inverno. Cientistas detectaram uma queda no número de indivíduos a cada
ano, por causa das condições climáticas mais extremas (provocadas pelas mudanças
climáticas) e uso indiscriminado de inseticidas. Se esta espécie de borboleta
desaparecer da região, o que teremos perdido?

153
Crescimento da população, consumo e impacto ambiental

Em 1950 a população do mundo era de 2,5 bilhões, passando a seis bilhões de


habitantes em 2000. Os países que tem o maior crescimento populacional são os
africanos, liderados pela Libéria (4,50% ao ano), Burundi (3,90%) e Saara Ocidental
(3,72%). Na maior parte do mundo, todavia, o crescimento populacional está
diminuindo ao longo dos últimos 20 anos. É sintomático que duas nações, as quais
concentram 2,6 bilhões de habitantes (37% da população terrestre), têm atualmente
índice vegetativo baixo: a Índia com 1,46%, e a China com 0,58%. O Brasil também
reduziu sua taxa vegetativa drasticamente nas últimas duas décadas – atualmente em
1,24% ao ano.

A redução do crescimento da população mundial ainda não se fez notar com tanta
clareza, já que grande parte das pessoas nascidas nos últimos 50 a 70 anos ainda
continua viva. O que se espera é que a redução do crescimento vegetativo médio seja
perceptível a partir da metade deste século quando, segundo previsões, a população
humana deverá alcançar os nove bilhões e lentamente decair, segundo algumas
fontes. A ONU (Organização das Nações Unidas), todavia, prevê que a população
continuará a aumentar, chegando a aproximadamente 11 bilhões no final do século.
O maior crescimento ocorrerá no continente africano, cuja população deverá chegar
aos 4,2 bilhões de habitantes até 2100.

O problema do aumento da população não é apenas o da falta de alimentos, como se


temia no passado. Estes são e poderão ser produzidos em quantidades suficientes
para abastecer o mundo. A tragédia da fome é relacionada com a especulação
financeira sobre safras futuras, a falta de recursos, a corrupção e os conflitos, que
privam populações do acesso aos meios de produção e compra dos alimentos
básicos.

O impacto do crescimento populacional é mais amplo. Refere-se aos recursos naturais


necessários para alimentar, dessedentar, vestir, transportar, aquecer, refrigerar,
iluminar e divertir centenas de milhões de seres humanos, que também almejam uma
vida melhor.

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Segundo um estudo do instituto americano Wolfensohn Center for Development, em
2030 aproximadamente cinco bilhões de pessoas – cerca de 2/3 da população global
– poderão pertencer à classe média mundial, dispondo de 10 a 100 dólares por pessoa
por dia (dependendo do país) para gastar.

O efeito que esta demanda por produtos provocará no meio ambiente é imenso:
mineração, agricultura, criação de gado, pesca, indústrias de todos os tipos,
construção civil, transportes e fornecimento de energia e água. Além disso, há que se
considerar a geração de resíduos de todas estas atividades e o impacto no solo, nas
águas e na atmosfera, aumentando as emissões de gases de efeito estufa e
acelerando as mudanças climáticas. A expansão das atividades econômicas
aumentará a pressão sobre os ecossistemas remanescentes, apressando a
destruição de espécies, muitas delas extintas antes de terem sido estudadas.

Cientistas recomendam que para evitar o aumento descontrolado da população,


principalmente em países pobres, seja incentivada a educação das mulheres,
proporcionando-lhes mais liberdade individual, acesso à informação e a métodos
contraceptivos. Esta política deveria ser acompanhada de planejamento familiar
esclarecido, livre da tutela do Estado, da religião, de grupos de pressão ou membros
da família.

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