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A ARQUITETURA ALÉM DA VISÃO:

uma reflexão sobre a experiência no ambiente construído a partir


da percepção das pessoas cegas congênitas.

Kátia Cristina Lopes de Paula

Dissertação de Mestrado apresentada ao


Programa de Pós-Graduação em Arquitetura
da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da
Universidade Federal do Rio de Janeiro –
UFRJ, como parte dos requisitos necessários à
obtenção do título de Mestre em Ciências em
Arquitetura, área de concentração em Teoria e
Projeto.

Rio de Janeiro
Janeiro de 2003
A ARQUITETURA ALÉM DA VISÃO:
uma reflexão sobre a experiência no ambiente construído a partir
da percepção das pessoas cegas congênitas.

Kátia Cristina Lopes de Paula

Dissertação submetida ao corpo docente do Programa de Pós-


Graduação em Arquitetura da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo
da Universidade Federal do Rio de Janeiro – UFRJ, como parte dos
requisitos necessários à obtenção do grau de Mestre.
Aprovada por:

Profª. Drª. Cristiane Rose de Siqueira Duarte


(PROARQ/FAU/UFRJ)

Profª Drª Mirian de Carvalho (PROARQ/FAU/UFRJ)

Prof Dr Aldo Carlos de Moura Gonçalves (PROARQ/FAU/UFRJ)

Prof Dr Fernando Lara (FAU/UFMG)

Rio de Janeiro - 2003

ii
PAULA, Kátia Cristina Lopes de
A Arquitetura Além da Visão: uma reflexão sobre a
experiência no ambiente construído a partir da
percepção das pessoas cegas congênitas / Kátia
Cristina Lopes de Paula – Rio de Janeiro: UFRJ/FAU,
2003.
xiv, 208 f.: il.; 23 cm.
Orientadora: Cristiane Rose de Siqueira Duarte
Dissertação – UFRJ/ PROARQ/ Programa de Pós-
graduação em Arquitetura, 2003.
Referências Bibliográficas: f. 193-208.
1. Arquitetura 2. Ambiente Construído 3.
Experiência Ambiental 4. Percepção e Cognição
Ambiental 5. Cegueira. I. DUARTE, Cristiane Rose de
Siqueira. II. Universidade Federal do Rio de Janeiro,
Faculdade de Arquitetura e Urbanismo, Programa de
Pós-graduação em Arquitetura. III. Título.

iii
DEDICATÓRIA

Aos meus amados pais e sobrinhas:


Clóvis e Sonia de Paula
Ana Clara e Giordana Bayer de Paula

Perdoem a cara amarrada;


Perdoem a falta de abraço;
Perdoem a falta de espaço;
Os dias eram assim...
(Ivan Lins)

iv
AGRADECIMENTOS

À professora, orientadora e amiga Cristiane Rose de Siqueira Duarte. Quantas


coisas aconteceram nestes dois anos, não? E você sempre ao meu lado, com
seu carinho e sua compreensão. Obrigado por tudo, pela luta, pelas risadas,
pelos incentivos e por você ser quem é!

Aos queridos membros da banca de qualificação: Paulo Afonso Rheingantz


(seu “jeito Paulo Afonso de ser” me fez refletir e aprender muito, serei
eternamente grata) e Aldo Carlos de Moura Gonçalves (por todo o seu
carinho e compreensão) que trouxeram valiosas contribuições e
enriqueceram, com seus talentos, este trabalho.

A CAPES – Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior –


pela contribuição no nosso primeiro ano de pesquisa.

A FAPERJ – Fundação de Amparo à Pesquisa no Estado do Rio de Janeiro –


pela contribuição dada no nosso segundo ano de pesquisa.

A UNOPAR – Universidade do Norte do Paraná – pelo apoio e incentivo.

v
A todos os professores do PROARQ pela grande contribuição à minha vida
acadêmica, especialmente aos professores: Vicente del Rio; Mirian Carvalho,
Beatriz Oliveira e Claudia Krause.

A minha família, que nos momentos mais delicados me deram grande carinho
e incentivo, especialmente a Alair de Paula, Sandra Capriglione, Clayton e
Giovanna de Paula.

Ao Érico Esteves Duarte, por estar sempre presente, me compreender e me


trazer a paz que tanto preciso.

À minha grande amiga Mônica Queiroz, obrigado por tudo!

A todos os professores e colegas da UNOPAR, pelo incentivo, sentirei saudades!

Ao Artur Renato Ortega pelos bons momentos.

Aos meus eternos amigos: Leyla Marroni e Emerson Francisco Dias.

À Regina Cohen que desde o nosso primeiro encontro se mostrou amiga,


compreensiva. Obrigado pelo apoio e incentivo para que me candidatasse
ao mestrado.

Aos meus colegas de curso de Mestrado, em especial à Paula Manceira e a


Ethel Pinheiro que não mediram esforços em apoiar-me.

As alunas de arquitetura que muito me auxiliaram no experimento, meu muito


obrigado.

A Leonor Chaves, obrigado por tudo.

vi
Ao Fernando Lara e sua esposa Letícia Marteleto, meu muito obrigado.

Aos funcionários da secretaria do PROARQ Maria da Guia Monteiro e Dionízio


Nascimento, pelo apoio.

A todos os meus informantes, serei sempre grata pela compreensão e seus


ensinamentos.

A Luiz Marcelo Fracalanza Muzi, Moira Braga, José Francisco Gonçalves e


André Assis, pelo carinho e colaboração na parte Braille deste trabalho.

Enfim, gostaria de agradecer a todos que me acompanharam até aqui.


Especialmente ao Evgen Bavcar, Katja Plotz e Rosalia Fresteiros.

vii
RESUMO

A ARQUITETURA ALÉM DA VISÃO:


uma reflexão sobre a experiência no ambiente construído a partir da
percepção das pessoas cegas congênitas
Kátia Cristina Lopes de Paula
Orientadora: Cristiane Rose de Siqueira Duarte

Resumo da Dissertação de Mestrado submetida ao Programa de Pós-


graduação em Arquitetura, Faculdade de Arquitetura e Urbanismo, da
Universidade Federal do Rio de Janeiro – UFRJ, como parte dos requisitos
necessários à obtenção do título de Mestre em Ciências em Arquitetura.

Desenvolvido com base no conceito da experiência espacial, este


trabalho procura demonstrar como os cegos congênitos vivenciam e
constroem mentalmente o ambiente arquitetônico. Analisa, através
dos conceitos e teorias desenvolvidas por TUAN, RAPOPORT, SCRUTON,
MACHADO e VILLEY, as percepções compartilhadas pelos cegos do
ambiente construído. O trabalho comenta, ainda, todo a capacidade
imaginativa dos cegos na construção do espaço arquitetônico. Os
elementos embasadores do estudo foram obtidos por meio da
pesquisa de campo que compreendeu entrevistas semi-estruturadas
realizadas com cegos congênitos; experimentos efetuados no Centro
Cultural do Banco do Brasil (CCBB), na Cidade do Rio de Janeiro, e os
mapeamentos cognitivos que se transformaram em fundamentos e
complementaram as informações necessárias. Em síntese, este estudo
objetivou, ao abstrair a visão da percepção arquitetônica, fazer
emergir outras propriedades espaciais que proporcionam bem-estar
ao homem.

Palavras Chaves: Arquitetura; Ambiente Construído; Experiência; Percepção e


Cognição Ambiental e Cegueira.

PROARQ/FAU-UFRJ
Rio de Janeiro
Janeiro de 2003

viii
ABSTRACT

THE ARCHITECTURE BEYOND SIGHT:


reflection about the built environment experience from perception of
congenital-blind individuals.
Kátia Cristina Lopes de Paula
Advisor: Cristiane Rose de Siqueira Duarte

Abstract of Thesis presented to PROARQ/FAU/UFRJ as a partial fulfillment


of the requirements for the degree of Master of Science of Architecture.

This dissertation regards the concept of spatial experience. It searches


to demonstrate how congenital-blind individuals grasp experiences in
the architectonic environment and mentally built it. It analyses the
shared perceptions by blind individuals about the man-built
environment. The dissertation also deals with all imaginative potential of
blind individuals in mentally built the architectonic environment. This
analytical approach has as conceptual background Tuan, Rapoport,
Scruton, Machado e Valley. The research was developed trough
interviews and field experimentations along with blind individuals at
Cultural Center of the Bank of Brazil, in Rio de Janeiro. They also were
invited to chart this environment by way of their cognitive skills.
This study had as ultimate orientation to register and to analyze others
spatial proprieties that conform men’ wellness besides the visual
perception of the architectonic environment.

Key Words: Architecture; Environment-behavior; Experience; Perception


and Cognition Environment; Blindness.

PROARQ/FAU-UFRJ
Rio de Janeiro
January of 2003

ix
SUMÁRIO

LISTA DE FIGURAS ix
RESUMO – BRAILLE xi
RESUMO xiv
ABSTRACT xv
INTRODUÇÃO 01

x
PARTE I – RELAÇÕES DE PERCEPÇÃO, COGNIÇÃO E
COMPORTAMENTO NO AMBIENTE CONTRUÍDO

1 SENSAÇÕES E PERCEPÇÕES NO ESPAÇO COMO 12


FORMADORAS DA ESTRUTURA DO CONHECIMENTO
1.1 Os Racionalistas ou Intelectualistas 16
1.2 Os Empiristas e a Hipótese de Molyneux 18
1.3 Intelectualistas versus Empiristas e o Estado da Arte 23

2 PROCESSOS QUE ATUAM NA INTER-RELAÇÃO 28


HOMEM-AMBIENTE
2.1 Percepção Ambiental: conceitos e evolução histórica 30
2.1.1 Recorte Teórico 34
2.2 Receptores Sensoriais: delineando conceitos 40
2.3 Os Sistemas Sensoriais e a sua Influência na Percepção 48
Ambiental
2.3.1 Visão 51
2.3.2 Tato 55
2.3.3 Audição 59
2.3.4 Olfato 62
2.3.5 Cinestesia 64
2.4 Variáveis que Atuam no Processo Perceptivo 66
2.4.1 Variáveis Sensoriais 68
2.4.2 Variáveis Pessoais 70
2.4.3 Variáveis Culturais 73

3 COGNIÇÃO AMBIENTAL 76

4 CONSIDERAÇÕES SOBRE A EXPERIÊNCIA HUMANA NO 83


AMBIENTE CONSTRUÍDO

xi
PARTE II – ANÁLISE DA EXPERIÊNCIA ESPACIAL DOS CEGOS
CONGÊNITOS

5 MATERIAIS E MÉTODOS 101


5.1 Conceitos Adotados 102
5.2 Procedimentos da Pesquisa 105
5.2.1 Recorte espacial e social: caracterização dos informantes 105
5.2.2 Coleta de dados 111
5.2.3 Instrumento da pesquisa: passos metodológicos 112
5.3 Entrevistas Semi-Estruturada 114
5.4 Observação Participativa 116
5.4.1 Mapeamento 120

6 RESULTADOS E DISCUSSÕES 122


6.1 Percepção Ambiental 123
6.1.1 Sensações Sonoras 131
6.1.2 Sensações Táteis e Proprioceptivas 146
6.1.3 Sensações Olfativas 157
6.2 Construção Mental do Ambiente 161
6.3 Pontos de Referência 173
6.4 Vivências Espaciais: a construção do Lugar 175

CONSIDERAÇÕES FINAIS 183

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 194

xii
LISTA DE FIGURAS

FIGURA 02-01: Esquema teórico do processo perceptivo 37


FIGURA 02-02: Localização dos receptores 42
FIGURA 02-03: Instituto do Mundo Árabe 54
FIGURA 02-04: Detalhe de uma cariátide na Acrópole, Athenas 55
FIGURA 02-05: O movimento do corpo 64
FIGURA 02-06: Esquema dos tipos de filtragens dos estímulos 67
FIGURA 03-01: Processo Cognitivo do Meio Ambiente 78
FIGURA 05-01: Vista externa do CCBB 110
FIGURA 05-02: Metas do Plano de Locomoção 118

xiii
FIGURA 06-01: Anotações de Percurso 124
FIGURA 06-02: Anotações de Percurso 125
FIGURA 06-03: Anotações de Percurso 126
FIGURA 06-04: Anotações de Percurso 127
FIGURA 06-05: Anotações de Percurso 128
FIGURA 06-06: Anotações de Percurso 129
FIGURA 06-07: Vista geral do Foyer 131
FIGURA 06-08: Vista geral do Acesso da Rua Presidente Vargas 133
FIGURA 06-09: Vista geral da cafeteria, livraria e restaurante 143
FIGURA 06-10: Vista geral da bilheteria 144
FIGURA 06-11: Vista detalhe da Pilastra 146
FIGURA 06-12: Vista geral do Foyer 152
FIGURA 06-13: Vista geral do café 158
FIGURA 06-14: Mapeamento Cognitivo 169
FIGURA 06-15: Mapeamento Cognitivo 170
FIGURA 06-16: Mapeamento Cognitivo 170

xiv
INTRODUÇÃO

“O espaço não é objeto de visão mas


objeto de pensamento.” (Merleau-Ponty,
1989)

De que maneira uma pessoa cega pode experimentar o espaço


construído?

Até que ponto, a agradabilidade da arquitetura e do espaço urbano


estaria vinculada a suas qualidades plásticas, captáveis através do
sentido da visão?
Quais atributos, outros que aqueles percebidos apenas pela visão,
proporcionariam qualidade e agradabilidade ao espaço construído?

Ao iniciarmos nossas pesquisas com cegos há sete anos, ao longo de


um trabalho final de graduação do curso de Arquitetura, que teve
como objetivo averiguar a apreensão do centro urbano de Londrina
por parte de usuários cegos, foi possível perceber que as perguntas
acima colocadas apontavam para um vasto campo de estudos.

Concordamos com VON MEISS (1997:15) quando salienta que a


1
“arquitetura é imagem apenas em um desenho ou fotografia” (grifo
nosso). Entendemos, como ele, que os arquitetos estão esquecendo
que a arquitetura não é apenas, como afirmava LE CORBUSIER (1981:16),
um “jogo sábio, correto e magnífico dos volumes reunidos sob a luz....”.

Reconhecemos, entretanto, que a experiência da arquitetura, para


um vidente2, é intensificada pelo sentido da visão, pois esta ocupa 80%
de toda a sua informação recebida sensorialmente3. Mas defendemos
a idéia de que, através de um projeto consciente, outros sentidos
podem ser, também, enfatizados, proporcionando uma vivência mais

1
Tradução livre da autora.
2
Assim como diversos autores que se debruçam sobre a questão da cegueira,
estaremos usando, no presente trabalho, o termo “vidente” para nos relacionarmos às
pessoas que enxergam.
3
Segundo VEIGA (1983:274): “80% de toda a nossa informação sensorial passam por
nossos olhos”.
2
profunda do usuário com o ambiente construído4. A esse respeito, vale
ressaltar que, em alguns casos, na contemplação da arquitetura, a
audição, os cheiros e o tato, são mais importantes que a própria visão
(VON MEISS, 1997:15).

Como observou HERTZBERG (1991:230),

as percepções do espaço consistem não só no


que vemos, como também no que ouvimos,
sentimos, e até mesmo no que cheiramos –
assim como nas associações que despertam.
Desta maneira, a arquitetura também é capaz
de mostrar o que não é realmente visível, e
despertar associações de que não tínhamos
consciência antes.

No entanto, embora essas e outras teorias falem sobre as


características sensoriais do espaço, elas sempre dão ênfase aos
aspectos visuais de sua composição. Conforme nos asseverou TUAN
(1983:12), “o meio ambiente arquitetônico moderno pode agradar aos
olhos, mas freqüentemente carece da personalidade estimulante que
pode ser proporcionada pelos odores variados e agradáveis”.

4
Por ambiente construído, compreendemos: “todo espaço criado e construído pelo
homem, portanto, aborda arquitetura e urbanismo [...], pois, afinal sabe-se que
atualmente o homem passa 95% de seu tempo em ambientes artificiais” (SOUZA,
1995:01).
3
Nesse contexto, percebemos que a arquitetura, em prol de uma
estética estabelecida por modelos e padrões meramente visuais, vem
ignorando diversas características que aprofundariam a vivência dos
seus usuários com o espaço circundante. Com isso entendemos que a
Arquitetura se encontra em um momento de estagnação. Como nos
diz COELHO NETTO (1979: 70):

Todas as disciplinas humanas mudam porque


muda o homem – menos a arquitetura: os
conceitos de proposição, utilização e fruição
do espaço continuam essencialmente os
mesmos. O arquiteto ainda é uma espécie de
ditador ao qual o usuário se submete em
termos absolutos e definitivos: ele nada pode
contra o “projeto”. No entanto, o espaço vive,
respira – e isso quer dizer que exige mudanças.

A compreensão deste espaço vivo, que exige mudanças em defesa


aos seus utentes, levou-nos, logo no início da vida acadêmica, a
buscar respostas que confirmassem a importância dos outros sentidos
na apreciação da arquitetura.

Desde então passamos a pesquisar o que seria a arquitetura para os


cegos (ou, como os cegos vivenciam a arquitetura). Influenciados

4
pelos conceitos do Barrier Free Design5, acabamos por investir nossos
trabalhos na maneira de adequar o meio urbano, eliminando as suas
barreiras para os cegos. Desta forma, fomos conduzidos pelos
paradigmas estabelecidos por diversas normativas e pudemos concluir
que, mesmo sendo a legislação brasileira bastante desenvolvida,
poucas leis são efetivamente cumpridas, o que leva invariavelmente à
transgressão de direitos os mais básicos, como o de ir e vir, por
exemplo. Abandonamos então as perguntas iniciais e nos dedicamos
mais à acessibilidade. Contudo, no decorrer da nossa vida profissional
(em escritório e na universidade), constatamos que não são as regras
de acessibilidade que vão sensibilizar os arquitetos, e sim a
compreensão do que é ser humano, eliminando o mito do “homem
6
padrão ”.

Essas experiências, porém, conduziram-nos, novamente, ao início dos


nossos questionamentos. Ou seja: o que é a arquitetura para o cego?
Como ele a vivencia?

Acreditamos que, ao abstrairmos da arquitetura suas preocupações


meramente estéticas, estaremos fazendo emergir outras características
que proporcionam bem-estar ao homem.

5
Para GUIMARÃES (1991:08), a tradução do Barrier-free Design consiste no projetar
livre de barreiras, ou seja, Arquitetura sem Barreiras
6
“De acordo com pesquisas desenvolvidas por arquitetos europeus, hoje, 80% da
população mundial fogem ao modelo do “homem-padrão”. São pessoas com
capacidade física reduzida, idosos, obesos ou excessivamente altos ou baixos -
incluindo as crianças.”(CAMISÃO, 1994:13)
5
Por este motivo é que, neste trabalho, propusemo-nos a fazer uma
reflexão sobre como a arquitetura pode ser experimentada e
vivenciada por outros sentidos que transcendam o da visão.

Além disso, norteamo-nos também por outros objetivos que são:

• distinguir quais os atributos da arquitetura que podem


ser percebidos e apreciados pelos cegos e quais deles
conferem qualidade à Arquitetura;

• averiguar como os outros sentidos, que não o da visão,


podem ser colocados a serviço da compreensão da
arquitetura e do conhecimento do espaço construído;

• subsidiar a ação projetual para a criação de espaços


acessíveis em relação às dificuldades deste grupo,
enfatizando a necessidade de uma abordagem
específica por parte do profissional de arquitetura e
projeto urbano.

Vale ressaltar, entretanto, que nossos estudos não tiveram e não têm a
intenção de defender a criação de uma “Arquitetura para cegos” e
sim, sem pretender esgotar o tema, contribuir para a formação de um
campo teórico que enfoque e investigue experiências outras que as

6
meramente visuais.

Desta forma, cabe sublinhar que a motivação para desenvolver o


presente trabalho foi norteada pela nossa convicção de que se faz
necessário e emergencial um enfoque holístico do homem na
construção dos espaços, o que não vem sendo verificado nos projetos
produzidos pelos profissionais de Arquitetura e Desenho Urbano em
nosso País. Sustentamos que toda a reflexão que crie elementos para
a produção de espaços mais perceptíveis e agradáveis aos cegos,
também estará produzindo subsídios para ampliar a qualidade
arquitetônica para os não-cegos. Entendemos que o reconhecimento
e a compreensão da existência destes mundos perceptivos diferentes
possibilitarão criar novos parâmetros de agradabilidade que possam
ser adequados aos processos projetuais para todos. Auxiliando na
formação de um campo teórico para o trabalho de pesquisa,
acreditamos estar também contribuindo para reforçar o compromisso
social do arquiteto.

A organização deste trabalho se deu em duas partes. A primeira parte


- Relações de Percepção, Cognição e Comportamento no Ambiente
Construído – é composta pelos capítulos 1, 2 e 3, nos quais são
apresentadas as bases conceituais da pesquisa e sua fundamentação
teórica.

Nosso quadro teórico conceitual está apoiado nas considerações de


Tuan, que defende que a experiência da arquitetura engloba todos as
sensações, percepções, concepções, emoções e pensamentos dos

7
usuários; nas colocações de Rapoport, ao dividir, a nível investigatório,
os processos de interação homem-ambiente em percepção,
cognição e avaliação; nas reflexões de Machado, que estabelece
uma metodologia de análise para avaliar as diferentes maneiras de o
homem experimentar e interpretar os espaços; e na contribuição do
psicólogo Villey, cego congênito, ao afirmar que a arquitetura, por
suas grandes proporções, abrange todo o poder de imaginação dos
cegos, resultando, sempre, numa compreensão intelectual e
individual.

No capítulo 1, buscamos compor um quadro referencial-teórico, no


qual apresentamos como os filósofos, desde a Antigüidade até os dias
atuais, vêm descrevendo a maneira com que as diversas modalidades
sensoriais se relacionam com os processos cognitivos.

O capítulo 2 apresenta uma investigação, através das disciplinas de


Percepção Urbana e Comportamento Ambiental, do modo como o
homem vidente ou não vidente percebe o meio ambiente, processa
suas informações, concebe e avalia, e interage com ele.

No capítulo 3 fazemos uma reflexão sobre a arquitetura como


experiência humana no ambiente construído; experiência, esta, que
amplia o conceito de ver para vivenciar a Arquitetura.

Na segunda parte do trabalho - Análise da Experiência Espacial dos


Cegos Congênitos –, apresentamos e comentamos os dados
coletados na pesquisa de campo e seus resultados.

8
É preciso ressaltar aqui, como será detalhado mais adiante, que a
pesquisa que desenvolvemos se estabeleceu a partir de um recorte
constituído unicamente de indivíduos cegos congênitos (cegos “de
nascença”). A opção por este universo deveu-se ao fato de que, para
conhecer o mundo dos cegos, não nos bastaria simplesmente fechar
os olhos, pois seus processos cognitivos são diferentes. Neste caso, ao
fecharmos os olhos, estaríamos experimentando o espaço da mesma
forma que aqueles indivíduos que tornaram-se cegos no decorrer de
suas vidas, que possuem referências visuais anteriores à cegueira e
passam a compreender o espaço a partir de suas antigas vivências.
Trabalhamos apenas com indivíduos que jamais tiveram visão e que,
portanto, possuem referências espaciais diferentes das comumente
utilizadas.

A partir dos depoimentos dessas pessoas cegas (questionários


aplicados, observações de percurso e mapeamento cognitivo), foi
possível analisar seu entendimento de espaço e como funciona a
apropriação desse espaço (ver detalhamento da metodologia no
corpo deste trabalho).

Por meio da análise dos dados obtidos nas diversas etapas da


pesquisa e com base nos conceitos delimitados, pudemos identificar
as maneiras de compreender e experimentar o ambiente construído.
Foi-nos igualmente possível compreender a importância da
imaginação criadora de valores e significados desencadeada a partir
da experiência espacial.

9
Nas considerações finais, serão discutidos os atributos espaciais
passíveis de favorecer a transformação do espaço em lugar. Essas
análises certamente criarão subsídios para o estabelecimento de
algumas estratégias para o planejamento de espaços plenamente
acessíveis para todos.

As conclusões deste trabalho permitem-nos confirmar que, tal como


dissemos no início, “o espaço não é objeto de visão mas objeto de
pensamento” (Merleau-Ponty, 1989); e que, não apenas para os
cegos, como para todos nós, o espaço envolve a imaginação. Assim,
esperamos que o presente trabalho possa fornecer subsídios para que
7
nós, arquitetos, tenhamos mais elementos para manusear os projetos
do espaço construído, fazendo com que a Arquitetura seja um
instrumento para viver emoções.

7
“Denominamos de manualidade o modo de ser do instrumento em que ele se revela
por si mesmo...” HEIDEGGER, 2000:11
10
11
1 SENSAÇÕES E PERCEPÇÕES NO ESPAÇO COMO
FORMADORAS DA ESTRUTURA DO
CONHECIMENTO

Alguns problemas filosóficos fundamentais


não passam, basicamente, de problemas
de definição. [...] De nada vale dizer que
as definições têm caráter convencional,
de modo que qualquer definição é tão
boa (ou tão má) quanto outra [...]
Encontrar uma definição adequada é,
muitas vezes, assunto bastante delicado
(SALMON, 1969:130).

Compreender a maneira pela qual os diferentes sistemas sensoriais


captam as informações espaciais é de fundamental importância para
que possamos explorar o tema deste trabalho. As diversas teorias que

12
descrevem como as modalidades sensoriais se relacionam com os
processos cognitivos8 vêm dominando o pensamento de filósofos
desde a Antiguidade até os dias atuais.

Por este motivo é que, mesmo não pretendendo traçar um panorama


de como a filosofia, ao longo da história, vem estudando essas
questões, buscamos, através de suas principais definições, construir um
quadro referencial-teórico para este trabalho.

Na Antiguidade, os processos cognitivos já eram discutidos por Platão


(427-347 a.C.) e Aristóteles (384-322 a.C.). Para Platão, o verdadeiro
conhecimento não provinha do ensinamento nem da aprendizagem,
ele era inato9. Ele argumentava que era somente pela matemática
(raciocínio e intuição) que o homem seria capaz de alcançar “o Ser e
a verdade” (CHAUÍ, 2000:112). Quanto ao espaço, acreditava que ele
seria o “intermediário entre as formas e as realidades sensoriais. O
espaço, como receptáculo, é contínuo, sem qualidades” (GALCERÁN,
1981:44). Como vemos, portanto, o espaço, para Platão levava em
conta a presença de um receptáculo – o homem – o qual, por meio
de suas sensações, dava significado ao lugar.

Para Aristóteles, no entanto:

8
Com base na Teoria do Conhecimento, o processo cognitivo é também denominado,
por muitos autores, como processo de conhecimento.
9
Surgiu a partir de então a tese do nativismo, ou seja: “as capacidades racionais
nasciam com o homem.” (BAILLY, 1979:87)
13
Todos os homens têm, por natureza, o desejo
de conhecer. O prazer causado pelas
sensações é a prova disso, pois, mesmo fora de
qualquer utilidade, as sensações nos agradam
por si mesmas e, mais do que todas as outras,
as sensações visuais (apud CHAUÍ, 2000:116).

Dessa forma, Aristóteles passou a considerar a experiência como


formadora da estrutura do conhecimento10. Contrariando os filósofos
de sua época, ele não desconfiava de seus sentidos e sim, fazia uso
deles “para observar, coletar espécimes e experimentar, embora se
deva dizer que por vezes confiava mais na razão do que na
experiência” (SOLOMON & HIGGINS, 2001:72).

Foi Aristóteles, também, o primeiro pensador ocidental a tratar do


espaço de forma sistematizada. Considerava ele que, como um
atributo do corpo, o espaço continha em si uma estrutura natural.
Desta forma desenvolveu os seus conceitos, não mais sobre espaço,
mas sobre lugar. Sua tese continha oito postulados:

10
Aristóteles acreditava na teoria da “tábula rasa”, ou seja, é pela experiência que o
homem conhece seu mundo, não possuindo ele nenhuma aptidão ao nascer. Seus
conceitos, como veremos, influenciaram toda a tradição do empirismo inglês que teve
início com Locke.
14
1) O lugar é indeterminado [...] Porém, não é
indiferente [...] 2) O lugar não é simplesmente
um ‘algo’, senão um algo que exerce certa
influência, isto é, que afeta o corpo que nele
está. 3) O lugar, embora determinado, não está
determinado para cada objeto, mas [...] para
classes de objetos. 4) Embora o lugar seja
‘propriedade’ dos corpos, isto não significa que
o corpo arraste consigo o seu lugar [...] 5) O
lugar é uma propriedade que não é inerente
aos corpos nem pertence à sua substância [...]
6) [...] pode ser comparado com um vasilhame,
sendo vasilhame um lugar transportável. 7) [...]
define-se como uma maneira de ‘estar em’. 8)
[...] pode definir-se como ‘o primeiro limite
imóvel do continente, como o limite do corpo
continente’ (apud GALCERÁN, 1981:44-45).

Assim, ao fazer uso do método dialético, Aristóteles, negou e afirmou a


subsistência de um lugar ontológico, ou seja, de um lugar onde
encontramos “o ser como ser” (MORA, 1998:523). Bergson, em sua tese
de doutorado, ao tratar do significado do espaço na filosofia
aristotélica, concluiu que:

Aristóteles substituiu o espaço pelo lugar com o


fim de evitar a emancipação prematura do
espaço. Com isso o espaço é reinserido nos
corpos, na forma de lugar. Mas ao sepultar o
espaço nos corpos, fica sepultada a própria
questão. (apud GALCERÁN, 1981:45)

15
Enfim, desses legados antagônicos de Platão e Aristóteles, surgiram os
racionalistas - que acreditavam nas idéias inatas – e os empiristas – que
acreditavam na “tábula rasa11” – e que formaram, na modernidade, a
matriz cultural do Ocidente, a qual buscou explicar como o homem
conhece e reflete sobre o mundo a sua volta (BARKI, s.d.: 03).

1.1 Os Racionalistas ou Intelectualistas

Como vimos anteriormente, os racionalistas (ou intelectualistas)


partiram dos legados de Platão e passaram a defender que o
conhecimento dependia do intelecto, da matemática. Segundo eles,
a razão, além de responsável pelo conhecimento, também controlava
a experiência sensível. Assim, eles demonstraram que:

11
Estado de vazio total que caracteriza a mente humana antes de qualquer
experiência.
16
A sensação conduz à percepção como síntese
ativa, isto é, que depende da atividade do
entendimento. [...] a sensação e a percepção
são sempre confusas e devem ser
abandonadas quando o pensamento formula
as idéias puras. Neste caso, o sujeito é ativo e a
coisa externa é passiva, ou seja, sentir e
perceber são fenômenos que dependem da
capacidade do sujeito para decompor um
objeto em suas qualidades simples (a
sensação) e de recompor o objeto como um
todo, dando-lhe organização e interpretação
(CHAUÍ, 2000:120-121).

A história de Helen Keller - nascida cega, surda e muda – foi a maior


prova dos intelectualistas contra os empiristas. Ao aprender a utilizar a
linguagem sem nunca ter visto, escutado ou emitido qualquer tipo de
som:

[Helen Keller, chegou à linguagem] Quando


compreendeu a relação simbólica entre duas
expressões diferentes: numa das mãos, sentia
correr a água de uma torneira, enquanto a
outra mão, na qual segurava uma agulha,
guiada por sua professora, ia traçando a
palavra água; quando se tornou capaz de
compreender que uma mão traduzia o que a
outra sentia, tornou-se capaz de usar a
linguagem (CHAUÍ, 2000:142).

17
Ao aprender a utilizar a linguagem, ou, mais do que isso, ao descobrir o
mundo, Helen Keller, não foi somente a maior prova dos intelectualistas
versus os empiristas; esta experiência representa, para o nosso estudo
de caso, um exemplo de como é possível perceber e dialogar com os
espaços sem a visão, e também, neste caso, sem a audição.

Finalmente, para a concepção racionalista, os dados que nos chegam


pelas sensações devem ser organizados pelo intelecto. Assim, pela
sensação “sentimos” e pela percepção “compreendemos”.

1.2 Os Empiristas e a Hipótese de Molyneux

Os empiristas, ao contrário dos racionalistas, defendiam os postulados


do filósofo Aristóteles, que acreditava na experiência sensível como
formadora do conhecimento humano. Desta maneira, inauguraram,
com a modernidade filosófica, as teorias empirísticas, dentre as quais
iremos dar maior enfoque, pela sua importância, inclusive na
atualidade, à hipótese levantada por Willian Molyneux, na
investigação sobre a relação entre percepção e o conhecimento.

18
Os empiristas consideravam que todo o conhecimento era derivado
da experiência sensível12 e, esta, causava e controlava as idéias da
razão. Ou seja, para eles “a sensação conduz à percepção como
uma síntese passiva, isto é, que depende do objeto exterior. [...] e as
idéias são provenientes das percepções” (CHAUÍ, 2000:121).

O próprio termo “empirismo”, aliás, é derivado do grego “’εµπειρια”


que se traduz por “experiência” (MORA, 1998:205). Por isso, esses
empiristas, geralmente sustentavam que:

Não só [...] o conhecimento se adquire


mediante a experiência e se justifica ou valida
pela experiência, mas também que não existe
outra realidade senão a acessível aos sentido
(MORA, 1998:205).

A “duradoura tradição do empirismo inglês, que descartou a antiga


desconfiança dos sentidos que havia persistido no Ocidente desde
antes de Platão” (SOLOMON & HIGGINS, 2001:128), iniciou-se com John
Locke (1632-1704) quando ele se propôs a estudar detalhadamente as
formas que possuímos de conhecimento.

12
Segundo Marilena Chauí (2000:120) a experiência sensível pode ser, também,
chamada de conhecimento sensível ou conhecimento empírico e suas formas
principais são a sensação e a percepção.
19
Assim, ele provou seus conceitos ao sugerir, no ano de 1690, um
experimento para o qual foram utilizados três recipientes: o primeiro
contendo água fria, o segundo água morna e o terceiro água quente.
A experiência sugerida consistia em se colocar uma das mãos no
recipiente com água fria e a outra no de água quente e, depois de
um certo tempo, com o desaparecimento da diferença de
temperatura inicialmente sentida, inseri-las, a um só tempo, no
recipiente contendo água morna. Resultado: a sensação de que a
água contida no mesmo recipiente possui temperaturas diferentes.
Com esta demonstração, Locke pretendia provar que “as qualidades
aparentes dos objetos não se encontram nos próprios objetos, e sim,
na mente das pessoas que os percebem” (Valera et al, 2002:05) e
desta forma, diferenciar a sensação - captada pela adaptação
térmica das mãos - da percepção de temperatura. Ou seja, para ele,
todos os conhecimentos provêm dos sentidos.

Mas, Locke não ficou conhecido somente pelas questões acima


apontadas. Foi, da amizade que mantinha com o também filósofo
Willian Molyneux, que surgiu uma das maiores questões, até hoje
debatidas, sobre a relação entre percepção e conhecimento.
Molyneux encaminhou a Locke uma hipótese que dizia:

um cego de nascença que se tenha tornado


homem feito, e a quem se ensina a distinguir,
pelo contato, um cubo e um globo do mesmo
metal e quase da mesma grandeza, de modo
que, ao tocar em um ou em outro, possa dizer
qual é o cubo e qual é o globo. Supõe-se

20
que, estando o cubo e o globo colocados
sobre uma mesa, o referido cego venha a
usufruir da vista; e se lhe perguntam se, vendo-
os sem tocá-los, poderá discerni-los e dizer qual
é o cubo e qual é o globo? (apud DIDEROT,
2000:127)

A resposta a essa pergunta gerou diversos debates e serviu como um


“divisor de águas no pensamento filosófico do século XVIII. [...] Locke,
Mérian, Leibniz, Berkeley, Diderot e Condillac dele fazem o objeto de
suas investigações, em busca de importantes descobertas na teoria da
percepção” (BRUZZI, 2001:126).

Locke, Mérian, Leibniz e Berkeley, assim como Molyneux, concordavam


que, embora o cego tenha aprendido a diferenciar uma forma da
outra, ele ainda não estaria capacitado para distinguir pela visão o
que, pelo tato, reconheceria automaticamente.

Berkeley (1685-1753), que com sua obra “Ensaio Sobre Uma Nova
Teoria da Visão”, causou uma revolução nas teorias que até então
vigoravam, chegou à conclusão que:

Do que foi tomado como premissa constitui


uma conseqüência manifesta que um homem
que nasceu cego, vindo a enxergar, não teria
de início nenhuma idéia de distância pela visão
[...] Os objetos fornecidos pela vista lhe
pareceriam – como na verdade são – não
outra coisa que uma nova série de
pensamentos ou sensações (BERKELEY, 1948:47).

21
Dessa maneira, Berkeley conduziu sua tese da heterogeneidade dos
sentidos - pois não tocamos com os olhos - e de que o único critério de
certeza é a experiência. Para ele, não existe percepção sem
experiência e a distância só se torna visível quando experienciada. A
noção de distância passa a ser um produto da cinestesia13 e do
tangível.

Em contraponto a estes comentários encontra-se o Sr. Abade de


Condillac que asseverou: se o cego é capaz de enxergar corpos e se,
simplesmente, hesita em julgá-los é porque não tem a experiência de
ver, tal como uma criança recém-nascida (apud DIDEROT, 2000).

Diderot examinou a hipótese de Molyneux partindo das considerações


deduzidas pelos filósofos nominados. Para ele existiam tantas outras
maneiras pelas quais essa mesma hipótese poderia ser considerada e
reformulada, que ela nunca seria esgotada. Conforme argumentou:

é preciso talvez que o olho aprenda a ver,


como a língua a falar; que não seria espantoso
que o auxílio de um dos sentidos fosse
necessário ao outro, e que o tato que nos
assegura da existência dos objetos fora de nós
quando se acham presentes aos nossos olhos, é
talvez ainda o sentido a que está reservado nos
constatar, não digo as figuras e outras
modificações dos objetos, mas até sua
presença (DIDEROT, 2000:129).

13
Sentido produzido pelo movimento.
22
As evidências organizadas ao longo destas páginas são um forte
testemunho a favor da experiência humana. Vimos que foi com
Molyneux que surgiu uma das hipóteses mais importantes da história da
filosofia do conhecimento humano. Como dissemos, existem duas
linhas de pensamento que, apesar de serem contrastantes, mudaram
toda a maneira de pensar no Ocidente moderno. Discutiremos agora
se existem pontos em comum entre as duas teorias e como se
encontra, na atualidade, o estado da arte.

1.3 Intelectualistas versus Empiristas e o Estado da


Arte

Apesar das diferenças que foram tratadas neste trabalho entre as


doutrinas “empiristas” e “intelectualistas”, na época moderna, não é
raro encontrar, entre elas, elementos em comum. Como asseverou
CHAUÍ, “apesar de suas diferenças, elas concordavam num aspecto:
julgavam que a sensação era uma relação de causa e efeito entre
pontos das coisas e pontos de nosso corpo”.(2000:121).

Ou seja, para essas doutrinas, o ato de perceber relacionava-se ao ato


de juntar e somar as partes, recebidas pelos nossos órgãos sensoriais,
fundindo-as ao que seria o objeto conhecido pelo raciocínio.

23
No século XX, entretanto, essas doutrinas foram alteradas
significativamente, conduzidas pela fenomenologia de Hussel e seus
seguidores - dentre os quais destacamos Merleau-Ponty - e pela teoria
da Gestalt. Ambas demonstraram que não existe separação entre
sensação e percepção e sim, que “sentimos e percebemos formas, isto
é, totalidades estruturadas dotadas de sentido ou de significação”
(CHAUÍ, 2000:121).

Este conceito de “totalidades estruturadas dotadas de significação”


pode ser observado nas colocações de Merleau-Ponty sobre os
processos cognitivos de apreensão espacial pelos cegos. Segundo ele
a apreensão espacial dos cegos estava relacionada à tatilidade por
eles desenvolvida: “das coisas aos olhos e dos olhos à visão não passa
nada mais do que das coisas às mãos do cego e, das suas mãos, ao
seu pensamento” (1999:368). Este autor acrescenta, ainda, que cegos
congênitos, ao recuperarem a visão, passam por um longo processo
de reconhecimento do mundo visual, no qual tendem a pegar com as
mãos os objetos que lhes são colocados ao seu olhar, para só então
compreender do que se trata. Desta maneira, ele enfatiza as
diferenças existentes entre esses dois mundos sensoriais, sem, com isso,
excluir a idéia de um espaço tátil: “(...) existe um espaço tão
estritamente tátil que suas articulações em primeiro lugar não estão e
até mesmo nunca estarão em relação de sinonímia com aquelas do
espaço visual” (1999:301).

Desta forma, parece-nos claro que, para o autor, o espaço tátil nunca

24
deixa de existir, mesmo que os aspectos visuais passem a ser
percebidos pelo usuário. Os aspectos táteis do espaço inserem-no,
portanto, num mundo de sensações que estimulam o pensamento,
formando mentalizações e gerando valores que darão significados a
estes espaços, independentemente de suas características visíveis.

Talvez esteja aí um dos motivos pelos quais a cegueira continue sendo


objeto de debates. Prova disso é que ainda hoje podemos observar a
atualidade das considerações de Diderot quando disse que a hipótese
de Molyneux jamais estaria concluída. Essa hipótese volta a ser
comentada pelo filósofo Michel Serres, que ao reconsiderá-la
estabelece:

O velho problema de Molyneux [...] levanta


uma questão mais da geometria das
perspicácias que da teoria do conhecimento.
Por que não experimentaram com um rouxinol
ou um ramo lilás, com uma esmeralda ou uma
saia de veludo, que existem, em vez de
volumes abstratos, que não existem? [...] Que
dêem ao cego uma bola e um tijolo e ele
saberá apreciar pelo tato as deformações
contínuas, as rupturas e as singularidades,
perguntará logo se vocês conhecem pela visão
a diferença entre uma bola e uma esfera, entre
um cubo e um paralelepípedo. Ele rirá
delicadamente do fracasso de vocês (SERRES,
2000:80).

25
Ao formular essa crítica, Serres acaba por inverter o problema
levantado por Molyneux, estabelecendo um novo paradigma entre o
visível e o tangível. Este seria: o vidente estaria preparado para
distinguir a diferença entre uma bola e uma esfera?

Mesmo passados tantos anos, por que essa questão ainda é


lembrada? Para os psicólogos, que também a estudam, o fascínio
provém do interesse na investigação empírica de como se relacionam
a percepção e o conhecimento. Susanna Millar argumenta que:

A resposta a esta pergunta depende dos


resultados empíricos. Portanto, a evidência
obtida a partir das condições de cegueira
congênita total é importante para
compreender o papel da visão no
conhecimento e no processamento espacial.
[...] Nosso ponto de vista [...] desafia a maneira
deliberada que freqüentemente os autores têm
em igualar a visão com a experiência espacial.
Não se trata de considerar que a visão não é
importante. Pelo contrário, é porque não
existem respostas evidentes às perguntas
referentes ao papel desempenhado pela visão
no desenvolvimento espacial que a atuação
sem a visão adquire um interesse especial14
(MILLAR, 1997:19).

14
Tradução livre feita pela autora.
26
Neste capítulo pudemos investigar os mais importantes legados
deixados pelos filósofos para a compreensão da percepção humana
do espaço. Além disso, tal como fez MILLAR, utilizaremos estes
referenciais para estudar, com o auxílio das pessoas cegas congênitas,
o papel que a visão desempenha na experiência espacial.
Averiguaremos até que ponto a agradabilidade da arquitetura e do
espaço urbano estaria vinculada às suas qualidades plásticas,
captáveis através do sentido da visão e, ainda, quais atributos, outros
que além daqueles percebidos pela visão, proporcionam qualidade e
agradabilidade ao espaço construído.

27
2 PROCESSOS QUE ATUAM NA INTER-RELAÇÃO
HOMEM -AMBIENTE

Como a aranha tece sua teia, cada


indivíduo tece relações entre si mesmo e
determinadas propriedades dos objetos;
os numerosos fios se entrelaçam e
finalmente formam a base da própria
existência do indivíduo15 (Jakob von
UEXKULL, apud NORBERG-SCHULZ, 1975:09).

Como vimos anteriormente, diferentes filósofos, ao longo da história,


vêm buscando responder como as diversas modalidades sensoriais
atuam nos processos cognitivos. Observamos que esses
questionamentos continuam gerando discussões e pesquisas

15
Tradução livre feita pela autora do trabalho.

28
experimentais. Dessas pesquisas, destacamos, no final do primeiro
capítulo, aquelas realizadas pela psicóloga MILLAR que, ao descartar o
pensamento de que a visão é a responsável direta pela experiência
espacial, suscitou em nós diversas questões sobre a exploração e a
experiência ambiental dos cegos congênitos.

Para tentarmos responder a esses questionamentos, buscaremos,


através das disciplinas de Percepção Urbana e Comportamento
Ambiental, definir e distinguir os diferentes componentes que atuam na
inter-relação homem - ambiente construído16. Ou seja, investigaremos
como essas disciplinas explicam o modo como o homem (seja vidente
ou seja cego):

• percebe o meio ambiente;

• processa as informações do ambiente físico;

• concebe e avalia o ambiente;

• interage com o ambiente que o cerca; e,

• age no ambiente após avaliá-lo.

16
Como dissemos na Introdução, compreendemos como Ambiente Construído: “todo
espaço criado e construído pelo homem, portanto, aborda arquitetura e urbanismo [...],
pois, afinal sabe-se que atualmente o homem passa 95% de seu tempo em ambientes
artificiais” (Souza, 1995:01).

29
Não nos propomos - e nem poderíamos - esgotar esse tema, visto que,
por definição, ele deve ser sempre reavaliado. O que pretendemos é
traçar um panorama das principais teorias e suas atuais revisões,
partindo do entendimento dos processos de percepção e cognição
do meio pelo Homem até chegar à compreensão das formas de inter-
relação entre os cegos congênitos e o ambiente construído.

2.1 Percepção Ambiental: conceitos e evolução


histórica

não podemos jamais perceber o mundo


em si, mas apenas [...] o choque das
forças físicas com os receptores sensoriais.
F. P. KILPATRICK (apud HALL, 1977:49)

Compreendida como ato, efeito ou faculdade de perceber, a


percepção teve sua origem etimológica na palavra latina “percipere”
que significa “apoderar-se de, apreender pelos sentidos.” (Dicionário
Aurélio Eletrônico).

Constituindo-se numa ferramenta para o conhecimento das nossas


observações do mundo, a percepção é considerada como “a porta

30
de entrada para toda a informação que a pessoa recebe e processa
[...] e [...] é também uma janela para a observação de pesquisadores”
(SIMÕES & TIEDERMANN, 1985: IX).

A percepção foi estudada, inicialmente, por filósofos, fisiologistas e


físicos, até se tornar, em 1879, matéria inerente ao estudo da
psicologia, com Wilhelm Wundt. Nos anos 50 e 60, seus estudos tiveram
enfoque direcionado para a área ambiental, através dos conceitos da
Gestalt e dos psicólogos ambientais Gibson, Piaget, Ittelson, entre
outros.

As primeiras investigações sobre a percepção consideravam a pessoa


como um ser que captava passivamente os estímulos ambientais.
Essas investigações enfatizavam os estudos das relações humanas
perante os estímulos simples, tais como a luz, a cor, a profundidade, a
forma e o movimento aparente.

Porém, no final da década de 50, os estudos em Percepção


Ambiental, passaram a considerar o homem como um ser que se
encontra “dentro” do entorno que se movimenta nele. A percepção
tornou-se, então, um instrumento mediador entre o usuário e o seu
meio ambiente e seus estudos passaram a fornecer subsídios
importantes de análise às ciências que pesquisavam a qualidade
físico-ambiental dos espaços.

31
No início dos anos 60, a arquitetura começou a fazer uso dos
instrumentos de análise criados pelos psicólogos ambientais17. O
arquiteto Kevin Lynch partiu das investigações psicológicas de Piaget e
Gibson, para determinar categorias de análise e incorporar uma maior
atuação do usuário nos projetos dos espaços urbanos. Conforme
destacou DEL RIO (1990:40), Lynch talvez tenha sido o pesquisador que
mais influenciou os estudos de Desenho Urbano em todo o mundo.
Suas idéias estavam calcadas na análise comportamental, nos valores
e nas imagens públicas compartilhadas pelos utentes. Dessa maneira,
Lynch criou diversas categorias de análises para conhecer a vivência
dos espaços que foram por nós, arquitetos, projetados.

Na atualidade, os conceitos que definem a Percepção Ambiental


diferem do enfoque tradicional, tendo como objetivo o estudo da
relação entre o homem e seu entorno, partindo de uma visão mais
abrangente, onde um interage e modifica o outro.

Rapoport (1977:46) seguido por Pablo Calle criticam essa visão


abrangente dada ao termo Percepção Ambiental. Para eles, este
termo corresponde apenas ao processo de captação sensorial, sendo
que os demais seriam denominados de outras formas, a saber:

17
Um dos motivos parece residir no fato de que foi no início desta década que
surgiram as primeiras críticas ao Movimento Moderno. Os moradores e usuários das
edificações modernistas mostraram-se descontentes com suas obras, não apenas na
parte estética, quanto no seu conforto (DEL RIO, 1990:35).

32
1- Quando o termo percepção é usado para
definir avaliações do meio, qualidade do meio,
seleção de meios ótimos, etc., o melhor termo
parece ser Avaliação Ambiental ou Preferência
Ambiental;
2- quando usa-se para saber como as pessoas
estruturam, aprendem ou conhecem seu meio,
o melhor termo é Cognição Ambiental;
3- quando descreve-se a captação sensorial
diretamente, aqui deve-se usar o termo
Percepção Ambiental, e trata-se do processo
menos abstrato.18 (Rapoport, 1997:46)

PERCEPÇÃO COGNIÇÃO AMBIENTAL AVALIAÇÃO


AMBIENTAL AMBIENTAL
Sistemas sensoriais Saber Avaliar
Aprender Qualificar
Conhecer Selecionar

Tabela 2.1: Principais conceitos atribuídos à percepção na atualidade


(Síntese das considerações de RAPOPORT,1977)

Embora a crítica feita pelos autores e suas sugestões para uma


diferenciação temática nos pareçam pertinentes, em CALLE não
encontramos uma denominação comum que interligue os processos
de Percepção, Cognição e Avaliação Ambiental. Um outro aspecto

18
O negrito é nosso.

33
que consideramos questionável reside no fato deste autor conceber
esses processos isoladamente. Evidentemente, sabemos – através das
bibliografias consultadas, como RAPOPORT, MACHADO, TUAN, VALERA et al,
entre outros - que estes processos não ocorrem de forma
independente e sim numa interposição mútua. Porém, se tendemos a
denominá-los de forma distinta, assim o fazemos apenas por razões
expositivas e pela tradição existente nas investigações científicas.

2.1.1 Recorte Teórico

Como conseqüência dessas tradições científicas, ao longo deste


trabalho, estaremos denominando de percepção ambiental à
resposta individual e seletiva dada aos estímulos captados pelo
aparelho sensorial humano, uma vez que, como diz Machado (1988):

vemos, ouvimos, sentimos, tocamos tudo aquilo


que estimula nossos sentidos, mas percebemos
somente o que nossa mente seleciona através
da atribuição de significados. A percepção é,
então, altamente seletiva, exploratória,
antecipadora (MACHADO, 1988:44).

34
O caráter antecipador da percepção corresponde à propriedade que
algumas das modalidades sensoriais apresentam e que permitem ao
homem conhecer de antemão a disposição, o tamanho e o tipo de
objeto que se situa num determinado ambiente (HUERTAS, OCHAÍTA &
ESPINOSA, 1993). Segundo alguns autores, das modalidades sensoriais, é
a visão a que mais proporciona a antecipação perceptiva, pois:

permite perceber simultaneamente um amplo


setor do entorno. E mais, para que exista
percepção visual não se requer um contato
físico com o estímulo [assim, a visão] nos
permite conhecer facilmente a forma, a
distância e a posição de todo o conjunto de
estímulos ambientais que o nosso campo visual
abarca19 (HUERTAS, OCHAÍTA & ESPINOSA, 1993: 207-
208)

Assim, estes autores, ao concluírem que a percepção não é apenas


uma captação sensorial direta, mas também, uma atribuição de
significados pessoais e seletivos às respostas dos sentidos, vêm subsidiar
e ampliar o nosso conceito de Percepção Ambiental.

19
Tradução livre feita pela autora do trabalho.

35
Enfim, iremos denominar de Experiência Ambiental20 (e não de
Percepção Ambiental), o processo que interliga a Percepção,
Cognição e Avaliação Ambiental. TUAN (1980; 1983), MACHADO (1996;
1988) e VALERA et al (2002), foram alguns dos autores que defenderam
este conceito. Para VALERA et al:

As sensações recebidas são integradas em


unidades de conteúdo e significados que nos
permitem reconhecer, comparar ou explorar o
entorno, experimentar sensações ou emoções
e atuar, em conseqüência, integrando as
motivações e interesses pessoais às
características ambientais e ao conteúdo social
que é derivado deste próprio contexto.
Definitivamente, ter uma experiência
ambiental . [...] Porém existe uma tendência
21

muito forte em denominar todo este processo,


que destacamos acima, como percepção
ambiental22 (2002:01).

Essa tendência, de chamar todo o processo experiencial por


perceptivo, pode ser verificada em Vicente Del Rio (1996:03), quando

20
Por compreendermos a importância deste conceito para a nossa pesquisa, iremos
dedicar o terceiro capítulo para seu estudo.
21
Grifo feito pela autora do trabalho.
22
Tradução livre feita pela autora.

36
ele propõe um esquema denominado de “Esquema teórico do
processo perceptivo” (figura 2-1).

Figura 2.1: Esquema teórico do processo perceptivo


Fonte: del Rio, 1996:03

Com este esquema, del Rio demonstrou que a percepção é “um


processo mental de interação do indivíduo com o meio ambiente que
se dá através de mecanismos perceptivos, propriamente ditos e,
principalmente cognitivos” (1996:03). Para o autor, a realidade dirige
ao homem estímulos sensoriais, que são captados pelos cinco
sentidos23. Após essa captação, entra em ação a inteligência, onde

23
Para Del Rio, dos cinco sentidos, o mais importante é a visão (1996:03).

37
atuam os diversos filtros, a motivação, a avaliação e a conduta do
sujeito. Esse processo culmina numa organização mental onde a
realidade percebida é representada por esquemas e imagens
mentais. Ou seja, del Rio considera o processo perceptivo partindo de
uma visão abrangente da interação entre homem e ambiente.

Observamos, ainda, que os estudos que tratam da percepção


ambiental tendem a valorizar o olhar perante os demais sentidos24.
Uma vez que “praticamente todos os nossos juízos sobre o entorno se
baseiam, em condições normais, no sistema visual; inclusive grande
parte de nosso conhecimento sobre o mundo e sobre nós mesmos”
(BLANCO & RUBIO, 1993:51).

Igualmente, como a maioria dos teóricos que estudam a percepção


do ambiente construído, Vicente del Rio, enfatiza o olhar, ao
considerar que o estudo da percepção ambiental, para nós arquitetos
e urbanistas, só interessa “enquanto compreensão das unidades
selecionadas para compor a experiência visual25” (DEL RIO, 1990:92).

É provável que este enfoque dado à visualidade dos espaços, seja um


dos motivos pelo qual Tuan, ao considerar a percepção da
arquitetura, assegurou que: “o meio ambiente arquitetônico moderno

24
Dentre esses estudos, destaca-se o trabalho de Gordon Cullen, que utilizou os
aspectos visuais do meio ambiente construído para formular sua metodologia de
análise da forma urbana (Cullen, 1971).
25
Grifo feito pela autora do trabalho.

38
pode agradar aos olhos, mas freqüentemente carece da
personalidade estimulante que pode ser proporcionada pelos odores
variados e agradáveis” (TUAN, 1983:12).

Se seguíssemos esta linha de raciocínio e a confrontássemos com o


tema do nosso trabalho, iríamos deduzir que os cegos possuem poucas
oportunidades de uso e apreciação do ambiente construído.
Entretanto, como enfocam alguns teóricos (SANTIN & SIMMONS, 2002; HILL
& PONDER, 1976; HUERTAS, OCHAÍTA & ESPINOSA, 1993) - que pesquisam a
psicologia da cegueira - se o cego pode se locomover e se orientar
pelo espaço sem nunca ter visto, é porque, necessariamente, ele o
percebe. Ainda, conforme esses teóricos, o que é modificado, no
cego congênito, é a estrutura dos seus equipamentos sensoriais e é por
este motivo que SANTIN & SIMMONS, afirmam: “seu mundo [cegos
congênitos] não pode ser criado com o fechar dos olhos” (SANTIN &
SIMMONS, 2002: 01).

Em resumo, vimos até agora que o estudo da Percepção Ambiental


passou a fazer parte dos discursos acadêmicos da arquitetura no início
da década de 60. Verificamos que os teóricos mais importantes desta
área divergem entre si, ainda, quanto ao seu significado. Na
seqüência, a definimos - partindo das posturas adotadas por Tuan,
Machado e Valera et al – como sendo uma resposta individual e
seletiva dada aos estímulos sensoriais. Constatamos ainda que, por
seus estudos estarem voltados à percepção visual, a produção
espacial tem sido muito prejudicada. Finalizamos nossa abordagem,

39
confrontando as teorias que foram discutidas com o tema do nosso
trabalho, onde verificamos que o cego congênito, embora não
possua lembranças visuais, percebe o seu meio através das diferentes
estruturas dos seus órgãos sensoriais.

Conseqüentemente, por sua relevância ao estudo da percepção


espacial dos cegos congênitos, daremos continuidade a este capítulo,
estudando os receptores26 sensoriais que estabelecem maior relação
do cego com o ambiente construído.

2.2 Receptores Sensoriais: delineando conceitos

Quantos são os nossos receptores sensoriais? Quais as funções que


eles ocupam na interface do homem com o meio ambiente? Os
projetos de arquitetura podem colaborar para a percepção sensorial-
global do homem com relação aos espaços? Buscaremos,
brevemente, responder a estes questionamentos.

Segundo SIMÕES & TIEDERMANN, (1985:02-06) e OKAMOTO (1996:42-45) duas


das classificações mais freqüentes para os sistemas sensoriais são:

26
Os receptores sensoriais podem ser, também, denominados de sistemas perceptivos
(BAILLY, 1979:65).

40
• a que enfatiza a função dos receptores sensoriais e é
dividida em quatro grupos: Mecanorreceptores;
Fotorreceptores; Termorreceptores, Quimiorreceptores e
Nociceptores (não seria Nocirreceptores?);

• a que enfatiza a relação espacial entre o organismo e


os estímulos. Esta classificação divide os receptores
sensoriais em três grupos: exterorreceptores,
propriorreceptores e interorreceptores.

As funções desses receptores sensoriais variam segundo sua


sensibilidade aos diferentes estímulos, a saber:

mecanorreceptores são sensíveis à energia


mecânica (pressão); termorreceptores são
sensíveis à energia térmica (calor e frio);
fotorreceptores são sensíveis à energia
eletromagnética (luz) e quimiorreceptores são
sensíveis à presença de substâncias químicas.
[...] um quinto grupo referente aos receptores
da dor, denominados de nociceptores, os quais
se encontram espalhados por quase todo o
corpo (SIMÕES & TIEDERMANN, 1985:02).

Por outro lado, e conforme argumentou SIMÕES & TIEDERMANN (1985)


seguido por OKAMOTO:

41
Exterorreceptores são responsáveis pela
captação de estímulos externos ao organismo.
[Suas fontes de estímulos] podem estar
distantes, como os estímulos visuais e auditivos,
ou próximos, como os estímulos gustativos,
olfativos e cutâneos. No primeiro caso, são
denominados telerreceptores e, no segundo,
proxirreceptores. [...] Os interorreceptores [...]
são destinados à percepção do estado interno
do nosso organismo [...] propriorreceptores
fornecem informações sobre o movimento,
postura e equilíbrio do corpo, e consistem em
receptores do sistema cinestésico e vestibular
(OKAMOTO, 1996:42-45).

Figura 2.2: Localização dos receptores


Fonte: OKAMOTO, 1996:42

42
Exterorreceptores Propriorreceptores Interorreceptores

Visão Sentido do movimento Sentido da nutrição

Tato Vestibular Hidratação

Audição Cinestésico Hormônio

Olfato Dor Oxigenação

Paladar Orgânico

Tabela 2.2: Resumo dos receptores sensoriais quanto à sua função


Fonte: baseado em Simões & Tiedermann (1985)

Enquanto arquitetos, dirigiremos nossa atenção apenas à última


classificação fornecida por Simões & Tiedermann e Okamoto, uma vez
que esta se concentra em avaliar os receptores que atuam na relação
entre o sujeito e o ambiente construído. Vale destacar novamente,
mais do que os tão estudados cinco sentidos, nós possuímos, para nos
locomover, falar, etc., uma grande quantidade de receptores que
proporcionam a vivência ambiental.

43
Para isso, [relação entre o sujeito e o ambiente
construído] realiza-se a integração de
diferentes informações: percepções visuais dos
aspectos espaciais do ambiente; dados
sensoriais proprioceptivos e cinestésicos dados
pelos músculos, o que indica sua tensão na
manutenção do corpo em posição erecta, e
mudanças de tensão em movimento, bem
como dado dos órgãos dos sentidos nas juntas,
o que indica a posição do corpo e dos
membros com relação à gravidade; dados
sensoriais do labirinto, que também indicam a
postura estática e mudanças na orientação
corporal com o movimento. Normalmente não
estamos conscientes dessa informação
integrada [...], e reagimos a ela de maneira
automática rápida e adequada. (VERNON,
1974:155).

Sendo assim, podemos considerar que é o nosso “corpo-mente” que


atua como receptor de sensações. E, desta forma, é possível entender
como o cego congênito é capaz de se adaptar e vivenciar o espaço.
Para José Espínola Veiga27, isso só acontece porque a natureza
humana tem a maior capacidade de adaptação do Planeta:

27
VEIGA é escritor e cego congênito.

44
o homem se acomoda a quaisquer
circunstâncias que a vida lhe oferece. Nisso
reside, aliás, o eixo de explicação da vida do
homem que não vê28. Suprima-se a um cão a
vista, o ouvido e o olfato, e ele morrerá, por
certo. Sem a vista, sem o ouvido e sem o olfato
viveu Laura Bridgam, logrando assimilar uma
boa parcela de conhecimentos (VEIGA,
1983:04).

Observa-se então, a complexa natureza dos sistemas perceptivos que


compõem o nosso “corpo-mente” pois, quando da ausência de um
deles, os demais sentidos tendem a substituí-lo. Esse fato, comprovado
por diversos psicólogos ambientais, requer uma nova forma de
abordagem na relação “corpo-mente-espaço”. Por analogia
poderíamos comparar, como fez TUAN, o “corpo-mente” ao planeta
Terra em pequena escala:

O corpo humano é aquela parte do universo


material que conhecemos mais intimamente.
Não é apenas a condição para experienciar o
mundo, mas também um objeto acessível cujas
propriedades podemos sempre observar. O
corpo humano é um esquema
hierarquicamente organizado; está
impregnado com valores resultantes de funções

28
Grifo feito pela autora do trabalho.

45
fisiológicas carregadas de emoção e
experiências íntimas (TUAN, 1983:100).

Entretanto, na atualidade e principalmente no Ocidente, nossa


experiência íntima, quer com pessoas ou com o espaço, está sendo
dominada pelo “signo do Olhar, sob o império da Imagem, no âmago
de uma civilização do Simulacro” (ARANTES, 1999:257).

Esse fato pode ser comprovado pelas recentes pesquisas, na área de


psicologia, que indicam que 80% das nossas informações sensoriais
passam pela visão29. Outras teorias, como a do anatomista Stephen
Poliak, foram além. De acordo com ele, foi a partir da evolução dos
olhos - de “pequenos organismos aquáticos que viveram há mais de
um bilhão de anos atrás” - que se formou o tecido cerebral. Ou seja,
em sua “hipótese revolucionária”, Poliak atribuiu ao órgão da visão a
responsabilidade pela formação do cérebro humano onde, segundo
ele, estaria “a sede da visualidade” (apud BOSI, 1999:65).

Em oposição à época dominada pelo Olhar, Bruno MUNARI, fez uma


crítica inflamada aos novos projetos de arquitetura e design:

29
BOSI “O homem de hoje é um ser predominantemente visual. Alguns [psicólogos]
chegam à exatidão do número: oitenta por cento dos estímulos seriam visuais”
(1998:65).

46
Se, como parece, a função desenvolve o
órgão, a não-função o atrofia. Será que no
futuro veremos homens sem orelhas? Ou sem
nariz? Ou com a coluna e o assento
deformados pela transpiração deficiente? Será
esse o homem do futuro? Esperemos que não
(MUNARI, 1998:374).

Este mesmo autor relatou que, das lições aprendidas por ele com a
cultura oriental, no Japão, a mais importante delas foi projetar para
todos os sentidos. MUNARI (1998) acrescentou, ainda, que, mesmo que
um objeto agrade à primeira vista, se não agradar aos outros sentidos
será desprezado. Assim, numa forma de conscientizar os profissionais
ligados aos projetos de arquitetura e design, ele conclui que:

Se projetarmos algo que tenha também um


bom sentido tátil, as pessoas sem perceber
voltarão a usar aquele que é um dos sentidos
mais acurados. Se além disso levarmos em
conta os outros sentidos, as pessoas pouco a
pouco irão se habituar à experiência de que
existem muitos receptores sensoriais para
conhecer o mundo em que vivemos. As
crianças sabem disso bem e seu conhecimento
inicial do mundo é sensorial global (MUNARI,
1998:374-375).

Desta forma, Munari – ao destacar a importância de um projeto


consciente, que possibilite ao usuário recobrar seu conhecimento

47
sensorial global do espaço – nos desafia, enquanto planejadores
ambientais, a repensar a ênfase dada à visão, nas pesquisas
metodológicas, às teorias e concepções projetivas.

2.3 Os Sistemas Sensoriais e sua Influência na


Percepção Ambiental

Todo corpo, qualquer que seja sua


posição, deve estar necessariamente
situado em um lugar qualquer, assim, o
lugar é, necessariamente antes de
qualquer coisa, um corpo situado.
(Pomponius GAURICUS apud DUVIGNAND,
1977:01)

Como acabamos de constatar no capítulo anterior e enfatizar com a


citação de Pomponius GAURICUS, a exploração ambiental se dá por um
processo que relaciona o nosso “corpo-mente”. Esse “corpo-mente” é,
antes de tudo, um espaço situado num lugar e, por isso mesmo,
podemos também chamar o espaço de “corpo situado”.

Essas relações do corpo (espaço situado) com o espaço (corpo


situado) podem nos fornecer um novo paradigma sobre a exploração

48
ambiental, ampliando nossos princípios de organização espacial. Esses
princípios devem ser estruturados, segundo TUAN (1983:39), em dois
fatores: “a postura e a estrutura do corpo humano e as relações (quer
próximas ou distantes) entre as pessoas”. Assim, é pela exploração e
interação do nosso corpo-mente (espaço situado) com o meio (corpo
situado) que a nossa percepção do espaço é processada.

Partindo dessas premissas, podemos observar que “as preposições


espaciais são necessariamente antropocêntricas” (TUAN, 1983:50). O
homem, aqui entendido holisticamente e não apenas como uma
máquina visual, transforma-se em padrão para as definições
ambientais.

Na verdade, todos os sentidos atuam como mecanismos de interface


com a realidade (OKAMOTO, 1996:87). Para comprovar essa teoria,
analisemos o que Simões & Tiedermann - depois de pedirem para
imaginarmos uma situação em que estivéssemos em um cômodo da
casa e ouvíssemos o choro, incessante, de um bebê no outro cômodo
- nos dizem:

Pela audição você tomou conhecimento da


presença do bebê chorão. A intensidade do
som permitiu avaliar a distância a que se
encontrava, isto é, se estava dentro da casa,
no quintal ou no vizinho. A direção do som, [...]
forneceu informações sobre o local da
residência em que o bebê se encontrava.
Através destas informações auditivas, você foi
capaz [...] de identificar o local e a distância a

49
que se encontrava a fonte sonora, e então deu
início a uma seqüência de comportamentos
que culminaram com a presença diante do
berço. Através da visão, olfato e tato você
pode coletar mais informações a respeito do
estado físico e emocional do bebê. [...] Suas
conclusões seriam bem diferentes se o bebê
fosse membro da família dos seus vizinhos e
estivesse acomodado na casa adjacente à
sua. Nestas circunstâncias, as informações
seriam, provavelmente, apenas auditivas
(Simões & Tiedermann, 1985:86).

Percebemos com este exemplo que, pela harmonia de todos os


sentidos, podemos promover, na totalidade, a apreensão espacial.
Não devemos esquecer, então, que no nosso dia-a-dia estamos -
mesmo com toda a poluição sonora, visual, do ar e da sujeira nas ruas
– sempre fazendo uso de todos os sentidos e que estes,
continuamente, estão nos fornecendo riquíssimas informações,
simultâneas, a respeito do espaço que nos cerca.

Portanto, para compreendermos como os cegos e deficientes visuais


percebem o espaço, iremos analisar cada órgão sensorial
individualmente, demonstrando como eles, através de suas
especificidades, transmitem as informações sobre o meio ambiente.

50
2.3.1 Visão

Não vês que o olho abraça a beleza do


mundo inteiro? [...] É janela do corpo
humano, por onde a alma especula e frui
a beleza do mundo, aceitando a prisão
do corpo que, sem esse poder seria um
tormento [...] Ó admirável necessidade!
Quem diria que um espaço tão reduzido
seria capaz de absorver as imagens do
universo? Leonardo da Vinci (apud CHAUÍ,
1999:31)

Para que possamos melhor compreender o papel da visão, e, por


conseguinte, sua ausência, na percepção do espaço, devemos nos
recordar que o homem é um ser predominantemente visual, uma vez
que estamos vivendo sob o império da Imagem, numa época
marcada pelo Simulacro (ARANTES, 1999).

Dentre as informações espaciais fornecidas pela visão, destacamos a


verticalidade (altura), horizontalidade (largura) e espessura (ou
profundidade) dos objetos e a distância que eles se encontram uns
dos outros e de nós mesmos. A percepção de distância está, na
maioria das vezes, relacionada à de tamanho dos objetos (ver item 3:
processos cognitivos) e do movimento do observador (ver item 2.1.2.5:

51
cinestésico).

Um vidente30 tem a capacidade de perceber, simultaneamente, uma


grande parte do entorno, sendo que, para isto, não se faz necessário
nem o deslocamento, nem mesmo o contato físico com o objeto. Sua
possibilidade de antecipação perceptiva31 é muito grande e lhe
permite organizar seu espaço de forma rápida, global e estável
(HUERTAS, OCHAÍTA & ESPINOSA, 1993:208).

Por isso, os seres humanos vêm considerando, ao longo da história, a


visão como o sistema perceptivo espacial por excelência (HUERTAS,
OCHAÍTA & ESPINOSA, 1993:207). NOVAES, ao refletir sobre essa postura
histórica, questiona:

Seria por que de todos os sentidos, ‘a vista é o


que nos faz adquirir mais conhecimentos, nos
faz descobrir mais diferenças’? Ou é em virtude
do prestígio que a visão passou a ter em nossa
cultura, concentrando em si a inteligência e as
paixões? (1998:09)

30
Denomina-se vidente o homem visualmente capacitado.
31
Denomina-se de antecipação perceptiva a capacidade proporcionada pelos sentidos
para conhecer de antemão as propriedades do espaço.

52
As respostas aos questionamentos acima destacados, podem ser
verificadas nas teorias de HALL (1977); seguido por TUAN (1980; 1983) e
OKAMOTO (1996). Esses autores, ao estudarem a percepção ambiental,
indicaram que:

• a visão é considerada, dentre os demais sistemas


perceptivos, a que melhor transmite informações
ambientais;

• as diferenças (culturais) significativas, entre os povos


ocidentais e orientais, quanto à utilização de seus
mundos perceptivos, são, também, fatores que atuam e
determinam as percepções do espaço; e

• a visão, além de orientar o homem no espaço, facilita a


sua capacidade de antecipação perceptiva e
comunicação, sendo, dos nossos sentidos, o mais
desenvolvido e estudado atualmente.

Um dos fatores que confirma a importância que atribuímos à visão,


pode ser constatado na existência de diversas expressões, provindas
do olhar, que utilizamos corriqueiramente, tais como: “visões de
mundo”, “evidente”, “estar de olho”, “amor à primeira vista”, “cego de
amor”, “mau olhado” e etc. Essas expressões reafirmam a idéia de
que o ato de olhar se relaciona com o conhecer, com o pensar, com

53
o perigo e com o desejo, aumentando, ainda mais, as nossas
desconfianças com relação aos outros sentidos, considerados por
BLANCO & RUBIO, (1997:52) “nebulosos” diante da “clareza” visual.

Como não poderia deixar de ser, a arquitetura dessa civilização


ocidental do visível, “permanece dominada pelos dispositivos do
olhar” (PEIXOTO, 1999:317). Para o arquiteto francês Jean Nouvel a
arquitetura é da ordem da visão por excelência, o que levou BRUZZI
(2001:87) a afirmar que a obra “Instituto do Mundo Árabe” (figura 02-
03) é uma apologia ao olhar.

O Instituto do Mundo Árabe, em Paris, [...]


inteiramente concebido em função do estímulo
visual. Apesar da curiosa beleza das pupilas se
dilatando e contraindo na parede diafragma,
convenhamos que se trata de uma grande
homenagem ao olho, em intensidade e escala.

Figura 02-03: Instituto do Entendemos que, embora esse projeto esteja conceitualmente
Mundo Árabe (vista
parede diafragma e calcado nas tradições culturais e no conforto térmico, as pupilas,
acesso) dilatando-se e contraindo-se com a mudança lumínica, são,
Fonte: <http: realmente, “uma grande homenagem ao olho”.
/www.greatbuildings.co
m/cgi-
Essa consideração de que a arquitetura é, acima de tudo, da ordem
bin/gbi.cgi/L_Institut_du_
Monde_Árabe.html/cid_ do visível, pode ser verificada, não apenas com Jean Nouvel, mas,
3027883.gbi > Acessado
com a grande maioria dos arquitetos. Le Corbusier, por exemplo,
em:08/08/02.
afirmava sempre que a arquitetura: é um “jogo sábio, correto e

54
magnífico dos volumes reunidos sob a luz” (1981:16).

Mas, afinal, com tantas preocupações relativas à visão, como o


ambiente construído é percebido por aquele que não o vê? Qual o
sentido que passa a atuar em substituição ao da visão, capacitando o
cego a apreender as características do espaço tridimensional? Essas e
outras questões serão discutidas ao longo deste trabalho.

2.3.2 Tato

O maior sentido de nosso corpo é o tato.


Provavelmente, é o mais importante dos
sentidos para os processos de dormir e
acordar; informa-nos sobre a
profundidade, a espessura e a forma;
sentimos, amamos e odiamos, somos
suscetíveis e tocados em virtude dos
corpúsculos táteis de nossa pele. J. Lionel
Tayler (apud MONTAGU, 1988:21)

Figura 02-04: Detalhe A pele, tal como uma roupa, nos envolve completamente, e
de uma cariátide na
representa o maior órgão do tato e o primeiro meio de comunicação
Acrópole, Athenas.
humana com o mundo. No processo evolutivo da humanidade, o tato
Fonte: VON MEISS,
1997:19. foi o primeiro a surgir, originando os nossos olhos, ouvidos, nariz e boca.

55
“O tato, como sentido, veio a diferenciar-se dos demais, fato este que
parece estar constatado no antigo adágio ‘matriz de todos os
sentidos’” (MONTAGU, 1988:21, grifo da autora). A esse respeito
Baudrillard, escreve: “o tato é uma interação dos sentidos, mais que
um simples contato da pele ou de um objeto” (apud BRUZZI, 2001:88).

Ressaltando a importância tátil, LUSSEYRAN, argumenta que:

Creio que todos os nossos sentidos se unem


num só. Eles são estágios sucessivos de uma só
percepção, e essa percepção é sempre
apenas uma percepção de tato. Em
conseqüência, nenhuma perda [dos outros
sentidos] é irreparável (1983:21).

Verificamos, assim, pela afirmativa de diversos autores, que todo e


qualquer ser humano poderia passar sua existência sem os outros
exterorreceptores, mas a vida seria praticamente impossível sem as
funções desempenhadas pela pele.

O que percebemos como realidade por meio


dos outros órgãos dos sentidos na verdade não
nos é mais do que uma hipótese, sujeita à
confirmação do tato. [...] Ver é uma forma de
tocar à distância, mas tocar fornece a
verificação e a confirmação da realidade
(Montagu, 1988:127).

56
A maior prova de que o tato compensa a perda dos outros sentidos,
foi dada pelo exemplo de Helen Keller que, mesmo tendo nascida
cega e surda, teve sua “mente” estimulada pela sensação tátil.
Conforme escreveu a professora Anne Sullivan, responsável pela
educação de Helen Keller:

[Helen Keller] Aprendeu que tudo tem um


nome, e que o alfabeto manual é a chave
para tudo o que ela quer saber.
Hoje de manhã, quando se estava lavando, ela
quis saber o nome da “água”. Quando quer
saber o nome de alguma coisa, ela aponta
para a coisa e bate na minha mão. Soletrei “á-
g-u-a” e não pensei mais nisso até depois do
café da manhã... [Mais tarde] saímos para ir
até a casa das bombas, e fiz Helen segurar a
caneca dela embaixo da bica enquanto eu
bombeava. Quando a água fria jorrou,
enchendo a caneca, eu soletrei “á-g-u-a” em
sua mão livre. A palavra assim tão perto da
sensação de água fria correndo-lhe pela mão
pareceu assombrá-la. Deixou cair a caneca e
ficou como que transfixada. Uma nova luz
espalhou-se por seu rosto. Soletrou “água”
várias vezes. Então deixou-se cair no chão,
perguntou o nome dele, apontou para a
bomba e a treliça e, voltando-se de repente,
perguntou o meu nome. Soletrei “professora”
(apud CASSIRER, 1994:60).

Desta forma, a história de Helen Keller permite- nos inferir que o tato
forma o meio pelo qual percebemos o mundo externo. Este mundo

57
externo é apreendido por todo o nosso corpo, na medida em que,
apenas assim, é possível ter a noção de “tridimensionalidade, que é a
base da experiência arquitetônica e da orientação”, (OKAMOTO,
1996:105). Ou seja, por abranger toda a extensão do nosso corpo, o
tato nos faz distinguir o alcance do “eu” (e conseqüentemente o do
“não eu”), fornecendo informações espaciais do que está à nossa
frente ou atrás, acima ou abaixo, à esquerda ou à direita etc.

Da união das sensações cutâneas com as articulações e os músculos


(percepção cinestésica) deriva-se o termo “háptico”, que se refere ao:

Toque em seu mais amplo sentido e geralmente


é usado para indicar o toque de exploração e
manipulação, em contraste com as sensações
táteis, que resultam da estimulação dos
receptores passivos (Montagu, 1988:168).

Em geral, quando se fala em percepção tátil de objetos


tridimensionais, as pessoas tendem a associar apenas aos movimentos
exploratórios das mãos (estereognose manual). Dessa forma, alguns
autores tendem a aferir que os cegos não possuem percepção de
objetos tridimensionais em grande escala, como a arquitetura. Porém,
a percepção tátil compreende todo e qualquer ato do conhecimento
que é adquirido pelo contato físico-mecânico com a superfície
corpórea (BLANCO & RUBIO, 1993).

58
A partir dessa análise e considerando a escassa bibliografia sobre a
percepção tridimensional dos cegos congênitos, iremos, por meio das
nossas pesquisas, tentar averiguar quais as estratégias utilizadas pelos
cegos para explorar o ambiente construído.

2.3.3 Audição

Como vimos, o homem utiliza em grande parte a visão para organizar


as informações espaciais; os outros sentidos, porém, enriquecem essas
informações uma vez que “o som dramatiza a experiência espacial”
(TUAN, 1983:18), razão pela qual SCRUTON (1979) e RASMUSSEN (1998)
afirmaram ser possível ouvir os edifícios. Para este último autor:

É possível falarmos de ouvir arquitetura. Embora


se possa objetar que, de qualquer modo, não
podemos ouvir se é boa arquitetura ou não,
posso apenas dizer que tampouco é certo que
se possa ver se ela é ou não boa. É possível ver
e ouvir se um edifício tem caráter, ou aquilo a
que gosto de chamar de porte (RASMUSSEN,
1998: 246).

O sentido auditivo está equipado para a análise de padrões temporais


e para conhecer a seqüência e o tempo de duração de um estímulo

59
ambiental. Desta forma, a localização e a distância são
características espaciais apreendidas através da audição.

A localização de um objeto é dada pela diferença de tempo e


intensidade do som. O sentido de distância é apreendido pela
intensidade do som emitido por uma fonte sonora, uma vez que, pela
experiência, sabemos que o som diminui à proporção que nos
afastamos de uma fonte sonora.

Tal como a visão, a audição não requer contato físico com os objetos,
proporcionando, ainda que inferior ao olhar, uma suficiente
antecipação perceptiva (HUERTAS, OCHAÍTA & ESPINOSA, 1993:208).
HUERTAS, OCHAÍTA & ESPINOSA (1993) compartilham as suas idéias sobre a
relação entre a visão e a audição com HALL, o qual afirma que:

A informação visual tende a ser menos


ambígua e mais evidente do que a informação
auditiva. Uma grande exceção é a audição de
uma pessoa cega, que aprende a escutar as
audiofreqüências mais altas, capacitando-a a
localizar objetos numa sala32 (HALL, 1977:51).

De fato, uma das maiores diferenças encontradas entre a percepção


auditiva dos cegos e a dos videntes consiste na habilidade que os
primeiros desenvolveram para se localizar espacialmente e para

32
Negrito feito pela autora do trabalho.

60
detectar obstáculos a partir de fontes sonoras. Essa habilidade para
detectar obstáculos, denominada de “visão facial” ou “sentido do
obstáculo”, é, para os cegos, o fenômeno perceptivo “mais
importante para a deambulação e a elaboração de representações
espaciais do meio ambiente”. (BLANCO & RUBIO, 1993:96)

Para o cego, o eco e a reverberação sonora os informam sobre a


proximidade que se encontram os objetos do seu corpo.

Um mecanismo de orientação espacial


semelhante é o utilizado pelos morcegos
enquanto voam. Através do eco de sons
gerados por eles mesmos, caçam minúsculos
insetos. Evitam colisões com objetos do
ambiente, voando com espantosa agilidade e
precisão. (SIMÕES & TIEDEMANN, 1985:99)

Sensações de imensidão são, igualmente, geradas pela audição.

Dentro de uma igreja, as sensações de


imensidão nos [cegos] fornecem, pelas
impressões sonoras, uma imagem
representativa, fazendo com que ela [igreja]
ganhe vida; os ruídos das portas repercutem
nas abóbadas, os ruídos das vozes levam as
asas da imaginação para um lugar longínquo,
que nenhum eco limita, as vozes de grandes
órgãos dilatam, sobre tudo, nossa sensibilidade

61
de extensão num recinto fechado33 (VILLEY,
1936:279).

Porém, segundo alguns autores, o sentido auditivo diferencia-se do


visual por ser menos seletivo: “uma vez que para o ouvido humano
não é fácil escutar uns sons excluindo outros na mesma amplitude e
intensidade acústica” (HUERTAS, OCHAÍTA & ESPINOSA, 1993:208) e também
porque “uma boa guia acústica, como o som produzido numa fonte,
pode ser facilmente mascarada pelo tráfego mediano” (HUERTAS,
OCHAÍTA & ESPINOSA, 1993:208).

Assim, para o cego, a audição se transforma no principal recurso


perceptivo para a apreensão de espaços de grande escala. Esta o
possibilita localizar, detectar e evitar obstáculos, bem como identificar
pessoas e objetos que se encontrem situados num ambiente.

2.3.4 Olfato

Como falamos anteriormente, o homem, mesmo utilizando a visão


para organizar as informações espaciais, enriquece essas informações
por meio dos outros sentidos. Tal como nos casos descritos acima, o

33
Tradução livre feita pela autora.

62
sentido olfativo dá “colorido à nossa imagem visual” (OKAMOTO,
1996:94). O olfato, de natureza fundamentalmente química, é
encontrado próximo ao “sistema límbico, [e] tem uma forte relação
emocional, quase sempre inconsciente.” (OKAMOTO, 1996:95)

Os autores, HALL (1966:53), OKAMOTO (1996:95), SIMÕES & TIEDEMANN


(1985:18) entre outros, defendem que o odor evoca lembranças muito
mais profundas que a visão ou a audição. Segundo Hirsch (apud
OKAMOTO, 1996:97), “o olfato afeta humor, memória, habilidade de
resolver problemas, apetites sexuais e escolha de parceiros.”

O olfato, em relação à percepção do espaço, proporciona o


reconhecimento de objetos que se encontram afastados, bem como
sua direção e distância.

Sentimos o cheirinho da carne assando [...] da


churrasqueira de um dos nossos vizinhos. Com
um leve movimento de cabeça, foi fácil
localizar a fonte do conhecimento do odor:
estava na direção do quintal. Portanto, sem sair
do gabinete, foi possível tomar conhecimento
de objetos relativamente distantes [...]. A
intensidade do cheiro permitiu avaliar a
distância do churrasco. [...] Temos duas narinas
pelas quais o odor das substâncias penetram.
Portanto se o odor está sendo propagado por
uma brisa que vem da direita para a esquerda,
atingirá primeiramente uma narina e, depois de
fração de segundos, a outra. (SIMÕES &
TIEDEMANN, 1985:18)

63
Portanto, pelo sistema olfativo recebemos informações qualitativas do
espaço imediato e distante. Assim, quando ingressamos num
ambiente, podemos avaliar se ele está arejado ou abafado, se existe
cloro na água da piscina, se existe vazamento de gás, entre outras
informações que são reconhecidas através dos odores e que não
poderiam ser fornecidas pela visão, tato ou audição (SIMÕES &
TIEDEMANN, 1985:18)

Para os cegos, o olfato desempenha funções importantes na sua


orientação e localização no espaço. Algumas pesquisas indicam que
, mesmo não sendo mais capacitado que o vidente para detectar a
presença de odores, o cego apresenta maior capacidade para
categorizá-los (BLANCO & RUBIO, 1993:106). Apesar de serem indiscutíveis
estas colocações, são escassos os estudos que tratam destes assuntos
mais profundamente.

2.3.5 Cinestesia

O sentido cinestésico é o responsável pela percepção dos movimentos


musculares, do peso e da posição dos membros num corpo. É através

Figura 02-05: O deste sentido que tomamos consciência de nossa postura, força, além
movimento do corpo. de ser, por ele viabilizado nossos deslocamentos no escuro.
Fonte: VON MEISS,
1997:20. Por estar associada ao movimento, a cinestesia nos fornece a relação

64
de tempo e espaço, uma vez que sabemos que estas estão
intrinsecamente associadas. VAIDERGON (2000:s.p.), ao relatar sobre
tempo e espaço, compara a música à arquitetura, para ele:

Música e Arquitetura são constituídas da


mesma substância: tempo e espaço. Na
primeira, ficamos estáticos, e os sons em
movimento. Na segunda, os elementos estão
estáticos, e nós em movimento. Na música, o
sentido fundamental é audição. Na
arquitetura, todos os sentidos são fundamentais,
e escutar o espaço é mais do que um simples
exercício de audição, é a percepção acurada
de uma ordem, de uma harmonia abstrata. È
portanto uma percepção cinestésica, na qual
cabe ao indivíduo configura-la através do
percurso.

Deste modo, a arquitetura não pode ser vivida se o homem não se


movimentar por ela, se não percorre-la (OKAMOTO, 1996; COELHO NETTO,
1979). No caso dos cegos, como observamos no nosso estudo de
caso, a percepção cinestésica – do movimento - é responsável pela
noção de distância e espaço. Para o bebê cego o único espaço
conhecido é seu próprio corpo, à medida que passa a engatinhar é
que percebe que o espaço está muito além de si mesmo
(percebendo distância). Neste momento ele passa a compreender a
existência de um entorno espacial.

As evidências até aqui relatadas demonstraram a importância

65
desempenhada pelos sentidos na interação homem X ambiente
construído. O estudo do desempenho dos sentidos foi de fundamental
importância para compreendermos o “mundo dos cegos”. Desta
maneira pudemos confrontar nossos conhecimentos teóricos com a
análise das experiências espaciais dos cegos congênitos.

2.4 Variáveis que Atuam no Processo Perceptivo

Edward Hall, ao discorrer sobre como as pessoas de diferentes culturas


utilizam seus sentidos no processo de absorção seletiva da realidade,
nos assevera que:

o peneiramento seletivo dos dados sensoriais


admite algumas coisas, enquanto elimina
outras, de modo que a experiência, como
percebida através de uma série de filtros
sensoriais, culturalmente padronizados, é
bastante diferente daquela percebida através
de outros. (1977:14)

66
Da mesma forma, Bruno Munari nos propõe um esquema (figura 02-04)
de como as informações ambientais são, por nós, “filtradas”. Segundo
o autor, a comunicação “ocorre por meio de mensagens visuais, que
formam parte da grande família das mensagens que atingem os
nossos sentidos: sonoras, térmicas, dinâmicas, etc.” (1997:68)

Figura 02-05: Esquema dos tipos de filtragens dos estímulos


Fonte: MUNARI (1973:70)

67
Desta forma, podemos observar que os vários “filtros34”, ou melhor, as
diferentes variáveis atuantes no processo perceptivo agem na seleção
de informações, eliminando algumas ou destacando outras, conforme
o seu receptor. Evidentemente, essas variáveis agem em conjunto,
porém, por razões expositivas, iremos dividi-las em: sensoriais, pessoais e
culturais.

2.4.1 Variáveis Sensoriais

Quando um estímulo chega a nós por intermédio do meio ambiente,


ele é imediatamente filtrado pelos nossos órgãos sensoriais. Estes
variam de pessoa para pessoa, dependendo de suas habilidades,
diferenças e aptidões.

Desta forma, as variáveis sensoriais também podem ser consideradas


como variáveis pessoais - uma vez que estão centradas no “EU” –
porém, dada sua importância e por ser a primeira barreira que a
mensagem encontra em nós, estamos tratando-as separadamente.

34
Não utilizaremos a palavra “filtro” - tal como sugeriu VALERA et al, entre outros
autores – por sua terminologia conotar o uso de um utensílio para purificar algo
(Dicionário Aurélio Eletrônico). Assim, consideramos mais apropriado o termo
variável, por estar relacionado a algo sujeito a variações, mudanças, inconstância (tal
como o processo experiencial do homem).
68
O sentidos mais conhecidos são: visão, audição, tato, olfato e
paladar. Porém, possuímos outros sentidos que influenciam na nossa
captação e filtragem das informações. Para YAARI, que considera que
todos os sentidos são utilizados pelo “E U ” para sentir, querer e pensar,
nós possuímos doze sentidos divididos em:

SENTIR: Visão – Olfato – Paladar –


Térmico.
(Que nos dão a sintonia entre o interior e o
exterior).
QUERER: Tato – Orgânico – Cinestésico
– Equilíbrio.
(Que nos dão a sensação de nós mesmos ao
estabelecer nossa relação com o mundo).
PENSAR: Audição - Linguagem –
Pensamento – Eu.
(Que nos dão a sensação do mundo ao
estabelecermos nossa relação com nós
mesmos). (apud OKAMOTO, 1986:82)

Nas nossas entrevistas, que trataremos mais detalhadamente no


capítulo 6, observamos em cada indivíduo uma forma diferente de se
relacionar com o meio. Enquanto para uns a exploração de um
ambiente estava condicionada apenas a sua utilização, para outros
ela era gerada pela “curiosidade do conhecer o desconhecido” (XA,
cego congênito, 45 anos, informante da nossa pesquisa). Outro fator

69
importante, também verificado, consiste na diferença perceptiva-
sensorial de cada indivíduo. Nosso informante LA (cego congênito, 46
anos, informante da nossa pesquisa) contou- nos sobre a perplexidade
que causou em seus amigos cegos quando demonstrou, para eles, a
sua capacidade de identificar postes e portões. “Para mim era uma
coisa tão natural que eu nunca imaginei que eles não soubessem [...]
nós ficamos perplexos juntos, eles comigo e eu com eles.”

Desta forma, verificamos que os filtros sensoriais estão relacionados a


uma ação do indivíduo e não a uma apreensão passiva. Estes
sentidos nos fornecem sensações a respeito da nossa relação com o
meio, nos sintonizando com este, e conosco mesmo.

2.4.2 Variáveis Pessoais

Nossos filtros pessoais - ou variáveis pessoais - que influem no processo


perceptivo espacial, foram amplamente estudados por diferentes
autores, que os dividem em:

Fases da vida – TUAN (1980:62-63) nos coloca que, se para as ciências


sociais o “homem” é considerado apenas como uma pessoa adulta e
ativa, para o “comportamento ambiental e percepção, não deve
haver dúvida a respeito do papel do ciclo da vida no aumento da

70
amplitude das respostas humanas para o mundo.” Assim:

Na infância o mundo é uma casa, talvez


algumas ruas e um parque. Quando a criança
cresce mais, sua imagem do mundo se
expande. Ela se vê em uma cidade, um país,
um planeta. Vê a si mesma em uma rede cada
vez mais complexa de relações pessoais. Cada
vez que uma nova mensagem chega a ela, é
provável que sua imagem seja alterada por ela
de alguma forma, e à medida que a imagem
muda, seus padrões de comportamento
mudam de forma correspondente. (BOULDING,
1956:82)

Tal como asseverou Boulding, a imagem de mundo da criança cresce


conforme o seu desenvolvimento. Para a criança cega congênita o
processo é o mesmo, como podemos observar no relato de um dos
nossos informantes:

“Porque pro bebê cego, o único espaço que


ele conhece é o lugar onde o corpo dele está
[...] o espaço circunscrito ao seu próprio corpo.
[...] Por isso que desde bebezinhos [...] muitas
crianças cegas adquirem o que a gente
chama de maneirismos. O que é isso?
Maneirismo é sacudir o corpo, balançar a
cabeça, ficar manipulando as mãos [...] por
que? Porque ela não está explorando nada.”
(MG, cego congênito, 46 anos, informante da
nossa pesquisa)

71
Como veremos, mais detalhadamente, no item 6.1.4 é a bagagem das
experiências acumuladas ao longo dos anos que faz o adulto cego
interagir de maneira satisfatória, ou não, com o ambiente construído.

Gênero – o masculino e o feminino não têm apenas características


fisiológicas distintas, mas também apresentam maneiras diferentes de
perceber o mundo. TUAN (1980:61-62), ao discorrer sobre este assunto,
enfatiza as diferenças fisiológicas existentes entre os homens e
mulheres, colocando que em geral a sensibilidade tátil e auditiva
feminina é superior à masculina. Para o autor existe, ainda, o impacto
que a cultura exerce no comportamento de ambos os sexos.

Experiência – A nossa familiaridade com o meio ambiente pode afetar


a percepção deste, pois acabamos nos adaptando às situações
ambientais às quais somos expostos com freqüência. BOULDING
(1956:03), através de seu exemplo, nos demonstra como isto ocorre:

Estou constantemente recebendo mensagens


[...] enquanto estou sentado a minha mesa,
mas essas mensagens são ignoradas por mim.
[...] (pois) Eu sei, que um edifício está sendo
construído nas redondezas e o fato de ouvir
esse barulho não acrescenta nada a essa
imagem. Na verdade eu nem escuto o barulho
[...] Quando o barulho pára, porém, eu o
percebo.

Assim, percebemos uma grande diferença perceptiva entre os que

72
vivenciam uma cidade dos que, apenas, a visitam. Pois, enquanto
para o primeiro, algumas características do meio já não são mais
perceptivas, para o segundo sua relação com o meio é normalmente
superficial – estética. (TUAN, 1980:72-75)

Estado Psicológico-Emocional – A percepção é constantemente


afetada pelas nossas variações emocionais. Estas variações podem
ocorrer tanto no plano psicológico – estado eufórico, depressivo,
alegre, triste, solitário, etc... – quanto no plano espacial - excesso
(espaciosidade) ou falta (apinhado) de espaço. Apesar de serem
emoções distintas, elas influenciam fortemente a nossa percepção do
meio (TUAN, 1983:66-67; HALL, 1977:152-153).

2.4.3 Variáveis Culturais

Duas pessoas não vêem a mesma


realidade. Nem dois grupos sociais fazem
exatamente a mesma avaliação do meio
ambiente. A própria visão científica está
ligada à cultura. (TUAN, 1980:06)

A maneira pela qual percebemos o meio ambiente passa pelos nossos


filtros culturais. Cada cultura tem uma maneira específica de se

73
relacionar com os espaços e de agregar-lhes valores. Assim,
características estéticas – a noção de belo - varia dependendo dos
aspectos culturais de cada grupamento humano (GEERTZ, 1983), e as
sensações de conforto térmico, acústico ou lumínico apresentam
variações que oscilam de uma cultura a outra, conforme comentam
SANTOS e DUARTE (1999), apesar de estes estarem dentro dos limites
fisiológicos do homem.

Também considerada como uma variável ou um filtro cultural, a


profissão que escolhemos e, portanto, o treinamento que recebemos,
influenciam a nossa maneira “qualitativa” de perceber o mundo. Isto
foi o que demonstrou VALADEZ (1984:223-228), após a análise dos
resultados de sua pesquisa, cujo objetivo era verificar se existiam
diferenças entre a percepção ambiental dos profissionais arquitetos e
não arquitetos. Sua conclusão:

Não existem diferenças entre arquitetos e não


arquitetos em se tratando dos aspectos
quantitativos da percepção de uma paisagem,
porém estas diferenças são muito significativas
quanto aos aspectos qualitativos que os
definem. (VALADEZ, 1984:223)

E embora os arquitetos não compartilhem percepções idênticas do


ambiente, pois são pessoas de diferentes culturas, que estudaram em
diferentes épocas, que têm a sua percepção afetada por todas as

74
variáveis acima descritas, dada a sua formação, têm a percepção
aguçada para a compreensão do espaço e de suas articulações.

Assim, como comentaremos mais detalhadamente no capítulo sobre


metodologia de pesquisa de campo, o recorte social escolhido
procurou privilegiar pessoas de uma mesma cultura, faixa etária e nível
de instrução, uma vez que o objetivo do trabalho era captar os
mecanismos de compreensão espacial dos cegos congênitos. Para
tanto, procuramos evitar grandes disparidades nas variáveis entre os
informantes, caso contrário, seria muito difícil efetuar uma análise
comparativa.

75
3 COGNIÇÃO AMBIENTAL

Na relação adequada do
comportamento com a percepção das
relações e dimensões espaciais do
ambiente, tem igual importância a
consciência constante da posição do
corpo no espaço, bem como a
adaptação a qualquer mudança em sua
orientação espacial. (VERNON, 1974:155)

A cognição abrange todo o conjunto dos processos mentais que se


concentram na formulação de idéias, nas classificações e nos
reconhecimentos, pela memória, de dados importantes para a
execução de tarefas presentes (Dicionário Aurélio Eletrônico; HUERTAS,

76
OCHAÍTA & ESPINOSA, 1993:210; RAPOPORT, 1977:114, entre outros). Suas
principais atribuições são a aquisição de um conhecimento e sua
memorização.

Os estudos cognitivos visam, em geral, compreender como o ser


humano concebe o ambiente, isto é, visam conhecer os esquemas
utilizados pelo homem para estruturar mentalmente os espaços e os
efeitos que isso produz em seu comportamento e, conseqüentemente,
nos projetos. (RAPOPORT, 1977:114)

Os processos cognitivos utilizados na apreensão espacial podem ser


divididos em:

• análise e categorização dos dados advindos da


percepção;

• formulação e reformulação das representações


mentais35;

• julgamento da natureza dessas representações mentais;


e

35
Representação Mental é aqui entendida como sendo “uma representação do meio
por parte do indivíduo, através de uma experiência de qualquer classe que o segundo
tenha do primeiro” (RAPOPORT, 1977:54)

77
• armazenamento das informações ambientais pela
memória;

Uma vez que a cognição está relacionada com a formulação de


esquemas e imagens mentais, ela pode ser analisada como uma
representação simplificada do meio ambiente real (RAPOPORT,
1977:119).

Figura 03-01: Processo Cognitivo do Meio Ambiente


Fonte: RAPOPORT (1977:114)

Portanto o ato cognitivo será sempre um trabalho realizado no plano


intelectual e apresentará grandes variações entre culturas, posto que:

conhecer implica usar esquemas, noções, etc.,


os quais são muito variáveis segundo a cultura.

78
Assim todos podem perceber um edifício num
lugar preciso, no entanto, não podem
reconhecê-lo como botequim, a não ser que a
noção de botequim tenha um significado
cultural previamente existente.36 (RAPOPORT,
1977:46)

Para a arquitetura, os estudos nessa área fornecem dados para as


intervenções a serem realizadas num ambiente, conforme a atuação
dos usuários; instrumentos de análise e distinção dos espaços
(agradáveis, familiares e seguros); e pistas de como o homem processa
mentalmente a informação espacial.

Com relação aos cegos congênitos, o estudo cognitivo apresenta


mais uma especificidade; trata-se da “antecipação cognitiva”. Este
conceito foi desenvolvido por LLAMA e designa:

O processo que permite ao caminhante


adiantar-se cognitivamente à percepção de
determinados estímulos do entorno, utilizando a
lembrança que possui deste entorno e
elaborando, em alguns casos, certas
inferências de similaridade com espaços
familiares e parecidos. (apud HUERTAS, OCHAÍTA &
ESPINOSA, 1993:210)

36
Tradução livre feita pela autora.
79
Assim, quando um cego locomove-se por um ambiente no qual a
informação recebida é insuficiente, ele utiliza os conhecimentos
prévios armazenados em sua memória e em suas representações
espaciais, fazendo da antecipação cognitiva um suporte para a sua
autonomia.

Este fato foi verificado em nosso experimento quando, na insuficiência


de informações ambientais, nosso informante recorreu as suas
representações mentais, antevendo cognitivamente o espaço a ser
percorrido:

“digamos que eu desça essa escada e eu sei


que é um ambiente amplo... então eu vou
presumir o que? Que eu vou andando em
frente. Pode até ocorrer de aparecer um
obstáculo, um móvel, uma pilastra, uma
coluna, alguma coisa na minha frente, mas o
esperado é que eu vou caminhar um
determinado espaço e, no final, encontrar uma
parede ou alguma coisa desse tipo. Embora
isso não seja necessariamente verdade, eu vou
imaginar que isso aqui é um retângulo. Claro
que, racionalmente, eu sei que ele pode não
ser assim, pode ter uma parede arredondada,
pode ter, enfim, uma série de coisas, mas eu
vou procurar padronizar pelo menos num
primeiro momento para que eu possa tomar
uma decisão de como é que eu vou me
deslocar nesse espaço. É claro que eu estou
sempre esperando que apareça algum
obstáculo, algum degrau para subir ou para
descer, alguma coisa, então, eu tenho que

80
estar sempre prevenido para isso. Mas a minha
expectativa é que eu vou caminhar em frente
e... bom... eu vou encontrar uma parede. Por
exemplo e eu vou ter de decidir se eu vou virar
para a direita ou para a esquerda, por
exemplo. Aí ..... tem alguns elementos que
podem me ajudar embora não sejam
necessariamente seguras que é, por exemplo, o
barulho se está vindo mais barulho de um lado
do que do outro se eu tenho a impressão de
que próximo de mim tem uma parede de um
dos lados, enfim .... se tem uma porta ali do
lado....” (AH, cego congênito, 53 anos,
informante da nossa pesquisa)

Outra característica importante da antecipação cognitiva no


deslocamento dos cegos, consiste em lhes permitir corrigir e atualizar
as representações mentais que vão adquirindo de um determinado
entorno, posto que a comparação dos dados atuais com as
lembranças, os leva a detectar as relações que não se correspondem
com o esquema de uma rota ou de um espaço determinado,
atualizando cognitivamente estas informações, e ampliando seus
conhecimentos espaciais (FOULKE, 1983:65).

Para que, durante o deslocamento, esta atualização cognitiva seja


eficaz, o cego deve conhecer a posição que seu corpo ocupa no
espaço, além de obter alguns dados sobre certos elementos ou
“marcos” que possam lhe servir de referências espaciais. Logo, quanto
mais regular for a estrutura ambiental, melhor serão as generalizações,

81
inferências e os prognósticos deste sujeito no deslocamento por um
ambiente desconhecido ou complexo (HUERTAS, OCHAÍTA & ESPINOSA,
1993:220).

82
4 CONSIDERAÇÕES SOBRE A EXPERIÊNCIA
HUMANA NO AMBIENTE CONSTRUÍDO

a arquitetura não pode ser outra coisa


senão o interesse pela vida cotidiana, tal
como vivida por todas as pessoas37. {...}
Tudo o que um arquiteto faz ou
deliberadamente deixa de fazer {...}
sempre influencia, intencionalmente ou
não, as formas mais elementares das
relações sociais. (HERTZBERGER, 1996:174-
214)

“O que é a experiência da construção? Qual é a relação entre a


construção como um evento e o evento experimentado como

37
Grifo nosso.
83
construção?” (BENJAMIN, 1992). Estas indagações não são nossas,
porém, fazem parte dos atuais debates sobre o comportamento
humano perante o ambiente construído. Consideramos ser importante
para nós, arquitetos e urbanistas, mantermo-nos em constante reflexão
sobre o assunto, para que nossos projetos sejam adequados às
expectativas e necessidades dos seus usuários.

A palavra experiência é derivada do termo em latim “experientia”,


cujo significado, relaciona-se a uma habilidade, a uma prática do
indivíduo (Cunha, 1982) e desde a Antigüidade, como vimos no
capítulo 01, novos conceitos foram sendo agregados a esta palavra.
Na atualidade, a experiência “viria a ser chamada de ‘vivência’, isto
é, o conjunto de sentimentos, afetos, emoções, etc., que um indivíduo
humano experimenta e que vai acumulando em sua memória”.
(MORA 1998:205)

De fato, ao longo da história da humanidade, filósofos, psicólogos,


arquitetos, geógrafos, antropólogos, vêm reformulando e
reescrevendo os conceitos de experiência. Mesmo que exista alguma
correlação entre os diferentes sentidos empregados na definição
deste termo - “o fato de que se trata de uma apreensão imediata por
parte do indivíduo de algo que se supõe dado” (Mora, 1998:263) –
ainda, estes conceitos, são demasiadamente vagos para que
possamos compreender os reais processos que influem na relação
entre o homem e o ambiente afetando seu comportamento no
espaço.

84
Assim, diante de tantos conceitos, principalmente aqueles advindos
das áreas de psicologia ambiental, geografia e fenomenologia,
embasaremos nossa pesquisa nos trabalhos de Tuan, Machado,
Valera et al e Scruton.

TUAN nos fala que procurou destacar a riqueza da “complexa natureza


da experiência humana, que varia do sentimento primário até a
concepção explícita. 38” (1983:ν) Assim, se a experiência varia do
sentimento à concepção, podemos dizer que ela atua em todo o
processo anteriormente descrito neste trabalho. Conforme o
mesmo autor, é ainda pela experiência com o meio ambiente que o
ser humano conhece e constrói a sua realidade.

Cada imagem e idéia sobre o mundo são


compostas, portanto, de experiência pessoal,
aprendizado, imaginação e memória. [...]
Todos os tipos de experiências, desde os mais
estreitamente ligados com o nosso mundo
diário até aqueles que parecem remotamente
distanciados, vêm juntos compor o nosso
quadro individual da realidade. (MACHADO,
1996:97)

Ao fazer estas considerações, Machado enfatiza a composição de um


quadro individual da realidade, considerando o homem como um ser

38
Grifo nosso.
85
sem precedentes, único. Assim, a maneira pela qual ele sente, pensa,
percebe, classifica e compreende o espaço é também única.
Portanto, a experiência está relacionada à vivência particular de cada
ser humano e deve ser vista, tal como nos asseverou MORA (1998:205),
MACHADO (1988:02) e TUAN (1983:9-21), como um somatório de
sensações, percepções, concepções, emoções e pensamento, sendo
este último compreendido como consciência, análise, julgamento e
reflexão social sobre essas sensações e percepções.

Para TUAN, a emoção e o pensamento se encontram nas extremidades


de “um continuum experimental e ambos são maneiras de conhecer”.
(1983:11) Por isso mesmo é que experienciamos um ambiente ao
interagirmos com ele, partindo das nossas emoções e das nossas
análises e julgamentos.

Assim, ainda que possamos separar os elementos que constituem a


nossa vivência no espaço - como vimos no início deste trabalho – e
apesar de algumas pesquisas indicarem que é a visão o nosso principal
órgão sensorial para a sua apreciação, sabemos que, na realidade, a
experiência do homem reflete:

a qualidade dos seus sentidos e sua


mentalidade [...] [e só atinge] realidade
concreta quando nossa experiência com ele
[ambiente] é total, isto é, através de todos os
sentidos, como também com a mente ativa e
reflexiva. (TUAN, 1983:18-21)

86
Deste modo, devemos vivenciar nossos ambientes, devemos residir
neles, descobrir seus segredos, invadir suas nuances de cor, sons,
cheiros, movimentos. Pois segundo SERRES:

Uns olham, contemplam, vêem; outros


acariciam o mundo ou se deixam acariciar por
ele, atiram-se, enrolam-se, banham-se,
mergulham nele e, às vezes, se esfolam. Os
primeiros não sabem o peso das coisas, pele lisa
e chapada onde se encastoam grandes olhos;
os segundos se abandonam ao peso das
coisas, a epiderme deles recebe a pressão
delas, localmente, no detalhe, como um
bombardeio, sua pele, portanto, é tatuada,
zebrada, tigrada [...] A pele deles vê, como
uma cauda de pavão. (SERRES, 2001:32)

A partir dessas idéias de Serres, somos levados a compreender que, da


mesma forma que carecemos de sermos acariciados pelo mundo,
também necessitamos nos entregar – de corpo e mente - ao prazer
que a arquitetura pode nos proporcionar. Se, como afirma VON MEISS
(1991:15), a “arquitetura é imagem somente em um desenho ou uma
fotografia”, então é possível “obter tanto prazer da arquitetura quanto
o amante da natureza o retira das plantas. {...} Devemos sentir a
arquitetura dessa mesma maneira”.(RASMUSSEN, 1998: 246)

Portanto, podemos considerar a arquitetura como “invólucro do eu”,


onde ela cria recantos nos quais o homem possa sentir-se, ou não,

87
seguro e confortável. Assim:

A arquitetura é uma continuação do esforço


humano para aumentar o conhecimento
através da criação de um mundo tangível que
articula as experiências, tanto as sentidas
profundamente como aquelas que podem ser
verbalizadas, tanto as individuais como as
coletivas (TUAN, 1983:112)

Destacamos que o conceito de experiência está sempre voltado ao


mundo exterior e depende da vivência individual de cada ser humano
- centrada sempre em seu corpo - com o meio.

A paisagem e o lugar [...] estão à disposição de


todo o corpo. Sua percepção supõe não
somente a visão dos elementos singulares que,
por algum motivo, se destacam do conjunto,
mas a interação da experiência individual. É
dessa forma que a pessoa vivencia a paisagem
e apreende seu conteúdo subjetiva e
afetivamente. Os significados do mundo não-
vivido não são absolutamente óbvios e não se
apresentam por si mesmos: têm de ser
descobertos. (MACHADO, 1996:107)

A experiência poderá ser alterada pela habilidade espacial de cada


um. Esta habilidade - que poderíamos chamar de conquista do

88
espaço - poderá determinar o conhecimento e a emoção gerada
pelo ambiente - empatia. TUAN (1983:77) ao discorrer sobre habilidade
e conhecimento espacial, assegura que :

A habilidade espacial se transforma em


conhecimento espacial quando podem ser
intuídos os movimentos e as mudanças de
localização. Andar é uma habilidade mas, se
eu puder me “ver” andando e se eu puder
conservar esta imagem em minha mente que
me permita analisar como me movo e que
caminho estou seguindo, então eu também
tenho conhecimento. (TUAN, 1983:77)

Pudemos verificar, pelas entrevistas, o quanto a habilidade espacial


interfere e depende da experiência espacial. Conforme relatou XA
(cego congênito, 45 anos, informante da nossa pesquisa):

Eu, no Instituto Benjamim Constant, quando fui


morar lá, fiquei fascinado. O colégio era
simplesmente enorme! E muito pouco
adaptado pra cego. Então eu aprendi a andar
naquele colégio todo em três dias, nunca
soube que um cego tenha feito isso. Comecei
na sexta-feira de tarde, quando eu cheguei lá
e domingo à noite já achava que eu entendia
tudo do colégio. Sabe eu andava ali, me
perdia, às vezes dava a hora do lanche e eu
não conseguia achar o caminho do refeitório,
mas eu tinha que achar se não eu ia perder o

89
lanche. Na realidade eu queria entender, o
porquê eu me perdia, assim voltava pro lugar
de novo que era pra saber onde foi que eu me
perdi, então isso me dá curiosidade. Eu tenho
muita facilidade em memorizar os lugares que
eu vou, sabe casas eu memorizo com
facilidade, geralmente com muita facilidade.
Acredito que eu deva isso a minha habilidade e
experiência que tenho acumulada dos lugares.

Ou seja, nosso informante poderia ter um conhecimento prévio do


local, mas apenas este conhecimento não acarreta uma experiência
e não produz habilidade espacial, pois, como nos diz POLANYI:

Não podemos aprender a manter nosso


equilíbrio sobre uma bicicleta procurando
seguir a regra explícita de que, para
compensar um desequilíbrio, precisamos curvar
nossa bicicleta - no sentido oposto do
desequilíbrio - cujo raio é proporcional ao
quadrado da velocidade da bicicleta dividido
pelo ângulo do desequilíbrio. Tal conhecimento
é totalmente ineficaz, a não ser que se
conheça tacitamente, isto é, a não ser que se
conheça subsidiariamente - a não ser que
simplesmente viva a experiência. (apud TUAN,
1983:236)

Do mesmo modo, a habilidade espacial depende da experiência -


uma vez que não é um conhecimento nato - e revela-se na nossa
aptidão de liberdade e velocidade de movimento. HERTZBERG

90
(1996:93) enfatiza a importância da experiência na geração de
habilidades, fazendo um paralelo com o ato de criar novas regras dos
jogadores de xadrez:

Quanto melhor o jogador, mais rico o jogo, e


dentro do conjunto oficial de regras surgem
outras sub-regras não-oficiais, baseadas na
experiência, que se desenvolvem, até se
tornarem regras oficiais nas mãos de jogadores
experientes cuja experiência influencia por sua
vez o original dado, e assim, por extensão,
contribui para regulamentá-lo. (o grifo é nosso)

Porém, “as experiências íntimas, quer com pessoas ou coisas, são


difíceis de comunicar. As palavras apropriadas são evasivas. As
fotografias e os desenhos raramente parecem adequados.” (TUAN,
1983:163) Portanto:

A pesquisa convencional não fornece


descrições adequadas da experiência, porque
separa pessoa e mundo; pessoa (corpo, mente,
emoção, vontade) e mundo estão engajados
em um só processo, que implica fenômeno
perceptivo e não pode ser estudado como um
evento isolado, nem pode ser isolável da vida
cotidiana das pessoas. É, portanto, o homem
quem percebe e vivencia as paisagens,
atribuindo a elas significados e valores.
(MACHADO, 1996:98)

91
Assim sendo, a arquitetura, enquanto construção do homem para o
homem, acaba criando, na maioria das vezes, palcos
comportamentais onde as atitudes são induzidas, as emoções são
definidas e a percepção humana apurada.

A vida é vivida e não é um desfile do qual nos


mantemos à parte e simplesmente observamos.
O real são os afazeres diários, é como respirar.
O real envolve todo o nosso ser, todos os nossos
sentidos. {...} através do tato e do coração, [o
homem] coleciona seu monte de bugigangas,
sem a discrição perceptiva visual ou
inteligência. (TUAN, 1983:161)

Interior e exterior, vertical e horizontal, massa, volume, espaciosidade e


luz (TUAN, 1983:129), são algumas das sensações proporcionadas pela
arquitetura que o homem conhece em sua intimidade. “O espaço
arquitetônico, porque parece refletir os ritmos do sentimento humano,
tem sido denominado de “música congelada” - tempo
espacializado.” (TUAN, 1983:132)

Na vivência do homem com o espaço não se pode esquecer o valor


cultural. Valor este que interfere de forma ativa na experiência
humana. Segundo o autor, mesmo sendo o espaço condição
necessária para a sobrevivência do homem na Terra, ele se coloca,
também, como “uma apreciação cultural {...} um requisito social, e

92
mesmo um atributo espiritual.” (TUAN, 1983:65-66) Assim, as
características espaciais são alteradas conforme a ótica cultural.

O que podemos perceber, portanto, é a complexidade do tema


experiência. Experienciar está tão próximo a nós, é algo que fazemos
todos os dias e, no entanto, raramente nos conscientizamos. Estamos
cegos perante as coisas que “julgamos” conhecer bem.

O geógrafo e o arquiteto-planejador tendem a


aceitar como familiar o fato de que estamos
orientados no espaço e nos sentimos à vontade
em um lugar - em vez de descrever e tentar
compreender o que realmente significa “estar
no mundo.” {...} Sabemos muito mais do que
podemos falar [sobre a experiência], entretanto
quase chegamos a acreditar que o que
falamos é quase tudo o que sabemos. {...} As
experiências são negligenciadas ou ignoradas
porque faltam os meios para articulá-las ou
destacá-las. (TUAN, 1983:222-223)

Se a arquitetura está relacionada com as nossas vidas, ela se encontra


inteiramente ligada a nossas percepções, desejos e valores. A
compreensão estética implica raciocínio e formação. Um leigo, ao
apreciar uma obra de arquitetura e ao preferi-la dentre as demais,
dificilmente poderá exprimir suas preferências em termos de
proporção, harmonia, espaço, etc. Como usuário, porém, ele sente,
experimenta esta arquitetura; ele a compreende como boa ou má

93
solução, mesmo que seus critérios não sejam claros. Cabe ao
arquiteto, portanto, com sua formação estética e capacidade
adquirida de perceber as formas como “acompanhamentos cheios
de significado e apropriados à vida humana” (SCRUTON, 1979: 42),
buscar a “alma da experiência” do homem com a arquitetura.

Devemos, pois, {...} como seres racionais, com


um passado, um presente e um futuro {...} tentar
recapturar o que é central na experiência da
arquitetura. Como Alberti, Serlio e os seus
seguidores, descobriremos que só o podemos
fazer se reintegrarmos os valores estéticos no
seio da atividade do construtor e não
permitirmos que se responda a uma questão de
função independentemente da questão da
adequação de um edifício, não só à função,
mas a um estilo de vida (SCRUTON, 1979: 43)

SCRUTON (1979: 9-263) relaciona a experiência arquitetônica ao


conceito de imaginação.

Ver um edifício como arquitetura não é o


mesmo do que vê-lo como uma massa de
alvenaria. Há uma distinção [...] entre
percepção vulgar e percepção “imaginativa”
[...] a experiência da arquitectura é
essencialmente do último tipo e que esse fato
deve determinar toda a nossa maneira de
compreender e reagir aos edifícios. (SCRUTON,
1979: 79-80)

94
Portanto, ele acredita que exista um único processo de imaginação
envolvido em toda a percepção, imagens e lembranças, e este
argumento está fundamentado na afirmação de que nesses processos
mentais, o pensamento e a experiência são inseparáveis. Portanto,
experienciar a arquitetura depende da participação ativa do
observador e resulta, sempre, em uma compreensão intelectual. Desta
forma, para o autor, é uma utopia pensar que existe uma única forma -
global - de experienciar um edifício, pois mesmo que esta experiência
seja forçada, ela dependerá sempre da cultura de quem a observa.

Embora SCRUTON (1979) dedique a maior parte de suas pesquisas ao


aspecto visual, o qual denominou de “experiência da forma”, ele
afirma que

na arquitetura há mais do que o modelo e a


forma visuais. Não tratamos os edifícios apenas
como fachadas estáticas: a seqüência de
experiências lógicas que percorre um edifício
pode ser essencial para o seu significado e
pode ser objeto de um profundo estudo
arquitetural {...} Também escutamos os edifícios,
ouvimos ecos, murmúrios, silêncios, e todos eles
podem contribuir para a nossa impressão do
todo. Duvido que uma experiência puramente
visual pudesse revelar-nos toda a {...} intimidade
do claustro de Bramante em S. Maria della
Pace, com o eco particularmente amortecido,
que leva a que se deambule tranqüilamente
por ele.(SCRUTON, 1979: 100).

95
Teremos uma real noção da experiência arquitetural quando
relacionarmos unificadamente “o movimento, o som, a mudança e o
tacto.” (SCRUTON, 1979: 101) Desta forma, a experiência da arquitetura
passa a englobar a associação de todos os sentidos para a
compreensão de um espaço construído. Segundo o autor, porém, não
são todos os sentidos que se colocam à disposição da apreciação
estética. Para ele, os olhos e os ouvidos são, ao contrário do gosto e
do cheiro, formas de contemplação objetiva de um objeto. Esta
contemplação faz parte da natureza humana e está intimamente
ligada às questões de compreensão, gosto e apreciação estética. No
entanto, a compreensão só será possível se a nossa experiência for
persuasiva para nós. Ela está diretamente associada à experiência,
pois “uma capacidade de compreensão intelectual que não conduza
a uma experiência de unidade não é ainda um ato de compreensão”
(SCRUTON, 1979: 105). Com isso, devemos observar que a experiência,
uma vez que sucede à compreensão, está, de certo modo, livre,
podendo ser alterada e ampliada ao longo do tempo.

a minha experiência de um edifício {...} pode


mudar ao mudar a minha concepção dele. E
se a minha experiência muda, também o meu
gosto muda {...} As concepções que
influenciam a nossa experiência de arquitetura
têm um alcance tão grande como as
concepções que governam a nossa vida.
(SCRUTON, 1979: 203)

96
Desta forma, a compreensão do caráter estético de um edifício não
consiste num conhecimento teórico, mas sim, na organização das
nossas percepções e sensações. Experienciar a arquitetura é sentir o
significado do espaço construído. (SCRUTON, 1979: 203)

Se, como afirma GIBSON o homem, através do acúmulo de suas


percepções:

aprende a olhar criticamente, a escutar de


forma seletiva, a gostar e degustar como um
sábio e a tocar com habilidade os objetos. O
homem detecta melhor, os detalhes e fixa sua
atenção, ao tempo em que organiza os
elementos percebidos e associa as diferentes
sensações. Este campo espacial é, pois,
diferente de um individuo para o outro, de
acordo com sua experiência e
personalidade39. (apud BAILLY, 1979:88-89)

Então podemos dizer que as experiências ambientais acumuladas no


decorrer da vida ajudam na construção do “eu”. Sendo assim, estas
experiências baseiam-se em variáveis pessoais40 que funcionam como
filtros e são “acima de tudo, um processo seletivo, pois nós só

39
Tradução livre feita pela autora.
40
O sentido pessoal da percepção foi enfatizado pelos integrantes do grupo New Look
in Perception e “procura destacar [...] o fato de que a percepção não se dá em abstrato,
mas como processo que, efetivamente, é vivido por um perceptor” (PENNA, 1993:36-
37)
97
percebemos aquilo que nossos objetivos mentais nos preparam para
perceber” (DEL RIO, 1990:92). Desta forma, “as experiências adquiridas
durante o crescimento melhoram a capacidade de seleção da
informação.” (BAILLY, 1979:88)

Essas experiências que auxiliam na construção de um “EU”, tornam-se


mais importantes ainda quando se trata de pessoas cegas congênitas.
Constatamos que para essas pessoas o espaço somente é
compreendido através da experiência, ou seja, a compreensão da
totalidade de um espaço depende de sua vivência como um todo. 41

Destacamos, ainda, que para a completude do processo de


experiência, temos que inserir junto às Percepções, Cognições e as
Avaliações, o Comportamento ou – como também pode ser nomeado
- Conduta Ambiental. Pois é através das ações, do pensamento, e das
opiniões que o homem estabelece a sua relação com o meio
ambiente, modificando e realimentando assim, todo o processo
experiencial.

Como pudemos verificar neste capítulo então, a experiência da


arquitetura está relacionada à vivência particular de cada ser
humano no ambiente construído. Esta vivência engloba um somatório
de sensações, percepções, concepções, pensamentos e

41
Esse assunto será melhor abordado no item Vivências Espaciais: a construção do
lugar.

98
imaginações. Partindo destes conceitos, delineamos nosso estudo de
caso, que será relatado no próximo capítulo.

99
PARTE II. ANÁLISE DA EXPERIÊNCIA ESPACIAL DOS
CEGOS CONGÊNITOS

100
5 MATERIAIS E MÉTODOS

Em terra de cegos que, por sinal,


são mais observadores do que parecem,
quem tem um olho não é rei: é um
espectador.
GEERTZ (1983:89)

A frase acima, proferida por GEERTZ (1983), ao sublinhar a importância


da atenta observação para a interpretação etnográfica de
grupamentos sociais, não apenas se encaixa literalmente em nossa
temática, como também espelha a metodologia que empregaremos
para coletar a maior parte de nossos dados.

Contudo, antes de detalharmos nossos passos metodológicos,


gostaríamos de ressaltar que o presente trabalho tem a intenção de
contribuir para a produção abrangente e efetiva do conhecimento
sobre “espaços para todos” que vem sendo desenvolvida pelo Núcleo
Pró-Acesso, o qual tem a intenção de transformar o PROARQ num ponto
de excelência sobre a questão da acessibilidade no Brasil.

Apresentamos a seguir os procedimentos metodológicos que


adotamos para atingir nossos propósitos.

101
Com base no que vimos nos capítulos anteriores a respeito da
percepção ambiental, cognição, experiência e formação de imagens
mentais, foi possível delinear nosso estudo de caso para averiguar
como a arquitetura e o ambiente construído podem ser
experienciados além das percepções visuais. Os demais objetivos
desta pesquisa são: (1) verificar como os outros sentidos podem ser
colocados a serviço da compreensão da arquitetura e do
conhecimento espacial; (2) distinguir quais atributos podem ser
percebidos e apreciados pelos cegos; e, (3) subsidiar a ação projetual
para a criação de espaços acessíveis em relação às dificuldades
deste grupo, enfatizando a necessidade de uma abordagem
específica por parte do profissional de arquitetura e projeto urbano.

Para atingir esses objetivos, nossa pesquisa seguiu métodos qualitativos


de análise e foi desenvolvida em três fases: entrevistas semi-
estruturadas; planos de deslocamento com observação participativa e
mapeamento cognitivo. Esses procedimentos foram construídos pela
pesquisadora, junto a sua orientadora, e por ela testado e aplicado.

5.1 Conceitos Adotados

Para desenvolvermos as reflexões a que nos propomos, partimos de


alguns pressupostos que envolvem conceitos como: ‘Percepção’,
‘Cognição’, ‘Avaliação’, ‘Experiência espacial’ e ‘Relações corpo-
espaço’, que sustentarão a base teórica das nossas discussões. Essas

102
noções foram delineadas nas Partes I e II desse trabalho mas, a fim de
melhor formular nossa metodologia, resumiremos abaixo o significado
que estaremos adotando para cada um destes conceitos.

PERCEPÇÃO: Implica a resposta individual e seletiva dada aos


estímulos captados pelo aparelho sensorial humano.
Operacionalmente, consideraremos como percepção a captação
sensorial – auditiva, olfativa, tátil e cinestésica – do espaço construído
pelos cegos congênitos.

COGNIÇÃO: Compreende a maneira pela qual o homem adquire o


conhecimento espacial e o memoriza. Avaliaremos este processo,
tendo como pano de fundo o Centro Cultural do Banco do Brasil no
Rio de Janeiro, local escolhido para a nossa aplicação de
experimentos de percurso, conforme descreveremos mais adiante.

AVALIAÇÃO: Implica a maneira pela qual atribuímos valor a um


estímulo ambiental. Assim, nossa interação com o entorno, bem como
nosso comportamento, estão relacionados com a forma que o
avaliamos. Verificaremos quais impressões nossos informantes têm do
ambiente construído.

EXPERIÊNCIA: Engloba a unificação de todos os sentidos e de toda a


imaginação humana para aprender e atuar sobre o meio ambiente
construído.

RELAÇÕES CORPO-ESPAÇO: Uma vez que existimos em um corpo físico,


nossa percepção de espaço é dada pela exploração e interação
deste nosso corpo (espaço situado) com o meio ambiente (corpo

103
situado) que nos cerca.

Enfim, nossa pesquisa se apoiou, ainda, na metodologia de pesquisa


etnográfica desenvolvida por SPRADLEY (1979), a qual considera que:

• a cultura é: “conhecimento usado pela pessoa para


interpretar as experiências e o comportamento social
de um grupo diferente do seu” (1979:65);

• o etnógrafo parte do princípio de seu total


desconhecimento sobre a cultura do grupo que ele irá
estudar;

• o desafio da pesquisa etnográfica é, não só


compreender a espécie humana, como também servir
às suas necessidades;

• são instrumentos da pesquisa etnográfica: a


observação participativa, entrevistas semi-estruturadas
e coleta das histórias de vida;

• as entrevistas buscam descobrir o que os informantes


sabem sobre o seu meio que pode ser útil para o
desenvolvimento da pesquisa, quais são os conceitos
usados e como os definem para classificar as suas
experiências.

104
5.2 Procedimentos da Pesquisa

5.2.1 Recorte espacial e social: caracterização dos


informantes

Um homem só pode ser cego porque, em


sua essência, permanece um ser capaz
de visão. Um pedaço de madeira nunca
pode ficar cego. Se, no entanto, o
homem fica cego, então sempre ainda se
pode colocar a pergunta se a cegueira
provém de uma falta e perda ou se
consiste num excesso e abundância
desmedida (HEIDEGGER, 1997:179).

A fim de estabelecermos limites para tornar viável esta pesquisa, foi-


nos necessário definir claramente os seus recortes sociais e espaciais.

O primeiro recorte foi feito ao definirmos o universo do nosso estudo de


caso - indivíduos cegos congênitos42 (cegos “de nascença”) -, uma
vez que, como afirmou um dos nossos informantes:

42
Considera-se cegueira congênita aquela adquirida no nascimento ou até 5 anos de
idade, onde a partir deste momento o homem passa a ter lembranças do mundo visual
(AMIRALIAN, 1997:33).
105
as pessoas que ficam cegas com mais idades
[...] fazem um esforço muito grande para
conservar as imagens visuais, pela importância
que teve para elas [...] se você ficasse cega,
você já teve uma vida que foi muito importante
para você, com o tempo isso vai
desaparecendo, a sensação de ver que você
provavelmente teria em sonhos duraria durante
um tempo, mas você não perderia o senso de
organização das coisas que você tem usando
a visão. O que você aprendeu com a visão não
se perderia. (HH, cego congênito, 55 anos,
informante da nossa pesquisa)

Sabemos então que o mundo dos cegos não pode ser conhecido
com o fechar dos olhos, pois seus processos perceptivos são diferentes.
Assim, ao tentarmos fechar nossos olhos para vivenciar o espaço como
os cegos, estaríamos iguais àqueles indivíduos que tiveram a cegueira
adquirida após os seis anos de idade e que, por isso mesmo, possuem
referências visuais, passando a compreender o espaço a partir de suas
antigas vivências:

aqueles que perderam a visão depois de


saírem da sua infância geralmente ficam
videntes algumas horas por dia ou nos seus
sonhos, a persistência da imaginação é muitas
vezes tal que eles continuam a apreciar com
prazer a natureza, assim como as obras de arte
da escultura e da arquitetura, igualzinho a um
vidente. (VILLEY, 1936:207)

106
Vale destacar ainda que para o indivíduo cego congênito, a cegueira
faz parte do seu ser. Hans Furth, ao tratar o assunto relacionando-o
com a surdez congênita, argumentou que:

Para a pessoa surda, a surdez não significa que


algo lhe foi tirado. Pelo contrário, a surdez é
parte do seu ser; se ela não fosse surda, não
seria ela mesma. Esse raciocínio pode parecer
estranho aos nossos ouvidos amantes da
conformidade. (apud SANTIN & SIMMONS, 2002:02)

O mesmo argumento foi utilizado por um de nossos informantes, ao se


imaginar vidente:

Eu acho que se me perguntassem se eu


gostaria de enxergar, seria a mesma coisa que
me perguntar se eu gostaria de ser um
cachorro. Seguramente, entendeu? Então não
dá para você pensar o que você seria, se não
fosse você, se você fosse outra coisa. (XA, cego
congênito, 46 anos, informante de nossa
pesquisa)

Por todos esses motivos, optamos por trabalhar apenas com cegos que
nunca enxergaram, mesmo sendo considerado cego congênito a
pessoa que enxergou até os cinco anos, a fim de evitar interferências
de possíveis experiências visuais anteriores nos resultados da pesquisa.

Levando em consideração que o nosso objetivo era a compreensão

107
do processo de conhecimento espacial e não uma análise sócio-
cultural da comunidade de cegos congênitos, privilegiamos os
métodos de coleta de dados e análise qualitativos, nos quais a
validação dos resultados é dada, não pela quantidade de
informantes, mas pelos fenômenos percebidos, os quais sustentam a
qualidade dos resultados. Da mesma forma, no que se refere à
representatividade dos relatos, consideramos suficiente o total de 8
(oito) informantes. Este número foi determinado no decorrer da coleta
de dados, quando as narrativas tornaram-se repetitivas e alcançaram
o “ponto de saturação”. PREUSS (1999:112) define “ponto de
saturação” como sendo o momento no qual o pesquisador:

identificou um fenômeno que não emerge nem


da imaginação (no sentido de propensão a
criar fantasias) dos pesquisadores nem da de
um interlocutor mitômano: é aqui o social que
se exprime através das vozes individuais.

Para realizarmos o segundo recorte, entramos em contato com 32


cegos de diferentes faixas etárias e níveis de escolaridade. Essas
entrevistas-piloto forneceram-nos subsídios para elaborarmos os
questionamentos e testarmos a metodologia a ser aplicada. Neste
primeiro contato ficou evidente que as diferenças etárias, culturais e
de nível de instrução poderiam interferir, tanto na metodologia a ser
aplicada (precisaríamos de métodos de abordagem diferentes para
cada categoria social, cultural, etária...), quanto na análise dos

108
resultados que deveria então incluir diferentes variáveis que
influenciariam a apreensão espacial.

De posse desses dados, considerando o objetivo do trabalho e a fim


de permitir que o processo cognitivo pudesse ser melhor estudado,
definimos para o universo de informantes, todos independentes e
ativos socialmente, uma estreita faixa etária – 45 a 55 anos - e um
mesmo nível de instrução – terceiro grau completo. Este perfil dos
informantes teve grande relevância para o desenvolvimento deste
trabalho. Conforme destacou Huertas, Ochaíta & Espinosa (1993:239)
é “aproximadamente aos 18 anos [...] que a pessoa cega pode ser
capaz de estruturar um espaço conhecido de uma maneira abstrata e
coordenada.”

O fato de nossos informantes pertencerem a uma categoria de


pessoas com alto nível de instrução também foi importante, não pelo
processo de conhecimento espacial que, como vimos, independe do
grau de escolaridade, mas pela facilidade de verbalização e pelo
repertório de exemplos que estes informantes nos forneceram em
nossas longas e repetidas conversas.

O mais importante a ser frisado aqui, no entanto, é o fato de termos


percebido em nossas entrevistas-piloto (feitas com diversos cegos de
diferentes idades e escolaridade, como mencionamos acima), que
apenas aqueles informantes possuidores de um grau de escolaridade
mais elevado compreendiam a importância da atividade de pesquisa
que estávamos realizando e se mostravam abertos e dispostos a nos

109
fornecer as informações necessárias.

Outro fator determinante para a escolha dos informantes relacionou-


se com a aceitação da deficiência, uma vez que essa atitude
receptiva exerce grande influência na inter-relação homem -
ambiente:

Quando eu era criança, em todos os meus


planos de futuro eu enxergava, eu estaria
enxergando, eu não sei como, mas tinha
fantasia que ia ter um carro, que ia dirigir, isso
até os dezesseis, dezessete anos [...] então, foi
difícil me desvencilhar, foi um processo lento e
importante para a minha independência
espacial [...] mas tem pessoas que nunca se [...]
livram dessas fantasias e ficam sempre
dependentes de guias videntes. (XA, cego
congênito, 45 anos, informante da nossa
pesquisa)

O terceiro recorte refere-se ao recorte espacial, que fica


condicionado ao recorte social. Portanto, a partir das entrevistas,
escolhemos realizar as experimentações no Centro Cultural do Banco
do Brasil, Rio de Janeiro, por diversos motivos:

Figura 05-01: Vista externa • ser um espaço ainda não explorado pelos informantes;
do CCBB
Fonte: da autora • ter diferentes ambientes;

110
• não possuir relação afetiva com o informante;

• ter múltiplas funções;

• ter diferentes elementos sensoriais;

• apresentar estruturas espaciais passíveis de evocar a


imaginação dos informantes;

• poder ser percorrido com segurança, sem necessidade


de guia vidente;

5.2.2 Coleta de Dados

A coleta de dados foi realizada pela pesquisadora no período de


agosto a novembro de 200243. As entrevistas foram gravadas em fita
cassete, perfazendo um total de 30 horas de gravação, e transcritas.
O experimento foi filmado44 e as observações participativas gravadas

43
A coleta de dados foi realizada de segunda à sábado durante os quatro meses
descritos acima.
44
Para cada informante foram gastos cerca de 4 horas de gravação, o que acarretou,
somando-se às entrevistas filmadas, um total de aproximadamente 53 horas de
duração.

111
em fita cassete e transcritas. Parte deste material encontra-se
anexado a este trabalho. As fitas de filmagem, a totalidade de fotos e
as fitas de áudio estarão arquivadas no PROARQ/FAU/UFRJ para permitir
eventuais futuras consultas de pesquisadores interessados no assunto.

5.2.3 Instrumento da Pesquisa: passos metodológicos

O primeiro estágio da coleta de dados foi constituído por entrevistas


semi-estruturadas, a fim de se obter uma visão mais detalhada da
percepção de espaço dos usuários do ambiente construído. Estas
entrevistas serviram também para nos familiarizar com cada um dos
nossos informantes.

Num segundo momento, por meio de passeios individuais com o


acompanhamento da pesquisadora, observamos os informantes
experienciando um espaço desconhecido. Esta etapa contou com a
colaboração de dois alunos selecionados do curso de Arquitetura,
uma vez que não nos seria possível realizar, ao mesmo tempo, as
atividades de filmagem, fotografia, anotações de percurso (mapas e
croquis), e ainda observar, com a máxima atenção, os movimentos,
expressões e comentários dos informantes durante o experimento.

112
Esta observação participativa permitiu-nos conhecer o processo
experiencial dos informantes em um espaço não conhecido. Os
registros sobre as atividades desenvolvidas por alguns dos informantes
foram feitos em caderno de campo, bem como as observações e
anotações sobre a maneira como os espaços afetavam seus
desempenhos, estimulavam suas autonomias e em que medida estas
realmente atendiam às suas reais necessidades.

Ao final de cada percurso, trabalhamos com os mapas mentais, feitos


pelos informantes com massinha de modelar para facilitar a sua
execução e avaliação pelos cegos. Esta técnica permitiu-nos avaliar
o grau de conhecimento espacial e a maneira pela qual nossos
informantes estruturavam espacialmente as informações recebidas.

5.3 Entrevista Semi-Estruturada

Como falamos anteriormente, o objetivo das entrevistas era obter uma


visão detalhada da forma como os cegos congênitos percebem,
compreendem e avaliam o ambiente construído. A primeira parte da
entrevista, como de praxe, serviu para caracterizar os informantes,
enquanto as outras duas refletiam sobre as demais categorias do
processo experiencial.

113
Assim, após a introdução da lógica da entrevista45 e as perguntas
iniciais, destinadas a caracterizar os respondentes, prosseguíamos com
aquelas que buscavam explorar o nível de percepção, cognição e
avaliação do ambiente construído pelos cegos congênitos.

A primeira parte da entrevista buscou avaliar o significado do espaço


na vida dos informantes. A pergunta inicial “o que vem em mente
quando você pensa em ambiente construído / espaço / arquitetura?”
foi formulada com o objetivo de verificar a concepção dos cegos
sobre o espaço, convidando-os a dar uma descrição do seu
entendimento.

A pergunta seguinte “qual significado tem o ambiente construído para


você? o que se relaciona com a palavra ambiente construído para
você?” buscou enfatizar o significado do ambiente no cotidiano dos
nossos informantes.

A última questão “qual foi a sua experiência mais importante com o


ambiente construído? poderia falar desta situação?” procurou
averiguar a história pessoal de nossos entrevistados com relação à
experiência espacial destes.

45
Anunciávamos no início de cada entrevista: “nesta entrevista, eu irei lhe pedir várias
vezes que você me conte situações em que teve certas experiências com o ambiente
construído”
114
A segunda parte da entrevista explorou o nível de avaliação
ambiental, ou seja, buscou identificar quais atributos os respondentes
reconheciam no ambiente. A primeira pergunta “há ocasiões em que
você se sente melhor num ambiente do que em outro? poderia me
falar de uma situação deste tipo?” procurou constatar os sentimentos e
as experiências individuais e relevantes de nossos entrevistados.

A segunda e a última questão “então, o que faz você gostar ou não


de um ambiente?” e “poderia me dizer se existem características que
conferem qualidade aos ambientes? quais?” buscaram identificar os
atributos utilizados pelos nossos informantes para conferir qualidade
aos espaços.

Por fim, a terceira parte da entrevista destinou-se a avaliar a cognição


espacial de nossos informantes. A primeira questão “quando você se
desloca por um espaço pela primeira vez, como você identifica,
organiza e constrói mentalmente este ambiente? a qual característica
deste você fica atento? você recorre a um guia vidente? em quais
situações?” explorou o nível cognitivo de nossos entrevistados.

As demais perguntas: “não entendo muito sobre a sua maneira de


compreender e interpretar o espaço; poderia então dizer algo mais?”
e “há mais alguma coisa que você poderia dizer sobre as questões
que acabamos de discutir?” deixavam os informantes livres para
acrescentarem novos comentários que viessem ampliar nossa
apreciação sobre o tema.

115
Como dissemos anteriormente, este instrumento foi previamente
testado em entrevistas- piloto, para que fossem avaliados a
linguagem e o tempo de duração de sua aplicação.

5.4 Observação Participativa

GEERTZ (1983:89), um dos antropólogos americanos mais respeitados


pela elaboração de metodologia de pesquisa etnográfica, diz que:
“(...) o etnógrafo não percebe aquilo que seus informantes percebem
(...), o que ele percebe (...) é o ‘com que’, ou ‘por meio de que’, ou
‘através de que’ o grupo a que pertencem seus informantes percebe”
...o espaço construído (acrescentaríamos, em nosso caso).

Então, para que pudéssemos averiguar como os nossos informantes


percebem o meio ambiente, utilizamos, nesta segunda etapa do
estudo de caso, um plano de deslocamento, em escala 1:1, com a
observação participativa da pesquisadora. Esta etapa nos permitiu
verificar in locu o processo experiencial dos informantes com um
espaço não conhecido.

A experiência de navegação obedeceu a cinco passos


metodológicos:

116
• elaboração de um plano de deslocamento, composto
por cinco metas46;

• partida de um ponto espacial determinado;

• definição do itinerário pelos participantes do


experimento;

• acompanhamento e observação participativa da


pesquisadora;

• retorno até o ponto de partida pelo participante ao


final da navegação, para que então fosse realizado o
mapeamento mental.

Os participantes foram instruídos para que, durante o deslocamento,


exteriorizassem todos os aspectos ambientais que considerassem
relevantes ou que lhes servissem de guias. Deste modo, pudemos
anotar todas as variáveis do deslocamento, marcar as rotas por eles
percorridas e verificar a maneira como os espaços afetavam o
desempenho de seus deslocamentos, estimulavam sua curiosidade,
favoreciam suas autonomias, proporcionavam estímulos à imaginação

46
Os sujeitos deveriam localizar: o café; a livraria; os dois acessos e o guarda-volume.
117
e em que medida esse espaço realmente atendia às suas reais
necessidades.

Figura 05-02: Metas do Plano de Locomoção

118
5.4.1 Mapeamento

Partindo dos percursos realizados pelo grupo dos informantes no


Centro Cultural do Banco do Brasil, efetuamos uma leitura deste
espaço pela ótica das pessoas entrevistadas enquanto realizavam
suas atividades cotidianas.

Assim, pudemos mapear os itinerários percorridos pelos informantes a


fim de analisar sua memória espacial e sua antecipação cognitiva e
perceptiva. Esses elementos serviram para complementar a análise do
estudo de caso.

Finalmente, como dissemos acima, trabalhamos com os chamados


mapas mentais, que foram realizados com massa de modelar por
nossos informantes no final de cada experimento. Foram testadas
diferentes técnicas para a sua execução (como maquetes de papel
em escala reduzida, maquetes com blocos de encaixar - tipo "play-
mobil"- etc); a modelagem porém pareceu-nos a mais fácil de ser
manuseada e avaliada pelos cegos congênitos.

Avaliamos então o grau de conhecimento espacial; a seleção, a


codificação e a avaliação das informações contidas no ambiente; os
domínios não espaciais da experiência do ambiente; e a maneira pela
qual nossos informantes estruturavam espacialmente as informações

119
recebidas.

Portanto, ao final desses procedimentos pudemos avaliar a maneira de


experienciar os ambientes pelos cegos congênitos.

120
6 RESULTADOS E DISCUSSÕES

O estudo do ambiente construído, como fenômeno experienciado, foi


estruturado em três aspectos: nas percepções, nas cognições e nas
avaliações atribuídas a ele. Essas informações foram coletadas pelas
respostas dadas às entrevistas, pela observação participativa nos
deslocamentos e pelo mapeamento espacial realizado pelos sujeitos
deste estudo de caso. Para uma melhor compreensão, as avaliações
foram agrupadas de acordo com cada um dos três aspectos acima
apresentados e serão discutidas a seguir.

121
6.1 Percepção Ambiental

O estudo baseado nos preceitos da percepção ambiental foi


desenvolvido para verificar as respostas dos cegos congênitos aos
estímulos sensoriais do ambiente. Para isto, buscamos conhecer os
elementos sensoriais não-visuais - a audição, o tato e o olfato – que se
encontram no entorno físico e que constituem o referencial ambiental
adotado pelos cegos congênitos no seu deslocamento.

Observamos que os sentidos remanescentes servem de guia para a


pessoa cega na exploração ambiental. Nossos informantes, ao
relatarem suas vivências no espaço, evidenciaram a importância dos
demais sentidos para a orientação e para a locomoção segura e
eficaz. “Quando a gente falou [...] desses sentidos remanescentes -
que são a audição, tato, olfato – em extensão com o espaço, ele [o
cego] pode ser orientado [...] por esses indicadores.” (MG, cego
congênito, 46 anos, informante da nossa pesquisa)

Desta forma, a percepção do espaço está condicionada à habilidade


individual de integrar todas as informações sensoriais coletadas do
meio. Esta integração depende, também, da concentração e do
interesse do indivíduo.

Como vimos até o momento, os processos perceptivos estão baseados

122
em características individuais e constituem a chave para o sucesso da
exploração ambiental. Teceremos agora algumas considerações
sobre esse nosso estudo das sensações sonoras, táteis-cinestésicas e
olfativas relacionadas ao ambiente construído.

123
Figura 06-01: Anotações de Percursos
(HH, cego congênito, 55 anos, informante da nossa
pesquisa)

Detalhe mostrando a dificuldade sentida por nosso


informante nos locais onde existem diversos elementos
desordenados (chamamos no trabalho de complexidade).

124
Figura 06-02: Anotações de Percursos
(MZ, cego congênito, 46 anos, informante da nossa
pesquisa)

Os percursos não demonstraram ser atrativos.

125
Figura 06-03: Anotações de Percursos
(AH, cego congênito, 53 anos, informante da nossa
pesquisa)

Detalhe mostrando a dificuldade sentida por nosso


informante nos locais onde existem diversos elementos
desordenados (chamamos no trabalho de complexidade).

126
Figura 06-04: Anotações de Percursos
(JS, cego congênito, 46 anos, informante da nossa
pesquisa)

Detalhe mostrando a dificuldade sentida por nosso


informante nos locais onde existem diversos elementos
desordenados (chamamos no trabalho de complexidade).

127
Figura 06-05: Anotações de Percursos
(LA, cego congênito, 46 anos, informante da nossa
pesquisa)

Detalhe mostrando a dificuldade sentida por nosso


informante nos locais onde existem diversos elementos
desordenados (chamamos no trabalho de complexidade).

128
Figura 06-06: Anotações de Percursos
(MG, cego congênito, 46 anos, informante da nossa
pesquisa)

129
6.1.1 Sensações Sonoras

A arquitetura pode ser ouvida?47 A


maioria das pessoas diria provavelmente
que, como a arquitetura não produz sons,
não pode ser ouvida. (RASMUSSEN,
1998:233)

A locução de RASMUSSEN (1998), ao questionar o papel da audição na


arquitetura, reflete os temas que iremos abordar neste capítulo. Para
os cegos congênitos, a questão é facilmente respondida. Nossa
pesquisa fez-nos compreender que na ausência da visão a
compreensão da arquitetura passa a ser feita, principalmente, pela
audição.

“Os barulhos [...] são muito interessantes,


porque todo o lugar onde convivemos tem
barulhos diferentes, tem ruídos diferentes.” (MG,
cego congênito, 46 anos, informante da nossa
pesquisa)

47
Grifo feito pela autora.
130
De fato, nós pesquisadores – videntes – temos muita dificuldade em
analisar as mudanças sutis de sons; ficamos tão impressionados com os
aspectos visuais que não valorizamos estas variáveis ambientais.

Assim sendo, uma das funções desempenhadas pelo sentido auditivo


é fornecer dados que conduzam à identificação do caráter do
edifício. Para ilustrar essa colocação, JS (cego congênito, 46 anos,
informante da nossa pesquisa), antes de dar início ao experimento,
relatou- nos que:

“aqui nunca poderia ser um bar ou um café,


devido ao ambiente, o ambiente aqui é mais
requintado. O ouvido, a audição, tem a
sensibilidade de mostrar a mudança de lugar”

De fato, o lugar onde estávamos possuía uma acústica impressionante,


e mesmo com o cheiro exalado pela cafeteria, jamais seria “um bar ou
um café”, na sua forma mais conhecida. Nós pesquisadores, videntes
e participantes da experiência ao lado do informante, havíamos
sentido esse requinte ao qual nosso informante se referiu, por meio das
impressões visuais, como o apuro do traçado original, das colunas, dos
ornamentos, da grande cúpula, da riqueza dos materiais utilizados.
Figura 06-07: Vista geral do Foyer
Após o comentário do informante, percebemos que a acústica
Fonte: da autora
daquele local - de fato especial, dada pela amplidão dos espaços,
pela altura do pé direito e pelo “burburinho” dos visitantes -, somada

131
aos sons do ambiente, principalmente o badalar de um sino48 que
ecoava por toda a extensão daquele espaço, jamais lembraria um
bar.

Este mesmo informante, ao descrever suas experiências espaciais,


aduziu que:

A Igreja Católica se define por espaços bem


amplos, aquela acústica tremenda, o padre
cantando, aquilo tudo me impressionou muito
quando eu era criança. Dava um misto de
temor e medo. (JS, cego congênito, 46 anos,
informante da nossa pesquisa)

Nós pesquisadores videntes nos surpreendemos com a força da


imagem simbólica contida no conjunto de sons percebidos no interior
de uma catedral. No entanto, pareceu-nos fácil traçar um paralelo
entre esta cena e a força imagética que traz o impacto de se
penetrar “visualmente” numa catedral, não só pelo aspecto místico,
como também pela amplidão do lugar. Se, para o vidente, a
amplidão “atemoriza [...] É o mesmo terror que o homem sente diante

48
Nós pesquisadores tínhamos percebido o sino que ecoava de tempo em tempo no
ambiente, mas foi nosso informante que verificou a correlação existente entre as
batidas e o horário.

132
do Vazio – do Universo, do Infinito. [...] a imensidão é tão misteriosa [...]
tão habitada por fantasmas” (COELHO NETTO, 1979:65), é simples
compreender o teor imagético de “temor e medo” deste depoimento
feito por nosso informante cego congênito.

Nossa pesquisa constatou também que a direção de onde provêm as


fontes sonoras produzem o sentido de localização espacial. A análise
do modo como nossos informantes se locomoviam pelo espaço do
CCBB confirmou a grande facilidade dos cegos para distinguir a
localização da fonte sonora – direita e esquerda – e se guiarem por
elas.

“Ouvi um som, e eu penso assim: eu vou andar


na direção daquele som.” (MZ, cego
congênito, 46 anos, informante da nossa
pesquisa)

“Deixa eu ouvir o som que eu chego no café[...]


então seguindo a livraria chegaremos na outra
porta. Ah, ela é facilmente identificada pelo
som do exterior...” (HH, cego congênito, 55
anos, informante da nossa pesquisa)

Assim, como verificamos, os acessos ao edifício do CCBB eram

Figura 06-08: Vista geral do Acesso facilmente identificados. Essa destreza, segundo os cegos, se deu
da Rua Presidente Vargas principalmente pelos ruídos, que vinham das ruas, produzidos pelos
Fonte: da autora automóveis.

133
“O barulho do carro me orienta [...] Aí, ouvindo
esse barulho, ou eu chego na saída ou numa
janela aberta, eu posso encontrar uma janela
aberta, com certeza.” (MZ, cego congênito, 46
anos, informante da nossa pesquisa)

Desta forma, a pesquisa nos fez compreender que, para os cegos,


uma das primeiras tarefas de reconhecimento espacial consiste em
localizar e distinguir as fontes sonoras, para depois comprová-las por
meio dos demais sentidos. Os depoimentos que se seguem ilustram
esta colocação:

“Pelo barulho eu tenho mais ou menos a idéia


de onde eu vou virar para achar a saída.” (AH,
cego congênito, 53 anos, informante da nossa
pesquisa)

“O resto é você realmente ir ao local e escutar


o máximo que você puder. Se você nunca foi,
a primeira vez será sempre difícil ir com sucesso
nesse lugar a não ser que você tenha muita
colaboração das pessoas.” (JS, cego
congênito, 46 anos, informante da nossa
pesquisa)

“Quando eu entro num espaço pela primeira


vez, busco alguma informação sonora, através
dos movimentos [para frente, para trás e para
os lados], da minha cabeça consigo detectar
quais os sons que existem naquele lugar e a
direção de onde eles estão vindo.” (XA, cego

134
congênito, 45 anos, informante da nossa
pesquisa)

“se você me coloca, num meio de uns 500


metros quadrados, mas se em algum lugar tem
um som, eu me volto pra esse som
imediatamente, entendeu, ele já é a minha
referência, tá? com certeza ele é. Uma vez
fizeram isso comigo em uma sala [...] vamos
fazer o seguinte cara, vamos pegar tua
cadeira, vamos rodar você bastante e eu
quero ver se você consegue sacar a direção
de alguma coisa. Aí rodou, rodou, rodou,
rodou, rodou, aí parou e eu apontei o terminal
de computação [e disse:] -Vocês esqueceram
de desligar: ele faz som.” (MZ, cego congênito,
46 anos, informante da nossa pesquisa)

Um outro aspecto relevante, gerado pela informação auditiva, refere-


se à localização espacial, ou seja, os sons informam os cegos a
respeito de seu entorno imediato e os capacitam para perceber a
distância e a dimensão ambiental.

Por meio do nosso estudo de caso, confirmamos que – como falamos


no item relacionado à questão da audição - a percepção da
distância e a da dimensão são produzidas pela intensidade acústica
emitida por uma fonte sonora. Desta maneira, a informação do
entorno imediato é dada pela reverberação e pelo eco gerado nos
ambientes. O grupo em estudo foi unânime em enfatizar afirmações
como as que se seguem:

135
“A janela está aberta [...] Então, eu, ao ouvir o
barulho lá de fora, tenho sentido de distância e
altura,não é? Por isso que o mundo
murmurante é mais interessante. Por que com
a janela aberta, tem o murmurante para me
ajudar.” (MZ, cego congênito, 46 anos,
informante da nossa pesquisa)

“Por exemplo, eu falo com você, minha voz


bate na parede e sinto, eu sinto isso. Então
quando chego numa sala, eu sei a dimensão
da sala, a não ser que essa sala tenha um
revestimento acústico muito bom, que o som
bate e não volta. Aí eu não consigo perceber
bem. Ou então pode ter muita reverberação
que embola tanto e também não dá pra eu
saber dimensionar bem. [...] O som do meu
taco no chão bate [...] e volta pra mim.” (XA,
cego congênito, 45 anos, informante da nossa
pesquisa)

“pelo som que aquilo tem. É você... tem mais


ou menos idéia se tem muito espaço
dependendo da acústica.” (LA, cego
congênito, 46 anos, informante da nossa
pesquisa)

“Ah! Meu único sentido de distância é a


audição, mas as coisas não murmuram o
tempo todo, não é como o visual, que estão ali
para você ver. A audição, as coisas, não são
murmurantes... se fossem isso aí ficaria super
interessante, bolar uma arquitetura
murmurante.” (MZ, cego congênito, 46 anos,
informante da nossa pesquisa)

136
Como observamos, esta característica perceptiva de uma “arquitetura
murmurante” facilita a locomoção dos cegos e também os habilita a

detectar obstáculos, antes deles serem atingidos49 – pelo bastão ou


por alguma parte do corpo - servindo como indicador ambiental, guia
para o deslocamento, entre outras coisas; por isso nossos informantes
foram unânimes em ressaltar a importância dos sons para o
conhecimento espacial, como ilustram os exemplos a seguir:

“se você tampar o meu ouvido, nem dentro do


meu apartamento, que é pequenino, um
quarto e sala, eu ando. Não tem como andar.”
(XA, cego congênito, 45 anos, informante da
nossa pesquisa)

“o problema é o seguinte: durante muito tempo


o pessoal discutiu, porque a gente percebe o
obstáculo na frente, tá? Então [...] alguns
levantaram a hipótese que nós teríamos um
sentido de obstáculo aqui, na testa. Os mais
místicos falam de terceira visão no meu caso,
seria a primeira. E o pessoal já me perguntou se
eu tenho o sexto sentido? Eu digo que sim. [...]
Mas o certo é o seguinte: é realmente a
audição que faz isso.” (MZ, cego congênito, 46
anos, informante da nossa pesquisa)

49
Esta capacidade é conhecida como visão facial ou sentido do obstáculo. (ver item
relacionado à audição)
137
“a coisa mais importante para os cegos na
locomoção é a audição [...], se você não ouvir
.... você praticamente está nulo e a audição
pra mim ou para qualquer cego, até onde se
pode fazer a proporção eu acho que a
audição substitui e muito a visão.” (JS, cego
congênito, 46 anos, informante da nossa
pesquisa)

“nós estamos conversando e isso me permite....


que eu chegue à parede e ponha a mão. Eu
simplesmente pus a mão na parede e dei um
tapa mas eu já tinha localizado a parede antes
de dar o tapa. Isso eu percebo, eu sinto que
existe uma coisa ali além da mesa e eu sei que
essa mesa não está muito distante da parede
do lado de cá. E claro, como nós estamos
conversando dentro dessa sala e o som vai e
vem a gente entende até pelo próprio timbre
da nossa voz porque o espaço é.., digamos, o
espaço tem um timbre característico. Quando
você entra num espaço muito pequeno, você
fala e a sua voz ganha um determinado som.
Porque os estúdios de rádio têm o formato que
tem? [...]Aqui não é tão semelhante a um
estúdio mas tem alguma coisa, você sente
alguma coisa nesse tipo de som, mais fechado
à reverberação fica mais... dá uma diferença
no som e a gente percebe o tamanho do
espaço por isso também.” (HH, cego
congênito, 55 anos, informante da nossa
pesquisa)

“eu detecto a porta, digamos assim, se eu


estou caminhando e lateralmente a mim tem
uma parede pode ter ali mil portas
fechadas, que eu não vou perceber, mas se

138
tiver um espaço aberto naquela parede eu vou
perceber, né? A gente percebe é que a
audição tem a ver com isso quando a gente
tapar o ouvido e a gente não conseguir andar.
Se eu colocar um algodão em cada ouvido eu
vou ter muita dificuldade para me locomover.”
(AH, cego congênito, 53 anos, informante da
nossa pesquisa)

“A percepção do obstáculo, eu sei que tem um


obstáculo, eu não sei te dizer, eu não sei fazer a
descrição do obstáculo, esse obstáculo pode
ser uma parede, pode ser alguma coisa que
você colocou, ou seja, eu tenho apenas a
percepção do obstáculo, uma vez eu fiz uma
coisa quando trabalhava no IBGE. Para vocês
uma porta de vidro é absolutamente
inexistente, pra mim não. Eu percebo a porta
de vidro como qualquer parede, então o que
eu fiz: chamei um amigo meu [vidente] para a
gente ir almoçar, aí eu peguei e disse: fulano
vamos embora, não sei o que mais... e eu sabia
que a porta tava fechada; botei ele na frente e
ele deu de cara com a porta!” (MZ, cego
congênito, 46 anos, informante da nossa
pesquisa)

É interessante destacar que alguns cegos, quando se encontram em


ambientes amplos ou quando não estão em movimento, produzem
sons que, a partir da reverberação, se transformam em indicadores
ambientais. Este fato foi, por diversas vezes, observado na realização
das entrevistas e no experimento, e confirma a importância da

139
audição no deslocamento seguro de nossos informantes.

Nosso informante LA, durante a realização da entrevista, estalava,


constantemente, seus dedos em diversas direções do ambiente.
Segundo ele, esses estalos serviam para analisar o "retorno do som"
possibilitando, assim, a percepção dos obstáculos do entorno. Como
explicou LA:

“O som saiu daqui, bateu em algum lugar que


eu quero perceber e voltou pra mim. Quer
dizer [...] aquela volta me dá a idéia da
distância dele. [...] como eu te falei do eco.”
(cego congênito, 46 anos, informante da nossa
pesquisa)

Com esse procedimento, nosso informante teve uma percepção


global do espaço, inclusive geométrica, de onde estávamos
realizando a entrevista. Abaixo apresentamos um trecho do relato por
ele feito:

“a parede está assim. Tem uma outra aqui


atrás de mim [abre seus braços e delimita,
exatamente, a dimensão da divisória que
estava atrás dele], que eu não sei bem o que é,
mas está vindo, ô está aqui ó! [...] Eu estou
percebendo que aqui, por exemplo, é tipo um
corredor assim [gesticula mostrando
exatamente a direção do corredor]. Que tem

140
amplidão dele, eu percebi por que você veio
de lá antes e você estava lá longe. Aí você
sente mais ou menos a distância, que tem... é...
estou sentido isso aqui como um corredor [...]
está me parecendo, aquilo eu não explorei. Eu
cheguei aqui, sentei aqui. [...] então está me
parecendo assim uma coisa reta.... tipo
retangular, né?” (LA, cego congênito, 46 anos,
informante da nossa pesquisa)

Cabe ressaltar que as observações que LA fez sobre o ambiente em


que nos encontrávamos impressionou-nos bastante pela sua exatidão:
o tamanho exato da divisória (quando abriu os braços e mostrou que,
atrás dele havia uma parede daquele tamanho), a forma do corredor
e sua direção, entre outras.

De forma semelhante, observamos que MZ (cego congênito, 46 anos,


informante da nossa pesquisa) cantarolava enquanto deslocávamos
pelo espaço onde estávamos realizando o experimento. Segundo ele,
este procedimento servia para informá-lo da presença de obstáculos,
uma vez que o espaço era amplo e as reverberações produzidas pelos
seus passos e pelo contato da bengala no piso não forneciam dados
suficientes para um deslocamento seguro.

Compreendemos também que para nossos informantes, os espaços


amplos dificultam seus deslocamentos. Foi interessante verificar que o
conceito de amplidão, para nossos informantes, está relacionado à
falta de reverberação. Assim, “um espaço é amplo, quando não
conseguimos perceber a presença das paredes que o circundam.”

141
(ED, cego congênito, 56 anos, informante da nossa pesquisa). Sobre os
espaços amplos, coletamos algumas observações curiosas fornecidas
por nossos informantes:

“Esses espaços amplos para a gente se


locomover são terríveis. E acrescento a isso que
se tiver muito ruído [fica pior]. Quando o
espaço é alto é muito pior, dada à
reverberação e ao eco (...). Agora, se você
passa por ali com freqüência, você consegue
resolver a dificuldade, mas numa primeira ou
segunda vez é muito difícil.” (JS, cego
congênito, 46 anos, informante da nossa
pesquisa)

“Existem lugares, por exemplo, onde o espaço


é difícil de você se integrar a ele. Por exemplo,
uma coisa muito ruim pra uma pessoa que não
enxerga, é um lugar grande demais e vazio.”
(MG, cego congênito, 46 anos, informante da
nossa pesquisa)

Figura 06-09: Vista geral do “[quando o espaço é] uma coisa muito ampla,
entroncamento entre a cafeteria, então você não tem a percepção do teu
livraria e restaurante entorno (...) O problema é que, se eu não
Local onde como observamos nas tenho um ponto de percepção do som, aí fica
figuras 06-01 a 06-06 nossos difícil. É o problema da orientação, se você
informantes tiveram dificuldades na fala em espaço me vem à mente a questão da
locomoção. amplidão.” (MZ, cego congênito, 46 anos,
Fonte: da autora informante da nossa pesquisa)

142
Mas, mesmo admitindo que a amplidão espacial prejudica o cego em
seus deslocamentos, constatamos, na análise seqüencial do percurso
de nossos informantes, que a desorientação era causada menos pela
amplidão do espaço, como eles se referiam, do que pela falta de
ordenamento espacial. (ver figuras 06-01 a 06-06)

Nossas observações fizeram-nos compreender que a audição é um


sentido passivo - diferentemente da visão e do tato. Dependendo do
interesse, a pessoa situada em um determinado ambiente pode
escolher o que olhar e o que tocar; o ouvido, por sua vez, recolhe
todas as informações sonoras que o ambiente produz. Acreditamos
ser esta a razão que faz com que a eficiência da audição, enquanto
fator de conhecimento espacial, dependa da vivência e do
treinamento de cada pessoa para selecionar os sons que são
importantes e realizar seu deslocamento com segurança e
confiabilidade.

Por esse motivo é que todos os informantes atribuem valor positivo aos
ambientes que possuem conforto acústico. Verificamos, pelos
depoimentos, que o excesso de barulho causa perturbações
emocionais e desorientação espacial. Os trechos a seguir ilustram
Figura 06-10: Vista geral da
bilheteria como nossos informantes se sentem frente aos ruídos "desconfortáveis".

Local onde como observamos nas


figuras 06-01 a 06-06 nossos
informantes tiveram dificuldades na “Só de pensar no barulho da britadeira me dá
locomoção. tontura.” (LA, cego congênito, 46 anos,
Fonte: da autora informante da nossa pesquisa)

143
“Eu detesto ambiente com muito barulho [...] e
eu evito sempre que eu posso esses
ambientes.” (AH, cego congênito, 53 anos,
informante da nossa pesquisa)

“Este excesso de barulho me deixa


completamente desorientada.” (DP, cego
congênito, 42 anos, informante da nossa
pesquisa)

As evidências colhidas ao longo destas páginas são um forte


testemunho em favor da importância da percepção auditiva para o
conhecimento e o bem-estar no interior de um ambiente construído.
Vimos que a audição tem uma grande participação na identificação
do caráter do edifício, localização espacial, localização de obstáculos
e na identificação da distância e do dimensionamento de um
ambiente. Certamente, essas informações adquiridas mediante
sensações sonoras são associadas às demais sensações para melhorar
a cognição espacial de nossos informantes.

144
6.1.2 Sensações Táteis e Proprioceptivas

Após analisarmos o papel desempenhado pela audição, veremos


como o tato e os sentidos proprioceptivos50 atuam na orientação e na
identificação do meio ambiente.

Os sentidos táteis e proprioceptivos, mesmo possuindo receptores


diferentes, atuam na percepção espacial de forma conjunta.
Conforme HUERTAS; OCHAÍTA & ESPINOSA (1993:208) estes sentidos, quando
unidos, passam a ser denominados de modalidade sensorial háptica, e
dependem dos receptores que se excitam pela estimulação
mecânica da pele e pelas repercussões cinestésicas ou do movimento
que se produzem ao entrar em contato com os objetos.

Portanto, esta modalidade sensorial está relacionada à compreensão


da totalidade do corpo pela pessoa cega. Desta maneira, ela recebe
informações sobre forma, tamanho, superfície, textura, posicionamento
relativo dos objetos, movimento corporal, temperatura e umidade.
Assim, ao explorar os espaços com suas mãos, pés e todo seu corpo,
essas pessoas passam a compreender e a atribuir valor ao mundo que
as rodeia.

50
Como descrito no capítulo 2.2, consideram-se proprioceptivas as sensações relativas
aos sentidos do movimento, cinestésico, vestibular e dor.
145
“levar uma criança [cega] para conhecer o
que é uma porta, uma porta de ferro, uma
porta de madeira, [...] de correr, o que é uma
janela [...] para saber que há mudanças e
diferenças. E é isso que vai trazendo [a noção
do] estético para uma pessoa cega, vai
trazendo a noção de belo. Porque, através do
tato, você pode dizer que uma coisa te agrada
menos do que outra.” (MG, cego congênito, 46
anos, informante da nossa pesquisa)

“Essa base [pilastra do lobby do CCBB],ela é,


presumo eu, quadrada ou retangular. Quer
dizer, a nossa tendência quando pegamos em
alguma coisa [...] é imaginar a coisa completa,
perfeita. Claro que pode não ser, como isso
aqui eu imagino que seja um cilindro mas pode
ser que do outro lado não seja exatamente
arredondado como esse lado que eu estou
Figura 06-11: Vista detalhe da pegando, mas a tendência natural é essa.”
Pilastra (AH, cego congênito, 53 anos, informante da
nossa pesquisa)
Fonte: da autora

Como pudemos identificar nesses depoimentos, o tato está associado


ao saber, ao conhecer e é por meio dele que os materiais são
identificados e classificados. Vimos que o ato de tatear uma parte do
objeto ativa a imaginação para que o todo seja compreendido e
assimilado. O mesmo processo foi observado em outros informantes
que, ao conhecerem parte de um determinado espaço, procuravam
formular mentalmente o complemento do local para entendê-lo na
sua totalidade. Esta mesma capacidade é apresentada pelos

146
videntes que ao olhar parte de um objeto, tendem a ajustar sua
percepção para compreendê-lo em sua totalidade, mesmo que esta
não se apresente em seu campo de visão.

O relato de MZ (cego congênito, 46 anos, informante da nossa


pesquisa) explica a importância do tato na identificação dos
materiais, neste caso, uma porta de vidro:

“Eu sabia que era uma porta de vidro [...] pelo


tato, obviamente. (...) aí você vai conjugar
tudo [textura e o calor] né? ... aí você vai
conjugar qualquer coisa que com o tato a
gente "saca".”

Assim, vemos que, para que haja percepção através do tato, faz-se
necessário o contato físico entre o receptor e o estímulo pois, do
contrário, a identificação seria apenas superficial – tal como um
obstáculo51.

Por necessitar do contato, em espaços de grandes dimensões, a


percepção e o conhecimento, se dá de maneira seqüencial e

51
Esta palavra obstáculo é muito utilizada por todos os cegos e significa qualquer
objeto ou parede que possam ser percebidos através da reverberação do som, sem
necessitar de contato, se tornando, desta maneira, uma apreensão superficial.

147
sucessiva, para depois serem organizadas, em conjunto, mentalmente.
Essas observações surgiram da análise dos relatos de nossos
informantes, cujos exemplos apresentamos a seguir:

“Tamanho, também para nós, é crucial.


Porque você vê da parte para o todo; então,
se você pega uma parte de uma peça muito
grande, aquela noção de conjunto fica
prejudicada e pra mim, o grande problema
arquitetônico é a visão do conjunto.” (MG,
cego congênito, 46 anos, informante da nossa
pesquisa)

“o tato é um sentido analítico, tá? ... ele


trabalha dado por dado, pega um objeto
qualquer, certo? Você pega uma caneta, a
caneta é um objeto comprido, à medida que
você apalpa essa caneta você vai percebendo
a forma dela e vai organizando aquilo na
cabeça, compondo aquilo na cabeça.[...] Mas
quando eu penso na caneta eu penso
exatamente naquela forma que eu construí
mentalmente, a gente usa o tato como fonte de
informação, como meio de informação que a
cabeça constrói o objeto, constrói aquela
forma e guarda aquilo na memória, a memória
tátil ela tem que funcionar assim exatamente
de forma analítica, porque é de forma analítica
que o tato funciona.” (HH, cego congênito, 55
anos, informante da nossa pesquisa)

“Porque com o tato você percebe o objeto


concreto, quer dizer, nas três dimensões, você
pega no objeto e reconhece a forma do

148
objeto. E com a visão é diferente, pois,
dependendo da posição que você olha, você
vê o objeto de forma diferente.” (AH, cego
congênito, 53 anos, informante da nossa
pesquisa)

Quando consideramos o tato no sentido lato do termo, ou seja,


englobando, por exemplo, a percepção da direção do vento (ou
corrente de ar) na pele, ou quaisquer sensações ligadas ao
movimento corporal, temperatura e umidade, entendemos sua
extrema importância como ferramenta na compreensão do espaço.
No entanto, é interessante verificar que, nas entrevistas, nossos
informantes atribuíram pouco valor ao tato quando estávamos
tratando da compreensão do ambiente construído, comprovando a
tendência existente em associar a percepção tátil apenas aos
movimentos exploratórios das mãos (estereognose52 manual). Os
depoimentos citados abaixo confirmam essa tendência, verificada
junto a nossos informantes.

“Foi uma emoção muito grande entrar na


capela, passar a mão nos altares, passar a mão
naquelas esculturas todas.” (MG, cego
congênito, 46 anos, informante da nossa
pesquisa)

52
Estereognose significa a capacidade do indivíduo de perceber e compreender a
forma e a natureza dos objetos por meio do tato.
149
“o tato é um deles, agora se for uma pessoa
cega, ele é o que permite a leitura [...].
Pessoalmente, já falei anteriormente, eu não
sou uma pessoa com muita habilidade...
porque a habilidade, eu acho, ela independe
da história da visão, então essa habilidade
envolve também o tato, sei lá, tem alguma
coisa a ver. Você desenvolve o tato na medida
em que você se torna atento a detalhes que
você tenha que usar o tato pra cumprir um
determinado objetivo.” (LA, cego congênito,
46 anos, informante da nossa pesquisa)

Contudo, mesmo que, no deslocamento ambiental do cego, o aviso


tátil possa ser menos utilizado do que o auditivo, ele é muitas vezes
decisivo para uma locomoção segura e independente.

Por esse motivo, é que o bastão branco53, utilizado diariamente pela


maioria das pessoas cegas, age como um prolongamento do corpo,
dando segurança e realizando um rastreamento tátil pelos espaços
desconhecidos.

“a gente tem que andar sempre com a


bengala [na rua] ... movimentando a bengala

53
Também conhecido como bengala longa, o bastão branco identifica seu usuário
como uma pessoa cega, servindo como proteção da parte inferior de seu corpo, ele faz
com que se evite colisões e obstáculos, sendo por isso, considerado como uma
extensão do sentido tátil da pessoa cega. (MELO, 1991:57)

150
para se defender dos obstáculos, o que às
vezes nem é possível. Porque um orelhão, ela
não vai detectar pois a testa já detectou
primeiro [...] uma grade é uma coisa aberta e a
gente não percebe muito [pela audição]; a
gente percebe uma parede, não percebe a
grade, e é claro que a bengala acaba
detectando” (AH, cego congênito, 53 anos,
informante da nossa pesquisa)

A familiaridade que muitos cegos congênitos desenvolvem com o


ambiente torna dispensável o uso da bengala. Este fato está
relacionado ao conhecimento espacial e o seu uso em locais
conhecidos foi bastante criticado por todos os entrevistados:

“eu sou do tempo que usar bengala dentro do


instituto era heresia. E hoje em dia está todo
mundo usando, andando de bengala, mas no
meu tempo, quem fizesse uso, seria
devidamente esculachado, com certeza
menosprezado. Vai andar de bengala dentro
do instituto?” (MZ, cego congênito, 46 anos,
informante da nossa pesquisa)

“a bengala é um recurso muito bom, é um


grande recurso, para a gente.. mas nós não
podemos ser dependes delas. Há pessoas que
usam bengala aqui dentro do Instituto, isto é
um absurdo!” (HH, cego congênito, 55 anos,
informante da nossa pesquisa)

151
Verificamos, no experimento, que o reconhecimento do ambiente era
feito, em geral, de forma ordenada e seqüencial. Esta investigação
espacial, quando da ausência de uma fonte sonora ou auditiva, era
geralmente realizada paralelamente à parede e sempre com o auxílio
do bastão branco. Desse modo, os cegos iam se familiarizando com
os mobiliários, as formas dos espaços e as distâncias que os
interligavam. Com a leitura de Villey (1936) compreendemos que,
neste momento, eles estariam também procedendo a um
mapeamento mental do lugar, o que os levaria a um conhecimento
do espaço. Segundo o referido autor, o cego processa mentalmente
correlações entre os pontos de referência detectados e, em seguida,
sua compreensão espacial se torna plena, ou seja, basta detectar um
dos pontos que todos os demais passam a ser imediatamente
apontáveis. Voltaremos a esse assunto em breve.

Um de nossos informantes, matemático, conhecedor da geometria e


trigonometria, portanto, e dotado de grande habilidade espacial,
depois de realizar o reconhecimento do lobby do Centro Cultural do
Banco do Brasil (ver figura 06-03) apresentou-nos um relato que
demonstra a construção dessa inter-relação entre pontos de
referência:

“Aqui tem uns bancos, são muitos elementos...


eu percebi que poderia ser... percebi este
Figura 06-12: Vista geral do Foyer espaço [lobby] como um quadrado, mas me
pareceu ter alguns elementos que parecem
Fonte: da autora fazer uma curva. Mas o espaço em si é

152
quadrado. Se eu for caminhando em frente e
depois virar à esquerda, eu vou passar pelo
café e vou chegar lá onde a gente estava
antes - no guarda-volume – e, mais adiante, eu
vou chegar na Presidente Vargas.. se eu virar
no balcão à esquerda eu vou encontrar aquela
outra saída do cinema.” (AH, cego congênito,
53 anos, informante da nossa pesquisa)

No momento do relato, nosso informante já havia estabelecido um


ordenamento espacial, claramente descrito através dos movimentos -
à direita ou à esquerda - que ele realizou no ambiente. Devido à sua
habilidade pessoal e por seguir contornando o lobby com seu bastão,
conseguiu identificar sua forma, que é realmente quadrada e
composta por elementos que formam um círculo fragmentado (ver
figura 06-03). Esta observação ilustra nossa convicção de que é
impossível dissociar o tato dos sentidos proprioceptivos para a
percepção de um ambiente construído.

Os depoimentos de nossos informantes indicaram a importância do


deslocamento para o conhecimento e a memorização de um
ambiente.

“eu tenho prazer, por exemplo, em ter um


espaço que me permite me movimentar dentro
dele.” (HH, cego congênito, 55 anos,
informante da nossa pesquisa)

“Através da experiência e da memória

153
muscular a gente conhece os espaços e,
também, tem o seguinte à própria prática, nos
lugares que a gente está habituado, a andar, a
gente vai sentindo por onde passa, sabe por
onde vai passar.” (HH, cego congênito, 55
anos, informante da nossa pesquisa)

“Pelas curvas que eu faço, eu conheço. Do


meu bairro eu conheço.” (JS, cego congênito,
46 anos, informante da nossa pesquisa)

“a mais difícil [de ser percebida] seria a .... se


você colocar em termos de comprimento,
largura e altura, seria a altura até por razões um
pouco óbvias, porque o comprimento e a
largura você está convivendo com eles no dia-
a-dia, você convive com .... você anda se
desloca, enfim... você sempre se desloca,
teoricamente de uma forma bidimensional a
não ser que haja uma escada, enfim... mas...
é... assim mesmo quando você tem uma
escada e como ela não é vertical, não é? Até
aí mesmo a altura fica um pouco
escamoteada, porque você está de todo modo
se deslocando para cima mas também está se
deslocando para frente. Então a altura fica
escamoteada.” (AH, cego congênito, 53 anos,
informante da nossa pesquisa)

Nas entrevistas e nos experimentos identificamos, também, o quanto


as aberturas (portas e janelas) - por trazerem o calor, a brisa e o
contato com o exterior - são importantes para a navegação e para a
localização ambiental dos cegos. Acreditamos que, tal como disse

154
HALL (1966:63), mais do que a audição, o sentido térmico auxilia esses
indivíduos em seus deslocamentos.

“Bom, pra mim, o principal é o sol pela manhã,


por exemplo. O sol pela manhã... Você ter
uma janela principal onde você sente aquele
ar vindo de fora. Onde você tem aquele sol,
onde você tem o vento corrente. Aquela
história da brisa eu sou encantado.” (LA, cego
congênito, 46 anos, informante da nossa
pesquisa)

“Quando eu era rapaz, eu gostava muito de


passear ali na Praia Vermelha, no final da tarde
[...] talvez pelo fato de o sol estar se pondo e
logicamente o calor estar se reduzindo, talvez
provoque essa sensação né? Embora a gente
não veja a luz, aquela troca da luz do dia pela
da noite enfim... aquilo que todos descrevem
do crepúsculo, que a gente não vê, a gente
não tem uma idéia exata do que seja
visualmente, mas que na gente também
provoca uma sensação agradável e gostosa.”
(AH, cego congênito, 53 anos, informante da
nossa pesquisa)

“Numa casa, pra mim, o que é legal é ter o sol


da manhã entrando no quarto. Eu gosto muito,
me dá a sensação de notar que o dia
amanheceu, isso é importante, sabe?” (XA,
cego congênito, 45 anos, informante da nossa
pesquisa)

155
“[falando do MAM- Niterói] Muito interessante!
Um espaço amplo, muito arejado [...] um
espaço agradável, gostoso! Tem o vento do
mar, te dá aquela leveza que o mar sempre te
traz, esse toque de leveza.” (MG, cego
congênito, 46 anos, informante da nossa
pesquisa)

Finalmente, podemos concluir - embasados nas informações


adquiridas através do estudo de caso - que a percepção tátil-
cinestésica está associada ao conhecimento de um objeto, sua forma,
tamanho, textura, temperatura, umidade. Os processos de captação
das informações ambientais se dão analiticamente e dependem da
ação exploratória de cada indivíduo, bem como de sua habilidade
pessoal. Neste sentido, concordamos com HALL ao asseverar que: “O
tato é, entre todas as sensações, aquela experimentada de modo
mais pessoal.” (1966:65) Conseqüentemente, a percepção do
ambiente construído estrutura-se de forma seqüencial e sucessiva.
Passaremos agora para a análise da percepção olfativa espacial.

6.1.3 Sensações Olfativas

Nossa pesquisa nos fez compreender o quanto o olfato, para os cegos,


está intimamente relacionado com a orientação. A partir das

156
diferenças de odores produzidos pelo ambiente, as pessoas cegas são
capazes de identificar, distinguir e conhecer determinados elementos
do espaço e se situarem nele.

Pudemos compreender a importância do sentido olfativo, a princípio,


pelas declarações feitas pelos nossos informantes, como ilustram
alguns depoimentos a seguir:

“todo o ambiente da nossa casa, mesmo


dentro da nossa casa, tem cheiros diferentes,
não é? O quintal tem cheiro característico, a
cozinha, o banheiro. Então a gente vai
fazendo com que a criança [cega] vá se
ambientando e adquirindo essa noção
espacial de onde ela está.” (MG, cego
congênito, 46 anos, informante da nossa
pesquisa)

“Então cheiro a gente identifica muito.” (JS,


cego congênito, 46 anos, informante da nossa
pesquisa)

“O espaço aberto, primeiro, lhe dá uma


sensação de liberdade. Depois, em geral, ele
tem um ar mais agradável de você respirar, um
contato do ar mais agradável, geralmente tem
os odores, os cheiros são mais agradáveis.”
(AH, cego congênito, 53 anos, informante da
nossa pesquisa)

“Por exemplo, estou eu à procura do

157
supermercado. Eis que aparece o cheiro do
supermercado. [...] Ah! É um cheiro muito
confuso.... mas tem. Supermercado tem cheiro.
Com certeza que tem cheiro entendeu?
Restaurante tem cheiro e às vezes um
restaurante é diferente do outro.” (MZ, cego
congênito, 46 anos, informante da nossa
pesquisa)

No experimento, pudemos averiguar o funcionamento do olfato na


compreensão do espaço. Como descrevemos anteriormente, um dos
objetivos que estipulamos para nossos informantes era o de localizar a
cafeteria do CCBB. Observamos que, nos dias em que o café estava
sendo servido, nossos informantes guiavam-se diretamente para o
local. Eles eram eficientes na sua identificação e na sua orientação.
Mas, naqueles momentos em que não havia café sendo feito, nossos
informantes apresentaram grandes dificuldades para localizar este
Figura 06-13: Vista geral do café
Fonte: da autora
ambiente. Os exemplos coletados ilustram este fato:

“O cheiro estava vindo daquela direção... bom


se tem cheiro...aí eu fiquei prestando atenção
no som e como era o barulho da xícara, logo
concluí que seria a cafeteria.” (MZ, cego
congênito, 46 anos, informante da nossa
pesquisa)

“Esse lugar me agrada pra caramba, eu acho,


aquilo que eu te digo, tem cheiro de cultura....
aqui tem um cheiro legal, a mistura de cheiros é
legal, é papel é não sei mais o quê, então, tem

158
tudo que eu gosto.” (MZ, cego congênito, 46
anos, informante da nossa pesquisa)

“Nós estamos entrando em algum lugar


diferente, pois tem um cheiro diferente. Eu senti
um cheiro de café.” (AH, cego congênito, 53
anos, informante da nossa pesquisa)

“Aqui por perto tem carpete, você não sente o


cheiro? [dentro desse espaço tinha o cinema
com o piso todo acarpetado] Ah vocês
videntes.... Aqui cheira a papel. Deve ser a
livraria! O barulho das máquinas registradoras,
os espaços estreitos, é sim...” (JS, cego
congênito, 46 anos, informante da nossa
pesquisa)

Como pudemos verificar, os odores podem se constituir em elemento


importantíssimo para a locomoção e a orientação espacial.

159
6.2 Construção Mental do Ambiente

No Egito Antigo, depois que a inundação


do Nilo recobria de aluviões as terras
férteis, confiava-se a cegos o cuidado de
reencontrar os limites dos campos, pois os
não-videntes guardam melhor que os
videntes a memória dos lugares54.
(COMAR, apud BRUZZI, 2001:103)

As palavras acima, proferidas por Comar, levam-nos a refletir sobre as


formas de relação dos cegos com o meio. Mais do que uma reflexão,
esta colocação nos assegura que a construção e a memorização de
um ambiente não estão associadas apenas à visão, e podem ser
adquiridas através de outros meios sensoriais.

Como constatamos até agora, a cegueira faz com que o indivíduo


desenvolva maneiras de interagir com o espaço, sendo que este não
terá o mesmo desempenho55 para um cego do que para um vidente.
Não queremos dizer, com isso, que uma pessoa cega não possa

54
Grifo nosso.
55
A palavra desempenho está aqui empregada como uma “experiência produzida no
processo de interação” homem e ambiente. (RHEINGANTZ, 2000:25)
160
conhecer, interpretar e imaginar o espaço, mas sim que sua maneira
de dialogar com ele será qualitativamente diferente.

O espaço dos cegos se apresenta com os


mesmos caracteres essenciais que os espaços
dos videntes; é claro que ele é ganho por
meios muito diferentes e que a sua conquista só
se faz com o preço de um longo trabalho.
(VILLEY56, 1936:201)

Se, para os cegos, a conquista do ambiente depende de um “longo


trabalho”, é porque este ambiente costuma se apresentar para eles,
conforme constatamos, como um grande desconhecido. Querer
dominá-lo é uma tarefa que depende não só da vontade de cada
um, como de um maior ou menor grau de preparação, adquirida
desde a infância e que exige um amplo trabalho intelectual e
exploratório.

“O espaço é o ponto crucial para nós(...).


Ponto crucial que a gente diz é a dificuldade.
Por que, por exemplo, se você tem o espaço
dominado, você vai adiante sem problemas.
Por que a locomoção para pessoas cegas é
sempre o lado mais complicado? Mais
negativo? Exatamente por essa razão: é pelo

56
Como já mencionamos em outro momento deste trabalho, este autor que era um
psicólogo francês, era cego congênito.
161
desconhecido. A verdade é que você associa
muito o espaço ao desconhecido. Eu acho que
é aí que está a grande dificuldade! O ponto
crucial está aí!” (MG, cego congênito, 46 anos,
informante da nossa pesquisa)

“se vai ser o meu espaço de trabalho, um


espaço que eu vou ocupar, então eu tenho
interesse de conhecer todo o espaço.” (HH,
cego congênito, 55 anos, informante da nossa
pesquisa)

O depoimento feito por MG, embora mostre o lado negativo do


espaço desconhecido, revela também o conceito de “espaço
dominado”. Este sentido de domínio espacial, que também
poderíamos relacionar com competência espacial, é necessário para
que o indivíduo seja capaz de interagir com o meio, dominando-o em
cada nova experiência.

Ainda conforme nos diz MG, o que irá diferenciar o modo de um


adulto cego se relacionar com o meio é a aprendizagem e a
motivação recebidas desde o nascimento.

“quando nós trabalhamos com as crianças


pequenas, a gente faz com que elas dominem
[o espaço]. A gente diz, orientando os pais:
você tem que orientar o seu menino pequenino
desde o berço, sabe, o berço, o quarto, as
dependências da casa, se a criança não sabe
andar, não é por isso que ela não deva

162
conhecer o espaço da sua casa.” (MG, cego
congênito, 46 anos, informante da nossa
pesquisa)

Por meio dos relatos que coletamos, compreendemos que o único


referencial que o bebê cego possui é seu próprio corpo. O ambiente
não é, para ele, apenas menos atraente, menos controlável, do que
para uma criança vidente, mas também pode apresentar muitos
riscos.

O som sem a visão não proporciona


informações adequadas. Por exemplo, a
localização, a fonte e a causa são inacessíveis,
e não está no poder do bebê repetir o estímulo
a fim de examinar, explorar e verificar as
informações. (PIAGET, 1952:85)

O processo de construção mental do ambiente começa quando a


criança cega passa a se movimentar e explorar os espaços. É neste
momento que tem início o elo que a liga ao mundo “um elo sem o
qual fica impedido o desenvolvimento auditivo e tátil. A criança cega
tem pouca evidência da estrutura do espaço que a rodeia, até poder
movimentar-se.” (SANTIN & SIMMONS, 2002:03)

163
A importância que representam o guia vidente57 na fase de
crescimento, e o movimento de exploração dos espaços, pelo bebê
cego, foram constatados em todas as nossas entrevistas e apesar de,
inicialmente, não termos pretendido tratar deste assunto, este ficou
muito evidenciado no momento em que entendemos que a maneira
com que o adulto cego constrói mentalmente o ambiente depende da
bagagem e do repertório espacial adquiridos nestas primeiras
experiências de vida. Em vista disso, os relatos que se seguem ilustram
essa colocação:

“nós aprendemos a ter uma concepção do


mundo pelas pessoas que enxergam e essas
pessoas não conhecem os nossos problemas,
não vivem, podem conhecer de fora, mas de
dentro nunca.” (HH, cego congênito, 55 anos,
informante da nossa pesquisa)

“à medida que vamos dominando o espaço, a


gente consegue imaginar o espaço maior, quer
dizer, o espaço não é só aquilo que você
consegue tocar. No começo, a criança cega

57
“Paradoxalmente, a criança cega é, por um lado, completamente dependente do
mediador vidente e, por outro lado, divorciada da concepção que o mediador tem do
mundo. Por exemplo, quando uma criança cega, de 2 anos de idade, identifica uma
cadeira na qual um gato estivera deitado como sendo o próprio gato, o mediador talvez
não entenda o erro e responda com uma explicação que não leva em consideração a
importância da informação fornecida pelo cheiro. Ao invés de facilitar a elaboração, o
mediador, sem querer, desvalorizou a experiência particular da criança e impôs uma
regressão no nível da informação sensorial.” (SANTIN & SIMMONS, 2002:05)
164
tem essa noção: espaço é só aquilo que ela
consegue tocar.... Mas à medida em que ela
percebe que ela consegue se deslocar no
espaço e ela consegue mapear mentalmente
aquele espaço, que ela já domina, ela
começa a perceber que o espaço está muito
além da mão dela. E aí, quando ela ouve uma
pessoa gritando lá longe, quando ela ouve um
barulho, ela começa a descobrir que aquele
espaço é muito maior do que o que a mão
dela pode alcançar.” (AH, cego congênito, 53
anos, informante da nossa pesquisa)

“O importante é deixá-lo [o cego] realmente


explorar. A palavra básica é exploração,
pesquisa de lugares, pesquisa de ambientes,
onde se localiza, pra dizer onde está à
esquerda, ou à direita, está em cima, em
baixo.” (MG, cego congênito, 46 anos,
informante da nossa pesquisa)

Constatamos que, quando o cego se locomove em um ambiente


desconhecido, as informações que ele recebe, por meio dos demais
sentidos que não a visão, são, muitas vezes, insuficientes para uma
construção mental do lugar. Por este motivo é que, mais do que
qualquer vidente, ele tem que recorrer às representações mentais do
espaço e à sua memória espacial.

“A capacidade de compor um espaço na


cabeça é uma coisa treinada naturalmente, à
medida que você se coloca você própria vai...
assim como você treina a fala, como você

165
treina a própria visão, ele é feito no próprio
meio ambiente a partir da atitude que as
pessoas têm com você, a partir da
oportunidade que você tem de contactar os
objetos, de vivenciar.” (HH, cego congênito, 55
anos, informante da nossa pesquisa)

“Você, na rua que mora, você mapeia aquilo


na sua mente; por que nós temos que acabar
mapeando os lugares.” (MG, cego congênito,
46 anos, informante da nossa pesquisa)

O processo empregado pelo cego para apreender o espaço


desconhecido está baseado nas representações mentais adquiridas
mediante a interiorização e a coordenação dos diversos sistemas
sensoriais de que dispõe. Estes sistemas (olfativo, auditivo, táteis e
cinestésicos) transformam-se em pontos de referência, fornecendo
informações ambientais que facilitam sua locomoção e orientação
(conforme tratado nos capítulos anteriores). Os registros que se
seguem exemplificam melhor estas nossas considerações:

“nos interessa muito saber de onde vem um


som, a gente vai localizando aquele objeto,
pega na forma.” (HH, cego congênito, 55
anos, informante da nossa pesquisa)

“Uma outra coisa que é fundamental para mim


é esbarrar. Quando eu vou andando por uma
casa, um corredor por exemplo, as pessoas me
vêem passar e têm um cuidado imenso para

166
que eu não esbarre nisso, não esbarre naquilo e
esbarrar para mim é fundamental, entendeu?
[...] Esbarrar é importante, tocar as coisas, é
fundamental pra mim, também me perder
dentro de um espaço pode ser fundamental.
Se não houver nenhum buraco para eu cair... e
até agora [durante o experimento], se tiver um
buraco e for um buraco que não me cause
nenhum grande problema, até pode ser legal,
entende? Mas se ele me causar problemas, se
ele for perigoso pra mim, então, realmente ele
é ruim.” (AH, cego congênito, 53 anos,
informante da nossa pesquisa)

“Eu penso na maneira como aquilo é


organizado, mais como uma forma [global], e
tenho total confiança do que é, do que
significa esse espaço e de como eu o utilizo, de
como eu o aproveito. Eu dei o exemplo da sua
casa e pensei na minha, entendeu? Agora eu
componho o espaço dado por dado entende?
Porém eu penso no conjunto todo, de uma só
vez, eu componho na minha cabeça, organizo
aquela forma na minha cabeça.” ... (HH, cego
congênito, 55 anos, informante da nossa
pesquisa)

“E aí eu vou ouvindo as vozes e vou prestando


atenção no tamanho do cômodo, no formato
dele. Mas eu vou observando e vou
compondo, acrescentando os dados e vou
montando aquele cômodo na minha cabeça
e vou me adaptando a ele na medida que eu
freqüento. Com a oportunidade de me
movimentar de um lado para o outro, eu vou
construindo aquilo na cabeça. Eu tenho uma

167
idéia de espaço. Então quando eu vou visitar
uma casa, eu vou chegar lá e vou observar o
meu tato, eu vou prestar atenção ao piso, ao
que eu possa observar o tamanho, se a
escadaria é muito alta ou se tem ou não. Eu só
vou ter uma noção relativa daquilo ali. A gente
constrói o espaço, mas se eu tiver poucos
dados eu não posso fazer uma construção
perfeita.” (AH, cego congênito, 53 anos,
informante da nossa pesquisa)

“Primeiro eu tenho que ter cuidado, em um


lugar onde eu nunca fui, de tomar várias
informações, mas informações concretas, sabe
por que? Isso é o seu sucesso ou o seu fracasso,
saber a rua, o número. É... de que lado a rua
começa, então, são coisas que você tem que
perguntar porque aí, vai depender de você
não perder tempo. No resto, é você realmente
ir ao local e escutar o máximo que você
puder.” (JS, cego congênito, 46 anos,
informante da nossa pesquisa)

Verificamos que a orientação espacial, para o cego, é proporcionada


por referências seqüenciais, adquiridas, principalmente, mediante as
informações auditivas, táteis-cinestésicas e olfativas. A consciência do
seu corpo, através dos movimentos ativos e passivos, fornece a
consciência do espaço no qual ele se encontra. Os depoimentos
transcritos abaixo ilustram essas considerações.

“eu tenho que percorrer o espaço todo, claro

168
[para poder construir o espaço mentalmente].
Completo, [...] a não ser que alguém faça a
descrição. [...]. Existe [mapeamento], e é aqui
que vem a diferença entre cada um de nós,
tem gente que mapeia muito bem, tem gente
que não mapeia, eu não mapeio bem. Então,
tem gente que consegue mapear tão bem que
anda e vai, por exemplo, pela segunda vez a
um lugar e anda legal. Tem gente que
consegue isso legal, por que mapeou muito
bem. Então quando a pessoa não mapeia
muito bem,... esquece [as informações que
levam ao conhecimento do espaço]. Eu
esqueço muito.” (MZ, cego congênito, 46 anos,
informante da nossa pesquisa)

O processo de mapeamento mental por meio de referências espaciais


e sensitivas foi constatado, também, através dos percursos e dos
mapeamentos cognitivos que demonstraram ser configurados de
forma seqüencial, formado basicamente por percursos e nós58. (ver
figura 06-14 a 06-16) As representações resultantes nos informaram
Figura 06-14: Mapeamento
sobre as distâncias, estimadas, que existem entre os elementos do
Cognitivo AH, cego congênito, 53
anos, informante da nossa pesquisa entorno, destacados pelos nossos informantes, assim como a
Fonte: da autora orientação e a direção destes.

58
percursos e nós estão sendo, aqui usados dentro das definições que Lynch (1977) faz
destes termos.

169
Evidentemente, as representações mentais que surgiram após os
percursos poderiam ter sido mais elaboradas se nossos informantes
tivessem retornado por diversas vezes ao local. Devido à pouca
disponibilidade de tempo para a elaboração da pesquisa, não
pudemos comprovar como seria o mapeamento de um espaço
vivenciado por diversas vezes consecutivas. Apesar disso, verificamos
Figura 06-15: Mapeamento que houve, na maioria dos casos, a criação de uma “imagem
Cognitivo JS, cego congênito, 46
anos, informante da nossa pesquisa embrionária” do espaço, composto a partir da marcação mental de,

Fonte: da autora no mínimo, três pontos de referência. Este fato comprovou a tese de
Villey:

A imagem terá chance de ser tão ou mais


completa, tão ou mais estável, tão mais será
familiar o local. Mas, lá mesmo onde o cego só
se achará de passagem, ele procurará fazer
uma imagem embrionária por meio de dois ou
três pontos de referência. Mesmo num lugar
onde ele nunca tenha ido, ele irá buscar dois
ou três pontos de referência para criar uma
imagem mental. (1936:248)

Figura 06-16: Mapeamento


Cognitivo MZ, cego congênito, 46
anos, informante da nossa pesquisa
As entrevistas fizeram-nos compreender que o cego só tem condições

Fonte: da autora de “dominar” o meio, por meio da experiência, quando então pode
relacionar todos os componentes ambientais entre si. Suas
representações espaciais são relacionadas a pontos fixos do espaço.
Esta tarefa exige a construção de sistemas de representações onde os
objetos particulares se identificam e se organizam entre si, servindo de

170
suporte para a localização dos outros. O depoimento de um de nossos
informantes ilustra esse dado:

“Eu organizo assim o espaço como se eu, por


exemplo, fosse andando por ele e tocando os
objetos. É bem verdade que eu não sinto a
sensação de estar tocando o objeto, eu sinto
sim como se eu tivesse (estou tomando agora
como exemplo a sala da minha casa) é.. eu
me imagino andando pela minha sala e
tocando os objetos, as coisas que estão dentro
dela, onde é que fica o sofá, onde é que fica o
computador, o sofá menor, onde é que fica
uma cadeirinha de balanço, a estante,
entendeu? A mesa encostada na parede da
janela com uma cadeirinha de cada lado, a
maneira como a gente mantém o espaço
organizado.” (HH, cego congênito, 55 anos,
informante da nossa pesquisa)

Podemos dizer então que o cego, no seu espaço de trabalho, por


exemplo, irá situar a sua escrivaninha não com relação a ele mesmo,
que é um ponto móvel, mas com relação às paredes, ao tapete e a
todos os móveis fixos. (Villey, 1936:253)

Outro aspecto que ficou evidente no nosso estudo de caso diz respeito
às características físicas do ambiente. De todas elas, o tamanho e a
complexidade são os que apresentam maiores conseqüências na
adaptação do sujeito ao meio.

171
Nas entrevistas, nossos informantes foram unânimes em afirmar que,
quanto menor for o espaço, mais fáceis serão sua locomoção e
orientação. Porém, no experimento, detectamos que, mais do que a
dimensão do espaço, é sua complexidade o elemento que dificulta a
locomoção e a orientação. (ver figuras 06-01 a 06-06)

Por último, vale destacar que a capacidade do cego em conhecer e


representar um espaço é definida pelo resultado das relações que são
produzidas entre ele mesmo – com suas capacidades cognitivas,
afetivas, motivacionais e sociais – e um determinado espaço com as
suas características peculiares - de tamanho, complexidade e
significado histórico e social.

6.3 Pontos de Referência

Os conteúdos dos depoimentos evidenciaram como nossos


informantes criam pontos de referências para se locomoverem no
meio urbano. Apesar de não estarmos trabalhando com a percepção
das cidades, achamos interessante incluir alguns depoimentos, uma
vez que estes vêm reforçar a maneira pela qual nossos informantes

172
dialogam com o meio.

“Cada comércio, cada casa comercial, tem


uma característica própria, é o ruído do
botequim, o cheirinho da farmácia, da padaria,
enfim tudo tem a sua característica. Você
pode fazer um levantamento de características,
para que você possa fazer esse trabalho
espacial, que é muito importante.” (DS, cego
congênito, 55 anos, informante da nossa
pesquisa)

“o que identifica Farmácia pra gente é o


cheiro; padaria o pão; o bar é o cheiro do
café, da cerveja, além da clientela, do barulho.
Se está no bar, está lá o barulho dos copos,
latas ou garrafas e você nota o ambiente
diferente. Você passa numa calçada e tem fila,
você sabe que é banco. Padaria é o cheiro da
massa.” (JS, cego congênito, 46 anos,
informante da nossa pesquisa)

“supermercado tem um cheiro característico


assim, aquele monte de coisa não sei o que, ele
tem um som também. Então, aqueles são dois
detalhes. Digamos que não tenha ninguém na
rua. Então, são os detalhes do som e do cheiro
que você vai ficar prestando atenção pra você
encontrar o supermercado.” (LA, cego
congênito, 46 anos, informante da nossa
pesquisa)

“Restaurante tem cheiro. E, às vezes, um

173
restaurante é diferente do outro. É, então, por
exemplo, que eu posso passar por um lugar e
dizer ah! é um supermercado, eu posso não
saber qual. Pelo cheiro a gente imagina logo,
isso aqui é um supermercado, mas aí claro ao
passar diante de um supermercado tem,
costuma ter, aquelas entradas amplas. Aí a
audição vai captar a entrada ampla, se tiver
cheiro, vai ter o barulho dos caixas
funcionando, você tem toda dica né?” (MZ,
cego congênito, 46 anos, informante da nossa
pesquisa)

A partir destes relatos, pudemos verificar que para cada espaço existe
uma informação que lhe é atribuída, ou seja, existem aspectos não
visuais que fazem referência ao significado que estes espaços têm
para os indivíduos, bem como o valor e a função que são transmitidas.
Estes são alguns dos itens que irão compor a representação espacial
de nossos informantes.

6.4 Vivências Espaciais: a construção do Lugar

Se “Viver é Conhecer” (MATURANA e VARELA apud CAPRA, 1997:211) e se


a arquitetura é o espaço habitado, relação que vai muito além do seu
uso, pelo homem, como não falarmos desses espaços habitados –
vividos - pelos cegos?

174
Depois de apresentarmos algumas das observações mais relevantes
do nosso estudo de caso, e de comentarmos sobre algumas
ferramentas usadas pelos cegos na estruturação espacial e
organização do ambiente, resta-nos refletir sobre o significado de
experienciar o espaço.

“O homem aprende através da experiência.


Ele não aprende, na verdade, porque ele lê um
livro. Lendo um livro, ele tem a teoria, mas ele
só aprende, ele só conceitua, a partir do
momento em que experimenta.” (MG, cego
congênito, 46 anos, informante da nossa
pesquisa)

Conforme DERDYK (2001:15)

A experiência atravessa todos os sentidos


corporais. O corpo é o nosso primeiro
instrumento, meio e fim, absorvendo e
refletindo as informações do mundo para o
mundo. Corpo-receptáculo e corpo-espelho
em moto contínuo. O nosso corpo é matéria
permeável entre uma interioridade e uma
exterioridade, ponte possível para a fabricação
de outros sentidos. O corpo habitado por um
mim, imerso neste leque quase infindável de
eventos perceptíveis e fugazes, é
bombardeado a todo instante.59

59
Grifo nosso.
175
As evidências que constatamos nas experiências deste “corpo-
receptáculo-cego” nos fala um pouco da margem existente entre um
“algo aqui dentro” e um “algo lá fora" (DERDYK, 2001:16), Onde este
corpo-cego recebe do mundo seus insumos sensoriais e o devolve num
outro corpo de vivências reconstruídas e renovadas.

Nossa experiência de pesquisa com este grupo de pessoas fez-nos


constatar, por diversas vezes, que muitas experiências são tão vívidas,
que poderíamos dizer que seus "rostos se iluminam” ao relatá-las.
Diante desta realidade, com várias faces, vimo-nos na presença da
grandiosidade de nosso corpo-mente. Agora não só como um
receptáculo, mas um corpo-cego que imagina, que cria sua maneira
de “ver” o mundo, de sentir a imensidão deste. Como disse Clarice
Lispector (1980:22): “Não quero a terrível limitação de quem vive
apenas do que é passível de fazer sentido. Eu não: quero uma
verdade inventada.”

Essa verdade inventada, criada e imaginada, pode ser verificada


nestes depoimentos de nossos informantes:

“A arquitetura se dá através do seu sentimento,


que não é só experiência física, é também uma
experiência emocional, é uma experiência
afetiva. É uma auto-realização interna,
psicológica. Eu acho que é muito importante
você chegar realmente àquilo que te agrada,
àquilo que te agrada no teu senso estético.”
(MG, cego congênito, 46 anos, informante da
nossa pesquisa)

176
“a cada momento a gente tem uma
experiência,.... eu vou pegar um exemplo do
dia em que eu fui à praia, eu tinha que
atravessar aquela praça para vir da praia para
pegar a calçada do lado da Avenida Pasteur e
eu estava sozinho e eu era jovem, então eu
senti aquela sensação de estar no espaço largo
onde não havia nada à minha volta. Assim...
como é que eu ia fazer uma reta, eu acabei
conseguindo, mas como é que eu ia fazer uma
reta ali naquele espaço? Eu acabei fazendo,
cheguei onde eu queria sem grandes
problemas e isso é só um exemplo, porque esse
tipo de coisa acontece inúmeras vezes com a
gente a cada dia, a cada momento,
entende?” (HH, cego congênito, 55 anos,
informante da nossa pesquisa)

“Você já foi nas Paineiras? Ali, perto do Cristo...


é tipo uma floresta, é fechada de árvores e
tudo, mas um lugar muito gostoso, uma
sensação fantástica, eu fiz até um poema. Mas
achei um lugar fantástico e as sensações, os
sentidos, embora faltasse a visão, mas a
audição, o olfato, o tato, realmente um espaço
como esse é muito gostoso.” (AH, cego
congênito, 53 anos, informante da nossa
pesquisa)

“gostava muito de passear ali na Praia


Vermelha no final da tarde, mas perto da praia,
porque a gente ouve o barulho da onda no
final da tarde, geralmente, e embora eu não
visse escurecer, esse ambiente de final de dia,
início de noite, dá uma sensação muito
gostosa; na praia então.... mas é uma coisa

177
difícil de descrever, não é fácil não, sabe? É
uma coisa muito subjetiva, mas aquele barulho
da onda, que aliás é uma coisa assim meio
melancólica, mas muito gostosa.” (AH, cego
congênito, 53 anos, informante da nossa
pesquisa)

Após esses relatos, como pensar que a Arquitetura não possa ser
compreendida pelo cego?

A partir deste estudo e da experiência com esse grupo de pessoas, tão


ou mais sensíveis que nós à beleza do mundo, colocamo-nos em
posição de reprovação àqueles que não são capazes de
compreender a beleza do espaço sem a visão, como é o caso de
OLIVEIRA (2002:17-18) ao escrever seu livro sobre a “Arte e beleza entre
cegos”:

O que um cego fará em Machupichu? A


pergunta, ainda que pareça justificável por si
mesma, não encerra uma resposta simples. [...]
A cegueira, das muitas formas de deficiência
que atingem o homem, é das mais
temíveis.Para o homem que não vê, o mundo
apresenta severos limites e enormes
obstáculos...

Perguntamo-nos o que o referido pesquisador quis dizer quando afirma


que a pergunta seria "justificável por si mesma"? Isto não demonstraria,
somente, mais uma maneira equivocada e egoísta de pensar que o

178
espaço se resume apenas naquilo que se apresenta aos olhos?
Entendemos que a melhor maneira de responder a esta questão de
Oliveira, seria citando algumas linhas escritas por Villey (1936:226)60

Viajando, o horizonte intelectual muda da


mesma forma que o horizonte sensorial; as
conversações que se apegam aos objetos e
que jorram a cada mínimo encontro com
pessoas diferentes não são mais conversações
no canto da lareira da sua casa, não diga para
um cego que ele conheceria melhor um país,
que ele visita, lendo um livro de geografia, ele o
conheceria mais completamente talvez, e
você [vidente] também por esse processo, mas
de uma maneira menos viva, menos pitoresca
e que faria menos impressões na sua
imaginação.

Somadas aos depoimentos fornecidos por nossos informantes, estas


linhas nos fazem crer que é a Imaginação, esse conceito que para nós,
videntes, pareceria tão próximo do visual, que fornece, também, ao
cego o “colorido” de suas experiências. A arquitetura desafia a
imaginação, não apenas a do cego, como vimos no capítulo
referente às considerações sobre a experiência humana no ambiente
construído, mas a de todos nós. As noções de belo e agradável,

60
Como já mencionamos em outro momento deste trabalho, este autor que era um
psicólogo francês, era cego congênito

179
produzidas pelo conforto auditivo, térmico, olfativo e cinestésico,
somam-se em nossas mentes com nossos sentimentos, lembranças,
sonhos e aspirações, fazendo emergir julgamentos capazes de
transformar espaços em lugares (TUAN, 1983) e tornando-nos aptos a
interagir com eles. Para VILLEY (1936) e nossos informantes, a
arquitetura pode ser compreendida através de sensações
diferenciadas que, juntas, darão não apenas a idéia do todo, mas,
principalmente, serão capazes de estimular a imaginação, criando
valores e fornecendo significados aos lugares. Ilustramos estas
afirmações com as linhas que se seguem:

Numa igreja, ainda haverá muita impressão de


imensidão e, para dar a ela a sua imagem
representativa, vai ser singularmente apoiada
numa sensação sonora que virá vivificar essa
imagem, que são os barulhos das portas,
repercutidos na cúpula lá no alto, barulhos de
vozes que levam imaginação sobre as suas
asas num local longe, que ninguém tem, que
nenhum eco vai conseguir vedar. Vozes de
grandes órgãos que dilatam a nossa
sensibilidade em toda a extensão desse local
amplo. O cego aí em cima pode sentir se
configurar colunas esbeltas, ogivas relançadas
concretamente para se dar com uma certa
intensidade o sentimento tão pregnante do
peso que foi vencido pela arquitetura. E o seu
lançamento ilimitado para o infinito. (Villey,
1936:290)

“arquitetura é.... É a criação. É a criação... é...


a criação da maneira mais confortável para o

180
homem. [...] A criação da maneira mais
confortável pro homem habitar, enfim. É claro,
que a preocupação do conforto envolve tudo,
desenho, tudo, para que o homem possa se
sentir bem.” (LA, cego congênito, 46 anos,
informante da nossa pesquisa)

“A minha mudança não vai ser uma mudança


estética por exemplo, a minha mudança vai ser
fundamentalmente uma mudança prática. Eu
só vou fazer uma mudança estética se isso é...
estiver me prejudicando o meu relacionamento
com outras pessoas, se não estiver
prejudicando melhor.” (HH, cego congênito, 55
anos, informante da nossa pesquisa)

Portanto os espaços vivenciados pelos cegos estão impregnados de


uma grande carga afetiva e imaginativa, como a sua casa ou a
escola (Instituto Benjamim Constant) onde viveram. Neste caso
podemos concluir que à medida que o cego vivencia e domina o
ESPAÇO este se torna um LUGAR para ele. “Porque quem não
experimenta, não conceitua e não interpreta” (MG, cego congênito,
46 anos, informante da nossa pesquisa), e, acrescentaríamos, não vive.

181
CONSIDERAÇÕES FINAIS

Neste trabalho buscamos refletir sobre as formas pelas quais a


Arquitetura pode ser vivenciada por outros sentidos que não o da
visão. Nossas investigações e análises enfocaram, principalmente, a
percepção e a cognição espacial das pessoas cegas congênitas.
Como exercício metodológico, desenvolvemos diversas estratégias
para avaliarmos o comportamento dos nossos informantes perante o
ambiente construído, e, devido à escassa bibliografia disponível sobre
o assunto, tivemos que realizar diversas tentativas e adaptações para
alcançar nossos objetivos.

182
Devido à limitação imposta pelo tempo da pesquisa, não nos foi
possível aprofundar temas que consideramos de suma importância,
tais como a relação feita pelos cegos congênitos entre o tempo e o
espaço. O argumento de Sacks (1995:138), de que “o cego vive num
mundo só de tempo, pois constrói seus mundos a partir de seqüências
de impressões táteis, auditivas e cinestésicas”, embora necessite de
aprofundamento, não se confirmou em nossas pesquisas.

As descobertas feitas até o momento permitem as seguintes


constatações:

• o cego se orienta em um ambiente usando, não


somente o tato e a audição, como também o olfato e
a cinestesia;

• a percepção e a cognição dos cegos seguem,


normalmente, um processo analítico-indutivo;

• a ação do indivíduo é essencial para a construção


mental do ambiente. O cego somente poderá ter uma
noção geral do espaço ao tocá-lo, percorrê-lo, escutá-
lo e cheirá-lo; para nós, videntes, o sentido da visão é
mais importante e utilizado, porém para nos dar uma
noção do “todo” se faz necessário que ele se mescle
aos demais sentidos;

183
• quanto mais experiências o cego puder obter dos
lugares, mais individualizadas serão suas representações
e maior será a chance de elas ganharem um valor
afetivo (Villey, 1936: 223);

• a arquitetura é, também, para o cego um elemento


intelectual, imaginativo e dotado de valores e
significados ligados à memória de suas vivências.

Dos conceitos abordados neste trabalho, vimos, no capítulo referente


à construção de nossa base teórica, que para alguns autores como
del Rio, Blanco & Rubio, entre outros, a visão seria o sentido mais
importante para o processo perceptivo do homem. No entanto, nossa
pesquisa mostra que, como asseguram outros autores (dentre estes
SANTIN & SIMMONS, HILL & PONDER; HUERTAS, OCHAÍTA & ESPINOSA), este
processo pode se dar de forma mais rica, intensa e verdadeira por
meio dos demais sentidos, e que a visão pode até mesmo iludir o
observador, levando-o a uma compreensão equivocada do
ambiente.

Como Coelho Neto, acreditamos que, para “romper sua [espaço]


monotonia, [é preciso] deixar, de um lado, um espaço que se vê, para
adotar um espaço que se percorre, um espaço onde o movimento é
não só possível como exigido, um espaço, enfim, vivido”. (COELHO
NETTO, 1979:78)

184
Buscando diferenciar os espaços vistos dos espaços vividos, este
mesmo autor argumenta:

A vida não é um teatro – pelo menos não


sempre, e o ver precisa ser substituído pelo
viver, pelo sentir, e que em arquitetura se define
pelo experimentar, tocar, percorrer, modificar:
numa palavra, ação. [...] É preciso tempo para
se conhecer [...] Temporalizar o espaço: propor
um espaço que se modifica pela possibilidade
de vivê-lo realmente, de percorrê-lo61. (COELHO
NETTO, 1979:78-80)

Essas formas propostas pelo autor de experimentar, tocar, percorrer,


modificar o espaço, são muito próximas daquelas utilizadas pelos
cegos, conforme pudemos constatar na fase do experimento.

No entanto, ainda há autores que, a partir de sua limitada visão de


mundo, insistem na premissa de que seria impossível ao cego usufruir
da arquitetura:

A arquitetura, dada a magnitude das suas


dimensões, ultrapassando necessariamente a
escala humana, também escapa à
sensibilidade táctil do cego. Diante de uma
obra arquitetônica, o cego carece da

61
Grifo nosso.

185
impressão do todo; e isso o impede de apreciá-
la com propriedade. [...] O cego não percebe
a obra arquitetônica como entidade unificada
– e a noção da unidade de um ser é condição
necessária para que seja emitido um juízo
estético a seu respeito. (OLIVEIRA, 2002: 206)

Baseados na pesquisa desenvolvida, questionamos essa noção de


unidade proposta pelo autor supracitado. Afinal, qual seria, para ele,
o conceito de unidade de uma obra arquitetônica? Nossos
experimentos, como comentamos no capítulo Resultados e Discussões,
já demonstraram o quão restrita pode ser para nós, videntes, a
compreensão de unidade de uma obra arquitetônica. Retomando a
experiência vivida no CCBB, atraídos pela magnitude do espaço que
se colocava para a satisfação de nosso olhar, deixamos de vivenciar,
ou melhor, restringimos nossa experiência de vivenciar o local de
outras maneiras; ficamos sucumbidos pelo esplendor da cúpula, pelo
requinte dos materiais, pelos ornamentos, enfim, ficamos tão
“dominados pela supremacia do olhar”, que “esquecemos” de
"saborear" o espaço de outras formas. Enquanto estávamos fascinados
pela visão, nossos informantes percorriam, ouviam, tateavam,
cheiravam e experienciavam aquele espaço. A cúpula, que para nós
era um deleite aos olhos, para eles proporcionava a sensação de um
calor vindo dos céus; alguns recorriam às lembranças da infância,
para nos dizer do prazer de ouvirem suas vozes ecoando por aquela
verticalização espacial; outros, na tentativa de nos explicar como
compreendiam a amplidão daquele espaço, chegavam mesmo a

186
soltar um grito, para que nós, pesquisadores videntes, pudéssemos
ouvir o eco produzido como vozes caminhando até os céus e
voltando, desdobradas, como bênçãos.

Nossos informantes chamavam-nos a atenção para tudo: o lugar


parecia "requintado" por ter "cheiro de cultura"62, o cheiro do café, as
badaladas dos sinos que tocavam de meia em meia hora [que sequer
tínhamos percebido, muito menos associado]. Podemos dizer que eles
nos conduziam, e nós buscávamos penetrar e compreender este
universo que “acontece” sem o “olho” e nem por isso é menos
cativante e repleto de vida.

Se, para OLIVEIRA (2002:154-155), os prazeres olfativos “não possuem


qualquer vínculo com a beleza” e não suscitam associações que
permitam ao cego “imaginar [...] o espaço”, uma vez que, para ele:
“Se o homem cego não possuir registros visuais na memória, a
construção do espaço circundante acha-se comprometida em suas
bases”, então, fica evidente o quanto necessitamos reavaliar nossos
conceitos de beleza. Concordamos com Veiga quando este diz que:

62
Como explicitamos no capítulo Resultados e Discussões, para nossos informantes o
cheiro de cultura estava associado a uma mistura de cheiros de papel e de café, unindo
com as sensações auditivas do burburinho das falas pessoas.

187
Também a beleza do ambiente pode chegar à
imaginação do cego através do olfato: o
perfume das flores silvestres, o cheiro do capim-
gordura, o aroma do matagal em flor, o cheiro
emanado do chão quente ao receber a chuva
repentina, tudo desperta na alma do cego
uma sensação de prazer, de alegria e – por
que não dizer? – de beleza, muito maior do que
recebem as pessoas de olhos abertos nas
mesmas circunstâncias. (VEIGA,1983:36)

Tais conceitos de beleza já haviam sido expostos, no item Sensações


Táteis e Proprioceptivas, por uma de nossas informantes, ao explicar
como é possível ao cego ter a noção do belo, pelo uso do tato.

Na verdade, sabemos que a própria noção do belo varia de uma


cultura para outra (GEERTZ, 1983), o que faz com que as características
que conferem beleza a um edifício, por exemplo, aos olhos de uma
determinada cultura, não serão necessariamente as mesmas quando
avaliadas a partir da percepção de outro grupamento cultural. A
compreensão do belo é, portanto, baseada em uma série de sistemas
de significados e símbolos que podem ser “lidos” e “decodificados”
pelo sujeito que estaria manifestando, mais do que a beleza do
edifício, a sensação de agradabilidade visual.

Da mesma forma, as sensações de conforto térmico, acústico ou


lumínico, embora se situem dentro de padrões que não devem
ultrapassar os limites fisiológicos do ser humano, também apresentam

188
variações que oscilam de uma cultura a outra, conforme comentam
SANTOS e DUARTE (1999). Também nesse caso, a avaliação mais correta
de agradabilidade ou conforto seria aquela que considerasse essas
variáveis físicas e culturais, e não apenas a noção da sensação em si.

A transformação do espaço em lugar, da maneira como estes


conceitos são desenvolvidos por TUAN e AUGÉ, só pode acontecer em
ambientes que trazem sensações e significados agradáveis a
determinado indivíduo.

Da mesma forma como nós, videntes, buscamos o agradável, o belo e


o confortável, as pessoas desprovidas de visão também considerarão
“bela” toda a arquitetura que lhes transmita sensações agradáveis.

Concordamos com MAIA (2001) quando afirma que “enquanto o


homem existir em um corpo físico, o espaço sempre existirá. E havendo
espaço e relação de objetos haverá uma arquitetura (...).Uma
arquitetura incerta que não existe mais como uma forma rígida,
determinada ou funcional no espaço mas como movimento do corpo
do indivíduo no tempo” . Neste sentido, passa-se a entender o corpo
do indivíduo como elemento gerador e transformador do espaço.

Essa mudança de perspectiva faz-nos pensar que o corpo, enquanto


invólucro do “eu” (Santos & Duarte, 2000), é capaz de transformar
vontade em movimento, sem seguir necessariamente um padrão.
Idosos, crianças, mulheres, homens, deficientes físicos e cegos terão
corpos diferentes e transformarão o espaço em arquiteturas diversas.

189
Segundo MAIA (2001), “não é mais a arquitetura que gera o espaço no
qual o homem deve se adaptar. O corpo gera a arquitetura onde a
mesma está completamente subjugada aos atos do indivíduo”.

Detemo-nos, também, no caráter imaginativo da percepção


arquitetônica, de maneira que faremos das palavras proferidas por
Villey, cego congênito, as nossas palavras. São elas:

A arquitetura, no que ela deixa mais lugar ao


sonho, eu creio que seja acessível a um grande
número de cegos [...] por outro lado, por suas
proporções que parecem desafiar as mãos, as
qualidades que ela coloca em obra, que ela
faz acontecer, são bem diferentes. A escultura
exige uma extrema fineza no tocar e a
arquitetura espera tudo do poder da
imaginação de sintetizar as representações
espaciais. [...] [a arquitetura] É um elemento
quase intelectual do qual ninguém vai recusar
um cego de experienciar com prazer. Numa
igreja ainda haverá a impressão de imensidão
e para dar a ela a sua imagem representativa
vai ser, singularmente, apoiada por uma
sensação sonora, que virá vivificar essa
imagem, sendo esta os barulhos repercutidos
na cúpula lá no alto, barulhos de vozes que
elevam a imaginação dos cegos sobre as suas
asas num local longe que ninguém e onde
nenhum eco vai conseguir vedar. Vozes de
grandes órgãos que dilatam a nossa
sensibilidade em toda a extensão desse local
amplo. O cego aí em cima pode se ver figurar
colunas esbeltas, ogivas relançadas
concretamente, para se dar com uma certa

190
intensidade o sentimento tão pregnante do
peso que foi vencido pela arquitetura.
(Villey,1936:288-289)

Finalmente, se considerarmos a arquitetura como articuladora das


experiências, poderíamos então dizer que ela faz parte da construção
do “eu – individual” e do “eu – coletivo”.

Como parte da construção do “eu – individual”, a arquitetura deveria


estimular todos os órgãos sensoriais, estimulando a percepção e a
consciência global que o indivíduo tem de si mesmo. Enquanto
formadora do “eu - coletivo” ela deveria proporcionar a realização
dos conceitos de igualdade e liberdade e favorecer o convívio entre
as diferenças.

O conceito de igualdade fundamenta-se na possibilidade de as


pessoas cegas terem mobilidade, de tornarem-se independentes, uma
vez que a independência está associada também ao
desenvolvimento da auto-estima e da autoconfiança. É evidente
então que a mobilidade, ao proporcionar encontros, confere, não
apenas mas principalmente, aos cegos, a possibilidade de interação
social.

De fato, “somos, possivelmente, a primeira geração comprometida


com os direitos de igualdade e, desse modo, devemos enfrentar o
desafio de criar um ambiente público que seja verdadeiramente
integrador e acessível para todos [...] Necessitamos dar-nos conta de

191
que o espaço público inclusive as nossas instituições semiprivadas –
escolas, universidades, centros comerciais, sedes de distrito – sejam
acessíveis para todos e que sejam projetados partindo da maior
exigência qualitativa63...” (ROGERS, 2000:152-153)

Por tudo isto, é necessário, que os projetos de arquitetura incorporem e


contemplem as várias possibilidades de experiência sensorial, para
que, desta forma, diversas associações possam ser feitas e “portanto,
maior será a gama de experiências para diferentes pessoas em
situações diferentes, cada uma com suas próprias percepções”
(HERTZBERGER, 1996:236) e limitações.

63
Tradução livre.

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