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A HIPERCONCENTRAÇÃO NO MERCADO
VAREJISTA: O EXEMPLO WAL-MART
MODELO DE SUCESSO NO MUNDO DO VAREJO TEM DEFENSORES E CRÍTICOS
Parece existir uma tendência inexorável à concentração varejista. Em 1962, um pequeno comerciante – Sam Walton – abriu sua primeira
Essa movimentação tem como núcleo-motor a América do Norte, loja de descontos na cidade de Rogers, Arkansas, com o nome de
onde um aumento da densidade em alguns canais varejistas tem Wal-Mart. As vendas quase atingiram US$ 1 milhão em seu primeiro
mudado o ambiente competitivo e influenciado as decisões de ano. Esse volume de vendas a colocava na mesma categoria de
compra dos consumidores. Esse adensamento tem provocado centenas de pequenas lojas familiares que existiam no interior do
efeitos em várias regiões do mundo e o Brasil já sente os reflexos país e que tinham alto índice de mortalidade após os três primeiros
dessas mudanças. anos de funcionamento. Entretanto, esse caso foi diferente.
A concentração varejista não é tendência nova. Novas são as A partir dessa loja, em um dos estados mais atrasados dos EUA
medidas superlativas dessa concentração. No passado, a Sears, (Arkansas), tendo como base uma cidade com menos de 5.000
que já foi a maior rede varejista americana, proprietária do que já foi habitantes (Bentonville), o Wal-Mart vem crescendo a taxas
o maior edifício do mundo (Sears Towers) e inventora do catálogo geométricas desde sua fundação.
de vendas, nunca atingiu uma participação de mercado superior a
9%. Isso mudou drasticamente. Atualmente, uma única rede Nesta semana em que você está lendo este artigo, mais de 100
varejista concentra vendas de até 40% do mercado em algumas milhões de consumidores irão visitar as 3.300 lojas do Wal-Mart na
categorias, como fraldas e detergente em pó, segundo a ACNielsen América do Norte, deixando em seus caixas, a cada dia,
2004. Qual é a origem desse verdadeiro “buraco negro” varejista? aproximadamente, US$ 1 bilhão. Para se ter uma ordem de
O Wal-Mart, o novo ícone do capitalismo global. comparação, o Wal-Mart americano fatura em uma semana o que b
um ano. Lendo os mesmos Essa redução de preços acaba por gerar um efeito definido pela
números de outra forma, o The Economist como “a deflação Wal-Mart”, ao citá-lo como o
maior agente deflator dos EUA. O Food Market Institute, que
Pão de Açúcar precisará congrega os varejistas americanos (similar à nossa Abras –
mais de cinqüenta anos para Associação Brasileira de Supermercados), estimou que a inflação
faturar o mesmo que o Wal- americana é reduzida em até 1%, graças ao impacto das
operações do Wal-Mart. O diretor de Relações Internacionais –
Mart fatura em um ano Bill Wertz – disse em recente entrevista publicada na IstoÉ
Negócios: “Nós permitimos que as pessoas comprem mais,
gastando menos. Isso é como dar um aumento. Competindo, nós
b ESSA CONCENTRAÇÃO É BENÉFICA? ajudamos a melhorar a vida dos trabalhadores”.
A Universidade da Califórnia nos EUA (UCLA) reuniu um grupo Sam Walton definiu um termo para sua criação varejista no livro
de cientistas (historiadores, antropólogos, economistas e Made In América – consumerismo. O consumerismo seria, segundo
administradores) para estudar o que chamam de “Fenômeno ele, uma forma mais adiantada de capitalismo, em que a redução
Wal-Mart”. Eles acreditam que esse crescimento exponencial de preços levaria os consumidores a terem acesso a mais produtos
passou a influenciar o meio ambiente, as relações de trabalho e e benefícios.
os hábitos de consumo. As vendas do Wal-Mart, no ano fiscal
2004, foram de US$ 285,222 bilhões, 11% superiores às do ano O historiador Nelson Lichtenstein, que organizou o encontro entre
anterior. cientistas para estudar o que chamam de “Fenômeno Wal-Mart”,
diz: “Em cada época da história, uma empresa parece incorporar
Apenas no setor trabalhista, o Wal-Mart irá atingir 1,7 milhão de um conjunto inédito e inovador de estruturas econômicas e relações
funcionários em 2005, tornando-se o maior empregador privado sociais”. Ele se referia a empresas como a General Motors (GM) e
do mundo. Apesar de sua política conservadora às relações a Microsoft que foram, respectivamente, em meados e no final do
trabalhistas nos EUA (os críticos indicam como supostas práticas século passado, paradigmas. No caso Wal-Mart, esse fenômeno é
do Wal-Mart: combate à sindicalização, salários inferiores à média controverso e a sociedade americana está dividida entre dois grupos:
da concorrência, resistência em remunerar horas extras, e planos os que apóiam e os que se contrapõem à empresa.
de saúde limitados), a empresa continua atraindo exército de
trabalhadores, em busca de uma oportunidade profissional. Seu Os fatos mostram que o primeiro grupo leva vantagem numérica
lema é motivar pessoas e dar oportunidade de crescimento em relação ao segundo. “Qual é a alternativa?”. Diz Wertz, diretor
profissional, com base em mérito. do Wal-Mart, para IstoÉ Dinheiro: “Deixar que outras lojas cobrem
mais do que as pessoas podem pagar, apenas para manter as
Essa avalanche de oportunidades é criada por um poderoso ciclo tradições? Eu não entendo essa lógica”. Volume de vendas é a
econômico: inicia-se na negociação com fornecedores (quem lógica por trás dessa alternativa.
não quer ser fornecedor do maior canal de distribuição do
mundo?), passa por uma gestão de estoques eficiente (o sistema Volume de vendas são palavras mágicas para um poderoso grupo
de logística foi copiado pelo exército americano) e, finalmente, econômico, pró Wal-Mart: os fornecedores. A Levis conseguiu um
pela motivação de seus funcionários mediante um plano de opções acordo de distribuição exclusiva e suas vendas subiram 9,7% em
de ações. três meses. Por outro lado, o Wal-Mart tem obsessão por redução
de custos, com o objetivo de repassar para seus clientes, e quem
negocia com ele tem de aceitar as rígidas condições de negociação.
O “consumerismo”, termo criado por O poder de compra do grupo varejista é tão grande que substitui
Sam Walton, seria, segundo ele, uma o fabricante na definição do que o consumidor quer comprar e
impõe condições tão duras aos fornecedores que, muitas vezes,
forma mais adiantada de capitalismo, só a China pode atender.
em que a redução de preços levaria
os consumidores a terem acesso a Outrossim, alguns fornecedores que estão fora da cadeia de
suprimentos do Wal-Mart argumentam que nunca poderão ter escala
mais produtos e benefícios para entrar nesse mercado. Ou seja, existe uma concentração e
perpetuação dos participantes dessa cadeia produtiva.
Apesar de as vantagens parecerem superar suas desvantagens, • 1971 – 51 Lojas, $ 78 milhões em vendas. Implantam-se a
existem cidades que resistem ao modelo (vide quadro 1). divisão das ações e o plano de participação nos lucros.
2.300 associados.
A cidade californiana de Inglewood, próxima de Los Angeles, • 1975/1976 – 153 Lojas com vendas de $ 478,8 milhões.
virou símbolo de resistência ao Wal-Mart. Primeiramente,
• 1977 – 195 Lojas com vendas de $ 678,4 milhões. Ocorre
uma lei aprovada pelos vereadores impediu a instalação de
a primeira aquisição de porte – 16 lojas da Mohr Value Chain.
lojas com mais de 14,4 mil m2 na cidade. Depois, a instalação
A revista Forbes classifica o Wal-Mart como o número 1 na
foi barrada em um plebiscito, para o qual a rede gastou US$ categoria de varejo. 15.000 associados.
1 milhão em uma campanha que incluiu anúncios em jornais
e na TV. O prefeito Roosevelt Dorn lamentou o resultado, • 1978 – 229 Lojas, com vendas de $ 900,2 milhões. Aquisição
alegando que, apesar de os salários serem baixos, a criação da Hutcheson Shoe Company, fundação da Farmácia,
de 1.200 empregos seria algo positivo, numa cidade onde Serviço de Autos e Joalheria. Sam recebe o prêmio de
25% dos jovens de 18 a 25 anos estavam desempregados. "Homem do Ano".
A campanha contra o Wal-Mart foi coordenada por líderes • 1979 – A Wal-Mart se torna a primeira empresa varejista a
atingir a marca de $ 1 bilhão de dólares em um período bem
religiosos e comunitários, recebendo contribuições de
curto. 20.500 associados.
sindicatos, como também de uma rede de supermercado
que atua no Estado, a Safeway.
• 1980 – 330 Lojas, com $ 1,6 bilhões.
Um olhar racional sobre essa controvérsia indica que o julgamento • 1982 – O aniversário de 20 anos marca vendas totalizando
$ 3,3 bilhões de dólares.
do mercado (não necessariamente o melhor juízo dessa questão)
é extremamente favorável ao Wal-Mart (vide quadro 2).
• 1983/1984 – 745 Lojas com vendas totalizando $ 6,4 bilhões.
100 Lojas inauguradas em um só ano. Em 1983, abre o
primeiro Sam's Club em Oklahoma, tornando-se uma divisão
permanente.
b QUADRO 2
• 1985 – O programa "Made in América" é implantado com
êxito. 104.000 associados.
• 1998 – Aquisição de 21 lojas da Wertkauf na Alemanha. Esta é a maior barreira para o Wal-Mart ter, no Brasil, o mesmo
sucesso que nos EUA: estabelecer as mesmas condições de
• 1999 – Aquisição de 74 lojas da Interspar. A cadeia de negócios existentes por lá. Entretanto, seria um equívoco ingênuo
lojas Asda é comprada pelo grupo Wal-Mart. desprezar sua capacidade competitiva, já que os números de
Fonte: Wal-Mart Brasil tamanho da empresa combinados com a impressionante
progressão das vendas (crescimento médio anual superior a
20% nos últimos 30 anos) têm mostrado que, apesar de várias
b E O IMPACTO NO BRASIL? resistências, o modelo tem funcionado para o seu mais crítico
avaliador: o mercado.
No Brasil, a concentração varejista está muito longe dos índices
alcançados nos EUA. As redes líderes somadas (Pão de Açúcar, b E O FUTURO?
Carrefour e Casas Bahia) não criaram ainda massa crítica para
poder emular um modelo similar ao da Wal-Mart americana. Sabemos que o mercado não pode ser considerado isoladamente,
pois existem inúmeros casos de empresas que foram coqueluche
A Wal-Mart brasileira ainda é um player mediano e não conseguiu em uma determinada época e, depois, se mostraram um fiasco.
ganhar músculos para implantar as mesmas metodologias Portanto, é muito cedo para fazermos avaliações conclusivas a
utilizadas nos EUA. respeito dos benefícios para toda a sociedade que uma
hiperconcentração varejista pode trazer. A única certeza é de
Interessante notar um fato ocorrido em Londrina (vide quadro 4). que, sob um ponto de vista “darwinista empresarial”, essa
concentração virá no Brasil, ou por meio de uma multinacional, ou
b QUADRO 4 pelo crescimento das grandes redes nacionais.
A Folha de S. Paulo de 9 maio de 2004 informa que para Se Sam Walton lesse este artigo, provavelmente teria duas
instalar uma loja em Londrina, cidade de 500 mil habitantes, reações: ficaria assustado e orgulhoso. Assustado, pela dimensão
no norte do Paraná, o Wal-Mart, maior rede de varejo do que sua criação tenha tomado, influenciando outras empresas
mundo, sofre oposição do prefeito, de entidades ligadas à em outros países e, principalmente, por alguns efeitos colaterais
área cultural, dos comerciantes e de trabalhadores que ele não previu em sua simplicidade calvinista. E, orgulhoso,
locais.Essa rede pretende construir um supercenter por estar a sua invenção sendo tão profundamente discutida em
(Hipermercado), num terreno vazio, no centro, onde a um país distante (um dos poucos que visitou a trabalho, copiando,
prefeitura planeja erguer um teatro. A seu favor, a rede inclusive, a idéia do hipermercado). De qualquer forma, nem ele e
argumenta que suas lojas criam empregos e vendem nem nós ficaríamos indiferentes a esse fenômeno. f
produtos a preços abaixo da concorrência.
REFERÊNCIAS
Em contrapartida, críticos defendem a tese de que o Wal-
AC NIELSEN. Censo Varejista. São Paulo, 2004.
Mart, por causar a falência de pequenos comércios, mataria
mais empregos do que as vagas criadas pelo hipermercado, WALTON, Sam; HUEY, John. Sam Walton: Made in America.
além do impacto negativo de suas megalojas sobre o trânsito Rio de Janeiro: Campos, 1993.
e dos baixos salários pagos por ele. Economia e finanças. Revista IstoÉ Dinheiro, 28 abr. 2004.