Geocronologia de granitos da região de Carrazeda de Ansiães, Norte

de Portugal
Geochronology of granites from Carrazeda de Ansiães area, Northern
Portugal
R. J. S. Teixeiraa, A. M. R. Neivab, M. E. P. Gomesa
a
Departamento de Geologia da Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro,
Apartado 1013, 5000-911 Vila Real
b
Departamento de Ciências da Terra da Universidade de Coimbra, 3000-272 Coimbra
rteixeir@utad.pt, neiva@dct.uc.pt, mgomes@utad.pt
SUMÁRIO

Nos granitos sinorogénicos de duas micas, da região de Carrazeda de Ansiães, distinguem-se diferentes tipos de
granitos pertencentes a três grupos cronologicamente distintos: Grupo I (G1, G2, G3 e G4), Grupo II (G5, G6,
G7, G8 e G9) e Grupo III (G10). Dados geocronológicos U-Pb, obtidos em zircões e monazites dos granitos G1,
G5 e G10, indicam tratar-se de granitos sin-F3, com idades de cristalização magmática de 320.5 ± 0.5 Ma, 317.8
± 0.5 Ma e 316.2 ± 0.7 Ma, respectivamente.
Palavras-chave: Granitos de duas micas, datação U-Pb, zircão, monazite, Carrazeda de Ansiães

SUMMARY
Different syntectonic two-mica granites from the Carrazeda de Ansiães area form three groups: I (G1, G2, G3
and G4), II (G5, G6, G7, G8 and G9) and III (G10), from the older to the younger groups. U-Pb
geochronological data, obtained in zircons and monazites from granites G1, G5 and G10, indicate that they are
syn-F3 granites, with magmatic crystallization ages of 320.5 ± 0.5 Ma, 317.8 ± 0.5 Ma and 316.2 ± 0.7 Ma,
respectively.
Key-words: Two-mica granites, U-Pb dating, zircon, monazite, Carrazeda de Ansiães

utilizada a técnica isotópica U-Pb (ID-TIMS) em

Introdução
Na região de Carrazeda de Ansiães, mais
especificamente na área da Folha 11-C da Carta
Geológica de Portugal, à escala 1:50 000, que é
limitada a Sul pelo Rio Douro e a Este pela Falha da
Vilariça, ocorrem vários granitos sinorogénicos de
duas micas, que se instalaram durante a etapa pós-
colisional (F3) da orogenia Hercínica (300-320 Ma)
[1] (Fig. 1). A existência de dados geocronológicos
sobre estes granitos é escassa, impossibilitando uma
melhor compreensão da cronologia dos diversos
eventos intrusivos desta área. Nesta perspectiva,
apresentam-se os resultados preliminares de um
estudo geológico, petrográfico, geoquímico e
geocronológico dos granitos desta região, tendo sido
zircões e monazites.
Enquadramento geológico
Os granitos estudados localizam-se na Zona Centro
Ibérica, integrando-se no sector oriental do
Antiforma de Vila Real – Carviçais. Estes granitos
intruíram e metamorfizaram diversas formações
metassedimentares do Complexo Xisto-
Metagrauváquico de idade Câmbrica, formando-se
frequentemente micaxistos com andaluzite e
corneanas nas zonas de contacto. Apesar de se tratar
de granitos sinorogénicos, é possível, com base em
critérios de campo e petrográficos, distinguir tipos
pertencentes a três grupos, cronologicamente
distintos: Grupo I, constituído pelos granitos G1,

253
G2, G3 e G4; Grupo II, formado pelos granitos G5,
G6, G7, G8 e G9; e Grupo III, constituído só pelo
granito G10. Os granitos do Grupo I apresentam
evidências de uma deformação frágil, responsável
pela microfracturação dos seus cristais, bem como a
existência de zonas de deformação dúctil,
caracterizadas pela presença de pequenas estruturas
C-S e pela existência de cristais de plagioclase com
maclas deformadas. Estas características
petrográficas indicarão que os granitos do Grupo 1
já estariam consolidados quando foram afectados
pelas tensões correspondentes à fase F3 [2]. Por
outro lado, os granitos do Grupo II foram
aparentemente deformados pela fase F3 antes de
estarem completamente consolidados, o que
justificaria a presença de biotite e moscovite
orientadas segundo NW-SE, concordantes com as
estruturas regionais. No granito G8, os encraves
sobremicáceos e metassedimentares também podem
estar alinhados segundo esta direcção. O granito
G10 pertencente ao Grupo III não apresenta aspectos
texturais que sugiram constrangimentos estruturais,
contemporâneos ou posteriores à sua implantação,
pelo que deverá corresponder à fácies mais recente
da região estudada. De facto, o granito G10 ocorre
associado a zonas de falha tardi-hercínicas com
direcção NNE-SSW, estando afectado por um
diaclasamento conjugado de direcção N40º-50ºE e
por uma forte deformação frágil.
Todos os granitos são constituídos por quartzo,
plagioclase, microclina, biotite, moscovite,
turmalina, zircão, silimanite, apatite, monazite, rara
xenotima e ilmenite. A maioria dos granitos tem
mais moscovite do que biotite, mas os granitos G1,
G2 e G8 têm quantidades idênticas de biotite e
moscovite.

Fig.1: a) Localização da área em estudo. b) Carta geológica da região de Carrazeda de Ansiães (modificado de Silva et
al., 1989). 1- Metassedimentos do Câmbrico e Ordovícico, G1- Granito de grão grosseiro a médio, porfiróide, de duas
micas, G2- Granito de grão médio a fino, porfiróide, de duas micas, G3- Granito de grão grosseiro a médio, com
tendência porfiróide, moscovítico-biotítico, G4- Granito de grão fino, moscovítico-biotítico, G5- Granito de grão
médio a grosseiro, moscovítico-biotítico, G6- Granito de grão médio, levemente porfiróide, moscovítico-biotítico, G7-
Granito de grão fino, moscovítico-biotítico, G8- Granito de grão médio, porfiróide, de duas micas, G9- Granito de grão
médio, porfiróide, moscovítico-biotítico, G10- Granito de grão médio, moscovítico, 2- Granito pertencente ao Maciço
de Numão, 3- Filões e massas de quartzo, aplito, pegmatito, pórfiro granítico, lamprófiro e microgabro, 4- Depósitos
de cobertura, 5- Contacto geológico, 6- Falha, 7- Falha provável, 8- Carreamento de idade sarda.

254
 No granito G5, as duas fracções de monazite são
Geoquímica e geocronologia dos granitos
praticamente concordantes, considerando-se, por
Os granitos são peraluminosos, com quociente
isso, a média ponderada das suas idades 207Pb/235U
molecular ASI = Al/[2(Ca – 1.67P) + Na + K]
como a idade de cristalização magmática (317.8 ±
variando entre 1.22 e 1.39 e corindo normativo de
0.5 Ma). Por outro lado, verifica-se que as quatro
2,67 a 4,39 %.
fracções de zircão analisadas são discordantes.
O granito G1 já foi alvo de uma datação pelo
Ancorando a discórdia definida pela fracção de
método K-Ar aplicado em biotites, tendo sido
zircão mais jovem na idade 0 ± 0.5 Ma, verifica-se
determinadas as idades aparentes de 285 ± 6 Ma e
que a intercepção superior ocorre em 316 ± 5.2 Ma,
314 ± 8 Ma (Silva & Kawashita in [2]).
confirmando a perda de Pb em zircões com idade
Neste resumo, apresentam-se datações de três
semelhante à da monazite. Para tentar determinar a
granitos representativos dos três grupos existentes
idade da componente herdada dos zircões, ancorou-
na região de Carrazeda de Ansiães, obtidas a partir
se a discórdia inversa definida pelas fracções de
da aplicação do método geocronológico U-Pb em
zircão mais antigas na idade dada pela monazite,
zircões e monazites, que é um método muito
verificando-se que a intercepção superior ocorre em
preciso. Para o efeito, foram separados cristais de
520 ± 150 Ma (Fig. 3).
zircão e monazite em amostras representativas dos
granitos, sendo posteriormente seleccionadas
fracções de melhor qualidade para análise por ID- ZIRCÕES
Discórdia (1 fracção)
0.056 350
TIMS no Departamento de Geociências da ancorada em 0 ± 0.5 Ma,
com intercepção em 316.0 ± 5.2 Ma.
Universidade de Oslo, Noruega, seguindo as
metodologias de [3] e [4]. 0.054
MONAZITES 340
Média ponderada
No granito G1, as quatro fracções de zircão Pb/238U da idade 207Pb/235U
analisadas não são concordantes devido à perda de (2 fracções)
= 317.8 ± 0.5 Ma.
330
Pb, que poderá estar relacionada com o facto do 0.052
206

processo de cristalização magmática ter ocorrido em 320

sistema aberto, permitindo a circulação de fluidos ZIRCÕES
Discórdia inversa (3 fracções)
0.050
hidrotermais tardi a pós-magmáticos. Além disso, a 310
ancorada em 317.8 ± 0.5 Ma,
com intercepção em 520 ± 150 Ma.
presença de Pb comum em duas destas fracções MSWD = 3.4
diminuiu significativamente a precisão na 0.048
determinação da idade. No entanto, ancorando a 0.34 0.36 0.38 0.40 0.42
207 235
discórdia definida por estas fracções na idade 0 ± 0.5 Pb/ U
Ma (representativa de um episódio recente, Fig.3: Diagrama concórdia-discórdia de fracções de
responsável pela perda de Pb), verifica-se que a
zircão e monazite do granito G5 (Erro = 2σ).
intercepção superior ocorre em 320.7 ± 2.7 Ma,
sendo a probabilidade do ajuste desta linha de 91 %.
Esta idade é semelhante à média ponderada das
No granito G10, nenhuma das quatro fracções de
idades 207Pb/235U das duas fracções de monazite
zircão é concordante, pois duas foram afectadas por
praticamente concordantes (320.5 ± 0.5 Ma), que
perda de Pb, enquanto que as restantes apresentam
indicarão a idade de cristalização (Fig. 2).
uma componente herdada (estimada em 485 ± 21
324 Ma) (Fig. 4). Relativamente às três fracções de
0.0514 ZIRCÕES monazite analisadas, verifica-se que duas são apenas
Discórdia (4 fracções)
ancorada em 0 ± 0.5 Ma,
322 ligeiramente discordantes, apresentando alguma
0.0510 com intercepção em 320.7 ± 2.7 Ma.
MSWD = 0.17 320 dispersão nas idades 207Pb/235U. Com o auxílio de
imagens de contraste de número atómico, detectou-
Pb/238U

0.0506 318 se a existência de uma componente herdada em

MONAZITES
316 Média ponderada algumas monazites deste granito, pelo que se
0.0502 da idade 207Pb/235U
(2 fracções)
considerou a idade 207Pb/235U da fracção mais jovem
206

314 = 320.5 ± 0.5 Ma. (316.2 ± 0.7 Ma) como sendo a da cristalização do
0.0498
312
granito G10 (Fig. 5). A terceira fracção de monazite
0.0494
é reversamente discordante, numa idade 207Pb/235U
310 mais antiga (341.1 ± 0.8 Ma). Segundo [5], este tipo
0.0490
de discordância é comum nas monazites do
0.356 0.360 0.364 0.368 0.372 0.376 Paleozóico, pois são geralmente afectadas por
207 235
Pb/ U desequilíbrios isotópicos associados aos diversos
Fig.2: Diagrama concórdia-discórdia de fracções de processos geológicos ocorridos. Além disso, estas
monazites também podem apresentar um excesso de
zircão e monazite do granito G1 (Erro = 2σ). 206
Pb devido à elevada quantidade de 230Th que
podem conter [6].

255
 0.072

0.068 Discórdia (2 fracções) Comparando os resultados obtidos, com as datações

ancorada em 0 ± 0.5 Ma,
com intercepção em 320 ± 18 Ma. K-Ar em biotites do granito G1, verifica-se que,
400
0.064 MSWD = 0.24 tendo em conta o erro analítico, a idade de 314 ± 8
Ma enquadra-se na idade U-Pb obtida em zircões e
Pb/238U

0.060
360 monazites deste granito, enquanto que a idade mais
0.056
recente (285 ± 6 Ma) deverá corresponder a um
possível episódio de alteração hidrotermal, cuja
206

0.052
320
existência poderá vir a ser confirmada através de
0.048
Discórdia inversa (1 fracção) outros estudos geocronológicos, como por exemplo,
0.044
280
ancorada em 316.2 ± 0.7 Ma,
com intercepção em 485 ± 21 Ma.
a datação pontual de monazites por microssonda
electrónica, utilizando o método Th-U-Pb.
0.040
0.28 0.32 0.36 0.40 0.44 0.48 0.52 Agradecimentos
207 235
Pb/ U Aos Profs. Andrés Cuesta e Fernando Corfu, pelos
estágios realizados por R. Teixeira nas
Fig.4: Diagrama concórdia-discórdia de fracções de Universidades de Oviedo e Oslo. À FCT, pela Bolsa
zircão do granito G10 (Erro = 2σ). de Doutoramento concedida a R. Teixeira
(SFRH/BD/17246/2004), bem como o apoio do
Centro de Geociências da Universidade de Coimbra.
0.057
Referências Bibliográficas
[1] Ferreira, N., Iglesias, M., Noronha, F., Pereira, E.,
Ribeiro, A., & Ribeiro, M. L. (1987) Granitóides da Zona
0.055 Centro Ibérica e seu enquadramento geodinâmico In Bea
340 et al. (Eds.) (1987) Geología de los granitoides y rocas
Pb/238U

207
Idade Pb/ U
235
asociadas del Macizo Hesperico. Libro Homenage a L. C.
(1 fracção)
= 316.2 ± 0.7 Ma.
Garcia de Figuerola, 542 pp., Editorial Rueda, Madrid.
0.053
330 [2] Silva, A. F. da, Rebelo, J. A. & Ribeiro, M. L. (1989)
Notícia explicativa da Folha 11-C (Torre de Moncorvo),
206

Serviços Geológicos de Portugal, 65 pp., Lisboa.

0.051 320 [3] Krogh, T. E. (1987) Improved accuracy of U-Pb ages
by the creation of more concordant systems using an air
abrasion technique. Geochim. Cosmoch. Acta, 46, pp.
310
0.049
637-649.
0.355 0.365 0.375 0.385 0.395 0.405 [4] Corfu, F. & Noble, S. R. (1992) Genesis of the
207 235 southern Abitibi green-stone belt, Superior Province,
Pb/ U Canada: evidence from zircon Hf-isotope analyses using a
single filament technique. Geochim. Cosmoch. Acta, 56,
Fig.5: Diagrama concórdia-discórdia de fracções de pp. 2081-2097.
monazite do granito G10 (Erro = 2σ). [5] Kalt, A., Corfu, F. Wijbrans, J. R. (2000) Time
calibration of a P-T path from a Variscan high-temperature
low pressure metamorphic complex (Bayeirishe Wald,
Discussão e Conclusões Germany), and the detection of inherited monazite.
A técnica analítica muito precisa utilizada indica que Contrib. Mineral. Petrol., 138, pp. 143-163.
os três granitos estudados se instalaram num [6] Schärer, U. (1984) The effect of initial 230Th
intervalo de tempo situado entre 320.5 ± 0.5 Ma e disequilibrium on young U-Pb ages: the Makalu case,
Himalaya. Earth Plan. Scien. Letters, 67, pp. 191-204.
316.2 ± 0.7 Ma (Tabela. 1). Desta forma, apesar dos
dados de campo e petrográficos indicarem a [7] Dias, G., Leterrier, J., Mendes, A., Simões, P. P. e
Bertrand, J. M. (1998) U-Pb zircon and monazite
existência de três grupos constituídos por diferentes geochronology of post-collisional Hercynian granitoids
tipos de granitos, verifica-se que todos os granitos se from the Central Iberian Zone (Northern Portugal). Lithos,
enquadram no grupo dos granitóides sin-F3 proposto 45, pp. 349-369.
por [7].

Tabela 1: Datações U-Pb obtidas em zircões e

monazites de granitos da região de Carrazeda de
Ansiães.
G1 G5 G10
320.5 ± 0.5 Ma 317.8 ± 0.5 Ma 316.2 ± 0.7 Ma

256