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Função social da propriedade na pandemia: análise das decisões do Tribunal de


Justiça de São Paulo

Article · July 2021

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4 authors, including:

Bianca Tavolari Ligia Fiani Bariani


Insper Institute of Education and Research University of São Paulo
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Função social da propriedade
na pandemia: análise das
decisões do Tribunal de
Justiça de São Paulo*
SOCIAL FUNCTION OF PROPERTY AMIDST THE
PANDEMIC: analysis of the decisions of
the São Paulo Court of Justice

Bianca Tavolari**
Marcella Gomes Puppio***
Letícia Carvalho Silva****
Ligia Fiani Bariani*****
Resumo O presente artigo objetivou mapear como as decisões judiciais do Tribunal
de Justiça de São Paulo mobilizaram o princípio da função social da propriedade no
contexto de pandemia causada pelo COVID-19. Por meio do Diário de Justiça Eletrônico
de São Paulo, foram filtradas as decisões publicadas em 2020 que empregavam o termo
“função social da propriedade”. Foram desconsideradas as decisões que não tratavam de
propriedade fundiária e foram criados dois conjuntos, um em que a Defensoria Pública
figurava como parte e outro em que não figurava. Com base nessa divisão, buscou-se
entender se a presença da Defensoria impactou a argumentação das decisões. Como
resultado, criamos categorias para classificar os casos em que o princípio foi mencionado
como argumento decisório (e não em outras posições, como menções em jurisprudência,
doutrina e paráfrase do argumento da parte), sendo elas: (i) em favor do direito à moradia,

*  Agradecemos a Saylon Alves Pereira pela ajuda com o contraste de dados entre os Diários Ofi-
ciais de Justiça e o banco de sentenças do Tribunal de Justiça de São Paulo.
**  Bianca Tavolari, professora do Insper, pesquisadora do Centro Brasileiro de Análise e Planeja-
mento (CEBRAP) e pesquisadora principal do Maria Sibylla Merian Centre – Mecila, professora
visitante na Universidade de St. Gallen, doutora pela Faculdade de Direito da Universidade de
São Paulo, http://lattes.cnpq.br/3056263865036144, BiancaMDT@insper.edu.br.
***  Marcella Gomes Puppio, graduanda em Direito pela Universidade de São Paulo,
http://lattes.cnpq.br/3092815216607828, marcellagpuppio@gmail.com.
****  Letícia Carvalho Silva, graduada em Direito pela Universidade de São Paulo,
http://lattes.cnpq.br/0893185234247239, leticiacarvalhosilva11@gmail.com.
*****  Ligia Fiani Bariani, graduanda em Direito pela Universidade de São Paulo,
http://lattes.cnpq.br/1952201624788461, ligiabariani@gmail.com.

REVISTA DA DEFENSORIA PÚBLICA DO ESTADO DE SÃO PAULO | São Paulo, v. 3, n. 1, p. 47-72, jan./jun. 2021
FUNÇÃO SOCIAL DA PROPRIEDADE NA PANDEMIA: ANÁLISE DAS DECISÕES DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DE SÃO PAULO 47
(ii) se o requerimento do autor respeita a função social da propriedade, (iii) aplicação do
princípio contra ocupantes, (iv) COVID-19 e reintegração de posse e (v) descumprimento da
função social da propriedade pelo autor. Uma vez que a amostra de casos é muito baixa em
razão da também baixa mobilização do argumento da função social da propriedade, não
é possível atribuir causalidade à presença ou à ausência da Defensoria Pública como ator
institucional nestes conflitos. No entanto, é possível mostrar que o padrão argumentativo
das decisões não é responsivo e que a pandemia foi um fator decisório relevante apenas em
um número pequeno de processos. Por fim, também foi possível inferir que a articulação
entre direito à saúde e direito à moradia é condicionada à calamidade sanitária.
Palavras-chave Função Social da Propriedade, COVID-19, Defensoria Pública.
Abstract This paper aims to map how São Paulo Court of Justice’s judges have mobilized
the principle of social function of property in face of the COVID-19 pandemics. Recurring
to São Paulo’s Diário de Justiça, we have selected the rulings enacted in 2020 that mentio-
ned “social function of property”. We have disregarded decisions that did not mention
land property and we have organized two sets of decisions: one in which the Public Defen-
der’s Office took part and another in which this institutional stakeholder was not present.
As a result, we have created categories to help the analysis of the legal reasoning (exclu-
ding mentions of the principle in the jurisprudence, legal doctrine and as a paraphrase of
the defendants’ demands). The categories are: (i) in favor of the right to housing; (ii) cases
in which the plaintiff’s demand respects the social function of property; (iii) the use of
the principle against occupants; (iv) COVID-19 and forced evictions; (v) noncompliance
with the principle of social function of property on the plaintiff side. Since our sample
has a low number of cases due to the low mobilization of the principle by judges, it is not
possible to assign causality to the presence or absence of the Public Defender’s Office in
those conflicts. However, it was possible to show that judges are not responsive to the
plaintiffs’ demands and that the pandemics were only relevant in a very small number
of cases. Lastly, it is also possible to infer that the link between the right to health and the
right to housing is only temporary, under the conditions of the health calamity.
Keywords Social Function of Property, COVID-19, Public Defender’s Office.

Introdução

Função social da propriedade é um tema de altíssima voltagem. Desde a Assembleia


Nacional Constituinte, a temperatura das discussões em torno da função social foi bas-
tante elevada (BONDUKI, 2018). Isso porque esta ideia entra diretamente em choque
com uma concepção tradicional que entende o direito de propriedade como absoluto,
fundado justamente na exclusão de todos os demais em qualquer circunstância,
como exercício inconteste de liberdade negativa perante terceiros e o Estado (SUN-
DFELD, 2019). Da perspectiva que entende o direito à propriedade como categórico e

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48 FUNÇÃO SOCIAL DA PROPRIEDADE NA PANDEMIA: ANÁLISE DAS DECISÕES DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DE SÃO PAULO
incondicional, a função social nada mais é do que limitação, ou seja, perda de direitos.
O argumento de que a função social da propriedade não é externa a este direito, como
um limite posto de fora, mas integra a própria estrutura das relações jurídicas de
propriedade, tampouco é nova (MELLO, 2019; COUTINHO et al, 2018).
A alta tensão percorre todas as tentativas de implementar políticas urbanas que
façam cumprir este princípio constitucional, seja em Barcelona (CHIESA, TAVOLARI,
2021) ou em São Paulo (BARIANI, PUPPIO, SILVA, 2020). Os instrumentos de cumpri-
mento da função social da propriedade, previstos na Constituição desde 1988 sob a
forma da notificação de imóveis vazios, exigência de parcelamento, edificação e uso
compulsórios, cobrança de IPTU progressivo e, por fim, desapropriação-sanção, são
pouquíssimo adotados pelos municípios brasileiros (FILHO, DENALDI, 2006; FILHO,
DENALDI, 2009; DENALDI, BRAJATO, SOUZA, FROTA, 2017). Mesmo quando há uma
política expressa de notificação de imóveis vazios, como em São Paulo, as controver-
sas interpretações acerca da função social da propriedade – seja no âmbito dos pro-
cessos administrativos quanto na esfera judicial – são entraves à sua continuidade,
para além da interrupção entre diferentes gestões municipais (BARIANI, PUPPIO,
SILVA, 2020).
A pandemia do novo coronavírus esgarçou ainda mais os conflitos em torno
da propriedade. Se imóveis vazios já representavam descumprimento flagrante
da função social da propriedade antes, tornaram-se ainda mais inaceitáveis diante
de uma crise em que ter onde morar é imprescindível para cumprir as orientações
sanitárias de isolamento social (FIRPO, TAVOLARI, 2021). Diante deste contexto, esta
pesquisa se volta ao poder judiciário. Sabemos que a mobilização do argumento da
função social da propriedade é baixíssima nos tribunais. Dados da pesquisa Conflitos
fundiários coletivos urbanos e rurais: uma visão das ações possessórias de acordo com o
impacto do Novo Código de Processo Civil medem a permeabilidade do argumento em
decisões judiciais em ações possessórias coletivas de bens imóveis entre 2011 e 2019
(INSPER, INSTITUTO PÓLIS, 2021)1. No âmbito dos Tribunais de Justiça, o argumento
foi mobilizado em apenas 0,26% dos processos no Tribunal de Justiça do Rio Grande
do Sul, 0,68% no Tribunal de Justiça da Bahia, 1% no Tribunal de Justiça de São Paulo,
1,18% no Tribunal de Justiça de Pernambuco, 4,31% no Tribunal de Justiça do Pará e
4,35% no Tribunal de Justiça do Distrito Federal. Nos Tribunais Regionais Federais, a
permeabilidade também é bastante baixa: 0,71% dos processos em ações possessórias
coletivas de bens imóveis mencionam a função social da propriedade no Tribunal
Regional da Primeira Região; 1,72% no Tribunal Regional da Quinta Região, 3,28% no
Tribunal Regional da Quarta Região e 6,58% no Tribunal Regional da Terceira Região.
É importante destacar que se trata de menções, ou seja, as decisões podem acatar ou
não o princípio constitucional da função social da propriedade. A pesquisa mede,

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FUNÇÃO SOCIAL DA PROPRIEDADE NA PANDEMIA: ANÁLISE DAS DECISÕES DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DE SÃO PAULO 49
portanto, a permeabilidade do argumento e não sua aplicação ou as diferentes formas
de interpretação.
Diante deste cenário, esta pesquisa se colocou a seguinte pergunta: como juízes e
juízas do Tribunal de Justiça de São Paulo mobilizaram o argumento da função social
da propriedade em meio à pandemia? Para além da permeabilidade, estamos interes-
sadas na estrutura dos argumentos nas decisões judiciais proferidas ao longo de 2020.
São Paulo é o estado com maior número de aglomerados surbnormais do país (IBGE,
2013) e concentra o maior número de municípios que adotaram políticas de cumpri-
mento da função social da propriedade contra imóveis vazios (DENALDI, BRAJATO,
SOUZA, FROTA, 2017). Assim, uma série de perguntas norteiam este estudo. Diante
da baixa mobilização do argumento da função social da propriedade, como juízes e
juízas têm interpretado o princípio nos casos concretos em que há, de fato, menção ao
argumento? A pandemia é levada em conta por magistrados e magistradas em suas
decisões ao longo de 2020? E ainda: é possível estabelecer padrões distintos de argu-
mentação nos processos em que a Defensoria Pública figura como parte? Em outras
palavras, a atuação da Defensoria em processos de disputa da função social da pro-
priedade gera um ônus argumentativo maior para juízes e juízas? (FERREIRA, 2020)
Este artigo está dividido em três partes, além da introdução e das considera-
ções finais. A primeira parte é constituída por uma descrição aprofundada sobre
a metodologia empírica utilizada para construção do banco de dados e da amostra.
A segunda parte contém a análise da mobilização do argumento da função social da
propriedade pelo Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo. A terceira parte, por sua
vez, apresenta análise de casos exemplares que permitem discutir em mais detalhes
as especificidades do caso concreto e a argumentação formulada por juízes e juízas.

1. Metodologia

Não são muitas as pesquisas empíricas que discutem, com viés sistemático, como
juízes e juízas mobilizam o argumento da função social da propriedade, ainda que
estudos de caso sejam bastante recorrentes. As principais exceções são o estudo
desenvolvido por Ester Rizzi, com base em decisões do Supremo Tribunal Federal
que discutem função social da propriedade e poder de polícia entre os anos de 1964
e 2001 (RIZZI, 2009), e a pesquisa conduzida por Thiago Acca, com base na consulta
de jurisprudência do Tribunal de Justiça de São Paulo, no período entre 2002 e 2014
(ACCA, 2016)2.
Como as diferentes aplicações e interpretações do argumento da função social da
propriedade estão no centro desta pesquisa, adotamos uma série de escolhas meto-
dológicas para determinar a amostra, o universo de análise e as lentes de classifica-
ção. De maneira distinta do estudo desenvolvido por Thiago Acca também sobre o

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50 FUNÇÃO SOCIAL DA PROPRIEDADE NA PANDEMIA: ANÁLISE DAS DECISÕES DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DE SÃO PAULO
Tribunal de Justiça de São Paulo, decidimos que, para os propósitos desta pesquisa,
o Diário Oficial de Justiça era o âmbito de observação mais adequado para analisar a
linguagem empregada por juízes e juízas – e não os repositórios de jurisprudência.
Há algumas razões para esta escolha. Em primeiro lugar, as publicações do Diário
Oficial de Justiça não estão limitadas às sentenças: decisões interlocutórias, liminares
e despachos também fazem parte do repertório de textos disponibilizados pelo tri-
bunal, o que amplia as possibilidades de observação da mobilização dos argumentos.
Em segundo lugar, ainda que os diários oficiais tenham pontos cegos, ou seja, não
publiquem todas as decisões sobre todos os processos do Tribunal de Justiça de São
Paulo, há menos filtros e intermediações do próprio tribunal se comparado ao banco
de jurisprudência do e-SAJ3. Os diários contêm decisões tanto da primeira quanto
da segunda instâncias. Por último, como o número de menções a função social da
propriedade era bastante baixo, foi possível, a partir dos diários oficiais, compor um
banco de decisões judiciais manualmente.
Para selecionar as decisões que integraram nossa amostra inicial, decidimos uti-
lizar a expressão “função social da propriedade” em aspas no campo de busca “pes-
quisa avançada” da ferramenta do Diário de Justiça Eletrônico do Tribunal de Justiça
de São Paulo. Como o objetivo era analisar a mobilização do argumento ao longo do
ano de 2020, especialmente em razão da pandemia do novo coronavírus, seleciona-
mos apenas os diários publicados entre o dia 1º de janeiro de 2020 e 31 de dezembro
de 2020, em todos os cadernos, o que significa que a busca abarca todas as instâncias,
do interior e da capital, bem como editais e leilões:

Imagem 1. Interface de busca do Diário da Justiça Eletrônico do TJSP (http://www.dje.


tjsp.jus.br/)

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FUNÇÃO SOCIAL DA PROPRIEDADE NA PANDEMIA: ANÁLISE DAS DECISÕES DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DE SÃO PAULO 51
Como estamos analisando argumentos, conhecer a linguagem natural empregada
por juízes e juízas é fundamental para que os termos de busca de fato correspondam
às diferentes maneiras como o argumento é mobilizado em decisões judiciais. Deci-
dimos utilizar apenas um termo de busca, com a expressão entre aspas. Ainda que
haja limitações – deixamos de selecionar decisões em que o juiz ou a juíza afirma
apenas, por exemplo, “este imóvel cumpre sua função social”, “o bem está condicio-
nado à função social”, “o direito à propriedade está limitado por sua função social”,
já que selecionamos apenas aquelas decisões que usam a expressão inteira –, a busca
somente por “função social” levaria a uma quantidade muito grande de falsos positi-
vos, com discussões sobre função social da empresa e do contrato, apenas para ficar
nos exemplos mais evidentes4. Esta escolha levaria à necessidade de estabelecer fil-
tros internos à amostra para selecionar apenas os casos que discutem propriedade, o
que acrescentaria mais uma etapa na determinação do universo de análise. Como as
ferramentas utilizadas nesta pesquisa são manuais, optamos pelo termo específico,
entre aspas e com um universo manejável de textos de decisões judiciais. Como discu-
tiremos neste artigo, temos boas razões para entender que esta expressão regular é
um bom ponto de apoio para a observação. No entanto, a formulação de um vocabulá-
rio judicial para tratar desta questão está no nosso horizonte mais amplo de pesquisa.

1.1. A amostra inicial

A busca pela expressão “função social da propriedade” na plataforma do Diário de


Justiça Eletrônico do Tribunal de Justiça de São Paulo, para o ano de 2020, resultou
em 733 resultados. Aqui, “resultados” é uma unidade que corresponde a uma página
específica da publicação de um Diário da Justiça Eletrônico. É possível haver mais de
uma menção ao termo no limite de uma página, seja em decisões diferentes, seja na
mesma decisão. Os cadernos que continham a expressão foram abertos manualmente
e o texto da decisão foi recortado e tabulado pelas pesquisadoras.
Os 733 resultados correspondem a 622 processos individuais. Ainda que todas as
decisões tenham sido proferidas em 2020, nem todos os processos foram ajuizados
neste ano. Os processos podem ter sido ajuizados em anos anteriores, ainda que a
decisão que compõe a amostra seja de 2020. A distribuição anual destes processos se
dá conforme a tabela abaixo, a partir da informação do número CNJ do processo. É
possível perceber que há concentração expressiva dos processos em torno dos anos
de 2020 e 2019 (63,83%):

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52 FUNÇÃO SOCIAL DA PROPRIEDADE NA PANDEMIA: ANÁLISE DAS DECISÕES DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DE SÃO PAULO
Tabela 1. Amostra inicial de processos de acordo com o ano de ajuizamento

Ano de ajuizamento Quantidade de processos Porcentagem

2020 255 41%


2019 142 22,83%
2018 64 10,29%
2017 53 8,52%
2016 37 5,94%
2015 19 3,05%
2014 13 2,09%
2013 13 2,09%
Antes de 2013 26 4,19%

Como a busca se deu a partir de uma expressão específica, a amostra inicial era
composta por decisões dos mais diferentes tipos, com classes processuais também
bastante distintas entre si. Mesmo adotando o termo na íntegra, identificamos falsos
positivos que citavam a expressão “função social da propriedade e da empresa”, em
bloco, para tratar de questões empresariais e comerciais5. Assim, foi necessário lapi-
dar a amostra para selecionar apenas aqueles que de fato tratavam de propriedade
fundiária. Além disso, separamos os casos em dois conjuntos: aqueles em que a Defen-
soria Pública integrava o processo e aqueles em que não havia presença de defensores
e defensoras públicas.

1.2. Critérios de seleção para refinamento da amostra


e criação de dois conjuntos de processos

Desta amostra inicial, selecionamos todos os processos em que a Defensoria Pública


figurava como parte. O primeiro critério de seleção foi textual: toda e qualquer deci-
são que mencionasse “Defensoria Pública”, “Defensoria”, “defensores”, “defensor” ou
“defensora” integraria este conjunto. A aplicação deste primeiro filtro resultou em
58 decisões em que a Defensoria Pública era mencionada. Com a leitura das decisões,
foi possível constatar incongruências, o que levou a um segundo filtro. Consultamos
os números de cada processo nas plataformas do e-SAJ, seja na primeira (https://esaj.
tjsp.jus.br/cpopg/open.do) ou na segunda instâncias (https://esaj.tjsp.jus.br/cposg/
open.do). O site apresenta campos com as partes do processo, incluindo terceiros inte-
ressados. Esta visualização é mais sistemática e confiável do que a apresentação das

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FUNÇÃO SOCIAL DA PROPRIEDADE NA PANDEMIA: ANÁLISE DAS DECISÕES DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DE SÃO PAULO 53
partes processuais tal como aparece nos diários oficiais. A partir do segundo filtro,
o conjunto de decisões em que a Defensoria Pública figura como parte passou para
24 decisões. As 24 decisões correspondem a 24 processos diferentes.
Filtrar pela presença da Defensoria Pública como parte teve por objetivo analisar
se a presença deste ator institucional gerava ônus argumentativo ao juiz ou juíza.
Apenas por meio do texto da decisão, não é possível saber se a Defensoria mobili-
zou o argumento da função social da propriedade. Contudo, é possível saber como o
juiz ou a juíza apresentou a discussão em sua decisão. Assim, queremos responder:
a presença da Defensoria como parte demanda que juízes e juízas formulem argu-
mentos mais sofisticados para tratar da função social da propriedade? Juízes e juízas
são mais permeáveis à aceitação do argumento em processos em que há defensores
e defensoras presentes?
Estas perguntas estabelecem uma comparação. Portanto, para respondê-las,
seria necessário formar dois conjuntos de processos: com e sem a participação da
Defensoria. Para que o conjunto de processos sem a Defensoria fosse manejável e
correspondesse a discussões sobre propriedade fundiária, selecionamos, dentro da
amostra inicial, as classes processuais relacionadas à disputa pela posse, moradia
e bens imóveis. A adoção destes critérios nos levou à seleção de 82 processos. Este
conjunto funciona como base de comparação para as perguntas desta pesquisa. Em
comparação com a amostra inicial, selecionamos 106 processos de 622, ou 17,04% do
total. A amostra final está organizada da seguinte maneira:

Tabela 2. Composição da amostra final

Quantidade de processos Porcentagem

Com Defensoria 24 22,64%


Sem Defensoria 82 77,36%
Total da amostra final 106 100%

1.3. Características dos dois conjuntos e possibilidades de análise

Estamos, portanto, diante de dois conjuntos de processos. Ainda que em ambos haja
a mobilização do argumento da função social da propriedade, há características dis-
tintas do ponto de vista das classes processuais, instâncias e ano de ajuizamento, con-
forme apresentado nas tabelas a seguir.

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54 FUNÇÃO SOCIAL DA PROPRIEDADE NA PANDEMIA: ANÁLISE DAS DECISÕES DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DE SÃO PAULO
Tabela 3. Distribuição dos processos por ano de ajuizamento de acordo com cada conjunto

Com Defensoria Sem Defensoria

Ano de ajuizamento Quantidade Ano de ajuizamento Quantidade


de processos de processos

2020 7 2020 40
2019 3 2019 14
2018 8 2018 6
2017 3 2017 8
2016 1 2016 8
2015 1 2015 3
Antes de 2015 1 Antes de 2015 3

Tabela 4. Distribuição dos processos por instância de acordo com cada conjunto

Com Defensoria Sem Defensoria

Instância Quantidade Instância Quantidade


de processos de processos

1ª 18 1ª 68
2ª 6 2ª 14

Tabela 5. Com Defensoria: classes processuais

Classe processual Quantidade

Reintegração /
8
Manutenção de Posse
Apelação Cível 3
Usucapião 3
Agravo de Instrumento 3
Procedimento Comum
2
Cível - Reivindicação
Outras classes 5

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FUNÇÃO SOCIAL DA PROPRIEDADE NA PANDEMIA: ANÁLISE DAS DECISÕES DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DE SÃO PAULO 55
Tabela 6. Sem Defensoria: classes processuais

Classe processual Quantidade

Reintegração /
66
Manutenção de Posse
Agravo de Instrumento 14
Procedimento Comum Cível 8
Usucapião 6
Apelação Cível 5
Outras classes 8

As tabelas acima mostram a heterogeneidade de cada um dos conjuntos de processos e


as diferenças dos conjuntos entre si. Além disso, o número de processos (n) é bastante
baixo. Isto significa que ela não tem valor estatístico – por esta razão os números
são apresentados por inteiro, sem porcentagens. Não só o número total de decisões
é pequeno demais para fazer inferências estatísticas, mas também os critérios do
recorte não foram testados antes. Esta é uma limitação desta pesquisa, mas não é um
bloqueio para a análise que pretendemos fazer. Como o ponto central é a qualidade do
argumento de juízes e juízas em torno da função social da propriedade, o n baixo não
impede que a estrutura argumentativa seja analisada, sem pretensão de representa-
tividade. Passamos então à análise dos argumentos e das categorias criadas para dar
subsídio às perguntas de pesquisa.

2. Mobilização do argumento da função social da propriedade


pelo Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo

Uma vez estabelecida a amostra de 106 decisões correspondentes a 106 processos,


subdivididas em dois conjuntos, passamos a responder às perguntas de pesquisa.
Cada decisão foi analisada segundo as seguintes categorias: (1) número do processo;
(2) classe e assunto CNJ; (3) 1ª ou 2ª instâncias; (4) onde está o argumento da função
social da propriedade?; (5) o argumento da função social da propriedade é conside-
rado aplicável ao caso pelo juiz ou pela juíza?; (6) há menções a coletividades?; (7) há
menção à pandemia de COVID-19?
Passamos a analisar cada uma das categorias, indicando os critérios adotados
para responder às perguntas. As três primeiras categorias já foram apresentadas na
seção anterior e são meramente descritivas.

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56 FUNÇÃO SOCIAL DA PROPRIEDADE NA PANDEMIA: ANÁLISE DAS DECISÕES DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DE SÃO PAULO
A pergunta do item 4 (“onde está o argumento da função social da propriedade?”)
objetiva localizar o argumento na estrutura da decisão. Foram estabelecidos cinco
critérios: (1) na argumentação do juiz; (2) na jurisprudência citada; (3) na reprodução
do argumento das partes; (4) na reprodução do argumento das partes e na argumen-
tação do juiz, e (5) na jurisprudência citada e na argumentação do juiz. Estas cinco
localizações permitem entrever a estrutura da argumentação da decisão judicial. No
primeiro caso, o juiz ou a juíza apresentam o argumento em torno da função social
da propriedade sem reproduzir uma eventual reivindicação das partes. No segundo
caso, o argumento vem apenas na jurisprudência, sem merecer comentários do juiz
ou da juíza. No terceiro, o juiz ou a juíza apenas reproduzem um pedido das partes,
sem se manifestar para além da mera réplica da alegação. Nos últimos casos, há com-
binação das “localizações”: há reprodução dos argumentos trazidos pelas partes e
considerações do juiz ou da juíza sobre a função social da propriedade ou há menção
na jurisprudência e comentário do magistrado ou da magistrada. Ao classificarmos
a amostra inteira de acordo com estes critérios, temos o seguinte cenário:

Tabela 7. Localização da expressão da função social da propriedade

Localização Com Defensoria Sem Defensoria

Na argumentação do juiz 9 38
Na reprodução do
4 25
argumento das partes
Na jurisprudência citada 7 11
Na reprodução do argumento das
3 7
partes e na argumentação do juiz
Na jurisprudência citada e
1 2
na argumentação do juiz

Ainda que seja interessante notar que em 47 decisões a expressão “função social
da propriedade” esteve presente na argumentação do juiz ou juíza, ou seja, na sua
mobilização própria do argumento, também em 47 delas, este princípio apenas se fez
presente na reprodução do argumento que as partes mobilizaram, por meio do uso de
citações ao que as partes levantaram como debate, ou/e na jurisprudência citada pelo
juiz ou juíza como referência para sua fundamentação. Os casos em que o juiz ou juíza
se referem à reivindicação das partes e também interpretam o princípio da função
social da propriedade são bastante baixos: 11 casos, sendo 3 deles em processos com a
Defensoria e 7 deles em processos em que defensores e defensoras não figuram como

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FUNÇÃO SOCIAL DA PROPRIEDADE NA PANDEMIA: ANÁLISE DAS DECISÕES DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DE SÃO PAULO 57
parte. Em 18 casos, a função social da propriedade aparece apenas na jurisprudên-
cia, sem maiores comentários por parte do magistrado ou da magistrada. Na maioria
dos casos, em que o princípio da função social da propriedade aparece somente na
argumentação do juiz ou da juíza, não é possível saber, apenas pelas decisões, se as
partes mobilizaram ou não o argumento. É possível que as partes tenham trazido a
discussão sobre função social em suas petições, mas não houve reprodução das rei-
vindicações na decisão.
Para além da localização do argumento, foi possível identificar como, nos casos
analisados, juízes e juízas mobilizaram o princípio da função social da propriedade
para proferir a decisão. Em um primeiro momento, verificou-se se o argumento da
função social da propriedade havia sido considerado como aplicável ao caso concreto
pelo juiz ou juíza. O que significa “considerar como aplicável”? Para além de possíveis
menções isoladas na jurisprudência citada, aqui entendemos que o magistrado ou a
magistrada mencionou a expressão com suas próprias palavras, no corpo da deci-
são, seja para acatar o princípio ou para afastá-lo no caso concreto. Das 106 decisões,
portanto, o argumento da função social da propriedade foi considerado aplicável em
40 delas, ou seja, juízes e juízas entenderam que a controvérsia girava em torno da
função social da propriedade e que era necessário desenvolver uma argumentação
própria neste sentido. Portanto, comprova-se que a simples menção ao princípio da
função social da propriedade na decisão não é determinante para que sua aplicação
seja garantida no caso concreto.

Tabela 8. Função social da propriedade considerada aplicável ao caso

Com Defensoria Sem Defensoria

Sim Não Sim Não

7 17 33 50

A tabela acima permite entrever que o princípio constitucional da função social da


propriedade foi considerado aplicável em 40 processos, em que 7 têm a presença da
Defensoria Pública como parte e 33, não. Seria necessário um número maior de obser-
vações para estabelecer correlações entre a presença de defensores e defensoras no
processo e o resultado da interpretação de juízes e juízas.
Além disso, é possível fazer um cruzamento entre a localização do argumento da
função social da propriedade e sua aplicação ou não ao caso concreto.

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58 FUNÇÃO SOCIAL DA PROPRIEDADE NA PANDEMIA: ANÁLISE DAS DECISÕES DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DE SÃO PAULO
Tabela 9. Localização do argumento x aplicação do argumento

Localização FSP é aplicável FSP não é aplicável

Na argumentação do juiz 29 18
Na reprodução do argumento das partes 4 25
Na jurisprudência citada 3 15
Na reprodução do argumento das
1 9
partes e na argumentação do juiz
Na jurisprudência citada e na
3 -
argumentação do juiz

A partir destes dados, destaca-se que, dos casos nos quais a função social da proprie-
dade foi considerada aplicável ao caso em questão, em sua grande maioria, o argu-
mento mobilizado pelo juiz ou juíza estava presente em sua própria argumentação e
não apenas na citação de jurisprudência ou na reprodução do argumento das partes.
Em contrapartida, quando a função social da propriedade não foi considerada aplicá-
vel ao caso, a mobilização deste princípio pelo juiz ou juíza ocorreu, em sua maioria,
somente na jurisprudência citada ou na reprodução do argumento das partes. Este
cruzamento sugere que o posicionamento do juiz ou da juíza em relação à função
social da propriedade é fundamental para a aplicar ou não o princípio, independen-
temente da mobilização das partes ou da jurisprudência citada. Para confirmar esta
sugestão, seria preciso testar esta hipótese para uma amostra maior de processos.
Além disso, da leitura das decisões foi possível destacar em quais processos havia
indícios da participação de alguma coletividade. Expressões como “demais ocupan-
tes”, “invasores desconhecidos”, “associações de mutuários”, entre outras, foram fun-
damentais para embasar tal classificação.6 Assim, das 106 decisões analisadas, em
36 delas constaram indícios de coletividade. É importante destacar que, dos casos
em que a Defensoria Pública representava uma das partes, em 14 decisões, uma das
partes poderia ser identificada como coletividade. Já nas decisões em que a institui-
ção não fez parte do processo, em apenas 22 decisões havia indícios da presença de
uma coletividade. Isso demonstra a importância da atuação da Defensoria Pública em
casos envolvendo coletividades e pessoas em situação de vulnerabilidade, conforme
requer a sua representatividade adequada.7 No entanto, diante do número baixo de
ocorrências, não é possível afirmar se a presença da Defensoria Pública é decisiva
para gerar ônus argumentativo por parte de juízes e juízas.
Além disso, tendo em vista que as decisões analisadas foram proferidas em 2020,
primeiro ano em que a pandemia de COVID-19 assolou a vida de todas as pessoas para

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FUNÇÃO SOCIAL DA PROPRIEDADE NA PANDEMIA: ANÁLISE DAS DECISÕES DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DE SÃO PAULO 59
as quais o “ficar em casa” era uma condição de privilégio, afetando de maneira ainda
mais severa aquelas em situação de vulnerabilidade, foram destacadas decisões que
mencionaram essa situação. Apesar deste contexto, apenas 24 em 106 fazem referên-
cia à COVID-19.

Tabela 10. Decisões que mencionam COVID-19

Menciona COVID-19? Com Defensoria Sem Defensoria

Sim 5 9
Não 19 73

Especificamente nas decisões em que a Defensoria Pública representava uma das


partes, dos 5 processos em que há menção ao COVID-19, em 3 deles a função social
da propriedade foi considerada aplicável ao caso concreto. Em contrapartida, dos 19
processos em que não houve referência à pandemia, a função social da propriedade
foi considerada aplicável em apenas em 3 casos.
Para além deste panorama geral, selecionamos alguns casos exemplares que per-
mitem discutir em mais detalhes as especificidades do caso concreto e a argumen-
tação formulada por juízes e juízas. Os casos selecionados mostram que o cenário
é muito mais complexo do que pode parecer à primeira vista, como mostraremos a
seguir.

3. Análise de casos selecionados

Após a primeira análise das decisões que mencionam “função social da proprie-
dade”, fizemos uma segunda análise filtrando os processos que aplicam o princípio
da função social da propriedade para imóveis urbanos, no contexto do ordenamento
jurídico do plano diretor, bem como as decisões que explicitamente utilizaram o prin-
cípio como critério de decisão, ou seja, excluímos as menções em jurisprudência, dou-
trina e paráfrase do argumento da parte. Com esses filtros, criamos categorias para
analisar os argumentos mobilizados para a aplicação do princípio. As categorias são
as seguintes: (1) em favor do direito à moradia; (2) requerimento do autor respeita a
função social da propriedade?; (3) princípio da função social da propriedade contra
os ocupantes; (4) COVID-19 como impedimento à reintegração de posse; (5) contra o
proprietário por não cumprir a função social da propriedade e (6) irrelevante para
a decisão.

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60 FUNÇÃO SOCIAL DA PROPRIEDADE NA PANDEMIA: ANÁLISE DAS DECISÕES DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DE SÃO PAULO
3.1. Em favor do direito à moradia

Dentre as decisões que utilizaram o princípio da função social da propriedade, há,


em parte delas, a mobilização de argumentos relacionados ao direito à moradia. Dessa
maneira, das 9 decisões em que a Defensoria constava como parte no processo, 5 delas
utilizaram a função social da propriedade e o direito à moradia para deferir o pedido
pelo benefício auxílio aluguel (“tendo em vista que a Constituição Federal, em seu art.
23, IX e X, determinou que o direito à moradia é de competência comum da União,
Estados, Municípios e Distrito Federal, é de rigor que se determine a manutenção no
pagamento do auxílio aluguel deferido em sede de tutela por mais 24 meses”8) e para
reconhecer o direito ao usucapião (“Portanto, bem comprovado que o autor exerceu
a função social da propriedade sobre o bem indicado na inicial, e, comprovadamente,
exerceu a posse mansa e pacífica que se enquadra no módulo de 250 m², por período
superior a 20 anos, utilizando-a para sua moradia e de sua família, tendo em vista
que, comprovadamente, exerce a posse sobre o imóvel desde o mês de novembro de
1982, até a presente data, havendo o transcurso do prazo da prescrição aquisitiva”9).
Já nos processos em que a Defensoria Pública não consta como parte, 12 das 24
decisões também trazem o argumento do direito à moradia, em situações variadas
– para reconhecer o direito ao usucapião (“Trata-se, em verdade, de caso típico de
necessidade do provimento jurisdicional para a efetivação de uma pretensão, visando
a obtenção de título registrário, tendo em vista que a posse exercida durante ininter-
ruptos anos só carecia, como ficou evidenciado, de ato formal: a ação de usucapião
para a regularização da propriedade e obtenção do título”10) e ao aluguel social11, para
indeferir pedidos de reintegração de posse (“O imóvel público, assim como qualquer
outro, deve atender a sua função social e o simples fato de a área ser pública não é
razoável a ensejar a retirada de ocupantes de longa data, ainda mais considerando o
déficit habitacional e a falta de fiscalização dessas áreas. Para a desocupação há que
se demonstrar que tal medida redundará no melhor atendimento à função social da
propriedade e, consequentemente, do interesse público primário”12) e para discutir
a imposição de cláusulas restritivas a alguns imóveis, entre outros (“Ao contrário,
trata-se de situação excepcional, uma vez que o imóvel não é utilizado como moradia e
ainda causa prejuízos à autora, que necessita arcar com as despesas inerentes ao bem,
sem poder auferir nenhum benefício. Se por um lado garante-se ao doador impor
restrições à plenitude do direito de propriedade, pela instituição conjunta ou isolada
de cláusulas restritivas, como medida destinada à proteção pessoal do donatário e
da família, de outro, a manutenção dessas cláusulas não pode ser contrária à função
social da propriedade e ainda causar prejuízos ao donatário.”13).
A partir desse conjunto de decisões, destacam-se as situações em que houve pre-
valência do direito à moradia em detrimento do direito de propriedade em imóveis

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FUNÇÃO SOCIAL DA PROPRIEDADE NA PANDEMIA: ANÁLISE DAS DECISÕES DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DE SÃO PAULO 61
públicos. Em um caso14, no município de Guarulhos, o juízo de primeiro grau inde-
feriu pedido de reintegração de posse sob o argumento de que os imóveis públicos
devem, assim como os privados, respeitar o princípio da função social da proprie-
dade, e este estaria melhor atendido com a manutenção da posse da moradora do local.
A decisão também ressalta o déficit habitacional e a ausência de fiscalização do poder
público nessas áreas, além de apontar o caráter coletivo desse tipo de demanda, inti-
mando a Defensoria Pública e o Ministério Público para tomarem ciência do processo
e reforçando que o respeito ao referido princípio se daria a partir do indeferimento
do pleito do Município.
Dessa maneira, é possível notar que, mesmo em decisões em que o direito à mora-
dia prevalece sobre outros direitos e interesses (públicos, inclusive), não há menção à
pandemia de COVID-19 ou suas consequências. A motivação dos juízes, nesse sentido,
fez referência à legislação posta (como o regramento acerca da usucapião e portaria
sobre aluguel social), o direito à moradia e a vinculação de ambos com a função social
da propriedade.

3.2. Requerimento do autor respeita a função social da propriedade?

Em apenas um caso específico15 o argumento da função social da propriedade foi utili-


zado sob a fundamentação de que o requerimento da autora não viola a função social
da propriedade. O caso, em linhas gerais, versa sobre o direito da autora em construir
um muro em uma determinada área, que anteriormente servia de passagem para
os requeridos da ação. A decisão afirma que “o almejado pela parte autora não viola
regulamentos administrativos, direito de vizinhança, a função social da propriedade
nem o bem comum, mas representa um direito inerente à sua propriedade”.
A decisão, embora não configure uma linha argumentativa própria (posto que só
ocorreu uma única vez), representa a aplicação da função social da propriedade para
o deslinde de situações cotidianas.

3.3. Aplicação da função social da propriedade contra ocupantes

Há ainda uma outra vertente de interpretação que, apesar de minoritária, causa sur-
presa por aplicar o princípio da função social da propriedade contra os ocupantes
do local. Quatro casos utilizaram uma argumentação da função social da proprie-
dade contra moradores. Todos os casos em que este tipo de argumentação aparece
envolvem políticas de habitação social promovidas pela Companhia Metropolitana
de Habitação de São Paulo – Cohab e Companhia de Desenvolvimento Habitacional e
Urbano do Estado de São Paulo – CDHU.

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62 FUNÇÃO SOCIAL DA PROPRIEDADE NA PANDEMIA: ANÁLISE DAS DECISÕES DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DE SÃO PAULO
Em ordem cronológica, a primeira decisão, de 4 de março de 2020, negou os embar-
gos de terceiro pedidos pelos ocupantes de um imóvel da CDHU, argumentando que
a “invasão”, ato clandestino, não realiza direito à moradia que vai de encontro aos
programas habitacionais e a função social da propriedade.16 A segunda decisão, de 7
de agosto de 2020, também no contexto da CDHU, determinou a reintegração de posse
com base no princípio da função social da propriedade: “Evidenciado o esbulho e com
fundamento no preceito da função social da propriedade supra explanado, concedo
a medida liminar para que a requerida prazo de 60 dias, a partir de sua intimação,
desocupe voluntariamente o imóvel.”17 Em 5 de novembro de 2020 foi publicada uma
decisão no contexto dos projetos do programa Minha Casa Minha Vida, com argu-
mentação da Defensoria sobre função social da propriedade parafraseada.18 No
entanto, o juiz afirma que a função social da propriedade foi comprovada nos autos,
sem justificar de que forma.19 Por último, em 3 de dezembro de 2020, o inadimple-
mento originário dos primeiros proprietários em um imóvel no contexto da CDHU
gerou uma transferência a qual o juiz considerou contrato de gaveta, afirmando que
a função social da propriedade havia sido desvirtuada: “No mais, cientifique-se, com
urgência, à CDHU quanto aos termos da presente ação, para que tome as providencias
que entender cabíveis, nos termos do contrato firmado entre as partes, posto ser a
verdadeira proprietária do imóvel, construído com vistas a atender à função social
da propriedade, pelo visto, desvirtuada.”20
Os argumentos mobilizados pelas decisões – esbulho possessório, contrato de
gaveta, inadimplemento e invasão do imóvel – são típicos para decisões de reintegra-
ção de posse. Apesar de configurarem hipóteses típicas, são as únicas que mobilizam
o princípio da função social da propriedade contra os moradores e habitantes do local
em questão. O diferencial interessante, então, é a observação de que os únicos casos
em que o princípio da função social da propriedade foi mobilizado contra os ocupan-
tes, famílias e moradores, foram em imóveis cuja destinação é habitação social. É pos-
sível levantar a hipótese: o contexto de moradia e habitação social confere legitimi-
dade para que juízes e juízas mobilizem esse argumento contra grupos vulneráveis?
O argumento é válido quando ambas as partes estão discutindo moradia?
Esta linha argumentativa minoritária parece elucidar que o argumento da função
social da propriedade, mesmo quando se trata de moradia de interesse social, está em
disputa e pode ser aplicado contra moradores vulneráveis.

3.4. COVID-19 e reintegrações de posse

O recorte temporal de coleta das decisões também permite analisar a relação entre
a mobilização do argumento da função social da propriedade e o contexto de pande-
mia. Dada a urgência de medidas de isolamento social desde os primeiros casos no

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FUNÇÃO SOCIAL DA PROPRIEDADE NA PANDEMIA: ANÁLISE DAS DECISÕES DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DE SÃO PAULO 63
Brasil, o Ministério Público de São Paulo formulou um pedido à Prefeitura da capital
(PROMOTORIA DE JUSTIÇA DE HABITAÇÃO E URBANISMO, 2020) pela suspensão
das ordens de reintegração de posse. Portanto, o campo amostral das ações de reinte-
gração de posse que mencionam o termo “função social da propriedade” ao longo de
2020 reflete uma interessante arena de disputas, que envolve questões humanitárias,
sanitárias e legais.
Destacam-se as decisões que alinharam os argumentos de forma a manter os ocu-
pantes no local de ocupação. Em outras palavras, são casos em que há suspensão da
liminar ou da reintegração de posse com a justificativa de que o cumprimento da
função social da propriedade implica a manutenção da moradia anteriormente esta-
belecida. A partir das decisões que aplicaram o princípio, 6 mencionaram a pandemia
do COVID-19 como um dos motivos que contribuíram para a não reintegração. Dentre
estas, houve decisões que explicitam que a questão sanitária é o único motivo para a
não-reintegração21, bem como decisões que somente mencionam o fato como um fator
além da questão da moradia22.
A partir disso, um exemplo da confluência de diversas questões em ações de rein-
tegração de posse durante a pandemia está ilustrado na decisão publicada em 16 de
dezembro de 2020. 23 Nesta decisão, o juízo de primeiro grau indeferiu o pedido de
tutela de urgência que requeria a reintegração de posse de um imóvel em Santana de
Parnaíba, sob o argumento de que os requisitos legais exigidos não estariam preen-
chidos. Assim, haveria fumus boni iuris, mas não havia perigo na demora em autori-
zar a reintegração. Além disso, a decisão afirma que não existia, naquele momento,
interessados na compra, locação ou qualquer outra utilização do imóvel que exigisse
sua desocupação imediata. Por fim, acrescenta que, a partir do contexto pandêmico e
da necessidade de distanciamento social para o controle da COVID-19, o princípio da
função social da propriedade deveria ser prestigiado.
Essa tipologia de decisões também explicitou a articulação entre o princípio da
função social da propriedade com outros princípios e direitos constitucionais, como
a dignidade humana, os direitos à saúde e à preservação física, citados, em geral,
em contraposição aos direitos de propriedade e patrimoniais. Algumas decisões,
no entanto, enfatizaram a excepcionalidade do indeferimento dos pedidos de rein-
tegração de posse em razão da crise sanitária do país, concluindo que os processos
poderiam ser reexaminados a partir do controle ou do fim da pandemia e da situação
de calamidade pública.
A ênfase na excepcionalidade desse entendimento feita por magistrados e magis-
tradas em suas decisões sugere que a articulação entre a função social da proprie-
dade, por um lado, e a dignidade humana e o direito à saúde, por outro, está direta-
mente relacionada ao contexto sanitário atual. Assim, em situações de normalidade,
o direito de propriedade e patrimonial tenderia a prevalecer em detrimento de outros

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64 FUNÇÃO SOCIAL DA PROPRIEDADE NA PANDEMIA: ANÁLISE DAS DECISÕES DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DE SÃO PAULO
direitos discutidos judicialmente, indicando certa transitoriedade da vinculação
entre saúde e função social da propriedade. Dito de outra maneira, algumas decisões
podem apontar que a articulação entre o princípio da função social da propriedade
e direito à saúde e à dignidade humana está condicionada à situação da pandemia, ou
seja, não se trataria de um vínculo inerente, mas condicionado pelo cenário externo.

3.5. Descumprimento da função social da propriedade pelo proprietário

Uma outra vertente que ativamente utilizou o princípio da função social da proprie-
dade para decidir contra reintegrações de posse alega a ausência de cumprimento
deste preceito pelos proprietários. Dentro do campo amostral, foram cinco casos que
utilizaram esse argumento, alegando que (i) a falta de pagamentos para a municipa-
lidade24 e (ii) a ausência de ocupação decorrida no tempo25 são hipóteses em que não
há cumprimento da função social da propriedade, inclusive a ponto de descaracteri-
zar esbulho possessório devido à ausência de verificação do cumprimento da função
social da propriedade.

3.6. Irrelevante para a decisão26

Além dos casos específicos mencionados anteriormente, em oito casos verificamos


que, embora o argumento da função social da propriedade estivesse presente, ele era
irrelevante para a decisão. Isto significa que juízes e juízas não aplicaram o princípio
como parte constitutiva de suas decisões, tornando o argumento irrelevante para o
mérito. É interessante notar que todas essas decisões são referentes a processos em
que a Defensoria Pública não figura como parte.

Considerações finais

O objetivo deste artigo foi apresentar um diagnóstico sobre a mobilização do argu-


mento do princípio da função social da propriedade em decisões do Tribunal de Jus-
tiça de São Paulo ao longo do ano de 2020. Trata-se de um ano atípico, de profunda
crise social e sanitária originada pela pandemia do novo coronavírus. As pergun-
tas se voltaram a entender como juízes e juízas interpretam o argumento da função
social da propriedade nos poucos casos em que há discussão acerca deste princípio
constitucional. Queríamos investigar a qualidade dos argumentos, sua relação com
a pandemia, bem como possíveis padrões argumentativos em torno da presença ou
não da Defensoria Pública como parte nos processos. Em outras palavras, juízes e

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FUNÇÃO SOCIAL DA PROPRIEDADE NA PANDEMIA: ANÁLISE DAS DECISÕES DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DE SÃO PAULO 65
juízas são mais permeáveis à aceitação do princípio da função social da propriedade
em processos em que defensores e defensoras estão presentes?
Algumas conclusões iniciais podem ser extraídas da análise e das perguntas
formuladas por esta pesquisa. Em primeiro lugar, é preciso levar em conta o baixo
número de observações, o que impede a formulação de inferências estatísticas.
Assim, não temos como afirmar se a presença ou não da Defensoria Pública é decisiva
para alterar a argumentação de juízes e juízas. Além disso, estamos diante de diferen-
tes classes processuais – há processos referentes a reintegração de posse, esbulho,
ameaça, usucapião, em primeira e segunda instâncias, em sede de ação civil pública,
procedimento cível comum, entre outros – o que prejudica uma comparação estrita
entre processos.
No entanto, a pesquisa fornece diversos pontos de apoio para discussão da estru-
tura dos argumentos em torno da função social da propriedade. Quando analisamos
a localização do argumento, é possível ver que uma estrutura simples de (a) repro-
dução da reivindicação das partes e (b) comentário do juiz ou da juíza, seja para con-
cordar ou discordar da demanda, é bastante residual. Este modelo poderia ser apro-
ximado de um ideal argumentativo relativamente simples – partes reivindicam, juiz
ou juíza responde pontualmente à demanda. No entanto, sua ocorrência é marginal
no diagnóstico desenvolvido para o ano de 2020.
Assim, o modelo de decisão em que o juízo reproduz os argumentos das partes
e discorre sobre eles, concordando ou refutando-os, raramente ocorreu na prática.
Muitas vezes, o argumento das partes sobre a função social da propriedade é citado,
mas não é respondido de nenhuma maneira, sendo irrelevante para o conteúdo da
decisão. Por outro lado, quando o argumento da função social da propriedade é uti-
lizado para justificar a decisão tomada, o sentido da decisão tampouco é evidente de
antemão, uma vez que o princípio é utilizado para fundamentar tanto o deferimento
quanto o indeferimento de reintegrações de posse, por exemplo. Portanto, afirmar
que determinada decisão se valeu do princípio função social da propriedade repre-
senta apenas o início da conversa, já que há diferentes maneiras de interpretar o
argumento, até mesmo contra moradores vulneráveis.
Além disso, a grande maioria das decisões não menciona a pandemia da COVID-19
como um fator decisivo para a tomada de decisão. Embora haja a ressalva metodoló-
gica no sentido de que nem todos os processos foram ajuizados em 2020, as decisões
aqui consideradas foram proferidas já em contexto crítico da pandemia. Mais que um
fator que não influencia o entendimento de magistrados e magistradas, a crise sani-
tária sequer é citada na maioria das decisões. Assim, pode-se inferir que há pouca
permeabilidade do contexto em relação ao posicionamento de juízes e juízas, mesmo
quando o direito à moradia é privilegiado em detrimento de outros aspectos.

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66 FUNÇÃO SOCIAL DA PROPRIEDADE NA PANDEMIA: ANÁLISE DAS DECISÕES DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DE SÃO PAULO
A partir das circunstâncias atuais, as decisões que entendem a pandemia como
um elemento decisivo articulam o direito à saúde, por um lado, com o direito à mora-
dia e a função social da propriedade, por outro. No entanto, esta articulação foi con-
siderada transitória em muitas decisões, uma vez que magistrados e magistradas
entendem que a mudança nas condições sanitárias refletirá, também, uma mudança
no posicionamento acerca de reintegrar, ou não, determinado imóvel. Desse modo, a
relação do direito à saúde com o direito à moradia é interpretada como condicionada
à pandemia, sem o reconhecimento de uma conexão inerente a ambos os direitos.
Esta pesquisa pretendeu contribuir com um diagnóstico sobre a aplicação e a
interpretação do princípio constitucional da função social da propriedade no Tribu-
nal de Justiça de São Paulo. Esta é a primeira publicação de um estudo que pretende
ter alcance comparativo mais amplo, abarcando um conjunto maior de decisões e um
marco temporal mais alargado.

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FUNÇÃO SOCIAL DA PROPRIEDADE NA PANDEMIA: ANÁLISE DAS DECISÕES DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DE SÃO PAULO 69
Notas de fim

1 Pesquisa coordenada por Bianca Tavolari e Danielle Klintowitz, em uma parceria


entre o Insper e o Instituto Pólis, no âmbito da 4ª Edição do Projeto Justiça Pesquisa
do Conselho Nacional de Justiça, Campo Temático 3: Ações possessórias e confli-
tos coletivos. Relatório final disponível em: https://www.cnj.jus.br/wp-content/
uploads/2021/05/Relatorio-Final-INSPER.pdf, acesso em 06.07.2021.
2 A pesquisa encontrou um universo total de 1252 acórdãos “dos quais 996 tratavam
de questões tributárias (ITBI, IPTU e taxas diversas), sendo 938 relacionadas apenas
com a progressividade do IPTU” (ACCA, 2016, p.173). Ao final, foram analisados 256
acórdãos entre 2002 e 2014.
3 Sobre as limitações do uso de dados do judiciário brasileiro, ver OLIVEIRA, CUNHA,
2020. Comparamos a busca por “função social da propriedade” no banco de sentenças
no Tribunal de Justiça de São Paulo. Por meio de um crawler automatizado, obtive-
mos o número de todos os processos que estão listados no banco de sentenças, com
1390 resultados para 2020. A comparação entre os resultados dos Diários Oficiais e
do Banco de Sentenças mostra que: (i) há 1214 processos que estão exclusivamente
no Banco de Sentenças e (ii) 176 processos compartilhados entre os Diários Oficiais
de Justiça e o Banco de Sentenças. Este resultado mostra que cada plataforma é ali-
mentada e recebe informações distintas. Uma comparação sistemática entre as duas
fontes de dados está no nosso horizonte de pesquisa. No âmbito deste artigo, apenas
indicamos a diferença entre as fontes. Agradecemos a Saylon Alves Pereira por ter
viabilizado a comparação.
4 Apenas como base de comparação: como veremos, a busca por “função social da pro-
priedade” entre 01.01.2020 e 31.12.2020 resultou em 733 resultados, enquanto a busca
apenas por “função social”, para o mesmo período, tem 7736 resultados, dez vezes
mais.
5 É o caso, por exemplo, do Processo 1035462-94.2020.8.26.0100 - Busca e Apreensão em
Alienação Fiduciária.
6 Para uma discussão sobre a dificuldade de observar coletividades que figuram no
polo passivo de ações possessórias coletivas de bens imóveis e para sua classificação
em “partes organizadas”, “partes indeterminadas” e “mais de três pessoas físicas”,
ver INSPER, INSTITUTO PÓLIS, 2021, p.24 e seguintes.
7 Para uma discussão sobre representatividade processual adequada de coletividades
em ações possessórias coletivas de bens imóveis, ver INSPER, INSTITUTO PÓLIS,
2021 e COSTA, FRANCISCO, 2015.

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8 Processo n. 1022931-20.2020.8.26.0053. “Além disso, deve-se relembrar o disposto nos
arts. 148 e 167 da Lei Orgânica do Município. Confira-se: Art. 148 - A política urbana
do Município terá por objetivo ordenar o pleno desenvolvimento das funções sociais
da cidade, propiciar a realização da função social da propriedade e garantir o bem-es-
tar de seus habitantes.”
9 Processo n. 1024592-21.2015.8.26.0114.
10 Processo n. 1017116-53.2016.8.26.0224. “Como bem salienta José Carlos de Moraes
Salles, o fundamento do usucapião relaciona-se ao princípio constitucional da função
social da propriedade (art. 5º, inciso XXIII da CF/88). De fato, ‘todo bem, móvel ou
imóvel, deve ter uma função social. Vale dizer, deve ser usado pelo proprietário,
direta ou indiretamente, de modo a gerar utilidades. Se o dono abandona esse bem;
se descuida no tocante à sua utilização, deixando-o sem uma destinação e se com-
portando desinteressadamente como se não fosse o proprietário, pode, com tal pro-
cedimento, proporcionar a outrem a oportunidade de se apossar da aludida coisa.
Essa posse, mansa e pacífica, por determinado tempo previsto em lei, será hábil a
gerar a aquisição da propriedade por quem seja seu exercitador, porque interessa
à coletividade a transformação e a sedimentação de situação de fato em situação de
direito’ - (Usucapião de bens imóveis, RT 3ª edição). E, ao que se depreende dos autos,
conforme deixa claro o laudo pericial (conclusão de fl. 202), todos os requisitos legais
foram observados pelos postulantes.”
11 Processo n. 1062979-21.2020.8.26.0053.
12 Processo n. 1000232-10.2020.8.26.0417.
13 Processo n. 1025846-83.2016.8.26.0602.
14 Processo n. 1036421-81.2020.8.26.0224.
15 Processo n. 1006875-52.2020.8.26.0071.
16 “EMBARGANTE QUE ADMITE TER INVADIDO A UNIDADE QUANDO APAREN-
TEMENTE ABANDONADA, SEM ANUÊNCIA DA CDHU. ATO CLANDESTINO QUE
NÃO INDUZ POSSE E A PROTEÇÃO POSSESSÓRIA CORRESPONDENTE. ART. 1.208
DO CÓDIGO CIVIL. DIREITO À MORADIA QUE SE REALIZA, NÃO PELA POSSIBILI-
DADE DE OCUPAÇÃO IRRESTRITA DOS IMÓVEIS, MAS PELA PRESERVAÇÃO DO
SISTEMA DESENVOLVIDO EM PROGRAMAS HABITACIONAIS, NO INTERESSE DA
COLETIVIDADE E PARA PRESERVAÇÃO DA FUNÇÃO SOCIAL DA PROPRIEDADE.”
17 Processo n. 1000232-10.2020.8.26.0417.
18 Processo n. 1027094-21.2019.8.26.0007. “A Defensoria Pública manifestou-se susten-
tando que os réus devem ser nomeados no polo passivo e todos devem ser citados.
Alegou, ainda, que não há prova da função social da propriedade. E, por fim, alegou
que não é possível a concessão de ordem de reintegração de posse durante o período
de pandemia.”

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FUNÇÃO SOCIAL DA PROPRIEDADE NA PANDEMIA: ANÁLISE DAS DECISÕES DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DE SÃO PAULO 71
19 “Não é requisito a individualização de cada um dos réus. A função social da proprie-
dade está demonstrada nos autos do processo. A área se destina a implementação de
obras do projeto Minha Casa Minha Vida, projeto em andamento e com famílias já
previamente cadastradas, respeitando a espera necessária.”
20 Processo n. 1013563-23.2019.8.26.0020.
21 “Se este evento ocorre em situação normal, a medida liminar seria conferida. Con-
tudo, a concessão de medida liminar neste momento não é possível. Em decorrên-
cia do covid-19, medidas de isolamento social devem ser asseguradas, inclusive aos
serventuários de Justiça, uma vez que o direito à vida deve prevalecer ao direito de
propriedade.” Processo n. 1041785-21.2020.8.26.0002
22 “Ainda, além de possível eventual indenização por danos materiais decorrentes da
ocupação do imóvel pelos requeridos dependendo do desfecho judicial da controvér-
sia, não se deve criar periculum in mora reverso, sendo necessário prestigiar, neste
momento, a função social da propriedade, que se sobressai em tempos de pandemia,
especialmente no atual estágio, em que o Brasil, no geral, tem enfrentado novo pico
de velocidade propagação da COVID-19, com endurecimento das medidas de distan-
ciamento social.” Processo n. 1010928-60.2020.8.26.0529
23 Processo n. 1010928-60.2020.8.26.0529.
24 “Nota-se, aliás, a existência de débitos em atraso junto a municipalidade referente ao
imóvel (fls. 131/133), circunstância que indica que, ao menos até o momento, a função
social da propriedade não tem sido cumprida a contento pelo autor.” Processo n.
1009907-11.2020.8.26.0477.
25 “Vale ressaltar que o autor adquiriu o imóvel há mais de trinta anos e, pelo que
consta dos autos, até o momento não deu ao terreno utilidade que atendesse à função
social da propriedade. Diante dessa situação, não há como reconhecer a existência
de urgência”. Processo n. 1002153-60.2020.8.26.0366.
26 Em oito casos da amostra, o argumento da função social da propriedade, embora
presente, foi considerado “irrelevante para a decisão”. Apesar de existir menção
expressa, a controvérsia jurídica não girava em torno da função social da
propriedade.

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