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CURSO DE PÓS-GRADUAÇÃO LATO SENSU

NÚCLEO DE PÓS-GRADUAÇÃO E EXTENSÃO


FAVENI

DOM CASMURRO - O OUTRO COMO ESPELHO

CHARLES ANDRADE DE FREITAS

RIO DE JANEIRO. RJ
2018
2

CURSO DE PÓS-GRADUAÇÃO LATO SENSU


NÚCLEO DE PÓS-GRADUAÇÃO E EXTENSÃO
FAVENI

DOM CASMURRO - O OUTRO COMO ESPELHO

CHARLES ANDRADE DE FREITAS

Artigo científico apresentado a FAVENI


como requisito parcial para obtenção do
título de Especialista em Língua Portuguesa
e Literatura Brasileira
3

F866 Freitas, Charles Andrade de .


DOM CASMURRO - O OUTRO COMO ESPELHO.
35 p.

Trabalho de Conclusão de Curso (Pós Graduação à Distância em


Letras – Língua Portuguesa e Literatura Brasileira) –
Faculdade Venda Nova do Imigrante, Venda Nova do Imigrante,
2018.

1. Crítica. 2. Literatura. 3. Machado de Assis. 4. Dom Casmurro I.


Título

CDD B869

FOLHA DE APROVAÇÃO

CHARLES ANDRADE DE FREITAS


4

DOM CASMURRO - O OUTRO COMO ESPELHO

Artigo científico apresentado a


FAVENI como requisito parcial para
obtenção do título de Especialista
em Língua Portuguesa e Literatura
Brasileira

Aprovado em : _______/______/_______

Banca Examinadora

Prof. Dr. ________________________________________________________


Instituição:_____________________________Assinatura:_________________

Prof. Dr. ________________________________________________________


Instituição:______________________________Assinatura:________________

Prof. Dr. ________________________________________________________


Instituição:______________________________Assinatura:________________

5

“Não consigo dormir.


Tenho uma mulher atravessada entre minhas pálpebras.
Se pudesse, diria a ela que fosse embora;
mas tenho uma mulher atravessada na garganta.”

Eduardo Galeano

DOM CASMURRO - O OUTRO COMO ESPELHO

Charles Andrade de Freitas

RESUMO
6

Muito se foi dito sobre a obra machadiana Dom Casmurro desde sua publicação em 1899, a
discussão sobre a traição de Capitu persiste por dois séculos dentro, ou fora dos meios
acadêmicos. Fala-se sobre o ciúme doentio da personagem principal, Bento Santiago, e como
esse sentimento influenciou toda a narrativa. A condenação ou absolvição da mulher
dependeu sempre do viés histórico, ideológico e social dos críticos que dela leram. Com o
romance de Machado de Assis sendo narrado em primeira pessoa e as acusações partindo do
narrador, facilmente se percebe que a descrição de todas as personagens parte de um único
ponto de vista que é autor e personagem do romance, Bento Santiago. Destacou-se, por meio
de leituras críticas de Marlice A. Marques, Ronaldes Souza e Roberto Schwarz, a leitura do
mundo do autor-narrador em Dom Casmurro, a partir do filtro com que ele lê e descreve as
outras personagens do romance. Leitura essa, enviesada e naturalmente tendenciosa que
revela mais sobre Bento Santiago do que das pessoas que com ele viveram.

Palavras chaves: Dom Casmurro. Machado de Assis. Crítica. Literatura Brasileira.


Otelo, Shakespeare.

SUMÁRIO
INTRODUÇÃ O......................................................................................................................................................... 8
1 . DAS REFERÊ NCIAS HISTÓ RICAS E LITERARIAS EM DOM CASMURRO.................................13
1.1 AS REFERÊ NCIAS HISTÓ RICAS EM DOM CASMURRO.................................................................13
2. DOM CASMURRO, O ROMANCE ESPELHO......................................................................................... 18
3. ENTRE BUSTOS E OLHARES, UMA ANÁ LISE DE DOM CASMURRO..........................................25
7

CONCLUSÃ O......................................................................................................................................................... 32
BIBLIOGRAFIA.................................................................................................................................................... 34

INTRODUÇÃO

Em 1899 é publicado um dos maiores romances da literatura brasileira e um


dos principais de Machado de Assis, Dom Casmurro. A obra se tornaria um
8

ícone de discussões e análises literárias ao longo dos séculos com a grande


questão que o autor suscitou na narrativa: houve ou não traição.

Dom Casmurro é uma obra que conta a vida de Bento Santiago, ou Bentinho,
desde a sua infância, até seu casamento, passando pela experiência do jovem
no seminário e brevemente por sua velhice no período do segundo reinado
(1840 – 1889). O romance é narrado em primeira pessoa e toda narrativa é
vista exclusivamente do ponto de vista do protagonista, seja nos relatos de sua
infância, seja nos momentos em que Bento dá ao leitor suas evidências de que
sua amiga de infância e esposa Capitu o traiu. É nessa ótica que Silviano
Santiago afirma que os críticos estavam interessados em buscar a verdade
sobre Capitu ou a impossibilidade de se ter a verdade sobre Capitu, quando a
única verdade é a de Dom Casmurro (2000, p.30).

Esse personagem-narrador criado e desenvolvido por Machado de Assis


elabora uma narrativa que busca convencer o leitor da justificativa de se
produzir o livro que seria dizer que a esposa o traiu. Bento Santiago usa sua
formação como advogado e seu período no seminário para construir suas
justificativas retóricas de convencimento. O narrador descreve a sua vida, o
convívio com as pessoas na infância e juventude, além de apresentar já nesses
períodos, algumas características de Capitu que poderiam contribuir para o
julgamento final da esposa e a absolvição do próprio narrador.
Simultaneamente, Bento usa uma estratégia argumentativa prototípica da
advocacia ao falar com o leitor como um advogado ou promotor falariam com o
júri ou juiz, apelando, inclusive, para um caráter de desabafo na narrativa
buscando complacência do leitor:

A leitora, que é minha amiga e abriu este livro com o fim


de descansar da cavatina de ontem para a valsa de hoje,
quer fechá-lo às pressas, ao ver que beiramos um
abismo. Não faça isso, querida; eu mudo de rumo.
(ASSIS, 1997, p. 214)
9

Mesmo sendo um recurso narrativo usado frequentemente nas obras de


Machado de Assis, o diálogo com o leitor, usado por alguém formado em
Direito, torna-se ainda mais importante, principalmente se ele precisa
convencê-lo a apoiar seus ciúmes.

O narrador também transfere para Capitu uma série de características


negativas, principalmente nas vozes de outras pessoas como a primeira
acusação de José Dias que a caracteriza com os famosos “olhos de cigana
oblíqua e dissimulada”, crítica que Bento não só aceitaria como evocaria
diversas outras vezes na sua narrativa. No entanto, podemos observar que o
autor, Machado de Assis, desenvolve um narrador, Bento Santiago, que não só
transfere para os outros os problemas, mas também se forma estruturalmente
através dos olhares externos sobre si e dos ícones histórico-literários que
surgem durante a trama. Ou seja, o personagem-narrador é interdependente
das figuras e personagens que o cercam para desenvolver seu caráter, sua
visão de mundo, sua persona e seus argumentos. De Bento Santiago mesmo,
só aprendemos aquilo que ele, como controlador da produção artística, permite
que o leitor aprenda.

Não é Bento Santiago que se descobre apaixonado por sua vizinha e amiga de
infância, é preciso que José Dias denuncie à mãe de Bentinho que o convívio
com Capitu aparenta ter maior valor para o rapaz do que simples amizade de
infância. É só após ouvir escondidas as denúncias do agregado que o narrador
assume ter a sua vida ganhado sentido e som, tal qual uma ópera.

Mas é tempo de tornar àquela tarde de novembro, uma tarde clara e


fresca, sossegada como a nossa casa e o trecho da rua em que
morávamos. Verdadeiramente foi o princípio da minha vida; tudo o
que sucedera antes foi como o pintar e vestir das pessoas que tinham
de entrar em cena, o acender das luzes, o preparo das rabecas, a
sinfonia... Agora é que eu ia começar a minha ópera. (ASSIS, 1997,
p. 27)
10

A visão de um pai e a presença da mãe também define a visão de Beto sobre


o mundo, principalmente pela constante santificação da figura de D. Glória
sempre adjetivada positivamente como anjo, boa criatura, cândida. Do pai,
Bento pouco se recorda a não ser algumas características físicas, mas o olhar
perseguindo o narrador no retrato que ele insiste em manter por perto e a
imagem de um casamento perfeito que Bento idealiza assombra-o durante a
vida.

Além do retrato dos pais, nas casas de Bento Santiago, havia uma constante
que o narrador admitiu influenciar na produção do livro de memórias, os bustos
pintados nas paredes de personagens históricos: Massinissa, Caio Júlio Cesar,
Cesar Augusto e Nero Cláudio César Augusto Germânico. Depois de algumas
digressões sobre o tema do livro e mesmo seu título, Bento Santiago aceita o
“conselho” de homens virtuosos. “Foi então que os bustos pintados nas
paredes
entraram a falar-me e a dizer-me que, uma vez que eles não alcançavam
reconstituir-me os tempos idos, pegasse da pena e contasse alguns.” (ASSIS,
1997, p. 17)

Observando a vida das figuras históricas, percebemos a ligação delas com o


narrador. Massinissa teria matado a esposa pela acusação de adultério; Caio
Júlio Cesar teve problemas por conta de seu primeiro casamento com Cornélia
Cinila, separou-se da segunda esposa por suspeita de adultério e foi morto
com a ajuda de um de seus filhos; César Augusto, por sua vez, morreu sob
rumores de envenenamento por sua esposa Lívia Drusa e finalmente Nero
Cláudio César Augusto Germânico, imperador romano que cometeu matricídio
para livrar-se da influência política da mãe e ficando livre para se casar com
Pompeia Sabia, além de outras situações matrimoniais controversas.
11

As figuras históricas presentes nas duas casas de Bento Santiago, a da


infância e a que ele manda construir semelhante à primeira, não foram
responsáveis apenas em contribuir para as memórias do narrador, elas são
também exemplos de matrimônios conturbados ou de adultérios, tal qual o
casamento do narrador. Bento Santiago chega a desejar, semelhante ao Nero,
a morte da mãe para poder se livrar da promessa feita por ela de que o filho
seria padre: “mamãe defunta, acaba seminário” (ASSIS, 1997, pg.113).
Massinissa também surgiria mais tarde como referência e prova do adultério de
Capitu, diante do olhar fixo de seu filho para o busto do rei, como a confirmar
mais ainda suas suspeitas.

Outro personagem importante para compreender Bento Santiago é Otelo de


Shakespeare. A tragédia shakespeariana é levada à narrativa pelo próprio
narrador algumas vezes, inclusive fazendo alusão a sua própria condição
psicológica “Representava-se justamente Otelo, que eu não vira nem lera
nunca; sabia apenas o assunto, e estimei a coincidência.” (ASSIS, 1997, p.
231). Otelo e Bento Santiago dividem o desejo e a dialética da dúvida em
busca da infidelidade das esposas. No entanto, o herói trágico shakespeariano
é influenciado e tira a própria vida, após ser induzido a acreditar na traição de
Desdêmona. Já Bento Santiago, acreditando na culpa de Capitu é totalmente
passivo e deseja tirar a própria vida, não tendo forças, protela seu suicídio por
dias até desistir, numa imagem icônica da ironia machadiana.

Nesta pesquisa, compararemos as personagens presentes no romance de


Machado de Assis, Dom Casmurro, e a sua importância para responder, ou
não, se houve traição . Observaremos especificamente as artes presentes na
sala da casa de Bento Santiago da Rua de Matacavalos que ele reproduz na
sua última casa.
12

Para que possamos organizar melhor nossas reflexões e, assim consigamos


alcançar mais facilmente os objetivos por nós propostos, dividiremos nossa
pesquisa em três capítulos.

O primeiro oferecerá um breve panorama da vida de Massinissa, César


Augusto, Júlio Cesar, Nero, no sentido de facilitar a compreensão do universo
criado por Bento Santiago no seu romance. Também destacaremos e
analisaremos a obra de Willian Shakespeare, Otelo, como intertexto realizado
por Machado de Assis.

Já no segundo capítulo discutiremos, sucintamente, alguns aspectos relevantes


de Dom Casmurro. Nesse momento, textos de Antonio Cândido, Hellen
Caldwell e Roberto Schwarz – dentre outros – formarão a base teórico-crítica
necessária.

No terceiro e último capítulo, desenvolveremos de forma mais sistemática um


estudo comparativo entre a obra de Machado de Assis e sua vasta
intertextualidade histórica e literária de maneira a criar múltiplas interpretações
e respostas sobre a traição de Capitu.

1 . DAS REFERÊNCIAS HISTÓRICAS E LITERARIAS EM DOM CASMURRO


13

Por razões históricas, não seguiremos a sequência machadiana do


aparecimento das figuras presentes no texto. Daremos preferência por
apresentar tais figuras na ordem cronológica de sua existência. A questão da
inveja passiva por essas figuras históricas que o protagonista evoca a título de
inspiração reside no fato de, mesmo que a vida de cada um deles tenha
terminado de maneira trágica, que de certa forma contribuiu para o fracasso de
suas expectativas, a vontade de potência das mesmas foi realizada cada qual a
sua maneira. Ao contrário de Bento Santiago, detiveram o poder em suas
relações interpessoais e para com seus próprios deveres.

1.1 AS REFERÊNCIAS HISTÓRICAS EM DOM CASMURRO

Massinissa foi um berbere nascido por volta de 238 a.C., o primeiro rei de uma
Numíbia unificada e homem educado em Cartago. Filho de Gala, ou Gaia, rei
da Numíbia, recebeu aos dezessete anos o exército e juntamente aos
cartagineses, derrotou Sífax, rei da tribo líbia dos massassílios e aliado dos
romanos. Combateu na 2ª e 3ª Guerra Púnica, desta vez, aliando-se aos
romanos por questões políticas. Foi pedra fundamental na contribuição da
famosa Cartago Delenda Est.

Por conta de Sofonisba é que Massinissa e Sífax combateram durante um


longo período, uma vez que, segundo Zonaras , o pai da princesa cartaginesa
Asdrúbal Giscão prometeu a mão de sua filha a Massinissa, mas a casou com
Sífax em nome da aliança romana. É após a derrota de se seu inimigo que o rei
berbere se casou com Sofonisba com demasiada pressa para evitar que esta
fosse levada pelos romanos como escrava.

Sofonisba, por sua vez, bela, educada literária e musicalmente, começou a


tentar colocar novamente Massinissa ao lado dos cartaginenses. Sífax teria
alertado o representante romano que exigiu a presença da princesa diante
dele. Massinissa tentaria impedir e receberia uma reprimenda do romano, logo
após o fato, o rei berbere forçou sua esposa a morrer envenenada.
14

Caio Júlio Cesar, nascido em 13 de Julho em 100 a.C. e assassinado em 15 de


Março de 44 a.C.. Líder militar, patrício e político romano desempenhou um
papel crítico na transformação da República Romana em Império Romano.
Nasceu em uma família de patrícios de pequena influência e foi galgando sua
posição na política romana. Conquistou boa reputação militar e dinheiro
durante as Guerras Gálicas. Em 49 a. C., após ferrenha guerra civil contra seus
opositores, assumiu o comando em Roma como ditador absoluto. Apesar de
seu expansionismo militar-territorial e suas reformas.

César, o ditador que galgou posições na república por sua própria vontade de
potência e conquistou grande parte do mundo até então conhecido, possuiu
três esposas e o amor da rainha do Egito. A primeira esposa foi Cornélia, filha
de Cina, um político romano, esse casamento e sua herança romana trouxeram
a perda dos bens, dos dotes de sua esposa e a destituição do cargo de sumo-
sacerdote de Júpiter, tanto que para não se divorciar de Cornélia, César foi
obrigado a fugir. Sua esposa faleceu aos 25 anos após dar a luz ao filho
natimorto, em seguida César foi servir como gestor na Hispânia em 69 a.C..

Retornando para casa, em 67 a.C., César se casaria com Pompeia, neta de


seu inimigo Sula. Sua esposa promoveu um festival em homenagem a Bona
Dea , embora fosse um festival exclusivamente feminino, um jovem patrício
chamado Públio Clódio Pulcro conseguiu entrar para seduzir Pompeia, foi
descoberto e processado por sacrilégio, sendo considerado ao final inocente.
Mesmo com tais fatos, César se divorciaria de Pompeia, pois sua esposa não
deveria ter qualquer mancha de suspeita .

César se casou pela terceira vez com Calpúrnia Pisônia, em 59 a.C. e viveu
com ela até ser assassinado. Algumas fontes históricas como Plutarco alegam
que Pisônia sonhou com a morte do marido e procurou avisa-lo em vão. Esse
episódio foi adaptado na peça shakespeariana Júlio César como um sonho em
que a estátua do marido jorrava sangue. César ainda teve algumas amantes
como a rainha egípcia Cleópatra, a esposa do rei da Mauritânia, Eunoé e a
patrícia romana Servília, mãe de Bruto. Ironicamente foi Bruto um dos
articuladores que assassinaram César, seu pai adotivo.
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César Augusto, nascido em 23 de Setembro de 63 a.C. e falecido em 19 de


Agosto de 14 a.C.. Após o assassinato de seu tio-avô Júlio César, estabelece
um triunvirato. Porém, ele toma o poder ao término do segundo mandato deste.
Durante seu governo foi estabelecida a Pax Romana , ampliando seus
territórios e cuidou do desenvolvimento do império. Morreu aos setenta e cinco
anos de causas naturais, apesar de rumores citarem um possível
envenenamento por sua esposa Lívia Drusa em favor de Tibério, uma vez que
Drusa foi anteriormente esposa do inimigo de Augusto, Tibério Claudio Nero,
com quem teve Tibério que herdaria o Império Romano.

Nero Claudio César Augusto Germânico foi um dos imperadores romanos mais
controversos. Nascido em 15 de Dezembro de 37 d.C. sob o nome de Lúcio
Domício Enobardo e supostamente forçado ao suicídio em 9 de Junho de 68
d.C.. Em seu reinado, Nero focou na resolução dos problemas do império
através da diplomacia e do comércio e onde foi ordenada a construção de
diversas fontes culturais como teatros, jogos e atletismo. Embora houvesse
diplomacia e cultura, o reinado de Nero também foi marcado pela luxúria,
extravagância e crueldade. A história e a literatura se confundem também no
incêndio de Roma em que supostamente Nero teria ficado tocando sua lira
enquanto o fogo ardia. Nero também teria cometido matricídio por motivos
diversos, alguns historiadores acreditam ser para que o imperador pudesse
finalmente se casar com Pompeia Sabina, outros alegam que Agripilina, ou
Agripina Menor, conspiraria para tirar o filho do poder.

1.2 OTELO, O MOURO SÍMBOLO DE BENTO SANTIAGO

Acredita-se que Otelo foi publicado pela primeira vez por volta de 1622.
Embora sua escrita seja de 1604. Homônimo ao nome da obra, Otelo é o
personagem principal sendo mouro e general que reside e serve ao reino de
Veneza. A história gira em torno da traição e da inveja. Brabâncio, deixara a
filha Desdêmona livre para escolher o próprio marido, acreditando que ela
escolheria um semelhante seu socialmente. Quando descobre que sua filha
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fugiu para se casar com o Otelo, foi à procura do mouro para matá-lo.

A tragédia é evitada com a chegada de um comunicado do Doge de Veneza,


convocando-os para uma reunião urgente no senado. Brabâncio acusou sem
provas o Mouro de ter induzido Desdêmona a casar-se por meio de bruxarias
nesse momento. Otelo, usa de sua estima e da confiança do Estado por ser
leal, nobre e muito corajoso, defendeu-se com um simples relato da sua
história de amor confirmado também por Desdêmona. Com isso, e por ser o
único general capaz de garantir o contra-ataque a uma esquadra turca que se
dirigia à ilha de Chipre, Otelo foi considerado inocente e o casal seguiu para
Chipre, em barcos separados, na manhã seguinte. No entanto, uma
tempestade separou as embarcações e Desdêmona foi a primeira a chegar à
ilha. Quando Otelo finalmente desembarca a guerra já havia acabado, uma vez
que a esquadra turca fora destruída pelas águas.

No entanto, o Mouro não sabia é que na ilha ele estaria diante de um inimigo
mais perigoso que um turco. Iago, alferes de Otelo, queria vingar-se do general
porque ele promoveu Cássio, jovem soldado florentino e grande intermediário
nas relações entre Otelo e Desdêmona, ao posto de tenente. Em Chipre, Iago
concebeu um terrível plano de vingança para destruir seus inimigos. Iago
entendia que de todos os tormentos da alma, o ciúme é o mais intolerável.
Sabia que Cássio possua beleza e eloquência que eram agradavam as
mulheres, ele era capaz de despertar o ciúme de um homem de cor, como era
o mouro Otelo, casado com uma jovem e bela mulher branca.

“Acautelai-vos senhor, do ciúme; é um monstro de olhos verdes, que


zomba do alimento de que vive. Vive feliz o esposo que, enganado,
mas ciente do que passa, não dedica nenhum afeto a quem lhe causa
o ultraje. Mas que minutos infernais não conta quem adora e duvida,
quem suspeitas contínuas alimenta e ama deveras!”
(SHAKESPEARE, p. 49)

Iago fez com que Cássio se envolver em uma briga com Rodrigo, durante uma
festa em que os habitantes da ilha ofereceram a Otelo que, quando o Mouro
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soube do acontecido, destituiu Cássio do seu posto. Ainda nessa noite, Iago
colocou Cássio contra Otelo, dissimulando desaprovar a atitude do general, e
que sua decisão tinha sido muito dura. Cássio, segundo Iago, deveria pedir à
Desdêmona que convencesse Otelo a devolver-lhe o posto de tenente. Cássio
aceitou a sugestão.

Iago então insinua a Otelo que Cássio e sua esposa poderiam estar tendo um
caso. Sabendo que o Mouro presenteara sua mulher com um lenço de linho, o
qual tinha herdado de sua mãe. Otelo acreditava que o lenço era mágico e,
enquanto Desdêmona o possuísse, eles seriam felizes. Iago consegue o lenço
através de sua esposa Emília e diz a Otelo que sua mulher havia presenteado
o amante com ele. Até então o equilibrado Otelo, questiona sua esposa sobre o
lenço e Desdêmona afirma que o lenço desapareceu. Iago colocaria o lenço
dentro do quarto de Cássio para que ele o encontrasse.

As consequências foram que primeiramente Iago, prometeu vingar Otelo e


matar Cássio, sua intenção real era matar Rodrigo e Cássio simultaneamente
para não seus planos em risco. No entanto, isso não e apenas Rodrigo
morreu, ficando Cássio ferido.

Finalmente, Otelo, totalmente descontrolado, busca sua esposa e a mata em


seu quarto. Com a chegada de Emília, esposa de Iago, tendo sua senhora
assassinada revelou a Otelo, Ludovico (parente de Brabâncio) e Montano
(governador de Chipre antes de Otelo) a trama de seu marido e que
Desdêmona jamais fora infiel. Iago assassinou Emília diante de todos e tenta
fugir, mas logo foi capturado. Otelo, desesperado perante a injustiça cometida,
apunhalou-se, caindo beijando o corpo de sua mulher e morreu. Ao fim, Cássio
passou a ocupar o lugar de Otelo e Iago foi entregue as autoridades para ser
julgado.

2. DOM CASMURRO, O ROMANCE ESPELHO


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Dom Casmurro foi publicado pela primeira vez em 1899 e é considerada uma
das obras mais importantes da Literatura Brasileira e mundial. A obra de
Machado de Assis faz uma dura e irônica da sociedade brasileira do final do
século XIX. Apresenta também a narrativa em primeira pessoa sobre um
relacionamento amoroso e o ciúme doentio de Bento Santiago sobre sua
amada Maria Capitolona (Capitu), tornando a personagem feminina um ícone
da literatura nacional e alimentando as discussões não só entre a crítica, mas
entre os leitores inclusive, com a questão: Capitu traiu ou não Bentinho?

Assim como em Brás Cubas, o romance Dom Casmurro, inicia após os


acontecimentos do livro com a personagem Bento Santiago explicando como
ganhou a alcunha de Dom Casmurro, só depois é que a narrativa continua do
passado para o presente. A personagem-narrador descreve que quem lhe deu
o apelido foi um jovem poeta que lera para Bento Santiago algumas de suas
poesias no trem. Só que Bento dormiu durante a ação e o jovem poeta,
ofendido, começou a chamá-lo daquela forma. Neste momento, o autor faz
questão de conduzir a interpretação da alcunha, não cabe ao leitor entender da
maneira que puder, uma vez que Bento Santiago controlará cada palavra do
que está escrito assim como, se lhe for permitido, cada linha do que for
interpretado.

“Não consultes dicionários. Casmurro não está aqui no sentido que


eles lhe dão, mas no que lhe pôs o vulgo de homem calado e metido
consigo. Dom veio por ironia, para atribuir-me fumos de fidalgo.”
(ASSIS, Machado de, p. 15)

Embora a tentativa do controle seja uma característica do autor-personagem,


podemos notar que a origem do título da obra advém do acaso. Uma situação
totalmente peculiar em que um jovem poeta interpela alguém que lhe é
ligeiramente conhecido e parece-lhe distinto, por tanto com algum grau de
cultura, para pedir a opinião sobre as suas obras em uma intimidade à
brasileira. Graças ao cansaço do dia, o sono vem e junto a ele o apelido que se
espalha, primeiro graças aos costumes pouco sociáveis de Bento que
permanece alheio ao bairro ao se fechar na “caverna do Engenho Novo” e
19

chega aos seus amigos da cidade exatamente pelos mesmos motivos, embora
estes usem de forma humorada.

Para explicar a origem do livro e sua temática, o autor revela sua enorme
monotonia e seu apego ao passado, a solidão e as lacunas o perseguem e o
compelem a exercitar algo Bento tentou vários outros temas em vão, ou foram
tentativas frustradas, ou a necessidade de pesquisa e atenção o fizeram
desistir dos temas. Ficaria então a “eterna tentativa de atar as duas pontas da
vida, e restaurar na velhice a adolescência” que Bento exercita em copiar a
casa da juventude na casa da velhice. É então que a ironia machadiana nos
revela que, apesar das tentativas de controle, Bento cede diversas vezes aos
pensamentos e narrativas que os outros lhe impões e sob as imagens de
personagens históricos como Nero, Augusto, Massinissa e César inicia seu
resgate das memórias, vendendo-lhes a sua vida como o Fausto de do alemão
Goethe vende a alma ao demônio.

Explicada as origens do título e do livro, Bento pode finalmente seguir na


recuperação das memórias e a primeira é do dia em que descobre poder estar
amando Capitu. Apesar de seu desejo por controle, mais uma vez, Bentinho
revela ao leitor que seu relacionamento não começa descobrindo-se amando,
mas sendo acusado de amar. É José Dias, um agregado da família, quem lhe
revela indiretamente ao expor a preocupação do homem sobre o futuro do
jovem. Bento e Capitu viviam juntos desde o dia em que se tornaram vizinhos e
José Dias intuiu que tal proximidade poderia iniciar um relacionamento que
poria em risco a ida de Bento para o seminário. Bento, que escutava
escondido, aceita passivamente a revelação como verdade e é a partir daí que
a possibilidade se torna realidade, embora o autor nos revele sem perceber
que Capitu não precisava de intermédios para entender seus sentimentos
como no episódio em que desenha um coração com as iniciais de ambos
dentro dele.

Na primeira parte do romance Maria Capitolina é reconhecidamente melhor que


Bento , que chega a reconhecer
20

“Capitu era Capitu, isto é, uma criatura mui particular, mais mulher do
que eu era homem. Se ainda o não disse, aí fica. Se disse, fica
também. Há conceitos que se devem incutir na alma do leitor, à força
de repetição.” (ASSIS, Machado de, p. 67-8)

A então jovem era decidida e curiosa, graças à força dela que Bento encontra o
mínimo de esperança para resistir aos desejos de sua mãe, Dona Glória, para
ser padre. È Capitu que pensa e desenvolve os planos mais consistentes para
que Bento pudesse resolver a promessa da mãe, sem magoar a ela e a Deus.
Afinal, se dependesse dos próprios planos, Bento terminaria padre, uma vez
que era mais tentado aos devaneios do que a realidade, ele pensou até mesmo
em pedir ajuda ao Imperador do Brasil para salva-lo. Mesmo que a estratégia
levada a cabo se aproxime mais do que José Dias havia tramado, não é ele
quem leva a melhor e Bento pode se casar enfim com Capitu.

Uma vez que não seria possível um discurso totalmente imparcial de uma obra
que a intenção da mesma era unir a juventude com a velhice da personagem
principal. Bento Santiago é idoso, solitário, advogado, ex-seminarista e está
disposto a guiar o leitor, talvez até a si mesmo, em sua obra e justificar suas
atitudes e sua pessoa moral. A força com que o autor-narrador descreve
Capitu, diz mais sobre o próprio autor do que sobre ela. Os famosos “olhos de
cigana oblíqua e dissimulada” só podem ser vistos através da lente parcial do
autor e de José Dias, o primeiro completamente enamorado e o segundo
desconfiado, considerando-a falsa e interesseira. Capitu emana força, o desejo
de felicidade e até mesmo a luxúria de ser admirada a todo o momento.
Quando se beijam e quase são pegos pela mãe da jovem, no capítulo 34º,
Bento perde totalmente o domínio de si mesmo e somente Capitu se recompõe
e distrai a mulher para que não lhes descobrisse a relação.
Segundo Roberto Schwarz (1997, p. 24-5), Capitu atende todos os quesitos da
individualização, uma vez que não foge da realidade para a imaginação, já que
não pode se dar ao luxo de fantasiar. De acordo com ele, a personagem é forte
o bastante para não se desestabilizar diante da vontade patriarcal, superior.
“Embora emancipada interiormente da sujeição paternalista, exteriormente ela
tem de se haver com essa mesma sujeição, que forma o seu meio”. Seu
21

encanto se deve principalmente ao fato de ela ser capaz de transitar no


ambiente que superou e o fazer com intensa naturalidade.

Bento Santiago vai se revelando completamente obsessivo para com Capitu,


diante da revelação de uma possível mudança de Capitu quando Bento já está
no seminário no capítulo 52º.

“A notícia de que ela vivia alegre, quando eu chorava todas as noites,


produziu-me aquele efeito, acompanhado de um bater de coração,
tão violento, que ainda agora cuido ouvi-lo. (...)
Outra idéia, não,—um sentimento cruel e desconhecido, o pulo ciúme,
leitor das minhas entranhas. (...) peraltas na vizinhança, vária idade e
feitio, grandes passeadores das tardes. Agora lembrava-me que
alguns olhavam para Capitu, - e tão senhor me sentia dela que era
como se olhassem para mim, um simples dever de admiração e de
inveja. Separados um do outro pelo espaço e pelo destino, o mal
aparecia-me agora, não só possível mas certo. E a alegria de Capitu
confirmava a suspeita; se ela vivia alegre é que já namorava a outro,
acompanhá-lo-ia com os olhos na rua, falar-lhe-ia à janela, às ave-
marias, trocariam flores e...” (ASSIS, Machado. P. 124-5)

A personagem principal não só desconhece a origem da alegria, como a tem


verdade absoluta, mesmo que vindo de um homem como José Dias que
esperava separa-los. O primeiro pensamento que lhe ocorre já é a traição,
prenúncio do que viria no futuro, ouve uma das partes, julga e condena. Logo
após esse rompante de ira, ciúmes e certezas, Bento sentiu vontade de fugir e
ir atrás da amada para resolver o problema, mas como em quase tudo na vida
que é apresentada ao leitor, a personagem desiste do plano.

E se Bento é dependente da imagem que cria de Capitu, mas é mais


dependente ainda daquela que ele cria da própria mãe, Dona Glória. Para o
autor-narrador, e para a sociedade de sua época, sua mãe era um exemplo de
esposa e mulher. Após se tornar viúva, dedicava-se à imagem do marido
mesmo depois de 12 anos de seu falecimento, o recolhimento e a devoção
religiosa a fez anjo aos olhos do filho “Minha Mãe era boa criatura.” (ASSIS,
Machado. p.25) A forma como o autor-narrador descreve as ações de Dona
22

Glória e os adjetivos que lhes dá se oporiam ao descontentamento que Capitu


iria lhe causa. A mãe de Bentinho, ao morrer, ganha uma sepultura sem nome,
mas com a descrição que lhe definiria como um todo “uma santa” e quem a
conhecesse chamariam-na de “santíssima”.

Se Capitu traiu Bento Santiago, Dona Glória amou e respeitou o marido até o
final de seus dias. No entanto, segundo a ótica de Bentinho, esse amor poderia
ser unilateral, uma vez que em sua leitura dos retratos de seus pais na parede
demonstra tal relação. Bento atribui, ou interpreta as imagens familiares de
maneira que sua mãe olha com amor e desejo para seu marido e este, por sua
vez, olha para ela com certo descaso de uma sociedade patriarcal.

“São retratos que valem por originais. O de minha mãe, estendendo a


flor ao marido, parece dizer: "Sou toda sua, meu guapo cavalheiro!" O
de meu pai, olhando para a gente, faz este comentário: "Vejam como
esta moça me quer..." Se padeceram moléstias, não sei, como não
sei se tiveram desgostos: era criança e comecei por não ser nascido.
Depois da morte dele, lembra-me que ela chorou
muito; mas aqui estão os retratos de ambos, sem que o encardido do
tempo lhes tirasse a primeira expressão. São como fotografias
instantâneas da felicidade.” (ASSIS, Machado. p. 27)

Embora não tenha vivido verdadeiramente, segundo Bento Santiago admite, o


matrimônio dos pais e, por tanto, não possa descrever a real felicidade que o
casal vivera, é a partir das parcas lembranças de criança e dos retratos que
guardara na memória e reproduzira na nova casa que Bento define o conceito
de felicidade matrimonial e pessoal. Apesar de Dona Glória apresentar uma
figura ideal de esposa, ela reúne em sua casa uma grande quantidade de
personagens do sexo masculino: o filho Bento, tio Cosme e o agregado dos
tempos de casada, José Dias.

José Dias é outra personagem que merece destaque, foi agregado da casa de
Bento Santiago desde os tempos de seu pai e conviveu com a família até a sua
morte serena. O agregado se torna uma aquisição da família através de uma
mentira, dizia-se médico, trabalhou durante um bom tempo assim e depois
23

deliberadamente conta a verdade, mas já tendo conseguido respeito e


admiração da família, permanece. Bento Santiago se lembra de alguns
escravos durante sua narrativa, mas José Dias é um homem livre que aceita se
submeter aos cuidados da família Santiago em uma lógica que Roberto
Schwarz chama de “lógica do favor”.

O agregado é uma personagem que abre mão de qualquer atividade laboral,


vista como menor, para bajular e submeter-se a uma classe dominante sem
qualquer pudor, ou pensamento crítico. Tal prática era uma resposta a essa
“necessidade” de permanência social dentro de uma sociedade onde as
pessoas se encaixavam numa das três classes existentes: “o latifundiário, o
escravo e ‘homem livre’” (SCHWARZ, 2012, p.16). A sociedade de classes
apoiava-se numa espécie de triângulo cujo topo era ocupado pela classe
proprietária, composta por poucos, dona de escravos e dos meios de produção.
A base que sustentava toda a economia do país, constituída pelo braço servil,
era a mais numerosa. Os que compunham o meio da pirâmide, é óbvio, para
fugirem à miséria, ironicamente a uma existência periférica, identificavam-se
apenas com os de cima, empregando a bajulação, afinal, eram sujeitos livres, e
o trabalho considerado um mister aviltante.

Embora subserviente, José Dias tem um papel importante na vida de Bento


Santiago e, por tanto, no romance. É o agregado que dará, junto à Capitu,
diversos conselhos ao narrador na sua juventude e na questão do seminário. É
dele que virá a ideia de amor entre Bento e Capitu que o autor-narrador
aceitará como verdade e movimentará toda a trama do romance, sem José
Dias, o também submisso Bento Santiago, talvez jamais narrasse suas
memórias da maneira como o fez. Simultaneamente, é a ausência do pai de
Bento que permite tamanha liberdade de José Dias, uma vez que na sociedade
patriarcal em que se insere, a personagem do agregado não teria tanta voz em
um ambiente como aquele. É na ausência e na permissividade dos grandes
que os menos abastados adquirem voz. Assim como na ausência de Capitu,
Bento pode, enfim, escrever suas memórias com sua própria voz.
24

Outra personagem importante para entendermos Bento Santiago é seu filho,


Ezequiel cujo nome é homenagem direta ao primeiro nome do melhor amigo de
Bento, Escobar. Ezequiel tem semelhanças físicas e mentais atribuídas ao
amigo de seu pai e não a seu progenitor e essas são algumas das evidências
que Bento Santiago apresenta ao leitor como prova da fatídica traição de
Capitu. Ezequiel fora comparado a Escobar até que Bento visse apenas a
imagem do amigo refletida sobre o filho. O ciúme, justificado ou não, finalmente
pode corroer o casamento até a separação do casal com mãe e filho indo
morar na Suíça e Bento Santiago obter notícias de ambos apenas por cartas.

Ezequiel nascera livre das promessas de seminário com que o pai viveu toda a
infância e pode ir além das brincadeiras de cunho religioso que Bento diz ter
feito junto à Capitu em sua infância. Por outro lado, é Capitu que
estranhamente alimenta a semelhança entre o filho e o amigo em comum
“Você já reparou que Ezequiel tem nos olhos uma expressão esquisita?
perguntou-me Capitu. Só vi duas pessoas assim, um amigo de papai e o
defunto Escobar”(ASSIS, MACHADO. p.225). Se os ciúmes de Bento Santiago
eram grandes, com a presença de Ezequiel eles crescem exponencialmente.
Bento alimentaria os ciúmes para com Capitu até chegar ao ponto de planejar a
morte por envenenamento dele, ou de toda a família. Intenção que novamente
não levaria a cabo. O filho é o retrato de muita gente, como bem observa
Capitu, parece com o avô quando criança, imitaria José Dias, mas a imitação
fundamental para o romance e para Bento Santiago é ser semelhante ao amigo
Escobar.

3. ENTRE BUSTOS E OLHARES, UMA ANÁLISE DE DOM CASMURRO


25

Não se pode negar que uma das maiores questões da Literatura Brasileira seja
a possível traição de Capitu. Os críticos e os leitores de Machado de Assis, ao
longo dos anos, seguem tentando responder à pergunta sem chegar a uma
resposta definitiva. José Veríssimo define Dom Casmurro de forma literal como
o romance de “um homem inteligente que se deixa iludir por uma moça”, Lúcia
Miguel-Pereira assume uma postura mais determinista ao definir a traição:

“Capitu é o melhor exemplo daquilo que Bentinho afirmava, a


propósito de si mesmo: 'Chega a fazer suspeitar que a mentira é, uma
vez, tão involuntária como a transpiração'. Capitu mente como
transpira, por necessidade orgânica.” (MIGUEL-PEREIRA, LÚCIA.
Machado de Assis)

Augusto Meyer, por sua vez, aponta para o biológico afirmando que “Capitu
mente como transpira”. E Antonio Candido relativiza ao dizer que o importante
é que o resultado, seja verdade, ou mentira a traição, foi a destruição da casa e
da vida das personagens.

Já outros críticos apontam para o discurso de Bento Santiago como fonte de


estudo e interpretação de toda a narrativa, por exemplo, Helen Caldwell
observa que Capitu teria sido vítima de um Bento cínico e cruel, e que
Machado teria criado um “Otelo brasileiro” inclusive no sobrenome Santiago
que esconderia um “Iago” (Sant-Iago). Caldwell inocenta Capitu das acusações
em uma crítica baseada nas intertextualidades da obra machadiana. E John
Gledson coloca o leitor no mesmo patamar que Bento Santiago, uma vez que o
discurso de Machado de Assis, quando em primeira pessoa, alicia ao leitor
para acreditar no que lhe é dito. Finalmente, Roberto Schwarz, com tons
marksistas e deitando seu olhar a Bento, afirma que é preciso mais do que
apenas uma leitura de Dom Casmurro para compreender o romance.

“solicita três leituras sucessivas: uma, romanesca, onde


acompanhamos a formação e decomposição de um amor; outra, de
ânimo patriarcal e policial, à cata de prenúncios e evidências do
adultério, dado como indubitável; e a terceira, efetuada a
contracorrente, cujo suspeito e logo réu é o próprio Bento Santiago,
na sua ânsia de convencer a si e ao leitor da culpa da mulher. Como
26

se vê, uma organização narrativa intrincada, mas essencialmente


clara, que deveria transformar o acusador em acusado. Se a viravolta
crítica não ocorre ao leitor, será porque este se deixa seduzir pelo
prestígio poético e social da figura que está com a palavra."
(SCHWARZ, Roberto. Duas Meninas)

Fiquemos com os três últimos exemplos e pensemos como Bento Santiago


influencia o leitor a aceitar a seu olhar sobre os acontecimentos da sua vida,
que segundo ele, foram causados por sua mulher Maria Capitulina e que
desfariam sua família e sua relação com o próximo. Bento Santiago é o
advogado e promotor e em que as provocações de sua forma narrativa, cheia
de digressões e diálogos com os leitores propositalmente postos de maneira a
se aproximar de quem o lê e dentro dessa retórica intimista provar
definitivamente, segundo John Gledson, precisaria de uma narrativa em
primeira pessoa, sem falas, ou defesas de Capitu.

Uma vez focada a análise em como Bento Santiago narra sua relação amorosa
com Maria Capitulina, observemos algumas das personagens que o autor-
narrador destaca na narrativa e como essas pessoas com quem Bento se
relaciona direta, ou indiretamente, durante sua vida contribui para construir a
sua acusação de adultério.

Já nos primeiros capítulos, três figuras são fundamentais para antever alguns
aspectos da trama machadiana, os bustos de Massinissa, Caio Júlio Cesar,
César Augusto e Nero Claudio César Augusto Germânico. Essas quatro figuras
históricas aparecem como brasões nas duas casas em que Bento une “as
pontas da vida” e são descritas inicialmente com certo descaso por parte do
autor, revelando a ironia machadiana com o gosto árcade de “meter sabor
clássico e figuras antigas em pinturas americanas”. Tais bustos não teriam uma
função na casa, apenas estavam lá, sem que nem mesmo uma personagem
que o leitor imaginaria culta soubesse o motivo dos rostos pintados na parede,
tal qual um poeta árcade colocaria elementos europeus clássicos em uma
Literatura Brasileira. No entanto, para além de simples brasões que auxiliam na
27

descrição da casa de Bento Santiago, as personagens históricas clamam e, de


certa forma, influenciam na escolha do conteúdo da obra que Bento escreve.

Se tais personagens guiam a escrita do autor-narrador, um leitor atento


começaria a desconfiar da veracidade da denuncia. Massinissa, Júlio Cesar,
César Augusto e Nero possuem ao menos dois dados narrativos em comum a
tragédia familiar envolvendo filhos e esposas e a posição de poder.
Massinissa, por exemplo, precisou lidar com questões políticas importantes em
sua época envolvendo a Numídia, Cartago e Roma, mas a presença de
Sofonisba sua esposa e a influencia que ela exercia nas negociações fez com
que Massinissa a envenenasse para poder manter seu status com Roma.

Já Júlio César se casou três vezes e em todas elas houve problemas, a


primeira esposa, Cornélia, traz desgraça para o romano e o faz perder
prestígio, posses e poder. O segundo casamento, com Pompéia, é encerrado
após a denuncia falsa de que a esposa o teria traído. E finalmente o filho
bastardo do terceiro casamento, Brutus, assassina Júlio César. Outra
personagem é César Augusto que, embora poderoso, teria sido morto
envenenado por sua própria esposa, Drusa, em nome de seu filho. Finalmente,
Nero, terceiro busto romano, teria cometido matricídio havendo duas razões
possíveis, ou para poder se casar com Pompeia Sabina, ou porque sua mãe
conspiraria para lhe tirar o poder.

Se as quatro personagens e bustos moveram a vontade de Bento Santiago,


observamos as semelhanças entre a vida das personagens e a de Bentinho. O
autor-narrador espelha a sua narrativa com as narrativas das figuras históricas
nos aspectos mais importantes do livro que são as relações pessoas e
subjetivas de quem escreve o romance. Assim como os líderes históricos
Bentinho também sofre em vida com as mulheres, sua mãe traçou o destino do
jovem antes mesmo dele nascer, tirando-lhe toda e qualquer autonomia, além
de ser um perfeito exemplo de dedicação familiar e matrimonial até na morte do
marido. Simultaneamente, Capitu é a esperança de uma felicidade e de
independência, é a companheira que o ajudaria a tornar os planos de fuga do
28

futuro sacerdócio e é a sua derrocada com a traição e a privação da felicidade


da família tanto desejada, roubando-lhe o amor e o possível filho.

Dessa maneira, a vida de Bentinho se equipara a Massinissa, César Augusto,


Júlio Cesar e a Nero em relacionamentos onde o embate se dá dentro da
própria família e tal qual Nero o desejo de morte da mãe se faz presente,
embora para a personalidade insegura de Bento Santiago não passe de desejo
e não se possa realizar. Semelhante a Massinissa, Bento Santiago deseja
Capitu e constrói a sua adolescência e vida adulta sobre a sombra desse
desejo. Massinissa toma à força a mulher e se casa, para depois ter de
assassina-la para retomar o controle de sua vida, já Bento mais deseja o
controle do que o tem e só consegue algum tipo de poder após a separação ao
escrever o romance. Júlio Cesar se separou em uma falsa acusação de traição
de sua esposa, ela não poderia ser suspeita de nada e apenas a possibilidade
faz com que o casamento se encerre, assim como a relação Bentinho e Capitu.
O filho adotivo do próximo casamento de Júlio Cesar, lembrando que ele se
casou três vezes, o matou, tal ato é similar ao destino de César Augusto que
supostamente seria envenenado por sua esposa em favor do seu filho e filho
adotivo de César. Ou seja, Bento Santiago estaria próximo a esses dois
Césares com relação às esposas e aos filhos adotivos e o único ato de controle
que ele pode exercer sobre eles é a separação.

Sendo Nero e César Augusto promovedores do romance de Bento Santiago, os


patrícios romanos e sua relação complexa com os familiares também nos
remete a forma como o autor-personagem constrói para o leitor a sua conexão
familiar. Na mesma sala em que os bustos se encontram, há o retrato dos pais
de Bento Santiago e a forma como o filho interpreta a pose dos pais na pintura
ajuda a compreender seu ideal de família e como Capitu, da maneira que nos é
apresentada, talvez não fosse capaz de corresponder. Bento Santiago olha
para os quadros e enxerga ali uma felicidade conjugal onde a mãe, D. Glória,
oferece ao marido uma flor parecendo dizer “sou toda sua” em uma clara
posição de subserviência em relação ao homem da casa, simultaneamente o
pai, Pedro de Albuquerque Santiago, tem os olhos voltados para frente e não
para a esposa e parece se gabar de ter o amor da esposa, onde Bento
29

Santiago interpreta “Vejam como esta moça me quer” . Ora, nesse mesmo
capítulo VI, Bentinho afirma que se lembra de pouco de seu pai, não se recorda
de brigas ou desavenças, o que ele possui de lembrança são apenas as roupas
e as informações que lhe chegam de outros, mas que não estão presentes no
romance. Bentinho se apega ao retrato do casal e ao comportamento de sua
mãe perante a morte do marido que aparenta total devoção ao laço que os
uniu. Se comparadas, D. Glória e Capitu, seriam pessoas completamente
opostas, a mãe é uma santa, dedica-se a casa, ao marido e a Deus, já Capitu
nos é apresentada como oblíqua e dissimulada, além de ser uma personagem
de temperamento forte e decidido, não aceitando, por exemplo, os ciúmes
crescentes de Bentinho.

Podemos compreender em Dom Casmurro que a personagem principal do


romance é influenciada a atar as pontas através de alguns retratos de sua sala
que o assombram cada qual a sua maneira. O olhar para Bento Santiago é
fundamental e antecipa a sua comparação de Otelo e seu “monstro de olhos
verdes” shakespeariano, o ciúme. A forma como Bento Santiago é perseguido
com temor pelos olhos do pai que pouco conheceu, faz ponte tanto com a
personagem Otelo, quanto aos famosos olhos de ressaca de Capitu. Ora, o
poder que os olhos do pai exerciam sobre Bento Santiago, perseguindo-o com
temor, seriam substituídos pelos olhos de Capitu que demonstravam sua força
quanto mulher, não dando atenção aos conselhos de José Dias, Bentinho
resolve conferir se havia neles a “cigana oblíqua e dissimulada”. O que vem a
seguir é uma sequência de eventos com as quais o autor-personagem não
poderia enfrentar.

Olhos de ressaca? Vá, de ressaca. É o que me dá ideia daquela


feição nova. Traziam não sei que fluido misterioso e enérgico, uma
força que arrastava para dentro, como a vaga que se retira da praia,
nos dias de ressaca. Para não ser arrastado, agarrei-me às outras
partes vizinhas, às orelhas, aos braços, aos cabelos espalhados
pelos ombros; mas tão depressa buscava as pupilas, a onda que saía
delas vinha crescendo, cava e escura, ameaçando envolver-me,
puxar-me e tragar-me. Quantos minutos gastamos naquele jogo? Só
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os relógios do céu terão marcado esse tempo infinito e breve. (ASSIS,


Machado de, p.71).

É a partir desse jogo de cena tão delirante que se termina com o famoso
episódio do beijo e só então o momento em que finalmente Bento Santiago
pode afirmar que é homem. É como se, para o autor-personagem admirasse
todos aqueles eventos do passado com a saudade da sua “inocência” de
menino transformando sua natureza frágil em um homem atravessado por uma
mulher, ao mesmo tempo reverenciando e culpando Capitu por seus
descaminhos.

No entanto, não são apenas figuras históricas e familiares que abertamente


influenciam a narrativa. No capítulo CXXV, Otelo, o próprio narrador-
personagem se equipara a uma personagem literária e começa a dialogar com
sua narrativa com a shakespeariana. Otelo, o mouro, em determinado
momento da obra passa a buscar provas de infidelidade por parte da esposa
Desdêmona e ao encontrar a suposta prova executa a esposa. Bento Santiago
se insere na narrativa renascentista da mesma maneira, buscando uma prova
de infidelidade de Capitu e sem encontrar algo de fundamentalmente concreto
a expulsa de sua casa. Seguindo o modo, talvez irônico, como Machado de
Assis insere suas obras na Literatura, as semelhanças parecem parar por aí,
pois alguns os outros elementos comuns das duas narrativas se revelam
opostos quando comparados. Otelo é uma personagem shakespeariana
poderosa e vitoriosa e na tragédia há uma predominância da classe
aristocrática e, apesar de todo o poder e respeito que Otelo possui, ele não é
digno de Desdêmona de acordo com o pai da mulher. Já em Dom Casmurro, o
romance machadiano segue outro rumo, quem não é digno do casamento é
Capitu, uma vez que sua família não é burguesa. O que inicia o namoro e a
união dos dois é uma junção de movimentos exteriores à Bento Santiago.
Quem revela a Bentinho sua paixão por Capitu é José Dias em uma conversa
em que o autor-personagem não faz parte senão diretamente, mas, como
quase todas as ações de sua vida as quais temos conhecimento no romance,
de maneira indireta. Não há um início passional, ou uma participação direta
entre as Bento e Capitu, mas é decorrente de uma vicissitude que já demonstra
31

a fragilidade da personalidade de Bento Santiago. A vida do autor-personagem


é conduzida por um longo tempo desses movimentos exteriores, É de Capitu
as estratégias para driblar a promessa da mãe de mandá-lo ao seminário.
Bentinho, em sua timidez, compõe planos inverossímeis, como o de pedir ajuda
ao Imperador. Na maioria das vezes, no entanto, Bentinho deixa-se persuadir
pelos comentários de José Dias, pelas promessas da mãe e pela voz de
Capitu, crescente na narrativa.

Lembremos que Bento Santiago é advogado e estudou no seminário, a base


de seu romance são as imagens da casa que lhe definiu a infância e a
juventude. Para descrever a sua história e convencer o leitor da culpa de
Capitu tem fundamento nos fantasmas que lhe perseguem. Bento Santiago
monta sua defesa e acusação sob o olhar daquelas figuras, colocando-se para
o leitor de maneira frágil e influenciada por tantas vozes ao longo de sua vida.
Logo os bustos, os retratos e a intertextualidade shakespeariana servem de
alegoria para todo o romance machadiano para que Bentinho possa
categoricamente afirmar ao seu leitor no último capítulo, “E bem, e o resto?”,
que sua amada nunca mudara, seria apenas uma “fruta dentro de uma casca”
e que seu ciúme, mesmo sendo um monstro de olhos verdes, ou, como Bento
mesmo recupera citando o livro de Eclesiástico , poderia ser sua ruína, não o
foi. O que não deixa de ser uma ironia, ao estilo Machado de Assis.


32

CONCLUSÃO

Machado de Assis desenvolve em Dom Casmurro dois dos seus mais


complexos e intrigantes personagens, de um lado tempos o frágil Bento
Santiago, um advogado fluminense que escreve o próprio romance para
explicar sua situação perante a sociedade e acusar a esposa de adultério. De
outro lado temos Capitu, uma mulher forte e decidida desde a infância, cuja voz
se dá transversalmente pelo promotor e advogado de defesa Bento Santiago.

O romance machadiano acaba sendo carregado de imagens e personagens


diversos que dialogam com a personagem principal e contribuem mais para a
definição do seu caráter do que ele mesmo, uma vez que Bento Santiago, ou
Bentinho, é parte interessada na narrativa. Bento Santiago poderia simular a
sua casa de juventude, na Rua de Matacavalos, em sua casa atual sem as
artes da sala, pelo menos sem as que não possuíam ligação direta com a
família como Massinissa e os imperadores romanos. No entanto, o romance
não seria machadiano sem essa atitude do narrador-personagem. Ao
observarmos suas escolhas, principalmente nas pinturas que ele insiste em
carregar consigo durante a vida, notamos histórias repletas de acusações de
traição que nem sempre são verdadeiras, ou pelo menos provocam dúvidas
nos especialistas em história antiga. Machado de Assis apresenta com essas
figuras históricas a possibilidade do adultério plantando dúvidas no leitor, quem
precisa ter tal certeza é a personagem principal, Bento Santiago.

Bento Santiago é advogado e estudou retórica no seminário, essa personagem


é quem monta a acusação e não outra, logo, sabemos que não faltam recursos
ao autor-personagem para criar um enredo acusatório eficaz , mas a ausência
de vozes acaba por dar voz aos ausentes, Bento Santiago se constrói a partir
deles, as personagens falam no silêncio. As escolhas denunciam, os bustos
falam com o autor-personagem que fala com o leitor. Ao olhar para Otelo,
Bentinho se revela como o mouro e como Iago, ora se o amigo de Otelo é
quem cria a trama de adultério, então não poderia Bentinho também criar para
si e para o leitor uma história que servisse de consolo? Essa pergunta não
33

poderia ser facilmente respondida, afinal ela permanece por mais de um


século. E talvez essa tenha sido a intenção inicial de Machado de Assis.

Não é ao acaso que Machado de Assis faz de Dom Casmurro um romance em


primeira pessoa, o recurso literário acaba por excluir quaisquer outras vozes
que poderiam contribuir para a interpretação do leitor sobre as questões de
Bentinho, a única voz e única testemunha é o próprio narrador. Recordamos o
pensamento de Abel Baptista que nos apresenta a possibilidade de Bento ser o
próprio causador de sua desgraça ao confundir ciúmes com designo ou
intenção do destino. Então, a obra machadiana se faz aos moldes de romance
biográfico, onde se permite oferecer uma gama de experiências de uma
determinada pessoa em forma de romance. No entanto, o traço biográfico em
Dom Casmurro ao ser posto em primeira pessoa faz o romance se aproximar
mais da arte contemporânea do romance autobiográfico do que do estilo
clássico, uma vez que se quer muito mais ficcional do que histórico e muito
menos realista do que os manuais escolares categorizam. O que permanece
da obra é a dúvida jamais respondida de um homem atormentado pelos
fantasmas do passado que ele, definitivamente, ajudou a construir e
impossibilita com consenso sobre um adultério, ou por que não chamar de O
Adultério d da Literatura Brasileira.


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