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RIO DE JANEIRO. RJ
2018
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CDD B869
FOLHA DE APROVAÇÃO
Aprovado em : _______/______/_______
Banca Examinadora
Eduardo Galeano
RESUMO
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Muito se foi dito sobre a obra machadiana Dom Casmurro desde sua publicação em 1899, a
discussão sobre a traição de Capitu persiste por dois séculos dentro, ou fora dos meios
acadêmicos. Fala-se sobre o ciúme doentio da personagem principal, Bento Santiago, e como
esse sentimento influenciou toda a narrativa. A condenação ou absolvição da mulher
dependeu sempre do viés histórico, ideológico e social dos críticos que dela leram. Com o
romance de Machado de Assis sendo narrado em primeira pessoa e as acusações partindo do
narrador, facilmente se percebe que a descrição de todas as personagens parte de um único
ponto de vista que é autor e personagem do romance, Bento Santiago. Destacou-se, por meio
de leituras críticas de Marlice A. Marques, Ronaldes Souza e Roberto Schwarz, a leitura do
mundo do autor-narrador em Dom Casmurro, a partir do filtro com que ele lê e descreve as
outras personagens do romance. Leitura essa, enviesada e naturalmente tendenciosa que
revela mais sobre Bento Santiago do que das pessoas que com ele viveram.
SUMÁRIO
INTRODUÇÃ O......................................................................................................................................................... 8
1 . DAS REFERÊ NCIAS HISTÓ RICAS E LITERARIAS EM DOM CASMURRO.................................13
1.1 AS REFERÊ NCIAS HISTÓ RICAS EM DOM CASMURRO.................................................................13
2. DOM CASMURRO, O ROMANCE ESPELHO......................................................................................... 18
3. ENTRE BUSTOS E OLHARES, UMA ANÁ LISE DE DOM CASMURRO..........................................25
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CONCLUSÃ O......................................................................................................................................................... 32
BIBLIOGRAFIA.................................................................................................................................................... 34
INTRODUÇÃO
Dom Casmurro é uma obra que conta a vida de Bento Santiago, ou Bentinho,
desde a sua infância, até seu casamento, passando pela experiência do jovem
no seminário e brevemente por sua velhice no período do segundo reinado
(1840 – 1889). O romance é narrado em primeira pessoa e toda narrativa é
vista exclusivamente do ponto de vista do protagonista, seja nos relatos de sua
infância, seja nos momentos em que Bento dá ao leitor suas evidências de que
sua amiga de infância e esposa Capitu o traiu. É nessa ótica que Silviano
Santiago afirma que os críticos estavam interessados em buscar a verdade
sobre Capitu ou a impossibilidade de se ter a verdade sobre Capitu, quando a
única verdade é a de Dom Casmurro (2000, p.30).
Não é Bento Santiago que se descobre apaixonado por sua vizinha e amiga de
infância, é preciso que José Dias denuncie à mãe de Bentinho que o convívio
com Capitu aparenta ter maior valor para o rapaz do que simples amizade de
infância. É só após ouvir escondidas as denúncias do agregado que o narrador
assume ter a sua vida ganhado sentido e som, tal qual uma ópera.
Além do retrato dos pais, nas casas de Bento Santiago, havia uma constante
que o narrador admitiu influenciar na produção do livro de memórias, os bustos
pintados nas paredes de personagens históricos: Massinissa, Caio Júlio Cesar,
Cesar Augusto e Nero Cláudio César Augusto Germânico. Depois de algumas
digressões sobre o tema do livro e mesmo seu título, Bento Santiago aceita o
“conselho” de homens virtuosos. “Foi então que os bustos pintados nas
paredes
entraram a falar-me e a dizer-me que, uma vez que eles não alcançavam
reconstituir-me os tempos idos, pegasse da pena e contasse alguns.” (ASSIS,
1997, p. 17)
Massinissa foi um berbere nascido por volta de 238 a.C., o primeiro rei de uma
Numíbia unificada e homem educado em Cartago. Filho de Gala, ou Gaia, rei
da Numíbia, recebeu aos dezessete anos o exército e juntamente aos
cartagineses, derrotou Sífax, rei da tribo líbia dos massassílios e aliado dos
romanos. Combateu na 2ª e 3ª Guerra Púnica, desta vez, aliando-se aos
romanos por questões políticas. Foi pedra fundamental na contribuição da
famosa Cartago Delenda Est.
César, o ditador que galgou posições na república por sua própria vontade de
potência e conquistou grande parte do mundo até então conhecido, possuiu
três esposas e o amor da rainha do Egito. A primeira esposa foi Cornélia, filha
de Cina, um político romano, esse casamento e sua herança romana trouxeram
a perda dos bens, dos dotes de sua esposa e a destituição do cargo de sumo-
sacerdote de Júpiter, tanto que para não se divorciar de Cornélia, César foi
obrigado a fugir. Sua esposa faleceu aos 25 anos após dar a luz ao filho
natimorto, em seguida César foi servir como gestor na Hispânia em 69 a.C..
César se casou pela terceira vez com Calpúrnia Pisônia, em 59 a.C. e viveu
com ela até ser assassinado. Algumas fontes históricas como Plutarco alegam
que Pisônia sonhou com a morte do marido e procurou avisa-lo em vão. Esse
episódio foi adaptado na peça shakespeariana Júlio César como um sonho em
que a estátua do marido jorrava sangue. César ainda teve algumas amantes
como a rainha egípcia Cleópatra, a esposa do rei da Mauritânia, Eunoé e a
patrícia romana Servília, mãe de Bruto. Ironicamente foi Bruto um dos
articuladores que assassinaram César, seu pai adotivo.
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Nero Claudio César Augusto Germânico foi um dos imperadores romanos mais
controversos. Nascido em 15 de Dezembro de 37 d.C. sob o nome de Lúcio
Domício Enobardo e supostamente forçado ao suicídio em 9 de Junho de 68
d.C.. Em seu reinado, Nero focou na resolução dos problemas do império
através da diplomacia e do comércio e onde foi ordenada a construção de
diversas fontes culturais como teatros, jogos e atletismo. Embora houvesse
diplomacia e cultura, o reinado de Nero também foi marcado pela luxúria,
extravagância e crueldade. A história e a literatura se confundem também no
incêndio de Roma em que supostamente Nero teria ficado tocando sua lira
enquanto o fogo ardia. Nero também teria cometido matricídio por motivos
diversos, alguns historiadores acreditam ser para que o imperador pudesse
finalmente se casar com Pompeia Sabina, outros alegam que Agripilina, ou
Agripina Menor, conspiraria para tirar o filho do poder.
Acredita-se que Otelo foi publicado pela primeira vez por volta de 1622.
Embora sua escrita seja de 1604. Homônimo ao nome da obra, Otelo é o
personagem principal sendo mouro e general que reside e serve ao reino de
Veneza. A história gira em torno da traição e da inveja. Brabâncio, deixara a
filha Desdêmona livre para escolher o próprio marido, acreditando que ela
escolheria um semelhante seu socialmente. Quando descobre que sua filha
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fugiu para se casar com o Otelo, foi à procura do mouro para matá-lo.
No entanto, o Mouro não sabia é que na ilha ele estaria diante de um inimigo
mais perigoso que um turco. Iago, alferes de Otelo, queria vingar-se do general
porque ele promoveu Cássio, jovem soldado florentino e grande intermediário
nas relações entre Otelo e Desdêmona, ao posto de tenente. Em Chipre, Iago
concebeu um terrível plano de vingança para destruir seus inimigos. Iago
entendia que de todos os tormentos da alma, o ciúme é o mais intolerável.
Sabia que Cássio possua beleza e eloquência que eram agradavam as
mulheres, ele era capaz de despertar o ciúme de um homem de cor, como era
o mouro Otelo, casado com uma jovem e bela mulher branca.
Iago fez com que Cássio se envolver em uma briga com Rodrigo, durante uma
festa em que os habitantes da ilha ofereceram a Otelo que, quando o Mouro
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soube do acontecido, destituiu Cássio do seu posto. Ainda nessa noite, Iago
colocou Cássio contra Otelo, dissimulando desaprovar a atitude do general, e
que sua decisão tinha sido muito dura. Cássio, segundo Iago, deveria pedir à
Desdêmona que convencesse Otelo a devolver-lhe o posto de tenente. Cássio
aceitou a sugestão.
Iago então insinua a Otelo que Cássio e sua esposa poderiam estar tendo um
caso. Sabendo que o Mouro presenteara sua mulher com um lenço de linho, o
qual tinha herdado de sua mãe. Otelo acreditava que o lenço era mágico e,
enquanto Desdêmona o possuísse, eles seriam felizes. Iago consegue o lenço
através de sua esposa Emília e diz a Otelo que sua mulher havia presenteado
o amante com ele. Até então o equilibrado Otelo, questiona sua esposa sobre o
lenço e Desdêmona afirma que o lenço desapareceu. Iago colocaria o lenço
dentro do quarto de Cássio para que ele o encontrasse.
Dom Casmurro foi publicado pela primeira vez em 1899 e é considerada uma
das obras mais importantes da Literatura Brasileira e mundial. A obra de
Machado de Assis faz uma dura e irônica da sociedade brasileira do final do
século XIX. Apresenta também a narrativa em primeira pessoa sobre um
relacionamento amoroso e o ciúme doentio de Bento Santiago sobre sua
amada Maria Capitolona (Capitu), tornando a personagem feminina um ícone
da literatura nacional e alimentando as discussões não só entre a crítica, mas
entre os leitores inclusive, com a questão: Capitu traiu ou não Bentinho?
chega aos seus amigos da cidade exatamente pelos mesmos motivos, embora
estes usem de forma humorada.
Para explicar a origem do livro e sua temática, o autor revela sua enorme
monotonia e seu apego ao passado, a solidão e as lacunas o perseguem e o
compelem a exercitar algo Bento tentou vários outros temas em vão, ou foram
tentativas frustradas, ou a necessidade de pesquisa e atenção o fizeram
desistir dos temas. Ficaria então a “eterna tentativa de atar as duas pontas da
vida, e restaurar na velhice a adolescência” que Bento exercita em copiar a
casa da juventude na casa da velhice. É então que a ironia machadiana nos
revela que, apesar das tentativas de controle, Bento cede diversas vezes aos
pensamentos e narrativas que os outros lhe impões e sob as imagens de
personagens históricos como Nero, Augusto, Massinissa e César inicia seu
resgate das memórias, vendendo-lhes a sua vida como o Fausto de do alemão
Goethe vende a alma ao demônio.
“Capitu era Capitu, isto é, uma criatura mui particular, mais mulher do
que eu era homem. Se ainda o não disse, aí fica. Se disse, fica
também. Há conceitos que se devem incutir na alma do leitor, à força
de repetição.” (ASSIS, Machado de, p. 67-8)
A então jovem era decidida e curiosa, graças à força dela que Bento encontra o
mínimo de esperança para resistir aos desejos de sua mãe, Dona Glória, para
ser padre. È Capitu que pensa e desenvolve os planos mais consistentes para
que Bento pudesse resolver a promessa da mãe, sem magoar a ela e a Deus.
Afinal, se dependesse dos próprios planos, Bento terminaria padre, uma vez
que era mais tentado aos devaneios do que a realidade, ele pensou até mesmo
em pedir ajuda ao Imperador do Brasil para salva-lo. Mesmo que a estratégia
levada a cabo se aproxime mais do que José Dias havia tramado, não é ele
quem leva a melhor e Bento pode se casar enfim com Capitu.
Uma vez que não seria possível um discurso totalmente imparcial de uma obra
que a intenção da mesma era unir a juventude com a velhice da personagem
principal. Bento Santiago é idoso, solitário, advogado, ex-seminarista e está
disposto a guiar o leitor, talvez até a si mesmo, em sua obra e justificar suas
atitudes e sua pessoa moral. A força com que o autor-narrador descreve
Capitu, diz mais sobre o próprio autor do que sobre ela. Os famosos “olhos de
cigana oblíqua e dissimulada” só podem ser vistos através da lente parcial do
autor e de José Dias, o primeiro completamente enamorado e o segundo
desconfiado, considerando-a falsa e interesseira. Capitu emana força, o desejo
de felicidade e até mesmo a luxúria de ser admirada a todo o momento.
Quando se beijam e quase são pegos pela mãe da jovem, no capítulo 34º,
Bento perde totalmente o domínio de si mesmo e somente Capitu se recompõe
e distrai a mulher para que não lhes descobrisse a relação.
Segundo Roberto Schwarz (1997, p. 24-5), Capitu atende todos os quesitos da
individualização, uma vez que não foge da realidade para a imaginação, já que
não pode se dar ao luxo de fantasiar. De acordo com ele, a personagem é forte
o bastante para não se desestabilizar diante da vontade patriarcal, superior.
“Embora emancipada interiormente da sujeição paternalista, exteriormente ela
tem de se haver com essa mesma sujeição, que forma o seu meio”. Seu
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Se Capitu traiu Bento Santiago, Dona Glória amou e respeitou o marido até o
final de seus dias. No entanto, segundo a ótica de Bentinho, esse amor poderia
ser unilateral, uma vez que em sua leitura dos retratos de seus pais na parede
demonstra tal relação. Bento atribui, ou interpreta as imagens familiares de
maneira que sua mãe olha com amor e desejo para seu marido e este, por sua
vez, olha para ela com certo descaso de uma sociedade patriarcal.
José Dias é outra personagem que merece destaque, foi agregado da casa de
Bento Santiago desde os tempos de seu pai e conviveu com a família até a sua
morte serena. O agregado se torna uma aquisição da família através de uma
mentira, dizia-se médico, trabalhou durante um bom tempo assim e depois
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Ezequiel nascera livre das promessas de seminário com que o pai viveu toda a
infância e pode ir além das brincadeiras de cunho religioso que Bento diz ter
feito junto à Capitu em sua infância. Por outro lado, é Capitu que
estranhamente alimenta a semelhança entre o filho e o amigo em comum
“Você já reparou que Ezequiel tem nos olhos uma expressão esquisita?
perguntou-me Capitu. Só vi duas pessoas assim, um amigo de papai e o
defunto Escobar”(ASSIS, MACHADO. p.225). Se os ciúmes de Bento Santiago
eram grandes, com a presença de Ezequiel eles crescem exponencialmente.
Bento alimentaria os ciúmes para com Capitu até chegar ao ponto de planejar a
morte por envenenamento dele, ou de toda a família. Intenção que novamente
não levaria a cabo. O filho é o retrato de muita gente, como bem observa
Capitu, parece com o avô quando criança, imitaria José Dias, mas a imitação
fundamental para o romance e para Bento Santiago é ser semelhante ao amigo
Escobar.
Não se pode negar que uma das maiores questões da Literatura Brasileira seja
a possível traição de Capitu. Os críticos e os leitores de Machado de Assis, ao
longo dos anos, seguem tentando responder à pergunta sem chegar a uma
resposta definitiva. José Veríssimo define Dom Casmurro de forma literal como
o romance de “um homem inteligente que se deixa iludir por uma moça”, Lúcia
Miguel-Pereira assume uma postura mais determinista ao definir a traição:
Augusto Meyer, por sua vez, aponta para o biológico afirmando que “Capitu
mente como transpira”. E Antonio Candido relativiza ao dizer que o importante
é que o resultado, seja verdade, ou mentira a traição, foi a destruição da casa e
da vida das personagens.
Uma vez focada a análise em como Bento Santiago narra sua relação amorosa
com Maria Capitulina, observemos algumas das personagens que o autor-
narrador destaca na narrativa e como essas pessoas com quem Bento se
relaciona direta, ou indiretamente, durante sua vida contribui para construir a
sua acusação de adultério.
Já nos primeiros capítulos, três figuras são fundamentais para antever alguns
aspectos da trama machadiana, os bustos de Massinissa, Caio Júlio Cesar,
César Augusto e Nero Claudio César Augusto Germânico. Essas quatro figuras
históricas aparecem como brasões nas duas casas em que Bento une “as
pontas da vida” e são descritas inicialmente com certo descaso por parte do
autor, revelando a ironia machadiana com o gosto árcade de “meter sabor
clássico e figuras antigas em pinturas americanas”. Tais bustos não teriam uma
função na casa, apenas estavam lá, sem que nem mesmo uma personagem
que o leitor imaginaria culta soubesse o motivo dos rostos pintados na parede,
tal qual um poeta árcade colocaria elementos europeus clássicos em uma
Literatura Brasileira. No entanto, para além de simples brasões que auxiliam na
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Santiago interpreta “Vejam como esta moça me quer” . Ora, nesse mesmo
capítulo VI, Bentinho afirma que se lembra de pouco de seu pai, não se recorda
de brigas ou desavenças, o que ele possui de lembrança são apenas as roupas
e as informações que lhe chegam de outros, mas que não estão presentes no
romance. Bentinho se apega ao retrato do casal e ao comportamento de sua
mãe perante a morte do marido que aparenta total devoção ao laço que os
uniu. Se comparadas, D. Glória e Capitu, seriam pessoas completamente
opostas, a mãe é uma santa, dedica-se a casa, ao marido e a Deus, já Capitu
nos é apresentada como oblíqua e dissimulada, além de ser uma personagem
de temperamento forte e decidido, não aceitando, por exemplo, os ciúmes
crescentes de Bentinho.
É a partir desse jogo de cena tão delirante que se termina com o famoso
episódio do beijo e só então o momento em que finalmente Bento Santiago
pode afirmar que é homem. É como se, para o autor-personagem admirasse
todos aqueles eventos do passado com a saudade da sua “inocência” de
menino transformando sua natureza frágil em um homem atravessado por uma
mulher, ao mesmo tempo reverenciando e culpando Capitu por seus
descaminhos.
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CONCLUSÃO
34
BIBLIOGRAFIA
ASSIS, Joaquim Maria Machado de. Dom Casmurro. São Paulo: Saraiva, 2009.
MEYER, Augusto. Textos críticos. Org. de João Alexandre Barbosa. São Paulo:
Perspectiva, 1986.