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Pode-se observar que Sennett dá enfoque a esta situação em citação a seguir: caráter é (...) o
valor ético que atribuímos aos nossos próprios desejos e às nossas relações com os outros, ou
se preferirmos... São os traços pessoais a que damos valor em nós mesmos, e pelos quais
buscamos que os outros nos valorizem (p. 10).
Segundo o autor, o capitalismo flexível afeta o caráter pessoal, principalmente porque não
propõe condições para construção de uma história linear de vida, sustentada na experiência,
mostra também, ao utilizar o recurso metodológico de narrações de histórias de vidas, como o
assalariado apesar de desenvolver uma atividade rotineira, consegue construir uma vida
planejada, onde conseguiu acumular condições para tornar realidade seus objetivos baseada
no uso disciplinado do tempo com expectativas em longo prazo. Evidente que, no caso do Rico
(personagem apresentado por Sennett, no Capítulo I, do livro comentado), um "discípulo" do
capitalismo flexível, os laços sociais não se processam em longo prazo, em decorrência de uma
dinâmica de incertezas e de mudanças contínuas de emprego e de lugares, comportamento
que dificulta as pessoas, conhecer os vizinhos, estabelecer vínculos de amizade (presencial), e
manter laços com a própria família, impedindo um equilíbrio emocional no que tange a este
aspecto.
Diante das mudanças no mundo do trabalho, muito bem colocadas pelo autor,... Como se
podem buscar objetivos de longo prazo numa sociedade de curto prazo? Como se podem
manter relações duráveis? há um convite ao leitor a refletir sobre este grande desafio que as
pessoas na situação atual precisam enfrentar.
O capitalismo flexível, devido a sua dimensão no tempo (curto prazo), elimina vínculos sociais,
o crescimento e a maturação interior, corrompe o caráter e as experiências, também as
instituições familiares são prejudicadas, porque faz incorporar nos indivíduos falsos estigmas,
como conservadorismos culturais, para amenizar a falta de coerência existente em suas
próprias vidas. É um "ficar sem rumo" sem controle, confirmado pelas crises das instituições
burguesas e das relações interpessoais.
O autor parece considerar que a sociedade busca resolver o problema da rotina no trabalho
com uma nova estruturação do tempo, com instituições mais flexíveis, criando formas novas
de poder e controle, sendo este um segundo elemento central de sua problematização.
Esta flexibilidade do tempo requer também, uma flexibilização do caráter, demonstrada pela
ausência de apego temporal em longo prazo e pela tolerância com a fragmentação. O curto
prazo minimiza a obrigação formal, a confiança, o compromisso mútuo, características de uma
era de estabilidade, e o pior, alavanca a falta de compromisso ético, moral, dos consumidores
(nova terminologia designada aos indivíduos) capitalistas. O curto prazo também prejudica o
sentido de vida linear, cumulativa e narrativa, a relativa estabilidade. Para Sennett, o longo
prazo torna-se uma prática disfuncional, "o setor de força de trabalho que mais rápido cresce
[...] é o [...] temporário. O mercado acredita que o rápido retorno é mais bem gerado pela ágil
mudança institucional (p.22). A pós-modernidade consegue desestruturar o único recurso que
a plebe tinha de graça, ou seja, o tempo. Seria interessante se Sennett tivesse citado Nietzsche
quando ele antecipava o espírito da nova era..." tem-se vergonha do repouso, a meditação
mais demorada causa remorso. "Reflete-se com o relógio na mão, da mesma forma como se
almoça, com os olhos fixos no pregão da bolsa...".
Em função desta flexibilidade do tempo que requer maleabilidade de caráter, caracterizada,
pela tolerância com a fragmentação, impelida sempre pela motivação de ascensão social, ou
tão somente pela sobrevivência, são lentamente corroídos laços de amizade e de família, já
que falta tempo para outras valorações, como o lazer entre amigos e até mesmo no lar, onde
os ensinamentos sobre moral e ética, eram costumeiramente passados dos genitores para
seus filhos, carecendo de tempo comum para tal fim. Percebe-se certa alienação, que é
refletida pela ausência de limites, de orientação, dos pais para com seus filhos, deixando-os à
mercê dos seus próprios conceitos e atitudes em formação.
Rejeitam-se também, estilos de vida oriundos das classes proletariados; o casamento entre
pessoas de classes sociais diferentes; aumentando as ideologias, ou chamados,
conservadorismos culturais, em que se odeiam as parasitas sociais, os excluídos (negros,
homossexuais, pobres), os quais são muitas vezes correlacionados à ausência de coerência de
suas próprias vidas, das incertezas aleatórias que querem se defender, ou seja, da erosão das
qualidades de caráter, lealdade, compromisso, propósitos profissionais, pessoais e familiares.
O capitalismo flexível ainda passa a idéia, e isso é bem colocado pelo autor no primeiro
capítulo, que o pequeno empresário ou microempresário, terá que exercer diversas funções ao
mesmo tempo, se quiser continuar "sobrevivendo" em sua economia local, enquanto que nas
grandes corporações, que geram tendências de mercado, o regime baseia-se não mais em
pirâmides de poder, mas sim em redes; arquipélagos de atividades relacionadas, que afrouxam
os laços sociais e valorizam a lealdade institucional, adaptando-se sempre as novas tendências,
caprichos ou idéias dos que pagam pelos seus produtos, já que eles mesmos tornam-se
produtos dessas instituições estigmatizadas como fetiches de mercadorias, enfatizando a
potencial forma de lucrar em menor espaço de tempo, associados a reduzidíssimos desvios
padrões de perda. No final do primeiro capítulo do livro, o autor diz que "talvez a corrosão do
caráter seja uma conseqüência inevitável" (p.33), enfocando uma visão fatalista, esquecendo-
se que cresce um processo de conscientização mundial, facilitado pela globalização, que
difunde ideologias de caráter ético, que refletem sobre esta realidade, às vezes com
indignação, o que pode no futuro gerar uma nova revolução no modo de trabalho, baseada em
valores fundamentais, como a dignidade da pessoa humana, buscando concretizá-la através de
ações dominantes e, não apenas marginais e específicas.
Um ponto claro na discussão de Sennett é que embora o trabalho flexível tente romper com a
rotina e a burocracia, ele não conseguiu ainda superar o trabalho fordista, pelo contrário,
tornou precárias as relações de trabalho, assim como, a ética do trabalho em equipe, não
superou a ética da rotina; as duas convivem em uma relação dialética. Percebe-se, entretanto,
que o autor coloca os dois lados da rotina, um, baseado em uma posição frutífera e positiva,
fincado na obra de Diderot, a "Enciclopédia" e o lado destrutivo, pela obra de Adam Smith – A
Riqueza das Nações, como no Fordismo e Taylorismo. Além disso, é ressaltada a escravidão,
que antes era baseada na combinação de abrigo e subordinação à vontade do "amo", para ser
substituída pelo trabalho assalariado. Richard Sennett deixa claro que a fuga da rotina trouxe
conseqüências de reafirmação do capitalismo, bem como, a degradação das massas
trabalhadoras, que interessadas em redução de tempo de trabalho se sobrecarregam de modo
intenso levando a degeneração física precoce e doenças crônicas típicas da pós-modernidade,
causadas principalmente pela péssima alimentação (lanches rápidos) e pelo stress, além do
fantasma da perseguição da classe média, gerando as mesmas conseqüências.
No local de trabalho high-tech flexível, tudo é muito fácil de usar, já que a dificuldade e a
resistência são contra produtivas ao avanço neoliberal do capitalismo - mas os empregados se
sentem pessoalmente degradados pela maneira como trabalham situação em que o
operacional é muito claro, mas o emocional totalmente incompreensível, tornando-se meras
aberrações vegetativas, já que não pensam, falam, criticam, nem realizam autocríticas; os
trabalhadores ficam alienados pela perda de qualificação.
Sennett mostra que a flexibilidade elevou as desigualdades sociais, criando distinções entre
superfície e profundidade, aqueles que são objetos menos poderosos da flexibilidade são
obrigados a permanecer na superficialidade, como meros peões de um jogo de xadrez,
subalternos ao seu rei: o capitalismo.
A sociedade não mais se baseia em tempo e espaço definidos, mas sim em formas
desreguladas, descontínuas de relações espaços-temporais, de forma, que essa continuidade
de exposição ao risco extermina o senso de caráter pessoal.
O risco encaminha para três buracos estruturais específicos: as mudanças laterais ambíguas, as
perdas retrospectivas e dos resultados salariais imprevisíveis. O primeiro é o chamado
movimento de "caranguejo", em que, embora creditem que estejam subindo de patamar, na
verdade existem, apenas, deslocamentos laterais, devido exatamente à transação das
pirâmides hierárquicas em redes frouxas e amorfas. O segundo está galgado no fato de
perceberem que tomaram más decisões, sejam na forma de garantias trabalhistas como em
qualidade de vida, somente, bem posterior às mudanças de emprego, se arriscam em demasia
por um resultado que normalmente não aparece. E, finalmente, da perda salarial que,
geralmente, acontecem na troca de cargos, já que as corporações traçam caminhos mais
fluidos e individualizados para promoções e salários.
Continuando sua explanação sobre o risco, Sennett diz que a moderna cultura do risco é
mostrada segundo a qual, nada deve ser imutável, se assim ocorre é visto como fracasso, o
destino será sempre superior que o ponto de partida, e dentro deste dinamismo do
capitalismo, as pessoas passivas murcham. E a flexibilidade é vista como algo que acentua a
desigualdade, do mercado, em que o vencedor leva tudo, ou seja, a elite tecnológica, somente
ela irá conhecer os caminhos para tal feito, não se levando em conta as próprias instituições de
ensino, que apesar do grande esforço de produzir conhecimento, as bases fundamentais e
específicas destas elites, isto será um segredo somente deles, não sendo traduzidas pelas
áreas de ensino. Ademais o próprio conhecimento caminha com a pós-modernidade e, se as
pessoas não se atualizarem constantemente estarão fadadas a tornarem-se obsoletas, e não
ser mais "de ponta"; o capitalismo não percebe o passado, a tradição, os costumes e os
valores,
A velha ética do trabalho impunha pesados fardos que tinham que provar seu próprio valor
pelo seu trabalho, existia o uso autodisciplinado do tempo, chegando ao ponto de ser mesmo
uma autopunição, pondo-se ênfase mais na prática voluntária que na simples submissão
passiva a horários e rotinas.
E que a verdadeira ética que se conhecia pela ciência da moralidade transforma-se em técnicas
persuasivas de fragmentação social, individualismo metodológico, estilos de espionagem e
sabotagem cada vez mais alicerçados na especulação expansionista de exploração humana e
no intuito único de obter lucro.
No capitulo em que o fracasso na ótica do capitalismo flexível é analisado por Sennett, torna-
se elemento cotidiano, tanto dos desprivilegiados quanto da classe média, qualificada ou não,
que se encontra exprimida, mais se tornando um bloco único com a plebe do que existindo
uma verdadeira separação de classes sociais. O capitalismo não se foca em pessoas, somente
em valores.
Um ser maleável, uma colagem de fragmentos em incessante virem a ser, sempre aberto a
novas experiências, essa tem que ser a personalidade dos agentes econômicos que querem
continuar no mercado, segundo Sennett, além de conviver com sucessivos fracassos que
necessitam constantemente de estruturas de caráter em recuperação
Somente através de voz ativa o indivíduo será capaz de tornar suportáveis esses processos de
fracassos, diante de vários percalços de desespero e tragédia; tem-se que discutir o fracasso
uns com os outros, e com isso encontrar um senso coerente de relações interpessoais e
espaços-temporais.
O fracasso que é abordado no capítulo corrompe o corpo, a alma e o caráter dos indivíduos.
Chega-se, ao ponto de que para alcançar o sucesso, somente será possível em uma realidade
virtual, idealizada; nunca em uma vida real regada das ideologias neoliberais da pós-
modernidade e fortalecida pelas alienações humanas.
No último capítulo do livro, Sennett explana acerca das duas versões do pronome pessoal reto
"nós" dentro do capitalismo flexível.
Segundo o autor, um lugar se torna uma comunidade quando as pessoas usam o pronome
"nós", enfatizando uma das conseqüências não pretendidas do capitalismo moderno, o
fortalecimento do valor do lugar, despertando o anseio de comunidade. Contudo, rejeita-se
imigrantes e outros povos marginais, tratando-os como parasitas sociais tantos na região
anglo-saxônica como na européia, que pode ser mostrado em uma alusão a Montesquieu
Pode-se perceber que o trabalho em equipe do capitalismo flexível não reconhece diferenças
em privilégio ou poder, e por isso é uma relação fraca de comunidade, já que fortes laços entre
as pessoas significam enfrentar com o tempo suas diferenças e não se tornar um bloco sólido,
mas que em compensação estará oco e vazio por existirem apenas semelhanças. É necessária a
constante fidelidade em si, para não deixar ser corrompido pelas armadilhas do "ter", bem
como a mutabilidade da manutenção em si, já que nossas circunstâncias mudam e nossa
experiência se acumula. Então, o "nós" habita confortavelmente a desordem econômica, mas
teme-se o confronto organizado, principalmente, focado no ressurgimento dos sindicatos, em
um momento que o "nós" poderia ressurgir o sentimento de coletivo, de público em
detrimento do privado. .
Conclusão
Richard Sennett nos mostra como o capitalismo flexível é devastador. Tão nocivo que
consegue destruir um pronome que indica união, compreensão e sabedoria; para se entregar
ao individualismo, cuja ética renega valores que não signifiquem facilitar a acumulação do
dinheiro de maneira compulsiva, corrompendo o caráter do individuo, os laços que nos tornam
realmente fortes, a família, as instituições, os relacionamentos de amizade e solidariedade, a
essência boa que deve permear nossas vidas. Podemos criar formas inéditas para avaliar o
bem que nos convêm, e por que não?Diante desta quase ausência de valores, da falta de
lealdade e de compromisso mútuo, se avalia a força e a fraqueza de cada um. Fraqueza que
não é sinônimo de fracasso, "fracasso" que não deva significar motivo de luta, de levantar-se
com dignidade, tendo ciência que a fraqueza é inerente ao ser humano em etapas de sua
existência, mas pode e deve ser encarada como mola propulsora, não exatamente ao sucesso
como obrigação, mas ao sucesso como resultado de um sonho que não necessariamente
signifique resultado econômico ou poder.
Richard Sennett, professor de sociologia da Universidade de Nova York e da London School of
Economics escreveu em 1998 o ensaio sobre ética do trabalho A corrosão do caráter:
conseqüências pessoais do trabalho no novo capitalismo. Sennett, neste ensaio, dá
continuidade a sua pesquisa e reflexão sobre as novas relações de trabalho no capitalismo
moderno e suas conseqüências no caráter individual. É autor também de outros ensaios e
livros como Carne e Pedra, O declínio do Homem Público e The Hidden Injuries of Class (com
Jonathan Cobb), Este longo ensaio inicia-se como uma conferência feita na Universidade de
Cambridge em 1996 por Sennett. Segundo o autor, a permanência no Centro de Estudo
Avançado em Ciências Comportamentais lhe proporcionou tempo suficiente para escrever esta
obra. Além disso, o autor evidencia suas experiências pessoais com trabalhadores americanos
ao longo de sua vida e, a partir de tais experiências, passa a refletir sobre as relações de
trabalho, o caráter pessoal e as suas transformações no novo capitalismo.
Com base em sua definição de caráter: “traços pessoais a que damos valor em nós mesmos, e
pelos quais buscamos que os outros nos valorizem” (p.10), Sennett passa a questionar as
relações de trabalho contemporâneo e suas implicações nos valores pessoais como a lealdade
e os compromissos mútuos. Como definir nossos traços pessoais, nosso valor em uma
sociedade onde tudo é efêmero, onde a flexibilidade, ou seja, o poder de se ajustar a qualquer
meio é tido como valor? Não é possível construir um caráter em um capitalismo flexível, onde
não há metas a longo prazo, pois a construção deste depende de valores duradouros, relações
duradouras, de longo prazo, isto não é possível em uma sociedade onde as instituições vivem
se desfazendo ou sendo continuamente reprojetadas.
Para discutir esta questão, Sennett recorre à várias fontes, como dados econômicos, narrativas
históricas e teorias sociais como de Max Weber e Adam Smith e, ainda, à sua vida diária , seu
método é como de um antropólogo, segundo o próprio autor. A obra é dividida em oito breves
capítulos, onde se define o tempo capitalista, se compara o velho capitalismo e o novo,
mostram-se as dificuldades de se compreender as novas relações de trabalho, o ataque do
capitalismo ao caráter pessoal, a mudança ética do trabalho, os sentimentos despertos nos
indivíduo como o fracasso, o desnorteamento, a depressão e, por fim, como lidar e viver neste
meio? Há remédio para os males do trabalho? São as respostas para estas questões que
Sennett procura nesta discussão.
Neste sentido, as pessoas mais velhas ou mais experientes são vistas como decadentes,
fracassadas, pois flexibilidade, risco, não combinam com acumulação de experiência, de tempo
de vida. A história de Rose é um bom exemplo dado pelo autor, ela admite “não ter mais
coragem” (p.107). “As atuais condições da vida empresarial encerram muitos preconceitos
contra a meia-idade. Dispostos a negar o valor da experiência passada da pessoa” (p.107).
Além disso, este exemplo demonstra como o novo capitalismo se tornou desnorteante e
deprimente, criou éticas contrárias à autodisciplina e à auto-modelação da ética de trabalho
como a descrita em A ética protestante e o espírito de capitalismo de Max Weber. O poder
está presente, mas a autoridade está ausente. O repúdio da autoridade e da responsabilidade
permite a fuga das greves e das crises, já que não há laços fortes o suficiente para haver uma
coesão. Não há nenhuma autoridade para reconhecer nosso valor, estamos à deriva do
fracasso, estamos à deriva de nós mesmos. O pronome nós é temido pelos capitalistas, temem
o ressurgimento dos sindicatos, assim no capitalismo moderno não dá motivos para as pessoas
se unirem, “há história, mas não narrativa partilhada de dificuldade e portanto tampouco
destino partilhado” (p.176). Para Sennett, um regime assim não pode se preservar por muito
tempo.
A corrosão do caráter foi escolhido pela revista Business Week como um dos dez melhores
livros de 1998 devido a sua crítica ao ambiente de trabalho do capitalismo moderno, tido
como mais humano do que as insalubres e monótonas fábricas do velho capitalismo. Para
Sennett, a aparente melhoria das condições de trabalho tão elogiadas, não passam de pura
ilusão, a verdade é que o caráter humano foi profundamente corrompido. A lealdade, os
compromissos pessoais são impraticáveis, é a desumanização total do ser humano. Assim, o
autor consegue demonstrar como esta corrosão acontece utilizando exemplos reais, ao optar
pela narrativa e não puramente o uso de estatísticas e tabelas, consegue dar vida, expressão,
para provar sua hipótese inicial de que as novas relações do novo capitalismo flexível
corromperam e corrompem o caráter do ser humano. A partir desta conclusão o autor leva o
leitor a refletir sobre o tipo de sociedade que está sendo construída, uma sociedade em que os
indivíduos não se vêem necessários uns aos outros, ou seja, é o individualismo nascido da
burguesia industrial do velho capitalismo levado ao extremo, potencializado.
Por conseguinte, pode-se inclusive traçar um paralelo entre a visão de Sennet e as teses dos
filósofos Foucault e Hannah Arendt. Para Foucault os indivíduos exercem “papéis” dentro de
uma sociedade baseada em relações de poder, na sua mais conhecida obra “Vigiar e Punir”, o
filósofo mostra como essas relações de poder mudaram e mudam ao longo da história,
relações que estão o tempo todo se reconfigurando. Da mesma forma, Sennett analisa o
capitalismo dos finais do século XX e suas relações de trabalho a partir da reconstrução das
mudanças e reconfigurações ocorridas no capitalismo desde a época em que surgiram os
primeiros trabalhos pensando este sistema como algo configurado, como a análise de Adam
Smith em A Riqueza das Nações do século XVIII, até a consolidação do chamado capitalismo
flexível, onde, diferentemente do antigo capitalismo da análise foucaultiana, o poder existe,
mas a autoridade é invisível, porém a ausência desta autoridade visível não extingue as
relações de poder entre trabalhadores e capitalistas. Aliás, este ponto sobre a crise na
autoridade também é destacada por Arendt em “Entre o passado e o futuro” no capítulo sobre
o que é autoridade, onde ela vê nesta crise, assim como Sennet, algo que corrompe o ser
humano
Reflexão sobre o livro “A Corrosão do caráter” sob a ótica da psicologia do trabalho
Lucianagaudio
18/1/08
Sempre pensei na importância do trabalho por experiência própria e por observar o meio a
minha olta. As aulas sobre a psicologia do trabalho e a leitura do livro de Sennett me
distanciaram deste sentimento visceral da importância do trabalho para entendê-lo com mais
profundidade. Ao mesmo tempo pude entender melhor a mim mesma e às minhas reações
diante do trabalho (ou da falta dele). Percebi que o trabalho tem um papel na sociedade muito
maior do que eu supunha. Ele é insuperável em todos os modos de produção que já existiu e
que ainda virá. O trabalho é ainda considerado categoria fundante e a linguagem aparece de
forma praticamente concomitante, o que foi uma revelação para mim.
Atualmente é fácil constatar que o trabalho é a categoria central de organização social. O que
“se faz” virou um sobrenome. Importa saber quem é pelo que a pessoa faz. Se a pessoa diz,
sou psicóloga da empresa X, somente com esta frase (não é preciso nem saber seu nome) é
possível deduzir o nível social da pessoa, a importância da sua função de acordo com o status
da empresa X, se ela tem crédito para consumir ou não e várias outras suposições ligadas ao
seu posto. Desta maneira, se torna muito mais coerente entender como o modo de produção
atual tem conduzido suas relações de trabalho para conhecer os dilemas que o indivíduo
enfrenta hoje.
Uma das questões centrais do livro é a idéia de que o caráter é algo construído com o tempo,
pois suas qualidades como lealdade, compromisso, propósit
o e resolução são de longo prazo na natureza. Atualmente não há estabilidade e os contratos
formais de empregos estão sendo substituídos por projetos de curto prazo que não permitem
a evolução destas qualidades do caráter contribuindo assim para sua corrosão.
Esta corrosão já atingiu níveis tão altos que ela já está incorporada por muitas instituições que
valorizam as pessoas que têm a personalidade totalmente maleável aos interesses do
momento. Uma experiência pessoal ilustra este fato. Participei de um processo de seleção
contendo várias etapas, para trabalhar como analista de RH em uma consultoria de pequeno
porte. Nos testes e dinâmicas, que foram as etapas iniciais eu passei. As etapas finais seriam
entrevistas individuais. Havia cerca de 60 candidatas para duas vagas. Comentei com uma
amiga sobre o processo que estava participando e ela (que já estava empregada em outro
lugar), para minha surpresa, disse que conhecia a dona da consultoria, pois havia trabalhado
com ela no início do negócio e haviam se tornado amigas. Ela, tentando me ajudar, me deu as
seguintes dicas para passar pela entrevista; disse-me que a empresa gostava de pessoas muito
práticas, secas, já que o volume do trabalho era grande e não dava tempo de praticar
bobagens como “humanização” do RH. Esta amiga, sabendo dos meus ideais de praticar uma
psicologia organizacional mais humana me alertou para que não demonstrasse tais idéias que
não seriam vistas com bons olhos. Não consegui trair a mim mesma e como de fato não passei
pelas entrevistas. Na verdade a empresa queria uma pessoa com um perfil agressivo e frio, o
que entendi como o seu conceito de pessoa “prática”. Foi uma escolha cruel: Fingir ser quem
não sou e trabalhar em um lugar onde me sentiria violada nos meus propósitos
constantemente ou enfrentar por tempo indeterminado todas a agruras do desemprego. Sei
que não haverá empresa ideal, mas sua cultura não pode estar totalmente dissociada dos
valores dos seus empregados.
Aprendi nas aulas que o trabalho é a categoria central no processo de auto construção
humana. Sennett diz que o capitalismo hoje “afrouxa os laços de confiança e compromisso e
divorcia a vontade do comportamento” (p.33). Sendo assim, como fica a construção humana
se o trabalho exercido o dissocia dele mesmo? Eu mantive minha coerência interna ao recusar
fingir para conseguir o emprego, mas esta começa a se abalar pelo desemprego prolongado. A
falta de trabalho me exclui da sociedade e é o trabalho a porta principal para minha
reinserção. Manter meu valor como pessoa perante a sociedade, sem estar trabalhando, é um
grande desafio. A maior estabilidade hoje é se adaptar a instabilidade inerente ao trabalho.
Esta adaptação pode ter um preço alto já que não nos permitir solidificar nenhum traço de
caráter como alerta Sennett.
Se o trabalho é a categoria central, todos os outros aspectos da nossa vida serão afetados por
ele. O primeiro capítulo do livro de Sennett ilustra este fato, pois mostra a influência do
trabalho na família de Rico. Eu considero preocupante o fato de o desemprego não ser mais
privilégio apenas das classes menos favorecidas. O livro, as aulas e a experiência prática deixa
bem claro que há cada vez mais concentração de poder e dinheiro na mão de poucos bem
sucedidos “enquanto a massa de perdedores fica com migalhas para dividir entre si” p.105. A
classe média já foi atingida. Se há cada vez mais desempregados e empregados precários, qual
será o efeito disso nas outras áreas da vida de uma pessoa? E na sociedade como um todo?
Será que estarei indo longe demais em pensar que esta rebelião de marginais que está
assombrando São Paulo tem a ver com esta discussão toda? Desemprego, exclusão,
marginalidade... Chega a ser um exercício físico pensar em possibilidades alternativas para esta
situação.
Sennett aponta alguns caminhos interessantes, que, ao meu ver, está em sintonia com as
críticas de Politzer a psicologia. Em primeiro lugar, a sua análise é psicossociológica, o que
sugere que não é possível tratar um assunto tão complexo e dinâmico considerando apenas
uma vertente. O diálogo entre abordagens múltiplas é possível e desejável para o melhor
entendimento do objeto em questão. Foi o que Politzer fez na sua análise sobre a psicologia.
Em segundo, Sennett aponta que o próprio capitalismo é construído cheio de falhas e é nelas
que encontraremos algumas soluções. Ao ler esta passagem em Sennett, lembrei-me de uma
aula em que foi colocado que é através das brechas deixadas pelo capitalismo que os
movimentos sociais irão atuar e provocar mudanças que, posteriormente serão incorporadas
pelo capitalismo como parte do sistema. Isso significa que somos nós quem produzimos as
mudanças e a alimentação do sistema e que somos nós também quem devemos começar a
mudá-lo. Refletir sobre estas questões pode ser um primeiro passo. Sennett descreve a
evolução do pensamento dos programadores demitidos da IBM, que se inicia culpando a
administração de traição, passa pela idéia de que intrusos chegam à cena e culminam na
própria responsabilidade sobre o ocorrido; a demissão deles. Sennett os considera os
caracteres mais fortes que já encontrou porque “assumiram a responsabilidade pelo seu
fracasso e (...) construíram um esquema narrativo para sua experiência” p.173. Ler isso me fez
vir à mente uma das principais propostas da psicologia: a cura pela fala. Atualmente, a divisão
do trabalho, a falta de controle do tempo, a falta de um responsável a quem se dirigir ou
culpabilizar, a frouxidão dos laços de caráter, a excessiva flexibilização das formas do trabalho
e várias outras características derivadas do capitalismo exercido hoje, deixa a pessoa sem
referência e confusa. Fica muito mais fácil dominá-la, principalmente subjetivamente. Resgatar
alguma coerência de si mesma e do que lhe acontece através da fala, ajuda a organizar por
dentro o reflexo da desorganização produzida pela situação externa. Muitas vezes não se sabe
nem contra o que se está lutando.
Escutar que a ação efetiva do psicólogo do trabalho deve ser dirigida as condições de trabalho,
ou seja, adaptar o trabalho ao homem e não o contrário, veio totalmente ao encontro dos
meus anseios como psicóloga. Como disse anteriormente, o livro e as aulas, sintonizados com
o que estamos vivendo, suscitou-me muitas reflexões que ainda estão fervilhando na minha
mente. Há mais dúvidas do que respostas, mas foi possível tirar muitos véus e alimentar com
riqueza uma discussão inacabada em que eu própria faço parte da construção desta história.
Bibliografia
Edição Original: The Corrosion of Character - The Personal Consequences of Work in the New
Capitalism (1998)
Editora: Terramar
ISBN: 972-710-9287-5
Na verdade, ao partir para a leitura deste livro, esperava algo ainda mais próximo de nós, ou
algo em que melhor revíssemos a realidade que nos afecta. Aquilo que sentimos e que
esperávamos ver igualmente reflectido neste livro foi mais ou menos esboçado no artigo
anterior.
Esta -de certa forma- "decepção" (ou não correspondência) prende-se, cremos, com a
objectividade necessária (necessária para a credibilidade) à análise sociológica. Aquela "frieza"
do analista social, que se mantém à parte, apenas como observador. Postura que erradamente
tendemos a considerar como neutra ou apolítica.
Sabemos que não é o caso de Richard Sennett. Quanto mais não seja porque, à partida, todos
somos seres humanos. Mas mais que isso: como pode ficar indiferente alguém que contactou
com pessoas que sentiram, na pele, efeitos económicos, familiares e psicológicos causados
pelo "novo capitalismo"?
d) da redução dos efectivos (nem vamos reproduzir mais um anglicismo desnecessário por que
é apelidado);
...
Não obstante nos parecer ainda pouco violento e denunciador (estaremos nós noutro patamar
de sensibilidade?), trata-se de um trabalho importante para melhor compreendermos "as
traseiras" da "aldeia global" em que cada vez mais somos obrigados a viver.
A Corrosão do Caráter
São Leopoldo
2006
Richard Sennet, o autor do livro a corrosão do carater, nasceu em chicago, estudou e formou-
se em economia pela Universidade de Harvard, seguindo carreira acadêmica e dedicando-se
aos estudos de economia da sociedade da atualidade, tendo lecionado nas universidades de
yale, Brandeis, New York, e mais recentemente na London School Economics.
A Corrosão do Caráter é a sua obra mais recente, dentre outras na área dos estudos
econômicos e sociais, esta obra tem como objetivo de mostrar as conseqüências e influências
do novo capitalismo na vida profissional e pessoal dos indivíduos. Podemos chamar de
capitalismo flexivel uma nova forma do próprio capitalismo antigo.
Nos dias de hoje o grande objetivo das instituições é acabar com a rigidez burocratica e a
rotina. O que as empresas buscam nos colaboradores atualmente é que ele seja ágil, consiga
trabalhar em grupo, esteja disposto a assumir riscos e que tenha iniciativa. Hoje as pessoas
não sabem se vale a pena ou não correr riscos pela sua empresa, e correndo estes riscos, fica a
duvida se serão bem recompensados. Elas perderam a confiança entre si, e perderam também
a confiança que depositavam na empresa em que trabalhavam. Somente com um bom tempo,
poderiam desenvolver seu carater, e ao invés disso a flexibilidade faz com que todas etapas de
contrução deste carater fossem esquecidas..
O caráter são os traços pessoais aos quais damos valor em nós mesmos e temos a expectativa
que as pessoas ao nosso redor e a sociedade nos reconheça e os valorizem, sendo eles
expressos pela lealdade e o compromisso mutuo de objetivos e metas a longo prazo. As
qualidades que podemos encontrar em um bom emprego não são as mesmas do bom carater,
pois não podemos dar o exemplo de um bom carater só porque temos um emprego com um
alto salario.
Apesar de conseguir conquistar sucesso em sua vida profissional, ele esta muito confuso
devido ao comportamento flexivel e as grandes incerteza que envolvem o mundo capitalista.
Além disso estas conquistas a curto prazo estão enfraquecendo o seu carater, devido as suas
ansiedades sobre mudanças. Com isto tudo acontecendo em sua vida profissional, ele não
consegue exigir que seus filhos tenham um bom carater, pois sua historia de vida não serve
com um bom exemplo para seus filhos.
O modelo atual de trabalho flexível das organizações do novo capitalismo supera a temida
rotina do trabalho em série de produção e o horário rígido, mas segundo Sennett, a
flexibilidade que se converteu em algo "normal", afeta a nossa concepção de mundo e
principalmente nosso caráter. Sennet diz que o descontentamento que detectou não estava
vinculado com nenhuma linguagem política
Rico esta revoltado contra o tempo rotineiro e burocratico das empresas, como o que ocorria
na época de Ford. A rotina e a repetição pode fazer com que as pessoas tenham pleno controle
sobre seu trabalho, mas isso as privam de pensar, tornando-as estupidas e ignorantes. A
rotina, junto com o estudo de movimento de Taylor, faz perceber que os trabalhadores não
possuem uma visão ampla do futuro, com a mesma tarefa sempre, eles ficavam incapacitados
de mudar.
Para o desenvolvimento do carater, temos de fugir da rotina, pois ela impossibilita de mudar,
nos tornando deprimidos no trabalho, o que acaba degradando nosso carater. As pessoas são
motivadas pelas experiencias mais flexiveis e isso deixava Rico confuso e ancioso.
Esta repulsa a rotina burocratica e a busca de maior flexibilidade, fizeram com que surgissem
novas estruturas de poder e controle, em vez de serem criadas condições de trabalhos que não
prendessem tanto as pessoas, essas novas praticas administrativas fazem com que um numero
menor de administradores, controle um numero maior de subordinados, dando a eles
sobrecarga de multiplas tarefas a cumprir.
No capitalismo atual, a rotina esta cada vez mais esquecida. Hoje em dia o dinamismo esta
sendo muito mais utilizado pelas instituições. Mas o dinamismo pode trazer a falta de seguraça
no emprego, futuro incerto e isso é tão ruim quanto a rotina e a burocratização do começo do
século.
Sennett faz uma analise de uma padaria conhecida por ele. De acordo com ele, antes todos
eram padeiros, hoje somente o gerente tem conhecimento de como se faz um pão. Toda
produção é controlada por botões e maquinas. Com isso os padeiros não precisam mais
coperar entre si para coordenar as tarefas como era feito antigamente. Assim sendo, os
padeiros chegam a conclusão que executam tarefas simples demais, fazendo menos do que
sabem. Quando um colaborador sente que esta subutilizando suas capacidades, seja em uma
padaria, ou em qualquer outro lugar, pouco motivados com o local de trabalho, acaba
largando seu emprego.
Em todas as formas de trabalho desde as mais simples a mais complicada as pessoas se sentem
mais importantes quando são desafiadas a enfrentar as dificuldades que são grandes fontes de
estimulo mental, se as tarefas são simples demais e tudo é facilitado tornamo-nos fracos;
nosso compromisso sobre o trabalho é superficial, uma vez que não entendemos o que
fazemos.
Correr risco pode ser , em muitas circunstancias, um teste de alta carga do caráter; os seres
humanos excepcionalmente se desenvolvem vivendo constantemente no limite. Na vida diária
as pessoas se interessam mais pelas perdas que pelos ganham, sendo muito mais sensíveis a
estímulos negativos dando grande importância a ele que aos positivos, pois ignoramos os fatos
rotineiros presentes em nossa vida.
Estar exposto por muito tempo a riscos pode corroer o nosso carater, porque vivemos em uma
sociedade cheia de incertezas e dinamica, com isso as pessoas passivas acabam
desaparecendo. No caso de Rose que se sentiu privilegiada por ter sido contratada devido sua
longa experiencia, mas acaba constrangida ao ser demitida por ser velha demais para seu
cargo, com isso acentua-se que no mercado de trabalho o ganhador sempre leva tudo, não
restando nada para os que perdem.
Atualmente o fracasso não é apenas uma realidade de pessoas da classe baixa. Não importa
qual seja sua classe, todos nós podemos fracassar. E estes fracassos fazem as pessoas botar a
culpa em fatores que estão fora do seu alcance, mas depois de algum tempo chega-se a
conclusão que poderiam ter arriscado mais e isto faz lembrar que hoje somos apenas peças e
que podem ser substiduidas a qualquer momento.
Quando entramos no mercado de trabalho definimos um objetivo a longo prazo, e para chegar
a este objetivo iremos passar por diversas situações que irão ajudar na construção de nosso
carater