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RESUMO

OBJETIVO: Apresentar as características básicas dos diversos transtornos


específicos de personalidade, mas centrando-se no transtorno de personalidade
anti-social, fazendo sua diferenciação com psicopatia. O estudo ainda se propõe a
abordar a figura do serial killer, apontando a presença de aspectos psicopáticos no
homicídio seriado.
MÉTODO: Uma revisão bibliográfica foi feita no sentido de se abordar
convergências e divergências entre diversos autores sobre um assunto tão
polêmico, sobretudo quanto à viabilidade de tratamento dessa clientela forense.
RESULTADOS: Enquanto o transtorno de personalidade anti-social é um
diagnóstico médico, pode-se entender o termo "psicopatia", pertencente à esfera
psiquiátrico-forense, como um "diagnóstico legal". Não se pode falar ainda de
tratamento eficaz para os chamados "serial killers".
CONCLUSÃO: Os transtornos de personalidade, especialmente o tipo anti-social,
representam ainda hoje um verdadeiro desafio para a psiquiatria forense. O local
mais adequado e justo para seus portadores, bem como recomendação homogênea
e padronizada de tratamento são questões ainda não respondidas.

Descritores: Psiquiatria legal; Transtornos da personalidade antisocial; Transtorno


de conduta; Homicídio; Agentesantimania

Introdução

A classificação de transtornos mentais e de comportamento, em sua décima revisão


(CID-10), descreve o transtorno específico de personalidade como uma perturbação
grave da constituição caracterológica e das tendências comportamentais do
indivíduo. Tal perturbação não deve ser diretamente imputável a uma doença, lesão
ou outra afecção cerebral ou a um outro transtorno psiquiátrico e usualmente
envolve várias áreas da personalidade, sendo quase sempre associada à ruptura
pessoal e social.1

Os transtornos de personalidade (TP) não são propriamente doenças, mas


anomalias do desenvolvimento psíquico, sendo considerados, em psiquiatria
forense, como perturbação da saúde mental. Esses transtornos envolvem a
desarmonia da afetividade e da excitabilidade com integração deficitária dos
impulsos, das atitudes e das condutas, manifestando-se no relacionamento
interpessoal.

De fato, os indivíduos portadores desse tipo de transtorno podem ser vistos pelos
leigos como pessoas problemáticas e de difícil relacionamento interpessoal. São
improdutivos quando considerado o histórico de suas vidas e acabam por não
conseguir se estabelecer. O comportamento é muitas vezes turbulento, as atitudes
incoerentes e pautadas por um imediatismo de satisfação. Assim, os TP se
traduzem por atritos relevantes no relacionamento interpessoal, que ocorrem
devido à desarmonia da organização e da integração da vida afetivo-emocional. No
plano forense, os TP adquirem uma enorme importância, já que seus portadores se
envolvem, não raramente, em atos criminosos e, conseqüentemente, em processos
judiciais, especialmente aqueles que apresentam características anti-sociais.2
Por se tratarem de condições permanentes, as taxas de incidência e prevalência se
equivalem na questão dos TP. A incidência global de TP na população geral varia
entre 10% e 15%, sendo que cada tipo de transtorno contribui com 0,5% a 3%.3-4
Entre os americanos adultos, 38 milhões apresentam pelo menos um tipo de TP, o
que corresponde a 14,79% da população.5

Esse tipo de transtorno específico de personalidade é marcado por uma


insensibilidade aos sentimentos alheios. Quando o grau dessa insensibilidade se
apresenta elevado, levando o indivíduo a uma acentuada indiferença afetiva, ele
pode adotar um comportamento criminal recorrente e o quadro clínico de TP
assume o feitio de psicopatia.

Etiologia

Existem estudos que apontam para a ausência de fatores de risco neuropsiquiátrico


para o desenvolvimento de transtorno de personalidade anti-social.6 Têm sido
investigados aspectos orgânicos, como complicações obstétricas, epilepsia e
infecção cerebral. Achados anormais no exame eletroencefalográfico (EEG) também
foram encontrados em indivíduos com transtorno de personalidade anti-social que
praticaram crimes. Uma das anormalidades registradas mais freqüentemente tem
sido a persistência de ondas lentas nos lobos temporais.2 Segundo Eysenck e
Gudjohnsson, que elaboraram a Teoria da Excitação Geral da Criminalidade,7 existe
uma condição biológica comum subjacente às predisposições comportamentais dos
indivíduos com psicopatia. Estes seriam extrovertidos, impulsivos e caçadores de
emoções, apresentando um sistema nervoso relativamente insensível a baixos
níveis de estimulação (não se contentam com pouco, são hiperativos na infância).
Assim, para aumentar sua excitação, participariam de atividades de alto risco,
como o crime.

A biologia e a genética molecular vêm colaborando progressivamente para o


entendimento e o tratamento dos pacientes psiquiátricos. No entanto, até hoje, não
foi possível encontrar genes específicos para os diversos transtornos mentais. 8 Nos
TP, os genes não podem ser considerados responsáveis pelo transtorno, mas, sim,
pela predisposição. Conseqüentemente, é fundamental se considerar o ambiente
em que vive o indivíduo e a interação com ele estabelecida.

O conceito de espectro vem sendo utilizado no sentido de demonstrar que,


conforme a interação ambiental, mesmo o sujeito apresentando um gene
determinante, pode não vir a expressar o transtorno mental previsível, ou
expressá-lo em um amplo espectro de configurações clínicas.

Diversos estudos9 comprovaram a existência de traços de personalidade


determinados por características genéticas. Estudos com gêmeos monozigóticos
mostraram comportamentos bastante semelhantes em suas escolhas pessoais,
sociais e profissionais, mesmo em indivíduos criados em ambientes diferentes.
Houve também uma concordância significativa no desenvolvimento de transtornos
de personalidade, bem maior do que aquela encontrada em gêmeos dizigóticos.
Tais resultados foram posteriormente respaldados por estudos incluindo filhos
adotivos.

Existem ainda aspectos biológicos que não são de natureza genética, mas que
também interferem no desenvolvimento da personalidade. Como exemplo, um
comportamento de maior agressividade pode estar relacionado a níveis maiores do
hormônio testosterona. Por outro lado, níveis aumentados de serotonina podem
gerar um comportamento mais sociável.

Quanto à interação que o indivíduo estabelece com o meio ambiente, uma


importância especial tem sido dada aos relacionamentos primitivos, devido à sua
influência na formação do núcleo de sua personalidade. Sabe-se que a negligência
e os maus-tratos recebidos por uma criança em que o cérebro está sendo esculpido
pela experiência, induz a uma anomalia da circuitaria cerebral, podendo conduzir à
agressividade, hiper-atividade, distúrbios de atenção, delinqüência e abuso de
drogas.

Classificação

A CID, em sua décima revisão, descreve oito tipos de transtornos específicos de


personalidade: paranóide; esquizóide; anti-social; emocionalmente instável;
histriônico; anancástico; ansioso; e dependente.

1) Transtorno paranóide: predomina a desconfiança, sensibilidade excessiva a


contrariedades e o sentimento de estar sempre sendo prejudicado pelos outros;
atitudes de auto-referência.

2) Transtorno esquizóide: predomina o desapego, ocorre desinteresse pelo contato


social, retraimento afetivo, dificuldade em experimentar prazer; tendência à
introspecção.

3) Transtorno anti-social: prevalece a indiferença pelos sentimentos alheios,


podendo adotar comportamento cruel; desprezo por normas e obrigações; baixa
tolerância a frustração e baixo limiar para descarga de atos violentos.

4) Transtorno emocionalmente instável: marcado por manifestações impulsivas e


imprevisíveis. Apresenta dois subtipos: impulsivo e borderline. O impulsivo é
caracterizado pela instabilidade emocional e falta de controle dos impulsos. O
borderline, por sua vez, além da instabilidade emocional, revela perturbações da
auto-imagem, com dificuldade em definir suas preferências pessoais, com
conseqüente sentimento de vazio.

5) Transtorno histriônico: prevalece egocentrismo, a baixa tolerância a frustrações,


a teatralidade e a superficialidade. Impera a necessidade de fazer com que todos
dirijam a atenção para eles próprios.

6) Transtorno anancástico: prevalece preocupação com detalhes, a rigidez e a


teimosia. Existem pensamentos repetitivos e intrusivos que não alcançam, no
entanto, a gravidade de um transtorno obsessivo-compulsivo.

7) Transtorno ansioso (ou esquivo): prevalece sensibilidade excessiva a críticas;


sentimentos persistentes de tensão e apreensão, com tendência a retraimento
social por insegurança de sua capacidade social e/ou profissional.

8) Transtorno dependente: prevalece astenia do comportamento, carência de


determinação e iniciativa, bem como instabilidade de propósitos.
No entanto, neste estudo, o enfoque será dado ao transtorno de personalidade
anti-social, por ser este o tipo revestido de maior importância na esfera forense,
devido à sua íntima associação com o comportamento psicopático.

Diagnóstico

O diagnóstico dos transtornos de personalidade é ainda hoje de difícil identificação


pelos psiquiatras. Esse fato é agravado pelo desinteresse que muitos deles
manifestam pelos transtornos dessa natureza, por entenderem que patologias
desse tipo, por serem permanentes e refratárias a tratamento, não compensam o
atendimento especializado.10 Não raramente, o diagnóstico é lembrado somente
quando a evolução do transtorno mental tratado é insatisfatória.

A avaliação diagnóstica enfrenta uma polêmica internacionalmente conhecida,


centrada na divergência entre a valorização maior de entrevistas livres ou aplicação
de testes padronizados. Enquanto alguns profissionais baseiam o seu diagnóstico no
relato de seus pacientes e exame direto de como ele se manifesta emocionalmente,
outros já preferem a utilização de testes padronizados, com questões diretivas. 2
Segundo Western, a investigação diagnóstica do transtorno de personalidade anti-
social é uma das que mais se beneficia das entrevistas estruturadas, pelos índices
bastante objetivos no que se refere ao comportamento de seus portadores.11

Para o diagnóstico de TP é necessária uma boa e minuciosa avaliação semiológica.


Investiga-se toda a história de vida do examinando, verificando a existência ou não
de padrão anormal de conduta ao longo de sua história de vida. A dinâmica dos
processos psíquicos, apesar de inestimável importância, pode confundir o
profissional na categorização dos TP. Por exemplo, o psiquiatra pode confundir o
estado afetivo da esquizotipia, ou mesmo da esquizoidia, que se caracteriza por
expressão afetiva deficiente, com a indiferença e insensibilidade afetiva do
transtorno anti-social.12

Não se tem ainda um instrumento confiável para o diagnóstico de TP.


Conseqüentemente, o índice de confiabilidade do diagnóstico é baixo, sendo o
índice KAPPA de 0,51.13 Os instrumentos de auto-aplicação mostraram-se falhos na
identificação desses transtornos. Não se recomenda também o diagnóstico de TP
até a idade de responsabilidade legal que vai até 16 ou 17 anos, preferindo-se o
diagnóstico de transtorno de conduta.

As características relacionadas aos TP manifestam-se em circunstâncias específicas,


quando as situações vivenciadas pelo sujeito assumem um significado tal que
despertam reações peculiares que, por sua vez, expressam a dinâmica psíquica
latente. Essa disposição, entretanto, pode interferir de modo mais ou menos
intenso na dinâmica subjetiva e também nas diversas modalidades de
relacionamento interpessoal.

É preciso considerar que os TP podem se apresentar como um espectro de


disposições psíquicas que, em grau muito acentuado, seria realmente difícil
distingui-los das psicopatias que, por sua vez, não constituem um diagnóstico
médico, mas um termo psiquiátrico-forense. Não obstante, foi plausível configurar
diferenças significativas de padrão, por meio dos dados da Prova de Rorschach e do
ponto de corte da escala de Hare. No caso das psicopatias, o dinamismo anômalo
evidenciou ser mais extenso, envolvendo de modo tão amplo a vida psíquica, que
esta condição assume importância particular para a psiquiatria forense, em especial
pelo fato de apresentar ampla insensibilidade afetiva, o que dificultaria os processos
de reabilitação.

Segundo Hare, os psicopatas diferem de modo fundamental dos demais criminosos.


Ele realizou uma pesquisa com o objetivo de encontrar parâmetros que pudessem
diferenciar a condição de psicopatia e criou um instrumento de pesquisa, a escala
PCL-R. Essa escala é um checklist de 20 itens, recentemente validada no Brasil por
Morana, com pontuação de zero a dois para cada item, perfazendo um total de 40
pontos.14

O ponto de corte não é estabelecido de forma rígida, mas um resultado acima de


30 pontos traduziria um psicopata típico.15 Os 20 elementos que compõem a escala
são os seguintes: 1) loquacidade/charme superficial; 2) auto-estima inflada; 3)
necessidade de estimulação/tendência ao tédio; 4) mentira patológica; 5)
controle/manipulação; 6) falta de remorso ou culpa; 7) afeto superficial; 8)
insensibilidade/falta de empatia; 9) estilo de vida parasitário; 10) frágil controle
comportamental; 11) comportamento sexual promíscuo; 12) problemas
comportamentais precoces; 13) falta de metas realísticas em longo prazo; 14)
impulsividade; 15) irresponsabilidade; 16) falha em assumir responsabilidade; 17)
muitos relacionamentos conjugais de curta duração; 18) delinqüência juvenil; 19)
revogação de liberdade condicional; e 20) versatilidade criminal.

Em trabalho recente, Morana et al., por meio da análise de cluster de sujeitos


criminosos classificados com transtorno anti-social da personalidade, estabeleceram
dois tipos de personalidade anti-sociais: transtorno global (TG) e transtorno parcial,
que encontraram equivalência estatística com psicopatia e não-psicopatia tal qual
estabelecido por Hare et al. O estudo foi realizado por meio do ponto de corte
obtido no PCL-R. As faixas de pontuação do PCL-R para a população forense
estudada correspondem a: não criminoso (0 a 12); transtorno parcial (12 a 23); e
transtorno global (23 a 40). O grupo com transtorno parcial tem uma manifestação
caracterológica significativamente atenuada do grupo da psicopatia, por meio da
pontuação na escala PCL-R. A análise de cluster pode comprovar que a condição de
transtorno parcial é uma atenuação do transtorno global da personalidade. Isto de
torna relevante para a diferenciação do risco de reincidência criminal entre a
população de criminosos.16

O diagnóstico diferencial entre transtornos de personalidade e transtornos


neuróticos pode ser de difícil precisão. Tanto os transtornos neuróticos como os
transtornos de personalidade podem apresentar comportamento de rigidez. No
entanto, um dos aspectos a ser analisado é o grau de "aversão ao risco".17 Essa
aversão predomina nos neuróticos, uma vez que essa população tem receio do que
pode lhe causar algum prejuízo e culpa a si mesma pelos insucessos da vida. Por
outro lado, os indivíduos portadores de transtorno de personalidade anti-social têm
uma forte tendência a culpar os outros por seus insucessos e desavenças.

Perícia

No exame pericial, é fundamental a observação atenta do comportamento do


examinando, desde o momento de sua entrada na sala de exame. Isso porque a
tendência do periciando é repetir, ainda que de forma inconsciente, o seu padrão
de funcionamento mental, sobretudo como ele se manifesta no relacionamento
interpessoal, o que poderá ser utilizado como critério de diagnóstico.
No próprio relacionamento perito-periciando, é possível perceber alguns sinais que
revelam uma personalidade transtornada com características anti-sociais ou mesmo
psicopáticas. Os psicopatas são descritos freqüentemente como indivíduos
deficientes de empatia.18 Empatia é a habilidade de se colocar na posição de outra
pessoa; imaginar o que a outra pessoa está experimentando emocionalmente. Na
língua inglesa, a expressão usada para tal definição é "tobeable do putyourself in
theotherperson'sshoes", ou seja, ser capaz de usar o sapato do outro, ser capaz de
sentir o que o outro sente.

Alguns autores19 fizeram as seguintes referências quanto à (in)capacidade de


empatia e resposta emocional dos psicopatas:

1) Entendem muito bem os fatos, mas não se importam;

2) É como se os processos emocionais fossem para eles uma segunda língua;

3) Eles conhecem as palavras, mas não a música.

Em outras palavras, são incapazes de verdadeira empatia e isso pode ser percebido
na relação interpessoal no momento da perícia. Esses examinandos podem
entender o que os outros sentem, do ponto de vista intelectual, uma vez que a
noção de realidade não se altera nestas condições, mas são incapazes de sentir
como pessoas normais do ponto de vista dos sentimentos mais diferenciados.

Exames psicológicos podem ser muito úteis na investigação diagnóstica de


transtornos de personalidade. Sendo os portadores de TP anti-social tipicamente
indivíduos manipuladores, eles podem tentar exercer um controle sobre sua própria
fala durante a perícia, simular, dissimular, enfim, manipular suas respostas ao que
lhe for perguntado. Os testes psicológicos dificultam tal manipulação e fornecem
elementos diagnósticos complementares.

Outro elemento que pode ser bastante útil na investigação pericial dos TP é
representado por entrevistas com familiares do periciando, uma vez que eles
podem revelar dados importantes sobre a história de vida do examinando,
fundamental para a construção diagnóstica.

Responsabilidade penal e capacidade civil

Variações do padrão de comportamento considerado normal, mas que não


alcançam a condição de doença mental propriamente dita, são condições que
demandam atenção especial nas questões forenses. Em psiquiatria forense
brasileira, os transtornos de personalidade não são considerados doença mental,
mas, sim, perturbação da saúde mental.

Na esfera penal, examina-se a capacidade de entendimento e de determinação de


acordo com o entendimento de um indivíduo que tenha cometido um ilícito penal. A
capacidade de entendimento depende essencialmente da capacidade cognitiva, que
se encontra, via de regra, preservada no transtorno de personalidade anti-social,
bem como no psicopata. Já em relação à capacidade de determinação, ela é
avaliada no Brasil e depende da capacidade volitiva do indivíduo. Pode estar
comprometida parcialmente no transtorno anti-social de personalidade ou na
psicopatia, o que pode gerar uma condição jurídica de semi-imputabilidade. Por
outro lado, a capacidade de determinação pode estar preservada nos casos de
transtorno de leve intensidade e que não guardam nexo causal com o ato cometido.
Na legislação brasileira, a semi-imputabilidade faculta ao juiz diminuir a pena ou
enviar o réu a um hospital para tratamento, caso haja recomendação médica de
especial tratamento curativo.

A medida de segurança para realizar especial tratamento curativo é, por sua vez,
bastante polêmica, devido à grande dificuldade de se tratar de forma eficaz os
portadores de transtorno anti-social. Outro ponto merecedor de questionamento é a
aplicação de um regime de tratamento hospitalar ou ambulatorial na dependência
do tipo de punição previsto para o crime praticado, ao invés de depender do quadro
médico-psiquiátrico apresentado.

Na esfera cível, apesar de existirem várias outras solicitações, o exame psiquiátrico


mais comumente realizado no Brasil é aquele para fins de interdição, em que se
avalia a capacidade do indivíduo de reger sua própria pessoa e administrar seus
bens. A maioria dos portadores de transtorno de personalidade anti-social não sofre
qualquer intervenção judicial. No entanto, casos mais graves podem gerar uma
interdição parcial.

Tratamento

Existe um debate internacional sobre a viabilidade e o alcance do tratamento dos


diversos transtornos de personalidade, sobretudo do tipo anti-social. Segundo
Adshead, os TP ainda representam um desafio terapêutico e o autor propõe um
modelo constituído de sete fatores para checar a viabilidade de seu tratamento.
São eles: 1) a natureza e a gravidade da patologia; 2) o grau de invasão do
transtorno em outras esferas psicológicas e sociais, bem como o seu impacto no
funcionamento de diferentes setores de sua vida; 3) a saúde prévia do paciente e a
existência de comorbidade e fatores de risco; 4) o momento da intervenção
diagnóstica e terapêutica; 5) a experiência e a disponibilidade da equipe
terapêutica; 6) disponibilidade de unidades especializadas no atendimento de
condições especiais; e 7) conhecimento científico sobre esse transtorno, bem como
atitudes culturais em relação à concepção do tratamento.20

Os pacientes portadores de TP demandam excessiva atenção por parte da equipe


profissional e muitos são considerados irritantes e de difícil manejo, contribuindo
para dificuldades contratransferenciais que dificultam ainda mais a condução do
tratamento.21 Existe alguma evidência sugerindo que pessoas que preenchem
critérios plenos para psicopatia não são tratáveis por qualquer forma de terapia
disponível na atualidade. O seu egocentrismo em geral e o desprezo pela psiquiatria
em particular dificultam muito o seu tratamento.22

No entanto, Berry et al., em um estudo com 48 casos de indivíduos considerados


psicopatas, encontraram somente 21 pacientes (44%) que foram considerados
como não responsivos ao tratamento, após um ano de tentativa. Esses autores
sugerem uma associação entre a resposta terapêutica negativa e os seguintes
fatores: antecedentes prisionais predominando sobre os hospitalares; não aceitação
prévia em realizar tratamento psiquiátrico e falta de resposta ao mesmo; crime no
qual a vítima era desconhecida pelo paciente; e baixo nível de motivação para o
tratamento.23

Por outro lado, uma parcela de pacientes portadores de transtorno anti-social de


personalidade não psicopatas responde a processos psicoterápicos.24 Uma outra
parcela, no entanto, embora não responsiva inicialmente à terapia, apresenta
mudanças em seu comportamento ao avançar na idade após os 40 anos,
abandonando certos comportamentos que, no passado, os colocaram em problemas
com a lei.25

Segundo Davison, os princípios do tratamento são os mesmos de qualquer condição


crônica. Em outras palavras, as condições básicas não podem ser mudadas, mas
tenta-se um alívio da sintomatologia. O lítio pode ser útil no tratamento de
comportamento agressivo e os anticonvulsivantes, como o topiramato, podem
aliviar sintomas de instabilidade de humor, irritabilidade e impulsividade.
Antipsicóticos podem ser eficazes no controle de sintomas dessa natureza por vezes
exibidos por pacientes borderline. Antidepressivos inibidores seletivos da
recaptação da serotonina podem ser úteis em pacientes também borderline.21 Por
outro lado, benzo-diazepínicos, usados em outros tipos de transtornos de
personalidade, como o paranóide ou o histriônico, devem ser evitados em
transtorno anti-social, devido ao alto risco de abuso de substâncias por parte
desses pacientes.

Diversos tipos de intervenção psicoterápica vêm sendo propostos. Os melhores


resultados têm sido apontados por aqueles que têm por objetivo o tratamento de
sintomas específicos, e a terapia comportamental dialética vem recebendo um
reconhecimento internacional de sua eficácia em TP. A terapia cognitivo-
comportamental pode ser útil, mas poucos estudos têm dedicado atenção a essa
modalidade terapêutica aplicada a TP.24

Serial killers

Para os propósitos deste estudo, o termo serial killer será usado para se referir
somente a homens que cometeram três ou mais homicídios sexuais seriados,
separados por intervalos variados de tempo. Existem outras formas de serial killing,
como assassinatos praticados por profissionais de saúde (enfermeiros, médicos)
que envenenam pacientes em hospitais ou mesmo em suas residências, ou ainda
homicídios praticados por mulheres, onde freqüentemente não existe um elemento
sexual. Como dito antes, este estudo aborda crimes praticados por homens que
matam por motivo sexual. Existem vários fatores biológicos, psicológicos e
sociológicos relevantes para o homicídio sexual seriado.

Em relação a características de personalidade, em um estudo conduzido por Stone,


86,5% dos serial killers preenchiam os critérios de Hare para psicopatia, sendo que
um adicional de 9% exibiu apenas alguns traços psicopáticos, mas não o suficiente
para alcançar o nível de psicopatia. Um achado marcante nesse estudo foi o fato de
aproximadamente metade dos serial killers exibirem personalidade esquizóide,
como definido pelo DSM-IV. Alguns traços esquizóides estavam presentes ainda em
um adicional de 4% dos sujeitos de pesquisa. Transtorno de personalidade sádica,
como descrito no apêndice do DSM-III-R, estava presente em 87,5% dos homens e
traços discretos foram encontrados em 1,5% deles.26

Por fim, esse estudo mostrou grande sobreposição entre psicopatia e transtorno
sádico de personalidade: dos serial killers com psicopatia, 93% também
apresentaram transtorno sádico. Metade dos psicopatas era esquizóide. Quase a
metade apresentou critérios para os três tipos de transtorno: psicopático,
esquizóide e sádico.

Enquanto a personalidade esquizóide pode refletir uma predisposição hereditária


em muitas instâncias, personalidade sádica parece mais provável surgir como
resultado de agressões severas na infância (física, sexual ou verbal) que foram
negligenciadas. Ao longo do desenvolvimento, o sadismo surge freqüentemente
como um "antídoto" contra a vivência de ter sido abusado, sendo que a vítima no
passado se transforma em um adulto vitimizador.

Entretanto, existem alguns serial killers de tendência decididamente sádica, sem


que tenham história de sofrimento de abuso na infância. O seu caminho para o
sadismo não é claro, embora possa ser uma combinação entre um extremo
narcisismo e uma configuração cerebral onde regiões relacionadas à empatia
estejam significativamente deficientes, o que levaria o homicida a uma total
indiferença ao sofrimento de suas vítimas. Entre os mais sádicos dos serial killers,
existem vários que experimentaram grande violência e humilhação nas mãos de um
ou de ambos os pais,27-28 embora existam também aqueles que não vivenciaram
este tipo de experiência violenta.29

Segundo Hazelwood e Michaud, a maioria dos serial killers exibe um


comportamento sexualmente sádico. Embora a apreciação do sofrimento da outra
pessoa seja um ingrediente comum e importante no sadismo sexual, o desejo pelo
domínio da outra pessoa e uma completa subjugação dela aos seus desejos são
ingredientes cruciais para muitos sádicos sexuais. 30 Isso foi claramente explicitado
nas palavras de um dos mais conhecidos serial killers (Mike DeBardeleben), que,
certa vez, escreveu: "o impulso central é ter completo comando sobre a outra
pessoa, fazer dela o objeto desamparado de nosso desejo...fazer com ela o que se
quer para o prazer... e o objetivo mais radical é fazê-la sofrer".30 Vários dados
apontam para múltiplas perversões sexuais de serial killers, incluindo necrofilia e
canibalismo.

Quanto à possibilidade de tratamento, a maioria dos serial killers revela-se


psicopata. Muitos enganam as pretensas vítimas e as seduzem para áreas onde
elas não tenham recursos de resistência. Quando presos, eles enganam os
funcionários penitenciários, bem como profissionais de saúde mental, fazendo-os
pensar, após certo período de tempo, que eles "aprenderam a lição" e que estariam
prontos para serem re-inseridos na sociedade. Tais decisões conduzem a erros tão
graves que custam a vida de novas vítimas. A literatura está repleta de exemplos
desse tipo.31

Além do perigo de soltar esses homens na comunidade, que já praticaram


concretamente homicídios sádicos sexuais, existe a necessidade do cuidado
adicional no sentido de se considerar os sentimentos do público. A soltura de
homicidas com esse grau de risco de novo comportamento violento seria de difícil
tolerância para a sociedade. Uma vez que se chegou à uma conclusão de se tratar
de um serial killer e identificou-se que ele é um inimigo irremediável para as
pessoas, a separação permanente da comunidade pela via da prisão parece ser a
única alternativa prudente.

Conclusão

Os transtornos de personalidade, sobretudo o tipo anti-social, representam


verdadeiros desafios para a psiquiatria forense. Não tanto pela dificuldade em
identificá-los, mas, sim, para auxiliar a Justiça sobre o lugar mais adequado desses
pacientes e como tratá-los. Os pacientes que revelam comportamento psicopático e
cometem homicídios seriados necessitam de atenção especial, devido à elevada
probabilidade de reincidência criminal, sendo ainda necessário sensibilizar os
órgãos governamentais a construir estabelecimentos apropriados para a custódia
destes sujeitos.

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 Classificação
deTranstornos Mentais e de
Comportamento da CID-10 - Diretrizes Diagnósticas e
de Tratamento para Transtornos Mentais em
Cuidados Primários
Organização Mundial da Saúde. 1998. Porto Alegre: Artes Médicas. 105 páginas. ISBN
85-7307-326-8

Nós, psiquiatras, pouco duvidamos da importância do nosso papel diagnóstico e


terapêutico diante de pessoas portadoras de transtornos mentais, principalmente aquelas
com transtornos mais graves e debilitantes como a esquizofrenia e outros transtornos
psicóticos. No entanto, sabemos também que nossos esforços especializados, por mais
valiosos que sejam, são dedicados apenas a uma pequena parcela do total de pessoas
que têm suas vidas prejudicadas por algum tipo de transtorno mental. Como já
demonstraram diversos estudos epidemiológicos, inclusive alguns realizados no Brasil,
a maioria dos portadores de transtornos mentais não se encontra nos ambulatórios e
consultórios de psiquiatria, e muito menos nos hospitais psiquiátricos, mas sim na rede
básica de saúde, também chamada de rede de cuidados primários. Fazem parte desta
rede os serviços de pronto-atendimento, os centros e postos de saúde, os ambulatórios e
consultórios de clínica médica, de gastroenterologia, cardiologia, neurologia, etc. E são
justamente os médicos — não os psiquiatras — e demais membros das equipes de saúde
que atuam na rede de cuidados primários, aqueles que de fato detectam e tratam da
maior parte da morbidade psiquiátrica de uma comunidade. Só para se ter uma idéia,
calcula-se que cerca de 90% dos indivíduos com algum tipo de transtorno mental
procuram atendimento na rede de cuidados primários, enquanto menos de 10% deles
(certamente aqueles mais graves) recebem atenção na rede especializada de
ambulatórios e hospitais psiquiátricos.

Com base nesses fatos, a Organização Mundial da Saúde (OMS) tem feito de tudo ao
seu alcance para sensibilizar médicos e demais agentes de saúde para essa difícil tarefa
de detectar e tratar também os transtornos mentais. É dentro da ampla iniciativa de
facilitar esta tarefa que a OMS compila e publica pela primeira vez, em 1996, essas
Diretrizes Diagnósticas e de Tratamento para Transtornos Mentais em Cuidados
Primários, agora disponíveis em português. Para um bom conhecedor do capítulo V
(dos transtornos mentais) da décima versão da Classificação Internacional de Doenças
(CID-10), basta folhear rapidamente este pequeno livro para notar que as diretrizes
diagnósticas para a rede de cuidados primários nele apresentadas são versões resumidas
das diretrizes propostas na CID-10. Nota-se, por exemplo, o mesmo marcador F32 para
depressão, ou F10 para transtornos por uso de álcool. No entanto, há várias inovações,
algumas até audaciosas. Com apresentação bastante didática e convidativa, neste livro
há duas páginas para cada um dos transtornos mentais: na primeira delas, a página de
diretrizes diagnósticas, sempre na página à esquerda de quem abre o livro, há um
resumo das principais queixas apresentadas pelos pacientes, um resumo dos aspectos
diagnósticos relevantes e alguns dados para um diagnóstico diferencial. A segunda
página, sempre à direita, traz a novidade deste livro: ela contém as diretrizes de
tratamento, com informações essenciais para o paciente e familiares, recomendações
para os mesmos tentarem manejar os sintomas, alguns dados sobre o uso de medicação
e até sugestões de quando consultar um especialista. Os apêndices são bem
interessantes, contendo inclusive um índice de sintomas e dois fluxogramas para
auxiliar a tarefa diagnóstica.

Apesar de claramente dirigido à equipe de cuidados primários de saúde, este livro


deveria fazer parte da biblioteca pessoal de todos os psiquiatras. Poderia, quem sabe, de
início, servir como facilitador da comunicação entre estes e os demais profissionais que
atuam nesta vasta rede de atendimento primário. Todos teriam muito a ganhar com esta
maior aproximação, principalmente nós, psiquiatras, que temos muito o que aprender
com os nossos colegas que de fato cuidam da maioria dos transtornos mentais da
população. Sabemos que, com muita freqüência, esses colegas prescrevem psicotrópicos
e utilizam intervenções psicoterápicas de vários tipos, principalmente de caráter
suportivo. Com muita freqüência também, a reação dos psiquiatras é crítica, dizendo
que as doses de psicotrópicos são subterapêuticas, e que a psicoterapia é inadequada.
Será mesmo? Onde está a evidência que os transtornos que o psiquiatra diagnostica são
os mesmos que o clínico geral atende na sua rotina diária? Será que a evidência que
justifica as intervenções terapêuticas para os transtornos mentais pode ser tão
simplesmente transportada para os transtornos observados na rede primária? O tema é
complexo, e este livro está longe de resolvê-lo. Mas se ele puder ser útil também para os
psiquiatras, terá mais do que cumprido o seu objetivo principal.

Eduardo Iacoponi
Departamento de Psiquiatria e Psicologia Médica da
Faculdade de Ciências Médicas da Santa Casa de São Paulo

 
DIFERENÇAS DO FILME E DA VIDA REAL
O próprio diretor do filme, Joe Berlinger, admitiu em diversas entrevistas que alguns
fatos da vida de Bundy foram alterados para deixar o longa mais dinâmico. Por isso, a
GALILEU separou algumas diferenças para que você possa saber o que é realidade e o
que é ficção em A irresistível face do mal. Confira:

1. O relacionamento de Ted Bundy e Liz Kloepfer


No filme, o relacionamento entre Bundy e Liz parece tranquilo e amoroso - o tipo de
namoro que qualquer pessoa espera ter. Entretanto, em sua biografia, a ex-mulher do
assassino conta episódios em que ele foi extremamente abusivo.

Ela relata ocasiões em que o serial killer a deixou presa para fora de casa, conta sobre
discussões intensas e até uma circunstância em que ela o confrontou e Bundy deu um
tapa nela.

Além disso, Liz lembra de uma noite em que acordou tossindo e teve de arejar seu
quarto por conta da fumaça da lareira que tomara conta do ambiente. Em uma conversa
que teve com Bundy quando ele já estava na prisão, o criminoso assumiu que aquela
fora uma tentativa de matar a “amada” asfixiada.

2. O ritmo em que os fatos acontecem


Os acontecimentos na vida real demoraram muito mais tempo para acontecer do que
como representados no filme. Faz sentido, afinal, Bundy cometeu crimes durante anos e
sua história é contada em pouco menos de duas horas.

Ainda assim, em determinados momentos pode parecer que os eventos ocorreram


rapidamente, quando demoraram meses para se desenvolver. Seu último julgamento,
por exemplo, demorou quase um ano para chegar ao fim. Além disso, o intervalo entre a
denúncia de DaRonch, a jovem do início da história, e a identificação de Bundy foi de
aproximadamente 2 meses, e não alguns dias, como parece na história.

3. As circunstâncias de sua segunda fuga


Bundy de fato utilizou os tubos de ventilação da penitenciária para fugir, em 1977, mas
as circunstâncias em que isso aconteceu foram um pouco diferentes das apresentadas no
filme. O serial killer não escapou em plena luz do dia, mas sim no meio da noite, no dia
30 de dezembro daquele ano.

O assassino aproveitou que a prisão estava relativamente calma por conta das festas de fim de
ano e deu no pé no meio da madrugada. Para a sorte dele, o chefe dos carcereiros não estava
por lá e os funcionários da prisão só perceberam na manhã seguinte que o “homem” em sua
cama era, na verdade, um monte de travesseiros.

4. A cena do cachorro foi pura invenção


Quando Bundy e Liz estão em um canil de Utah em busca de um cachorro para a
adoção e um dos animais começa a latir para ele, é como se o espectador pudesse prever
o que estava por vir. E é exatamente por isso que aquela cena foi colocada ali, segundo
os roteiristas do filme. 
5. As menções ao livro Papillon são apenas um “toque poético”
No filme, Bundy insiste para que Liz leia o livro Papillon, de Henri Cherrière.
Entretanto, na biografia escrita pela ex-namorada do assassino não existe qualquer
menção à obra.

6. Os julgamentos de Bundy
Apenas dois dos três julgamentos de Bundy aparecem no filme. O terceiro, no qual o
assassino foi condenado pela morte da jovem Kimberly Leach, não é retratado. Ainda
assim, diversas cenas do filme foram inspiradas nessa passagem do criminoso pelo
tribunal.

O diretor se baseou na transcrição oficial dos julgamentos para criar as falas das personagens
e, por mais que grande parte dos diálogos seja idêntica ao que aconteceu na realidade, há
algumas diferenças. O juiz, por exemplo, nunca comparou a plateia com um grupo de turistas
“esperando por um show de golfinhos no SeaWorld”.

Além disso, as atitudes de Bundy parecem ter sido amenizadas. Durante sua defesa, o
assassino foi ainda mais teatral e eloquente do que a representação de Zac Efron dá a
entender - o serial killer literalmente “dava um show” nos tribunais, com direito a
gritaria e tentativas de conquistar espectadores por meio de seu charme.

7. Os advogados de Bundy
De fato, Bundy teve diversos advogados que tentaram convencê-lo de se declarar
culpado para que sua pena fosse amenizada. Ainda assim, os profissionais não atuaram
em todas as partes dos julgamentos do assassino, já que ele optou por representar a si
mesmo.

Outra cena que foi diferente da realidade é o confronto da evidência da marca de


mordida em uma das vítimas de Bundy. No filme, o próprio serial killer tenta
desacreditar o especialista em odontologia, enquanto na vida real quem fez isso foi o
advogado do criminoso. Não deu muito certo e deixou o réu ainda mais insatisfeito com
seu representante - que mais tarde foi demitido.^

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https://revistagalileu.globo.com/Sociedade/noticia/2019/08/conheca-ted-bundy-serial-
killer-que-usava-o-charme-para-atrair-vitimas.html

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Por Bernardo de Azevedo e Souza e Henrique Saibro

“Nós, serial killers, somos seus filhos, seus maridos, estamos em toda parte. E haverá
mais de suas crianças mortas amanhã” (Ted Bundy)

A PERSONALIDADE

Theodore “Ted” Robert Bundy, como quase todos os assassinos em série, teve uma
conturbada infância, repleta de violência e incertezas. Sua mãe, Louise, quando ainda
muito jovem, envolveu-se sexualmente com um militar da Força Aérea Americana –
muito mais velho do que ela. E, desse breve relacionamento, a jovem, em novembro de
1946, acabou tendo um filho, cujo pai nunca mais foi visto. Para evitar um escândalo na
vizinhança e na família, os pais de Louise resolveram abafar o caso, inventando que o
recém-nascido Theodore Bundy era, na verdade, seu filho e, portanto, irmão mais novo
de Louise.

Ocorre que os “pais” de Ted não eram amistosos; o jovem criou-se assistindo o seu avô
espancando a sua avó inúmeras vezes. Agressões físicas e verbais faziam parte da rotina
familiar. Visando evadir-se desse contexto truculento, Louise casou-se com John
Culppeper Bundy, mudando-se para outra cidade e levando, junto com o casal, o seu
filho biológico Ted – na época com cinco anos de idade.

Não faltaram esforços para o padrasto de Bundy tentar aproximar-se do menino, mas
todo o seu empenho foi inútil. É que Ted não aceitava o fato de ter sido separado dos
seus “pais” para viver com a sua “irmã”. Deve-se frisar que não ventilava na sua cabeça
a hipótese de o seu pai afetivo ser, na verdade, o seu vô – daí toda a sua incompreensão.

Em sua nova cidade, Bundy era considerada uma criança tímida, solitária e bastante
insegura. Passava o seu tempo cuidando de seus irmãos mais novos e torturando animais
(comportamento juvenil comum entre psicopatas). Sofria bullying na escola onde
estudava, mas, apesar disso, mantinha uma desenvoltura acadêmica brilhante: era o
melhor aluno do colégio. Com o passar dos anos, passou a ser considerado por seus
conhecidos como um rapaz inteligente, educado e elegante. Trabalhou desde cedo,
apesar de nunca ter mantido estabilidade em seus empregos.

Com 21 anos, Bundy apaixonou-se loucamente por uma menina pertencente a uma
classe social mais alta do que a dele. Apesar de Ted ter dedicado cada segundo de sua
nova vida à sua amada, um ano após ao início do namoro ela terminou o
relacionamento. Bundy nunca superou tal rejeição. Entrou em uma grave depressão e
abandonou os estudos. Tentava, a todo custo, reconciliar o namoro, mas sua ex-
namorada estava decidida a seguir a sua vida,

E o pior é que, no mesmo ano, veio à tona o segredo de sua família: os seus pais de
criação eram seus avós e a sua irmã tratava-se, pois, de sua mãe. A notícia chegou como
açoite a Ted, que, a partir de então, virou uma pessoa mais fria e obcecada em manter o
controle de absolutamente tudo em sua vida. Foi justamente em razão desse afã que
voltou a estudar e acabou formando-se em psicologia, tendo sido laureado por seu
incrível desempenho nas notas. Com 23 anos achou uma nova companheira: Meg
Anders. Ambos passaram a morar juntos e acabaram casando e tendo um filho.
Entretanto, Ted mantinha contato com sua primeira namorada.

Ted Bundy na juventude

Bundy começou a estudar direito e filiou-se ao Partido Republicano, atividade essa que
exercia com assiduidade – muitos cotavam-no como um provável candidato político.
Ted chegou a salvar a vida de uma criança que estava se afogando. Seu heroísmo rendeu
uma condecoração em Seattle. Aos 27 anos, em uma viagem para o Partido
Republicano, Bundy encontrou-se novamente com sua antiga amada e não mediu
esforços para reconquistá-la. Mas o seu objetivo, agora, era outro: rejeitá-la e fazê-la
sofrer, para que sentisse toda a desgraça amargurada por Ted anos atrás. E ele
conseguiu.

Somente através dessa atitude já é possível identificar um alto nível de narcisismo por
parte de Bundy. Posteriormente, testes psicológicos atestaram que Ted sofria de um
grave quadro de esquizofrenia, pois mudava de humor repentinamente, além de ter sido
considerada uma pessoa impulsiva, que não demonstrava emoções, saliente, histérica,
de dupla personalidade, depressiva, continha complexo de inferioridade, imatura,
obsessiva, egocêntrica e com mania de perseguição. Era óbvio que todas essas
características não trariam um bom resultado.

OS CRIMES

Todas as vítimas de Ted Bundy foram jovens mulheres. Quando analisado por médicos,
referiu que sentia ódio do sexo feminino por causa de sua mãe, de modo que escolhia
apenas meninas que possuíssem semelhança física com ela. Bundy, como alguns
assassinos em série, mantinha um padrão no seu modus operandi: abordava jovens em
escolas, parques, fraternidades, universidades, e fingia estar com o pé ou o braço
engessados, pedindo, então, ajuda à vítima para carregar compras ou livros até o seu
carro. Utilizava como veículo um fusca, que, artesanalmente, não possuía o banco da
frente do carona tampouco o trinco da porta do mesmo lado. Creio que você já tenha
entendido o motivo disso tudo.

Como Bundy agia sempre de modo educado e dócil, não era difícil fazer com que a sua
presa se dirigisse até o seu carro. Já que a vítima tinha que deixar os objetos do
assassino dentro do carro, acabava deixando metade do seu corpo dentro do fusca – e
era esse o momento em que Bundy mostrava quem era, pois empurrava-a bruscamente
e, em instantes, já a algemava e desferia golpes violentos em sua cabeça, a ponto de
deixá-la inconsciente.

A partir daí, Ted variava o destino da vítima. Algumas não sofreram tanto. Eram logo
estranguladas, mas, antes de perder a vida, Bundy abusava-as sexualmente. Outras
sofriam bastante, como, por exemplo, Melissa Smith, de 17 anos, cujo cadáver foi
encontrado com sinais evidentes de tortura. Por dentro, o seu crânio estava em pedaços
e todo o seu corpo estava totalmente machucado.

algumas das vítimas de Ted Bundy

Karen Chandler e Kathy Klein também foram desafortunadas. A primeira teve os dentes
quebrados, a sua mandíbula e seu crânio esfacelados, os dedos esmagados e sofrido
inúmeros cortes em volta do corpo. A segunda sangrava demais pela cabeça, o seu rosto
estava dilacerado por objeto cortante (provavelmente uma faca), quase não possuía mais
arca dentária, sua mandíbula estava em pedaços e com sinais de flagelação no pescoço.
As duas foram estupradas.

Ao todo, foram dezenas de meninas estupradas, torturadas e assassinadas por Ted. Ele
admitiu trinta homicídios em setes Estados diferentes nos Estados Unidos. Entretanto,
estima-se que esse número deva ser maior, dados os numerosos casos, com autoria não
comprovada, de jovens encontradas sem vida e vitimadas pelo mesmo modus operandi
empregado por Bundy.
OS JULGAMENTOS

Ted Bundy foi conduzido a julgamento pela primeira vez em junho de 1979, em Miami,
em virtude dos crimes cometidos na Fraternidade Chi Omega, na Universidade Estatual
da Flórida. O anjo da morte não fez questão de ter um advogado e decidiu se defender
sozinho. Estava completamente confiante de que conseguiria convencer o júri de sua
inocência. Mas o tiro saiu pela culatra: Nina Reary, testemunha de Acusação,
reconheceu Bundy como sendo o homem armado – com um pedaço de pau – que descia
as escadas da fraternidade.

bundy, durante seu primeiro julgamento, fazendo a própria defesa

Somado ao reconhecimento de Nina, a tese defensiva foi ainda mais enfraquecida com o
depoimento do odontologista Dr. Richard Souviron, que descreveu as marcas de
mordidas encontradas no corpo de Lisa Levy e apresentou fotografias retiradas na noite
do homicídio. As imagens foram comparadas com os moldes odontológicos de Bundy e
combinaram perfeitamente. A prova técnica conectava o réu aos crimes imputado.

O veredicto ocorreu em 23 de julho de 1979. Após quase sete horas de deliberação, o


júri considerou Ted Bundy culpado de todas as acusações. Foi considerado também
culpado dos ataques contra Kathy Kleiner e Karen Chandeler. O anjo da morte ouviu o
resultado sem expressar qualquer sinal de emoção. Foi sentenciado à pena de morte.

Em Orlando, Ted Bundy foi julgado pela segunda vez em 7 de janeiro de 1980, pelo
assassinato de Kimberly Leach. Para evitar o erro anterior, optou por ser representado
por uma dupla de advogados. A tese defensiva consistiu em provar a insanidade do
acusado. Mesmo com todos os esforços da Defesa, a Acusação apresentou 65
testemunhas que conectavam Bundy à vítima no dia do desaparecimento. O anjo da
morte foi mais uma vez considerado culpado e sentenciado à morte.

A PRISÃO

Com duas sentenças de morte lavradas – e uma terceira que sobreveio posteriormente –
Ted Bundy foi encaminhado para o corredor da morte da Prisão Estadual da Flórida,
onde permaneceu por quase uma década. Durante o período em que ficou preso,
concedeu algumas entrevistas para jornalistas.

Bundy concedendo entrevista na Prisão Estadual da Flórida

Ted Bundy tentou reverter as condenações por meio de seus advogados, sem, contudo,
obter êxito. Com todas as vias de recurso esgotadas, concordou em falar francamente
com os investigadores e confessou a maioria de seus crimes. De acordo com um dos
detetives, os relatos eram tão detalhados que davam a impressão de que Bundy estava
no local dos fatos, revivendo os crimes.

A EXECUÇÃO
A execução estava marcada para o dia 24 de janeiro de 1989. No lado de dentro da
Prisão Estadual da Flórida, Bundy fazia sua última refeição: filé, ovos, purê de batata e
café. No lado de fora, aproximadamente duas mil pessoas cantavam, dançavam e
soltavam fogos de artifício aguardando ansiosamente a execução. Em placas, cartazes e
camisetas eram vistas frases como “Fry, Bundy, Fry” e “Barbecue [Churrasco de] Ted”.
Foi criado até mesmo um neologismo para a ocasião, unindo-se o termo “Fry” (fritar,
em inglês, em referência à cadeira elétrica) e “Friday” (sexta-feira, em inglês, em
referência ao dia da semana que ocorreu a execução):“It’s Fryday, TED!”

As últimas palavras de Ted Bundy foram direcionadas à sua mãe, desculpando-se pela
dor causada. Era o fim do anjo da morte. Bundy era um misógino e vitimou diversas
mulheres ao longo de sua vida. Por ironia do destino, talvez, foi uma mulher quem
acionou a cadeira elétrica que deu fim à sua vida.

veio do https://canalcienciascriminais.jusbrasil.com.br/artigos/342412056/ted-bundy-o-
anjo-da-morte

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