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A Doutrina Reformada das Escrituras


Paulo Anglada
EDITORA

C6RMAN0S

1998
É proibida a reprodução total ou parcial desta publicação sem autorização por
escrito dos editores, exceto citações em resenhas.

Revisão:

Solano Portela

Emir e Alaíde Bemerguy

Editora:

Os Puritanos

Fone/Fax: (011)6957-3148 E-mail: puritano@mandic.com.br

Impressão:
Facioli Gráfica e Editora Ltda.

Rua Canguaretama, 181 - São Paulo - SP Fone/Fax: (011)6957-5111

CONTEÚDO
PREFACIO
INTRODUÇÃO
CAPÍTULO 1 SÍMBOLOS DE FÉ
DOUTRINA DA REVELAÇÃO
CÂNON DAS ESCRITURAS8
INSPIRAÇÃO DAS ESCRITURAS
AUTORIDADE DAS ESCRITURAS8
SUFICIÊNCIA DAS ESCRITURAS
CLAREZA DAS ESCRITURAS
PRESERVAÇÃO DAS ESCRITURAS66
TRADUÇÃO DAS ESCRITURAS8
INTERPRETAÇÃO DAS ESCRITURAS
CAPÍTULO 11 AUTORIDADE SUPREMA DAS ESCRITURAS
OBJEÇÕES E RESPOSTAS
RESUMO E APLICAÇÕES
PRATICANTES DA PALAVRA
PRINCIPAIS SÍMBOLOS DE FÉ
A CONFISSÃO DA GUANABARA193
BIBLIOGRAFIA
CONTEÚDO

PREFÁCIO 7

INTRODUÇÃO 13
ASSUNTO DO LIVRO 14 APRESENTAÇÃO DO ASSUNTO 14 IMPORTÂNCIA DE UMA SÃ
BIBLIOLOGIA 15

CAPÍTULO 1 SÍMBOLOS DE FÉ 17
INEVITABILIDADE DOS SÍMBOLOS DE FÉ 18 PROPÓSITOS DOS SÍMBOLOS DE FÉ
19 BASES BÍBLICAS PARA OS SÍMBOLOS DE FÉ 22 AUTORIDADE DOS SÍMBOLOS DE FÉ 23

CAPÍTULO 2 DOUTRINA DA REVELAÇÃO 25


DIVISÃO DO ASSUNTO 25 REVELAÇÃO NATURAL 26 A CULPA HUMANA 27

INSUFICIÊNCIA DA REVELAÇÃO NATl VL 28 REVELAÇÃO ESPECIAL 29 REVELAÇÃO


ESCRITA 30 NECESSIDADE DAS ESCRITURAS 31

CAPÍTULO 3 CÂNON DAS ESCRITURAS 33


O CÂNON PROTESTANTE DO ANTIGO TESTAMENTO 34 O CÂNON CATÓLICO DO
ANTIGO TESTAMENTO 37 O CÂNON DO NOVO TESTAMENTO 41

CAPÍTULO 4 INSPIRAÇÃO DAS ESCRITURAS 49


DEFINIÇÃO DA DOUTRINA 50 EVIDÊNCIAS INDIRETAS DA INSPIRAÇÃO 51 EVIDÊNCIAS
DIRETAS DA INSPIRAÇÃO 53 NATUREZA DA INSPIRAÇÃO 54 EXTENSÃO DA INSPIRAÇÃO
56 CONCLUSÃO 58

CAPÍTULO 5 AUTORIDADE DAS ESCRITURAS 61


DEFINIÇÃO 61 EVIDÊNCIAS BÍBLICAS 62

NATUREZA DA AUTORIDADE DAS ESCRITURAS 63

O TESTEMUNHO DA IGREJA 69

TESTEMUNHO DO ESPÍRITO SOBRE A AUTORIDADE

DAS ESCRITURAS 70 CONCLUSÃO 71


CAPÍTULO 6 SUFICIÊNCIA DAS ESCRITURAS 73
REGRA COMPLETA DE FÉ E PRÁTICA 73 IMPLICAÇÃO LÓGICA 75 ILUMINAÇÃO DO
ESPÍRITO 78 PRINCÍPIOS, ENSINOS GERAIS E EXEMPLOS 80 CONCLUSÃO 82 ,

CAPÍTULO 7 CLAREZA DAS ESCRITURAS 83


NEM TUDO É IGUALMENTE CLARO OU EVIDENTE 84 O ESSENCIAL É CLARO PELA
ILUMINAÇÃO DO ESPÍRITO 86 CONCLUSÃO 89

CAPÍTULO 8 PRESERVAÇÃO DAS ESCRITURAS 93


DEFINIÇÃO DA DOUTRINA 94

EVIDÊNCIAS BÍBLICAS DA DOUTRINA 94

RELAÇÃO COM A CRÍTICA TEXTUAL DO NT 95

EVIDÊNCIAS DA PRESERVAÇÃO DO NT NA HISTÓRIA E QUALIDADE

DO TEXTO 98

NATUREZA E EXTENSÃO DA PRESERVAÇÃO 103

CAPÍTULO 9 TRADUÇÃO DAS ESCRITURAS 105


RAZÕES PARA A TRADUÇÃO DAS ESCRITURAS 106 EVIDÊNCIAS HISTÓRICAS 108

TRADUÇÕES REFORMADAS E MODERNAS TRADUÇÕES DAS ESCRITURAS 112

PRINCÍPIOS SAUDÁVEIS PARA A TRADUÇÃO DAS ESCRITURAS 117

CAPÍTULO 10 INTERPRETAÇÃO DAS ESCRITURAS 123


NECESSIDADE DE INTERPRETAÇÃO DAS ESCRITURAS 125 CORRENTES DE
INTERPRETAÇÃO DAS ESCRITURAS 128 O MÉTODO GRAMÁTICO-HISTÓRICO 132

CAPÍTULO 11 AUTORIDADE SUPREMA DAS ESCRITURAS 147


TENDÊNCIA GERAL 147

ASPECTOS IMPORTANTES DA DOUTRINA 148

CONCLUSÃO 151

CAPÍTULO 12 OBJEÇÕES E RESPOSTAS 153


ERROS DE TRANSMISSÃO 154 ERROS CIENTÍFICOS 154 ERROS HISTÓRICOS
156 CONTRADIÇÕES INTERNAS 157 OUTRAS OBJEÇÕES 158 CONCLUSÃO 159

CAPÍTULO 13 RESUMO E APLICAÇÕES 161


DA DOUTRINA DA REVELAÇÃO 161

DO CÂNON DAS ESCRITURAS 161 DA INSPIRAÇÃO DAS ESCRITURAS 162 DA


AUTORIDADE DAS ESCRITURAS 162 DA SUFICIÊNCIA DAS ESCRITURAS 163 DA
CLAREZA DAS ESCRITURAS 163 DA PRESERVAÇÃO DAS ESCRITURAS 163 DA TRADUÇÃO
DAS ESCRITURAS 164 DA INTERPRETAÇÃO DAS ESCRITURAS 165

CAPÍTULO 14 PRATICANTES DA PALAVRA 167

INTRODUÇÃO 167 O SENTIDO BÍBLICO DE OBRAS 168 ACOLHENDO A PALAVRA


169 PRATICANDO A PALAVRA 170 A VERDADEIRA RELIGIÃO 173 CONCLUSÃO 174

APÊNDICE I PRINCIPAIS SÍMBOLOS DE FÉ 177

CREDOS ANTIGOS 178

CONFISSÕES E CATECISMOS LUTERANOS 182 SÍMBOLOS DE FÉ CALVINISTAS OU


REFORMADOS 183 OUTRAS CONFISSÕES DE FÉ PROTESTANTES 188 A PRIMEIRA
CONFISSÃO DE FÉ DO NOVO MUNDO 190

APÊNDICE 2 191

BIBLIOGRAFIA 199
PREFACIO

Talvez a Igreja de Cristo esteja atravessando um dos seus mais difíceis períodos
da história, no que diz respeito à acolhida do seu padrão de fé e prática: As
Sagradas Escrituras. No seio do que se conhece como a igreja evangélica, fruto
da Reforma do Século XVI, nunca se citou tanto a Bíblia, como atualmente;
nunca se falou tanto da Bíblia, como atualmente; nunca se divulgou tanto a
Bíblia como nos dias atuais. Paradomlmente, nas igrejas filhas da Reforma,
nunca se desrespeitou tanto a Palavra de Deus como atualmente; nunca ela foi
colocada como fonte secundária de informação, como atualmente; nunca ela
teve porções inteiras consideradas desatualizadas, ou pertinentes apenas
aos leitores originais, como atualmente; nunca ela foi alvo de
tanto questionamento, quanto aos autores dos livros e aos períodos nos quais foi
escrita, quanto nos dias de hoje. Essas são situações encontradas não no
segmento liberal/racionalista, mas dentro da Igreja Evangélica, das
denominações que se auto-intitulam conservadoras na fé e prática e que se
propõem a ser as mais fervorosas e cheias do Espírito Santo de Deus.

É nesse sentido que Sola Scriptura - A Doutrina Reformada das Escrituras,


vem atender uma necessidade de reafirmação de princípios e ensinamentos
fundamentais ao desenvolvimento de uma igreja sadia em doutrina e que
honre, realmente o nome de Cristo. O Rev. Paulo Anglada vai às próprias
Escrituras como fonte principal, e à história, com o seu testemunho
incontestável. Delas extrai a relevância e suficiência da Palavra de Deus,
relembrando essa questão à igreja dos nossos dias. Em nosso esquecimento
dessa doutrina, vemos a igreja se afundando em um evangelho humanista,
diluído, horizontaliza-do e que contribui para confundir a mènsagem cristalina
do evangelho, que deveria estar sendo proclamada.

Sabemos que as seitas apresentam, uma multiplicidade de padrões, nos quais se


fundamentam. Livros e escritos paralelos são apresentados como se a sua
autoridade estivesse equivalente ou até acima da Bíblia. A cena comum é a
apresentação de novas revelações, geralmente de caráter escatoló-gico e de
características fluidas, contraditórias e totalmente duvidosas. Aqui, a
suficiência das Escrituras é uma doutrina desprezada.

No meio eclesiástico liberal, já nos acostumamos a identificar o ataque


constante à veracidade das Escrituras. Vamos com mais de dois séculos de
contestação sistemática à Palavra de Deus, como se a fé cristã verdadeira fosse
capaz de subsistir sem o seu alicerce principal. Nesse campo, que forneceu
bastante munição ao inimigo e que alimentou as bases do pensamento
intelectual não-cristão sobre a Bíblia, a suficiência das Escrituras é também
uma doutrina desprezada.

É também sabido que no campo evangélico neopentecostal e, às vezes, até no


campo tradicional pentecostal, temos uma situação problemática, no que diz
respeito à relevância da Palavra de Deus. Ela é freqüentemente superada pelas
supostas “novas revelações” que passam a ser determinantes das doutrinas e do
caminhar do Povo de Deus. Aqui, também, a doutrina da suficiência das
Escrituras é, na prática, desprezada.

Mas partem exatamente de dentro do campo evangélico as perturbações e os


últimos ataques à Bíblia como regra inerrante de fé e prática. Em anos recentes,
muitos ditos intelectuais e eruditos têm questionado a doutrina que coloca a
Bíblia como um livro inspirado, livre de erro. Por exemplo, um famoso
seminário teológico norte-americano foi fundado em 1947, no campo
conservador, sobre princípios corretos. Sua “Declaração de Fé” original
especificava: “...os livros do VT e NT..., nos originais são inspirados
plenariamente e livres de erro, no todo e em suas partes. .. ” Entretanto, em
1968 um dos seus líderes, começou a questionar a inerrância da Bíblia, fazendo
distinção entre trechos “revelativos” e trechos “não revelativos” das Escrituras.
Foi se-

guido nesta posição pelo próximo presidente, e por vários outros professores,
todos considerados evangélicos, resultando no enfraquecimento geral do
posicionamento de vários professores daquele seminário, sobre a integridade
das Escrituras, logicamente não há critério coerente ou autoritário para
estabelecimento desta distinção, entre o que seria “não revelativo” nas
Escrituras -pontos abertos ao questionamento mais amplo; e as porções
“revelati-vas” - essas, sim, de validade espiritual. Esse pensamento, que se faz
presente não só naquele exemplo, mas em tantos outros segmentos da igreja,
subtrai da Igreja o seu padrão, derruba um dos pilares da Reforma e retroage a
Igreja é à uma condição medieval de dependência dos especialistas que nos
dirão quais as partes que devemos crer realmente e quais as que podemos
descartar como mera invenção humana. E nesse contexto que se faz presente a
necessidade de relembrarmos os pilares da nossa fé reformada, como o faz o
Rev. Paulo Anglada.
Não há inovação na mensagem deste livro, mas uma extrema necessidade de que
o brado de Sola Scriptura seja reavivado, ao longo da história da igreja. E essa
história que mostra Deus derramando grandes bênçãos sempre que os fiéis
desprenderam-se de suas tradições e ensinamentos humanos e se voltaram para
a palavra escrita inspirada por Deus. Desde os tempos de Josué (1.7,8) que
Deus admoesta os seus a que se prendam aos registros inspirados. Ali lemos:

Tão-somente esforça-te e tem mui bom ânimo, cuidando de fazer conforme toda
a lei que meu servo Moisés te ordenou; não te desvies dela, nem para a direita
nem para a esquerda, a fim de que sejas bem sucedido por onde quer que
andares. Não se aparte da tua boca o livro desta lei, antes medita nele dia
e noite, para que tenhas cuidado de fazer conforme tudo quanto nele está
escrito; porque então farás prosperar o teu caminho, e serás bem sucedido. 1

A Reforma do Século XVI fez exatamente isso e, na soberana providência de


Deus, nela temos um grande reavivamento gerado pela descoberta das
Escrituras, e pelo seguimento de seus ensinamentos e verdades práticas. E, na
realidade, um erro acharmos que a Reforma marca a aparição de várias
doutrinas nunca dantes formuladas. A Palavra de Deus, cujas doutrinas estavam
soterradas sob o entulho da tradição, é que foi resgatada. Já dissemos que uma
característica comum das seitas é a apresentação de supostas verdades que
nunca haviam sido compreendidas, até a aparição ou revelação destas a algum
líder. Estas “verdades” passam a ser determinantes da interpretação das demais
e ponto central dos ensinamentos empreendidos. A Reforma coloca-se em
completa oposição a esta característica. Nenhum dos reformadores declarou ter
“descoberto” qualquer verdade oculta. Eles tão somente apresentavam em toda
singeleza os ensinamentos das Escrituras. Seus comentários e controvérsias
versaram sempre sobre a clara exposição da Palavra de Deus.

Martin Lloyd-Jones nos indica “que a maior lição que a Reforma Protestante
tem a nos ensinar é justamente que o segredo do sucesso, na esfera da Igreja e
das coisas do Espírito é olhar para trás”.2 Lutero e Calvino, diz ele, “foram
descobrindo que estiveram redescobrindo o que Agostinho já tinha descoberto e
que eles tinham esquecido”.

Na ocasião da Reforma, a tradição da igreja já havia se incorporado aos


padrões determinantes de comportamento e doutrina e, na realidade, já haviam
superado as prescrições das Escrituras. A Bíblia era conservada longe e
afastada da compreensão dos devotos. Era considerada um livro só para os
entendidos, obscuro e até perigoso para a massa. Os
reformadores redescobriram e levantaram bem alto o único padrão de fé e
prática: a Palavra de Deus e, por este padrão, aferiram tanto as autoridades
como as práticas religiosas em vigor.

A um mundo que está sem padrão, e à própria Igreja evangélica, que está
voltando a enterrar o seu padrão em meio a um entulho místico pseudo-
espiritual - a mensagem da Reforma continua necessária. Esse livro traz o brado
de Sola Scriptura, com veemência e clareza, como antídoto ao veneno
contemporâneo do subjetivismo e existencialismo do homem sem Deus, que
teima em se infiltrar nos ensinamentos da Igreja Cristã. Pode parecer estranho,
entretanto, que sendo ele dedicado à exaltação da importância e suficiência das
escrituras o livro utilize como ponto de partida e de fechamento, credos e
confissões históricas. Não seriam, esses, documentos que desviam os nossos
olhos das Escrituras? A resposta é um sólido NÃO! A própria Confissão de Fé
de Westminster em seu Capítulo Is, apresentando a mensagem inequívoca da
Reforma do Século XVI, cada vez mais válida aos nossos dias, descreve a Bíblia
como sendo a única regra infalível de fé e de prática”. Essa é a mensagem
deste livro, ao qual damos a nossa mais entusiástica acolhida.

Solano Portela, 1998

1
Harold Lindsell, The Battle for the Bible (G. Rapids: Zondervan, 1976) pp. 106-121.Este livro traz um
excelente tratamento sobre a diluição do conceito da suficiência e integridade das Escrituras, no seio dos
evangélicos norte-americanos.

2
D. Martin Lloyd-Jones, Rememorando a Reforma, (São Paulo: PES, 1996) 8,
INTRODUÇÃO

Na sua segunda carta a Timóteo, o apóstolo


Paulo o alertou, dizendo: “Sabe, porém, isto:
Nos últimos dias sobrevirão tempos difíceis”
(3:1). Uma das características marcantes desses
dias, esclarece o apóstolo no início do capítulo
seguinte, seria a aversão à sã doutrina e a afeição
pelas fábulas. Eis suas palavras:
Conjuro-te, perante Deus e Cristo Jesus que há de julgar vivos e mortos...: prega a palavra, insta,
quer seja oportuno, quer não, corrige, repreende, exorta com toda a longanimidade e doutrina. Pois
haverá tempo em que não suportarão a sã doutrina', pelo contrário, cercar-se-ão de mestres,
segundo as suas próprias cobiças, como que sentindo coceira nos ouvidos; e se recusarão a dar ouvidos
à verdade, entregando-se às fábulas (4:1-4).

Parece que as igrejas evangélicas no Brasil estão vivendo dias assim: difíceis.
Tão difíceis que se pode questionar se o termo evangélico ainda tem algum
sentido; se ainda se presta para distinguir um grupo definido de pessoas dentro
da Igreja Cristã. Quando se considera a diversidade doutrinária e prática que, em
geral, caracteriza o evangelicalismo brasileiro, não é descabido questionar se
alguma denominação evangélica, no Brasil, ainda pode, como instituição,
ser legitimamente considerada herdeira da doutrina e prática reformadas.

Pode haver muitas razões para tal estado de coisas. Mas, sem dúvida, a rejeição
da sã doutrina é uma delas. Na prática, as igrejas evangélicas em geral não têm
professado teologia precisa, sistemática, confessional e histórica. Mesmo as
denominações mais tradicionais parecem estar se distanciando progressivamente
das doutrinas e práticas reformadas pelas quais muitos, no passado, chegaram a
dar suas vidas.

ASSUNTO DO LIVRO

O título deste livro, Sola Scriptura: A Doutrina Reformada das Escrituras,


revela o seu escopo: trata-se de uma exposição da doutrina protestante histórica
sobre as Escrituras Sagradas. É um estudo teológico confessional do primeiro
capítulo da Confissão de Fé de Westminster.

Estes estudos foram originalmente proferidos na Igreja Presbiteriana Central do


Pará, no primeiro semestre de 1995, com o propósito de resgatar as doutrinas
reformadas relacionadas às Escrituras, expondo-as de modo acessível à igreja.
Sua base é a Confissão de Fé de Westminster, mas outros símbolos de fé e obras
representativas da teologia reformada foram frequentemente pesquisadas e
citadas.

Não se trata de um trabalho acadêmico, escrito para eruditos, nem


demasiadamente superficial, que não contribua para a ampliação do horizonte
intelectual dos leitores. É uma obra para crentes desejosos de conhecer o
fundamento da sua fé, e de alcançarem compreensão teológica mais sistemática e
profunda da doutrina das Escrituras.

APRESENTAÇÃO DO ASSUNTO

O primeiro capítulo desta obra é introdutório. Trata da natureza dos símbolos de


fé, lidando com questões tais como necessidade, propósitos, bases bíblicas e
autoridade dos símbolos confessionais.

Os dez capítulos seguintes (2-11) constituem o corpo principal deste trabalho.


Neles são tratados assuntos importantes relacionados à doutrina das Escrituras: a
doutrina da revelação, da inspiração, da autoridade, da suficiência, da clareza e
da preservação das Escrituras; e questões igualmente importantes, tais como o
cânon, a tradução e a interpretação das Escrituras.

No capítulo doze são consideradas as principais objeções levantadas contra a


doutrina reformada das Escrituras, tais como alegações de existência de erros de
transcrição, científicos, históricos e contradições internas supostamente
encontrados na Bíblia.

O penúltimo capítulo resume os assuntos estudados e extrai deles algumas


aplicações de ordem prática. E o último capítulo é uma exortação à prática da
Palavra, baseada em Tiago 1:21-27.

O Apêndice 1 é um resumo da história e conteúdo dos principais símbolos de fé:


credos antigos, confissões e catecismos luteranos, confissões e catecismos
calvinistas ou reformados, e outras confissões de fé protestantes. No Apêndice 2,
encontra-se o texto da Confissão de Fé dos Mártires da Guanabara — a primeira
confissão de fé escrita nas Américas.

IMPORTÂNCIA DE UMA SÃ BIBLIOLOGIA

A conhecida reforma religiosa levada a efeito nos dias do Rei Josias, descrita nos
capítulos vinte e dois e vinte e três de Segundo Reis, ilustra de modo muito
vivido a importância das Escrituras na restauração da verdadeira fé. Tudo
começou com a redescoberta por Hilquias da Palavra esquecida no templo (22:3-
10), com a interpretação e proclamação fiel dela por Hulda (22:13-20), e com o
quebran-tamento e disposição de Josias em submeter-se seriamente aos
seus ensinos (22:2).

A reforma religiosa do século XVI não foi diferente. A profunda reforma


teológica, eclesiástica e prática que deu origem às igrejas protestantes foi
precedida pela redescoberta da Palavra, por uma reforma hermenêutica, e pela
pregação fiel das verdades nela encontradas.

Mas uma igreja reformada precisa estar continuamente se reformando. Não pela
conformação com este século, incorporando as últimas novidades que o mundo
venha a oferecer, mas pela conformação contínua à Palavra, levando cativas as
nossas mentes e práticas eclesiásticas e pessoais à obediência de Cristo.

Que Deus nos faça compreender a urgência desta necessidade. Queira Ele
promover uma verdadeira reforma religiosa no nosso país. Que Ele levante
alguns Hilquias, Huldas e Josias para redescobrirem, interpretarem fielmente,
proclamarem e obedecerem a Palavra de Deus. Que o Soberano Deus levante
novos Husses, Zwinglios, Lute-ros e Calvinos para reformárem nosso culto,
nossas doutrinas, nossas

práticas eclesiásticas e nossas vidas, conduzindo-nos de volta à sua Santa


Palavra. Esta é a única esperança para o caos doutrinário e eclesiástico que
caracteriza o evangelicalismo brasileiro.
CAPÍTULO 1 SÍMBOLOS DE FÉ

Em virtude da natureza confessional destes


estudos, e da aparente aversão de considerável
parte do evangelicalis-mo brasileiro aos
símbolos de fé, convém iniciar este estudo com
alguns esclarecimentos relacionados à
necessidade, propósitos, base bíblica e
autoridade dos símbolos de fé.
Símbolos de fé são resumos sistemáticos (ou temáticos) das verdades
fundamentais do cristianismo. São declarações formais autorizadas da fé cristã.
Há quatro tipos principais de símbolos de fé: credos, confissões de fé,
catecismos e cânones.

Os credos1 são declarações de fé resumidas. Os mais conhecidos são produto da


igreja antiga, antes da divisão da igreja cristã nos seus dois principais ramos:
ocidental e oriental. Exemplos: Credo Apostólico, Credo Niceno, e Credo de
Atanásio.

As confissões2 distinguem-se dos credos quanto ao tamanho, por serem mais


detalhadas, e quanto à época em que foram escritas: são, em geral, produto da
Reforma, ou de igrejas herdeiras da Reforma. Exemplos: Antiga Confissão de Fé
Escocesa, Segunda Confissão de Fé Helvética e Confissão de Fé de Westminster.

Um credo ou confissão de fé pode ser pessoal. Mas, em geral, estes termos são
empregados para designarem credos e confissões que, embora possam ter sido
escritos por uma só pessoa, adquiriram representatividade, sendo adotados por
igrejas, movimentos ou denominações.

Catecismos3 também são resumos da fé cristã. São, contudo, estruturados em


forma de perguntas e respostas, com propósito mais didático, a ftm de servirem
de ferramenta para a instrução da igreja. Eles podem ser maiores ou breves,
dependendo do tamanho. Exemplos: Catecismos de Lutero, Catecismo de
Heidelberg e os Catecismos de Westminster.

Cânones são decisões oficiais de concílios que estabelecem a posição da igreja


ou de um de seus ramos, movimentos ou denominações, quanto a doutrinas
específicas. Exemplo: os Cânones de Dort.

INEVITABILIDADE DOS SÍMBOLOS DE FÉ

Os símbolos de fé são inevitáveis. As Escrituras não foram escritas de modo


temático ou sistemático. As verdades divinas foram registradas, não por assunto,
mas na proporção em que foram sendo progressivamente reveladas. Elas tratam
dos mais diversos temas teológicos e práticos, no seu contexto histórico e de
acordo com as necessidades.

Mas o processo de interpretação e compreensão das Escrituras como um todo


inevitavelmente conduz à sistematização da revelação bíblica. Consciente ou
inconscientemente a mente humana sistematiza estas verdades tematicamente
procurando formar um todo consistente. Assim, inevitavelmente, cada pessoa
tem um credo, e revela-o ao orar, ao anunciar o evangelho e na sua própria vida
diária.

Quando nos dirigimos a Deus em oração, por exemplo, e o adoramos pela


excelência da sua pessoa, atributos e obra; quando confessamos os nossos
pecados; quando suplicamos sua graça; quando intercedemos por outras pessoas;
quando agradecemos as suas bênçãos materiais e espirituais, especialmente pela
obra realizada por Cristo na cruz e pelo seu Espírito em nosso coração; ou nos
consagramos à santidade e ao seu serviço; inevitavelmente revelamos
um resumo ordenado da nossa fé objetiva: o nosso credo.

A questão, portanto, não está na necessidade ou não de credos e confissões de fé;


mas na escolha, consciente ou inconsciente, entre chegarmos sozinhos ao nosso
próprio credo, ou considerarmos a que conclusões o corpo de Cristo tem
chegado no curso da história. Nas palavras de Alexander Hodge:
A questão real não está, como freqüentemente insinuado, entre a Palavra de Deus e o credo humano,
mas entre a fé testada e provada pelo corpo coletivo do povo de Deus, c o julgamento pessoal e a
sabedoria não assistida daqueles que repudiam os credos.4

Devido à natureza progressiva não sistemática da revelação bíblica e à


característica sistemática peculiar da mente humana, os símbolos de fé são,
portanto, inevitáveis.

PROPÓSITOS DOS SÍMBOLOS DE FÉ

Além de inevitáveis, os símbolos de fé têm se revelado necessários e


indispensáveis, pelo menos aos seguintes propósitos:

Propósito Teológico ou Doutrinário

Eles têm servido para registrar os d> .ersos estágios do progresso da igreja como
um todo e dos seus diferentes ramos em particular, quanto à interpretação e
compreensão das doutrinas bíblicas. A História do cristianismo demonstra que
tanto a revelação como a compreensão por parte da igreja das verdades reveladas
são progressivas. A igreja cristã tem chegado a conclusões doutrinárias
paulatinamente, no decurso dos séculos.

Nos quatro primeiros séculos, foram definidas especialmente questões teológicas


propriamente ditas (sobre a Trindade) e cristoló-gicas (sobre a pessoa de Cristo).
Posteriormente, no quinto século, as doutrinas antropológicas do pecado e da
graça de Deus foram discutidas (especialmente por Agostinho e Pelágio) e
definidas. A sotero-logia só foi devidamente estudada e definida durante a
Reforma Protestante do século XVI. A eclesiologia foi mais debatida nos séculos
XVII e XVIII. E assim por diante.

Os credos e confissões têm servido, portanto, ao propósito de registrar para a


posteridade o progresso da compreensão bíblica e das formulações teológicas no
decurso dos séculos.

Propósito Apologético

Os símbolos de fé também têm sido empregados para distinguir e defender a


verdade contra os falsos ensinos e heresias. Desde o início a igreja se viu
obrigada a definir e registrar de modo ordenado a legítima interpretação da
verdade cristã, em oposição aos falsos mestres, os quais, em todas as épocas,
insistem em corromper o significado das Escrituras. Não se pode negar a
tendência da natureza corrompida do homem de transformar a verdade de Deus
em mentira (Romanos l:18ss). E sabido que toda heresia reivindica base
bíblica. Pois bem, os símbolos de fé têm servido para definir e defender a
fé ortodoxa (a sã doutrina) das perversões dos falsos mestres. Na condição de
declarações oficiais da fé cristã, os credos e confissões são importantes
instrumentos da igreja como coluna e baluarte da verdade contra o erro.

Propósito Didático

Outro propósito dos credos e confissões é auxiliar na instrução da igreja. Credos,


confissões e, especialmente, catecismos sempre foram empregados como
instrumentos de ensino das verdades bíblicas — especialmente às crianças. Estes
símbolos de fé, por representarem o ensino oficial da igreja e o fazerem de forma
organizada, sistemática, constituem-se em precioso material didático para a
instrução do povo de Deus.

E interessante observar que a pregação exclusivamente em textos esparsos —


como acontece com freqüência hoje — tem falhado em produzir compreensão
mais madura, sólida e profunda como a que caracterizou a igreja quando esta
lançou mão do ensino sistemático das doutrinas bíblicas. O emprego constante
do sermão expositi-vo e do ensino sistemático dos símbolos de fé, pelas
igrejas reformadas e puritanas, sem dúvida, produziu crentes com compreensão
mais profunda e abrangente das doutrinas bíblicas. Eles não apenas conheciam
verdades isoladas, mas sabiam como relacioná-las

umas com as outras e como aplicá-las nas proporções devidas às diversas


circunstâncias da vida.

Propósito Eclesiástico

O último, mas não menos importante, propósito dos símbolos de fé é


proporcionar uma base doutrinária e prática para a comunhão eclesiástica.
União, como costumava enfatizar Spurgeon, não pode se dar em detrimento da
verdade. É muito difícil haver união externa quando não há unidade de fé. É
difícil, por exemplo, pastores e igrejas trabalharem juntos quando diferem
radicalmente em suas concepções doutrinárias.

Exatamente por isso, sempre foi prática das denominações tradicionais requerer
que os seus oficiais (pastores, presbíteros e diáco-nos) subscrevam uma
confissão de fé. Isso os compromete, moralmente pelo menos, com a substância
do sistema doutrinário aí exposto. Essa prática também garante uma
concordância substancial no ensino e na prática dos pastores unidos por essa
subscrição voluntá-

Subentende-se, por exemplo, que a fé e prática de todo pastor presbiteriano seja


a mesma. Teoricamente, pelo menos, um pastor presbiteriano, ao aceitar o
convite de uma igreja, pode estar certo de que não deverá haver substancial
discordância doutrinária, visto que o conselho subscreve a mesma confissão de
fé. Isso deveria também dar tranqüilidade aos membros de uma igreja, pois
sabem que não lhes serão impostas doutrinas ou práticas substancialmente
diferentes das que estão registradas nos seus símbolos de fé. Os credos e
confissões de fé são, portanto, uma garantia de que a fé e prática da igreja não
serão mudadas ao bel-prazer do subjetivismo, pragmatismo ou idiossincrasias de
pastores ou conselhos.

Uma igreja sem confissão é como um partido sem ideologia, como uma
sociedade sem estatuto, ou como um país sem constituição. Não há coerência,
nem unidade, nem estabilidade, nem fidelidade, nem disciplina. 5

BASES BÍBLICAS PARA OS SÍMBOLOS DE FÉ

Os símbolos de fé são inevitáveis e necessários. Mas o pragmatismo não pode


ser determinante com relação às práticas religiosas. É imprescindível considerar
se a formulação e uso deles se justifica bi-blicamente.

O Novo Testamento reconhece a existência de um corpo definido de doutrinas


bíblicas por parte dos apóstolos; e indica, pelo menos implicitamente, a
necessidade desse padrão doutrinário e de sua confissão pública. Eis alguns
textos que comprovam esta afirmação:

Portanto, todo aquele que me confessari diante dos homens, também eu o confessarei6 7 8 9 diante do
meu Pai que está nos céus (Mt 10:32-33).

...estando sempre preparado para responder10 a todo aquele que vos pedir razão da esperança que há
em vós (1 Pe 3:15).

Se com a tua boca confessares'1 a Jesus como Senhor, e em teu coração cre-res que Deus o ressuscitou
dentre os mortos, serás salvo. Porque com o coração se crê para a justiça, e com a boca se confessa a
respeito da salvação (Rm 10:9-10). '

Combate o bom combate da fé. Toma posse da vida eterna, para a qual também fostc chamado, e de
que fizeste a boa confissão10 11, perante muitas testemunhas (1 Tm 6:12).
Tendo, pois, a Jesus, o Filho de Deus como grande sumo sacerdote que penetrou os céus, conservemos
firmes a nossa confissão'2.{Hb 4:14). Cf. 3:1.

Não é provável que os termos confissão (ópoXoyía) e confessar (ópoXoyéü)),


empregados nestes versículos, já denotassem uma confissão de fé no sentido
técnico (de um resumo sistemático elaborado de doutrinas), como seriam
posteriormente empregados pelas igrejas protestantes. Mas, sem dúvida, esses
termos já apontam para uma confissão pública da fé em Cristo, indicando não
apenas sua necessidade como prática real na igreja primitiva.

Os discípulos de Cristo deviam confessar (como de fato faziam) sua fé perante


os homens; e há muitos textos no NT que indicam um corpo de doutrinas
fundamentais reconhecido, confiado e transmitido pelos apóstolos e discípulos
de Cristo. Termos diferentes são empregados, tais como forma de doutrina,
tradições, o Evangelho que recebestes, o padrão das sãs palavras, o ensino
segundo a piedade, o que te foi confiado, o bom depósito, etc. Esse corpo
doutrinário reconhecível e identificável podia ainda não ter forma
escrita definida oficial. Mas é inegável a sua existência, pelo menos em forma
oral. Eis alguns dos textos que confirmam isso:
Mas graças a Deus porque, outrora escravos do pecado, contudo viestes a obedecer de coração à forma de
doutrina a que fostes entregues (Rm 6:17).

De fato eu vos louvo porque em tudo vos lembrais de mim, e retendes as tradições assim como vo-las
entreguei (1 Co 11:2).

Nós vos ordenamos, irmãos, em nome do Senhor Jesus Cristo, que vos aparteis de todo irmão que
ande desordenadamente, e não segundo a tradição que de nós recebestes (2 Ts 3:6).

Mas, ainda que nós, ou mesmo um anjo vindo do céu vos pregue evangelho que vá além do que vos
temos pregado, seja anátema. Assim como já dissemos, e agora repito, se alguém vos prega evangelho
que vá além daquele que recebestes, seja anátema (G1 1:8-9).

Se alguém ensina outra doutrina e não concorda com as sãs palavras de nosso Senhor Jesus Cristo, e
com o ensino segundo a piedade, é enfatuado, nada entende... E tu, ó Timóteo, guarda o que te foi
confiado, evitando os falatórios inúteis e profanos... (1 Tm 6:3,20).

Mantém o padrão das sãs palavras que de mim ouviste com fé e com o amor que está em Cristo Jesus.
Guarda o bom depósito, mediante o Espírito Santo que habita em nós (2 Tm 1:13-14).

Deus vos escolheu desde o princípio para a salvação, pela santificação do Espírito e fé na verdade (2 Ts
2:13b).12

AUTORIDADE DOS SÍMBOLOS DE FÉ


Embora as igrejas protestantes em geral adotem credos, confissões, catecismos e
cânones como símbolos de fé, reconhecendo a sua múltipla utilidade e
necessidade, nenhuma, entretanto, reconhece nes-

ses símbolos autoridade inerente. As igrejas reformadas e herdeiras da Reforma


admitem exclusivamente as Escrituras como inerentemente autoritativas em
matéria religiosa. As Escrituras — e só elas — são a nossa única regra
autoritativa de fé e prática.

A autoridade dos credos, confissões e catecismos sustenta-se exclusivamente na


proporção em que expressam o ensino bíblico. Para os protestantes, as Escrituras
são como estrelas que emitem luz própria, enquanto que os símbolos de fé são
planetas e satélites que apenas refletem a luz que recebem. Nas palavras de
Philip Schaff, um dos maiores estudiosos dos credos e confissões de fé,13
A autoridade dos símbolos (de fé), como a de todas as composições humanas é limitada. Não coordena
com a Bíblia, mas sempre se subordina a ela, que é a única regra infalível de fé e prática cristãs.14

Por conseguinte, as confissões de fé reformadas não reivindicam inerrância. Pelo


contrário, algumas reconhecem explicitamente que, como qualquer produto
humano, não estão livres de erros.

CAPÍTULO 2

1
1 Do lalim credo, “creio em.”

2
O termo grego correspondente, ópoXoyía, e o verbo correlato, ópoXoyéü), são frequentemente empregados
no NT.

3
Do grego ícaTrixéü): ensinar, instruir.

4
A. A. Hodge, The Confession of Faith, 2.

5
O mesmo se aplica aos princípios de governo, lilúrgicos e disciplinares.

6
“ójioXoyiíaa, no original.

7
ó|iok>Yf|aiü, no original.

8
111 No original upòs OToXoYÍai.' - para a confissão.

9
ó|io\oyf|ai]s.

10
ú|iotóyr|CTas rf]v KaXí]v ó|ioXoYÍav, no original,

11
KpaTtopev Tijs ó|a.oXoYLas, no original.

12
Conferir ainda 2 João 10.

13
Autor de The Creeds of Chrislendon, em três volumes.

14
Citado por M. A. Noll, Confissões de Fé, 340.
DOUTRINA DA REVELAÇÃO
Ainda que a luz da natureza e as obras da criação e da providência manifestam de tal modo a bondade, a
sabedoria e o poder de Deus, que os homens ficam inescusáveis, todavia não são suficientes para dar
aquele conhecimento de Deus e da sua vontade, necessário à salvação; por isso foi o Senhor servido, em
diversos tempos e diferentes modos revelar-se e declarar à sua Igreja aquela sua vontade; e depois, para
melhor preservação e propagação da verdade, para o mais seguro estabelecimento e conforto da Igreja
contra a corrupção da carne e malícia de Satanás e do mundo, foi igualmente servido fazê-la escrever
toda. Isto torna a Escritura Sagrada indispensável, tendo cessado aqueles antigos modos de Deus revelar
a sua vontade ao seu povo (Parágrafo I).

O primeiro capítulo da Confissão de Fé de Westminster começa tratando da


bibliologia, a doutrina das Escrituras. Isto é apropriado. Não porque a doutrina
das Escrituras seja mais importante do que outras doutrinas, como a pessoa e
obra de Deus (a teologia propriamente dita) e de Cristo (a cristologia). Mas
porque a doutrina das Escrituras é a base, a fonte de todas as demais doutrinas.

Com o princípio reformado resumido na expressão latina sola Scriptura, os


reformadores rejeitaram a autoridade das tradições eclesiásticas e das supostas
novas revelações do Espírito. E restabeleceram as Escrituras como única regra
de fé e prática, como única fonte autoritativa em matéria de doutrina e prática
eclesiástica.

DIVISÃO DO ASSUNTO

As seguintes doutrinas são tratadas neste capítulo da Confissão

de Fé:

Doutrina da Revelação (parágrafo I)

O Cânon e a Inspiração das Escrituras (parágrafos II e III) Autoridade das


Escrituras (parágrafos IV e V)

Suficiência das Escrituras (parágrafo VI)

Clareza das Escrituras (parágrafo VII)

Preservação e Tradução das Escrituras (parágrafo VIII) Interpretação das


Escrituras (parágrafo IX)
O Juiz Supremo das Controvérsias Religiosas (parágrafo X)

REVELAÇÃO NATURAL

A Confissão de Fé de Westminster começa professando a doutrina da revelação


natural: Deus se revela por meio das obras que foram criadas e da própria
consciência do homem, na qual está impregnado um padrão moral, ainda que
imperfeito por causa da queda.

Biblicamente falando, o universo físico é uma pregação. O cosmos proclama os


atributos de Deus. O macrocosmos (as estrelas, os planetas, os satélites, com sua
imensidão, grandeza e leis), o cosmos (a terra, os mares, as montanhas, os
vegetais, os animais, o homem), e o microcosmos (os microorganismos, a
constituição dos elementos, etc.) revelam muita coisa a respeito da pessoa e da
obra de Deus. O Autor de tal obra tem de ser infinitamente sábio e poderoso.

O próprio ser humano, como criatura de Deus, independentemente do


aprendizado, já nasce com uma consciência, uma versão da lei de Deus
impregnada no seu ser que o habilita a discernir entre o bem e o mal e com um
instinto que o induz à adoração da divindade. Este é o ensino bíblico do Antigo e
do Novo Testamento:
Os céus proclamam a glória de Deus c o firmamento anuncia as obras das suas mãos. Um dia discursa
a outro dia e uma noite revela conhecimento a outra noite. Não há linguagem, nem há palavras, e
deles não se ouve nenhum som; no entanto, por toda a terra se faz ouvir a sua voz, e as suas palavras
até aos confins do mundo (SI 19:1-4).

Porquanto o que de Deus se pode conhecer é manifesto entre eles, porque Deus lhes manifestou.
Porque os atributos invisíveis de Deus, assim o seu eterno poder como também a sua própria
divindade, claramente se reconhecem, desde o princípio do mundo, sendo percebidos por meio das
coisas que foram criadas (Rm 1:19-20).

Quando, pois, os gentios que não têm lei procedem por natureza de conformidade com a lei, não
tendo lei, servem eles de lei para si mesmos. Estes mostram a norma da lei gravada nos seus corações,
testemunhando-lhes também a consciência, e os seus pensamentos mutuamente acusando-se
ou defcndendo-se (Rm 2:14-15).

Ao estudar a criação, o homem deveria procurar ver Deus nela, pois é obra dele,
e revelam os seus atributos. As ciências podem até ser consideradas
departamentos da teologia, especializações que estudam a criação e a
providência. O estudo da química, da física, da matemática, da biologia, da
geografia, da política, da antropologia, da história, etc., deve ter por fim último a
glória de Deus. Não é sem razão que muitos dos primeiros cientistas dignos do
nome eram cristãos sinceros, como Isaac Newton e Faraday.

Ao se estudar a criação, em qualquer esfera, deveria se descobrir nela as mãos de


Deus e as mãos do diabo. Por um lado, observa-se nela impressionante e
substancial lógica, ordem, harmonia, sabedoria e poder. Por outro lado, pode-se
também perceber na natureza os traços da corrupção, desordem, conflito e
degeneração decorrentes da queda. Mas a educação do nosso século,
especialmente no nosso país, embora, em geral, reivindique ser cristã, tornou-se
na verdade materialista. Onde, nas escolas e universidades, essas disciplinas
são estudadas com essa perspectiva e com esse propósito?!

A CULPA HUMANA

Se o homem não houvesse caído, a revelação natural seria suficiente para que ele
compreendesse as verdades com relação a Deus, à criação, ao próprio homem,
etc.; de modo a submeter-se a Deus e a adorá-lo, rendendo-lhe a graça, o louvor
e a honra que lhe são devidas.

Mesmo caído, a revelação natural ainda é suficiente para torná-lo indesculpável,


pois o homem natural deturpa a revelação natural. Ele não dá ouvidos à pregação
da natureza que o convida a glorificar a Deus. Ele não se submete à proclamação
do cosmo, nem reconhece a origem divina das leis que regem o universo. O
homem natural também não se submete às leis da sua própria consciência,
transgredindo-as constante e deliberadamente. Recusando-se rebeldemente a

reconhecer a soberania do Criador e a adorá-lo, o homem natural prefere adorar


a criatura.
Tais homens são por isso indesculpáveis; porquanto tendo conhecimento de Deus não o glorificaram
como Deus, nem lhe deram graças, antes se tornaram nulos em seus próprios raciocínios,
obscurecendo-se-lhes o coração insensato. Inculcando-se por sábios, tornaram-se loucos, e mudaram
a glória do Deus incorruptível em semelhança da imagem de homem corruptível, bem como de aves,
quadrúpedes e répteis... pois eles mudaram a verdade de Deus em mentira, adorando e servindo a
criatura, em lugar do Criador, o qual é bendito eternamente. Amém (Rm 1:21-23, 25).

Este diagnóstico é igualmente verdadeiro, quer aplicado à filosofia dos sofistas,


epicureus e gnósticos da Grécia Antiga, quer aplicado ao humanismo
renascentista, quer aplicado à ciência materialista moderna. Onde, insisto, nas
escolas e universidades de nosso país, estuda-se a criação pela perspectiva das
Escrituras e com o propósito de glorificar a Deus?
O homem natural confunde o Criador com a criação (e crê no panteísmo), isola o
Criador da criação (e prega o deísmo), rejeita o Criador (e professa o
materialismo), ou dá-se por satisfeito com a criação (dando origem ao
naturalismo). Na sua louca cegueira, o homem natural rebelde vai além: ele
prefere atribuir os traços de corrupção, desordem e conflito percebidos na
criação ao Criador, e explicar a substancial lógica, ordem, harmonia, sabedoria e
poder nela percebidos às forças cegas da natureza, à evolução natural, à seleção
natural, ou mesmo a mutações genéticas.

Por isso o.homem é indesculpável. Por isso é justamente culpado: por se recusar
a andar conforme o grau da revelação que recebe, seja da natureza, seja da
consciência, e se entregar rebelde e arrogantemente a todo tipo de impiedade.
“Ora, conhecendo eles a sentença de Deus, de que são passíveis de morte os que
tais coisas praticam, não somente as fazem, mas também aprovam os que
assim procedem” (Rm 1:32).

INSUFICIÊNCIA DA REVELAÇÃO NATURAL

A revelação natural é, portanto, suficiente para condenar, mas não para salvar.
Devido ao estado decaído do homem, a revelação

natural não é nem clara nem suficiente para que as verdades necessárias à sua
salvação sejam compreendidas.

A religião natural ensina que a revelação da natureza é suficiente para a salvação


do homem. Para os que assim pensam, a mente humana desassistida pode
compreender tudo o que é necessário à salvação. Mas tal ensino contradiz
frontalmente a revelação bíblica. De acordo com as Escrituras, “o homem
natural não aceita as coisas do Espírito de Deus, porque lhe são loucura; e não
pode entendê-las porque elas se discernem espiritualmente” (1 Co 2:14).
Segundo as Escrituras, “aprouve a Deus salvar aos que crêem, pela loucura
da pregação” (1 Co 1:21). E por isso que o apóstolo Paulo exclama: “Todo
aquele que invocar o nome do Senhor será salvo. Como, porém, invocarão
aquele em que não creram? E como crerão naquele de quem nada ouviram? E
como ouvirão, se não há quem pregue?” (Rm 10:13-14). Qual a conclusão?
“Logo, a fé vem pela pregação (pelo ouvir) e a pregação (o ouvir), pela palavra
de Cristo” (Rm 10:17).

Deus se revela na criação, sim. Esta revelação é suficiente para tornar a raça
humana indesculpável. Mas, por causa da queda, não é suficiente para a salvação
de ninguém.

REVELAÇÃO ESPECIAL

Não sendo a revelação natural suficiente para salvar o homem em função da


queda, aprouve a Deus revelar-se diretamente à igreja.

Assim, Deus preparou um povo, Israel, na Antiga Aliança, e a greja, na Nova


Aliança, para revelar-lhe diretamente o conhecimento necessário à salvação. De
modo direto e sobrenatural, por meio do spu Espírito, através de revelação
direta, teofanias, anjos, sonhos, visões, pela inspiração de pessoas escolhidas e
pelo seu próprio Filho, Deus comunicou progressivamente à igreja, no curso dos
séculos, as verdades necessárias à salvação, as quais, de outro modo, seriam
inacessíveis ao homem.

Foi assim que Deus revelou-se a Noé, a Abraão, a Moisés, aos profetas, a Davi, a
Salomão, aos seus apóstolos e, especialmente, em Cristo. E neste sentido que o
autor da Epístola aos Hebreus afirma que, “Havendo Deus, outrora, falado
muitas vezes e de muitas manei-

ras, aos pais, pelos profetas, nestes últimos dias nos falou pelo Filho a quem
constituiu herdeiro de todas as coisas, pelo qual também fez o universo” (Hb
1:1-2). Cristo é a revelação final de Deus.

É este também o sentido das palavras do apóstolo Paulo endereçada aos gálatas:
“Faço-vos, porém, saber, irmãos, que o evangelho por mim anunciado não é
segundo o homem; porque eu não o recebi, nem o aprendi de homem algum, mas
mediante revelação de Jesus Cristo” (G1 1:11-12).

À igreja de Deus, portanto, foram confiados os oráculos de Deus, uma revelação


especial, inspirada, clara, precisa, autoritativa, suficiente para ensinar ao homem
o que ele deve conhecer e crer e o que dele é requerido, com vistas à sua própria
salvação e à glória de Deus.

REVELAÇÃO ESCRITA

Tendo em vista a insuficiência da revelação natural e a absoluta necessidade da


revelação especial, aprouve a Deus ordenar que esta revelação fosse toda escrita,
a fim de que pudesse ser preservada e permanecesse disponível, para a
consecução dos seus propósitos eternos. Deus conhece perfeitamente a natureza
humana corrompida. Ele conhece também a malícia de Satanás, bem como a
perversão do mundo. Ele sabe que revelar a sua vontade à igreja não seria
suficiente, pois seria fatalmente corrompida e deturpada. Basta observar
as tradições religiosas, mesmo as ditas cristãs; como tendem inexoravelmente
para o erro!

Por isso Deus fez com que todas as verdades necessárias à salvação,
santificação, culto, serviço e vida do homem, fossem escritas e preservadas, para
que pudessem ser conhecidas, cridas e obedecidas. Com este propósito, o próprio
Deus, por meio do seu Espírito, inspirou os autores bíblicos, a fim de que
pudessem escrever a revelação especial, sem erro algum.
Toda Escrilura c inspirada por Deus e útil para o ensino, para a repreensão, para a correção, para a
educação na justiça, a fim de que o homem de Deus seja perfeito e perfeitamente habilitado para toda
boa obra (2 Tm 3:16).

Temos assim tanto mais confirmada a palavra profética, e fazeis bem em atendê-la, como a uma
candeia que brilha em lugar tenebroso, até que o dia

clareie e a estrela da alva nasça em vossos corações; sabendo, primeiramente, isto, que nenhuma
profecia da Escritura provém de particular elucidação; porque nunca jamais qualquer profecia foi
dada por vontade humana, entretanto homens santos falaram da parte de Deus movidos pelo Espírito
Santo (2 Pe 1:19-21).

De acordo com este parágrafo da Confissão, portanto, a revelação escrita é


expressão da graça de Deus com vistas à preservação da integridade da
verdadeira religião e à salvação, edificação e conforto do seu povo.

NECESSIDADE DAS ESCRITURAS

Sendo a Palavra escrita o meio escolhido por Deus para revelar a sua vontade ao
homem, ela não pode ser dispensada, igualada, acrescentada nem suplantada.
Nem o Espírito agiria em detrimento ou à parte dela, mas com e por ela. É neste
sentido que as Escrituras são necessárias e indispensáveis para a comunicação
das verdades necessárias à salvação. A Igreja Católica têm a tradição oral. Os
reformadores radicais tinham a palavra interior. Outras denominações modernas
têm novas revelações do “Espírito.” A fé reformada se fundamenta inteiramente
nas Escrituras.
CAPÍTULO 3
CÂNON DAS ESCRITURAS 8

Sob o nome de Escrituras Sagradas, ou Palavra de Deus escrita, incluem-se agora todos os livros do
Velho e do Novo Testamentos, todos dados por inspiração de Deus para serem a regra de fé e prática, que
são os seguintes:

O Antigo Testamento: Gênesis, Êxodo, Levitico, Números, Deuteronômio, Josué, Juizes, Rute, 1 Samuel,
2 Samuel, 1 Reis, 2 Reis, 1 Crônicas, 2 Crônicas, Es-dras, Neemias, Ester, Jó, Salmos, Provérbios,
Eclesiastes, Cantores, Isaias, Jeremias, Lamentações, Ezequiel, Daniel, Oséias, Joel, Amós, Obadias,
Jonas, Miquéias, Naum, Habacuque, Sofonias, Ageu, Zacarias, Malaquias.

O Novo Testamento: Mateus, Marcos, Lucas, João, Atos, Romanos, 1 Corin-tios, 2 Corintios, Gálatas,
Efésios, Filipenses, Colossenses, 1 Tessalonicenses, 2 Tessalonicenses, 1 Timóteo, 2 Timóteo, Tito,
Filemon, Hebreus, Tiago, 1 Pedro, 2 Pedro, 1 João, 2 João, 3 João, Judas, Apocalipse.

Os livros geralmente chamados Apócrifos, não sendo de inspiração divina, não fazem parte do Canon da
Escritura; não são, portanto, de autoridade na Igreja de Deus, nem de modo algum podem ser aprovados
ou empregados senão como escritos humanos (parágrafos II e III).

O ensino destes parágrafos diz respeito especialmente ao cânon das Escrituras.


Nele não são indicados os critérios empregados. São apenas relacionados os
sessenta e seis livros aceitos como canônicos, ou seja, como inspirados por
Deus, que compõem a Bíblia Protestante. Quanto aos livros apócrifos, que foram
incluídos na Bíblia Católica, são explicitamente considerados não inspirados
e, portanto, não autoritativos; não devendo ser empregados senão como escritos
humanos.

A palavra cânon é mera transliteração do termo grego KOVCÓV, que significa vara
reta, régua, regra. Aplicado às Escrituras, o termo 1

designa os livros que se conformam à regra da inspiração e autoridade divinas.


Atanásio (séc. IV) parece ter sido o primeiro a usar a palavra neste sentido.2 São
chamados de canônicos, portanto, os livros que foram inspirados por Deus, os
quais compõem as Escrituras Sagradas •— o cânon bíblico.

Qual o cânon das Escrituras? Quais são os livros canônicos, ou seja, inspirados?
Como se dividem? Há alguma regra pela qual se pôde averiguar a canonicidade
de um livro? Como explicar a diferença entre os cânones hebraico, católico e
protestante? São estas as perguntas que precisam ser respondidas com relação ao
presente assunto.
O CÂNON PROTESTANTE DO ANTIGO TESTAMENTO Origem

O cânon protestante do Antigo Testamento (composto pelos trinta e nove livros


relacionados acima) é exatamente igual ao cânon hebraico massorético. O cânon
massorético é a Bíblia hebraica em sua forma definitiva, vocalizada e acentuada
pelos massoretas. A ordem dos livros, entretanto, segue a da Vulgata e da
Septuaginta.

Os Massoretas

Os massoretas eram judeus estudiosos que se dedicavam à tarefa de guardar a


tradição oral (massora) da vocalização e acentuação correta do texto. À medida
que um sistema de vocalização foi sendo desenvolvido, entre 500 e 950 AD, o
texto consonantal que receberam dos soferim3 foi sendo por eles cuidadosamente
vocalizado e acentuado. Além dos pontos vocálicos e dos acentos, os
massoretas acrescentavam também ao texto as massoras marginais, maiores
e finais, calculadas pelos soferim. Essas massoras (tradições) eram estatísticas
colocadas ao lado das linhas, ao fim das páginas e ao final dos livros, indicando
quantas vezes uma determinada palavra apare-

cia no livro, o número de versículos, palavras e letras. Elas indicavam até a


palavra e letra central do livro.4

O Cânon Massorético

Embora o conteúdo do cânon protestante seja o mesmo do cânon hebraico, a


divisão e a ordem dos livros são diferentes. Eis a divisão e ordem do cânon
hebraico:
O Pentateuco (Torn): Gênesis, Êxodo, Levílico, Números, Deuleronômio.

Os Profetas (Neviim):

Anteriores: Josué, Juizes, 1 e 2 Samuel, 1 e 2 Reis.

Posteriores: Isaías, Jeremias, Ezequiel e Profetas Menores.

Os Escritos (Kêtuvim):

Poesia e Sabedoria: Salmos, Provérbios e Jó.


Rolos ou Megilloth (lidos no ano litúrgica): Cantares (na páscoa), Rute (no pentecostes), Lamentações
(no quinto mês), Eclesiastes (na festa dos tabernáculos) e Ester (na festa de purim).

Históricos: Daniel, Esdras, Neemias e 1 e 2 Crônicas.

O Cânon Consonantal

A divisão e ordem dos livros no cânon hebraico consonantal (anterior) era a


mesma. O número de livros, entretanto, era diferente. O conteúdo era o mesmo,
mas agrupado de modo a formar apenas vinte e quatro livros. Os livros de l e 2
Samuel, 1 e 2 Reis e 1 e 2 Crônicas eram unidos, formando apenas um livro cada
(o que implica em três livros a menos em relação ao nosso cânon). Os doze
profetas menores eram agrupados em um só livro (menos onze livros). Esdras e
Neemias formavam um só livro, o Livro de Esdras (menos um livro).

Testemunhas Antigas do Cânon Protestante Hebraico

A referência mais antiga ao cânon hebraico é do historiador judeu Josefo (37-95


AC). Em Contra Apionem ele escreve: “Não te-

mos dezenas de milhares de livros, em desarmonia e conflitos, mas só vinte e


dois, contendo o registro de toda a história, os quais, conforme se crê, com
justiça, são divinos.”22 Depois de referir-se aos cinco livros de Moisés, aos treze
livros dos profetas, e aos demais escritos (os quais “incluem hinos a Deus e
conselhos pelos quais os homens podem pautar suas vidas”), ele continua
afirmando:
Desde Artaxerxes (sucessor de Xerxes) alé nossos dias, tudo tem sido registrado, mas não tem sido
considerado digno de tanto crédito quanto aquilo que precedeu a esta época, visto que a sucessão dos
profetas cessou. Mas a fé que depositamos em nossos próprios escritos é percebida através de nossa
conduta; pois, apesar de ter-se passado tanto tempo, ninguém jamais ousou acrescentar coisa alguma
a eles, nem tirar deles coisa alguma, nem alterar neles qualquer coisa que seja.23

Josefo é suficientemente claro. Como historiador judeu, ele é fonte fidedigna.


Eram apenas vinte e dois os livros do cânon hebraico agrupados nas três divisões
do cânon massorético. E desde a época de Malaquias (Artaxerxes, 464-424) até a
sua época nada se lhe havia sido acrescentado. Outros livros foram escritos, mas
não eram considerados canônicos, com a autoridade divina dos vinte e dois
livros mencionados.

Além de Josefo, Mileto, Bispo de Sardes, diz ter viajado para o Oriente, em 170,
com o propósito de investigar a ordem e o número dos livros do Antigo
Testamento; Orígenes, o erudito do Egito, que morreu em 254; Tertuliano (160-
250), pai latino contemporâneo de Orígenes; e Jerônimo (340-420), entre outros,
confirmam o cânon hebraico de vinte e dois ou vinte e quatro livros (dependendo
do agrupamento ou não de Rute e Lamentações).

É interessante observar que o próprio Jerônimo, tradutor da Vulgata latina, que


daria origem ao cânon católico, embora considerasse os livros apócrifos úteis
para a edificação, não os tinha como canônicos. Embora tendo traduzido outros
livros não canônicos, ele escreveu que “deveriam ser colocados entre os
apócrifos,” afirmando 5 6

que “não fazem parte do cânon.” Referindo-se ao livro de Sabedoria de Salomão


e ao livro de Eclesiástico, ele diz: “Da mesma maneira pela qual a igreja lê
Judite e Tobias e Macabeus (no culto público), mas não os recebe entre as
Escrituras canônicas, assim também sejam estes dois livros úteis para a
edificação do povo, mas não para receber as doutrinas da igreja.”7

Vale salientar ainda que a versão siríaca Peshita, que bem pode ter sido feita no
século II ou III,8 ou até mesmo no século I,9 nos manuscritos mais antigos, não
contém nenhum dos apócrifos.

O Testemunho de Jesus e dos Apóstolos

Embora as evidências já mencionadas sejam importantes, a principal testemunha


do cânon protestante do Antigo Testamento é o Novo Testamento. Jesus e os
apóstolos não questionaram o cânon hebraico da época (época de Josefo,
convém lembrar). Eles citaram-no cerca de seiscentas vezes, de modo
autoritativo, incluindo praticamente todos os livros do cânon hebraico.
Entretanto, não citam nenhuma vez os livros apócrifos.10 Pode-se concluir,
portanto, que Jesus e os apóstolos deram o imprimatur deles ao cânon hebraico
e, conseqüentemente, ao cânon protestante.

O CÂNON CATÓLICO DO ANTIGO TESTAMENTO

Origem

O cânon católico, composto pelos trinta e nove livros encontrados no cânon


protestante, acrescido das adições a Daniel e Ester, e dos livros de Baruque,
Carta de Jeremias, 1-2 Macabeus, Judite, To-

bias, Eclesiástico e Sabedoria — 3 e 4 Esdras e a Oração de Manassés são


acrescentadas depois do NT — origina-se da Vulgata latina, que por sua vez
provém da Septuaginta.

A Septuaginta

A Septuaginta é uma tradução dos livros judaicos para o grego feita,


possivelmente, durante o reinado de Ptolomeu Filadelfo (285245 a.C.) ou até
meados do século I a.C., para a biblioteca de Alexandria, no Egito.28 Os
tradutores não se limitaram a traduzir os livros considerados canônicos pelos
judeus. Eles traduziram os demais livros judaicos disponíveis. E, a julgar pelos
manuscritos existentes, deram um arranjo tópico à biblioteca judaica, na seguinte
ordem:
Livros da Lei: Gênesis, Êxodo, Levílico, Números e Deuteronômio.

Livros de História: Josué, Juizes, Rute, 1-2 Samuel, 1-2 Reis (chamados 1-2-3-4 reinados), 1-2
Crônicas, 1-2 Esdras (o primeiro apócrifo), Neemias, Tobias, Ju-dite e Ester.

Livros de Poesia e Sabedoria: Jó, Salmos, Provérbios, Eclesiastes, Cantares, Sabedoria de Salomão,
Sabedoria de Siraque (ou Eclesiástico).

Livros Proféticos: Profetas Menores; Profetas Maiores: Isaías, Jeremias, Baru-que, Lamentações,
Epístola de Jeremias, Ezequiel, e Daniel (incluindo as histórias de Susana, Bel e o Dragão e o cântico
dos Três Varões).

Alguns desses livros foram escritos posteriormente, em grego, possivelmente por


judeus alexandrinos, e foram incluídos na biblioteca judaica de Alexandria, tais
como Primeiro e Segundo Esdras, adições a Ester, Sabedoria, e a Epístola de
Jeremias. Nem sempre todos estes livros estão presentes nos manuscritos antigos
da Septuaginta. O Códice Vaticano (B) omite Primeiro e Segundo Macabeus
(canônicos para a Igreja Católica) e inclui Primeiro Esdras (não canônico para
a Igreja Católica). O Códice Sináitico (N) omite Baruque (canônico para Roma),
mas inclui o quarto livro dos Macabeus (não canônico para Roma). O Códice
Alexandrino (A) inclui o Primeiro Livro de Esdras e o Terceiro e Quarto Livros
dos Macabeus (apócrifos para Roma).

O que se pode concluir daí é que, quando a Septuaginta era copiada, alguns
livros não canônicos para os judeus eram também copiados. Isso poderia ter
ocorrido por ignorância quanto aos livros verdadeiramente canônicos. Pessoas
não afeiçoadas ao judaísmo ou mesmo desinteressadas em distinguir livros
canônicos dos não canônicos tinham por igual valor todos os livros, fossem eles
originalmente recebidos como sagrados pelos judeus ou não. Mesmo aqueles que
não tinham os demais livros judaicos como canônicos certamente também
copiavam estes livros, não por considerá-los sagrados, mas apenas para serem
lidos. Por que não copiar livros tão antigos e interessantes?

Mesmo pessoas bem intencionadas podem ter sido levadas a rejeitar alguns dos
livros canônicos, ou a aceitar como canônicos alguns que não o fossem, por
ignorância ou má interpretação da história do cânon. Convém lembrar que,
embora o testemunho do Espírito Santo seja a principal regra de canonicidade
por parte da igreja como um todo, mesmo assim, o crente ainda tem uma
natureza pecaminosa que não o livra totalmente de incidir em erro, inclusive
quanto ao assunto da canonicidade. Isto acontece especialmente em épocas
de transição, como foi o caso de Agostinho que defendeu os livros apócrifos,
embora de modo dúbio, e depois o de Lutero, o qual colocou em dúvida a
canonicidade da carta de Tiago.

A Vulgata

Como já foi mencionado, ao traduzir a Vulgata, Jerônimo também incluiu alguns


livros apócrifos. Não o fez, contudo, por considerá-los canônicos, mas apenas
por considerá-los úteis, como fontes de informação sobre a história do povo
judeu.

Na Idade Média a versão francamente usada pela igreja foi a Vulgata latina. A
partir dela e da Septuaginta também foram feitas outras traduções. Ora,
multiplicando-se o erro, e afastando-se cada vez mais a igreja da verdade (como
aconteceu crescentemente nesse período), tornou-se mais e mais difícil distinguir
entre os livros que deveriam ser considerados canônicos ou não. Esses livros
nunca foram completamente aceitos, mesmo nessa época. Mas, por
estarem incluídos nessas versões, a igreja em época de trevas, geralmente fa-

lando, não teve discernimento espiritual para distinguir entre livros apócrifos e
canônicos.

Por fim, no Concilio de Trento, em 1546, também em reação contra os


protestantes, que reconheceram apenas o cânon hebraico, a igreja de Roma
declarou canônicos os livros apócrifos relacionados acima, bem como
autoritativas as tradições orais: “O Sínodo... recebe e venera todos os livros,
tanto do Antigo como do Novo Testamento... assim como as tradições orais.” A
seguir são relacionados todos os livros considerados canônicos, incluindo os
apócrifos. Concluindo, o decreto adverte:
Se qualquer pessoa nâo aceitar como sagrado e canônico os livros mencionados em todas as suas
partes, do modo como eles têm sido lidos nas igrejas católicas, e como se encontram na antiga Vulgata
latina, e deliberadamenle rejeitar as tradições antes mencionadas, seja análema.11

A igreja grega seguiu mais ou menos os passos da igreja ocidental. Houve


sempre dúvida na aceitação dos apócrifos, mas, no Concilio de Trulano, em 692,
foram todos aceitos (quatorze). Ainda assim, como sempre houve reservas
quanto à plena aceitação de muitos deles, a igreja grega, em 1672, acabou
reduzindo para quatro o número dos apócrifos aceitos: Sabedoria, Eclesiástico,
Tobias e Ju-dite.12

Conclusão

Por ironia da História, a Vulgata de Jerônimo, o qual não considerava canônicos


os livros apócrifos,13 veio a ser a principal responsável pela inclusão destes
mesmos livros no cânon católico.

A obra dos reformadores foi maior do que se pode pensar à primeira vista. Eles
não apenas redescobriram as doutrinas básicas do evangelho, como a doutrina da
salvação pela graça mediante a fé. Eles redescobriram também o cânon. Graças a
eles e ao testemunho do Espírito Santo, a igreja protestante reconhece como
canônicos,

com relação ao Antigo Testamento (é claro), os mesmos livros que Jesus e os


apóstolos, e os judeus de um modo geral sempre reconheceram.

Alguns dos apócrifos são realmente úteis como fontes de informação a respeito
de uma época importante da história do povo de Deus: o período inter-
testamentário. Os protestantes reconhecem o valor histórico deles. Seguindo a
prática dos primeiros cristãos, as edições modernas protestantes da Septuaginta
normalmente incluem os apócrifos, e até algumas Bíblias protestantes antigas os
incluíam, no final,, apenas como livros históricos.

Mas as igrejas reformadas excluíram totalmente os apócrifos das suas edições da


Bíblia, e, “induziram a Sociedade Bíblica Britânica e Estrangeira, sob pressão
do puritanismo escocês, a declarar que não editaria Bíblias que tivessem os
apócrifos, e de não colaborar com outras sociedades que incluíssem esses livros
em suas edições.”14 Melhor assim, tendo em vista o que aconteceu com a Vulga-
ta! Melhor editá-los separadamente.

O CÂNON DO NOVO TESTAMENTO

Por motivos óbvios, os judeus não aceitam os livros do Novo Testamento como
canônicos. Se não reconheceram a Jesus como o Messias, não poderiam aceitar
os livros do Novo Testamento como inspirados. Felizmente, entretanto, não
precisamos falar de um cânon protestante e de um cânon católico do NT, visto
que todos os ramos do cristianismo — incluindo a igreja oriental — aceitam
exatamente os mesmos vinte e sete livros, como os temos em nossas Bíblias.

E claro, entretanto, que não se poderia esperar que todos os vinte e sete livros do
Novo Testamento viessem a ser imediata e simultaneamente reconhecidos como
inspirados, por todas as igrejas, logo na época em que foram escritos. Algum
tempo seria necessário para que os quatro Evangelhos, o livro de Atos, as
epístolas, e o livro de Apocalipse alcançassem todas as igrejas. Afinal, no final
do primeiro século e no início do segundo a igreja já havia se espalhado por

três continentes: Europa, Ásia e norte da África. Além disso, é provável que haja
um intervalo de quase cinqüenta anos entre a data em que o primeiro e o último
livro do Novo Testamento foram escritos.33 Por fim, deve-se considerar ainda
que, embora todos os livros canônicos sejam inspirados, nem todos têm a mesma
importância ou volume. É natural esperar que cartas pequenas como Judas, e as
duas últimas cartas de João, fossem bem menos mencionadas do que
os Evangelhos, Atos, Romanos, etc.

Também é preciso observar que havia outros livros cristãos antigos: evangelhos,
cartas, atos, apocalipses, etc. Alguns desses livros foram escritos por crentes
piedosos do primeiro e segundo séculos, outros eram indevidamente atribuídos
aos apóstolos ou aos seus contemporâneos. Algum tempo, é claro, seria
necessário para que a igreja, de um modo geral, de posse já de todos os livros
canônicos, bem como de muitos outros não canônicos, viesse a avaliar a autoria,
testemunho externo e interno, e discernir, pela ação do Espírito Santo, quais
livros realmente pertenceriam ao cânon. Isso tudo, entretanto, ocorreu de modo
surpreendentemente rápido, de maneira que antes que cem anos se passassem,
praticamente todos os livros do Novo Testamento já eram conhecidos, reunidos,
reverenciados e tidos como autoritativos, conforme atestam as evidências
históricas existentes.

Critérios de Canonicidade dos Livros do Novo Testamento

A principal questão teológica com relação ao cânon do NT diz respeito ao


critério ou critérios que determinaram a canonicidade dos livros do NT. Por que
os vinte e sete livros, e apenas estes, incluídos em nossas-Bíblias são aceitos
como canônicos? A resposta a esta pergunta encontra-se, em última instância, na
doutrina da inspiração. São canônicos os livros que foram inspirados por Deus.
Mas como foi reconhecida a inspiração dos livros do NT? Quais os critérios
que levaram a igreja a aceitar todos os vinte e sete livros, e apenas estes, como
inspirados e conseqüentemente canônicos?

1) O Testemunho Interno do Espírito Santo

O critério essencial é o mesmo que levou ao reconhecimento do Antigo


Testamento: o testemunho interno do Espírito Santo na igreja como um todo. É
certo, como já foi mencionado, que crentes individuais podem falhar em
identificar ou não certos livros como canônicos — especialmente em épocas de
transição, como nos primeiros séculos da igreja na nova dispensação e durante o
período da Reforma. Não obstante, o testemunho da igreja como corpo
(não como instituição ou indivíduos isoladamente) é o principal critério
de verificação da canonicidade das Escrituras.

Isso não significa dizer, entretanto, que seja a igreja quem tenha determinado o
cânon. Quem determinou o cânon foi o Espírito Santo que o inspirou. A igreja
apenas o reconheceu, o discerniu, pela iluminação do próprio Espírito Santo, que
habita nos seus membros individuais. William Whitaker, professor de Teologia
na Universidade de Cambridge, no livro Disputation on Holy Scripture,
publicado em 1588, e freqüentemente citado na Assembléia de
Westminster, resume o papel da igreja como corpo e dos crentes individuais
com relação ao reconhecimento do cânon, com as seguintes palavras:
“...a autoridade da igreja pode, a princípio mover-nos a reconhecermos
as Escrituras: mas depois, quando nós mesmos lemos as Escrituras, e
as compreendemos, concebemos uma fé verdadeira...”34 — isto é,
somos convencidos pelo Espírito da sua veracidade e identidade.

As evidências históricas deste reconhecimento do cânon do Novo Testamento


pela igreja são abundantes.

Logo no final do primeiro século e início do segundo (até 120 d.C.), boa parte
dos livros do Novo Testamento já era conhecida, citada e até reverenciada como
autoritativa pelos primeiros escritos cristãos que chegaram até nós. É o caso da
Carta de Clemente de Roma aos Coríntios, escrita por volta do ano 95; das cartas
de Inácio de Antioquia da Síria, bispo que morreu martirizado em Roma entre 98
e 117; da Epístola aos Filipenses, de Policarpo, discípulo de João que morreu
martirizado, escrita pouco antes do martírio de Inácio;

etc. Apenas a segunda e terceira Carta de João e a carta de Judas não são
mencionadas nestes escritos mais antigos; obviamente por falta de oportunidade,
visto serem muito pequenas.

Na metade do segundo e no terceiro século, quando já há mais abundância de


escritos, preservados,35 todos os livros do NT são citados, e todos, de modo
geral, reconhecidos como autoritativos, embora a canonicidade de alguns livros
seja colocada em dúvida ou rejeitada por um ou outro autor antigo. Orígenes de
Alexandria (185-250) e Eusébio de Cesaréia (265-340), seguindo Orígenes, por
exemplo, parecem lançar dúvidas sobre Hebreus, 2 Pedro, 2 e 3 João, Tiago e
Judas. Neste período, o assunto da canonicidade dos livros foi debatido e
defendido, tendo em vista as posições heréticas, como as de Marci-ão e outros
representantes do gnosticismo. Em 367, Atanásio apresenta uma lista dos livros
canônicos do Novo Testamento, incluindo todos os vinte e sete livros, e apenas
estes. Finalmente, em 397, no Concilio de Cartago, a igreja reconheceu
oficialmente todos os vinte e sete livros, e só estes, como canônicos. Esta
decisão foi ratificada pelo Concilio de Hipona, em 419.

2) Origem Apostólica

Pelo lado humano, a origem apostólica foi, sem dúvida, o critério mais
importante considerado pela igreja, para o reconhecimento da canonicidade do
Novo Testamento. Assim como os profetas (no sentido lato) do Antigo
Testamento eram a voz autorizada de Deus para o povo — e de algum modo,
todos os livros do AT têm origem profética — assim também a origem apostólica
autenticava um livro como autoritativo, e conseqüentemente canônico. Os
apóstolos eram as testemunhas autorizadas escolhidas por Jesus, como dirigentes
da igreja que surgia. Para os pais da igreja este era o critério mais importante.
Fosse possível provar que um determinado livro era de origem apostólica, isso
seria suficiente para ser reconhecido como canônico. Por outro lado, havendo
dúvida quanto à origem apostólica

fatalmente haveria relutância — como realmente houve — na aceitação da


canonicidade de um livro.

O fato é que todos os livros aceitos como canônicos eram de autoria apostólica,
ou tidos como de origem apostólica. Mesmo Marcos está ligado a Pedro (foi até
chamado de Evangelho de Pedro), Lucas e Atos provinham da autoridade de
Paulo; e Hebreus era também considerado de Paulo; Tiago e Judas, dos apóstolos
que tinham esse nome.

3) O Conteúdo dos Livros

O conteúdo dos livros também foi sempre um critério importante no


reconhecimento da canonicidade dos livros do NT. Livro algum, em desacordo
com o padrão doutrinário e moral, ensinado por Jesus e os apóstolos, seria
recebido como autoritativo. Foi assim que muitos escritos heréticos foram
repudiados pela igreja. Foi com base nesta regra, também, que muitos livros
apócrifos foram rejeitados, visto que em franco desacordo com o caráter,
simplicidade, doutrinas e ética dos livros canônicos.

4) As Evidências Internas do NT

Embora os critérios acima tenham sido decisivos, as evidências internas do


próprio NT, quanto à inspiração e autoridade de alguns desses livros, revestem-
se de especial importância. E claro que não se deve esperar encontrar uma lista
completa do cânon do Novo Testamento dentro do próprio Novo Testamento.
Não é assim que Deus age. O lado humano da revelação (o instrumento) não é
eclipsado *pelo divino —- não é assim na inspiração (as Escrituras não
são pneumagrafadas), não é assim na preservação (as Escrituras não
são pneumapreservadas), e também não é assim no cânon (as Escrituras não são
pneumacanonizadas). O elemento fé permeia toda a Bíblia, e “a fé é a convicção
de fatos que se não vêem”(Hb 11:1).

Isto, entretanto, não significa de modo algum que os autores dos livros do Novo
Testamento e seus primeiros leitores não tivessem consciência da inspiração
desses livros. Alguns assim afirmam dizendo que, de início, as cartas e
Evangelhos foram escritos e recebidos como cartas e livros comuns, sem
pretensão de inspiração ou
canonicidade, por parte dos autores e leitores. Contudo tal afirmação não
corresponde aos fatos. Há, no prório Novo Testamento, evidências claras da
inspiração, autoridade e conseqüente canonicidade desses livros. O apóstolo
Paulo não escreve como alguém que aconselha, exorta ou ensina de si mesmo,
mas com autoridade divina, extraordinária. De onde provém a autoridade de
Paulo, ao exortar os Gálatas (1:8), dizendo: “...ainda que nós, ou mesmo um anjo
vindo do céu vos pregue evangelho que vá além do que vos tenho pregado, seja
anáte-, ma”? Ele explica logo a seguir, quando afirma: “...o evangelho por mim
anunciado não é segundo o homem; porque eu não o recebi, nem o aprendi de
homem algum, mas mediante revelação de Jesus Cristo” (G1 1:11,12).

Que os livros do NT não tinham caráter meramente circunstancial, específico e


momentâneo é evidente nas exortações no sentido de que fossem lidos
publicamente (o que só se fazia com as Escrituras), e em outras igrejas (1 Ts
5:27; Cl 4:16). Paulo afirma que os tessalonicenses receberam as suas palavras
como palavra de Deus; e ele confirma que realmente são:
Outra razão ainda temos nós para incessantemente dar graças a Deus: é que, tendo vós recebido a
palavra que de nós ouvistes, que é de Deus, acolhestes não como palavra de homem, e sim, como, em
verdade é, a palavra de Deus, a qual, com efeito, eslá operando eficazmente em vós, os que credes (1
Ts 2:13).

O apóstolo Pedro também coloca os escritos de Paulo em pé de igualdade com as


Escrituras, reconhecendo autoridade igual à do Antigo Testamento:
...e tende por salvação a longanimidade de nosso Senhor, como igualmente o nosso amado irmão
Paulo vos escreveu, segundo a sabedoria que lhe foi dada, ao falar acerca destes assuntos, como de
fato costuma fazer em todas as suas epístolas, nas quais há certas coisas difíceis de entender, que os
ignorantes e instáveis deturpam, como também deturpam as demais Escrituras, para a própria
destruição deles (2 Pe 3:15-16).

Em 1 Timóteo 5:18, o texto de Lucas 10:7 é chamado de Escritura, juntamente


com Deuteronômio 25:4: “Pois a Escritura declara: Não amordaces o boi,
quando pisa o grão (Dt 25:4). E ainda: O trabalhador é digno do seu salário” (Lc
10:7).

Os Livros Disputados

Como já mencionado, alguns pais da igreja tiveram dúvidas quanto à


canonicidade de alguns livros do NT. Enquanto a maioria dos livros
praticamente nunca tiveram a sua canonicidade disputada pela igreja, outros
sofreram alguma resistência, embora parcial, para serem aceitos como
canônicos. Os principais foram: Hebreus, Tiago, 2 Pedro, 2 e 3 João, Judas e
Apocalipse.

Entretanto, não é difícil compreender as razões desta relutância, pois cada um


desses livros apresenta uma ou outra característica que, de certo modo,
justificava o zelo por parte da igreja em averiguar mais cuidadosamente a
canonicidade deles. Afinal, haviam outros livros cristãos, de conteúdo fiel e
ortodoxo, que poderiam ser confundidos, se não houvesse discernimento por
parte da igreja; a exemplo do que aconteceu com os apócrifos do Antigo
Testamento, pela Igreja Católica.

Não é muito difícil compreender os motivos que levaram os referidos livros a


terem sua canonicidade disputada. No caso de Hebreus, o problema estava na
autoria e estilo. A tradição dizia ser de Paulo, mas não há o nome do autor, como
é costume de Paulo. O estilo também não é exatamente o mesmo, embora haja
muita semelhança. Com relação a Tiago, a aparente discrepância
doutrinária com as demais cartas e a possibilidade de haver sido escrita por
outro Tiago certamente dificultaram o reconhecimento da sua canonicidade. A
segunda carta de Pedro, além de, por razões desconhecidas, provavelmente haver
tido circulação limitada, apresenta alguma diferença de vocabulário e estilo, o
que, segundo Jerônimo, foi a causa de alguns pais duvidarem da genuinidade da
epístola.36 Quanto a Judas e 2 e 3 João, o próprio tamanho, importância
relativamente menor, e a natureza mais pessoal das duas últimas, certamente
dificultaram a circulação e reconhecimento delas no cânon — no caso de Judas,
a questão da origem apostólica também pesou. Já o livro de Apocalipse, o qual
teve aceitação generalizada no segundo século, teve sua canonicidade
posteriormente disputada, provavelmente pela dúvida

lançada por Dionísio de Alexandria, seguido por Eusébio de Cesaréia, quanto à


origem apostólica do livro, devido ao que consideravam diferenças de estilo
entre ele e o Evangelho de João; o que o levou a atribuir o livro a um outro João.

E claro que estas dificuldades são todas aparentes. Estilo não pode ser
determinante, pois a natureza do assunto pode acarretar mudança de estilo. Além
disso era comum o uso de amanuenses. Tamanho “também não é documento;” e
assuntos relativamente menos importantes tornam-se importantíssimos em
determinadas circunstâncias — a História da Igreja tem comprovado isso.
Quantas vezes as cartas de Judas, 2 e 3 João têm sido de valor inestimável para
pessoas e igrejas específicas! A “discrepância” doutrinária de Tiago já tem sido
suficientemente explicada: é apenas aparente. A relutância por parte de alguns,
no terceiro ou quarto séculos em reconhecer a cano-nicidade desses livros não
deve de modo algum ser encarada como necessariamente depreciativa. Pelo
contrário, por mais que tenham sido submetidos a teste, até pelos reformadores,
esses livros foram aprovados pela História, e encontraram lugar seguro e
imbatível no cânon do Novo Testamento.

Conclusão

Sejam quais forem os critérios que mais influenciaram os pais da igreja no


reconhecimento dos livros do Novo Testamento, e apesar da relutância de alguns
em aceitar todos os vinte e sete livros, e não obstante o grande número de livros
apócrifos que surgiram nos primeiros séculos, o verdadeiro cânon teria que
prevalecer. E prevaleceu. Inspirados que eram, tinham poder espiritual inerente.
E este poder manifestou-se de tal modo que todos os ramos do
cristianismo alcançaram unanimidade espantosa, de modo que desde pelo
menos Atanásio, o primeiro a apresentar uma lista completa do cânon do NT, até
nossos dias, não tem havido nenhuma objeção realmente séria quanto à
canonicidade do NT, nos três principais ramos do cristianismo.

CAPÍTULO 4

1
Ler Romanos 3:2.

2
A. Bentzen, Introdução ao Antigo Testamento, 29.

3
Ordem dos escribas que originou-se com Esdras, e que se estendeu até 200 AD, cuja função era preservar
puro o texto bíblico.

4
O que funcionava mais ou menos como os modernos dígitos verificadores usados nos computadores para
evitar erros em informações importantes como número de contas bancárias, CPF, CGC, etc.

5
22 Ele menciona vinte e dois, ao invés de vinte e quatro, porque com certeza, originalmente, Rute era
agrupado com Juizes e Lamentações com Jeremias.

6
Capítulo primeiro.

7
Gleason L. Archer Jr, Merece Confiança o Antigo Testamento?, 76.

8
R. L. Harris, Inspiration and Canonicity of the Bible-, An Historical and Exegetical Study, 216; Wilbur N.
Pickering, The Identity of the New Testament Text, 93-96; e Gleason L. Archer Jr, Merece Confiança o
Antigo Testamento?, 51.

9
“...é provável que certas porções do Anligo Testamento sirlaco, em primeiro lugar o Penta-teuco, tenham
sido introduzidos naquele reino nos meados do primeiro século de nossa era” (R. A. H. Gunner, Texto e
Versões do Antigo Testamento. Versão Siríaca, 1598).

10
Com exceção de Enoque 1:9, aludido em Judas 14-16; contudo, não citado autoritativa-mente, e sim como
qualquer outro autor; assim como Paulo cita Arato em Alos 17:28 e Menander em 1 Corinlios 15:33.

11
v>
R. L. Harris, Inspiration and Canonicity of the Bible, 192.

12
311 Gleason L, Archer Jr, Merece Confiança o Antigo Testamento?, 80.

13
Jerônimo foi o primeiro a usar o termo apócrifo.

14
A. Bentzen, Introdução ao Antigo Testamento, 49
INSPIRAÇÃO DAS ESCRITURAS
Sob o nome de Escrituras Sagradas, ou Palavra de Deus escrita, incluem-se agora todos os livros do
Velho e do Novo Testamentos, todos dados por inspiração de Deus para serem a regra de fé e prática, que
são os seguintes: Gênesis... Apocalipse.

Os livros geralmente chamados Apócrifos, não sendo de inspiração divina, não fazem parte do Cânon da
Escritura; não são, portanto, de autoridade na Igreja de Deus, nem de modo algum podem ser aprovados
ou empregados senão como escritos humanos (parágrafos II e III).

Além de identificar o cânon, estes parágrafos da


Confissão de Fé de Westminster professam também a doutrina da inspiração das
Escrituras. Trata-se de ima das doutrinas fundamentais da fé cristã. Uma
doutrina tão importante que pode ser considerada a base de todas as demais.
Colocá-la em dúvida significa duvidar da autoria divina das Escrituras. E, ao se
fazer isso, a Bíblia é equiparada aos demais livros. Colocar em dúvida a
inspiração de qualquer texto bíblico é lançar fora a Bíblia toda, é abdicar da
sua autoridade e inerrância, é rejeitá-la como regra infalível de fé e prática.

É verdade que nos últimos dois séculos os ventos da alta crítica, do racionalismo
e do liberalismo têm soprado violentamente contra esta coluna da fé cristã, com
o intuito deliberado de derrubá-la. É verdade que em boa parte — talvez até na
maioria — dos seminários teológicos da Europa e dos Estados Unidos esta viga
mestra da verdade evangélica foi despedaçada. A situação atual das igrejas
protes-
57 Ler 2 Timóteo 3:16 e 2 Pedro 1:20-21.

tantes nesses países ilustra as implicações desta postura com relação à doutrina
da inspiração.

Mas é verdade, também, que basta uma leitura superficial da história desta
doutrina para se constatar que desde o início, e no decorrer dos séculos, a “igreja
se manteve firme na convicção de que a Bíblia é a Palavra de Deus inspirada e,
portanto, infalível.”38 Era assim que os judeus consideravam a Lei, os Profetas e
os Escritos; era desse modo que o próprio Senhor Jesus via as Escrituras. Era
esta a doutrina dos apóstolos. Esta mesma reverência demonstraram os pais da
igreja39 abundantemente em seus escritos. Esta foi também, sem dúvida, a
posição dos reformadores, cujos dois grandes princípios doutrinários foram a
justificação pela graça mediante a fé e a suprema autoridade das Escrituras. Bem
como era essa também a doutrina dos puritanos e das confissões de fé
protestantes ortodoxas até hoje. Ao sustentar a doutrina da inspiração verbal das
Escrituras, podemos ter a segurança de estar em excelente companhia.

DEFINIÇÃO DA DOUTRINA

O que queremos dizer quando nos referimos à inspiração das Escrituras? Que as
Escrituras são de origem divina. Que, embora a Bíblia tenha sido escrita por
cerca de quarenta pessoas, essas pessoas a escreveram movidas pelo Espírito
Santo, e de tal modo dirigidas por ele, que tudo o que foi registrado por elas nas
Escrituras constitui-se em revelação autoritativa de Deus. Não somente as idéias
gerais ou fatos revelados foram registrados, mas as próprias
palavras empregadas foram escolhidas pelo Espírito Santo, pela livre instru-
mentalidade dos escritores. Desse modo, a Bíblia se distingue de todos os demais
escritos humanos, pois cada palavra sua é a própria Palavra de Deus; e, portanto,
infalível e inerrante.

Convém observar que a inspiração distingue-se da revelação especialmente


quanto ao propósito: enquanto o propósito da revelação é a comunicação de
verdades que aprouve a Deus transmitir, o
38 Luis Berkhof, Introducion a la Teologia Sistemática, 159.

3'J Tais como Clemente de Roma, Inácio de Antioquia, Policarpo, lrineu, Justino o Mártir, Clemente de
Alexandria, Tertuliano, Hipólito, Agostinho e muilos outros.

propósito da inspiração é assegurar a infalibilidade do registro daquilo que foi


revelado.

EVIDÊNCIAS INDIRETAS DA INSPIRAÇÃO

Sua Extraordinária Unidade

A singularidade da unidade das Escrituras é incontestável, especialmente quando


se considera a sua diversidade. São nada menos que quarenta autores, das mais
variadas classes, culturas e posições sociais, entre os quais pastores, pescadores,
legisladores, reis, médico, sacerdotes, governadores e fariseus, a maioria dos
quais nunca viu um ao outro face a face. Estes autores também viveram em
tempos muito diversos, abrangendo mais de dezesseis séculos. Os tipos
de escritos também são os mais variados possíveis, incluindo livros históricos,
biográficos, proféticos, éticos, poéticos, tratando de assuntos incrivelmente
diversificados, abrangendo desde a criação do mundo até a consumação dos
séculos. Não obstante tudo isso, a Bíblia é essencialmente um livro. Trata de uma
mesma história: a história da redenção; converge para uma mesma pessoa:
Cristo, e, por mais que se busque, não se encontra qualquer real contradição ou
incoerência entre todos os seus ensinos, relatos e exortações. Não é isto forte
evidência da sua inspiração?

A Excelência da Sua Mensagem

A profundidade do conteúdo das Escrituras é tão sobrenatural e contrário aos


pensamentos do homem que também se constitui forte evidência da sua origem
divina. Como escreveu Ryle, a Bíblia...
...ousadamente trata de assuntos que vão além do conhecimento humano, quando um homem é
deixado por conta própria. Trata de coisas que são misteriosas e invisíveis: a alma, o mundo vindouro
e a eternidade, profundidades estas que nenhum homem pode sondar. Todos os que têm procurado
escrever a respeito destas coisas, sem possuir iluminação proveniente da Bíblia, fizeram pouco mais
do que mostrar sua própria ignorância... Quão obscuros estavam os pontos de vista de Sócrates,
Platão, Cícero e Sêneca!

Um bem versado aluno de Escola Dominical de nossos dias conhece mais verdades espirituais do que
todos aqueles sábios juntos.1

Somente a Bíblia fornece explicação razoável a respeito da origem, estado e


propósito do homem e do mundo em que vive. O homem não poderia inventar
um Deus triúno, santo, justo, soberano, independente, onipotente, onisciente,
onipresente, longânimo, misericordioso e amoroso como o Deus que a Bíblia
revela. O homem não conceberia a si próprio como totalmente corrompido e
plenamente culpado por causa do pecado, como a Bíblia o descreve. Nem
tão pouco conceberia um meio de salvação como o que a Bíblia apresenta,
através do qual só serão salvos os eleitos de Deus, predestinados, segundo o seu
eterno propósito, para a salvação pela graça, mediante a fé no sacrifício vicário
de Cristo, o Filho de Deus, na cruz. Tal mensagem é inconcebível ao homem
natural; é loucura para os que se perdem (1 Co 1:18). Comparar a Bíblia com os
demais escritos religiosos, tais como o Alcorão ou o Livro dos Mórmons é como
comparar o sol com uma vela. Parece até que Deus permitiu a existência de tais
supostas “revelações,” a fim de provar a imensurável superioridade de sua
própria Palavra e comprovar a sua inspiração.2
A Experiência Incontestável do Seu Poder

As Escrituras reivindicam ser o instrumento de uma obra sobrenatural que pode


ser efetuada no coração de qualquer ser humano. Ela afirma ser o poder de Deus
para a salvação de todo aquele que nela crê. Afirma que a sua mensagem pode
vivificar mortos espirituais, regenerando-os e transformando-os em novas
criaturas em Cristo Jesus. Ela afirma ainda que tais pessoas são resgatadas não
apenas da culpa como também do domínio do pecado, os quais demonstram
isso passando a oferecer os seus membros não como instrumentos de iniqüidade,
como outrora, mas como instrumentos de justiça.

Pode-se constatar tais asseverações? Em caso positivo, tal livro só pode ser de
origem divina, isto é, inspirado por Deus. Qual é a resposta? Basta olhar para a
vida de Paulo, de Pedro, de Agostinho, John

Bunyan, de John Newton, Whitefield, de Wesley, e de milhares e milhares, os


quais, como o endemoninhado gadareno, foram tão radicalmente transformados
pela instrumentalidade deste livro, sendo trazidos à sobriedade, que tornaram-se
irreconhecíveis, quando comparados ao que outrora haviam sido.

O mais espantoso é que a Bíblia tem operado tal transformação em seres


humanos independentemente da cor, raça, época, condição social, inteligência,
sexo ou idade. Ricos e pobres, homens e mulheres, crianças e pessoas idosas,
pessoas de pouca inteligência e verdadeiros gigantes intelectuais: todos têm sido
objetos do poder transformador de Deus através das Escrituras.

EVIDÊNCIAS DIRETAS DA INSPIRAÇÃO

A doutrina da inspiração das Escrituras não se fundamenta apenas em evidências


indiretas. Há também evidências diretas (internas) suficientes e incontestáveis.

Ensino de Jesus

Não pode haver dúvida razoável quanto à reverência do próprio Senhor Jesus
com relação à Palavra de Deus. Em Mateus 5:17,18, Ele afirma, referindo-se aos
livros do Antigo Testamento, que nem um i ou til passará da lei, até que tudo se
cumpra. Em João 10:35, Ele declara que a “Escritura não pode falhar” (ver Lc
24:44).
Fórmulas proféticas

Os próprios profetas do Antigo Testamento reivindicam falar palavras de Deus.


É por isso que frequentemente introduzem suas profecias com as expressões:
“assim diz o Senhor,” “ouvi a palavra do Senhor,” ou “palavra que veio da parte
do Senhor.”

Citações do Antigo Testamento

Vários textos do Antigo Testamento são citados, sendo atribuídos a Deus ou ao


Espírito Santo. Exemplo: “Assim diz o Espírito Santo...” (Hb 3:7ss).3

Referências Explícitas

Os apóstolos Paulo e Pedro ensinam explicitamente a doutrina da Inspiração das


Escrituras nos dois textos considerados clássicos sobre o assunto. Em 2 Timóteo
3:16, Paulo afirma, de modo claro, que “toda a Escritura é inspirada por Deus.”
E Pedro, em 2 Pedro 1:20,21, explica que “nenhuma profecia da Escritura
provém de particular elucidação; porque nunca, jamais qualquer profecia foi
dada por vontade humana, entretanto, homens santos falaram da parte de Deus,
movidos pelo Espírito Santo.”

NATUREZA DA INSPIRAÇÃO

Mas qual é a real natureza da inspiração? Como se relacionam os autores


primário e secundário das Escrituras? Como se explica a ação do Espírito Santo,
pela qual foram inspirados os diversos autores bíblicos?

Inspiração Mecânica.

Ao se afirmar que toda Escritura é inspirada por Deus, não se quer dizer com
isso que cada palavra foi ditada pelo Espírito Santo, de modo a anular a mente e
a personalidade daqueles que a escreveram. Os autores bíblicos não escreveram
mecanicamente. Não, as Escrituras não foram psicografadas, ou melhor,
“pneumagrafadas.”

Talvez, em alguns casos, os autores nem tivessem consciência de que estivessem


escrevendo inspirados pelo Espírito Santo. Em outros, os autores bíblicos não
foram muito mais do que copistas, visto que apenas transcreveram as palavras de
Deus, como por exemplo em Gênesis 22:15-18; Êxodo 20:1-17; e Isaías 43.

Mas os diversos livros da Bíblia revelam claramente as características culturais,


intelectuais, estilísticas e circunstanciais dos diversos autores. Paulo não escreve
como João ou Pedro. Lucas faz uso de pesquisas para escrever seu Evangelho e
o livro de Atos. Cada autor escreveu na sua própria língua: hebraico, grego,
aramaico. Os autores bíblicos, embora secundários, não foram instrumentos
passivos nas mãos de Deus. A superintendência do Espírito não eliminou de
modo algum as suas características e peculiaridades individuais.

Inspiração Dinâmica

O extremo oposto do conceito de inspiração mecânica é o que se convencionou


chamar de inspiração dinâmica. Trata-se de um conceito racionalista que
influenciou o método histórico-crítico de interpretação, e que reduz a inspiração
à iluminação. Segundo este conceito, os autores bíblicos foram apenas homens
iluminados. A excelência dos seus escritos deve ser atribuída à influência
santificadora no caráter, mente e palavras deles, devido à comunhão profunda
com Deus ou pela convivência com Jesus, e não a uma ação sobrenatural e ímpar
do Espírito Santo.

Mas tal concepção reduz as Escrituras à mesma categoria dos livros judaico-
cristãos, distinguindo-se destes meramente quanto ao grau de iluminação. Tal
doutrina despoja a Bíblia do seu caráter sobrenatural e autoritativo. Torna-a
falível e admite a possibilidade de erros no seu conteúdo.

Inspiração Orgânica

E esta a concepção bíblica e genuinamente reformada quanto à natureza da


inspiração, conforme podemos apreender do ensino da própria Escritura. O
Espírito Santo, o autor primário das Escrituras, dirigiu, guiou e supervisionou os
autores secundários, a fim de garantir que tudo quanto escrevessem como
canônico fosse isento de erro e correspondesse perfeitamente à revelação de
Deus. Mas, para isso, usou as características, no que diz respeito ao caráter,
temperamento, dons, cultura, educação, vocabulário, estilo, etc., peculiares
a cada um deles. Nas palavras do apóstolo Pedro, homens santos falaram da
parte de Deus movidos (BeówewTOS') pelo Espírito Santo.
Isto é, dirigidos, guiados, orientados, supervisionados pelo Espírito Santo.

A doutrina da inspiração orgânica explica-se do mesmo modo que outras


doutrinas bíblicas,4 através da sobrenatural harmonia entre a soberania de Deus e
a responsabilidade humana. Nas palavras de Boettner:
A obra do Espírito Santo na inspiração não deve ser considerada mais misteriosa do que sua obra nas
demais esferas da graça e providência. O primeiro exercício da fé salvadora na regeneração da alma,
por exemplo, é, ao mesmo tempo, uma obra induzida pelo Espírito Santo e um ato livremente
escolhido da pessoa.5

EXTENSÃO DA INSPIRAÇÃO

A extensão da inspiração das Escrituras diz respeito ao conteúdo da Palavra de


Deus. Modernamente a questão tem sido colocada nestes termos: as Escrituras
contém ou são a Palavra de Deus?

Inspiração Parcial

Aqueles que respondem que as Escrituras contém a Palavra de Deus defendem a


doutrina da inspiração parcial das Escrituras. Afirmam que nem todo o conteúdo
do cânon é inspirado. Esta é a posição dos teólogos liberais, influenciados pelo
deísmo e pelo racionalismo do século XVIII. Mas não se pode atribuir este erro
apenas aos modernos teólogos liberais. Marcião, no segundo século de nossa
era, bem como todos os que rejeitaram o cânon, incorreu no mesmo erro.

O mais grave é que, atribuindo a si próprios o direito de delimitar o que é ou não


inspirado nas Escrituras, os defensores da inspiração parcial, se constituem como
juizes sobre a Palavra de Deus. Contudo, a fragilidade de tais juizes se evidencia
na hora de determinarem que partes das Escrituras são inspiradas. Para uns, só as
porções doutrinárias. Para outros, só o Novo Testamento. Outros, só reconhecem
a inspiração das palavras de Jesus. Enquanto há os que

rejeitam passagens sobrenaturais. Existem outros, ainda, que chegam a aceitar


como inspirado somente o Sermão do Monte.

Conforme observou Gerhard Maier, de Tübingen, depois de cerca de duzentos


anos de pesquisas, a escola histórico-crítica obviamente não conseguiu definir
afinal qual seria o suposto cânon dentro do cânon.6 Berkhof não deve estar muito
distante da verdade ao afirmar que “aceitar quaisquer das formas de inspiração
parcial das Escrituras é, praticamente, ficar sem Bíblia.”7

Inspiração Mental

A doutrina da inspiração mental das Escrituras é uma tentativa de conciliar a


doutrina da inspiração com a suposta falibilidade das Escrituras. E uma vã
tentativa de conciliar incredulidade e fé. Para os que assim pensam, a afirmativa
bíblica de que toda Escritura foi inspirada por Deus, significa apenas que os
pensamentos foram inspirados, não o registro desses pensamentos. Desse modo,
é possível continuar a afirmar que toda a Escritura é inspirada por Deus —
os pensamentos por detrás do que está escrito — e ao mesmo tempo admitir a
existência de erros no seu registro.

Atitude similar adotam os que querem conciliar o criacionismo bíblico com o


evolucionismo “científico,” ensinando o evolucionismo bíblico, através do qual
Deus teria criado formas preliminares de vida, as quais teriam posteriormente
evoluído, conforme a teoria evolucionista, E, sem dúvida, desesperadora a
situação daqueles que, pela incredulidade, rejeitam a doutrina da inspiração
verbal das Escrituras, e tentam inutilmente construir outra rocha na qual
possam agarrar-se.

Inspiração Verbal

A doutrina da inspiração verbal das Escrituras eqüivale à expressão inspiração


plenária, usada pelos teólogos reformados de Princeton, como Charles e
Alexander Hodge, os quais afirmam com

isto que as Escrituras são plenamente ou completamente inspiradas, e, portanto,


livres de erro. O termo verbal passou a ser usado, explica Harris, para preservar
o mesmo sentido, e evitar deturpações daqueles que querem usar o termo
plenária significando apenas que “todas as partes da Bíblia, de Gênesis a
Apocalipse, foram de algum modo produzidas por Deus, sem que, contudo,
sejam necessariamente de origem divina.”47 Quando dizemos crer na inspiração
verbal das Escrituras, não há margem para deturpação: cremos que cada
palavra das Escrituras foi igual e plenamente inspirada por Deus, sendo,
portanto, um registro fidedigno da revelação divina.
Que Jesus cria na inspiração verbal das Escrituras fica evidente, especialmente
em Mateus 5:17-18, quando afirma, referindo-se aos livros do Antigo
Testamento, que nem um i ou til passará da lei, até que tudo se cumpra. A atitude
de Jesus para com as Escrituras é a mesma em João 10:34 e 35, onde baseia sua
argumentação em apenas duas palavras do AT: Sois deuses, e conclui afirmando
que “as Escrituras não podem falhar.” O mesmo ocorre em Mateus 22:43-
45, quando Jesus fundamenta toda a sua exegese e conseqüente argumento em
uma só palavra do Salmo 110:1: Senhor.

O apóstolo Paulo também demonstra, na sua prática exegética, a mesma


confiança na doutrina da inspiração verbal das Escrituras. Em Gálatas 3:16,
seguindo o mesmo princípio exegético de Jesus, ele também fundamenta sua
argumentação em uma só palavra, ou melhor, no número (singular) de uma
palavra: descendente e não descendentes.

CONCLUSÃO

As Escrituras têm natureza divino-humana: são a Palavra de Deus escrita em


linguagem humana, por pessoas em pleno uso de suas faculdades. Mas de tal
modo dirigidas pelo Espírito Santo que tudo o que registraram como canônico
foi preservado do erro, constituindo-se revelação infalível e inerrante de Deus ao
homem.

Em função disso, não podemos nos aproximar das Escrituras como se estas
fossem mero produto do espírito humano, proveniente de particular elucidação
ou discernimento (2 Pe 1:20-21). Também não podemos nos aproximar dela,
como se fosse um livro “pneuma-grafado,” sem considerar devidamente o seu
contexto histórico. E preciso também rejeitar qualquer forma de inspiração
parcial ou mental das Escrituras. Toda a Escritura e cada palavra dela foi
inspirada pelo Espírito Santo.

CAPÍTULO 5

1
J. C. Ryle, A Inspiração das Escrituras, 1-2.

2
J. C. Ryle, A Inspiração das Escrituras. 4,
3
Ver também Hebreus 4:3,5:6,10:15,16.

4
Tais como os decretos de Deus, a eleição, a predestinação, a redenção, ea perseverança dos

santos.

5
Loraine Boettner, Studies in Theology, 25.

6
De acordo com Enio Ronald Mueller, O Método Histórico-Critico; Uma Avaliação, 262.

7
Luis Berkhof, Introducion a la Teologia Sistemática, 171.
AUTORIDADE DAS ESCRITURAS 8

A autoridade da Escritura Sagrada, razão pela qual deve ser crida e obedecida, não depende do
testemunho de qualquer homem ou igreja, mas depende somente de Deus (a mesma verdade) que é o seu
Autor; tem, portanto, de ser recebida, porque é a Palavra de Deus.

Pelo testemunho da Igreja podemos ser movidos e incitados a um alto e reverente apreço pela Escritura
Sagrada; a suprema excelência do seu conteúdo, a eficácia da sua doutrina, a majestade do seu estilo, a
harmonia de todas as suas partes, o escopo do seu todo (que é dar a Deus toda a glória), a plena
revelação que faz do único meio de salvar-se o homem, as suas muitas outras excelências incomparáveis
e completa perfeição são argumentos pelos quais abundantemente se evidencia ser ela a Palavra de
Deus; contudo, a nossa plena persuasão e certeza da sua infalível verdade e divina autoridade provém da
operação interna do Espirito Santo que pela Palavra e com a Palavra, testifica em nossos corações
(Parágrafos IV e V).

Esta foi outra doutrina fundamental da Reforma


do século XVI. Em contraposição à doutrina
católico-romana de uma tradição oral apostólica,
a qual, na prática, havia se igualado à autoridade
das Escrituras, os reformados defenderam a
doutrina da autoridade suprema das Escrituras.
Sola Scriptura foi, portanto, a resposta dos reformadores à autoridade da
tradição e da igreja.

DEFINIÇÃO

O que significa a doutrina da autoridade das Escrituras? Significa que, por serem
divinamente inspiradas, são inerrantes, verídicas em todas as suas afirmativas,
não contendo erro algum, histórico ou doutrinário, o que as torna infalíveis, e,
portanto, autoritativas quanto a todos os assuntos sobre os quais faz
asseverações. Segundo 1

esta doutrina, as Escrituras são a fonte infalível de informação que estabelece


definitivamente qualquer assunto nelas tratado; a única regra infalível de fé e de
prática.
EVIDÊNCIAS BÍBLICAS

O Atestado de Jesus

Jesus atesta a autoridade das Escrituras (Antigo Testamento), 1) Pelo modo


como Ele próprio a usa para dirimir qualquer controvérsia: “está escrito”2
(Exemplos: Mt 4:4,6,7,10 etc.); 2) Ao advertir contra erros decorrentes do
desconhecimento das Escrituras: “Errais não conhecendo as Escrituras” (Mt
22:29); e 3) Ao afirmar explicitamente a sua autoridade, dizendo: “A Escritura
não pode falhar” (Jo 10:35).

A Autoridade Apostólica

O apóstolo Paulo afirma a autoridade do Novo Testamento, ao agradecer a Deus


pelos tessalonicenses terem recebido as suas palavras “...não como palavra de
homens, e, sim, como, em verdade é, a palavra de Deus, a qual, com efeito, está
operando eficazmente em vós, os que credes” (1 Ts 2:13).

O apóstolo Pedro, por sua vez, reconhece que os escritos de Paulo tinham a
mesma autoridade das demais Escrituras, ao escrever:
...nosso amado irmão Paulo vos escreveu, segundo a sabedoria que lhe foi dada, ao falar acerca destes
assuntos, como, de fato, costuma fazer em todas as suas epístolas, nas quais há certas cousas difíceis
de entender, que os ignorantes e instáveis deturpam, como também deturpam as demais Escrituras (2
Pe 3:15,16).

Que autoridade tinha o apóstolo Paulo para exortar os gálatas no sentido de


rejeitarem qualquer evangelho que fosse além do Evangelho que ele lhes havia
anunciado, ainda que viesse a ser pregado por anjos? É porque ele sabia que o
Evangelho por ele anunciado não

era segundo homem; porque não o havia aprendido de homem algum, mas
mediante revelação de Jesus Cristo (G1 1:8-12).

A autoridade dos escritos dos demais autores do Novo Testamento, igualmente,


provém do fato de não serem fábulas engenhosamente inventadas, nem produto
de particular elucidação (2 Pe 1:1621). Sua autoridade provém da autoridade do
Espírito Santo, que os inspirou.

Textos como estes demonstram suficientemente a autoridade ímpar, suprema e


incomparável das Escrituras.
NATUREZA DA AUTORIDADE DAS ESCRITURAS

A autoridade das Escrituras é inerente. Ela não depende de homem ou mesmo do


testemunho da igreja. As Escrituras são autori-tativas porque são a Palavra de
Deus. A sua autoridade resulta, portanto, da doutrina da inspiração.

A História da Igreja revela três outras fontes de autoridade, as quais sempre


tendem a usurpar a autoridade das Escrituras: a tradição, degenerada em
tradicionalismo, geralmente resultando no cleri-calismo; a emoção, degenerada
em emocionalismo, freqüentemente produzindo misticismo; e a razão,
degenerada em racionalismo, gerando o materialismo. Sempre que um desses
elementos é indevidamente valorizado, a autoridade das Escrituras é
questionada, diminuída ou mesmo suplantada.

A Tradição Degenerada em Tradicionalismo

Este foi um dos grandes problemas enfrentados pelo Senhor Jesus. A religião
judaica havia se tornado incrivelmente tradicionalista. Havendo cessado a
revelação, os judeus já no terceiro século antes de Cristo produziram uma
infinidade de tradições ou interpretações da Lei, conhecidas como Mishnah.
Essas tradições foram cuidadosamente guardadas pelos escribas e fariseus por
séculos, até serem registradas no século IV e V, passando a ser conhecidas pelo
nome de Talmude, a interpretação judaica oficial do AT até hoje.

Muitas dessas tradições judaicas eram, na verdade, distorções do ensino do AT.


Mas tornaram-se tão autoritativas que suplantaram

a autoridade da Palavra de Deus. Jesus acusou severamente os escri-bas e


fariseus da sua época, dizendo:
Em vão me adoram, ensinando doutrinas que são preceitos de homens. Negligenciando o
mandamento de Deus, guardais a tradição dos homens. E disse-lhes, ainda: Jeitosamente rejeitais o
preceito de Deus para guardardes a vossa própria tradição... invalidando a palavra de Deus pela
vossa própria tradição que vós mesmos transmitistes... (Mc 7:7-9,13).

O apóstolo Paulo também denunciou essa tendência. Eis um exemplo apenas.


Escrevendo aos colossenses ele advertiu:
Cuidado que ninguém vos venha a enredar com sua filosofia e vãs sutilezas, conforme a tradição dos
homens, conforme os rudimentos do mundo e não segundo Cristo... Se morrestes com Cristo para os
rudimentos do mundo, por que, como se vivêsseis no mundo, vos sujeitais a ordenanças: Não
manuseies isto, não proves aquilo, não toques aquilo outro, segundo os preceitos e doutrinas dos
homens? (Cl 2:8,20-22).

Os reformadores se depararam com o mesmo problema: as tradições contidas


nos livros apócrifos e pseudepígrafos, nos escritos dos pais da igreja, nas
decisões conciliares e nas bulas papais também degeneraram em tradicionalismo.
As tradições eclesiásticas adquiriram autoridade que não possuíam, usurpando a
autoridade bíblica.

Este parágrafo da Confissão de Fé deve ser entendido especialmente neste


contexto. Trata-se de uma reação reformada à posição da Igreja Católica. Para a
igreja de Roma, a autoridade das Escrituras depende da autoridade da igreja.
Para ela, é a igreja quem confere autoridade às Escrituras, e a sua interpretação
só é autorizada quando por ela referendada. E a igreja (o clero) quem determina
o sentido autoritativo das Escrituras. Daí o clericalismo — o imenso poder
do clero.

Isto não quer dizer, entretanto, que a tradição eclesiástica seja necessariamente
má. Se a tradição reflete, de fato, o ensino bíblico, estando de acordo com ele, e
se não for considerada normativa ou autoritativa, a não ser que reflita realmente
o ensino bíblico, a tradição não é má. Os próprios reformadores produziram,
registraram e empregaram os símbolos de fé — os quais também são
tradições eclesiásticas. Na concepção reformada, contudo, como já foi explicado,
esses símbolos não têm autoridade própria, sendo normativos

apenas na medida em que refletem fielmente a autoridade das Escrituras.

O problema, portanto, não está na tradição, mas na sua degene-ração, no


tradicionalismo, que atribui à tradição autoridade inerente. O tradicionalismo
atribui autoridade às tradições, pelo simples fato de serem antigas ou geralmente
admitidas, e não por serem bíblicas. Essa tendência acaba sempre usurpando a
autoridade das Escrituras.

A autoridade das Palavra de Deus é, portanto, para os protestantes, uma questão


de fé no testemunho da própria Escritura. Logo, é impossível para o homem
natural aceitar a autoridade das Escrituras nas mesmas bases que o homem
espiritual, visto que as coisas do Espírito de Deus são discernidas
espiritualmente, ou seja, pela ação do próprio Espírito Santo (1 Co 2:14).

A Emoção Degenerada em Emocionalismo


Outra fonte de autoridade que sempre ameaçou a autoridade das Escrituras é a
emoção, quando degenerada em emocionalismo. Isto inevitavelmente conduz ao
misticismo. Freqüentemente valor exagerado é conferido à intuição, ao
sentimento, ao convencimento subjetivo. Quando isso ocorre, facilmente este
sentimento de convicção subjetivo, pessoal, interno é explicado misticamente,
em termos de iluminação espiritual, de revelação divina, direta, por meio do
Espírito, pela instrumentalidade de anjos, sonhos, visões, arrebatamen-tos, etc.

Não é que Deus não se tenha revelado por esses meios. Ele de fato o fez. Foi
pela instrumentalidade desses meios que a. revelação especial foi comunicada à
igreja e registrada pela inspiração do Espírito Santo. O que se está afirmando é
que o misticismo copia, forja essas formas reais de revelação do passado, para
reivindicar autoridade que na verdade não é divina, mas humana — quando não
diabólica.

A tendência não é de modo algum nova. As palavras do Senhor, através do


profeta Jeremias, advertem contra este perigo:
Assim diz o Senhor dos Exércitos: Não deis ouvidos às palavras dos profetas que entre vós
profetizam, e vos enchem de vãs esperanças; falam as vi-

sões do seu coração, não o que vem da boca do Senhor... Até quando sucederá isso no coração dos
profetas que proclamam mentiras, que proclamam só o engano do próprio coração... O profeta que
tem sonho conte-o como apenas sonho; mas aquele em quem está a minha palavra, fale a minha
palavra com verdade. Que tem a palha com o trigo? - diz o Senhor (Jr 23:16,26,28).

Séculos depois, o apóstolo Paulo teve que enfrentar o mesmo problema. Ele foi
instrumento de revelações espirituais verdadeiras, inspirado que foi para escrever
sua cartas canônicas. Sabia muito bem o que eram sonhos, visões, revelações e
arrebatamentos. Mas advertiu os colossenses, dizendo:
Ninguém se faça árbitro contra vós outros, pretextando humildade, culto dos anjos, baseando-se em
visões, enfatuado, sem motivo algum, na sua mente carnal (Cl 2:18).

Tanto Jesus como os apóstolos advertem repetidamente contra os falso profetas,


os quais ensinam como se fossem apóstolos de Cristo, mas que não passam de
enganadores e enganados.

Pois bem, sempre que isso ocorre, a autoridade das Escrituras é ameaçada. O
misticismo, como degeneração das emoções — não se pode esquecer que
também as emoções foram corrompidas pelo pecado — tende sempre a usurpar,
a competir com a autoridade das Escrituras, chegando mesmo a suplantá-la.
Os reformadores também foram obrigados a enfrentar esse problema. Na época
deles também havia grupos místicos por eles chamados de entusiastas,3 os quais
reivindicavam autoridade espiritual interior, luz interior, revelações espirituais
adicionais que suplantavam ou mesmo negavam a autoridade das Escrituras.

De fato, esta tem sido uma das características mais comuns das seitas modernas,
tais como o mormonismo, testemunhas de Jeová, adventismo do sétimo dia, etc.
Entre os movimentos pentecostais e carismáticos também não tem sido incomum
a emoção degenerar em emocionalismo, produzindo um misticismo usurpador da
autoridade das Escrituras.

A Razão Degenerada em Racionalismo

Ênfase exagerada na razão também tende a usurpar a autoridade das Escrituras.


O homem, devido à sua natureza pecaminosa, tem sempre resistido a submeter
sua razão à autoridade das Palavra de Deus. A tendência é sempre tê-la (a razão),
como fonte suprema de autoridade. Tal resistência foi conseqüência da queda.
Na verdade, foi a causa também; tanto de Satanás como de nossos primeiros
pais. Ambos caíram por darem mais crédito às suas próprias conclusões do que à
palavra de Deus, Desde então, esta soberba mental, esta altivez intelectual tem
tendido sempre a minar a autoridade da palavra de Deus, oral (antes de
completado o cânon) ou escrita.

Por que o ser humano, tendo conhecimento de Deus, não o glo-rifíca como Deus,
nem Lhe é grato? O apóstolo Paulo explica: porque “se tornaram nulos em seus
próprios raciocínios, obscurecendo-se-lhes o coração insensato. Inculcando-se
por sábios, tornaram-se loucos... pois eles mudaram a verdade de Deus em
mentira, adorando e servindo a criatura, em lugar do Criador...” (Rrri 1:21-
22,25).

Esta tem sido, indubitavelmente, a 'ausa de uma infinidade de heresias e erros


surgidos no curso da História da Igreja. O erro de Marcião, o gnosticismo, o
arianismo, o docetismo, o unitarianismo, e mesmo o arminianismo são todos
erros provocados pela dificuldade do homem em submeter sua razão à revelação
bíblica — todos preferiram uma explicação racional, lógica, ao invés da
explicação bíblica que lhes parecia inaceitável.

Devido a esta tendência, Marcião concebeu dois deuses, um do Antigo e outro


do Novo Testamento. Por isso, também o gnosticismo fez distinção moral entre a
matéria e o espírito. Já o arianismo originou-se da dificuldade de Ario em aceitar
a eternidade de Cristo. Do mesmo modo, o docetismo surgiu da dificuldade de
alguns em aceitar um Cristo verdadeiramente divino-humano. O unitarianismo,
por sua vez, resultou da objeção em aceitar a doutrina bíblica da
Trindade. Enquanto que o arminianismo surgiu da dificuldade de Armínio
em conciliar a doutrina da soberania de Deus com a doutrina da responsabilidade
humana, rejeitando a primeira.

A tendência da razão usurpar a autoridade das Escrituras tem sido especialmente


forte nos últimos dois séculos. O desenvolvimento científico e tecnológico
nestes dois últimos séculos fomentou a soberba intelectual do homem. Assim,
passou-se a acreditar apenas no que pudesse ser constatado, comprovado, pela
razão e pela ciência.

Desta forma, a razão tem usurpado a autoridade das Escrituras. A ciência tornou-
se a autoridade suprema, a única regra de fé e prática. Desde o século passado a
igreja tem feito concessões e mais concessões à ciência, distorcendo ou
contradizendo as Escrituras na tentativa da harmonizá-la com a razão e com
hipóteses e “fatos” científicos. O relato bíblico da criação foi desacreditado pela
teoria da evolução; os milagres relatados nas Escrituras foram rejeitados
como mitos; e muitos que estudam a Bíblia passaram a assumir uma postura
crítica, não mais submissa aos seus ensinos. Foi assim, que surgiu o método de
interpretação histórico-crítico em substituição ao método histórico-gramatical.
Agora, é a suprema razão humana quem determina o que é escriturístico ou mera
tradição posterior, o que é milagre ou mito, o que é verdadeiro ou falso nas
Escrituras.

Movidos pela incredulidade, ou por temor excessivo da “ciência,” nestes últimos


séculos os liberais têm feito concessões indevidas à razão, corroendo
profundamente a autoridade das Escrituras. Estes têm como autoridade suprema,
não as Escrituras, nem a igreja, mas a “ciência.” A autoridade das Escrituras
quanto às questões históricas tem sido rejeitada pela dificuldade que sentem em
harmonizar algumas das suas asseverações com supostas descobertas científicas
modernas. Não são poucos os que, por estas razões, limitam a autoridade das
Escrituras aos seus ensinos e princípios religiosos, negando sua autoridade
histórico-científica.

Mas, negando a autoridade histórica das Escrituras, sua autoridade espiritual ou


religiosa é inevitavelmente afetada. Como aceitar, por exemplo, a doutrina da
união do crente com Cristo, exposta por Paulo em Romanos 5 — a qual é
estabelecida com base na nossa união anterior com Adão — se negarmos a
autoridade histórica do relato da criação e de Adão?

Antes que se atribua tanta autoridade à ciência, convém considerar a sua história.
Basta fazer isso, para que se constate a sua falibilidade e mutabilidade. A grande
maioria dos “fatos” científicos de dois séculos atrás, hoje, já foram rejeitados
pela própria ciência! Além disso, com que freqüência meras teorias e hipóteses
são tomadas como fatos científicos comprovados!

O TESTEMUNHO DA IGREJA

Embora a autoridade das Escrituras não se fundamente ou decorra da autoridade


da igreja, a excelência das Escrituras é demonstrada pelo testemunho da igreja.
Isto é legítimo. Cabe à igreja demonstrar e ensinar as evidências abundantes da
autoridade divina da Palavra de Deus. Cabe a ela anunciar a excelência do seu
conteúdo, a eficácia das suas doutrinas, sua extraordinária unidade ou harmonia
de todas as suas partes. O suficiente já foi dito sobre isso no estudo anterior
sobre a doutrinà da inspiração.

Contudo, pode-se mencionar ainda o cumprimento das profecias bíblicas, e a


veracidade das Escrituras (ausência de erros) como duas outras fortes
evidências a favor da sua autoridade divina.

Profecias Cumpridas

Deve-se ressaltar que o que os profetas anteciparam, movidos pelo Espírito


Santo, foi cumprido detalhadamente. Deus sempre se antecipou em revelar fatos
importantes, na história do povo de Israel e das nações circunvizinhas. Quantas
profecias encontramos no Antigo Testamento, especialmente quanto ao Messias!
As que ainda não foram cumpridas é porque terão seu cumprimento no futuro.
As centenas que já foram cumpridas, entretanto, são a garantia do cumprimento
das demais.

A Veracidade das Escrituras

É sem dúvida surpreendente que um livro com as características das Escrituras,


que trata de assuntos tão variados e profundos, não contenha erros. Por mais que
a Bíblia seja investigada e estudada, como de fato tem sido, não apenas pelos
que a reverenciam, como também pelos milhares que a odeiam — estes em
busca de erros, com

o intuito de desacreditá-la — ainda assim sua autoridade permanece inabalada.


Na verdade, as descobertas arqueológicas e históricas do último século só têm
confirmado centenas de fatos bíblicos anteriormente considerados não históricos.

Assim como a criação proclama a glória de Deus, as Escrituras também


anunciam a sua autoria divina. Assim como os atributos eternos de Deus se
revelam por meio das coisas que foram criadas, assim também são manifestos
pela excelência do conteúdo das Escrituras. Não obstante, do mesmo modo
como os homens rejeitam a revelação da natureza, também rejeitam as
evidências da autoridade divina das Escrituras.

TESTEMUNHO DO ESPÍRITO

SOBRE A AUTORIDADE DAS ESCRITURAS

Embora estas e muitas outras evidências demonstrem claramente a autoridade


divina das Escrituras, como documento legítimo, singular, de unidade
extraordinária, conteúdo excelente, doutrinas eficazes, profecias cumpridas e
registro inerrante, ainda assim a fé reformada admite que estes argumentos não
são a base da sua fé na autoridade das Escrituras.

Este testemunho da igreja com relação à excelência das Escrituras pode se


constituir no meio pelo qual o crente é persuadido da sua autoridade, mas não na
base ou fundamento da sua persuasão. A persuasão do crente quanto à
autoridade das Escrituras se dá pelo testemunho interno do Espírito Santo. Se
alguém crê de fato na autoridade final das Escrituras como regra de fé e prática,
o faz como resultado da ação do Espírito Santo.

Esta persuasão não significa de modo algum uma revelação adicional do


Espírito. Significa, sim, que a ação do Espírito no coração de uma pessoa,
iluminando seu coração e sua mente em trevas, regenerando-o, fazendo-o nova
criatura, dissipa as trevas espirituais da sua mente, remove a obscuridade do seu
coração, permitindo que reconheça a autoridade divina das Escrituras.

O apóstolo Paulo trata deste assunto. Escrevendo aos coríntios, ele explica que
“...o homem natural não aceita as cousas do Espírito

de Deus, porque lhe são loucura; e não pode entendê-las porque se discernem
espiritualmente” (1 Co 2:14). Isto significa que o homem natural, em estado de
pecado, perdeu sua capacidade original de compreender as coisas espirituais. Ele
não pode, portanto, reconhecer a autoridade das Escrituras, não tem capacidade
natural para isso. Na sua Segunda Carta aos Coríntios o apóstolo Paulo é ainda
mais explícito na sua explicação, dizendo:
...se o nosso evangelho ainda está encoberto, é para os que se perdem que está encoberto, nos quais o
deus deste século cegou os entendimentos dos incrédulos, para que lhes não resplandeça a luz do
evangelho da glória de Cristo, o qual é a imagem de Deus... Porque Deus, que disse: De trevas
resplandecerá luz —, ele mesmo resplandeceu em nosso coração, para iluminação do conhecimento
da glória de Deus na face de Cristo (2 Co 4:3-4,6).

O que ele afirma aqui, é que o homem natural, o incrédulo, está cego, como
resultado da obra do diabo, que o fez cair. Nesse estado, ele está como um
deficiente visual que não consegue perceber nem mesmo a luz do sol. Pode-se
compreender melhor o testemunho interno do Espírito com esta ilustração. Este
testemunho do Espírito não é uma nova revelação, mas a sua ação através da
qual ele abre os olhos de um cego, permitindo-lhe reconhecer a luz do sol que lá
estava, mas não podia ser vista por causa da cegueira.

CONCLUSÃO

Em última instância, a questão da autoridade é uma questão de fé. Os


reformados aceitam a autoridade das Escrituras porque crêem na sua origem
divina. Crêem que ela é a Palavra de Deus inspirada. Este é um dos pressupostos
fundamentais da fé reformada. Mas os que têm na ciência a sua autoridade,
também o fazem por uma ques-, tão de fé. Na verdade, as evidências a favor da
autoridade (ou infalibilidade) das Escrituras são infinitamente maiores do que
as evidências a favor da autoridade (infalibilidade) da ciência. Quem quiser
comprovar isso, basta folhear qualquer livro científico empregado pelas gerações
passadas. Não será necessário ler muitas páginas para que constate a sua
evidente falibilidade.

A real antítese nesta questão se encontra entre a autoridade das Escrituras e a


autoridade do homem. Trata-se sempre de uma opção de fé. Fé nas Escrituras ou
fé no homem, nas tradições humanas, nas
emoções humanas, na razão humana. A questão essencial, portanto, é a seguinte:
quem tem a última palavra? Deus, falando através das Escrituras, ou o homem,
por meio de suas tradições, sentimentos e razão? Esta é a real questão que nos
confronta a todos: reconhecermos e nos submetermos à autoridade das
Escrituras, ou aceitarmos e nos submetermos à autoridade humana.

Cada um deve considerar cuidadosamente à qual autoridade se tem submetido. E


deve fazê-lo com a devida seriedade. Cabe, aqui, uma advertência final de Jesus
no Evangelho de João:
Se alguém ouvir as minhas palavras e não as guardar, eu não o julgo; porque não vim para julgar o
mundo, e, sim, para salvá-lo. Quem me rejeita e não recebe as minhas palavras tem quem o julgue; a
própria palavra que tenho proferido, essa o julgará no último dia (12:47-48).

Não é tarefa primordial da igreja e dos ministros da Palavra defender as


Escrituras, mas pregá-la, demonstrando a sua extraordinária unidade, anunciando
seu excelente conteúdo, e proclamando as suas eficazes doutrinas. Como
observou Spurgeon, “nós não precisamos defender um leão quando ele está
sendo atacado. Tudo o que você precisa fazer é abrir o portão e deixá-lo livre.”4
A essência do ministério da Palavra e da tarefa da igreja é abrir o portão das
Escrituras, proclamando-a confiados na sua autoridade e crendo no seu
poder. Compete-nos compreendê-la e ensiná-la com verdade e graça. O resto, ela
mesma o fará. Ou, melhor, o Espírito Santo o fará por meio dela.

CAPÍTULO 6

1
Ler Mateus 4:1 -10 e Gálatas 1:8.

2
45 O lenno empregado, Ycypairrai, eslá no tempo perfeito, indicando uma ação realizada no passado, cujos
resultados pennaneeem no presente: foi escrito e permanece válido, falando com autoridade.

3
5(1 Luis Berkhof, Introducion a la Teologia Sistemática, 201.

4
Citado por D. M. Lloyd-Jones, Authority, 41.
SUFICIÊNCIA DAS ESCRITURAS
Todo o conselho de Deus concernente a todas as coisas necessárias para a glória Dele e para a salvação,
fé e vida do homem, ou é expressamente declarado na Escritura ou pode ser lógica e claramente deduzido
dela. A Escritura nada se acrescentará em tempo algum, nem por novas revelações do Espirito, nem por
tradições dos homens; ireconhecemos, entretanto, ser necessária a íntima iluminação do Espírito de Deus
para a salvadora compreensão das coisas reveladas na Palavra, e que há algumas circunstâncias, quanto
ao culto de Deus e ao governo da Igreja, comuns às ações e sociedades humanas, as quais têm de ser
ordenadas pela luz da natureza e pela prudência cristã, segundo as regras da Palavra, que sempre devem
ser observadas (Parágrafo VI).

Em dias como os que estamos vivendo, nos


quais o evan-gelicalismo moderno parece
manifestar uma crescente incredulidade nas
Escrituras como regra suficiente de fé e prática,
é imperativo considerar a fé reformada com
relação a esta doutrina. Com a redescoberta da
doutrina da suficiência das Escrituras, os
reformadores libertaram o povo de Deus de
doutrinas e práticas impostas às suas
consciências por autoridade meramente
humana.1 2 O que segue é uma breve exposição
do ensino deste parágrafo da Confissão de Fé.
REGRA COMPLETA DE FÉ E PRÁTICA

A fé reformada afirma que as Escrituras Sagradas constituem-se numa regra


completa de fé e prática. Num manual completo de doutrina, práticas
eclesiásticas e vida cristã.

Não Exaustivas
Isto não significa que as Escrituras sejam exaustivas. As Escrituras não contêm
toda a vontade de Deus. O conhecimento a respeito de Deus e da sua obra são
ilimitados. Muitas coisas a respeito do ser de Deus, dos seus atributos, da
criação, do homem e dos propósitos eternos de Deus não foram reveladas. As
próprias Escrituras afirmam que “As coisas encobertas pertencem ao Senhor,
nosso Deus; porém as reveladas nos pertencem, a nós e a nossos filhos
para sempre, para que cumpramos todas as palavras desta lei.” (Dt 29:29).

E perfeitamente óbvio que as Escrituras não contém todas as informações a


respeito da criação, da natureza, do universo, ou mesmo da história. As
Escrituras não são um livro de ciências ou de história. Os milhares e milhares de
livros escritos no decurso dos séculos estão longe de exaurir o conhecimento da
criação. Quanto mais a ciência e a pesquisa se desenvolvem, mais se manifestam
as suas limitações e a superficialidade do seu conhecimento.

Nas Escrituras também não nos são fornecidas todas as informações


concernentes à vida e ao ministério de Jesus na terra. Na verdade, elas não
registram quase nada sobre os primeiros trinta anos da sua vida. O apóstolo João
encerra o seu Evangelho testificando quanto à veracidade do seu conteúdo, mas
reconhecendo:
Há, porém, ainda muitas outras coisas que Jesus fez. Se todas elas fossem relatadas uma por uma,
creio eu que nem no mundo inteiro caberiam os livros que seriam escritos (Jo 21:25).

Mas Suficientes

Significa, sim, que nas Escrituras encontra-se registrado — ou dela pode ser
logicamente inferido — tudo o que aprouve a Deus revelar à igreja em matéria
de fé e prática; tudo o que o homem deve crer e o que Deus dele requer. Nelas o
homem encontra tudo o que deve saber e tudo o que deve fazer a fim de que
venha a ser salvo, viva de modo agradável a Deus, O sirva e adore.

As palavras do apóstolo João, ainda que referindo-se especificamente ao seu


Evangelho, elucidam o sentido da doutrina da suficiência das Escrituras:
Na verdade, fez Jesus diante dos discípulos muitos outros sinais que não estão escritos neste livro.
Estes, porém, foram registrados para que creiais que Jesus é o Cristo, o Filho de Deus, e para que,
crendo, tenhais vida em seu nome (Jo 20:30-31).

João não registrou tudo, mas o que registrou é suficiente para o propósito de
Deus com este livro: levar as pessoas a crer na divindade de Cristo e a alcançar a
vida eterna.

Escrevendo a Timóteo, o apóstolo Paulo afirma que nos últimos dias sobreviriam
tempos difíceis, marcados por toda sorte de pecado, insensatez, erro, engano e
apostasias (2 Tm 3:1-9). Qual é o seu conselho a Timóteo? Perseverar nas
Escrituras. Apegar-se firmemente a elas. Por quê? Eis suas razões:
Toda Escrituras é inspirada por Deus e útil para o ensino, para a repreensão, para a correção, para a
educação na justiça, a fim de que o homem de Deus seja perfeito e perfeitamente habilitado para toda
boa obra (2 Tm 3:16-17).

De acordo com este texto, as Escrituras são suficientes para tornar o homem
perfeito e perfeitamente capacitado diante de Deus. É neste sentido que as
Escrituras são completas e suficientes.

IMPLICAÇÃO LÓGICA

A implicação lógica e bíblica desta importante doutrina reformada é óbvia. Se as


Escrituras são suficientes, nada mais precisa lhes ser acrescentado. Nem por
novas revelações do Espírito, nem por tradição humana.

Novas Revelações do Espírito

O AT previa uma nova dispensação, com novas revelações do Espírito. O profeta


Joel, por exemplo, profetizou:
E acontecerá depois que derramarei o meu Espírito sobre toda a carne: vossos filhos e vossas filhas
profetizarão, vossos velhos sonharão, e vossos jovens terão visões; até sobre os servos e sobre as
servas derramarei o meu Espírito naqueles dias (2:28-29).

E assim ocorreu. O derramamento do Espírito Santo no segundo capítulo de


Atos cumpriu esta promessa. Quando Jesus subiu aos céus e inaugurou a nova
dispensação, novas revelações do Espírito

foram comunicadas à igreja, o que resultou no cânon inspirado do NT, a exemplo


do que ocorrera na antiga aliança.

O mesmo, entretanto, não ocorre no Novo Testamento. O NT não promete outras


revelações do Espírito antes da segunda vinda de Cristo. Depois desta
dispensação, segue-se a sua vinda. A conclusão lógica, portanto, é que até a
segunda vinda de Jesus nenhuma revelação adicional é necessária. Não se trata,
entretanto, apenas de conclusão lógica. O último livro do NT, o Livro de
Apocalipse, conclui com uma advertência bem conhecida: “Eu, a todo aquele
que ouve as palavras da profecia deste livro, testifico: Se alguém lhes fizer
qualquer acréscimo, Deus lhe acrescentará os flagelos escritos neste livro”
(Ap 22:18).

Pelo menos três outras advertências também precisam ser lembradas neste
contexto:

Primeiro, a advertência do apóstolo Paulo aos gálatas — embora escrevendo em


uma época em que o cânon ainda estivesse em formação: “Mas, ainda que nós,
ou mesmo um anjo vindo do céu vos pregue evangelho que vá além do que vos
tenho pregado, seja anáte-ma” (G1 1:8).

Segundo, a advertência do apóstolo João, com relação aos falsos profetas —■


quando o cânon também ainda estava em formação: “Amados, não deis crédito a
qualquer espírito; antes, provai os espíritos se procedem de Deus, porque muitos
falsos profetas têm saído pelo mundo fora” (1 Jo 4:1).

Terceiro, a advertência de Jesus com relação aos falsos profetas: “Muitos,


naquele dia, hão de dizer-me: “Senhor, Senhor! Porventura, não temos nós
profetizado em teu nome... Então lhes direi explicitamente: Nunca vos conheci.
Apartai-vos de mim, os que praticai a iniqüidade” (Mt 7:22-23).

Textos como estes, quando relacionados com o final do livro de Apocalipse


parecem ser suficientes para que se rejeite supostas novas revelações espirituais,
após a formação do cânon do NT.

Tradições Humanas

Com relação às tradições humanas como acréscimo às revelações das Escrituras,


o suficiente talvez já tenha sido dito, quando se tratou da doutrina da autoridade
das Escrituras. Resta apenas lembrar que esse tem sido um dos principais erros
da Igreja Católica. A grande maioria dos seus absurdos doutrinários, práticos e
litúrgicos procedem desse erro fundamental: acrescer tradições humanas
às revelações das Escrituras. O sacerdócio, o papado, a adoração à Maria, o
sacrifício da missa, o purgatório, a oração pelos mortps, a infalibilidade papal, a
prática de indulgência, o celibato obrigatório e o terrível ritualismo católico são
apenas alguns exemplos de doutrinas e práticas fundamentadas em tradições
religiosas.

Não se trata de uma crítica protestante infundada. Esta é a doutrina oficial da


Igreja Católica. O Concilio de Trento, um dos seus concílios mais autoritativos,
legitima o uso das tradições orais como base de doutrina e prática, nos seguintes
termos:
E, vendo claramente que esta verdade e disciplina estão contidas nos livros escritos, e nas tradições
não escritas, as quais, recebidas pelos apóstolos da boca do próprio Cristo, ou dos próprios apóstolos
ditadas pelo Espírito Santo, nos foram transmitidas como que de mão em mão.3

A Confissão de Fé Tridentina (católica) afirma: “Eu firmemente admito e abraço


as tradições apostólicas e eclesiásticas, e todas as outras observâncias e
constituições da igreja...”4

Os teólogos católicos5 reconhecem, três tipos de tradições: tradições divinas, as


quais, alegam, foram ensinadas por Cristo e transmitidas oralmente de geração
em geração; as tradições apostólicas, provenientes da boca dos apóstolos; e as
tradições eclesiásticas, consistindo das decisões conciliares e decretos papais
considerados infalíveis, acumulados no decurso dos séculos.

Contudo, a fragilidade da tradição católica é evidente por diversas razões.


Primeiro, pela impossibilidade em se demonstrar a

procedência divina ou mesmo apostólica dessas tradições orais. Segundo, na


incoerência dessas tradições entre si mesmas. Os pais da igreja constantemente
se contradizem. É difícil tomar dois pais da igreja que não se contradigam.
Terceiro, porque muitas das tradições, sejam elas supostamente divinas,
apostólicas ou eclesiásticas, contradizem as próprias Escrituras.

Além disso, por que, havendo Deus se revelado de forma escrita no AT e no NT


e valorizado tanto as Escrituras, haveria de deixar essa revelação insuficiente,
parcial, e incompleta? Por que deixaria parte da sua revelação para ser
transmitida oralmente, sujeita a todo tipo de corrupção, deturpações e
distorções? Se a tradição oral fosse uma forma eficiente de preservar a revelação
divina, qual a razão de ser das Escrituras?

Conclusão
Outras razões deveriam refrear o homem no sentido de conceber qualquer
acréscimo à revelação das Escrituras.

A primeira é antropológica: a nossa natureza pecaminosa, a corrupção do


coração, mente e sentidos humanos. Não se pode esquecer que o coração
humano é enganoso, que sua mente é pervertida, e seus sentidos falhos. Deus
mesmo, através do profeta Jeremias, alerta: “Enganoso é o coração, mais do que
todas as coisas, e desespera-damente corrupto, quem o conhecerá?” (Jr 17:9).

A segunda é angelical, ou melhor, diabólica: a existência de Satanás, do


Maligno, a astúcia do diabo e de seus demônios que podem se travestir de anjo
de luz na tentativa de enganar até mesmo os eleitos de Deus.

Nada, portando, pode ser acrescido às Escrituras. Se as novas revelações do


Espírito ou as tradições humanas ensinam o que já é ensinado nas Escrituras, são
desnecessárias; se vão além, devem ser rejeitadas.

ILUMINAÇÃO DO ESPÍRITO

A doutrina da suficiência das Escrituras pressupõe a necessidade da iluminação


do Espírito. Mas é preciso distinguir conceitos, para

que não haja confusão quanto à natureza das obras distintas do Espírito Santo.
Revelação é uma coisa: a comunicação de novas verdades de Deus ao homem.
Inspiração é outra coisa: a ação do Espírito pela qual é garantida a inerrância do
registro dessa revelação. E Iluminação é outra coisa: a ação do Espírito abrindo
os olhos espirituais para que se possa compreender as Escrituras.

Segundo o ensino bíblico a mente humana está em trevas por causa do pecado. O
homem natural está espiritualmente cego. É o que o apóstolo Paulo afirma
explicitamente em 2 Coríntios:
Mas, se o nosso evangelho ainda está encoberto, é para os que se perdem que está encoberto, nos
quais o deus deste século cegou os entendimentos dos incrédulos, para que lhes não resplandeça a luz
do evangelho da glória de Cristo, o qual é a imagem de Deus (4:3-4)

Por isso o homem natural, não regenerado, não pode compreender as Escrituras.
Ele não tem essa habilidade natural. Ele a tinha, mas perdeu na queda: “Ora, o
homem natural não aceita as coisas do Espírito de Deus, porque lhe são loucura;
e não pode entendê-las porque elas se discernem espiritualmente” (1 Co 2:14).
Não importa o quão inteligente, ou erudito seja. Não importa quanta sabedoria
humana tenha. Por mais elevados que sejam os seus dons naturais e a sua
qualificação intelectual, o homem natural é ignorante das coisas espirituais e não
pode entender as Escrituras. A sabedoria deste século, afirma o apóstolo Paulo,
em última instância, se reduz a nada. Se os sábios segundo o mundo fossem
realmente sábios, “jamais teriam crucificado o Senhor da glória” (1 Co 2:7-8).

Mas aquilo que a inteligência e a educação não podem fazer, o Espírito Santo
faz. Ele, e só Ele, pode iluminar a mente e o coração de uma pessoa, dissipando
as trevas espirituais: “Porque Deus, que disse: De trevas resplandecerá luz —,
ele mesmo resplandeceu em nosso corações, para iluminação do conhecimento
da glória de Deus na face de Cristo” (2 Co 4:6).

Há uma iluminação inicial, uma operação básica e fundamental do Espírito. Ele


age no coração do homem natural, permitindo que este compreenda as verdades
bíblicas fundamentais. Assim, o homem chega a compreender a sua miséria
espiritual e a causa dessa

miséria: a sua pecaminosidade natural decorrente da queda. É esta iluminação


que lhe permite compreender a graça de Deus para com ele na obra de Cristo na
cruz a seu favor. O resultado dessa iluminação espiritual básica é a conversão, a
regeneração, a justificação, o novo nascimento.

Isso não significa, entretanto, que as trevas foram, de imediato, totalmente


dissipadas. Essa obra do Espírito é contínua, progressiva. A medida que o tempo
passa e o crente lança mão dos meio de graça à sua disposição, a sua mente é
mais e mais iluminada para compreender as Escrituras. A medida que o homem
convertido ora, é instruído e edifícado pela pregação, estuda diligentemente as
Escrituras, lê bons livros, e se submete ao seu ensino, ele vai
compreendendo mais profundamente o conteúdo das Escrituras.

A fé reformada reconhece, portanto, que nem tudo o que está revelado nas
Escrituras é compreendido e discernido por todos os crentes. O conhecimento
das Escrituras é progressivo, e se dá mediante a obra iluminadora do Espírito
Santo. Mas não se pode confundir essa iluminação do Espírito com novas
revelações do Espírito, como tem ocorrido com freqüência.

PRINCÍPIOS, ENSINOS GERAIS E EXEMPLOS


Ao afirmar que as Escrituras são suficientes, a Confissão de Fé de Westminster
não quer dizer que elas fornecem respostas específicas e detalhadas para todas as
questões. Quer dizer, sim, que elas nos dão os princípios, ensinos gerais e
exemplos, de modo que o mais pode ser clara e logicamente inferido. Isto se
aplica à doutrina e à prática. Se aplica à vida pessoal e à igreja como um todo.
Mas é preciso cuidado. Esta liberdade quanto aos detalhes ou à aplicações
específicas só é admissível quando legitimamente inferida desses ensinos gerais,
princípios e exemplos bíblicos.

Na Vida Pessoal

O que acaba de ser dito aplica-se ao casamento, ao trabalho, à alimentação, ao


vestuário, à educação de filhos, etc. Há detalhes com relação a todas essas áreas
da vida individual que não são explicitamente encontrados nas Escrituras. Mas
os princípios gerais, sim.

Exemplo: um jovem crente não vai encontrar na Bíblia resposta específica sobre
quem deve escolher para esposa ou marido (nome, cor, altura, tipo físico,
nacionalidade, nível social etc.)- Mas.os princípios gerais estão lá, e não devem
ser contrariados.

O mesmo se aplica às demais áreas mencionadas (trabalho, alimentação,


vestuário, criação de filhos, etc.). Não são necessárias novas revelações do
Espírito para que se definam estas coisas. A obediência aos princípios gerais e
exemplos bíblicos, e as circunstâncias, podem definir perfeitamente estas
questões.

O Espírito Santo produz paz no coração daqueles que obedecem à sua vontade.
Ele convence o homem da veracidade da Palavra de Deus. Ele ilumina a mente
do crente, habilitando-o a compreender mais profundamente as Escrituras. Mas
não se deve explicar estas atividades “ordinárias” em termos de novas revelações
do Espírito.

Na Vida da Igreja

Há detalhes com relação à forma de governo, princípios de disciplina, liturgia


(quanto às circunstâncias de culto), pregação e mesmo de doutrina que não são
explicitamente encontrados nas Escrituras. Mas os princípios gerais e exemplos
nos quais estas coisas deverão ser estabelecidas estão ensinados ali.
É nesse princípio, por exemplo, que se legitima a pregação. O que é pregação? É
a exposição dos princípios, doutrinas, práticas, promessas e exortações
diretamente encontrados nas Escrituras ou legitimamente inferidos dos seus
ensinos gerais e exemplos. As Escrituras não determinam um esboço homilético
específico, não determinam o tempo da pregação, etc. As Escrituras não são um
rnanual homilético completo. Mas a pregação, para ser legítima, tem que
ser prudente e legitimamente inferida dos seus ensinos e exemplos, tanto na
forma quanto no conteúdo, por meio de oração e exegese apropriada.

Cabe lembrar ainda, que algumas práticas, tanto com relação à vida pessoal,
quanto com relação à vida da igreja são contextuais, dependem da época, do país
e da cultura, e não podem ser diretamente aplicadas à outra época e contexto. A
Confissão de Fé reco-

nhece que é preciso bom senso e prudência cristãs, de modo a se agir de


conformidade com a luz da natureza e as regras gerais da Palavra.

Há questões relacionadas, por exemplo, com o vestuário (tais como o uso de


túnicas/paletó, calças compridas, uso de véu, corte de cabelo), com saudações (a
paz do Senhor, o ósculo santo), com manifestações de alegria (palmas, dança),
com postura na oração (mãos para cima, rosto prostrado no chão), etc., que
dependem do contexto histórico e social. E é a prudência e sobriedade cristãs,
fundamentadas nos princípios bíblicos que determinarão a sua aplicação às
diversas épocas e contextos. Alguns exigem o cabelo comprido para as mulheres
(mas não admitem a barba para os homens). Exigem o uso de paletó e gravata e
proíbem a calça comprida (por que não a túnica para ambos?). Outros exigem
uma forma específica de saudação: a “paz do Senhor” (por que não o ósculo
santo?). Outros reivindicam as palmas e a dança como manifestações de alegria
(no nosso contexto?!).

O que foi dito não implica, de modo algum, que qualquer roupa, saudação ou
manifestação de alegria sejam legítimas. As Escrituras requerem simplicidade,
decência, sobriedade, sensatez, prudência, em todas estas coisas. Em todas estas
práticas, há relativa liberdade quanto aos detalhes, desde que conformados ao
ensino e princípios bíblicos.

CONCLUSÃO

A fé reformada ensina que as Escrituras constituem-se em regra completa de fé e


prática. Elas não são exaustivas, mas são suficientes. Conseqüentemente, nada
precisa ser acrescido às Escrituras, nem por novas revelações do Espírito, nem
por tradições humanas. Reconhece, entretanto, que a iluminação do Espírito é
necessária para a compreensão das Escrituras, mas isso não significa novas
revelações. Admite, finalmente, que as Escrituras não fornecem detalhes sobre
tudo, mas fornecem os princípios, ensinos gerais e exemplos, dos quais se pode
lógica e prudentemente inferir todos os detalhes necessários à fé, ao culto e à
vida cristã.

CAPÍTULO 7

1
Ler João 20:30-31 e 2 Timóteo 3:16-17.

2
Wayne Spear, The Westminster Confession of Faith and Holy Scripture, 9.

3
Sessão iv.

4
Artigo 11.

5
Tais como Belarmino (1542-1621). Cilado por Loraine Boellner, Roman Catholicism, 79.
CLAREZA DAS ESCRITURAS
Na Escritura não são todas as coisas igualmente claras em si, nem do mesmo modo evidentes a todos;
contudo, as coisas que precisam ser obedecidas, cridas e observadas para a salvação, em uma ou outra
passagem da Escritura são tão claramente expostas e aplicadas, que não só os doutos, mas ainda os
indoutos, no devido uso dos meios ordinários, podem alcançar uma suficiente compreensão delas
(Parágrafo VII).

A principal doutrina expressa neste parágrafo da


Confissão de Fé de Westminster diz respeito à clareza ou perspi-cuidade das
Escrituras. O pano de fundo desta doutrina reformada é, por um lado, a Igreja
Católica e, por outro, os entusiastas radicais da época.

A Igreja Católica enfatiza a obscuridade das Escrituras. Para eles, as Escrituras


são enigmáticas, o seu sentido é nebuloso. A Bíblia não é, segundo eles, um livro
apropriado para leigos, os quais não estariam habilitados a entendê-la. Sua
interpretação, portanto, é prerrogativa oficial da igreja (do clero), a única que
pode determinar o seu sentido correto — uma solução eclesiástica.

Os entusiastas radicais, por sua vez, no fundo, também pensavam de modo


semelhante. Enfatizavam o caráter misterioso das Escrituras. Só que
solucionavam esta suposta ininteligibilidade das Escrituras de modo místico,
pela iluminação interior do Espírito, independente das Escrituras.

Em contraposição a estas posições, os reformadores proclamaram a doutrina da


clareza das Escrituras, afirmando a sua inteligibili- 1

dade intrínseca. Para eles, o conteúdo das Escrituras é essencial e in-


trinsecamente claro. Tanto o caminho da salvação, como as doutrinas e práticas
fundamentais estão suficiente e claramente explicados nas Escrituras, de modo
que todo homem que se empenhar em descobri-lo, com a ajuda do Espírito,
poderá fazê-lo, mesmo sem a ajuda da igreja.

Mas, como se pode perceber por esta definição, a doutrina da clareza das
Escrituras precisa ser qualificada, especificada. O que de fato quer expressar a fé
reformada ao afirmá-la? Isto pode ser melhor compreendido negativa e
positivamente.

NEM TUDO É IGUALMENTE CLARO OU EVIDENTE


A fé reformada não afirma, de modo algum, que todo o conteúdo das Escrituras é
óbvio para qualquer pessoa que vier a lê-la. E isto, pelas seguintes razões:

Devido à Natureza do Seu Conteúdo

Os assuntos tratados nas Escrituras são de tal natureza, que é de se esperar que
nela haja mistérios que ultrapassem a compreensão humana natural. O “objeto”
último das Escrituras é o conhecimento da pessoa e da obra de Deus, um ser
eterno e infinito, “o único que possui imortalidade, que habita em luz
inacessível, a quem homem algum jamais viu, nem é capaz de ver” (1 Tm 6:16).

Por Causa da Corrupção do Homem

Além disso, os seres humanos, para quem as Escrituras são dirigidas, não são
apenas finitos e limitados. São também pecadores. A queda corrompeu tanto o
coração como a mente humana. Não se pode negar que nem mesmo as Escrituras
inspiradas podem eliminar completamente o abismo existente entre um ser
infinito, ilimitado, eterno e santo de suas criaturas finitas, limitadas, temporais e
pecadoras.

O homem natural, como já foi visto, está, na verdade, totalmente incapacitado a


compreender as Escrituras à parte da ação ilu-

minadora do Espírito Santo no seu coração e mente.2 Mesmo o homem


regenerado, precisa contínua e progressivamente dessa ação iluminadora do
Espírito Santo para compreender as verdades bíblicas.

Devido às Características Humanas das Escrituras

As Escrituras foram inspiradas por Deus, mas foram escritas por homens. Elas
têm origem divina, mas forma humana — de outro modo não nos seriam
inteligíveis. Elas revelam de modo inerrante a vontade de Deus, mas o fazem
através de linguagem humana, em contextos e circunstâncias históricas
específicas.

Desse fato, logicamente podem resultar dificuldades adicionais para a


compreensão das Escrituras: dificuldades relacionadas à língua (gramática,
vocabulário, formas literárias, etc.) e dificuldades relacionadas ao contexto
histórico, geográfico, social, político, filosófico e religioso em que foram
escritas.

Porque as Próprias Escrituras Admitem alguma Dificuldade no seu


Entendimento

O apóstolo Pedro, por exemplo, reconhece nos escritos do apóstolo Paulo “certas
coisas difíceis de entender, que os ignorantes e instáveis deturpam, como
deturpam também as demais Escrituras” (2 Pe 3:16). O eunuco etíope que vinha
lendo as Escrituras também não estava entendendo o sentido de Isaías 53, sendo
necessário que Filipe, dirigido pelo Espírito — é bom que se ressalte — o
auxiliasse (At 8:29ss).

Conclusão: Requisitos para a Clareza das Escrituras

Reconhece-se, portanto, que a clareza das Escrituras não é automática,


inevitável, mas depende de duas coisas inseparáveis:

Primeiro, da ação iluminadora do Espírito, o seu autor primário, no coração e


mente dos leitores. Logo, quanto mais se ora pedindo compreensão,
discernimento e iluminação espiritual a Deus, e se

submete à sua palavra, mais claras se tomam as Escrituras. Se ainda não houve
essa ação iluminadora inicial do Espírito no coração de uma pessoa, deve-se
reconhecer que mesmo as verdades básicas e fundamentais das Escrituras lhes
são obscuras e ininteligíveis.

Segundo, de diligência, do estudo, lançando-se mão de todo conhecimento


teórico (hermenêutico) e prático (exegético) na elucidação dos problemas
lingüísticos e históricos envolvidos. A clareza das Escrituras também (embora
não somente) será proporcional a isso. Não se pode esquecer que a própria Bíblia
define um ministro do Evangelho como alguém que se consagra à oração e ao
ministério da palavra (At 6:4) e que se afadiga na palavra (1 Tm 5:17).

O ESSENCIAL É CLARO PELA ILUMINAÇÃO DO ESPÍRITO

Os intérpretes reformados reconhecem, portanto, que há passagens mais difíceis


de serem entendidas, e que as Escrituras não são igualmente claras para todos.
Contudo, afirmam também que, ainda assim, a essência da mensagem bíblica
pode ser compreendida por pessoas sem maiores instruções. A substância da
revelação bíblica é acessível ao homem, à parte da igreja e independentemente
do seu nível cultural. Tudo o que é necessário para a salvação e uma vida
de obediência é inteligível para qualquer pessoa, desde que iluminada pelo
Espírito Santo. Em outras palavras, isto significa dizer que as Escrituras têm
clareza intrínseca. Elas têm em si mesmas uma fonte de iluminação que garante
a inteligibilidade da sua mensagem.3

As razões pelas quais a fé reformada professa a doutrina da clareza substancial


das Escrituras são as seguintes:

Primeiro, as próprias Escrituras professam ser uma revelação da vontade de


Deus. Embora haja mistérios na pessoa, na vontade e na obra de Deus, as
Escrituras não têm o propósito de esconder, mas de revelar. Seu escopo é a
revelação, a manifestação da vontade divina.

Segundo, visto que as Escrituras são obra de Deus, ainda que por meio de
homens, não falta poder em Deus para conseguir fazer o que se propõe: revelar
as verdades divinas ao homem por meio de uma palavra escrita. Trata-se, sem
dúvida, de uma tarefa estupenda, imensa, sobrenatural. Mas não há impossíveis
para Deus. “Isto é impossível aos homens, mas para Deus tudo é possível” (Mt
19:26). O Deus que as próprias Escrituras revelam “é poderoso para fazer
infinitamente mais do que tudo o que pedimos ou pensamos, conforme o seu
poder que opera em nós” (Ef 3:20).

Terceiro, as Escrituras são dirigidas a crentes, indistintamente, e não apenas a


eruditos ou a oficiais da igreja, e todas as pessoas, indistintamente, são exortadas
a consultá-las. Os judeus da antiga dis-pensação foram instados tanto a lerem as
Escrituras, como a ensi-narem-nas aos seus filhos: “Estas palavras que hoje te
ordeno, estarão no teu coração; tu as inculcarás a teus filhos, e delas falarás
assentado em tua casa, e andando pelo caminho, e ao deitar-te e ao levantar-
te” (Dt 6:4-9). A grande maioria das cartas do NT (Romanos, 1 e 2 Co-ríntios,
Gálatas, Efésios, Filipenses, Colossenses, Tiago, 1 e 2 Pedro, 1 João, e Judas) foi
destinada aos crentes, de um modo geral. Elas destinavam-se a serem lidas por
todos, e não apenas pelos líderes. Jesus não condena o exame das Escrituras. Em
João 5:39, talvez até ordene (traduzindo-se o verbo examinar, epewcfre, no
imperativo):60 “Examinai as Escrituras, porque julgais ter nelas a vida eterna, e
são elas mesmas que testificam de mim.” A atitude dos judeus berearios de
examinar as Escrituras foi louvada pelo apóstolo Paulo: “Ora, estes de Beréia
eram mais nobres do que os de Tessalônica; pois receberam a palavra com toda a
avidez, examinando as Escrituras todos os dias para ver se as cousas eram de
fato assim” (At 17:11).

Quarto, as Escrituras ensinam explicitamente a sua própria perspicuidade. Eis


alguns textos:
...o testemunho do Senhor é fiel, e dá sabedoria aos simplices... o mandamento do Senhor é puro, e
ilumina os olhos (SI 19:7,8).

Lâmpada para os meus pés é a tua palavra, e luz para os meus caminhos... A revelação das tuas
palavras esclarece, e dá entendimento aos simples (SI 119:105, 130).

Temos assim tanto mais confirmada a palavra profética, e fazeis bem em atendê-la, como a uma
candeia que brilha em lugar tenebroso, até que o dia clareie e a estrela da alva nasça em vossos
corações (2 Pe 1:19).

...desde a infância sabes as sagradas letras que podem tornar-te sábio para a salvação pela fé em
Cristo Jesus (2 Tm 3:15).

O que a Igreja Católica tem tido dificuldade de compreender é que a maior


barreira, para a compreensão das Escrituras, não é lingüística ou cultural, mas
espiritual. O maior impedimento não está na gramática ou na compreensão do
contexto histórico, mas na natureza pecaminosa do homem. A dificuldade maior
não está no livro, mas no coração do leitor.4 O pré-requisito básico e
indispensável para a compreensão das Escrituras, portanto, não é a erudição, mas
a regeneração, o novo nascimento.

Precisa ficar bem claro, entretanto, que essa ação iluminadora do Espírito Santo
no coração do homem não ocorre à parte da Palavra, mas com a Palavra e pela
Palavra. É por meio da Palavra que alcança os ouvidos que o Espírito age na
mente, no coração e na vontade: “A fé vem pela pregação (pelo ouvir), e a
pregação (o ouvir), pela palavra de Cristo” (Rm 10:17).

É pela Palavra que o Espírito convence do pecado; é por meio da Palavra que o
Espírito ilumina o coração; é por instrumentalidade da Palavra que Ele liberta do
pecado, que Ele regera, que santifica, que dirige, que ensina, que consola, que
corrige, que repreende, etc. Enfim, é pela Escritura que o Espírito Santo faz o
homem de Deus. perfeito e perfeitamente habilitado para toda boa obra. As
Escrituras, como Calvino afirma, são “a escola do Espírito Santo.”5 Relacionada
a isto consistia a principal acusação dos reformadores contra entusiastas radicais:
eles separavam o Espírito da Palavra. Talvez seja esse o principal problema dos
entusiastas modernos.

Além disso, é preciso reconhecer que a fé é indispensável para a compreensão


das Escrituras. “De fato, sem fé, é impossível agradar a Deus, porquanto é
necessário que aquele que se aproxima de Deus creia que ele existe e que se
torna galardoador dos que o buscam” (Hb 11:6). Calvino ensinava que a Palavra
de Deus só podia ser compreendida quando era crida.6 Ele costumava dizer que a
fé são os olhos pelos quais podemos contemplar as verdade de Deus nas
Escrituras.

Não se entenda, contudo, por fé, nem um vago e cego sentimento de confiança,
nem uma mera compreensão ou consentimento intelectual. Entenda-se, sim, o
estado no qual o homem, por um lado, reconhece humildemente sua absoluta
miséria espiritual e, por outro, confia-se à misericórdia e graça de Deus como
seu único refúgio e esperança.7 Qualquer outro sentimento ou conceito que não
se expresse assim não é fé, e é inútil no que diz respeito à compreensão das
Escrituras.

CONCLUSÃO

Resumindo, os herdeiros da reforma professam crer na clareza intrínseca e


substancial das Escrituras. Não se quer dizer com isso que todo o seu conteúdo
seja igualmente claro, nem que é claro para todos. Há dificuldades provenientes
da natureza do seu conteúdo, da corrupção do homem, das próprias
características literárias e históricas das Escrituras. As próprias Escrituras
admitem que há nelas “coisas difíceis de entender.” Quer-se dizer, sim, que todos
os que sincera e diligentemente procurarem por meio delas o caminho da
salvação e instruções para viverem de modo agradável a Deus encontrarão o
suficiente para tal. E isso sem que seja imprescindível a intermediação da igreja,
ainda que tal pessoa não tenha erudição. Desde que, é claro, seja iluminada pelo
Espírito Santo. Como escreveu Gregório, as Escrituras são um rio, “...no qual o
elefante pode nadar e o cordeiro andar.”8

As implicações dessa doutrina são de extrema importância:

Primeiro, isso significa que não só é legítimo ou permitido, mas desejável e


mesmo necessário que cada crente tenha acesso por si mesmo às Escrituras; que
possa lê-las, e estudá-las, e ensiná-las a seus filhos e transmitir sua mensagem
fundamental a outros.

Segundo, reconhece-se que, mesmo um crente sem maiores qualificações, mas


piedoso, pode compreender o sentido de textos das Escrituras obscuros para
pessoas de maior erudição. Admite-se, contudo, que o estudo diligente da língua
e contexto histórico das Escrituras auxiliam bastante na compreensão dos textos
mais difíceis. Quando esses dois fatores essenciais (piedade e erudição) se
juntam, o resultado inevitável será uma compreensão mais perfeita,
mais abrangente e profunda das Escrituras.

Terceiro, já que a Escritura é intrinsecamente clara, ela se auto-interpreta (as


Escrituras interpretam as próprias Escrituras). O que implica que textos mais
obscuros podem e devem ser entendidos à luz de textos mais claros.

Erram, portanto, os partidários do método histórico-crítico, que superenfatizam


as técnicas, métodos ou modelos hermenêuticos em detrimento da ação
iluminadora soberana do Espírito Santo, o Intérprete por excelência das
Escrituras. Esta falha pode ser ilustrada por um doente que toma os remédios
disponíveis, mas não ora a Deus suplicando pelo seu restabelecimento.

Erram também os místicos, que superenfatizam a ação iluminadora do Espírito,


em detrimento da responsabilidade humana que implica na nessessidade de
estudo diligente das Escrituras empregando os meios ordinários disponíveis. Já
esta outra falta pode ser ilustrada também por um doente que ora a Deus pedindo
seu restabelecimento, contudo não toma os remédios disponíveis.

Erramos nós, na medida em que negligenciarmos quer o estudo das Escrituras


quer a súplica pela ação iluminadora do Espírito Santo. Orare e labutare eram as
palavras empregadas por Calvino para expressar estes requisitos para o
entendimento das Escrituras. Lutero empregava uma figura: um barco com dois
remos, o remo da oração e

o remo do estudo. Com um só dos remos de Lutero, navegaremos em círculo,


perderemos o rumo, e correremos o risco de não chegarmos a lugar algum.

CAPÍTULO 8

1
Ler Salmo 19:7-8 e 119:15,130.
2
1 Corínlios 2:14 e 2 Corfnlios 4:34.

3
H. W. Rossouw, Calvin's Hermeneutics of Holy Scripture, 153.

4
A propósito, parece que álgumas missões modernas também tendem a incorrer em erro similar: pensar que
a maior barreira missionária ou evangelística é lingüística e contextual.

5
Institutos, III, 21,3.

6
Lamberto Floor, The Hermeneutics ofCalvin, 187.

7
H, W. Rossouw, Calvin ’s Hermeneutics of Holy Scripture, 164.

8
Wayne Spear, The Westminster Confession of Faith and Holy Scripture, 9.
PRESERVAÇÃO DAS ESCRITURAS1
O Velho Testamento em Hebraico (língua nativa do antigo povo de Deus) e o Novo Testamento em Grego (a
língua mais geralmente conhecida entre as nações no tempo em que foi escrito), sendo inspirados
imediatamente por Deus, e pelo seu singular cuidado e providência conservados puros em todos os séculos,
são, por isso, autênticos, e assim em todas as controvérsias religiosas a Igreja deve apelar para eles como
para um supremo tribunal; mas, não sendo essas línguas conhecidas por todo o povo de Deus, que tem
direito e interesse nas Escrituras, e que deve, no temor de Deus, lê-las e estudá-las, esses livros têm de ser
traduzidos nas línguas vulgares de todas as nações aonde chegarem, a fim de que a Palavra de Deus,
permanecendo nelas abundantemente, adorem a Deus de modo aceitável e possuam a esperança pela
paciência e conforto das Escrituras (Parágrafo VIII).

Há dois ensinos principais nesse parágrafo da


Confissão de Fé. A doutrina da preservação do
texto original das Escrituras e a questão da
necessidade da sua tradução em outros idiomas.
Trataremos primeiramente da doutrina da
preservação.2
A doutrina da preservação das Escrituras é tão importante quanto a doutrina da
inspiração, pois dela também dependem a autoridade e a inerrância da Palavra de
Deus. De que adiantaria afinal os téxtos bíblicos originais terem sido
verbalmente inspirados pelo Espírito Santo, garantindo assim o registro inerrante
da revelação divina, se não forem igualmente preservados, para garantir que a
revelação registrada continue acessível no decurso dos séculos?

Entretanto, apesar da evidente importância desta doutrina, dificilmente se pode


negar o fato de que mesmo os teólogos protestantes

não têm dado à ela o tratamento e atenção que merece. É possível que a razão
esteja na dificuldade que muitos têm demonstrado em conciliá-la com os
presentes resultados do estudo da crítica textual. O problema é o seguinte: como
sustentar a doutrina da preservação das Escrituras, se as teorias desenvolvidas
pelos eruditos da crítica textual não conseguem levá-los a uma conclusão —
embora haja milhares de manuscritos disponíveis — quanto à identidade do
texto grego original do Novo Testamento?
DEFINIÇÃO DA DOUTRINA

O que afirma a doutrina da preservação das Escrituras? Que o texto bíblico,


revelado e inspirado por Deus para garantir seu fiel registro nas Escrituras, tem
sido cuidadosamente por Ele preservado no decorrer dos séculos, de modo a
garantir que aquilo que foi revelado e inspirado continue disponível a todas as
gerações subseqüentes. Esta doutrina é sustentada pela Confissão de Fé de
Westminster, ao afirmar que “O Velho Testamento em hebraico... e o Novo
Testamento em grego..., sendo inspirados imediatamente por Deus e, pelo seu
singular cuidado e providência, conservados puros em todos os séculos-, são por
isso autênticos.”

EVIDÊNCIAS BÍBLICAS DA DOUTRINA

Existem evidências bíblicas bastante razoáveis da doutrina da preservação das


Escrituras. Encontram-se, por exemplo, nas Escrituras, imperativos no sentido de
se guardar ou preservar a Palavra de Deus:
Nada acrescentareis à palavra que vos mando, nem diminuireis dela, para que guardeis os
mandamentos do Senhor vosso Deus, que eu vos mando (Dt 4:2; cf. Dt 12:32).

Toda palavra de Deus é pura;... nada acrescentes às suas palavras, para que não te repreenda e sejas
achado mentiroso (Pv 30:5,6).

Eu, a todo aquele que ouve as palavras da profecia deste livro, testifico: Se alguém lhes fizer qualquer
acréscimo, Deus lhe acrescentará os flagelos escritos neste livro; e se alguém tirar qualquer cousa das
palavras do livro desta profecia, Deus tirará a sua parte da árvore da vida, da cidade santa, e das
cousas que se acham escritas neste livro (Ap 22:18-19).

Há também declaração nas quais Deus afirma o cuidado que tem para com a sua
Palavra, tais como a que encontramos em Jr 1:12: “Disse-me o Senhor:... eu velo
(cuido) sobre a minha palavra pára a cumprir.”

Há, especialmente, afirmativas bíblicas diretas sobre a imutabilidade e


eternidade da Palavra de Deus, tais com as seguintes:
As obras de suas mãos são verdade e justiça; fiéis todos os seus preceitos. Estáveis são eles para lodo o
sempre... (SI 111:7,8).

Para sempre, ó Senhor, está firmada a tua palavra no céu (SI 119:89).

As tuas palavras são em ludo verdade desde o princípio, e cada um dos teus justos juízos dura para
sempre (SI 119:160; cf. SI 119:152).
Seca-se a erva, e cai a sua flor, mas a palavra de nosso Deus permanece etemamente (ls 40:8).

Passará o céu e a terra, porém as minhas palavras não passarão (Mt 24:35).

É mais fácil passar o céu e a terra do que cair um til sequer da lei (Lc 16:17).

...fostes regenerados, não de semente corruptível, mas de incorruptível, mediante a palavra de Deus, a
qual vive e é permanente. Pois toda a carne é como a erva; e toda a sua glória como a flor da erva;
seca-se a erva e cai a sua flor; a palavra do Senhor, porém, permanece eternamente (1 Pe 1:2325).

Admite-se que nem todos estes textos se referem à Palavra escrita de Deus: as
Escrituras. Admite-se, também que alguns destes textos se referem mais
especificamente ao cuidado divino com relação ao cumprimento das suas
palavras. Não obstante, o que é válido para *a Palavra falada de Deus, é
necessariamente válido para a sua Palavra escrita. E, se Deus manifesta tanto
cuidado com o cumprimento da sua Palavra (escrita ou oral), não manifestaria
cuidado semelhante no sentido de preservar fisicamente o registro
escrito inspirado da sua promessa?

RELAÇÃO COM A CRÍTICA TEXTUAL DO NT

Embora o ensino bíblico sobre a doutrina da preservação seja inquestionável,


infelizmente o mesmo não pode ser dito quanto à averiguação prática da doutrina
no que diz respeito ao texto do Novo

Testamento. Considerando-se as edições presentemente em uso do texto grego


do Novo Testamento, bem como a dúvida generalizada demonstrada não só por
teólogos e comentaristas, como também por eruditos da crítica textual quanto às
diversas variantes (leituras diferentes) encontradas nos manuscritos, somos
obrigados a concluir que a doutrina da preservação das Escrituras está longe de
ser verificada na prática.

Os problemas relacionados com a transmissão e conseqüente preservação do


texto do Antigo e do Novo Testamento decorrem do fato de os originais escritos
pelos próprios autores, os autógrafos, não mais existirem. É provável que antes
do final do segundo século esses autógrafos já houvessem sido destruídos pelo
tempo e uso.

Entretanto, há cerca de 5.000 manuscritos gregos (81 papiros, 266 unciais, 2.754
cursivos e 2.135 lecionários);3 cerca de 11.000 manuscritos de versões (1.000
das ítalas, 8.000 da vulgata, 400 das siríacas, 1.250 da armênia, 100 das cópticas,
6 da gótica, 3 da geórgi-ca, etc.); e citações de dezenas de pais da igreja (gregos,
latinos e sírios) do Novo Testamento. Estes manuscritos apresentam desde
parte de apenas dois versículos até o Novo Testamento inteiro, provenientes do
segundo ao décimo sexto século da nossa era. Só que o texto desses manuscritos,
por serem tantos, diferem entre si em maior ou menor grau.

O problema em estabelecer o texto original do Novo Testamento, a partir de


tantas fontes (testemunhas), reside, portanto, não na falta de manuscritos —
como acontece com os clássicos — mas no método ou teoria utilizada no estudo
desses manuscritos.

Os especialistas na ciência que estuda estes manuscritos, a crítica textual,4


formam duas correntes de pensamento conflitantes. A corrente mais antiga,
responsável pelo texto grego geralmente em uso até o final do século passado,
aceita o texto encontrado na grande
67

maioria dos manuscritos (cerca de 90%) mais recentes, do século quinto ao


século dezesseis, os quais, apesar de serem a grande maioria, não apresentam
grande variação no texto. A correntè mais recente segue o texto preparado por
dois eruditos ingleses, Westcott e Hort, publicado em 1881, baseado na minoria
dos manuscritos provenientes do século quarto •— especialmente dois
manuscritos, conhecidos como Códice Sináitico (N) e Códice Vaticano (B) —,
os quais diferem bastante não apenas da grande maioria dos manuscritos,
como também uns dos outros. A seguinte citação de Pickering, é suficiente para
dar uma idéia da duvidosa qualidade desses unciais:
Hosker, depois de preencher quatrocentas e cinqüenta páginas com uma discussão detalhada e
cuidadosa sobre os erros do códice B e outras 400 sobre as idiossincrasias do códice X, afirma que
somente nos evangelhos estes dois mss. diferem bem mais de 3.000 vezes, e que este número não inclui
erros menores tais como ortografia, nem variantes entre certos sinônimos.70

O texto grego representado na maioria dos manuscritos, conhecido como texto


majoritário, bizantino, tradicional ou eclesiástico, foi o texto empregado em
todas as traduções da Bíblia até o início deste século. Ele foi e ainda continua a
ser defendido por uma minoria de eruditos no assunto, tais como J. W. Burgon,
F. H. A. Scrivener, T. R. Birks e E. Miller. Estes combateram a teoria de
Westcott e Hort, quando do seu surgimento; e, na atualidade, Edward Hills, Van
Bru-ggen, Zane Hodges, Wilbur Pickering e outros, os quais continuam
a combatê-la, preferindo o texto majoritário. Apesar disso, a teoria de Westcott e
Hort tem prevalecido nas últimas décadas, sendo divulgada pelas Sociedades
Bíblicas Unidas (United Bible. Societies — UBS), no mundo inteiro, através de
um texto preparado por -cinco pessoas (Kurt Aland, Matthew Black, Carlo
Martini, Bruce Metzger e Allen Wikgren) e por ela publicado, baseado no texto
de Nestle, o qual por sua vez é baseado no de Westcott-Hort.

Só para que se tenha uma idéia da insegurança do texto a que esta teoria induz,
os mesmos eruditos que trabalharam na segunda edição do texto da UBS,
introduziram cerca de quinhentas mudanças

na terceira edição, num período de apenas três anos. Como conciliar a doutrina
da inspiração verbal e da preservação do texto do Novo Testamento com o texto
produzido pela moderna crítica textual?! Não é sem razão que um bom número
dos críticos textuais atuais já tenha desistido definitivamente de alcançar o texto
original do Novo Testamento.5

EVIDÊNCIAS DA PRESERVAÇÃO DO NT NA HISTÓRIA

E QUALIDADE DO TEXTO

Na História dos Manuscritos

O texto majoritário ou eclesiástico, como o próprio nome indica, foi o texto


manuscrito recebido, reconhecido, usado e preservado pela igreja até o
surgimento da imprensa, no século XVI. Este é um fato histórico incontestável.
É somente quanto aos três primeiros séculos da história do texto do Novo
Testamento que se pode alegar não haver evidência inquestionável para a
afirmativa acima, visto que os manuscritos descobertos nesse período
apresentam textos essencialmente diferentes do texto majoritário.

* Como explicar isso? Não era de se esperar que os manuscritos que representam
a fiel tradição fossem os únicos existentes. Paralelamente a essa transmissão fiel,
houve também, especialmente nos primeiros séculos, uma transmissão
descuidada, representada por manuscritos com muitos erros não intencionais, ou
até mesmo intencionais, de copistas e hereges, como Marcião, os quais
produziram cópias corrompidas do texto original. Afinal, não é apenas
Deus quem está interessado no texto das Escrituras; o diabo também
está! Enquanto Deus vela sobre a sua Palavra para a cumprir, o diabo faz,
e continuará a fazer de tudo para destruí-la ou corrompê-la, como a história tem
mostrado. As palavras de Orígenes de Alexandria, no terceiro século, confirmam
o que acaba de ser dito:
Nestes dias, como é evidente, há uma grande diversidade entre os vários manuscritos, quer pela
negligência de certos copistas, quer pela perversa audácia demonstrada por alguns em corrigir o
texto, quer pela falta de outros, os quais, considerando-se corretores, aumentam ou reduzem o
texto, conforme bem desejam.72

Os manuscritos que têm sido descobertos no Egito nos últimos dois séculos,
provenientes dos primeiros séculos, fornecem razoáveis evidências de serem
exemplares desses textos corrompidos. Os eruditos que estudaram
detalhadamente os papiros Chester Beatty (p45, p4ô e p47) e 0 papjro Bodmer II
(p66), dos séculos II e III, por exemplo, chegaram à conclusão que, embora
estejam entre os manuscritos mais antigos já encontrados, eles estão repletos de
erros. O p66, por exemplo, apresenta uma média de dois erros por versículo,
sendo que quase metade dos erros deixam o texto sem sentido. Já os
códices Sináitico (b>) e Vaticano (B), altamente valorizados por Westcott e Hort
e seus seguidores, só nos evangelhos apresentam, como já foi dito, cerca de três
mil diferenças entre si.73

Mas por que, praticamente, só tem sido descobertos manuscritos corrompidos


deste período inicial da história do texto? Uma das razões prováveis diz respeito
à procedência deles: são todos provenientes do Egito. Em lugares mais remotos
do centro onde o Evangelho florescia, e a fidelidade das cópias poderiam ser
verificadas com mais facilidade (Ásia Menor, Grécia, Roma e Palestina), tais
como no Egito, estes textos (corrompidos) multiplicavam-se, nos
primeiros séculos •— vale lembrar que Orígenes era do Egito. Mas com o
decorrer dos séculos, e a inevitável multiplicação da transmissão cuidadosa do
texto do Novo Testamento, as cópias erráticas foram desaparecendo, pois seria
impossível defendê-las diante da predominância numérica do texto fielmente
preservado. Como na Ásia Menor, na Grécia e em Roma as condições climáticas
não poderiam de modo algum conservar os papiros, os quais com o uso
rapidamente se estragavam, praticamente só foram preservados papiros e códices
do Egito, a maioria dos quais representantes corrompidos, em maior ou menor
grau, do texto original. Além disso, convém ter em mente que não apenas 6 5

os cristãos fiéis foram perseguidos nestes primeiros séculos da História Cristã;


suas Bíblias também o foram e, com isso, boa parte das cópias fielmente
transcritas dos escritos apostólicos foram destruídas. Por fim, há ainda outra
explicação para a existência de poucos manuscritos representantes do texto
majoritário provenientes dos primeiros séculos: é que no século IX, com o
desuso dos caracteres unciais, estes manuscritos foram transi iterados para os
caracteres cursivos, com a provável destruição dos unciais transcritos.7

De qualquer modo, o fato é que, a partir do século V, quando cresce o número de


manuscritos preservados, um fato desponta na “manuscritologia” do Novo
Testamento: a existência de uma surpreendente maioria de manuscritos que
apresentam um texto surpreendentemente uniforme, o qual foi recebido pela
igreja como cópia fidedigna do texto original, e por ela foi usado, transmitido e
preservado cuidadosamente até o surgimento do primeiro texto grego impresso
do Novo Testamento.

Na História do Texto Impresso

Os primeiros textos gregos impressos do Novo Testamento foram terminados


quase que simultaneamente pelo Cardeal Ximenes (em 1514) e por Erasmo de
Roterdã (em 1516). Eram, ambos, “a comum continuação da tradição escrita.”8
Eles preservavam em essência, agora não mais manuscrito, mas impresso, o
texto majoritário ou eclesiástico, o qual continuaria a ser amplamente adotado
pela igreja, inclusive pelos reformadores, como cópia fidedigna do texto
original.

Assim começou o primeiro dos três períodos em que se pode dividir a história do
texto impresso do Novo Testamento. Este primeiro período, conhecido como não
crítico, caracterizou-se pelo estabelecimento e padronização do texto encontrado
na grande maioria dos manuscritos, o texto majoritário, culminando com as
edições publicadas pelos irmãos Elzevir em 1678. O texto publicado pelos
irmãos Elzevir ficou conhecido pela expressão Textus Receptus (Texto

Recebido). Este estágio da história do texto impresso é marcado pela aceitação


incondicional dessa forma de texto e seu uso generalizado pela igreja, havendo
pouquíssima diferença entre as diversas edições publicadas.

O segundo período (pré-crítico), que pode ter seu início demarcado com a
edição de John Fell de 1675, estende-se até 1831, quando Lachmann publica um
texto que se afasta consideravelmente do Textus Receptus. Este período se
caracterizou pelo acúmulo de evidências textuais por parte dos críticos, bem
como pela elaboração de teorias que viriam a ser aceitas e desenvolvidas no
período seguinte e que culminariam com a rejeição do texto recebido.
Entretanto, o texto francamente aceito pela igreja, mesmo nesta etapa
de transição, continuou a ser o Textus Receptus, pois as evidências textuais
acumuladas contrárias a ele não chegaram a ser aplicadas ao texto, e quando o
foram, mesmo que em parte, esses textos foram rejeitados firmemente pelo
consenso da igreja.76

E somente no terceiro período (crítico) da história do texto do Novo Testamento,


que começa com Lachmann (1831) e se estende até os nossos dias, que
começaram realmente a surgir os textos ecléticos, baseados na minoria dos
manuscritos que discordam bastante entre si e também da grande massa dos
manuscritos que apresentam o texto majoritário. Entretanto, mesmo neste
período, foi só mesmo a partir do texto publicado por Westcott e Hort, que o
texto recebido passou a ser abandonado de modo mais generalizado. Ainda
assim, não de todo, pois na época houve eruditos de reputação, já mencionados,
os quais não aceitaram de modo algum a teoria de Westcott e Hort, e
continuaram a defender o texto majoritário como sendo a fiel transcrição do
texto original do Novo Testamento. Tendo aparentemente perdido a batalha, nos
últimos cem anos o texto majoritário passou a ser considerado um texto
secundário, mais distante do texto original do que os textos encontrados nos
manuscritos provenientes dos primeiros séculos, mencionados no item anterior.
Mesmo sem uma investigação mais detalhada da questão, em virtude da sua
tecni-

cidade, a grande maioria dos teólogos, comentaristas e estudiosos da Palavra de


Deus, mesmo ortodoxos, nos últimos cem anos passou a aceitar a teoria de
Westcott e Hort como fato, e a usar os textos disponíveis — no presente, os
textos de Nestle e da UBS — sem maior averiguação, com base na autoridade
dos eruditos da área.9

Mas, ao que tudo indica, os últimos anos parecem estar conduzindo a um retorno
ao texto majoritário. Livros, artigos, e até mesmo novas edições do texto
majoritário foram recentemente publicados por estudiosos de inquestionável
erudição — tais como Van Bruggen, Pickering e Zane Hodges — combatendo
novamente a teoria de Westcott e Hort e seus seguidores, e defendendo o texto
majoritário com argumentos bastante plausíveis. Como resultado, não têm
sido poucos os que têm reconhecido no texto majoritário o único texto que pode
reivindicar haver sido preservado por Deus, através da igreja, no decorrer dos
séculos.

No Consenso e Qualidade dos Manuscritos e Textos Impressos

Outra evidência da preservação do texto original do Novo Testamento pode ser


verificada no consenso e na qualidade dos manuscritos que apresentam o texto
majoritário.

Por consenso, refiro-me não apenas ao número de manuscritos, mas também à


catolicidade (diferentes áreas geográficas); variedade de manuscritos (papiros,
unciais, citações patrísticas, lecionários, versões, cursivos); e continuidade
(consenso histórico, ou seja, manuscritos de diversos séculos). O texto
majoritário ou “bizantino” é encontrado em milhares de manuscritos dos tipos
mais variados, provenientes dos locais mais diversos, e praticamente de todos os
séculos da História da Igreja. O fato é que a não aceitação do texto majoritário
como a fiel transmissão do texto original implica na rejeição da doutrina da
preservação do Novo Testamento; pois, que outro texto do Novo Testamento
teria o testemunho da história de haver sido preservado!?

Quanto à qualidade, refiro-me à harmonia, gramática, estilo, e até mesmo à


qualidade de letras e impressões. É reconhecido que o texto majoritário é um
texto “lúcido” e “completo.”10 É de se esperar que assim o fosse, visto que o
texto originalmente inspirado do Novo Testamento certamente não foi um texto
sem sentido ou incompleto.

NATUREZA E EXTENSÃO DA PRESERVAÇÃO

A Natureza da Preservação do NT

Deve-se entender a preservação das Escrituras como uma atividade divino-


humana. Como nas demais obras da providência, Deus age, às vezes
diretamente, outras vezes indiretamente, segundo seus propósitos eternos, a fim
de garantir que a sua vontade soberana seja cumprida. Não é diferente no que diz
respeito à preservação das Escrituras. Deus permitiu as ações perversas e o erro
no processo de copiá-las, o que resultou em cópias corrompidas.11 Ele,
entretanto, cuidou, no decorrer dos séculos, para que a sua Palavra
inspirada, fosse preservada por meio de uma transmissão cuidadosa, através
de homens que a copiaram com reverência e fidelidade e depois a imprimiram
com igual cuidado, a fim de que o texto original continuasse sempre disponível,
em todas as épocas.

É claro que Deus não usou os copistas mecanicamente; as Escrituras não foram
psicocopiadas, ou melhor, pneumacopiadas. Mas também não se pode pensar
que Deus, depois de revelar sua vontade e inspirá-la a fim de que seu registro
fosse garantido, a deixaria entregue à própria sorte, sujeita à total corrupção, de
modo que os erros viessem a predominar e o que foi originalmente escrito viesse
a se perder, não mais havendo possibilidade de determinar o conteúdo do texto
original, a partir dos manuscritos que foram preservados.

A Extensão da Preservação do NT

A maneira como alguns tratam a questão da preservação das Escrituras parece


transparecer que se dão por satisfeitos com uma preservação limitada ao
primeiro século. Isto é, apenas com o registro da revelação, com a inspiração —
não se preocupando muito com a preservação do que foi escrito no decorrer dos
séculos.

Outros parecem crer em uma preservação variada, isto é, que as diferentes


variações que o texto teria sofrido, nas diversas épocas de sua história, seriam
igualmente inspiradas. Isto eqüivale a crer na inspiração das variantes. Não faz
muita diferença qual das leituras usar, qual das leituras estava no texto
originalmente inspirado, desde que esta leitura seja encontrada em algum
manuscrito antigo!

Outros, ainda, parecem dar-se por satisfeitos com ò que poderíamos chamar de
preservação dinâmica, isto é, apenas do sentido do que foi inspirado, não se
importando com as palavras em si. Desde que o sentido fosse preservado, não
haveria problema quanto às palavras. Os estudiosos ortodoxos dificilmente
afirmariam sustentar alguma dessas posições, mas alguns até mesmo entre eles,
na prática, agem assim.

Este autor não crê, entretanto, com base nos textos bíblicos, bem como nas
evidências já fornecidas, e por conseqüência inevitável da doutrina
da inspiração, que a preservação das Escrituras se limite apenas à época da
sua inspiração, ou que todas as leituras sejam inspiradas, ou ainda que apenas
o sentido do que foi inspirado foi preservado. Crê, sim, na preservação verbal
e plenária das Escrituras. Tudo o que foi inspirado, palavra por palavra,
tem sido preservado por Deus, através da igreja, nas Escrituras, no decurso
dos séculos.

É possível, entretanto, que por algum tempo, devido ao próprio erro ou


negligência da igreja, as Escrituras ou o seu texto original não esteja disponível
— como aconteceu na época anterior ao rei Josias, quando o livro da lei ficou
por anos perdido no próprio templo. Contudo, não se pode inferir disso que as
Escrituras ou o seu texto não tenham sido preservados por Deus. As Escrituras
estavam lá, perfeitamente preservadas, embora abandonadas; assim como o texto
original do Novo Testamento continua preservado no texto majoritário, embora,
nos últimos anos tenha sido desprezado por boa parte da erudição moderna.

CAPÍTULO 9

1
Este capítulo encontra-se também em Paulo R. B. Anglada, Estudos em Manuscritologia do Novo
Testamento, 57-68.

2
Ler Deuleronômio 4:2; Jeremias 1:12: Salmo 119:160 e I Pedro 1:23-25.

3
Bruce M. Metzger, The Text of lhe New Testament; Its Transmission, Corruption, and Restoration, 32-33.

4
m Um nome mais apropriado seria “manuscritologia” (a ciência que estuda os manuscritos), por não ter
conotação crítica (certamente imprópria para ser empregada com relação à Palavra de Deus).

5
Ibid, 123-126

6
72 Wilbur N. Pickering, The Identity of the New Testament Text, 42.

7
J. Van Bruggen, The Ancient Text of the New Testament, 26.
8
G. R. Gregory, Canon and Text of the New Testament, 440.

9
Para uma avaliação crítica da teoria de Weslcott e Hort, ver Paulo R. B. Anglada, “A Teoria de Westcot e
Hort e o Texto Grego do Novo Testamento; Um Ensaio em Manuscritologia Bíblica,” 15-30.

10
Bruce M. Metzger, A Textual Commentary on the Greek New Testament, xx.

11
75 Algo semelhanle se verifica com relação ao canon. A Igreja Católica produziu um cânon
corrompido, com acréscimos no AT; mas o cânon verdadeiro foi preservado e identificado pela
verdadeira igreja de Cristo.
TRADUÇÃO DAS ESCRITURAS 8

O Velho Testamento em Hebraico (língua nativa do antigo povo de Deus) e o Novo Testamento em Grego
(a língua mais geralmente conhecida entre as nações no tempo em que foi escrito), sendo inspirados
imediatamente por Deus, e pelo seu singular cuidado e providência conservados puros em todos os
séculos, são, por isso, autênticos, e assim em todas as controvérsias religiosas a Igreja deve apelar
para eles como para um supremo tribunal; mas, não sendo essas línguas conhecidas por todo o povo de
Deus, que tem direito e interesse nas Escrituras, e que deve, no temor de Deus, lê-las e estudá-las, esses
livros têm de ser traduzidos nas línguas vulgares de todas as nações aonde chegarem, a fim de que a
Palavra de Deus, permanecendo nelas abundantemente, adorem a Deus de modo aceitável e possuam a
esperança pela paciência e conforto das Escrituras (Parágrafo VIII).

Pode-se começar a considerar a questão da


necessidade de tradução das Escrituras em
outros idiomas, ressaltando um aspecto da
doutrina da inspiração1 2 ensinado no início
desse parágrafo: a fé reformada não professa a
inspiração das traduções, mas dos textos
originais em hebraico e aramaico do AT e grego
do NT. Tudo o que foi dito sobre a doutrina da
inspiração das Escrituras refere-se, portanto, aos
textos originais e não às diferentes traduções.
Deve-se admitir que as traduções são deficientes, que apresentam problemas. Às
vezes não há palavras em uma língua capazes de traduzir adequadamente uma
palavra escrita em outra. Outras vezes é possível traduzir uma mesma expressão
de diferentes maneiras. O certo é que é impossível falar de uma tradução
perfeita. Isso não existe. As traduções variam quanto ao grau de fidelidade ao
texto original.

Isso não significa, entretanto, que as Escrituras não possam ou não devam ser
traduzidas para outros idiomas. A Igreja Católica assim achava. Para ela, os
leigos jamais poderiam compreender as Escrituras, e seria perigoso torná-las
disponíveis nas línguas nativas do povo.3 Este parágrafo da Confissão de Fé
expressa fielmente a posição e prática dos reformadores quanto à necessidade de
se traduzir as Escrituras nas diversas línguas.

RAZÕES PARA A TRADUÇÃO DAS ESCRITURAS

Por que isso deveria ser feito? Por que é não somente legítimo como necessário
traduzir as Escrituras? Eis algumas razões:

É mandamento divino ensinar as Escrituras a todos os povos

É o que se lê na grande comissão: “Tendo ido, portanto, fazei discípulos de todas


as nações, batizando-os em nome do Pai e do Filho e do Espírito Santo;
ensinando-os a guardar todas as cousas que vos tenho ordenado” (Mt 28:19-20).
E em Atos 1:8, “...e sereis minhas testemunhas, tanto em Jerusalém, como em
toda a Judéia e Samaria, e até aos confins da terra.”

Babel

Por causa da evidente diversidade de línguas e dialetos existentes, em


decorrência da soberba humana. Milhares de línguas e dialetos são falados em
todo o mundo. Como ensinar ao mundo a vontade de Deus, transmitindo-lhes a
sua palavra, sem traduzi-la? O mandamento divino de ensinar a sua vontade a
todos os povos diante dessa diversidade lingüística torna auto-evidente a
necessidade da tradução das Escrituras.

A natureza histórica das Escrituras

Deve-se ter em mente, conforme escreveu Berkouwer,4 que


As Escrituras não vieram a nós em uma linguagem supra-histórica ou su-pra-humana, capaz de como
que abraçar e penetrar Iodas as épocas e todas as divergências da linguagem. Pelo contrário, as
Escrituras vieram a nós em línguas humanas concretas e localizadas, limitadas com relação à sua
inteligibilidade.

Em outras palavras, aprouve a Deus fazer registrar as verdades divinas em forma


humana, por meio das Escrituras, em línguas específicas, e não por meio de uma
linguagem espiritual, sobrenatural, capaz de ser entendida por todos. Para tal,
elas precisam ser traduzidas.
Por causa da limitação humana

Na condição de criatura finita e limitada, ordinariamente, o homem não tem a


capacidade natural de entender outras línguas. Ele pode aprendê-las, é claro, mas
somente com considerável esforço e dificilmente adquire o mesmo domínio da
sua própria língua. Obviamente seria infinitamente mais difícil ensinar cada
pessoa a dominar o hebraico e o grego, para ler as Escrituras nas línguas
originais, do que traduzir as Escrituras para os diversos idiomas.

Esta capacidade também poderia ser sobrenaturalmente conferida ao homem,


como ocorreu por ocasião do derramamento do Espírito (em Atos 2:5ss).
Naquele momento, Deus interveio de modo que diversas pessoas procedentes de
diferentes países fossem capazes de entender em suas próprias línguas a
proclamação “das grandezas de Deus” pelos discípulos. Mas não aprouve a Deus
agir ordinariamente desse modo.

Como inferência lógica e necessária da doutrina da clareza das Escrituras

Se professamos crer na clareza intrínseca substancial das Escrituras; se


professamos crer que a intermediação da igreja não é in-

dispensável para uma compreensão suficiente das Escrituras, mesmo por parte
de pessoas iletradas, desde que o Espírito ilumine o coração delas para tal; se
professamos crer que, embora as Escrituras apresentem dificuldades decorrentes
da sua natureza histórica, o problema maior para a sua compreensão está no
homem e não na língua; então só podemos concluir pela necessidade da tradução
das Escrituras em linguagem acessível, na convicção de que o Espírito Santo
poderá iluminar seus leitores, habilitando-os a compreender a substância do seu
ensino.

Conclusão

O mandamento divino de ensinar a sua vontade a todos os povos, a diversidade


lingüística, a natureza histórica das Escrituras, a limitação do homem, e a
doutrina da clareza das Escrituras tornam evidente a necessidade da tradução da
palavra de Deus.

EVIDÊNCIAS HISTÓRICAS
A fé reformada não apenas afirma essa necessidade, mas a história a demonstra.
Trata-se de uma prática antiga. Tão logo as pessoas a quem se destinavam as
Escrituras passaram a não mais compreendê-la na língua original, esta passou a
ser traduzida.

As Primeiras Traduções do AT

As primeiras traduções do AT foram os Targuns, paráfrases explicativas das


Escrituras feitas em aramaico, dialeto mais facilmente entendido pelo povo
judeu, depois do exílio. Ainda existem diversos exemplares de Targuns de
diversos trechos do AT. O mais antigo deles é do Pentateuco, e data do século
primeiro da nossa era.84 E bem provável que os Targuns tenham se originado de
práticas como a que é descrita em Neemias 8:8, após o retorno dos exilados do
cativeiro, onde lemos que os sacerdotes e levitas “leram no Livro, na lei de
Deus, claramente, dando explicações, de maneira que entendessem o que se lia.”

A tradução antiga mais conhecida do Antigo Testamento é a Septuaginta (LXX).


Traduzida provavelmente na primeira metade do séc. Ill AC, no Egito, essa
versão grega foi largamente empregada por judeus helenizados (de fala grega)
espalhados pelo mundo e depois pelos primeiros cristãos (tanto judeus
helenizados como gregos). Muitas citações do Antigo Testamento encontradas
no Novo provêm da Septuaginta e não do texto hebraico do AT.

Traduções Antigas das Escrituras

O Novo Testamento, escrito originalmente em grego, podia ser entendido em


diverso países, por ser esta a língua franca, comumente empregada na época.
Nos primeiros séculos do cristianismo o uso da língua grega (o dialeto koinê)
continuava a ser preponderante no império romano. Mas, à medida que o
Evangelho foi alcançando povos de outras línguas, ou nações em que o grego
caiu em desuso, novas traduções das Escrituras foram surgindo.

Assim, foram feitas inúmeras traduções antigas latinas, a língua que crescia em
importância no ocidente, sendo que a principal foi a Vulgata, feita por Jerônimo
no final do séc, IV AD; siríacas, língua semítica, tais como as versões Peshita,
Filoxêniana/Harcleana, e Pa-lestinense, entre os séc. II e VI; cópticas (língua
falada no Egito), nos séc. Ill e IV; góticas, pelo próprio inventor do alfabeto
gótico, Bispo Ulfílas, o apóstolo dos góticos; armênias, também pelo inventor
do alfabeto, Mesrop, e pelo Patriarca Sahak, no séc. V; geórgica, língua falada na
região entre o Mar Negro e o Mar Cáspio; etíope (séc. V.); arábicas (muitas
versões, provavelmente à partir do séc. VI ou VII), etc.5

Traduções da Reforma

Uma das principais conseqüências da Reforma do Século XVI foi o surgimento


de traduções das Escrituras. A Igreja Católica havia se dado por satisfeita com a
versão latina de Jerônimo e não estimu-

lava sua tradução para outros idiomas, por considerar as Escrituras um livro
obscuro e não apropriado para ser lido por leigos. Os reformadores, entretanto,
não pouparam esforços no sentido de verter as Escrituras para os idiomas dos
seus respectivos países. Alguns, como Tyndale, foram até martirizados em
conseqüência dessa determinação.

Lutero traduziu as Escrituras para o alemão. Tyndale (1525)6 e outros para o


inglês, culminando com a revisão que resultou na Versão King James, a Versão
Autorizada de 1611, traduzida por mais de cinqüenta teólogos.7 A Bíblia
Holandesa foi traduzida por decisão do Sínodo de Dort em 1618, havendo quem
afirme ser esta “...o fruto mais maduro da obra de tradução da Reforma na
Europa.”8

Traduções Portuguesas

Muitas outras traduções se seguiram. A primeira versão das Escrituras para a


nossa língua foi feita pelo português João Ferreira de Almeida, nascido em Torre
de Tavares, em Portugal, em 1628. Ele se converteu ao Evangelho na Batávia,
capital da ilha de Java, como fruto da Missão Portuguesa da Igreja Reformada da
Holanda. Almeida fez sua pública profissão de fé em 1642 e, posteriormente,
tornou-se pastor reformado, sendo ordenado em 16 de outubro de 1654.
Ele serviu como missionário em diversos países onde se falava a
língua portuguesa, inclusive no Ceilão, no sul da índia.

A tradução de Almeida do Novo Testamento foi concluída em 1670, sendo a


décima terceira tradução do NT em língua moderna depois da Reforma. O texto
grego empregado foi a segunda edição do Textus Receptus, preparada pelos
irmãos Elzevir, e publicada em 1633. A primeira edição do Novo Testamento em
português foi publicada em 1681, em Amsterdã, por ordem da Companhia da
índia Oriental, com o conhecimento da Classe de Amsterdã.

Uma segunda edição do NT revisada por Almeida foi publicada em 1693, na


Batávia, pelo editor João de Vries. Ferreira de Almeida não concluiu a tradução
do AT. Quando morreu, em 1691, estava traduzindo o livro de Ezequiel. A Bíblia
toda em Português só foi publicada em 1753. Sucessivas revisões foram
efetuadas na versão de Almeida ao longo dos anos. Algumas das mais
importantes foram as de 1712 (3a), 1773 (4a), 1875 (para ser impressa pela
primeira vez no Brasil, em 1879), 1894, 1942 (pela Casa Publicadora Batista,
adaptando o NT aos textos gregos de Nestle e Westcott-Hort).89

Outra tradução portuguesa conhecida é a versão do clérigo católico Antônio


Pereira de Figueiredo. O Novo Testamento, traduzido do latim, foi publicado em
1779. O AT foi publicado em 1803, e a Bíblia completa em 1819. Em 1864 foi
publicada pela primeira vez no Brasil. O português da tradução de Figueiredo é
tido como superior ao da tradução de Almeida. Mas a tradução de Almeida é
considerada melhor do que a tradução de Figueiredo.

Traduções Modernas

De 1881 em diante, muitas revisões e novas traduções têm surgido, nas


principais idiomas. O que ocorre com a Bíblia em Inglês é representativo e
influencia bastante as outras línguas. Eis algumas das principais versões
inglesas, e suas tendências:

Data Versão Publicador / Características

Província de Canterbury (Inglaterra)


1885 Revised Version (RV)
Relirar os arcaísmos e adaplar o NT aos textos críticos.

América
American Standard Version
1901
(ASV)
Similar à RV, pequenas diferenças localizadas
1952 Revised Standard Version International Council of Religious Education Texto eclético e
(RSV) tradução mais livre

Igreja da Escócia e Igreja da Inglaterra

1970 New English Bible (NEB) Texto eclélico e linguagem idiomática mais livre

ainda.

Lockman Foundation
New American Standard Bible
1971
(NASB)
Revisão da ASV, mais literal que a RSV.

89 Entre outras traduções de Almeida estão a Liturgia da Igreja Reformada e o Catecismo de Heidelberg,
Mais detalhes sobre a versão de Almeida podem ser encontrados em B. P. Bittencourt, O Movo Testamento:
Cânon-Língua-Texto, 207-217.

American Bible Sociely


1976 Today English Bible (TEV) (Good News
Bible) Texto eclético, tradução livre e linguagem popular

N.York Bible Society Intern./Cristian Reformed


Church
1978 New International Version (N1V)
Trad. Ortodoxos. Texto eclético. Tradução menos
livre

Thomas Nelson Publishers


1982 New King James Version (NKJV)
Revisão da King James p/atualizar a linguagem

A Bíblia em português também experimentou diversas revisões e novas


traduções têm surgido nos últimos anos. A tabela a seguir lista algumas
principais versões portuguesas, indicando suas tendências e publicadoras:

Data Versão Observação


1932 Padre Matos Soares Católica

1934 Humberto Holden 1934 Católica

Pela British and Foreign Bible Society e Américan


Bible Sociely
1917 Tradução Brasileira
3(4) brasileiros e 3 estrangeiros. Não vingou.

1956
Edição Revista e Atualizada de João Ferreira Sociedades Bíblicas Unidas e SBB (Ia e 2a edições)
de Almeida Texto eclético
1993

Edição Corrigida e Revisada de João Ferreira Sociedade Bíblica Trinitariana Baseada no Textus
1994
de Almeida Receptus

NIV Versão brasileira da New International Version

Sociedade Bíblica do Brasil


Bíblia na Linguagem de Hoje
Texto eclético e tradução livre (equivalência
dinâmica)

TRADUÇÕES REFORMADAS E MODERNAS TRADUÇÕES DAS


ESCRITURAS

As traduções das Escrituras feitas durante a Reforma Protestante do século XVI


apresentavam características comuns. As traduções modernas (de 1881 até hoje),
de modo geral, caminham em direção oposta. As principais tendências ou
características que estes dois grupos de tradução apresentam são as seguintes:

Com Relação ao Texto Original

As traduções reformadas tinham como base o texto hebraico e o texto grego


eclesiásticos (padrões) — textos que vinham sendo adotado pela Igreja Cristã
em geral e que representavam o texto ex-

presso pela grande maioria dos manuscritos existentes.9 No caso do Novo


Testamento, baseavam-se no Textus Receptus.

As traduções modernas afastam-se cada vez mais dos textos originais padrões
empregados pelas traduções reformadas. O problema é especialmente grave com
relação ao Novo Testamento. Adotam textos ecléticos, baseados em uma minoria
de manuscritos bastante divergentes do texto padrão bem como divergentes entre
si mesmos. Como os critérios de escolha do texto são bastante subjetivos, não
há consistência entre as traduções modernas com relação ao texto.

Características Metodológicas

As traduções reformadas buscavam uma tradução mais literal e com o mínimo


de intervenção humana possível. Quando a tradução literal não era possível, as
modificações eram indicadas em notas marginais, como acontece na Versão
Holandesa; ou mesmo no texto, mudando-se o tipo para indicar acréscimos de
palavras necessárias para dar sentido ao texto, como ocorre na Versão
Autorizada (conhecida como King James Version).

Outra característica metodológica das traduções reformadas era a


interdependência entre as versões. As versões que iam sendo feitas para outras
línguas não eram totalmente novas, mas levavam em consideração as boas
versões anteriores.

A metodologia ou mesmo a filosofia de tradução das versões modernas caminha


em direção oposta à metodologia de tradução dos reformadores. A precisão não é
mais a meta, o fator determinante nas traduções. A ênfase não está mais na
fidelidade ao texto, mas na inteligibilidade dos leitores. O importante não é o
que traduzir, mas para quem traduzir. As traduções tornam-se cada vez mais
livres, inter-pretativas, idiomáticas, e contextualizadas. O objetivo não é
mais apenas traduzir o texto, mas transformá-lo, reestruturá-lo, aplicando e

adaptando a idéia por trás dele ao contexto cultural, peculiaridades e preferências


dos leitores.

Trata-se da teoria da equivalência dinâmica, desenvolvida por Eugene Nida,10


das Sociedades Bíblicas Unidas (por muitos anos a pessoa mais influente na área
da tradução das Escrituras), que vem sendo colocada em prática em todo o
mundo através da Today English Version (a Bíblia na Linguagem de Hoje),
também conhecida como Good News Bible. Esse método vem sendo defendido,
promovido e divulgado pelas sociedades bíblicas em dezenas de países.11

Não nos é possível descrever e avaliar detalhadamente este método aqui.12 Basta
dizer, entretanto, o seguinte:

A teoria baseia-se na tese de que todas as línguas têm dois níveis de estrutura
gramatical: um superficial e outro mais profundo; e que todas as formas
gramaticais superficiais podem ser reduzidas a quatro categorias semânticas (de
significado) universais mais profundas: objetos (coisas ou seres), eventos (ações
processos e acontecimentos), abstrações (qualidades, quantidades e graus) e
relações (conexões significativas entre as três categorias anteriores).
Segundo essa teoria, qualquer discurso, por mais complexo que seja pode e deve
ser reduzido a um número de afirmativas simples, e depois reconstruído em
outra língua.

Trata-se, contudo: 1) de uma teoria desenvolvida mais a partir de teorias de


comunicação, antropologia cultural e sociologia moderna, do que de
fundamentos lingüísticos; 2) não se coaduna com a doutrina da inspiração verbal
das Escrituras; 3) não dá o devido lugar

à ação iluminadora do Espírito Santo necessária à compreensão das Escrituras;


4) desconsidera que o maior problema para a compreensão não é gramatical ou
lingüístico, mas antropológico e espiritual (o problema maior não está no livro,
nem na mensagem, mas no coração do homem); o homem não rejeita a
mensagem do Evangelho porque ela é difícil de ser entendida, mas porque seu
coração corrompido ama o pecado; 5) não respeita a estrutura do texto e o estilo
do autor (forma gramatical e estilo têm sentido específico; senão, o que seria dos
poetas!).

Resultado: a tradução feita com base nesse método simplifica a linguagem mas
empobrece a tradução: o leitor entende mais claramente — mas a interpretação e
a reconstrução do tradutor, e não a mensagem original do texto. Eles entendem o
que o tradutor quer que entendam, não o que o autor quis que entendessem. Ao
invés de tornar a mensagem original mais clara para o leitor, esse método
distancia o leitor da mensagem original. Entre o texto original e a
tradução popular na linguagem de hoje, há um véu muito mais denso do
que existe entre o texto original e as versões mais antigas.

Especialização e Seleção

A ênfase nas peculiaridades dos leitores em detrimento da fidelidade ao texto


original tem sido de tal ordem que as Sociedades Bíblicas Unidas atualmente
estão priorizando a diversificação das traduções. Ou seja, traduções
especializadas de seleções bíblicas para grupos específicos. Exemplo: traduções
de trechos específicos especialmente dirigidas para jovens, estudantes, pessoas
em férias, pessoas hospitalizadas, prisioneiros, imigrantes, membros das
forças armadas, etc. Os dados estatísticos da própria UBS13 revelam a tendência
atual:
Em 1962 - 1 Bíblia para 3,5 seleções

Em 1969 - 1 Bíblia para 18,5 seleções

Em 1974- 1 Bíblia para 33 seleções

Qualificação dos Tradutores

As traduções reformadas foram feitas por pessoas de inquestionável reputação,


ortodoxia, conhecimento teológico e preparo lingüístico. Homens como Lutero,
Tyndale, e os tradutores da King James e da Versão Geral do Estado (holandesa).
Hoje, o requisito enfatizado é apenas a capacitação lingüística. Piedade,
ortodoxia e conhecimento teológico são tidos como qualificações secundárias
ou irrelevantes na tarefa de tradução das Escrituras.14

Institucionalização e Monopólio

As traduções reformadas foram produto da igreja, não de instituições. Tão logo


as igrejas reformadas se organizaram, as traduções ou eram realizadas por
membros da igreja por incentivo, determinação e/ou supervisão da igreja, ou por
concílios representativos da igreja, como ocorreu com a Versão Autorizada e a
Versão Holandesa.

Atualmente, entretanto, a tarefa de tradução das Escrituras não mais é realizada


sob os auspícios e supervisão da igreja, mas por livre iniciativa de entidades
para-eclesiásticas, as sociedades bíblicas, que não têm profissão de fé definida, e
não podem exercer a disciplina eclesiástica. Isso se torna mais sério ainda
quando a grande maioria das sociedades bíblicas se une, formando como que um
monopólio bíblico, inclusive com direitos autorais sobre suas versões das
Escrituras.

Convém ressaltar que não era esse o propósito original das sociedades bíblicas.15
No princípio, a sua função era distribuir as Escrituras. Depois passaram a
publicá-la, posteriormente a traduzi-la, e, atualmente, a interpretá-la e aplicá-la.

Resultado

As versões reformadas eram traduções autoritativas (respeitadas e confiáveis), e


duradouras (foram amplamente empregadas e por séculos). Tornaram-se versões
padrões e oficialmente empregadas. A King James, por exemplo, reinou absoluta
no mundo de fala inglesa desde o início da sua publicação em 1611, até o final
do século passado, e ainda hoje é amplamente usada. O mesmo dificilmente
pode ser dito com relação à maioria das versões modernas.

PRINCÍPIOS SAUDÁVEIS PARA A TRADUÇÃO DAS ESCRITURAS

Na opinião deste autor, a Reforma Protestante do século XVI também tem muito
a nos ensinar com relação à tarefa de tradução das Escrituras. Seus princípios são
saudáveis, e merecem ser enfatizados e praticados. Ei-los:

Auspícios e Supervisão

A tradução das Escrituras deve ser feita sob os auspícios e supervisão da igreja.
E uma tarefa para ser levada a efeito por pessoas que se encontrem sob
autoridade eclesiástica, e não como iniciativa pessoal ou de grupos para-
eclesiásticos. Este é um empreendimento difícil hoje, dada a proliferação de
denominações e afastamento das doutrinas centrais do Evangelho, ou ênfase
exagerada em doutrinas secundárias. Na melhor das hipóteses, pode-se esperar
por revisões ou traduções sob os auspícios de uma denominação ou grupo
reduzido de denominações.

Qualificações dos Tradutores

Os tradutores das Escrituras devem apresentar algumas qualificações


indispensáveis para a tarefa. Como Lutero escreveu, “...nem todo mundo tem
habilidade para traduzir... Um coração crente, cor-

reto, piedoso, honesto, sincero, temente a Deus, treinado, educado e experiente é


requerido” para a tarefa.16

No mínimo, deve ser exigido deles o que os apóstolos exigiram na escolha de


diáconos em Atos 6:3, e nesta ordem de importância: homens de boa reputação
(moral), cheios do Espírito (espiritualidade e ortodoxia doutrinária), e de
sabedoria (capacitação teológica e lingüística) específica para a tarefa.

Certamente não seria demais exigir-se dos tradutores da Palavra de Deus


algumas das qualificações requeridas para a ordenação de ministros da Palavra,
em 1 Timóteo 3:1-7, tais como: ser irrepreensível, esposo de uma só mulher,
temperante, sóbrio, modesto, não dado ao vinho, não violento, governe bem sua
própria casa, criando os filhos sob disciplina, com todo o respeito, não seja
neófito, e tenha bom testemunho dos de fora.

Precisão

A tradução das Escrituras tem que ser precisa. Deve ser confiável. Deve refletir o
máximo possível a autoridade do texto original. Para isso, precisa apresentar as
seguintes características:

1. Fidelidade ao texto original - O texto representado na grande maioria dos


manuscritos e também evidenciado em documentos antigos, e empregado pela
Igreja Cristã de um modo geral por dezenove séculos não pode ser abandonado
com base em teorias subjetivas por causa de uns poucos manuscritos não
representativos. A igreja não pode se deixar influenciar tão facilmente pelas
teorias seculares. Isso implica especialmente na rejeição dos modernos textos
ecléticos, artificialmente construídos, com base na maioria dos votos de um
comitê que atribui valor exagerado a alguns poucos manuscritos discrepantes.
Isto não implica, entretanto, na sacralização do Textus Receptus, como se o texto
representado nessas edições não pudesse ser melhorado com o estudo do enorme
acúmulo de evidências encontradas desde então.

Fidelidade aos textos originais significa fidelidade ao texto massorético hebraico


e aramaico do AT e ao texto majoritário do NT.17

2. Fidelidade à forma do texto e estilo do autor


Não se pode sacrificar o conteúdo em função da inteligibilidade. Não é legítimo
reestruturar o texto a ser traduzido, alterando sua forma original, estrutura ou
mesmo o estilo do autor sem necessidade.

Profecias, cânticos, cartas, narrativas, parábolas, bem como parágrafos,


sentenças, formas gramaticais, etc., não podem ser alteradas desnecessariamente.
A tradução das Escrituras deve ser tão literal quanto possível. A intervenção do
tradutor deve ser a necessária, nem mais nem menos.

Termos técnicos bíblicos que encerram profundas implicações teológicas não


devem ser menosprezados. Certamente a familiarização com as Escrituras e a
iluminação do Espírito ensinará aos leitores o sentido de termos tais como
eleição, predestinação, redenção, expi-ação, remissão, justificação, adoção,
aliança, graça, santificação, glorificação, etc. Falando sobre a sua prática de
tradução, Lutero escreveu:
...Eu não trabalhei ignorando a ordem exata das palavras no original. Pelo contrário, com grande
cuidado, eu e meus auxiliares trabalhamos, mantendo lileralmenle o original, sem a menor variação,
sempre que a passagem parecia crucial."

Não é função do tradutor tornar o texto mais claro do que foi para os leitores
originais. Se o tradutor determina qual o sentido de um texto na tradução,
quando o próprio original permite outras interpretações, ele se coloca na posição
da Igreja Católica, que atribui a si mêsma um direito que não tem: de definir o
sentido do texto das Escrituras;

3. Clareza

Quando dizemos que não se deve enfatizar a clareza da versão em detrimento do


sentido original do texto, isso não significa que se esteja defendendo uma
tradução complicada, difícil, arcaica. A tradução deve ser a mais clara possível.

Não se justifica insistir no uso de palavras arcaicas, que já mudaram de sentido


ou caíram em desuso, se há palavras que expressam melhor o sentido original.

Não se pode traduzir uma palavra no original sempre pela mesma palavra na
tradução. Há línguas que empregam palavras diferentes para uma mesma palavra
no original. Exemplo: a palavra para carne no grego (oáp£) é empregada, como
no português, com sentidos variados: carnalidade, corpo humano, carne
comestível. Mas o inglês dispõe de palavras diferentes: uma para carnalidade é
corpo humano {flesh) e outra para carne comestível {meat).

Expressões idiomáticas normalmente não podem ser traduzidas literalmente,


pois adquiriram um sentido próprio, freqüentemente expresso por uma expressão
diferente em outra língua.

Estruturas sintáticas e formas gramaticais que não têm correspondente similar


em outra língua têm que ser alteradas e adaptadas à língua em que se está
traduzindo.

Este autor repudia, portanto, a ênfase na clareza em detrimento da precisão, mas


também rejeita o tradicionalismo ou arcaísmo em detrimento da clareza. Porque
uma palavra ou expressão sempre foi usada, não significa que é a melhor. Por
outro lado, não deve ser trocada a não ser que outra expresse mais precisamente
o sentido original.

Contudo, deve-se ter em mente que mesmo o texto original não foi escrito de
modo igualmente claro ou em linguagem igualmente popular. Há livros do NT
escritos em grego bem elementar, enquanto outros são escritos quase que em
grego clássico. Será que isto não deve ser levado em consideração! Por mais fiel
e clara que seja a tradução das Escrituras, é preciso reconhecer que se o Espírito
Santo

não iluminar a mente e o coração do leitor, ela continuará ininteligível, por mais
simples que seja a tradução.18

4. Inteireza

Na medida do possível, as Escrituras devem ser traduzidas, e publicadas na sua


totalidade. O propósito, a meta, o alvo é traduzir todo o conselho de Deus e não
apenas partes selecionadas.

A Bíblia tem vários autores secundários, mas um só autor primário. As


Escrituras não são uma coleção de livros, elas são um livro só. Quem poderá
determinar qual porção das Escrituras é necessária para determinada pessoa ou
classe de pessoas? Além disso, como compreender uma de suas partes sem as
demais, se são as Escrituras que interpretam as próprias Escrituras? As
Escrituras devem ser traduzidas e publicadas por inteiro, e não em partes
selecionadas, especialmente traduzidas para determinados grupos de pessoas.
Sem dúvida, é melhor traduzir uma pequena parte das Escrituras do que nada.
Mas isto se justifica pela necessidade, não por filosofia de tradução.

5. Historicidade ou continuidade

Finalmente, uma tradução das Escrituras não pode desconsiderar as traduções


anteriores. Rejeitar todas as demais traduções e arro-gar-se a tarefa de produzir
uma nova tradução das Escrituras, independente das traduções anteriores, revela
soberba inaceitável. Qualquer tradução nova das Escrituras, embora deva basear-
se nos textos originais, deve tomar a forma de uma revisão das
traduções consagradas pela História da Igreja nos seus melhores períodos.
Uma tradução que demonstre apreço pelas antigas traduções
reformadas certamente será bem mais fiel do que uma tradução independente.

CAPÍTULO 10

1
Ler Mateus 28:18-20; Joiio 5:39; Colossenses 3:16 e Romanos 15:4.

2
Doutrina já estudada nos parágrafos II e III desle capítulo da Confissão de Fé.

3
Uma exceção inieressante a esta regra foi a tradução de Douay-Rheims da Vulgata para o inglês, como
tentativa do papado de reconquistar a Inglaterra (cf. Wayne Spear, The Westminster Confession of Faith and
Holy Scripture, 9).

4
81G. C. Berkouwer, Studies in Dogmáticas: Holy Scripture, 213.

5
Mais sobre versões antigas das Escrituras pode ser encontrado em: Bruce M. Metzer, Ancient Versions. In
The Interpreter's Dictionary of the Bible, vol. 4,749-760) e The Early Versions of The New Testament: Their
Origin, Transmission and Limitation, do mesmo autor.

6
A versão de Tyndale foi a primeira tradução inglesa feita diretamenle dos textos originais. Outras versões
inglesas anligas são: The Cloverdale Bible (1535), Matthew’s Bible (1537), The Great Bible, (1539), The
Geneva Bible (1560) e The Bishops Bible (1568).
7
A primeira versão inglesa completa foi a de John Wycliff, produzida em 1382.

8
J. Van Bruggen, The Future of The Bible, 51.

9
911
Não se quer dizer com isso que os termos Textos Receptus e texto majoritário sejam equivalentes. Mas
sim, que os Textus Receptus empregados pelos reformadores eram a melhor expressão do texto majoritário
na época (ver capítulo sobre a preservação das Escrituras).

10
1,1 Sua teoria encontra-se exposta no seu livro Toward a Science of Translating, publicado em 1964 e a
prática dessa teoria no livro The Theory and Practice of Translation, em 1974. Ambos foram publicados
sob os auspícios da United Bible Society.

11
Exercendo funções como a de secretário executivo e coordenador mundial de traduções da UBS, os
próprios editores da UBS admitem, com relação a Eugene Nida, que “nas suas mãos tem estado a tradução
das Escrituras Sagradas para quase todos os idiomas do mundo, cuja cifra até esta data, passa de 1.660
línguas” (contra capa de Eugene Nida, Dios Abla a Todos, publicado em 1979 pela própria UBS).

12
A teoria da equivalência dinâmica de Nida é descrita e avaliada de modo resumido c apropriado pelo Dr.
Jacob Van Bruggen, professor de exegese do Novo Testamento no Reformed Theological College em
Kampen, na Holanda no livro The Future of the Bible, 67-96 e 151-169.

13

'M Citado por J. Van Bruggen, The Future of the Bible, 30.

14
Algumas sociedades bíblicas ainda exigem que os seus tradutores professem a doutrina da inspiração das
Escrituras. É o caso da New York Bible Society International (que publica a New International Version
(N1V) e a Trinitarian Bible Society, na Inglaterra (que ainda publica e promove a King James e o Textus
Receptus). Esta última foi fundada em 1831 por membros da British and Foreign Bible Society, em reação à
aceitação de unitarianos como membros dessa sociedade.

15
56 Sociedades bíblicas tais como a Consteinsche Bibelgesellschaft (alemã), primeira a ser fundada, em
1710; a British and Foreign Society (fundada em 1804) a Netherlands Bible Society (fundada em 1814); e a
American Bible Society (1816); começaram todas como o propósito de divulgar as Escrituras e não de
traduzi-las c muito menos interpretá-las.

16
Martin Luther, An Open Letter on Translation.

17
1,8 Ver o capítulo sobre a doutrina da preservação das Escrituras. M Martin Luther, An Open Letter on
Translation.

18
1,10 Cf. Lucas 24:45; Atos 16:14; 1 Coríntios 2:6-16 e 2 Corínlios 4:3-6.
INTERPRETAÇÃO DAS ESCRITURAS
A regra infalível de interpretação da Escritura é a mesma Escritura; portanto, quando houver questão
sobre o verdadeiro e pleno sentido de qualquer texto da Escritura (sentido que não é múltiplo, mas
único), esse texto pode ser estudado e compreendido por outros textos que falem mais claramente
(Parágrafo IX).

O assunto tratado neste parágrafo diz respeito à hermenêutica sagrada. Trata-se


do princípio reformado fundamental de interpretação bíblica, segundo o qual, a
regra infalível de interpretação das Escrituras é que a Escritura se auto-
interpreta, elucidando, assim, suas passagens mais difíceis.

O que a Confissão quer dizer com essa afirmativa é que o sentido de uma
passagem obscura não pode ser autoritativamente determinado nem por tradição,
nem por decisão eclesiástica, nem por argumento filosófico, nem por intuição
espiritual, mas sim, unicamente, por outras partes das Escrituras que expliquem e
esclareçam o seu sentido.

Neste parágrafo a Confissão de Westminster também rejeita o método alegórico


e fantasioso de interpretação medieval, segundo o qual as passagens das
Escrituras teriam quatro sentidos: um sentido literal, e três sentidos espirituais:
moral, alegórico e analógico. O sentido literal seria o registro do que aconteceu
(o fato); o sentido moral conteria uma exortação quanto à conduta (o que fazer);
o sentido alegórico ensinaria uma doutrina a ser crida (o que crer); e o sentido
analógico apontaria para uma promessa a ser cumprida (o que esperar). Assim,
uma referência bíblica sobre a água, por exemplo, teria um sentido literal (a
água), um sentido moral (exortação a uma
1111 Let I Corintios2:l4;2Corintios4:4-6;e2Corintios3:14-17.

vida pura), um sentido alegórico (o sacramento do batismo), e um sentido


analógico (a água da vida na Nova Jerusalém).1

Este método pode fornecer esplêndidas interpretações, mas rouba o real


significado do texto, desviando a atenção do leitor do seu verdadeiro sentido —-
aquele que o Espírito Santo tencionou transmitir.

O caráter fantasioso desse método de interpretação fica manifesto na conhecida


interpretação alegórica de Agostinho2 da parábola do bom samaritano (em Lc
10:30-37). Segundo ele, o homem atacado pelos ladrões simbolizava Adão (a
humanidade); Jerusalém, os céus; Jerico, o mundo; os ladrões, o diabo e suas
hostes; o sacerdote, a lei; o levita, os profetas; o bom samaritano, Cristo; o
animal sobre o qual foi colocado o homem ferido, o corpo de Cristo (que suporta
o Adão caído); a estalagem, a igreja; as duas moedas, o Pai e o Filho; e a
promessa do bom samaritano de voltar, a segunda vinda de Cristo.3

Outro exemplo da subjetividade desse método de interpretação pode ser


percebido nas diferentes interpretações alegóricas atribuídas às duas moedas
mencionadas nessa parábola: o Pai e o Filho, o Antigo e o Novo Testamento, os
dois mandamentos do amor (a Deus e ao próximo), fé e obras, virtude e
conhecimento, o corpo e o sangue de Cristo, etc.

A Confissão de Westminster representa o repúdio da Reforma a este método de


interpretação quádrupla medieval. Ao invés disso, os reformadores, tais como
Lutero e Calvino, ensinavam que cada passagem das Escrituras tem um só
sentido, que é literal — a não ser que o próprio contexto ou outro texto das
Escrituras requeiram claramente uma interpretação figurada ou metafórica.

Os reformadores reconheciam a natureza divino-humana das Escrituras, e


enfatizavam o papel do Espírito Santo no processo dé interpretação da sua
mensagem. Para eles, o impedimento maior es-

tava na cegueira espiritual do homem, em função da queda, e não nas


Escrituras.4 Conforme entendiam, nenhuma pessoa poderia interpretar
corretamente as Escrituras sem a ação iluminadora do Espírito Santo falando
através da própria Palavra. Por outro lado, reconhecendo a natureza histórica das
Escrituras, eles defendiam a sua interpretação literal, enfatizando também a
importância da gramática e da história.

Assim, Lutero, afirmou: “Nós devemos nos ater ao sentido simples, puro e
natural das palavras, como requerido pela gramática e pelo uso do idioma criado
por Deus entre os homens.”5 E Calvino chegou a afirmar que a interpretação
alegórica era satânica, por desviar o homem da verdade das Escrituras. Afirmou
também que “é uma audácia próxima do sacrilégio usar as Escrituras ao nosso
bel-prazer e brincar com elas como com uma bola de tênis, como muitos antes
de nós o fizeram.”6

NECESSIDADE DE INTERPRETAÇÃO DAS ESCRITURAS


A Confissão de Fé de Westminster e os reformadores reconheciam, portanto, a
necessidade da interpretação das Escrituras com vistas à elucidação da sua
mensagem. Essa necessidade decorre do fato de que ler não implica
necessariamente em entender. Como já foi considerado, as Escrituras são
substancialmente, mas não completamente claras. As verdades básicas
necessárias à salvação, serviço e vida cristã são evidentes em um ou outro texto,
mas nem todos os textos das Escrituras são igualmente claros.

Por ser um livro divino-humano — inspirado por Deus, mas escrito por homens
—, a fé reformada admite que há dificuldades de ordem espiritual e de ordem
humana para a compreensão das Escrituras. O apóstolo Pedro reconheceu essa
dificuldade com relação a al-

gumas porções dos escritos do apóstolo Paulo, dizendo que “há nelas coisas
difíceis de entender...” (2 Pe 3:16). Isto significa que a compreensão das
Escrituras não é automática, espontânea. E, sim, o resultado da ação iluminadora
do Espírito Santo, por um lado, e por outro, do estudo diligente da língua e do
contexto histórico em que foi escrita.

O aspecto espiritual envolvido na interpretação das Escrituras é demonstrado


claramente em muitas passagens bíblicas, tais como 1 Coríntios 2:14 e 2
Coríntios 4:4-6 (já considerados). Mas há outros. Em 2 Coríntios 3:14-15, o
apóstolo Paulo explica que os judeus tinham como que um véu embotando os
olhos espirituais, de modo que não podiam compreender o significado do que
liam, por causa da incredulidade.

Mas os sentidos deles se embotaram.1118 Pois até ao dia de hoje, quando fazem a leitura da antiga
aliança, o mesmo véu permanece, não lhes sendo revelado que em Cristo é removido. Mas até hoje,
quando é lido Moisés, o véu está posto sobre o coração deles.

Como este véu pode ser retirado? Pela conversão, responde o apóstolo no verso
seguinte: “Quando, porém, algum deles se converte ao Senhor, o véu é retirado.”

Na Carta aos Efésios, o apóstolo Paulo ensina a mesma coisa, com relação aos
gentios:
...não mais andeis como também andam os gentios, na vaidade dos seus próprios pensamentos,
obscurecidos de entendimento,7 alheios à vida de Deus por causa da ignorância em que vivem, pela
dureza dos seus corações (Ef 4:17,18).

Mesmo o crente precisa da ação iluminadora contínua do Espírito Santo, para


progredir na compreensão das Escrituras. Seu coração não está embotado, como
o dos judeus descrentes; nem seu entendimento está obscurecido, como dos
gentios incrédulos. Mas ainda há muito a compreender. Com esse propósito o
apóstolo Paulo orava insistentemente pelas igrejas, a fim de que Deus lhes
iluminasse mais

e mais os olhos, para compreenderem mais profundamente a natureza do


Evangelho e a suprema riqueza da sua graça. Eis dois exemplos, da sua carta aos
Efésios:
...não cesso de dar graças por vós, fazendo menção de vós nas minhas orações, para que o Deus de
nosso Senhor Jesus Cristo, o Pai da glória, vos conceda espirito de sabedoria e de revelação no pleno
conhecimento dele, iluminados os olhos do vosso coração, para saberdes qual é a esperança do seu
chamamento, qual a riqueza da glória da sua herança nos santos, e qual a suprema grandeza do seu
poder para com os que cremos... (Ef 1:16-19).

Por esta causa me ponho de joelhos diante do Pai... para que, segundo a riqueza da sua glória, vos
conceda que sejais fortalecidos com poder, mediante o seu Espírito no homem interior; e assim habite
Cristo nos vossos corações, pela fc, estando vós arraigados e alicerçados em amor, a fim de poderdes
compreender, com todos os santos, qual é a largura, e o comprimento, e a altura, e a profundidade, e
conhecer o amor de Cristo que excede todo entendimento, para que sejais tomados de toda a
plenitude de Deus (Ef 3:14-19).

Textos como estes revelam o papel do Espírito Santo e da fé na compreensão das


verdades espirituais. Interpretação e compreensão das Escrituras não é tanto uma
questão de habilidades naturais ou técnicas. É mais um dom do Espírito,8 que
pode ser alcançado por meio da oração. Não foi essa a promessa de Jesus em
João 16:13: “quando vier, porém, o Espírito da verdade, ele vos guiará a toda
a verdade”?

Contudo, as Escrituras deixam claro por ensino direto e por inúmeros exemplos
que o coração do homem não é confiável. E, sim, mais enganoso do que todas as
coisas e desesperadamente corrupto (Jr 17:9). Além disso, não existe somente o
Espírito da verdade; há, também o espírito do erro (1 Jo 4:6). O pai da mentira
está sempre pronto a enganar, se possível for, até os eleitos. Logo, o caráter
espiritual envolvido na interpretação das Escrituras não elimina, de modo algum,
o lado humano, também necessário para a sua correta interpretação e
compreensão. Não se pode esquecer, que é pela Palavra, através da Palavra, que
o Espírito Santo ilumina a mente e o coração.

Por haver sido escrita em línguas humanas, em contextos históricos, sociais,


políticos e religiosos específicos, o conhecimento da língua e do contexto
histórico também são necessários para uma melhor interpretação e compreensão
das Escrituras. Por isso mesmo o ministro da Palavra é, por definição, aquele que
se afadiga na Palavra (1 Tm 5:17). Assim, com o propósito de se garantir uma
interpretação correta das Escrituras, alguns princípios, normas e práticas
foram buscados, descobertos e sistematizados pela igreja. A estes princípios e
normas chama-se hermenêutica; à prática, exegese.

CORRENTES DE INTERPRETAÇÃO DAS ESCRITURAS

Observando-se as diferentes ênfases, tendências, princípios e práticas de


interpretação das Escrituras adotados no curso da História da Igreja, pode-se
perceber três correntes principais:

Corrente Espiritualista

Muitos grupos na história da interpretação se caracterizaram por superenfatizar o


caráter espiritual e místico das Escrituras, em detrimento do seu caráter humano.
Estes grupos se distinguem especialmente pela insatisfação generalizada que
expressam com o sentido natural, literal das Escrituras. O texto explorado pelos
partidários dessa corrente é 2 Coríntios 3:6: “...a letra mata, mas o Espírito vivi-
fica.” O seu maior perigo é o subjetivismo, que conduz ao misticismo. Entre
estes, podem ser incluídos:

A Hermenêutica Alegórica

Trata-se de um dos métodos de interpretação mais antigos. Fortemente


influenciados pelo platonismo e pelo alegorismo judaico, os defensores desse
método de interpretação atribuíam diversos sentidos ao texto das Escrituras,
enfatizando o sentido chamado de alegórico. Clemente de Alexandria (f215)1" e
Orígenes (f254)9 são os dois principais nomes da escola alegórica de Alexandria
no Egito.

A Hermenêutica Intuitiva

Os defensores da interpretação intuitiva ou devocional, também chamados de


impressionistas,9 10 identificam a mensagem do texto com os pensamentos que
lhe vêm a mente ao lê-lo. Aqui podem ser incluídos também os místicos, tais
como os assim chamados reformadores radicais, com sua ênfase na iluminação
interior. Uma versão moderna do método de interpretação intuitiva pode ser
verificada na prática de abrir as Escrituras ao acaso para pregar, ou
encontrar uma mensagem para uma ocasião específica, sem o devido estudo
do texto e consideração do contexto.

A Hermenêutica Existencialista

Algumas escolas contemporâneas de interpretação das Escrituras superenfatizam


o conhecimento subjetivo em detrimento do seu sentido gramatical e histórico.
Para tais intérpretes, o importante não é a intenção do autor, nem o que o texto
falou aos leitores originais, mas o que fala a nós, hoje, no nosso contexto: esse,
para eles, é o sentido do texto. O texto em si não é importante, mas o que está
por trás dele. Não interessa o que o texto diz mas o que ele quer dizer. Logo, as
Escrituras só são interpretadas realmente, se lidas existenci-almente, se forem
experimentadas. As Escrituras não são objetivamente a Palavra de Deus, elas se
tornam Palavra de Deus, quando nos falam subjetivamente.

Esta corrente de interpretação bíblica costuma rejeitar o sobrenatural e subjetivar


o conceito de Palavra de Deus. Ela esvazia a mensagem bíblica, abrindo espaço
para todo tipo de “eisegese.”11

Corrente Humanista

No extremo oposto da corrente espiritualista, encontra-se a corrente aqui


chamada de humanista, que superenfatiza o caráter humano das Escrituras. Esta
corrente caracteriza-se pela aversão ao caráter

sobrenatural das Escrituras. A sua ênfase é no método, na técnica, nos aspectos


literários ou históricos das Escrituras, em detrimento do seu caráter divino,
espiritual e sobrenatural. Entre estes, pode-se incluir:

Como Precursores

Os saduceus, com o seu repúdio à doutrina da ressurreição e descrença na


existência de seres angelicais, podem ser considerados como precursores desta
corrente de interpretação das Escrituras. Pouco se sabe sobre a origem desse
partido judaico, mas parecem haver adotado uma posição secular-pragmática de
interpretação das Escrituras.12 Ao negarem verdades básicas das Escrituras, os
saduceus podem ser considerados como os modernistas ou liberais da época.13
Os Humanismo Renascentista

Os humanistas renascentistas com seu interesse meramente literário e acadêmico


das Escrituras e sua ênfase na moral também podem ser incluídos nesta corrente
de interpretação bíblica. Alguns se dedicaram ao estudo das Escrituras, outros
chegaram até a editar textos bíblicos na língua original. Mas o interesse deles era
meramente acadêmico, lingüístico, literário e histórico. Estavam interessados nas
Escrituras mais por sua antigüidade do que por serem a Palavra de Deus.

A Escola Crítica

A escola mais característica e influente da corrente humanista de interpretação


bíblica é a escola crítica do século XIX, com o seu método histórico-crítico. Esta
nova postura para com as Escrituras — crítica, ao invés de gramatical — deu
origem ao liberalismo teológico que tem assolado a igreja desde o século
passado. Trata-se de uma hermenêutica racionalista. A razão e o intelecto
passaram a ser determinantes, sendo rejeitado como erro, fábula ou mito tudo o
que não possa ser explicado ou harmonizado com a razão. Os membros dessa
corrente rejeitam as doutrinas reformadas das Escrituras, tais como a inspiração,
autoridade, inerrância e preservação das Escritu-

ras; enfatizam a moralidade e descartam o sobrenatural. Entre estes estão


Bultmann, com a sua desmitologização das Escrituras, Harnack, com a sua
humanização de Jesus, e muitos outros.

O criticismo histórico, com sua pretensão de avaliar a histori-cidade das


narrativas bíblicas; a crítica da forma, com suas especulações sobre as tradições
que teriam dado origem às fontes empregadas pelos autores do NT; a crítica das
fontes, com suas teorias das fontes escritas empregadas nos Evangelhos, são
alguns dos resultados do método histórico-crítico de interpretação das Escrituras.

Corrente Reformada

A corrente reformada de interpretação das Escrituras posiciona-se entre estas


duas correntes extremas. Caracteriza-se pelo equilíbrio decorrente de reconhecer
o caráter divino-humano das Escrituras. Reconhece a necessidade da iluminação
do Espírito falando através da própria Palavra, mas, ao mesmo tempo em que
admite a legitimidade da interpretação gramatical e histórica das Escrituras.
A interpretação reformada rejeita, por um lado, a sua alegorização indevida e,
por outro, repudia uma postura crítica com relação a elas.

O método de interpretação adotado e praticado pela corrente reformada ou


protestante histórica é conhecido pelo nome de método gramático-histórico; “o
método de interpretação honrado pelo tempo,” no dizer de M. Lloyd-Jones.
Trata-se de um método fundamentado em pressuposições bíblicas quanto à
própria natureza das Escrituras, que emprega princípios gerais e métodos
lingüísticos e históricos coerentes com o caráter divino-humano da Palavra
de Deus.

Precursores

Os reformadores estabeleceram estes princípios de interpretação, considerando o


próprio ensino bíblico e a prática apostólica. As bases da interpretação
reformada encontram-se também na escola síria de Antioquia, entre os quais
destacam-se Luciano, Theodoro de Mopsuéstia e João Crisóstomo, o “Boca de
Ouro.” Eles rejeitaram tanto o literalismo judeu, como o alegorismo de
Alexandria; defendiam uma interpretação literal e histórica das Escrituras; criam
na rea-

lidade dos eventos descritos no AT, defendiam a unidade das Escrituras e


admitiam a progressividade da revelação.117

Principais Representantes

O método gramático-histórico de interpretação bíblica foi desenvolvido e


praticado pelos reformadores (Lutero e Calvino e demais reformadores alemães,
suíços, franceses e ingleses) e adotados pelos protestantes ortodoxos em geral
desde então, tais como os puritanos (no séc. XVII); pelos líderes evangélicos do
século XVIII na Europa e América do Norte, tais como George Whitefield e
Jonathan Edwards; por J. C. Ryle e Spurgeon na Inglaterra, e Charles e
Alexander Hodges no Seminário de Princeton, nos EUA, no século passado; e
pelos intérpretes e pregadores de tradição realmente reformada neste século.

Os manuais de hermenêutica de Davidson, Patrick, Imer, Terry, Berkhof,


Berkeley, Mickelsen e Ramm pertencem todos a esta escola de interpretação
bíblica; bem como os grandes comentários bíblicos de Keil & Delitzsch, Meyer,
Matthew Henry, Lange, Alford, Ellicot, Lightfoot, Hodge, Broadus e muitos
outros.
O MÉTODO GRAMÁTICO-HISTÓRICO

Em que consiste o método gramático-histórico de interpretação das Escrituras,


conforme concebido pela escola síria, desenvolvido e aplicado pelos
reformadores, e aperfeiçoado pelos legítimos herdeiros da Reforma? E um
método de interpretação fundamentado em pressupostos teológicos
confessionais, que emprega princípios gerais definidos, decorrentes desses
pressupostos, levando em consideração a natureza divino humana das Escrituras.

Pressuposições Teológicas

A hermenêutica reformada tem sido depreciada pela hermenêutica racionalista,


por ser confessional; por ser fundamentada em pressuposições teológicas. E é
verdade. A corrente reformada de

interpretação das Escrituras de fato parte de pressupostos teológicos


fundamentais e confessionais ao se propor a interpretar a Bíblia. Para os
reformados, “o emprego do método gramático-histórico é ditado não somente
pelo bom senso, mas pela doutrina da inspiração...”14 Contudo, isto não é razão
para que a hermenêutica reformada seja depreciada. Muito pelo contrário. E isso,
pelas seguintes razões:

Primeiro, porque interpretação sem pressuposição é ficção. É virtualmente


impossível interpretar qualquer livro, principalmente as Escrituras, sem que se
parta de pressuposições de caráter religioso, filosófico ou mesmo ideológico. É
evidente que mesmo os liberais interpretam as Escrituras partindo das suas
pressuposições raciona-listas, segundo as quais as Escrituras não passam de um
livro humano, devendo, portanto, ser estudadas como tal. Exigir
uma hermenêutica sem pressuposição é defender uma interpretação que parta da
mais absoluta ignorância.15

Segundo, porque a interpretação fundamentada em pressuposições não é má em


si mesma. Será má, se não permitir que estas pressuposições sejam julgadas e
avaliadas pelo próprio texto que se propõe a interpretar. É preciso distinguir
entre pressuposição e preconceito (prevenção). Os preconceitos, decorrentes das
próprias idiossincrasias ou preferências pessoais do intérprete são uma coisa,
e representam um perigo real na interpretação das Escrituras.
Mas pressuposições são pontos de partida filosóficos, ideológicos ou religiosos
reconhecidos e admitidos (correntes, escolas). O que precisa ser enfatizado é que
a Bíblia deve ser o juiz das pressuposições, e não o contrário. O que se deve
avaliar é a veracidade das pressuposições de acordo com as evidências das
próprias Escrituras.

Terceiro, porque as pressuposições da hermenêutica reformada são formulações


teológicas bíblicas, e representam a interpretação histórica sobre a natureza das
Escrituras. As pressuposições da hermenêutica reformada não são produto da
razão, da tradição, da emoção ou da revelação natural. São, sim, o ensino das
próprias

Escrituras a seu respeito, conforme entendido historicamente pelas igrejas da


Reforma e protestantes em geral.

Para os intérpretes reformados, portanto, as pressuposições teológicas são, não


apenas permitidas, mas necessárias e imprescindíveis. Para eles, o problema não
está na legitimidade das pressuposições reformadas. Está, sim, na incredulidade
daqueles que não se deixam convencer pela própria revelação bíblica com
relação à sua natureza divina. A mais fundamental de todas as
pressuposições relacionadas às Escrituras ■— se elas são ou não a Palavra de
Deus — é, em última instância, matéria de fé ou incredulidade e não de
averiguação científica ou filosófica. E só o Espírito Santo pode
convencer plenamente o intérprete dessa verdade fundamental.

Mas, que pressuposições teológicas são estas que estão sendo mencionadas? São
todas as doutrinas a respeito das Escrituras, já referidas neste capítulo da
Confissão de Fé de Westminster, e ensinadas e defendidas pelos reformadores e
seus legítimos herdeiros desde então. São as doutrinas da necessidade do cânon,
da inspiração, da autoridade, da suficiência, da clareza e da preservação das
Escrituras.

Quando um intérprete reformado se aproxima das Escrituras, ele de fato parte


dessas pressuposições teológicas fundamentais. Assim, ele está previamente e
plenamente convencido de que o livro a que se propõe interpretar, embora
escrito em linguagem humana, em contextos históricos específicos, por pessoas
em pleno uso das suas faculdades intelectuais, é igualmente Palavra de Deus
verbalmente inspirada e preservada pelo Espírito Santo. Está plenamente
convencido de que, em decorrência disso, a Bíblia é necessária, em virtude da
insuficiência da revelação natural; autoritativa, supremo tribunal de fé e prática;
inerrante; suficiente, nada lhe precisa ser acrescido; e substancial e
intrinsecamente clara.

Como unanimemente reconhecido nos compêndios reformados de hermenêutica


sagrada, “a inspiração divina da Bíblia é o fundamento da hermenêutica e da
exegese protestante históricas”120, e

“qualquer teoria de interpretação que a rejeita é essencialmente deficiente...”16

Princípios Gerais de Interpretação

Destas pressuposições teológicas fundamentais, derivam-se natural e


logicamente, uma série de princípios que devem nortear a interpretação das
Escrituras. Estes princípios são da maior importância, e ajudam o intérprete a
compreender o sentido das Escrituras e a ser preservado de interpretações
subjetivas ou racionalistas.

A Escritura Interpreta a Si Mesma

Num certo sentido, todos estes princípios são decorrentes de um só princípio


geral ensinado pelos reformadores e professado pela Confissão de Fé de
Westminster, no parágrafo que está sendo considerado, segundo o qual as
Escrituras se auto-interpretam (Scriptura, Scripturae interpres). Isto significa
que as Escrituras são sua própria intérprete. Desse princípio fundamental,
decorrem outros mais específicos:

O Princípio da Analogia da Fé

As Escrituras devem ser interpretadas de acordo com a analogia da fé.17 Isto é,


devem ser interpretadas à luz do seu ensino geral e uniforme. Colocado
negativamente, este princípio significa que as Escrituras não podem contradizer
a si mesmas. Se a Bíblia é a Palavra de Deus inspirada, se ela tem um mesmo
autor primário, o Espírito Santo, então ela se constitui de um todo orgânico,
harmônico, e tem que ser interpretada como uma unidade. Em outras palavras, as
Escrituras têm que ser interpretadas de conformidade com o seu contexto
teológico geral. Neste sentido, a teologia sistemática é um grande auxílio à
interpretação.

Em perfeita harmonia com a corrente reformada de interpretação, Lloyd-Jones


enfatiza a importância da teologia sistemática na interpretação e pregação. Ele
chega a afirmar que, para ele, “não há

nada mais importante para um pregador, do que ter uma teologia sistemática, do
que conhecê-la e ser bem versado nela.” A razão, ele explica logo a seguir:
Cada mensagem, que brota de um texto em particular ou de uma afirmativa das Escrituras, deve ser
sempre uma parte ou aspecto desse corpo total de verdade. Não é nunca algo isolado, nunca algo
separado ou à parte. A doutrina em um determinado texto, devemos lembrar, é uma parte deste
grande todo — a Verdade ou a Fé... Toda a nossa preparação de um sermão deveria ser controlada
por este pano de fundo da teologia sistemática... É errado uma pessoa impor violentamente seu
sistema sobre um texto em particular; mas, ao mesmo tempo, é vital que sua interpretação de um
texto em particular seja checada e controlada por este sistema, este corpo de doutrina e de verdade
que é encontrado na Bíblia.18

Não se pode esquecer, também, que a revelação bíblica é progressiva. O


propósito de Deus é eterno e imutável, mas a revelação e a execução desse
propósito é temporal e progressiva. Logo, embora o NT esteja em harmonia com
o AT, ele apresenta uma revelação mais clara das verdades divinas.

Quando se diz que o Novo Testamento está implícito no Antigo e o Antigo


explicado no Novo; ou, colocando de outra maneira, que o Novo Testamento
está latente no Antigo e o Antigo está patente no Novo, quer-se evitar dois
extremos na interpretação das Escrituras. Primeiro, que se superestime a
revelação do Antigo Testamento (o legalismo). Segundo, que se subestime essa
revelação (o antinomia-nismo). Antigo e Novo Testamento revelam o mesmo
Deus, proclamam o mesmo Evangelho, apresentam o mesmo Messias e
são instrumento do mesmo Espírito para operar uma mesma salvação. Ambos
apresentam “o plano da graça de Deus em Jesus Cristo para a redenção dos
pecadores.”19 Há, portanto, uma continuidade progressiva. Exemplos:
circuncisão-»batismo, páscoa—>ceia; o ensino de Jesus no sermão do monte em
relação à lei.

Importância do Contexto

As Escrituras devem ser interpretadas de acordo com o seu contexto específico.


Não há nada mais perigoso do que interpretar um texto bíblico fora do seu
contexto. Quantos ensinos errôneos resultam da mais absoluta desconsideração a
este princípio básico de interpretação. Mesmo que uma determinada
interpretação passe no teste anterior, isto é, esteja de acordo com a fé cristã,
ainda assim, pode não ser essa a interpretação correta para o texto em questão.
É extremamente importante, portanto, que se verifique o contexto imediato em
que se encontra o texto; ou seja, o que é dito antes e depois — o assunto que está
sendo tratado na seção específica em que o texto se encontra. E importante
também, considerar o próprio contexto do livro em que a seção se encontra: o
seu tema geral, seu propósito, autor, destinatários, etc.

Interpretação de Textos Obscuros

Textos mais obscuros devem ser interpretados à luz de textos mais claros. Se,
mesmo tendo levado em conta o princípio da analogia da fé, e tendo dado a
devida consideração ao contexto, o sentido de uma determinada passagem das
Escrituras não for claro, deve-se recorrer a outras partes dela, aonde o assunto é
tratado de modo mais claro ou detalhado. Para isso, atenção especial deve ser
dada a textos paralelos, especialmente nos Evangelhos; escritos que tratam do
assunto de modo mais sistemático, como Romanos sobre a doutrina
da salvação,1 Coríntios 12-14 sobre os dons espirituais, 1 Coríntios 15 sobre a
doutrina da ressurreição, e Gálatas sobre a relação entre lei e graça; outros livros
escritos pelo mesmo autor, especialmente os que tratam do mesmo assunto e/ou
foram escritos na mesma época ou circunstâncias, como Efésios e Colossenses; e
livros mais adiantados na história da revelação, como os livros do NT em
relação aos do AT, ou as cartas pastorais em relação ao livro de Atos.

Interpretação Literal ou Figurada

A não ser que as próprias Escrituras indiquem claramente, todo texto bíblico
deve ser interpretado em sentido literal. Já nos referimos ao perigo das
interpretações alegóricas. Portanto, deve-se ter especial cuidado com a
interpretação de determinados gêneros literários, tais

como parábolas, profecias, tipos (símbolos), figuras de linguagem e milagres.

1. As parábolas são empregadas com o propósito de ensinar uma lição por


meio de experiências ou fatos comuns da vida diária. No caso das parábolas
bíblicas, o propósito não é apenas ensinar, mas levar seus ouvintes e (leitores) ao
arrependimento e à fé. As parábolas de Jesus “podem ser comparadas a flechas
dirigidas ao coração humano, o núcleo do seu ser, o âmbito da sua vontade e de
suas ações.”125 Na verdade, as parábolas de Jesus têm duplo propósito: revelar
(para alguns) e esconder (de outros), conforme Ele mesmo explica em Mateus
13:11-17, Marcos 4:10-12 e Lucas 8:8-10.
A diferença principal entre uma parábola e uma alegoria é que a primeira se
propõe a ilustrar apenas uma ou algumas verdades centrais. Algumas parábolas,
conforme a própria interpretação de Jesus, são quase que alegorias, como é o
caso da parábola do semeador (Mt 13:18-23) e da parábola do joio (em Mt
13:36-43). Mas deve-se ter cuidado para não alegorizar indevidamente cada
detalhe de uma parábola, encontrando ensinos em detalhes que são meros
componentes da história e não se propõem a transmitir nenhuma lição em
especial.

A própria parábola pode indicar o seu objetivo (normalmente no início ou no


final), como é o caso da parábola do juiz iníquo (Lc 18:1-8), onde logo no
primeiro versículo é dito que o propósito da parábola é demonstrar “...o dever de
orar sempre e nunca esmorecer.”

2. As profecias têm sentido comum, literal e histórico, a não ser que o contexto
ou o seu cumprimento indiquem um sentido simbólico. As vezes, uma profecia
tem múltiplo cumprimento (é a perspectiva profética), em geral histórico e
escatológico. Freqüentemente profecias referentes à restauração de Israel como
nação apontam também para a restauração de todas as coisas na consumação dos
séculos. O mesmo pode ser dito sobre os juízos divinos e sobre profecias
messiânicas.

Quanto à forma, as profecias podem ser expressas em linguagem literal,


simbólica, ou mesmo por meio de ações ou representações. A profecia de Agabo
com relação à prisão de Paulo, em Atos 21:10-11, é um bom exemplo de
representação profética no Novo Testamento.

É também necessário ter em mente que profecia não é só predi-ção antecipada da


história, mas a proclamação da revelação de Deus. Logo, elas servem não apenas
para revelar (descobrir) o futuro, mas também para explicar o passado e elucidar
o presente.20

3. Tipos. Deus se revela nas Escrituras não apenas por palavras, mas por pessoas,
coisas e fatos tipológicos. Muitas pessoas, utensílios e acontecimentos históricos,
especialmente no AT, tinham caráter simbólico. Ou seja, apontavam ou
sinalizavam para outra pessoa, coisa ou evento futuro. Contudo, uma pessoa,
coisa ou evento só deve ser interpretado simbolicamente quando houver
indicação bíblica específica neste sentido. Os sacrifícios do AT, por exemplo,
são explicitamente ligados ao sacrifício de Cristo (ver Hebreus).
Deve-se distinguir tipologia (símbolo) de alegoria e parábola. Pois, enquanto
nestas o contexto histórico é de pouca importância, “na tipologia... a história e o
significado literal são levados seriamente em conta.”21 22 Na tipologia, “...uma
pessoa, coisa ou evento que teve existência real e significado próprio, simboliza,
ou representa, ou antecipa a alguém ou algo de maior transcendência em época
futu-

4. Não é incomum os escritores bíblicos fazerem uso de linguagem figurada, tais


como metáforas, símiles, eufemismos, litotes, ironias, hipérboles, etc. Estas
figuras de linguagem devem ser cuidadosamente identificadas, para que se
interprete corretamente o texto. Verdadeiros absurdos podem resultar da
interpretação literal de uma

figura de linguagem. Eis alguns exemplos de figuras comuns nas Escrituras:

Metáforas. Quando uma palavra é utilizada para referir-se a outra. Exemplos:


‘Pão da vida’, ‘porta das velhas’, ‘acautelai-vos dos cães...’(Fp 3:2). Duas
classes especiais de metáforas bíblicas são a linguagem antropomórfica e
antropopática (quando sentimentos, paixões e membros humanos são atribuídos
a Deus).

Símiles. São empregadas para tornar mais vivida uma descrição, por meio de
comparações. Há muitos exemplos disso no livro de Cantares e no livro de
Apocalipse. Exemplo: “A sua cabeça e cabelos eram brancos como a alva lã,
como neve; os olhos como chama de fogo; os pés semelhantes ao bronze
polido...” (Ap 1:14-15).

Eufemismos. É o emprego de palavras menos fortes para suavizar o discurso.


Exemplo (sobre a morte de Estêvão): “Então, ajoelhando-se, clamou em alta
voz: Senhor, não lhes imputes este pecado. Com estas palavras adormeceu” (At
7:60).

Litotes. É um recurso literário pelo qual se faz uma afirmativa, pela negação do
contrário. Exemplo: “Pois não me envergonho do evangelho, porque é o poder
de Deus para a salvação de todo aquele que crê...” (Rm 1:16).

Ironia. Trata-se de uma repreensão por meio de uma aparente aprovação.


Exemplo: “Já estais fartos, já estais ricos; chegastes a reinar sem nós...” (1 Co
4:8).
Hipérbole. É um exagero de retórica empregado para dar ênfase. Usamos essa
figura constantemente, quando afirmamos que já pensamos ou fizemos uma
coisa mais de mil vezes. Um exemplo bíblico encontra-se em João 21:25, onde o
apóstolo afirma que se fossem relatadas todas as coisas que Jesus fez, “nem no
mundo inteiro caberiam os livros que seria escritos.”

5. Milagres. Mais do que uma demonstração de compaixão, em geral os milagres


se constituem em sinais da divindade de Jesus ou da autoridade profética ou
apostólica. Muito dificilmente um milagre deve ser interpretado figurativamente,
como desejam alguns. A hermenêutica existencial, por exemplo, interpreta o
milagre da multi-

plicação dos pães como uma figura segundo a qual “Jesus teria extraído das
multidões um latente espírito de misericórdia, de modo que todos seguiram o
exemplo do menino, e contribuíram com o que tinham, e todos puderam ser
alimentados.129 Nada, entretanto, no relato bíblico justifica sua interpretação
figurada.

O Lugar da Experiência Pessoal

A experiência pessoal deve ser interpretada à luz das Escrituras e não o


contrário. Este é um dos grandes perigos na interpretação das Escrituras. Deve-
se ter especial cuidado para condicionar a nossa experiência às Escrituras, e não
determinar o ensino das Escrituras em função das nossas experiências pessoais.
Se assim o fizermos, estaremos colocando a nossa experiência falível, em
virtude da queda, como juiz supremo, e os resultados serão inevitavelmente
desastrosos. As experiências têm valor, mas desde que submissas à
autoridade das Escrituras.

Referencial para a Avaliação da Interpretação

A fé reformada nega qualquer autoridade que venha a se igualar ou comparar


com as Escrituras. A tradição não pode ser regra de fé e prática. Mas isso não
quer dizer que se deva desprezar a História da Igreja. Os escritos dos pais da
igreja e dos fiéis intérpretes das Escrituras no decorrer da História são
especialmente importantes na avaliação da nossa interpretação. Referindo-se a
isso, Spurgeon disse: “Parece estranho que certos homens, que falam tanto do
que o Espírito Santo lhes revela, considerem tão pouco o que Ele revelou a
outros.”
Princípios Lingüísticos de Interpretação

Como implementar, na prática, os princípios gerais de interpretação que


acabaram de ser mencionados? Por meio de princípios gramaticais (lingüísticos)
e históricos. Como já foi dito, uma das principais características da interpretação
reformada é a ênfase na língua (na sua sintaxe, gramática e vocabulário). Como
interpretar a
l2'J Walter A. Henriclisen, Princípios de Interpretação Bíblica, 38-39.

mensagem do texto sem compreender o que está escrito? Para interpretar de


modo preciso um texto das Escrituras é importante, portanto, considerar os
seguintes aspectos:

Sintáticos

Deve-se procurar compreender a estrutura do texto, a sua ligação com o contexto


anterior. As conjunções são muito importantes neste sentido, pois funcionam
como conexões lógicas, explicando a relação do texto com o seu contexto
anterior.

Também é importante identificar parênteses, digressões e ana-colutos, para se


acompanhar o raciocínio do autor e compreender o significado de um texto. Os
parênteses são empregados para fornecer breves detalhes relacionados ao
assunto (exemplos: At 1:15). Nem sempre os parênteses são indicados no texto.
As digressões são parênteses longos, onde o curso normal de pensamento é
interrompido, para ser retomado adiante (exemplos: 2 Coríntios 2:14-7:4,
onde Paulo defende o seu ministério; e Hebreus 5:11-6:20, onde o autor exorta
seus leitores à maturidade na fé). Já os anacolutos, são desvios bruscos e sem
retorno à linha de argumentação, normalmente motivados por forte emoção.
Estes são comuns nos escritos do apóstolo Paulo.

Gramaticais

A gramática grega é rica, dispondo de muitas formas gramaticais e flexões para


expressar relatos, descrições e argumentações lógicas. E de suma importância
que se observe os tempos, modos e vozes dos verbos. E importante que se atente
para o uso dos casos, das preposições e dos pronomes; e se observe a
concordância dos adjetivos, artigos, pronomes, etc. É extremamente importante
que se considere o uso dos particípios, especialmente sua relação para com
o verbo principal da frase, etc.

Semânticos

E evidente que para se interpretar um texto é necessário entender o sentido das


palavras empregadas. No caso do grego koinê, uma língua antiga, para que se
compreenda o sentido das palavras, é preciso estudá-las etimologicamente,
especialmente com relação às pala-

vras compostas e às palavras que aparecem apenas uma vez no NT.'30 É preciso
também estudar os possíveis sentidos da palavra no NT e demais escritos
antigos. E dar atenção especial aos sinônimos.'3' Léxicos e dicionários técnicos
ajudam muito nesta tarefa.

Princípios Históricos de Interpretação

As Escrituras, como já mencionado, foram escritas em circunstâncias históricas


específicas, por pessoas com personalidade e formação distintas, para leitores
imediatos determinados. Logo, a compreensão de um texto bíblico depende
também do conhecimento das circunstâncias a ele relacionadas. Havendo,
portanto, dificuldade na compreensão de uma passagem bíblica, é necessário
investigar as circunstâncias históricas, geográficas, políticas, sociais, econômicas
e religiosas relacionadas ao autor, aos leitores e às pessoas envolvidas.

Para isso, deve-se recorrer especialmente às próprias Escrituras (fonte interna).


Muitas questões históricas podem ser respondidas por outros textos bíblicos.
Além disso, havendo necessidade, outras fontes externas podem ser consultadas,
tais como obras arqueológicas e históricas sobre o AT, sobre o período
intertestamentário e sobre o NT. Os escritos de Josefo, Filo e Heródoto, por
exemplo, lançam luz sobre muitas circunstâncias históricas das Escrituras. Os
dicionários bíblico-teológicos, os compêndios de introdução ao Antigo e ao
Novo Testamento, e os comentários bíblicos fornecem esse tipo de informação
de modo mais prático, resumido e acessível.

A Meta da Interpretação Reformada das Escrituras

Para concluirmos este assunto, uma palavra precisa ser dita sobre o propósito ou
meta da interpretação das Escrituras.

A interpretação reformada não se dá por satisfeita com uma mera compreensão


intelectual de uma passagem da Escrituras. Os esforços da corrente reformada de
interpretação no sentido de com-
IM Conhecidas como ãiraÇ \eyú\iemç.

111
Exemplos: amor (áyáirr|, <|>iXía, êpos), novo (Kaiws, i^éos), pecado

(ápapTÍa, áaépaa, ávopía, tTapáiTTai|ia), ele,

preender intelectualmente as Escrituras baseiam-se na convicção de que a mente


é a porta de entrada do coração e da vontade. Para Lute-ro, Calvino, Jonathan
Edwards, Baxter, Spurgeon, Ryle, Lloyd-Jones e muitos outros, o alvo da
interpretação das Escrituras é o coração e a vontade (o sentimento religioso e a
obediência a Deus). Mas, para todos eles, isso só é alcançado indiretamente, pela
compreensão das Escrituras. Não seria difícil fornecer abundantes evidências
disso, dos escritos dessas pessoas. Mas alguns exemplos devem ser suficientes:

Segundo Jonathan Edwards, “...a verdadeira religião consiste, em grande parte,


de santas afeições,” Mas, segundo ele, estas afeições santas “...são suscitadas
pela mente sendo iluminada reta e espiritualmente para entender ou apreender as
coisas divinas.” Para ele, o propósito da interpretação é alcançar estas afeições
santas através da iluminação apropriada da mente.23

Escrevendo sobre a hermenêutica de Lloyd-Jones, Keun-Doo observa que para


ele,
...a apreensão intelectual da verdade é absolutamente essencial e o entendimento mental é vital. Mas
uma compreensão satisfatória, para ele, é mais do que um assentimento intelectual à verdade...
Quando alguém realmente compreende a verdade do texto, então deveria haver uma afeição
correspondente para com ela.1”

Amor a Deus e obediência à sua vontade, por intermédio da compreensão das


verdades bíblicas são, portanto, os propósitos da interpretação reformada das
Escrituras.

Quando o intérprete reformado se aproxima das Escrituras para estudá-las, busca


compreender o que está escrito, com vistas a discernir a verdade (doutrina,
mensagem) do texto. Para isso, ele suplica a iluminação do Espírito e lança mão
dos instrumentos hermenêuticos que dispõe. Mas ele faz isso de modo que o
coração seja alcançado e a vontade movida. O alvo da interpretação reformada
das Escrituras é conhecer a Deus e a sua vontade revelada; é amá-lo de todo o
coração

e com toda a força; e obedecê-lo, adorá-lo e servi-lo, determinando viver de


modo digno do Senhor, para o seu inteiro agrado.

Possa Deus abençoar-nos a todos neste sentido. Que o seu Espírito, que em nós
habita, ilumine o nosso coração para compreendermos a sua Palavra. Que Ele a
use como lenha para aquecer o nosso coração com santas afeições e mover a
nossa vontade com santas determinações.

1
1112 F. F. Bruce, The History of New Testament Study, 28.

2
1113 Cuja teoria de interpretação bíblica foi melhor do que sua prática, mitas vezes alegórica.

3
1114 David L. Larsen, Telling the Old, Old Story, The Art of Narrative Preaching, 150.

4
11,5 Lamberto Floor enfaliza com muila propriedade esle aspeclo da inlerprelação bíblica dc Calvino no
artigo The Hermeneutics of Calvin, 181-191.

5
Escrevendo Sobre a Escravidão da Vontade (Cilado por F. F. Bruce, The History of New Testament Study,
31).

6
1,17 Bernard Ramm, Protestant Biblical Interpretation; A Texlbook of Hermeneulics, 58.

7
1118 èmoptóÔri rà mrpaTa aintov. ll)9èaKOT(0(iévoi tt| Ôiavoiç.

8
"'Conferir 1 Reis3:9 eDaniel 2:21.
9
Com seus três níveis de sentidos: 1) literal, ao nível do corpo; 2) o moral, ao nível da alma; e 3) o
alegórico, ao nível do espírito.

10
Ralph P. Martin, Approaches to New Testament Interpretation, 220.

11
Com o prefixo grego eis, para (dentro), ao invés de ck, de (dentro).

12
S. Taylor, “Saduceus,” 332.

13
B. J. van der Walt, Anatomy of Reformation, 10 e 26.

14
J. 1. Packer, L 'herméneutique et l 'autorité de la Bible, 10.

15
Um estudo mais detalhado sobre o lugar das pressuposições na interpretação das Escrituras pode
ser encontrado em Graham N. Stanton. Presuppositions in New Testament Criticism, 60-71.

16
Luis Berkhof, Princípios de Interpretation Biblica, 46.

17
O termo latino empregado é analogiaftdei.

18
D. Martyn Lloyd-Jones, Preaching & Preachers, 66.

19
Luis Berkhof, Princípios de Interpretation Bíblica, 61.
20
Luis Berkhof, Princípios de Interpretation Bíblica, 179. Mais sobre interpretação de profecias pode ser
encontrado em Bernard Ramm, Protestant Biblical Interpretation', A Textbook of Hermeneutics, 241-275;
eem William Sandford LaSur, Interpretación de Profecias, 60-74.

21
Robert B. Laurin, Interpretación Tipologica del Antigo Testamento, 75.

22
Ibid, 75.

23
112 Cilado por Keun-Doo Jung, An Evaluation of the Principles and Methods of the Preaching of D. M.
Lloyd-Jones, 65.

1M
Ibid, 64.
CAPÍTULO 11 AUTORIDADE SUPREMA DAS ESCRITURAS

"O Juiz Supremo, pelo qual todas as controvérsias religiosas têm de ser determinadas, e por quem serão
examinados todos os decretos de concílios, todas as opiniões dos antigos escritores, todas as doutrinas de
homens e opiniões particulares, o Juiz Supremo, em cuja sentença nos devemos firmar, não pode ser
outro senão o Espírito Santo falando na Escrituras ” (Parágrafo X).

O décimo e último parágrafo deste primeiro capítulo da Confissão de Fé de


Westminster pode ser considerado como conclusão do ensino do capítulo sobre a
doutrina das Escrituras. Tudo o que foi dito nos capítulos anteriores conduz à
inevitável conclusão de que as Escrituras são o juiz supremo de todas as
controvérsias religiosas. Este parágrafo ensina, especificamente, portanto,
a doutrina da autoridade suprema das Escrituras.

TENDÊNCIA GERAL

O ensino da Confissão de Fé sobre o assunto continua extremamente importante


e atualíssimo. Hoje, como no passado, nos deparamos com a mesma tendência
geral de limitar a autoridade das Escrituras. E isso ocorre de duas maneiras
gerais:

Admissão de Fontes Suplementares de Autoridade

Por um lado, observa-se a tendência de limitar a autoridade das Escrituras,


admitindo-se fontes adicionais ou suplementares de autoridade, tais como a
tradição (pela antiga e moderna Igreja Católica) e novas revelações do Espírito à
parte das Escrituras (pelos antigos
114 Ler 2 Pedro 3:16-17 e 2 Timóteo 1:20-2:1.

entusiastas e pelos carismáticos modernos). O suficiente sobre isso já foi dito


quando estudamos outros parágrafos deste capítulo.

Redução da Autoridade das Escrituras

Por outro lado, há, como também houve no passado, a tendência de limitar a
autoridade das Escrituras, negando-a, subjetivando-a ou reduzindo o seu escopo.
É o que fazem hoje a teologia liberal, a neo-ortodoxia e o neo-evangelicalismo,
com relação a três dos principais aspectos da doutrina da autoridade das
Escrituras.

Estas três concepções de “autoridade” das Escrituras precisam ser entendidas.


Elas estão sendo bastante divulgadas em nossos dias, e são, em certo sentido, até
mais perigosas do que as duas tendências anteriormente mencionadas, posto que
mais sutis.

Isto pode ser melhor entendido, considerando-se os três principais aspectos da


doutrina da autoridade das Escrituras.

ASPECTOS IMPORTANTES DA DOUTRINA

Há três importantes aspectos na doutrina da autoridade das Escrituras: sua


origem (ou base), sua certeza (ou convicção), e seu escopo (ou abrangência).

Origem ou Base da Autoridade das Escrituras

A origem ou base da autoridade das Escrituras, como já foi considerado,135


encontra-se na sua autoria divina. As Escrituras são autoritativas por serem de
origem divina: o Espírito Santo é o seu autor primário. Para os reformadores, as
Escrituras são autoritativas porque são a Palavra de Deus inspirada. Por isso são
infalíveis, inerentes, claras, suficientes, etc.

A teologia liberal, racionaliza, nega a própria base da autoridade da Escritura,


negando a sua origem divina. Para a teologia liberal, as Escrituras são produto
do espírito humano, expressando verdades divinas conforme discernidas pelos
seus autores, bem como erros e

falhas características do homem. Sua autoridade, portanto, não é divina nem


inerente, mas humana, devendo ser determinada pelo julgamento da razão
crítica. Eis o que afirmam: “Verdade divina não é encontrada em um livro
antigo, mas na obra contínua do Espírito na comunidade, conforme discernida
pelo julgamento crítico racional.”1 De acordo com a teologia liberal,
...nós estamos em uma nova situação histórica, com uma nova consciência da nossa autonomia e
responsabilidade para repensar as coisas por nós mesmos. Não podemos mais apelar à inquestionável
autoridade de um livro inspirado.2
Certeza da Autoridade das Escrituras

A certeza ou convicção da autoridade das Escrituras3 provém do testemunho


interno do Espírito Santo. A excelência do seu conteúdo, a eficácia da sua
doutrina e a sua extraordinária unidade são algumas das características das
Escrituras que demonstram a sua autoridade divina. Contudo, admitimos, que “a
nossa plena persuasão e certeza da sua infalível verdade e divina autoridade
provém da operação interna do Espírito Santo que, pela Palavra e com a
Palavra, testifica em nossos corações.”4

Esta afirmativa da Confissão de Fé diz respeito à certeza do crente com relação à


plena autoridade das Escrituras, e não à própria autoridade inerente das
Escrituras. A convicção de um crente de que as Escrituras são autoritativas é
subjetiva. Mas a autoridade das Escrituras é objetiva. Esteja-se ou não
convencido da sua autoridade, as Escrituras são e continuam objetivamente
autoritativas.

Mas a neo-ortodoxia existencialista parece confundir estas coisas, e defende a


subjetividade da própria autoridade das Escrituras. Assim, para eles, a revelação
das Escrituras só é verdade divina

quando fala ao nosso coração. Como dizem, “as Escrituras não são, mas se
tornam a Palavra de Deus” quando existencializadas.

Escopo da Autoridade das Escrituras

Estas posições da teologia liberal e da neo-ortodoxia com relação à origem e à


certeza da autoridade das Escrituras são muito sérias. Contudo, mais séria ainda
é a questão relacionada ao escopo das Escrituras.

Uma nova posição tem surgido entre os eruditos evangélicos,

inclusive reformados de renome, tais como G. C. Berkouwer, conhe-


/

cida como neo-evangélica ou neo-reformada. Tais pessoas limitam o escopo da


autoridade das Escrituras ao seu propósito salvífíco. Na concepção deles, a
autoridade das Escrituras se limita à revelação de assuntos diretamente
relacionados à salvação, a assuntos religiosos.
A concepção neo-evangélica faz diferença entre o conteúdo salvífico das
Escrituras e o seu contexto salvífíco, reivindicando autoridade e inerrância
apenas do conteúdo. Trata-se de uma tentativa de conciliar a doutrina da
autoridade das Escrituras com supostos erros históricos ou científicos.

Mas esta concepção não reflete nem se coaduna com a posição reformada e
protestante histórica. Para a fé reformada histórica, o escopo da autoridade das
Escrituras é todo o seu cânon. É verdade que a Bíblia não se propõe a ser um
compêndio científico ou um livro histórico. Mas, ainda assim, todas as
afirmativas contidas nas Escrituras, sejam elas de caráter teológico, prático,
histórico ou científico, são inerrantes e autoritativas.140

Os principais problemas relacionados a esta concepção quanto à autoridade das


Escrituras, são estes: Primeiro, como distinguir o conteúdo salvífico das
Escrituras do seu contexto salvífico? É impossível. As Escrituras são a Palavra
de Deus revelada na história. Segundo, como delimitar o que está ou não
diretamente relacionado ao

propósito salvífico, se o propósito da obra da redenção não é meramente salvar o


homem, mas restaurar o cosmos? Que porções das Escrituras ficariam de fora do
escopo da salvação? Como Ridderbos admite, “a Bíblia não é apenas o livro da
conversão, mas também o livro da história e o livro da criação...”5 Que áreas da
vida humana ficariam de fora da obra da redenção? A arte, a ciência, a história,
a ética, a moral? Quem delimitaria as fronteiras entre o que está ou não incluído
no propósito salvífico? Admitir o conceito neo-evangélico de autoridade das
Escrituras é cair na cilada liberal do cânon dentro do cânon, é elevar a razão
humana à posição de juiz supremo de fé e prática.

CONCLUSÃO

A fé reformada admite que o propósito especial das Escrituras não é histórico,


moral ou científico, mas salvífico, e que é nelas que deve ser determinada toda
controvérsia religiosa. Contudo, não limita a sua autoridade de forma alguma:
nem por adições, nem por reduções de espécie alguma. Ela dá-se por satisfeita
com a revelação das Escrituras, e não admite nenhuma outra fonte adicional ou
suplementar, seja a velha tradição católica, sejam as novas revelações
carismáticas. Por outro lado, não abre mão de nada da revelação que lhe foi
entregue. Não nega a sua autoridade divina; não confunde a subjetividade da
certeza da autoridade com a objetividade da sua autoridade intrínseca; nem
limita a autoridade das Escrituras ao seu propósito ou conteúdo salvífico. Os
reformados recorrem às Escrituras como Juiz Supremo em matéria de fé e
prática, submetendo-se plenamente a sua autoridade.

Esta doutrina é muito importante para a solução de discordân-cias doutrinárias e


práticas eclesiásticas. O seu significado prático é resumido por Spear, como
segue:
Isto significa que quando há discordância, os crentes não devem depender primariamente de decisões
anteriores de sínodos e concílios, mas permanecer orando pela ajuda do Espírito Santo, e estudando
juntos as Escrituras. O

veredicto é dado pelo Espírito, quando as pessoas chegam a compartilhar uma fé comum, baseada
nas Escrituras.142

142 Wayne Spear, The Westminster Confession ofFaith and Holy Scripture, 9.

CAPÍTULO 12

1
C. Pinnock (citado por Keun-Doo Jung, A Study of the Authority of Scripture with Reference to The
Westminster Confession of Faith, 45).

2
O. D. Kauftnan (Ibid, 45).

3
Ensinada mais especificamente no parágrafo V do cap. 1 da Confissão de Fé de Westminster.

4
Confissão de Fé de Westminster, I:v.

5
Herman Ridderbos, Studies in Scripture and its Authority, 24.
OBJEÇÕES E RESPOSTAS

A doutrina reformada das Escrituras tem


encontrado forte oposição, especialmente nos
dois últimos séculos, com o surgimento do
racionalismo, da alta crítica, do liberalismo, da
neo-ortodoxia e, mais recentemente, do neo-
evangelicalismo.
Qual a razão? O motivo alegado é quase sempre a suposta existência de erros e
contradições internas ou externas, demonstradas por descobertas históricas ou
científicas recentes. Mas seriam mesmo estas as razões? É interessante observar
que muitas das dificuldades levantadas já eram conhecidas há séculos por
Agostinho, Lutero, Calvino e outros, os quais nem por isso foram levados a
duvidar da inspiração, da autoridade ou da inerrância das Escrituras. A real
razão, portanto, para a negação das doutrinas históricas ortodoxas com relação às
Escrituras parece estar, sim, nas céticas pressuposições filosóficas naturalistas,
racionalistas e existencialistas que influenciaram algumas das modernas escolas
de pensamento teológico.1

Referindo-se ao assunto, Packer parece detectar outras razões, ao observar que


“o problema, sem dúvida, é que estes teólogos têm sido por demais ativos em
aparentar grandeza diante dos filósofos nos círculos universitários secularizados
onde tão grande parte do seu trabalho se realiza e se discute...” e que “...a
teologia assumiu o aspecto de uma brincadeira intelectual divorciada da vida
real...”2

Convém, entretanto, analisar algumas das objeções mais comuns levantadas


contra a inspiração, autoridade e conseqüente inerrância das Escrituras.

ERROS DE TRANSMISSÃO

Uma das objeções levantadas — talvez a mais sincera, e com relação à qual a
ortodoxia não tem dado uma resposta realmente satisfatória — tem a ver com a
preservação das Escrituras. De que adianta falar em inspiração verbal e
inerrância da Bíblia, se o texto original não foi preservado, mas foi corrompido
no decorrer dos anos, com os milhares de erros introduzidos pelos copistas, a tal
ponto que nos é virtualmente impossível determinar com certeza as
palavras originais?

Entretanto, não é necessário nos determos para analisar esta objeção, visto que a
questão já foi tratada quando do estudo da doutrina da preservação. Aqui, basta
lembrar, que o problema não está no texto, mas nas teorias modernas da crítica
textual que rejeitaram o texto preservado nos milhares de manuscritos que
apresentam o texto majoritário. Não há nada de errado, portanto, com a doutrina
da inspiração ou da preservação das Escrituras. Há sim, com a
metodologia crítica atualmente empregada no estudo dos manuscritos das
Escrituras.

ERROS CIENTÍFICOS

Fala-se muito a respeito de erros científicos que as Escrituras apresentam.


Afirma-se que os fatos e relatos das Escrituras não resistem a uma investigação
científica; que muitos fatos científicos comprovados negam os relatos bíblicos. E
que é, portanto, impossível harmonizar a Bíblia com a ciência.

Mas, antes que alguém atribua à ciência autoridade exagerada, e se apresse a


fazer dela sua regra de fé e prática, e juiz supremo de todas as coisas, convém
avaliar os fatos. Em 1861, a Academia Francesa de Ciência publicou uma lista
de 51 “fatos científicos” que iam de encontro a afirmativas bíblicas. Hoje, cento
e trinta e cinco anos depois, a Bíblia permanece; mas nenhum dos 51 “fatos
científicos” publicados ainda é inteiramente sustentado pela ciência dos
nossos dias! A verdade é que os “fatos científicos” são tão mutáveis que os livros
científicos precisam ser constantemente reescritos. Uma geração não pode lançar
mão dos “fatos científicos” de gerações anteriores, nem usar os livros de seus
avós. É fato que teses científicas de

mestrado ou doutorado baseiam-se mais em artigos do que em livros, visto que


estes, quando publicados, já podem estar parcialmente ultrapassados.

Será que alguém acredita que a ciência já alcançou o seu ápice, sua forma final?!
Quanto mais o homem avança em seus conhecimentos, mais descobre seus erros,
o quão pouco sabe, e que apenas começou. Está, como uma criança, brincando à
beira da praia de um oceano tão grande que ela não pode mensurar.

Além disso, é preciso distinguir teorias e hipóteses de fatos científicos


comprovados. Se os “fatos científicos” são mutáveis, que dizer das teorias e
hipóteses!

A Bíblia, por outro lado, continua firme como uma rocha batida pelas ondas da
incredulidade, do ceticismo, do racionalismo, e da “ciência” materialista do
nosso século. É verdade que a Bíblia não é um livro científico. Ela não foi
escrita por uma perspectiva científica ou com propósito científico. A Bíblia usa a
linguagem do dia a dia, para descrever os fatos como aparecem; por exemplo:
“os quatro cantos da terra,” “as extremidades ou confins da terra,” “o sol se pôs e
se levantou,” etc. Mas isso não implica em erro científico. Nós mesmos fazemos
uso dessas expressões ainda hoje. Trata-se de uma linguagem fenomenal,
segundo a qual, as coisas são descritas pela sua aparência e não pela sua
explicação científica. O que querem os críticos? Que ao invés das Escrituras
dizerem (em Gn 24:63) “Saíra Isaque para meditar no campo ao cair da tarde...,”
dissesse: “Saíra Isaque para meditar no campo quando a revolução da terra sobre
o seu eixo fez com que os raios do luminário solar impingissem horizontalmente
sobre a retina”?3

Convém observar, que ao descrever a majestade de Deus, Isaí-as diz que ele está
assentado “sobre a redondeza da terra...” (Is 40:22).4 E Jó afirma que “Deus faz
pairar a terra sobre o nada” (Jó 26:7); contrariando as idéias prevalecentes na
época. Uma coisa é

dizer que a Bíblia contém afirmativas que não estão em harmonia com ensinos
da ciência de nossos dias; ou que as Escrituras não empregam uma linguagem
científica. Outra, bem diferente, é dizer que a Bíblia contém erros provados pela
ciência. Tal afirmativa pressupõe a inerrância científica, impossível de ser
sustentada.

Convém lembrar, finalmente, da palavra de Deus a Daniel: “Tu, porém, Daniel,


encerra as palavras e sela o livro, até ao tempo do fim; muitos o esquadrinharão,
e o saber se multiplicará.”5 Sejamos pacientes, enquanto esquadrinhamos as
Escrituras. Esperemos que o saber se multiplique.

ERROS HISTÓRICOS
Fala-se, também, em erros históricos. Relatos bíblicos em desacordo com a
história secular. A História não menciona relatos bíblicos importantes, tais como
a marcha de Senaqueribe contra Jerusalém e a matança dos 185 mil assírios pelo
anjo do Senhor. Também não menciona a elevação de Ester à posição de rainha.

Não se pode esquecer, entretanto, que o conhecimento dos fatos históricos


antigos dependem das fontes, que são limitadas. Mesmo estas fontes estão
passivas de erro. Logo, a nossa compreensão da história é necessariamente
limitada. Deve-se distinguir também as evidências históricas das interpretações
dessas evidências. Algumas aparentes contradições históricas podem muito bem
decorrer de más interpretações das fontes históricas.

Não obstante, a arqueologia, no último século, tem descoberto muito material


anteriormente desconhecido, que tem corroborado fatos bíblicos outrora negados
pela história secular. Alguns exemplos: cidades antediluvianas, narrações do
dilúvio (placas descobertas em 1872 pelo Museu Britânico), menção da cidade
de Ur dos Caldeus, etc.6

CONTRADIÇÕES INTERNAS

A objeção mais séria levantada contra a inspiração e inerrância das Escrituras é a


alegação de que há contradições internas nos seus relatos.

Discrepância entre os Relatos Bíblicos de um Assunto

Estas discrepâncias, contudo, são apenas aparentes, devido à laconicidade dos


textos, tradução deficiente, má interpretação, ou pressuposições de
incredulidade. Corretamente interpretados, os textos não apenas não se
contradizem, mas em muitos casos se completam. Eis alguns dos exemplos mais
explorados:

Atos 9:7 e 22:9. Os companheiros de Paulo ouviram ou não ouviram a voz de


Jesus, quando da sua conversão? No original, em 22:9 diz Tqv 8è 4>wvfiv oúk
fiKouaav toü XCXXOUVTÓS' POI. A nossa tradução já está interpretada, eliminando
a aparente contradição. Resposta: eles ouviram o som (<j)wvfju), mas não
entenderam o seu sentido.

Mateus 8:5 e Lucas 7:3. O próprio centurião foi até Jesus pedir-lhe que curasse
seu servo, ou mandou anciãos? Resposta: não há nenhum erro em se omitir
detalhes de um relato. É comum atribuir a alguém, palavras ou atos de seus
intermediários. Ex: “Nós vamos construir o nosso templo.” Na verdade, quem
vai construir são os operários.

Mateus 27:5 e Atos 1:18. Judas devolveu o dinheiro aos sacerdotes ou adquiriu
um campo? Resposta: os textos se completam; depois que se suicidou, os
sacerdotes compraram com o dinheiro um campo para enterrá-lo.

Mateus 10:10 e Marcos 6:8. Os discípulos poderiam ou não levar sandálias e


bordão? Resposta: era para levar apenas um de cada. O contexto era que não
levassem nada sobressalente (alforje ou duas túnicas). Em Mateus 10:10, “duas”
refere-se não só a túnicas, mas a sandálias e bordão. E por isso que em Marcos
6:8 especifica-se só “um” bordão, e no verso 9 que fossem calçados de sandálias,
mas não levassem “duas” túnicas. Ou seja, era para partirem só com a roupa

do corpo: sandálias, túnica e bordão. Nada de alforje, pois não levariam nada
mais.

Discrepâncias e Liberdade nas Citações do AT pelo NT

Não há nenhum erro em mencionar o que outro disse ou escreveu, apenas no


sentido geral, não literal.

Além disso, muitas das variações se devem ao emprego da Septuaginta. “Esta


era virtualmente a única forma do Antigo Testamento que existia nas mãos dos
fiéis judeus fora da Palestina, e certamente era a única disponível para os gentios
convertidos à fé judaica ou ao cristianismo.”7 Nada mais natural que essa versão
fosse empregada, por autores do Novo Testamento. Isso nada tem a ver com a
inerrância do Antigo Testamento, assim como nós não negamos a inerrância dos
textos originais das Escrituras, por fazermos uso de uma determinada versão.

Finalmente, visto que estavam sendo dirigidos pelo Espírito Santo, os autores do
Novo Testamento podiam legitimamente aplicar um texto do Antigo Testamento
em outro contexto ou em outro sentido, ou até mesmo modificar o texto do AT
para adaptá-lo ao seu atual propósito.8

OUTRAS OBJEÇÕES

Outras objeções são ainda levantadas contra as doutrinas da inspiração,


autoridade e inerrância das Escrituras. Estas, contudo, são ainda mais frágeis.
Exemplos:

Objeções Teológicas. Exemplo: Tiago contradiz Romanos (fé e obras). E um


problema de má interpretação apenas.

Objeções Morais. Exemplo: Se a Bíblia é inspirada, como é que registra


poligamias, adultérios e escravidão. O fato da Bíblia não ocultar estas coisas é
mais uma evidência a seu favor.

Objeções Materialistas. Eventos contrário às leis da natureza, tais como andar


sobre o mar, transformar água em vinho, multiplicar pães, fazer o sol parar,
acalmar tempestades e ressuscitar mortos! Os que objetam estas coisas revelam
apenas sua pressuposição materialista. O Deus que a Bíblia apresenta é o Criador
Onipotente de todas as coisas, o qual tem poder e autoridade absolutos sobre a
sua criação. É evidente que o Criador não está sujeito às leis naturais que regem
as obras das suas mãos.

CONCLUSÃO

Não se quer sugerir, com os exemplos até aqui mencionados, que podemos
explicar todas as dificuldades das Escrituras. A doutrina reformada reivindica
uma clareza substancial, mas não total das Escrituras. O que afirmamos, é que as
contradições são apenas aparentes, decorrentes do caráter humano ou mesmo
divino das Escrituras. De fato, é mesmo de se esperar que criaturas finitas,
limitadas e pecaminosas como nós tenham reais dificuldades em compreender
e harmonizar toda a revelação bíblica. Pode nos faltar informações
ou compreensão adequada do texto bíblico, mas isso não implica, de modo
algum, na falibilidade ou errância das Escrituras.

O certo é que a doutrina reformada das Escrituras é bíblica. Para Jesus e os


apóstolos a autoridade das Escrituras era definitiva, e as expressões “está
escrito,” “assim dizem as Escrituras,” etc., determinavam qualquer questão.
Longe de fazer distinção entre mito e .fato, ou entre conteúdo salvífico e
contexto salvífico, Jesus aceitou como verdadeiros os fatos históricos ou
científicos considerados inaceitáveis pelos críticos modernos das Escrituras, tais
como a histori-cidade de nossos primeiros pais (Mt 19:4-5), o dilúvio (Mt 24:38-
39), e o fato de Jonas ter passado três dias no ventre de um peixe (Mt 12:40). Na
verdade, como observa Archer, Jesus “...colocou a sua crucificação e
ressurreição no mesmo plano histórico...”9 daquilo que aconteceu com Jonas.
As afirmativas de Jesus e dos apóstolos quanto à inerrância das Escrituras são
explícitas e inequívocas: “A Escritura não pode falhar” (Jo 10:35). “E não
pensemos que a palavra de Deus haja falhado” (Rm 9:6). “Seja Deus verdadeiro,
e mentiroso todo homem” (Rm 3:4).

CAPÍTULO 13

1
Como tem sido observado por alguns defensores da inerrância das Escrituras, tais como James
Montgomery Boice, O Pregador e a Palavra de Deus, 156.

2
J. I. Packer, Confrontando os Conceitos dos Nossos Dias Acerca das Escrituras, 73.

3
Exemplo de A. H. Strong, citado por John H. Gerstner, A Doutrina da Igreja Sobre a Inspiração
Bíblica, 60.

4
14í Círculo, abóbada. Conferir o uso do termo em Jó 22:14; 26:10 e Provérbios 8:27.

5
Daniel 12:4.

6
Ver Merril F. Unger, Arqueologia do Velho Testamento.

7
I4‘J Gleason L. Archer, O Testemunho da Bíblia à sua Própria Inerrância, \ 14.

8
Para uma explicação mais detalhada sobre a maneira como o Novo Testamento cita o Antigo, ver Roger
Nicole, Citas del Antiguo Testamento en el Nuevo Testamento, 27-34.

9
Gleason L. Archer, O Testemunho da Bíblia à sua Própria Inemmcia. 108.
RESUMO E APLICAÇÕES

Este capítulo resume e aplica as principais verdades sobre a doutrina reformada


das Escrituras.

DA DOUTRINA DA REVELAÇÃO

Resumo: Deus se revela na criação, de modo que o homem é indesculpável. Mas


esta revelação natural não é suficiente para salvá-lo. Por isso aprouve a Deus
revelar-se de modo especial à igreja e mandar escrever esta revelação.

Aplicações: 1) Visto que Deus se revela na natureza, devemos contemplar e


estudar a criação como obra das mãos de Deus, de modo que possamos
reconhecê-lo nela ? :m confundi-lo com ela, e ser-lhe grato e glorificá-lo, cultuá-
lo e servi-lo. 2) Visto que as Escrituras são a única revelação salvífíca, e que à
igreja foram confiados estes oráculos de Deus, sua função primordial (da igreja)
é reter, proclamar e ensinar fielmente sua mensagem, como coluna e baluarte da
verdade.

DO CÂNON DAS ESCRITURAS

Resumo: a igreja não estabelece o cânon das Escrituras, ela apenas o reconhece,
pelo testemunho da História, pelas evidências internas da própria Escritura e,
especialmente, pelo testemunho interno do Espírito Santo na igreja como um
todo.

Aplicação: o testemunho da História da Igreja deve ser visto como resultado da


ação do Espírito Santo por um lado, e, por outro, da perversão do homem e
investidas do diabo. Dos seus períodos áureos, podemos extrair importantes
ensinos positivos. Dos seus períodos de decadência e corrupção, podemos extrair
importantes lições negativas (advertências).

DA INSPIRAÇÃO DAS ESCRITURAS

Resumo: as Escrituras têm natureza divino-humana — são a Palavra de Deus


escrita em linguagem humana, por pessoas em pleno uso de suas faculdades.
Mas de tal modo dirigidas pelo Espírito Santo que tudo o que registraram nas
Escrituras foi preservado do erro, constituindo-se em revelação infalível e
inerrante de Deus ao homem.

Aplicação: não podemos nos aproximar das Escrituras como se estas fossem
mero produto do espírito humano, proveniente de particular elucidação ou
discernimento (2 Pd 1:20-21). Também não podemos nos aproximar dela, como
se fosse um livro psicografado, sem considerar seu contexto histórico. É preciso
também rejeitar qualquer forma de inspiração parcial ou mental das Escrituras.
Toda a Escritura e cada palavra dela foi inspirada pelo Espírito Santo.

DA AUTORIDADE DAS ESCRITURAS

Resumo: a autoridade das Escrituras decorre da sua origem divina; é reconhecida


pelo crente plenamente pelo testemunho interno do Espírito Santo; e não pode
ser limitada de forma alguma.

Aplicações: 1) Cuidado com os grandes usurpadores da autoridade das


Escrituras: o tradicionalismo, o emocionalismo e o raciona-lismo. 2) Não
pensemos que alguém possa ser plenamente persuadido da autoridade das
Escrituras, a não ser pela ação iluminadora do Espírito Santo, o único que pode
remover as trevas do coração. É impossível ao homem natural reconhecer a
autoridade das Escrituras. 3) Em última instância, a questão da autoridade das
Escrituras é uma questão de fé. A real antítese está entre a fé na autoridade das
Escrituras ou fé na autoridade do homem (tradição, emoção ou razão).
Quem tem a última palavra: Deus, falando nas Escrituras, ou o homem, por meio
das suas tradições, sentimentos ou razão? 4) A legítima fé reformada repudia a
teologia liberal racionalista, que nega a autoridade das Escrituras; rejeita a neo-
ortodoxia existencialista, que torna subjetiva a autoridade das Escrituras; e se
recusa a aceitar a posição neo-evangélica, que limita a autoridade das Escrituras
ao seu propósito salvífico. As Escrituras não são somente o livro da salvação
humana, mas da redenção do cosmos, e todas as suas afirmativas são autorita-
tivas.

DA SUFICIÊNCIA DAS ESCRITURAS

Resumo: embora as Escrituras não sejam exaustivas, elas são suficientes em


matéria de fé e prática. Nelas o homem encontra tudo o que deve crer e tudo o
Deus requer dele, para que seja salvo, sirva-o, adore-o e viva do modo que lhe
seja agradável.

Aplicações: 1) Damo-nos por satisfeitos com as Escrituras e repudiamos as


tradições e novas revelações. 2) Embora reconheçamos que as Escrituras não nos
fornecem detalhes, afirmamos que elas nos dão princípios, ensinos gerais e
exemplos, dos quais podemos inferir logicamente tudo o que precisamos em
matéria de religião para aplicarmos à vida da igreja (doutrina, governo,
disciplina, liturgia, pregação, etc.) e à nossa vida individual (casamento,
trabalho, alimentação, vestuário, educação de filhos, relacionamentos, etc.).

DA CLAREZA DAS ESCRITURAS

Resumo: a fé reformada professa que as Escrituras são substancial e


intrinsecamente claras. Tanto o caminho da salvação, como as doutrinas e
práticas fundamentais estão suficiente e claramente explicados nas Escrituras, de
modo que todo homem que se empenhar em descobri-lo, com a ajuda do
Espírito, poderá fazê-lo, mesmo sem a ajuda da igreja.

Aplicações: 1) Todos podemos ler as Escrituras e compreender substancialmente


o seu ensino, se a estudarmos diligentemente. 2) Mas a ação iluminadora do
Espírito, pela própria Palavra, é indispensável para tal — tanto nos descrentes
(inicial), como nos crentes (contínua). Daí a necessidade fundamental de
recorrermos a Deus em oração e suplicarmos a ação do Espírito em nós. 3) A fé
também é indispensável para a clareza das Escrituras. Como Calvino dizia, “a
fé são os olhos pelos quais podemos contemplar a verdade de Deus
nas Escrituras.”

DA PRESERVAÇÃO DAS ESCRITURAS

Resumo: o texto bíblico, revelado e inspirado por Deus para garantir seu fiel
registro nas Escrituras, foi cuidadosamente preservado por Ele no decorrer dos
séculos, de modo a garantir que aquilo que

foi revelado e inspirado continue disponível a todas as gerações subseqüentes. E


a história do texto manuscrito e impresso demonstra isso (no texto massorético
do AT e no texto majoritário do NT).

Aplicações: 1) Quão danosa tem sido a influência do raciona-lismo do século


passado sobre a igreja! Quão terrível é a determinação do diabo em corromper o
texto das Escrituras! 2) Precisamos ter imenso cuidado, sobriedade e precaução,
pára não aceitarmos as teorias e hipóteses seculares, sem profundo estudo e juízo
crítico, à luz das doutrinas bíblicas. 3) Devemos lembrar que a erudição não é
o juiz supremo das Escrituras. Por outro lado, quão importante é a erudição
ortodoxa (fiel), para fazer frente e refutar as teorias racionalis-tas provenientes
da sabedoria do mundo e promover a verdade!

DA TRADUÇÃO DAS ESCRITURAS

Resumo: embora não exista tradução perfeita — e por conseguinte não


professamos a inerrância de nenhuma tradução, mas dos textos originais —
defendemos que as Escrituras devem ser traduzidas para as línguas dos povos,
para que sua mensagem possa ser entendida e praticada, como desde cedo
ocorreu, e como fizeram os reformadores.

Aplicações: 1) Mais uma vez, é preciso cuidado com as influências da erudição


secular (teorias, filosofias e metodologias) sobre a igreja! Não podemos nos
apressar a adotar e aplicar suas supostas descobertas, como por exemplo, a teoria
da equivalência dinâmica, sem profundo juízo crítico. Todas essas teorias e
metodologias devem ser avaliadas à luz das doutrinas fundamentais das
Escrituras. 2) As melhores traduções são as mais precisas e não as
mais populares, simples ou idiomáticas. 3) As traduções reformadas são mais
precisas do que as traduções recentes, seguem um texto mais próximo do
original e, em geral, foram feitas por pessoas de inquestionável reputação,
ortodoxia e conhecimento teológico. O que não significa que devam ser
canonizadas ou que não possam ser melhoradas e atualizadas.

DA INTERPRETAÇÃO DAS ESCRITURAS

Resumo: devido à sua natureza divino-humana, reconhecemos que há


dificuldades de ordem espiritual e humana para a compreensão das Escrituras. A
exemplo do apóstolo Pedro, nós também admitimos que “há nelas coisas difíceis
de entender...” (2 Pd 3:16). É, portanto, necessário interpretar as Escrituras
corretamente. E, para isso, faz-se necessária a iluminação do Espírito Santo, o
intérprete por excelência das Escrituras, e o emprego de princípios de
interpretação apropriados.

Aplicações: 1) Devem ser rejeitadas as interpretações espiritualistas subjetivas


(alegóricas, intuitivas e existencialistas), que supe-renfatizam o caráter espiritual
das Escrituras em detrimento do seu caráter humano. Mas devem ser rejeitadas
também, as interpretações humanistas racionalistas, (como o método histórico-
crítico) que supe-renfatizam o caráter humano das Escrituras, em detrimento do
seu caráter espiritual. 2) Deve-se preferir a corrente reformada de interpretação,
caracterizada pelo equilíbrio decorrente de reconhecer o caráter divino-humano
das Escrituras, não fundamentada em pressupostos teológicos ortodoxos e
empregar princípios definidos de interpretação, decorrentes desses pressupostos.
3) Os principais princípios de interpretação que devemos observar são: a) as
Escrituras se auto-interpretam; b) elas devem ser interpretadas de acordo com a
analogia da fé; c) devem ser interpretadas de acordo com o seu contexto
específico; d) textos obscuros devem ser interpretados à luz de textos mais
claros; e) todo texto deve ser interpretado literalmente, a não ser que a própria
Escritura, contexto ou gênero literário indique claramente o contrário; f) a
experiência pessoal deve ser interpretada à luz das Escrituras e não o contrário; e
g) a história da igreja é um importante referencial para a avaliação da
interpretação das Escrituras. 4) A compreensão das verdades bíblicas não é o
alvo final da nossa interpretação das Escrituras. E, sim, o meio pelo qual cremos
que os sentimentos podem ser alcançados, de modo que venhamos a amar
a Deus de todo o nosso coração; e a vontade movida para obedecê-lo, adorá-lo e
servi-lo.

CAPÍTULO 14
PRATICANTES DA PALAVRA

Portanto, despojando-vos de toda impureza e acúmulo de maldade, acolhei com


mansidão a palavra em vós implantada, a qual é poderosa para salvar as vossas
almas. Tornai-vos, pois, praticantes da palavra, e não somente ouvintes,
enganando-vos a vós mesmos. Porque se alguém é ouvinte da palavra e não
praticante, assemelha-se ao homem que contempla num espelho o seu rosto
natural; pois a si mesmo se contempla e se retira, e para logo se esquece de
como era a sua aparência. Mas aquele que considera atentamente na lei
perfeita, lei da liberdade, e nela persevera, não sendo ouvinte negligente, mas
operoso praticante, esse será bem-aventurado no que realizar.

Se alguém supõe ser religioso, deixando de refrear a sua língua, antes


enganando o próprio coração, a sua religião é vã. A religião pura e sem mácula,
para com o nosso Deus e Pai, é esta; visitar os órfãos e as viúvas nas suas
tribulações, e a si mesmo guardar-se incontaminado do mundo (Tiago 1:21-27).

Este capítulo final é uma aplicação prática da


doutrina reformada das Escrituras; uma
exposição do texto bíblico acima transcrito.
INTRODUÇÃO

Esta é a mais prática de todas as cartas do Novo Testamento. Trata-se de um


manual resumido de conduta cristã, em certo sentido comparável ao livro de
Provérbios no AT. Seu autor, Tiago, o irmão de Jesus, segundo os pais da igreja,
era o líder da igreja de Jerusalém (At 15:13 e G1 2:9, 12), e é conhecido como o
apóstolo das obras.

A sua ênfase nas obras é de tal ordem que alguns têm demonstrado dificuldade
em conciliar seu ensino com a doutrina reformada fundamental da salvação pela
graça mediante a fé, tão claramente en-

sinada pelo apóstolo Paulo. Mas não há contradição alguma. O que Tiago ensina
é que as obras — no sentido mais amplo, indicando vida reta, íntegra e obediente
— são a manifestação externa da salvação pela graça mediante a fé.
O apóstolo Paulo não ensina nada diferente, pois embora afirme que “pela graça
sois salvos, mediante a fé; e isto não vem de vós, é dom de Deus” e que não
somos salvos por obras, “para que ninguém se glorie,” também afirma, logo a
seguir, que “somos feitura dele (de Deus), criados em Cristo Jesus para as boas
obras, as quais Deus de antemão preparou para que andássemos nelas” (Ef 2:8-
10). A única diferença entre Paulo e Tiago é de ênfase, de enfoque.
Enquanto Paulo trata especialmente (mas não somente) do modo da
salvação pela graça, Tiago trata das suas evidências externas.

O propósito de Tiago portanto, ao escrever esta carta, é exortar seus leitores a


viverem de modo coerente com a salvação pela graça mediante a fé, pois a fé se
consuma ou se demonstra pelas obras (2:22). Logo, a fé sem obras é morta, isto
é, não é verdadeira fé (2:17,18). “Mostra-me,” diz ele, “essa tua fé sem as obras,
e eu, com as obras, te mostrarei a minha fé.”

O SENTIDO BÍBLICO DE OBRAS

Neste ponto, é importante definir o sentido do termo obra. Na concepção bíblica,


a palavra tem um significado bem mais amplo do que normalmente lhe é
atribuído. O termo hoje é geralmente empregado com a conotação limitada de
obras de misericórdia ou caridade, as obras sociais ou diaconia. O sentido bíblico
(também nesta carta), sem dúvida inclui as obras de misericórdia, a diaconia,
mas vai muito mais além: se refere, especialmente, à vida íntegra, reta, obediente
e submissa à vontade de Deus revelada nas Escrituras: a obra de morti-ficar a
carne, de rejeitar o pecado, de amar, de cultuar e servir a Deus, etc.

Para Tiago, perseverar firme nas provações, refrear a língua, não fazer acepção
de pessoas, ser humilde (em contraste com a soberba), confiar em Deus (em
contraste com a autoconfiança), e ser paciente,

são tão obras quanto ajudar um irmão necessitado ou suprir a necessidade de um


órfão ou de uma viúva carente.

Na verdade, à luz das Escrituras, a ação social ou o exercício da misericórdia só


são consideradas boas obras, que agradam a Deus, se resultarem de um coração
regenerado. As obras sociais ou o exercício de misericórdia realizados por
pessoas incrédulas, blasfemas, soberbas, rebeldes ou ímpias não passam de
“trapos de imundícia.” À parte da graça de Deus, “não há quem faça o bem, não
há nenhum sequer” (Rm 3:12). A verdadeira obra provém de fé.
ACOLHENDO A PALAVRA

Com estas coisas em mente, podemos extrair algumas lições desta porção da
revelação bíblica. A essência do texto está em dois imperativos. O primeiro se
encontra no verso 21: acolhei (SéÇaoQe), isto é: recebei, recebei
favoravelmente, dai ouvidos, abraçai, aprovai.

O que acolher? A palavra em vós implantada (ou plantada, semeada)}52 Trata-se


de uma figura, com a qual a palavra de Deus é comparada a uma muda ou
semente plantada em nós. Jesus mesmo comparou a sua palavra com uma
semente, na parábola do semeador em Mateus 13, para demonstrar que a mesma
palavra pode produzir os mais diferentes resultados, dependendo do tipo de solo
em que for semeada (plantada).

Como acolher? A resposta é dupla. Primeiro, despojando-nos de toda impureza e


acúmulo de maldade. A metáfora aqui é outra: a nossa impureza moral é
comparada a uma roupa imunda (pwrapíav), e a impiedade a uma crosta no
caráter (Treptcrareíau (caxias), das quais nos despimos (áTToSépevoi). Segundo,
com mansidão (èv TTpairrr|Ti); isto é, com humildade. A Palavra de Deus não
pode ser devidamente 1

plantada num coração orgulhoso e altivo. Nesse tipo de solo ela não frutifica
como deve.

Por que acolher? Porque ela é poderosa para salvar as vossas almas. Esta é a
razão fundamental: a Palavra de Deus é o único instrumento suficientemente
poderoso para consumar a salvação da nossa alma. A palavra aqui empregada
deriva-se de ôúvapis; a mesma empregada pelo apóstolo Paulo em Romanos
1:16, onde ele declara que está pronto para anunciar a Palavra de Deus, também
na capital do Império Romano, porque ele está plenamente convencido de que
o Evangelho “...é o poder de Deus para a salvação de todo aquele que crê,
primeiro do judeu e também do grego.”

Conclusão: a exortação de Tiago é no sentido de não rejeitarmos a Palavra de


Deus, mas deixarmos que ela de fato penetre na nossa mente e, como urha planta
de Deus, se enraíze no nosso coração. Isto só pode ocorrer em solo preparado
pelo Espírito Santo, despido de impureza moral e da abundância de impiedade
que nos cobria, recebendo-a humildemente, de modo que ela possa — como de
fato pode — alcançar o seu objetivo e salvar a nossa alma.
PRATICANDO A PALAVRA

A segunda exortação de Tiago encontra-se no verso 22: Tornai-vos praticantes.

No que implica esta exortação? Praticantes significa fazedores (TTOLT]TO(L),


observadores, pessoas que colocam em prática, em contraste com meros
ouvintes (dicpoaTaí), a Palavra acolhida. Tornai-vos implica em que
anteriormente não era esse o procedimento dos seus leitores, ou não estava sendo
esse o procedimento deles no momento. Se aplicarmos aos judeus2, a exortação
diz respeito à prática sincera da Palavra, e não hipócrita. Quer pensemos nos
judeus, quer nos gentios, sabemos que o nosso procedimento anterior era
determinado

pelo “curso deste mundo,” pelo “espírito que agora atua nos filhos da
desobediência,” pelas “inclinações da nossa carne” (Ef 2:2-3).

Praticantes do quê? Da palavra em vós implantada. Nada mais. Não se trata de


nenhuma outra coisa aqui. Não há exortação aqui com relação a tradições ou
novas revelações, mas à Palavra de Deus, mencionada no verso anterior,
plantada no coração pelo Espírito Santo por meio da pregação e da sua leitura. A
solução é sempre esta, como temos visto no conselho de Paulo a Timóteo: a
perseverança nas sagradas letras, a prática das Escrituras são suficientes “...para
o ensino, para a repreensão, para a correção, para a educação na justiça, a fim de
que o homem de Deus seja perfeito e perfeitamente habilitado para toda boa
obra” (2 Tm 3:14-17).

Por quê? Para não nos enganarmos (TrapaXoyiCópevoi) a nós mesmos. Para não
nos desviarmos a nós mesmos com raciocínios fa-lazes. Se formos meros
ouvintes da Palavra, e não nos empenharmos de coração em praticá-la
diariamente nos termos em que somos exortados aqui, nós a esqueceremos —
Como um homem que contempla sua imagem no espelho e se retira, logo se
esquece da sua própria aparência — e ela não frutificará. Tiago está aqui nos
exortando a não apenas recebermos a Palavra, mas a observarmos
continuamente, como um espelho a nos lembrar o que devemos crer e o que
Deus requer de nós. Não é suficiente receber, é preciso reter, observar, cumprir,
praticar. De outro modo, estaremos nos enganando a nós mesmos.

Como praticar a Palavra? Como tê-la por espelho constante? Considerando-a


atentamente: debruçando-nos com interesse e seriedade sobre ela. Estudando-a
diligentemente. A mesma palavra aqui empregada (rapaKÚjíaç) é usada também
em 1 Pedro 1:12, quando Pedro afirma que aos profetas do AT “...foi revelado
que, não para si mesmos, mas para vós outros, ministravam as coisas que agora
vos foram anunciadas por aqueles que, pelo Espírito Santo enviado do céu, vos
pregam o evangelho, cousas essas que anjos anelam pers-crutar.” A idéia é que
até os anjos no céu como que se debruçam, como uma congregação atenta e
interessada em compreender o Evangelho que os apóstolos estavam pregando.
Assim devemos proceder.

Nela permanecendo (Trapa|i.eívaç). Na parábola do semeador Jesus compara o


solo espinhoso com o coração daqueles que recebem a Palavra mas nela não
perseveram, permitindo que os cuidados do mundo a sufoquem. Além de
considerar atentamente a Palavra, é preciso continuar sempre ao seu lado,
perseverando nelas. Nunca nos cansarmos dela. Não abrirmos mão dela, nem
desejarmos nada para suplementá-la. A Palavra e nossa compreensão dela não
deverá estar sujeita aos modismos das épocas. As pessoas se cansam das coisas
e as substituem por outras. Mas a Palavra não pode estar sujeita a isso.

Não nos tornando ouvintes negligentes: lerdos, desinteressados. A nossa palavra


lesma vem da palavra aqui usada no original (émXqap.ovqs'). Assim, podemos
dizer que alguém que se comporta como uma lesma jamais fará bom progresso
espiritual. Não podemos ser lentos, lerdos, descansados, preguiçosos,
desinteressados com relação à prática da Palavra de Deus.

Mas operosos praticantes (TroiqTqç epyou). Diligentes, prestos e determinados


a observá-la, confiar nela, sermos dirigidos por ela e praticarmos os seus
ensinos.

Com que propósito? Se assim o fizermos, seremos bem-aventurados no que


realizarmos. Isto é, seremos felizes na prática da Palavra. O ensino aqui,
encontra paralelo nas palavras de Jesus: “o meu jugo é suave, e o meu fardo é
leve.” A prática da Palavra é uma fonte abundante de felicidade.

É pura perda de tempo buscar felicidade profunda e duradoura em qualquer outra


coisa, que não na prática sincera e diligente da Palavra de Deus. Faríamos muito
bem em atentar para as palavras de Salomão no segundo capítulo de Eclesiastes.
Ele, como ninguém, fez. grandes realizações, amontoou riquezas, proveu-se de
cantores e cantoras, de muitas mulheres, e adquiriu imensa fama, sabedoria
e poder. Contudo, reconheceu: “...e eis que tudo era vaidade e correr atrás do
vento, e nenhum proveito havia debaixo do sol... pois separado deste (de Deus),
quem pode comer, ou quem pode alegrar-se?” (Ec 2:11, 25). E chegou à seguinte
conclusão: “De tudo o que se tem ouvido, a suma é: Teme a Deus, e guarda os
seus mandamentos...” (Ec 12:13).

Possa Deus ajudar-nos a dizer com Davi: “Com efeito, os teus testemunhos são o
meu prazer” (SI 119:24). “Agrada-me fazer a tua vontade, ó Deus meu; dentro
em meu coração está a tua lei” (SI 40:8).

A VERDADEIRA RELIGIÃO

Pode-se dizer que, em certo sentido, nos versos 26 e 27, encontramos o tema
geral da carta de Tiago. Sua conclusão, do que acabou de dizer, é a seguinte: na
prática sincera e diligente da Palavra de Deus, em nós implantada, consiste a
verdadeira religião.

Ele então caracteriza a religião pura com três exemplos práticos (não poderia ser
de outro modo): dominar a língua, acudir aos necessitados, e não se deixar
contaminar pelo mundo. A luz da analogia da fé (pelo ensino bíblico como um
todo), é evidente que Tiago está apenas dando alguns exemplos práticos
particulares, algumas marcas da verdadeira religião. A verdadeira religião vai
bem mais além do que isso.

A primeira marca da verdadeira religião mencionada por Tiago está relacionada


ao domínio próprio: dominar a língua (xaXirayw-ywv), e implica em dominar o
corpo, como ele mesmo explica a seguir (3:1-12 e 4:11-12): “Se alguém não
tropeça no falar é perfeito varão, capaz de refrear também todo o seu corpo”
(3:2). Ele compara a língua com os freios na boca dos cavalos, com o pequeno
leme de um grande navio, e com uma pequena fagulha que produz um
terrível incêndio. Dominar a língua implica em mortificar a carne, dominar
o corpo. Inclui a maledicência, mas vai muito mais além: implica em colocar
rédeas e freios nos nossos instintos, desejos, temperamento e caráter. Domínio
próprio, portanto, é boa obra evangélica, tanto quanto o exercício da
misericórdia.

A segunda característica prática da verdadeira religião mencionada no texto é o


exercício da misericórdia: visitar os órfãos e viúvas nas suas tribulações. A
palavra aqui traduzida por visitar (émaKéTTTecrBai) significa bem mais do que
visita social. Significa supervisionar, examinar com o propósito de cuidar,
auxiliar, suprir as necessidades daqueles que se encontram em real dificuldade,

aperto e aflição.3 Os casos particulares aqui mencionados (viúvas e órfãos)


incluem, de fato, todos os nossos próximos verdadeiramente necessitados,
especialmente os da família da fé e parentes. Naquela época, não havia pensão
ou seguro social de espécie alguma, e as viúvas e órfãos corriam o risco de ficar
completamente desamparados, visto que incapacitados para o trabalho. Se
tivessem filhos ou parentes crentes, essa assistência deveria ser prestada por
essas pessoas, como ensina o apóstolo Paulo em 1 Timóteo 5:4,16: “se alguma
viúva tem filhos ou netos, aprendam, primeiro a exercer piedade para com a sua
própria casa, e a recompensar a seus progenitores... Se alguma crente tem
viúvas, socorra-as e não fique sobrecarregada a igreja, para que possa socorrer as
que são verdadeiramente viúvas.” Se estas pessoas de fato não tivessem amparo,
deveriam ser auxiliadas pela igreja. Mas isso com rígidos critérios, e não
indiscriminadamente (ver 1 Tm 5:5-10).

A terceira característica prática da verdadeira religião é a pureza de vida, a


santidade pessoal: aqui indicada pela expressão guardar-se incontaminado do
mundo. A palavra aqui traduzida por incontamina-do (âcrmXov) significa sem
mancha, sem mácula,4 limpos: limpos do mundo, sem manchas do mundo,
imaculados do mundo. Nós estamos no mundo, mas nós não somos do mundo. A
sujeira moral e espiritual está a nossa volta, nos cerca. Mas uma das marcas
práticas da verdadeira religião é nos guardarmos limpos do mundo.

CONCLUSÃO

Estes exemplos práticos da verdadeira religião são frutos da Palavra implantada,


acolhida e praticada. Fé, sem obras, no sentido bíblico geral, é hipocrisia; mas
obras sem fé são trapos de imundícia (Is 64:6).

Esta coisas andam necessariamente juntas. Obras de misericórdia realizadas por


maledicentes ou impuros não têm o menor valor diante de Deus; são-lhe
abominações. Por outro lado, não há nada mais incoerente do que professar a
autoridade suprema das Escrituras e ser um ouvinte negligente do seu ensino.
Não há nada mais inconsistente do que professar crer na inspiração, preservação,
necessidade, e suficiência das Escrituras, e não se empenhar em lê-la, entendê-
la, observá-la e praticá-la, para a glória de Deus.

APÊNDICE 1
1
O termo grego aqui empregado (ê|i<|>UTos) aparece esta única vez no NT. Mas o substantivo 4>i>Teí«
aparece em Mateus 15:13 e significa planta. E o verbo 4>utóku aparece diversas vezes (Mt 15:13, 21:33;
etc.) com o sentido de plantar uma árvore. Paulo emprega a palavra no sentido figurado em 1 Coríntios 3:6-
8, “Eu plantei, Apoio regou; mas o crescimento veio de Deus.”

2
155
A mesma palavra, ckpoaTrjç, é aplicada aos judeus em Romanos 2:13: “Porque os simples
ouvidores da lei n3o s3o justos diante de Deus, mas os que praticam a lei hão de ser justificados.”

3
Cf. Atos 6:3: “...escolhei dentre vós sete homens de boa reputação, cheios do espírito e de sabedoria.;”
Hebreus 2:6: “Que é o homem, que dele te lembres? ou o filho do homem, que o visites." Observar também
a palavra derivada èttlctkottoç (supervisor, bispo).

4
A palavra é traduzida assim em 2 Pedro 3:14, “...empenhai-vos por ser achados por ele em paz, sem
mácula e irrepreensíveis.”
PRINCIPAIS SÍMBOLOS DE FÉ

Os símbolos de fé incluem os credos antigos,


escritos especialmente nos primeiros séculos; os
decretos conciliares e papais, promulgados
especialmente pela Igreja Romana; as confissões
e catecismos da Igreja Ortodoxa Grega; e
confissões e catecismos protestantes (Luteranos,
Calvinistas e Independentes). Mencionaremos
aqui apenas os credos antigos e os símbolos de
fé das igrejas protestantes. O diagrama a seguir
ilustra os ramos principais da Igreja Cristã:

Igrejas Independentes

Independentes,

| Batistas, etc.

Igreja Metodista | | Igrejas Pentecostais |

CREDOS ANTIGOS
Os símbolos de fé mais antigos são os credos. Eles resumem as verdades mais
fundamentais do cristianismo. Constituem-se, por assim dizer, na herança
comum da fé cristã, visto que os principais ramos do cristianismo1 os
subscrevem. O conteúdo deles é a doutrina da Trindade, em especial a pessoa
divino-humana de Cristo.

Credo Apostólico

O Credo Apostólico, o mais conhecido dos credos, é atribuído pela tradição aos
doze apóstolos.2 Mas os estudiosos acreditam que ele se desenvolveu a partir de
pequenas confissões batismais empregadas nas igrejas dos primeiros séculos.
Embora os seus artigos sejam de origem bem antiga, acredita-se atualmente que
o credo apostólico só alcançou sua forma definitiva por volta do sexto século,3
quando são encontrados registros do seu emprego na liturgia oficial da igreja
ocidental. De um modo ou de outro, parece evidente sua conexão com outros
credos antigos menores; como os seguintes:
Creio em Deus Pai Todo-poderoso, e em Jesus Cristo, seu único Filho, nosso Senhor. E no Espírito
Santo, na santa Igreja, na ressurreição da carne.

Creio em Deus Pai Todo-poderoso. E em Jesus Cristo seu único Filho nosso Senhor, que nasceu do
Espírito Santo e da virgem Maria; concebido sob o poder de Pôncio Pilatos e sepultado; ressuscitou
ao terceiro dia; subiu ao céu e está sentado à mão direita do Pai, de onde há de vir julgar os vivos e

os mortos. E no Espírito Santo; na santa Igreja; na remissão dos pecados; na ressurreição do corpo.4

Eis o texto do credo apostólico:


Creio em Deus Pai, Todo-poderoso, Criador do Céu e da terra. Creio em Jesus Cristo, seu único
Filho, nosso Senhor, o qual foi concebido por obra do Espírito Santo; nasceu da virgem Maria;
padeceu sob o poder de Pôncio Pilatos, foi crucificado, morto e sepultado; ressurgiu dos mortos ao
terceiro dia; subiu ao Céu; está sentado à direita de Deus Pai Todo-poderoso, donde há de vir para
julgar os vivos e os mortos. Creio no Espírito Santo; na Santa Igreja Universal; na comunhão dos
santos; na remissão dos pecados; na ressurreição do corpo; na vida eterna. Amém.5

O Credo Apostólico, assim como os Dez Mandamentos e a Oração Dominical,


foi anexado, pela Assembléia de Westminster, ao Catecismo. “Não como se
houvesse sido composto pelos apóstolos, ou porque deva ser considerado
Escritura canônica, mas por ser um breve resumo da fé cristã, por estar de acordo
com a palavra de Deus, e por ser aceito desde a antigüidade pelas igrejas de
Cristo.”6
O Credo Niceno

O Credo Niceno deriva-se do credo de Nicéia '(composto pelo Concilio de


Nicéia (325 AD), com pequenas modificações efetuadas pelo Concilio de
Calcedônia (451 AD) e pelo Concilio de Toledo (Espanha, 589 AD). Este credo
expressa mais precisamente a doutri-

na da Trindade, contra o arianismo.7 Eis o texto do Credo de Nicéia, conforme


aceito por católicos e protestantes:
Creio em um Deus, Pai Todo-poderoso, Criador do céu e da terra, e de todas as coisas visíveis e
invisíveis; e em um Senhor Jesus Cristo, o unigênito Filho de Deus, gerado pelo Pai antes de todos os
séculos, Deus de Deus, Luz da Luz, verdadeiro Deus de verdadeiro Deus, gerado nâo feito, de uma só
substância com o Pai; pelo qual todas as coisas foram feitas; o qual por nós homens e por nossa
salvação, desceu dos céus, foi feito carne pelo Espírito Santo da Virgem Maria, e foi feito homem; e
foi crucificado por nós sob o poder de Pôncio Pilatos. Ele padeceu e foi sepultado; e no terceiro
dia ressuscitou conforme as Escrituras; e subiu ao céu e assentou-se à direita do Pai, e de novo há de
vir com glória para julgar os vivos e os mortos, e seu reino nâo terá fim. E no Espírito Santo, Senhor e
Vivificador, que procede do Pai e do Filho8, que com o Pai e o Filho conjuntamente é adorado
e glorificado, que falou através dos profetas. Creio na Igreja una, universal e apostólica, reconheço
um só batismo para remissão dos pecados; e aguardo a ressurreição dos mortos e da vida do mundo
vindouro.9

O Credo de Atanásio

O Credo de Atanásio é outro credo antigo importante, subscrito pelos três


principais ramos da Igreja Cristã. É geralmente atribuído a Atanásio, Bispo de
Alexandria (século IV); mas estudiosos do assunto conferem a ele data posterior
(século V), sendo que sua forma final teria sido alcançada apenas no século VIII.
O texto grego mais antigo deste credo provém de um sermão de Cesário, no
início do século VI.

Este credo é um tanto longo (com 40 artigos), mas convém ser transcrito aqui,
por ser considerado “um majestoso e único monumento da fé imutável de toda a
igreja quanto aos grandes mistérios da

divindade, da Trindade de pessoas em um só Deus e da dualidade de naturezas


de um único Cristo.”10

1. Todo aquele que quiser ser salvo, é necessário acima de tudo, que sustente a fé universal.11 2. A
qual, a menos que cada um preserve perfeita e inviolável, certamente perecerá para sempre. 3. Mas a
fé universal é esta, que adoremos um único Deus em Trindade, e a Trindade em unidade. 4. Não
confundindo as pessoas, nem dividindo a substância. 5. Porque a pessoa do Pai é uma, a do Filho é
outra, e a do Espírito Santo outra. 6. Mas no Pai, no Filho e no Espírito Santo há uma mesma
divindade, igual em glória e co-eterna majestade. 7. O que o Pai é, o mesmo é o Filho, e o
Espírito Santo. 8. O Pai é não criado, o Filho é não criado, o Espírito Santo é não criado. 9. O Pai é
ilimitado, o Filho é ilimitado, o Espirito Santo é ilimitado. 10. O Pai é eterno, o Filho é eterno, o
Espírito Santo é eterno. 11. Contudo, não há três eternos, mas um eterno. 12. Portanto não há três
(seres) não criados, nem três ilimitados, mas um não criado e um ilimitado. 13. Do mesmo modo, o
Pai é onipotente, o Filho é onipotente, o Espirito Santo é onipotente. 14. Contudo, não há três
onipotentes, mas um só onipotente. 15. Assim, o Pai é Deus, o Filho é Deus, o Espírito Santo é Deus.
16. Contudo, não há três Deuses, mas um só Deus. 17. Portanto o Pai é Senhor, o Filho é Senhor, e o
Espírito Santo é Senhor. 18. Contudo, não há três Senhores, mas um só Senhor. 19. Porque, assim
como compelidos pela verdade cristã a confessar cada pessoa separadamente como Deus e Senhor;
assim também somos proibidos pela religião universal de dizer que há três Deuses ou Senhores. 20. O
Pai não foi feito de ninguém, nem criado, nem gerado. 21. O Filho procede do Pai somente, nem feito,
nem criado, mas gerado. 22. O Espirito Santo procede do Pai e do Filho, não feito, nem criado, nem
gerado, mas procedente. 23. Portanto, há um só Pai, não três Pais, um Filho, não três Filhos, um
Espírito Santo, não três Espíritos Santos. 24. E nessa Trindade nenhum é primeiro ou último,
nenhum é maior ou menor. 25. Mas todas as três pessoas co-eternas são co-iguais entre si; de modo
que em tudo o que foi dito acima, tanto a unidade em trindade, como a trindade em unidade deve ser
cultuada. 26. Logo, todo aquele que quiser ser salvo deve pensar desse modo com relação à Trindade.
27. Mas também é necessário para a salvação eterna, que se creia fielmente na encarnação do nosso
Senhor Jesus Cristo. 28. É, portanto, fé verdadeira, que creiamos e confessemos que nosso Senhor e
Salvador Jesus Cristo é tanto Deus como homem. 29. Ele é Deus eternamente gerado da substância do
Pai; homem nascido no tempo da substância da sua mãe. 30. Perfeito Deus, perfeito homem,
subsistindo de uma alma racional e carne humana. 31. Igual ao Pai com relação

à sua divindade, menor do que o Pai com relação à sua humanidade. 32. O qual, embora seja Deus e
homem, não é dois mas um só Cristo. 33. Mas um, não pela conversão da sua divindade em carne,
mas por sua divindade haver assumido sua humanidade. 34. Um, não, de modo algum, pela confusão
de substância, mas pela unidade de pessoa. 35. Pois assim como uma alma racional e carne
constituem um só homem, assim Deus e homem constituem um só Cristo. 36. O qual sofreu por nossa
salvação, desceu ao Hades, ressuscitou dos mortos ao terceiro dia. 37. Ascendeu ao céu, sentou à
direita de Deus Pai onipotente, de onde virá para julgar os vivos e os mortos. 38. Em cuja vinda, todo
homem ressuscitará com seus corpos, e prestarão conta de sua obras. 39. E aqueles que houverem
feito o bem irão para a vida eterna; aqueles que houverem feito o mal, para o fogo eterno. 40. Esta é a
fé Universal, a qual a não ser que um homem creia firmemente nela, não pode ser salvo.12

CONFISSÕES E CATECISMOS LUTERANOS

Catecismos de Lutero

São dois os catecismos luteranos. O Catecismos Maior, escrito em 1528 é


dividido em três partes, e contém uma exposição dos Dez Mandamentos, do
Credo Apostólico e ensinos sobre os sacramentos. Foi escrito para uso de
pregadores e mestres. O Catecismo Breve, escrito em 1529 trata dos mesmos
assuntos (incluindo a oração do Pai Nosso), sendo que de forma resumida, com
vistas à instrução de crianças, adolescentes e pessoas simples.
Confissão de Augsburgo

A Confissão de Augsburgo foi preparada por Lutero e Melan-chthon e


apresentada na dieta de Augsburgo em 1530. É a mais antiga confissão de fé
protestante e a única aceita por todas as igrejas luteranas. Ela tem 28 artigos,
divididos em duas partes: os vinte e um primeiros são positivos, resumindo as
doutrinas luteranas; os sete últimos são negativos, condenando os principais
erros do papado, relacionados à ceia, à confissão e absolvição de pecados, ao
celibato, governo hierárquico, etc.

Fórmula da Concórdia

A Fórmula da Concórdia foi preparada em 1577 pelos principais teólogos


luteranos da época13 com o propósito de harmonizar as posições teológicas
divergentes quanto à natureza da presença de Cristo na ceia do Senhor. O
documento foi aceito por 35 cidades e subscrito por cerca de oito mil pastores
luteranos. Seus doze artigos tratam do pecado original, da escravidão da vontade,
da justificação, das boas obras, da distinção entre a lei e o evangelho, da
necessidade da pregação da lei, da ceia do Senhor, da pessoa de Cristo, da
descida de Cristo ao Hades, das adiáforas,14 da predestinação, e de várias
heresias.15

SÍMBOLOS DE FÉ CALVINIST AS OU REFORMADOS

Os principais símbolos de fé das igrejas calvinistas ou reformadas, abrangendo a


Igreja Reformada do continente europeu, Igreja Anglicana e Igreja Presbiteriana,
são o Catecismo e a Confissão de Fé de Genebra, a Confissão de Fé Gaulesa ou
Francesa, a Confissão de Fé Escocesa, a Confissão Belga ou dos Países Baixos,
a Segunda Confissão Helvética, o Catecismo de Heidelberg, os Trinta e
Nove Artigos da Igreja da Inglaterra, os Cânones do Sínodo de Dort, e
a Confissão de Fé e os Catecismos de Westminster.

Catecismo e Confissão de Fé de Genebra

Durante o primeiro período de Calvino em Genebra, ele preparou um catecismo


e uma confissão de fé, visando o aperfeiçoamento da doutrina e prática da fé
reformada na cidade. Publicados em 1537, em francês, com o título Instrução e
Confissão de Fé Segundo o Uso da Igreja de Genebra, estes símbolos de fé
constituem-se na primeira exposição sistemática da fé reformada nessa língua. O
Catecismo, escrito primeiro, maior e mais importante,16 tem cinqüenta e oito se-

ções, que podem ser divididas em seis partes, tratando: 1) Do conhecimento de


Deus e de nós mesmos; 2) Da lei de Deus (incluindo os Dez Mandamentos); 3)
Da fé (incluindo o Credo Apostólico); 4) Da oração (incluindo o Pai Nosso); 5)
Dos sacramentos; e 6) Da autoridade e disciplina na igreja e na sociedade.17

O Catecismo de Calvino de 1537 é mais do que um catecismo, é um excelente


manual de instrução cristã. Mas como foi substituído em 1542 por outro em
forma de perguntas e respostas, mais prático para a época, tem sido geralmente
desconsiderado.

Confissão de Fé Gaulesa ou Francesa

A Confissão de Fé Gaulesa ou Francesa foi preparada e aprovada pelo primeiro


sínodo nacional das igrejas reformadas francesas, reunido em Paris, em 1559.
Esta confissão foi revisada e reafirmada no sétimo sínodo nacional, em La
Rochelle, em 1571, e adotada como símbolo de fé do protestantismo francês por
mais de quatro séculos. Em quarenta artigos são tratados, em geral, os mesmos
assuntos contidos na Confissão Escocesa, e está em harmonia com as demais
confissões reformadas.18

Confissão de Fé Escocesa

A primeira Confissão de Fé Escocesa foi escrita por John Knox e outros cinco
Johns'19 em apenas quatro dias. Aprovada pelo Parlamento da Escócia em 1560,
só pôde ser oficialmente adotada sete anos depois, após a deposição da rainha
Maria, a qual recusava-se a ratificar a decisão do Parlamento. Esta Confissão foi
adotada como símbolo de fé da igreja Reformada da Escócia por quase cem
anos, até ser substituída em 1647 pela Confissão de Fé e Catecismos
de Westminster.20

A Confissão de Fé Escocesa é breve e em perfeito acordo com os demais


símbolos de fé reformados. Em seus vinte e cinco capítulos, trata dos seguintes
assuntos: Deus; a criação e o homem; o pecado original; a revelação da
promessa; a continuidade e preservação da igreja; a pessoa e a obra de Cristo; a
fé e o Espírito Santo; as boas obras; a perfeição da lei e a imperfeição do
homem, a igreja; a imortalidade da alma; a autoridade das Escrituras; a
autoridade dos concí-lios; os sacramentos; o magistrado civil; o juízo final e a
ressurreição dos mortos.

Confissão Belga ou dos Países Baixos

A Confissão Belga ou dos Países Baixos foi escrita por Guido de Brès em defesa
da fé reformada de comunidades da fala francesa dos Países Baixos, em 1561,
em francês, e traduzida no ano seguinte para o holandês. Guido de Brès foi
condenado à forca e martirizado no dia 31 de maio de 1567 por sua fidelidade à
fé reformada.21 A Confissão de Fé Belga, juntamente com o Catecismo de
Heidelberg e os Cânones de Dort, constituem-se nos símbolos de fé de toda
a Igreja Reformada Holandesa e de igrejas reformadas na América, na África do
Sul, etc.22

A Confissão Belga tem 37 artigos, tratando da pessoa de Deus e da sua obra, das
Escrituras, da pessoa e obra de Cristo, da pessoa e da obra do Espírito Santo, da
criação, do homem, da queda, da eleição, da promessa, da salvação pela graça de
Deus mediante a fé em Cristo, da igreja universal, do governo e disciplina
eclesiástica, dos sacramentos como selos da promessa, da autoridade civil, e do
juízo e vida eterna.

Segunda Confissão Helvetica

A Segunda Confissão Helvética é um dos símbolos da fé reformada mais


amplamente aceitos. Foi preparada por Bullinger, sucessor de Calvino em
Genebra, em 1564, e publicada em alemão e latim em 1566, vindo a substituir a
Primeira Confissão Helvética.23 Foi adotada como confissão de fé oficial das
igrejas reformadas na Suíça e logo depois traduzida para várias línguas, e
adotada pelas igrejas reformadas escocesas (em 1566), húngaras (em 1567),
francesas (em 1571) e polonesas (em 1578).24 Trata-se de uma
confissão detalhada, com trinta capítulos.

Catecismo de Heidelberg

O Catecismo de Heidelberg foi preparado por membros do corpo docente da


Faculdade de Teologia do Collegium Sapientiae, em Heidelberg,25 a pedido do
Eleitor Frederico III, o Piedoso.26 O catecismo, com prefácio de Frederico III,
foi adotado por um sínodo em Heidelberg, em 1563, para ser usado como
manual de instrução nas escolas e servir de orientação para pregadores e
candidatos à profissão de fé. Posteriormente foi endossado pelo Sínodo de Dort e
adotado como símbolo de fé das igrejas reformadas na em diverso países. Ele é
composto de 129 perguntas divididas em três partes, de acordo com o livro de
Romanos: a miséria do homem (perguntas 1-11); a redenção do homem
(perguntas 12-85); e a gratidão do homem (perguntas 86-129).

Os Trinta e Nove Artigos da Igreja da Inglaterra

Os Trinta e.Nove Artigos da Igreja da Inglaterra foram escritos inicialmente pelo


Arcebispo Thomas Cranmer e pelo Bispo Ridley, com quarenta e dois artigos e
publicados com autorização real em 1553, com o título Quarenta e Dois Artigos
de Religião. Revisados e

reduzidos posteriormente a trinta e nove artigos, pelo Arcebispo Parker e outros


bispos, Os Trinta e Nove Artigos foram aprovados pelo Parlamento e publicados
em 1563, em latim, e em 1571, em inglês, tomando-se o símbolo de fé das
igrejas episcopais da Inglaterra, Irlanda, Escócia, colônias inglesas e América. O
comentário a seguir serve para dar uma idéia geral deste padrão doutrinário
anglicano:
Os Trinta e Nove Artigos continuam sendo uma declaração franca da Reforma do século XVI. São
protestantes ao afirmarem a autoridade final das Escrituras. Estão em harmonia com as convicções
comuns da Reforma a-respeito da justificação pela graça mediante a fé em Cristo. Pendem para
o luteranismo ao permitirem crenças e práticas que não contradizem as Escrituras. Contêm
declarações que, tal como Zwinglio em Zurique, dão ao Estado a autoridade para regulamentar a
igreja. São “católicas” no seu respeito às tradições e na sua crença de que as cerimônias religiosas
devem ser as mesmas em todos os lugares dentro de um só Estado. São suficientemente ambíguas
para criar controvérsias para teólogos mil, mas suficientemente irresistíveis para fundamentar a fé de
milhões de pessoas.27

Cânones do Sínodo de Dort

As resoluções do Sínodo de Dort, reunido no período de 16181619, na cidade de


Dort na Holanda, foram redigidas em reposta às objeções arminianas. O sínodo
de Dort28 condenou a declaração de fé conhecida como The Remonstrance (A
Representação), escrita por cerca de quarenta discípulos de Jacob Arminius, e
ratificou as doutrinas calvinistas questionadas. Os Cânones do Sínodo de Dort
foram aceitos por todas as igrejas calvinistas como expressão fiel das doutrinas
calvinistas questionadas, e tornaram-se, juntamente com o Catecismo de
Heidelberg e a Confissão Belga, em símbolos de fé da Igreja Reformada da
Holanda e das igrejas reformadas holandesas em outros países.29

Confissão de Fé e Catecismos de Westminster

Estes símbolos de fé foram preparados pela Assembléia de Westminster,


convocada pelo Parlamento da Inglaterra em 12 de junho de 1643, por cento e
vinte e um ministros (teólogos), trinta representantes do Parlamento e oito
representantes da Escócia. O propósito inicial da Assembléia era revisar Os
Trinta e Nove Artigos da Igreja da Inglaterra, e reestruturar sua forma de
governo. Mas, após quase seis anos de reunião, a Assembléia produziu, entre
outros documentos, a Confissão de Fé e os Catecismos Maior e Breve de
Westminster. Quanto à forma de governo, estavam representadas as
posições erastiana, episcopal, independente e presbiteriana. A última, mais forte
e em maior número, prevaleceu. Quanto à doutrina, houve virtual unanimidade a
favor do calvinismo e rejeição do arminianismo, do catolicismo romano e do
sectarismo. Embora não tenha obtido, por questões políticas, adoção duradoura
por parte da Igreja da Inglaterra, a Confissão e os Catecismos de Westminster
foram muito influentes, sendo adotados por igrejas presbiterianas,
congregacionais e batistas em diversos países do mundo.30

A Confissão de Fé de Westminster ficou pronta em 1646, e consta de trinta e três


capítulos, tornando-se conhecida e admirada por “sua minuciosidade, precisão,
concisão e equilíbrio.”31 O Catecismo Maior tem cento e noventa e seis
perguntas e respostas mais detalhadas. O Catecismo Menor tem cento e sete
perguntas e respostas curtas.

OUTRAS CONFISSÕES DE FÉ PROTESTANTES

Confissão Batista de 1689

Também conhecida como Confissão Londrina de 1689. Trata-se de uma


adaptação da Confissão de Fé de Westminster, para con-

formá-la às doutrinas e práticas distintivamente batistas. Esta adaptação foi feita


em 1677, e endossada em 1689 por cerca de cem representantes de congregações
batistas da Inglaterra e do País de Gales. As principais adaptações consistem no
acréscimo do capítulo vinte, sobre O Evangelho e a Extensão de Sua Graça; e a
eliminação dos capítulos trinta, sobre Censuras Eclesiásticas, e trinta e um, sobre
Sí-nodos e Concílios. Eliminação, alteração ou inclusão de
parágrafos relacionados especialmente ao batismo e à forma de governo.32

Confissão Batista de New Hampshire

Publicada em 1833 pela Convenção Batista de New Hampshire, nos EUA. É


uma das confissões mais amplamente adotadas e serviu de base ou inspirou
muitas outras confissões batistas, como as de 1853,33 de 192534 e de 1986.35 As
igrejas batistas no Brasil, em geral, adotaram a Confissão de New Hampshire em
1920, e a substituíram pela Declaração Doutrinária da Convenção Batista
Brasileira, elaborada por um grupo de trabalho da 67B Assembléia da
Convenção Batista Brasileira, em 1985.

A Confissão de Nova Hampshire tem apenas dezesseis artigos, nos quais, ensina
doutrinas reformadas calvinistas, mas também doutrinas e concepções
distintamente batistas. Ela, por exemplo, define “a igreja visível de Cristo” como
“uma congregação de crentes batizados, unidos por uma aliança,” afirma que os
“únicos ofícios apropriados” são “bispos ou pastores e diáconos,” e ensina que o
batismo “é a imersão do crente em água” como “um belo e solene emblema” da
“fé num Salvador crucificado, sepultado e ressurreto.”36

A PRIMEIRA CONFISSÃO DE FÉ DO NOVO MUNDO

No dia 7 de março de 1557 chegou a Guanabara um grupo de huguenotes


(calvinistas franceses) com o propósito de ajudar a estabelecer um refúgio para
os calvinistas perseguidos na França. Perseguidos também na Guanabara em
virtude de sua fé reformada, alguns conseguiram escapar; outros, foram
condenados à morte por Ville-gaignon, foram enforcados e seus corpos atirados
de um despenhadei-ro, em 1558. Antes de morrer, entretanto, foram obrigados a
professar por escrito sua fé, no prazo de doze horas, respondendo uma série
de perguntas que lhes foram entregues. Eles assim o fizeram, e escreveram a
primeira confissão de fé na América (ver Apêndice 2), sabendo que com ela
estavam assinando a própria sentença de morte.37

APÊNDICE 2

1
Tanto a Igreja Católica Romana (ocidental), como a Igreja Ortodoxa Grega (oriental), como as igrejas
Protestantes.
2
Alguns chegaram a sugerir que cada apóstolo teria contribuído com um artigo.

3
Schaff, Creeds of Christendom, vol.l, 20 (citado por A. A. Hodge, Outlines of Theology,

4
1511
0 primeiro desses credos provém, provavelmente, da primeira metade do segundo século. O segundo,
conhecido como Credo Romano Antigo, provém da segunda metade do segundo século (O. G. Oliver Jr.,
Credo dos Apóstolos, 362-363).

1611 Eis o texto grego do Credo Apostólico (Do Psalterium Aethelstani. Citado por Frans Ceo-nard
Schalkwijk, Coinê — Pequena Gramática do Grego Neotestamentário, 109):

nujTEÚw eis 0eòv TTarépa navroicpáTopa (irouvri|v oupavot) Kai yrjs).

Kai eis XpioTÒv ’Ipaoüv, TLòv aúrou tòv govoyevfj, tòv Kúpiov i\\tStv, tòv yewT|0évTa ék nveúparos
'Ayíou Kai Mapías TÍ)s trapOévou, tòv éttí novTÍot) ritXáTou CTTaupuiOévTa Kai Ta<(>ÉVTa,

Tfl TpÍTp f||iép<J ávaaTávra ÉK VEKpWV, ávapávTa eis toòs oúpavoús.

Kai eis TTveOpa "Ayiov, áyíav (Ka0oXiKf|f) ÉKKXr|CTÍav, â<t>eaiv ápapTuiu, aapKÓs dváaTaoiv,

5
aiiúviov.) ’Aprjv.

6
161 Citado por A. A. Hodge, Outlines of Theology, 115.

7
Doutrina de Ario (primeira metade do século IV), segundo a qual Cristo não é eterno, mas o primeiro e mais
perfeito ser criado.

8
161 Esta frase (tradução do termo latino fãioque) foi adicionada pelo Concilio de Toledo (da igreja
ocidental).

9
Traduzido de Schaíf, Creeds of Christendom, 25-29 (citado por A. A. Hodge, Outlines of Theology, 116-
117) e Epifânio, Ancoratus c. 374 AD, 118 (citado por Henry Bettenson, Documentos da Igreja Cristã, 56).

10
A. A. Hodge, The Confession of Faith, 7.

11
O termo universal traduz a palavra católica, a qual também poderia ser traduzida por ge-

12
Traduzido a partir do inglês de A. A. Hodge, Outlines of Theology, 117-118.

13
Jacob Andreae, Martinho Chemnitz, David Chytraeus e Nikolaus Selnecker.

14
Coisas secundárias (circunstanciais).

15
R. D. Preus, Fórmula da Concórdia, 321.

16
A confissão preparada em seguida ao catecismo è apenas um resumo ou extrato deste (A. H. Freundt Jr,
Catecismo de Genebra, 247).

17
O exemplar do Catecismo de Calvino de 1537 consultado foi publicado em espanhol pela Fundación
Editorial de Literatura Reformada, em 1966, com o título Breve Instruction Cristicma.

18
m N. V. Hope, Confissão Gaulesa, 332. ’

19
John Spottiswood, John Wiltock, John Row, John Douglas e John Winram.
20
R. Ryle, Confissão Escocesa, 330-331.

21
As palavras de Guido de Brès, na manhã do seu martírio, merecem ser transcritas: “Fui condenado à
morte hoje, por causa da doutrina do Filho de Deus. Louvado seja por isso o nome do Senhor! Estou muito
feliz. Nunca pensei que Deus me daria esta honra. Noto que meu rosto se transforma pela graça que Deus
faz aumentar mais e mais em mim. Sou robustecido a cada momento que passa; e mais, meu coração salta
de alegria” (Introdução de Creemos y Confesamos; Confesión de Fe de los Países Bajos, 22).

22
Cf. J. Van Engen, Confissão Belga, 330.

23
Preparada por Bullinger e outros teólogos calvinistas (Oswald Myconius, Simon Grynaeus e Leo Jud)
em 1536, adotada apenas pelas cidade de Basiléia e MUhlhausen.

24
177 R. V. Schnucker, Confissões de Fé Helvéticas, 341.

25
1811 Especialmente por Caspar Olevianus e Zacarias Ursino.

26
Príncipe do Paiatinado, um estado da Alemanha anliga.

27
M. A. Noll, Os Trinta e Nove Artigos, 578-579.

28
Composto por pastores, presbíteros e professores de teologia das igrejas reformadas da Holanda e de
representantes de outros países como Inglaterra, Escócia, Alemanha e Suíça.

29
IM Uma exposição mais detalhada das doutrinas calvinistas ratificadas pelo Sínodo de Dort pode ser
encontrada em Paulo Anglada, Calvinismo: As Antigas Doutrinas da Graça.

30
Mais informações sobre a constituição da Assembléia de Westminster e sobre a preparação da Confissão de
Fé de Westminster e sua adoção pode ser encontrado em A. A. Hodge, The Confession of Faith, 14-24;
Keun-Doo Jung, A Study of the Authority of Scripture with reference to the Westminster Confession of Faith,
15-26; e Guilherme Kerr, A Assembléia de Westminster.

31
1,6 J. M. Frame, Confissão de Fé de Westminster, 331.

32
Esta confissão foi recentemente publicada (em 1991) pela Editora Fiel com o título Fé Para Hoje;
Confissão de Fé Batista de 1689.

33
Com poucas alterações, edilada pela American Baptist Publication Society.

34
A Declaração da Mensagem de Fé Batista, da Convensão Batista do Sul dos Estados

Unidos.

35
|,)0 Também da Convenção Balista do Sul dos Estados Unidos.

36
1,1 M. A. Noll, Confissão de Nova Hampshire, 333.

37
O relalo da hislória dos mártires huguenotes no Brasil, bem como a Confissão de Fé qin. escreveram,
encontra-se no livro A Tragédia da Guanabara: Hislória dos Protomartyres do Chrisha nismo no Brasil,
traduzido por Domingos Ribeiro; de um capítulo intilulado On the Church of th, Believers in the Country of
Brazil, part of Austral America: Its Affliction and Dispersion, do livro Je Jean Crespin: T Histoire des
Martyres, originalmente publicado em 1564. Este livro, por sua vez, <. uma tradução de um pequeno livro:
Histoire des choses mémorables survenues en le terre de Brésil, partie de l' Amérique auslrale, sous le
governement de N. de Villegaignon, depuis T an 1558, publicado em 1561, cuja autoria é atribuída a Jean
Lery, um dos huguenoles que vieram para o Brasil em 1557, o qual também publicou outro livro sobre sua
viagem ao Brasil: Histoire d’an voyage fait en la terre du Brésil.
A CONFISSÃO DA GUANABARA1
“Segundo a doutrina de S. Pedro Apóstolo, em sua primeira epístola, todos os
cristãos devem estar sempre prontos para dar razão da esperança que neles há, e
isso com toda a doçura e benignidade, nós abaixo assinados, Senhor de
Villegaignon, unanimemente (segundo a medida de graça que o Senhor nos tem
concedido) damos razão, a cada ponto, como nos haveis apontado e ordenado, e
começando no primeiro artigo:

I. Cremos em um só Deus, imortal, invisível, criador do céu e da terra, e de todas


as coisas, tanto visíveis como invisíveis, o qual é distinto em três pessoas: o Pai,
o Filho e o Santo Espírito, que não constituem senão uma mesma substância em
essência eterna e uma mesma vontade; o Pai, fonte e começo de todo o bem; o
Filho, eternamente gerado do Pai, o qual, cumprida a plenitude do tempo,
se manifestou em carne ao mundo, sendo concebido do Santo Espírito, nasceu da
virgem Maria, feito sob a lei para resgatar os que sob ela estavam, a fim de que
recebêssemos a adoção de próprios filhos; o Santo Espírito, procedente do Pai e
do Filho, mestre de toda a verdade, falando pela boca dos profetas, sugerindo as
coisas que foram ditas 'por nosso Senhor Jesus Cristo aos apóstolos. Este é o
único Consolador em aflição, dando constância e perseverança em todo bem.

Cremos que é mister somente adorar e perfeitamente amar, rogar e invocar a


majestade de Deus em fé ou particularmente.

II. Adorando nosso Senhor Jesus Cristo, não separamos uma natureza da outra;
confessando as duas naturezas, a saber, divina e humana nele inseparáveis.

III. Cremos, quanto ao Filho de Deus e ao Santo Espírito, o que a Palavra de


Deus e a doutrina apostólica, e o símbolo,2 nos ensinam.

IV. Cremos que nosso Senhor Jesus Cristo virá julgar os vivos e os mortos, em
forma visível e humana como subiu ao céu, executando tal juízo na forma em
que nos predisse no capítulo vinte e cinco de Mateus, tendo todo o poder de
julgar, a Ele dado pelo Pai, sendo homem.

E, quanto ao que dizemos em nossas orações, que o Pai aparecerá enfim na


pessoa do Filho, entendemos por isso que o poder do Pai, dado ao Filho, será
manifestado no dito juízo, não todavia que queiramos confundir as pessoas,
sabendo que elas são realmente distintas uma da outra.

V. Cremos que no santíssimo sacramento da ceia, com as figuras corporais do


pão e do vinho, as almas fiéis são realmente e de fato alimentadas com a própria
substância do nosso Senhor Jesus, como nossos corpos são alimentados de
alimentos, e assim não entendemos dizer que o pão e o vinho sejam
transformados ou transubstanciados no seu corpo, porque o pão continua em sua
natureza e substância, semelhantemente ao vinho, e não há mudança ou
alteração.

Distinguimos todavia este pão e vinho do outro pão que é dedicado ao uso
comum, sendo que este nos é um sinal sacramental, sob o qual a verdade é
infalivelmente recebida. Ora, esta recepção não se faz senão por meio da fé e
nela não convém imaginar nada de carnal, nem preparar os dentes para comer,
como santo Agostinho nos ensina, dizendo: “Porque preparas tu os dentes e o
ventre? Crê, e tu o comeste.”

O sinal, pois, nem nos dá a verdade, nem a coisa significada; mas Nosso Senhor
Jesus Cristo, por seu poder, virtude e bondade, alimenta e preserva nossas almas,
e as faz participantes da sua carne, e de seu sangue, e de todos os seus
benefícios.

Vejamos a interpretação das palavras de Jesus Cristo: “Este pão é meu corpo.”
Tertuliano, no livro quarto contra Marcião, explica estas palavras assim: “este é
o sinal e a figura do meu corpo.”

S. Agostinho diz: “O Senhor não evitou dizer: •— Este é o meu corpo, quando
dava apenas o sinal de seu corpo,”

Portanto (como é ordenado no primeiro cânon do Concilio de Nicéia), neste


santo sacramento não devemos imaginar nada de carnal e nem nos distrair no
pão e no vinho, que nos são neles propostos por sinais, mas levantar nossos
espíritos ao céu para contemplar pela fé o Filho de Deus, nosso Senhor Jesus,
sentado à destra de Deus, seu Pai.

Neste sentido podíamos jurar o artigo da Ascensão, com muitas outras sentenças
de Santo Agostinho, que omitimos, temendo ser longas.

VI. Cremos que, se fosse necessário pôr água no vinho, os evangelistas e São
Paulo não teriam omitido uma coisa de tão grande conseqüência.
E quanto ao que os doutores antigos têm observado (fundamentando-se sobre o
sangue misturado com água que saiu do lado de Jesus Cristo, desde que tal
observância não tem fundamento na Palavra de Deus, visto mesmo que depois
da instituição da Santa Ceia isso aconteceu), nós não podemos hoje admitir
necessariamente.

VII. Cremos que não há outra consagração senão a que se faz pelo ministro,
quando se celebra a ceia, recitando o ministro ao povo, em linguagem
conhecida, a instituição desta ceia literalmente, segundo a forma que nosso
Senhor Jesus Cristo nos prescreveu, admoestando o povo quanto à morte e
paixão do nosso Senhor. E mesmo, como diz santo Agostinho, a consagração é a
palavra de fé que é pregada e recebida em fé. Pelo que, segue-se que as palavras
secretamente pronunciadas sobre os sinais não podem ser a consagração como
aparece da instituição que nosso Senhor Jesus Cristo deixou

aos seus apóstolos, dirigindo suas palavras aos seus discípulos presentes, aos
quais ordenou tomar e comer.

VIII. O santo sacramento da ceia não é alimento para o corpo como para as
almas (porque nós não imaginamos nada de carnal, como declaramos no artigo
quinto) recebendo-o por fé, a qual não é carnal.

IX. Cremos que o batismo é sacramento de penitência, e como uma entrada na


igreja de Deus, para sermos incorporados em Jesus Cristo. Representa-nos a
remissão de nossos pecados passados e futuros, a qual é adquirida plenamente,
só pela morte de nosso Senhor Jesus.

De mais, a mortificação de nossa carne aí nos é representada, e a lavagem,


representada pela água lançada sobre a criança, é sinal e selo do sangue de nosso
Senhor Jesus, que é a verdadeira purificação de nossas almas. A sua instituição
nos é ensinada na Palavra de Deus, a qual os santos apóstolos observaram,
usando de água em nome do Pai, do Filho e do Santo Espírito. Quanto aos
exorcismos, abjurações de Satanás, crisma, saliva e sal, nós os registramos como
tradições dos homens, contentando-nos só com a forma e instituição deixada por
nosso Senhor Jesus.

X. Quanto ao livre arbítrio, cremos que, se o primeiro homem, criado à imagem


de Deus, teve liberdade e vontade, tanto para bem como para mal, só ele
conheceu o que era livre arbítrio, estando em sua integridade. Ora, ele nem
apenas guardou este dom de Deus, assim como dele foi privado por seu pecado,
e todos os que descendem dele, de sorte que nenhum da semente de Adão tem
uma centelha do bem.

Por esta causa, diz São Paulo, o homem natural não entende as coisas que são de
Deus. E Oséias clama aos filho de Israel: “Tua perdição é de ti, ó Israel.” Ora
isto entendemos do homem que não é regenerado pelo Santo Espírito.

Quanto ao homem cristão, batizado no sangue de Jesus Cristo, o qual caminha


em novidade de vida, nosso Senhor Jesus Cristo res-titui nele o livre arbítrio, e
reforma a vontade para todas as boas

obras, não todavia em perfeição, porque a execução de boa vontade não está em
seu poder, mas vem de Deus, como amplamente este santo apóstolo declara, no
sétimo capítulo aos Romanos, dizendo: “Tenho o querer, mas em mim não acho
o realizar.”

O homem predestinado para a vida eterna, embora peque por fragilidade


humana, todavia não pode cair em impenitência.

A este propósito, S. João diz que ele não peca, porque a eleição permanece nele.

XI. Cremos que pertence só à Palavra de Deus perdoar os pecados, da qual,


como diz santo Ambrósio, o homem é apenas o ministro; portanto, se ele
condena ou absolve, não é ele, mas a Palavra de Deus que ele anuncia.

Santo Agostinho, neste lugar diz que não é pelo mérito dos homens que os
pecados são perdoados, mas pela virtude do Santo Espírito. Porque o Senhor
dissera aos seus apóstolos: “recebei o Santo Espírito;” depois acrescenta: “Se
perdoardes a alguém os seus pecados,” etc.

Cipriano diz que o servo não pode perdoar a ofensa contra o Senhor.

XII. Quanto à imposição das mãos, essa serviu em seu tempo, e não há
necessidade de conservá-la agora, porque pela imposição das mãos não se pode
dar o Santo Espírito, porquanto isto só a Deus pertence.

No tocante à ordem eclesiástica, cremos no que S. Paulo dela escreveu na


primeira epístola a Timóteo, e em outros lugares.
XIII. A separação entre o homem e a mulher legitimamente unidos por
casamento não se pode fazer senão por causa de adultério, como nosso Senhor
ensina (Mateus 19:5). E não somente se pode fazer a separação por essa causa,
mas também, bem examinada a causa perante o magistrado, a parte não culpada,
se não podendo conter-se, deve casar-se, como São Ambrósio diz sobre o
capítulo sete da Primeira Epístola aos Coríntios. O magistrado, todavia, deve
nisso proceder com madureza de conselho.

XIV. São Paulo, ensinando que o bispo deve ser marido de uma só mulher,
não diz que não lhe seja lícito tornar a casar, mas o santo apóstolo condena a
bigamia a que os homens daqueles tempos eram muito afeitos; todavia, nisso
deixamos o julgamento aos mais versados nas Santas Escrituras, não sé
fundando a nossa fé sobre esse ponto.

XV. Não é lícito votar a Deus, senão o que ele aprova. Ora, é assim que os
votos monásticos só tendem à corrupção do verdadeiro serviço de Deus. É
também grande temeridade e presunção do homem fazer votos além da medida
de sua vocação, visto que a santa Escritura nos ensina que a continência é um
dom especial (Mateus 15 e 1 Coríntios 7). Portanto, segue-se que os que se
impõem esta necessidade, renunciando ao matrimônio toda a sua vida, não
podem ser desculpados de extrema temeridade e confiança excessiva e
insolente em si mesmos.

E por este meio tentam a Deus, visto que o dom da continência é em alguns
apenas temporal, e o que o teve por algum tempo não o terá pelo resto da vida.
Por isso, pois, os monges, padres e outros tais que se obrigam e prometem viver
em castidade, tentam contra Deus, por isso que não está neles o cumprir o que
prometem. São Cipriano, no capítulo onze, diz assim: “Se as virgens se dedicam
de boa vontade a Cristo, perseverem em castidade sem defeito; sendo assim
fortes e constantes, esperem o galardão preparado para a sua virgindade; se não
querem ou não podem perseverar nos votos, é melhor que se casem do que
serem precipitadas no fogo da lascívia por seus prazeres e delícias.” Quanto à
passagem do apóstolo S. Paulo, é verdade que as viúvas tomadas para servir à
igreja, se submetiam a não mais casar, enquanto estivessem sujeitas ao dito
cargo, não que por isso se lhes reputasse ou atribuísse alguma santidade, mas
porque não podiam bem desempenhar os deveres, sendo casadas; e, querendo
casar, renunciassem à vocação para a qual Deus as tinha chamado, contudo que
cumprissem as promessas feitas na igreja, sem violar a promessa feita no
batismo, na qual está contido este ponto: “Que cada um deve servir a Deus na
vocação em que foi chamado.” As viúvas, pois, não faziam voto de continência,
senão porque o casamento não convinha ao ofício para que se apresentavam, e
não tinha outra consideração

que cumpri-lo. Não eram tão constrangidas que não lhes fosse antes permitido
casar que se abrasar e cair em alguma infâmia ou desonestidade.

Mas, para evitar tal inconveniência, o apóstolo São Paulo, no capítulo citado,
proíbe que sejam recebidas para fazer tais votos sem que tenham a idade de
sessenta anos, que é uma idade normalmente fora da incontinência. Acrescenta
que os eleitos só devem ter sido casados uma vez, a fim de que por essa forma,
tenham já uma aprovação de continência.

XVI. Cremos que Jesus Cristo é o nosso único Mediador, intercessor e


advogado, pelo qual temos acesso ao Pai, e que, justificados no seu sangue,
seremos livres da morte, e por ele já reconciliados teremos plena vitória contra a
morte.

Quanto aos santos mortos, dizemos que desejam a nossa salvação e o


cumprimento do Reino de Deus, e que o número dos eleitos se complete;
todavia, não nos devemos dirigir a eles como intercesso-res para obterem alguma
coisa, porque desobedeceríamos o mandamento de Deus. Quanto a nós, ainda
vivos, enquanto estamos unidos como membros de um corpo, devemos orar uns
pelos outros, como nos ensinam muitas passagens das Santas Escrituras.

XVII. Quanto aos mortos, São Paulo, na Primeira Epístola


aos Tessalonicenses, no capítulo quatro, nos proíbe entristecer-nos por eles,
porque isto convém aos pagãos, que não têm esperança alguma de ressuscitar. O
apóstolo não manda e nem ensina orar por eles, o que não teria esquecido se
fosse conveniente. S. Agostinho, sobre o Salmo 48, diz que os espíritos dos
mortos recebem conforme o que tiverem feito durante a vida; que se nada
fizeram, estando vivos, nada recebem, estando mortos.

Esta é a resposta que damos aos artigo por vós enviados, segundo a medida e
porção da fé, que Deus nos deu, suplicando que lhe praza fazer que em nós não
seja morta, antes produza frutos dignos de seus filhos, e assim, fazendo-nos
crescer e perseverar nela, lhe rendamos graças e louvores para sempre. Assim
seja.
Jean du Bourdel, Matthieu Verneuil, Pierre Bourdon, André la Fon.”
1
19:1 O texto foi transcrito de Jean Crespin, A Tragédia da Guanabara; História dos Prolomar-tyres do
Christianismo no Brasil, 65-71. O português antigo de Domingos Ribeiro (o tradutor) foi atualizado.

Observação: Segundo informação do revisor (Presb. Solano Portela), este documento está sob pesquisa e
exame do Rev. Fôlton Nogueira da Silva, diretor do Seminário Presbiteriano José Manoel da Conceição, em
tese ainda não publicada.

2
m O Credo Apostólico.
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A um mundo que está sem padrão, e à


própria igreja evangélica, que está voltando a
enterrar o seu padrão em meio a um entulho
místico pseudo-espiritual - a mensagem da
Reforma, sobre a suficiência e integridade das
Escrituras, continua necessária. Esse livro
traz o brado de Sola Scriptura, com veemência e clareza, como antídoto ao
veneno contemporâneo do subjetivismo e existencialismo do homem sem Deus, que teima em se
infiltrar nos ensinamentos da Igreja Cristã. A própria Confissão de Fé de Westminster em seu
Capítulo Io, refletindo os ensinamentos da Reforma do Século XVI, descreve a Bíblia como sendo a
"... única regra infalível de fé e de prática”. Essa é a mensagem deste livro e aquela que precisa ser
pregada, com ousadia, à igreja contemporânea.

Paulo Anglada, Ministro Presbiteriano em Belém, PA. Mestrado em Novo Testamento pela
Potschefstroom University for Christian Higher Education, na Africa do Sul. Professor de Grego do
Seminário Batista de Belém, PA. Estudioso de Manuscritologia Bíblica.

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