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O homem sem cavalo

Luiz Carlos Garrocho · Belo Horizonte, MG

13/3/2007 · 53 · 2

Iluminações avulsas são presentes do instante. São acontecimentos e não fatos. Frestas que se
abrem no repente.

Não são coisas que se procuram, mas que se acham.

Trago aqui o olhar de um menino deparando-se com um olhar nômade. Encontro de gigantes,
acredite. Isso é um acontecimento. Se quiser, a fabricação de um mundo.

Nesse dia, andava com meu filho Arthur, então com 05 anos de idade. No trajeto, um homem
de bigodes negros, com um chapéu branco, botas de plástico também brancas e um saco às
costas, vasculhava objetos entre os detritos da manhã de sábado.

Aquele homem não parecia um mendigo, não parecia nada com o que estamos acostumados
numa grande cidade como Belo Horizonte. A não ser nisso: procurar, entre as coisas que os
outros jogam fora, algo que sirva. Arthur me puxa e diz:

- Olha, o vaqueiro!

Parei por um instante, fazendo logo uma interpretação: a ligação do menino com a roça, onde
brinca nas férias. Pronto! Nada pecisa acontecer, pois o hábito nos salva de qualquer
incômodo latente, impedindo o novo de vir à tona.

Voltamos a andar.

O homem logo nos alcançou, num trajeto paralelo ao nosso. Por um tempo que dura,
caminhamos lado a lado em silêncio: Arthur de mão dada comigo, o homem de chapéu que
parecia com o de um vaqueiro. Era um corte abrindo um veio naquela manhã, fazendo fluir as
sensações de nosso percurso, em meio à margem da calçada e o tráfego dos carros. Agora
éramos três a caminhar.

E num repente, não sem quase soltar da minha mão, Arthur dirige-se ao caminhante que fazia
a estranheza avizinhar-se de nosso percurso:
- Moço, cadê o seu cavalo?

O homem parou e olhou para nós. Depois fitou o menino num tempo de muitas estações.
Concebi que ele diria qualquer dessas coisas que dizemos às crianças imaginativas: “ora, o meu
cavalo...” Mas não foi isso. Sua resposta foi uma pergunta:

- O meu cavalo?

Novo silêncio. E ficamos os três parados. E ele olhava para o menino com os olhos cheios de
um brilho molhado. E não é que ali estava um homem sem cavalo? Não me peça para explicar
isso.

O homem, então, toma outra direção e a manhã de sábado retoma seus hábitos.

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