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CICLO INTEGRADO DE Cinema, DEBATES E COLÓQUIOS NA FEUC

DOC TAGV / FEUC


Integração Mundial, Desintegração Nacional:
a crise nos mercados de trabalho

O MÉTODO
um filme de Marcelo Piñeyro
2005
CICLO INTEGRADO DE Cinema, DEBATES E COLÓQUIOS NA FEUC
DOC TAGV / FEUC
Integração Mundial, Desintegração Nacional:
a crise nos mercados de trabalho

http://www4.fe.uc.pt/ciclo_int/2007_2008.htm

Globalização e concorrência no mercado de trabalho:


o domínio do intolerárel

Conferência de:
Adriano vaz serra

O método (2005)
um Filme de Marcelo Piñeyro

debate com:
Adriano Vaz serra (FMUC)
Adelino fortunato (Feuc)
Lina coelho (feuc)

Teatro Académico de Gil Vicente


21 de fevereiro de 2008
Parte I.

Sinopse 05
Ficha Artítica 06
Ficha Técnica 06
Entrevista com Marcelo Piñeyro 07

Parte II.
O Método e o mundo

Simples e fluido, O Que Você Faria?, de Marcelo Piñeyro,


é acessível, mas também crítico! 11
O discurso do método 13
Se é necessário que seja um lobo, então sê-lo-ei 15
Maquiavel em acção 18
© El Método, 2005.
Parte I.

Sinopse

Sete pessoas para um só lugar. Cinco homens e duas mulheres apresentam-se


para uma série de testes numa multinacional, num dia de greve geral.

Vestidos a rigor e de fatos sombrios: a evocação duma antiga ligação entre


dois concorrentes não chega sequer para cortar o ambiente glacial duma sala de
reuniões em que todos vão estar numa paranóia geral orquestrada por um sistema
informatizado dos recursos humanos, o método Gronholm.

Depois de se terem apresentado uns aos outros, com uma certa desconfiança,
todos se começam a interrogar se estão ou não a ser observados por câmaras de filmar
e se não esta infiltrado no grupo um psicólogo para os examinar, para os eliminar.

Neste ambiente claustrofóbico de uma competitividade exacerbada, sem nenhum


escrúpulo, as alianças vão nascer, as disputas vão aparecer; os segredos e o passado de
cada um será visto ao crivo: o que é que vale o indivíduo face ao horror económico?

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Ficha Artística

Carlos Eduardo Noriega


Nieves Najwa Nimri
Fernando Eduard Fernández
Ricardo Pablo Echarri
Enrique Ernesto Alterio
Julio Carmelo Gómez
Ana Adriana Ozores
Montse Natalia Verbeke

Ficha Técnica

Realizador Marcelo Piñeyro


Produtor Francisco Ramos
Cenografia Mateo Gil, Marcelo Piñeyro
Baseado na peça "The Gronholm method" de Jordi Galcerán
Director de Fotografia Alfredo F. Mayo
Produtor Executivo Ricardo García Arrojo
Director Artístico Verónica Toledo
Montagem Teresa Font
Directora de Produção Alicia Telleria

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Entrevista com Marcelo Piñeyro

Entrevista feita por François Vila,


e gentilmente cedida pela distribuidora do filme em França,
CTV Internacional.

P. Como é que descobriu esta peça?

R. Descobri a peça de teatro de Jordi Galceran, El Método Grönholm


[2003], graças aos meus produtores do filme Kamchatka [2002] que tinha
acabado de fazer. O tema interessou-me imediatamente, com a condição de
poder introduzir algumas alterações, mesmo apesar de eu ter achado a peça
magnífica. Eu não queria fazer uma simples transposição cinematográfica da peça
de teatro. Existem muito poucos textos que consigam tratar tais metáforas sobre
o que está a acontecer na nossa sociedade, em que se conjuga o espaço, o tempo
e a acção. A partir daqui, penso eu, explicam-se numerosos comportamentos da
sociedade contemporânea. (…)

P. Quais são as similitudes ou as diferenças do filme relativamente à peça?

R. Muitas. A diferença aparece com novos personagens e novos métodos de


selecção. Por outro lado, o ambiente glacial e o tom de comédia é semelhante.

P. Porquê trabalhar com Mateo Gil, argumentista de Alexandro Amenabar?

R. Conheci Mateo Gil graças a Eduardo Noriega. Já há muito tempo que


tinha vontade de trabalhar com ele, o que também era recíproco. Além do mais,
para este filme tinha necessidade de um certo olhar espanhol. A ocasião era mesmo
muito boa e nós agarrámo-la. A nossa colaboração foi fantástica e discutimos
enormemente. Para além disso, também nenhum de nós conhecia as técnicas de
recrutamento, o que significa que para a escrita, nós documentámo-nos e fizemos
inquéritos. Levámos nove meses a concluir o guião.

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P. O Método coloca em cena a realidade de forma tão cruel. Será que esta
ultrapassa a ficção?

R. Com um conceito do tipo “tu cais, tu desapareces” esta sensação, que não
existia há duas gerações antes, ressente-se na atmosfera do filme. Eu estava interessado
na ideia do processo de selecção do pessoal porque de uma certa forma é uma metáfora
bem precisa para determinar os mecanismos que estão para além do mundo do trabalho.
Cá fora tudo se agita, os grupos anti-globalisação… como se houvesse tumultos, o
caos, as incertezas. Nesta empresa, onde se desenrola 0 Método Grönholm não se ouve
praticamente nada do exterior: tudo é perfeito, sereno, pelo menos na aparência.

P. O filme revela uma grande crueldade para desmotivar ou eleger o


candidato ideal. Não acredita que os desafios postos sejam demasiado cruéis?

R. Na minha vida profissional nunca fui confrontado com este tipo de selecção. Mas,
pelo contrário, conheci pessoas perto de mim ou não que viveram provas semelhantes.

Se eles parecem cruéis, eles são bem reais. Aliás, com Mateo Gil, decidimos
manter provas bastante inocentes a fim de que o filme se torne credível. Si tivéssemos
feito como os documentaristas, o resultado seria mesmo muito mais cruel e selvagem!

P. Qual a prova que mais vos intrigou nas vossas investigações?

R. Tomemos uma empresa que informa os seus quinze quadros que quatro
deles vão ser despedidos. Por exemplo, isto pode passar-se num fim-de-semana de
turismo de aventura, fazendo-os partilhar os mesmos quartos… São jogos que não
têm nada a ver com a função profissional ou as competências, mas que têm por
finalidade examinar os medos de cada um. Isto é selvagem.

P. Como é que escolheu os seus actores?

R. Nem mais nem menos com o fantasma e o desejo. Com Mateo, dizíamos:

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se ele aceitasse seria genial. Lembro-me quando propus à produtora os nomes dos
actores, todos eles tão prestigiados uns como os outros, ela ficou branca como o
mármore: “não vai ser possível”! Mas, uma vez que todos os actores aceitaram, nesse
momento, quem depois ficou petrificado fui eu. Um tal casting é um luxo com o
qual me senti muito privilegiado.

P. Como é que se passaram as repetições?

R. Trata-se de actores muito diferentes e todos estavam empenhados em


trabalhar em conjunto num filme “coral”. Desde as repetições que eu senti a
alquimia instalar-se. Certas cenas de trabalho de quatro horas podiam durar até ao
seu final dezasseis horas: as pessoas não se queriam ir embora.

P. Como é que foram as suas relações com Noriega?

R. Com este filme, reencontrei três actores: Eduardo Noriega e Pablo Echarri
que tinham representado os dois em Plata Quemada [2000] e Ernesto Altério que
tinha representado Tango Feroz: La Leyenda de Tanguito [1993], o meu primeiro
filme. Eduardo é um actor fantástico e estou muito orgulho da sua evolução, é um
profissional seguro com uma técnica muito apurada. Confiei-lhe um personagem
muito complexo, diferente dos outros. Era um papel muito difícil e eu adorei a sua
interpretação. Já sinto necessidade de voltar a trabalhar com ele.

P. Encontrou dificuldades durante a rodagem do filme?

R. Sejamos francos, cheguei a andar muito apreensivo. Tinha que enfrentar


oito personalidades muito diferentes que falavam à volta duma mesa. Pelo contrário,
para filmar na cronologia do filme isto foi uma enorme vantagem, do mesmo modo
que o foi ter uma equipa técnica e artística unida. No filme não tivemos nenhuma
necessidade do método de Actor’s studio muito utilizado na Argentina, porque as
personagens começam sem se conhecerem, o que importa é o “aqui e agora” que
muda sem parar. Habitualmente, trabalho sempre com um story board, mas desta vez

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isto foi impossível. De facto, tive a impressão de estar na escola a reaprender tudo o
que tinha aprendido e com uma euforia permanente. Para além disso, rodámos com
3 câmaras simultaneamente e deste ponto de vista os actores não tiveram nenhum
momento de relaxamento porque estavam sempre em tensão.

P. A história oficial, Plata Quemada e Kamchatka foram motivados por


temas políticos?

R. Não me sinto um realizador de filmes políticos. Pelo contrário, as minhas


personagens estão ancoradas no seu tempo, têm uma preocupação pelo mundo ou
pela sociedade em que vivem. Todavia, com O Método houve uma mudança. Se,
outrora, as minhas personagens por desejo ou por acaso se confrontavam com o
“establishment”, em O Método afrontam-se até à morte para exactamente fazer parte
desse mundo, do “establishment”.

P. Porque razão decidiu situar a acção no meio de uma manifestação contra


o FMI em Madrid?

R. Eu queria que transparecesse no filme um instantâneo da actualidade. Foi


essa a razão pela qual decidi que tudo se desenrolaria no mesmo dia da manifestação
contra o FMI. O filme não toma partido nem por uma parte nem pela outra. Pelo
contrário, mostra a tensão e a distância entre dois mundos que se ignoram. Eu creio
que vivemos num mundo à beira de rebentar por todos os lados. E estamos tão
distraídos que nem sequer disso nos damos conta.

P. Tem esta história uma moral?

R. Penso que não. Coloca questões e nada mais. Dizer que os maus são as
empresas multinacionais seria uma solução muito rápida. O filme faz um diagnóstico
de coisas que nos acontecem, a todos nós, pontos de partida que permitem que as
nossas próprias misérias se expandam. Para parafrasear Bergmann: “a partir daí, o
demónio está em nós próprios”.

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Parte II.
O método e o mundo

Simples e fluido, O Que Você Faria?, de Marcelo Piñeyro,


é acessível, mas também crítico!

Saymon Nascimento
Coisas de Cinema
28 Outubro de 2006Disponível em http://www.coisadecinema.com.br/
matCriticas.asp?mat=2117

Com O Método1, de Marcelo Piñeyro, os cineastas argentinos mantêm


a média de qualidade impecável nos anos 2000 – considerando-se, claro, o
que chega aos nossos cinemas desde o sucesso internacional de Nove Rainhas
[de Fabián Bielinsky]. O êxito dos filmes argentinos em circuitos alternativos
brasileiros nada tem a ver com hermetismo ou experimentação artística.
A tendência é o domínio de modelos de narração clássicos, para adaptá-los à
realidade latino-americana.

Por exemplo: Plata Quemada, Nove Rainhas e Do Outro Lado da Lei (de
Piñeyro, Fabian Bielinski e Pablo Trapero, respectivamente) são releituras do filme
policial; O Filho da Noiva e Clube Da Lua, de Juan José Campanella, usam o
melodrama para falar da falência da Argentina como nação, e da busca da segunda
oportunidade para os seus habitantes. O Método foi filmado em Espanha, e fala


1
Nota dos editores: O filme O Método passou no Brasil com o seguinte título: O Que você Faria?

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de problemas de maior amplitude, mas a fórmula é a mesma. Piñeyro atualiza o
clássico Doze Homens em Fúria, de Sidney Lumet.

Nesta longa metragem, de 1957, o destino de um réu é decidido por doze


pessoas, na sala do júri. Durante o debate, cada vez mais tenso, conflitos humanos
vêm à tona de água, e devem ser administrados somente através do diálogo. Quase
duas horas num só cenário. No novo filme de Piñeyro sete candidatos disputam um
cargo executivo duma grande empresa.

Estão todos encerrados numa sala, onde são submetidos a sucessivas provas,
muito parecidas com os jogos de um reality show. As tarefas fazem parte de um
misterioso método de selecção, chamado Grönholm, em que as regras são reveladas
pouco a pouco. Um dos concorrentes tenta explicar: “É uma dinâmica de grupo,
coisa de americanos”. Coisa de americanos mesmo: O Método é directo, simples e
fluido, dos melhores exemplos de aplicação do modelo de progressão dramática. O
manuseamento do material é perfeitamente económico; o filme depende basicamente
do elenco e dos rasgos do guião de Piñeyro e Mateo Gil, livre adaptação da peça El
Método Grönholm, de Jordi Galceran.

Isso leva-nos à seguinte questão: a habilidade narrativa do realizador está ao


serviço de quê ou de quem? Desde a cena inicial, a preparação dos candidatos, o café
da manhã, há a apresentação da televisão ligada, num canal de notícias. Durante
uma reunião do G-8 (grupo dos sete países mais ricos do mundo mais a Rússia),
milhares de pessoas vão protestar contra os rumos da globalização e do capitalismo
mundial. Isolados na sala de selecção, os candidatos seguem o rumo contrário do
dos manifestantes. Buscam a inserção no sistema.

O preço é elevado. À medida que o método Grönholm se revela, a inteligente


dinâmica de grupo dá lugar a um jogo de cortar cabeças. O critério de avaliação
desse método é simples. Moralidade, julgamentos pessoais, escrúpulos, devem ficar
do lado de fora da empresa. O filme é espanhol, mas Piñeyro continua sintonizado
no Mar de Prata. A crise argentina tão dissecada pelo cinema do país nos últimos

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anos tem origem, grosso modo, na mesma mentalidade de grandes organizações, do
actual estado do capitalismo, da globalização.

Piñeyro afasta-se do particular – a Argentina – para reflectir a um nível mais


universal sobre as mesmas questões políticas abordadas recentemente pelos seus
compatriotas. É admirável perceber como a mudança de país em nada alterou a
inteligência das ideias do cineasta, e a sua habilidade em divulgá-las em filmes com
grande poder de comunicação. Acessível ao mais desavisado espectador, O Método
perturba pelo seu pessimismo.

O discurso do método

Auriane Bel
Cinespagne.com
Disponível em http://www.cinespagne.com/
pagedvd/lamethode.html

O filme O Método é uma adaptação da peça El Método Grönholm de Jordi Galceràn.


O Método põe em cena um ritual caro à nossa sociedade: a entrevista para um emprego.

Se o tema é imediatamente incisivo pela riqueza das situações que supõe, a


aposta em cena que faz o realizador Marcelo Piñeyro é edificante, porque leva ao
extremo a lógica perversa da selecção.

Sete quadros, convocados ao mesmo tempo por uma grande empresa, vão ser
entregues a si-mesmos, e, confrontados com uma bateria de testes - o enigmático
método Grönholm - em que tudo é permitido para eliminar gradualmente os
candidatos, vão deixar revelar as capacidades de crueldade de cada um. Compete
com efeito aos próprios candidatos eliminarem-se uns os outros. Tudo (ou quase)
se resume a esta sala de reunião, que se torna progressivamente o teatro de terríveis
e desconcertantes tragédias.

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Aos que temem que um universo concentracionário de alta tensão possa gerar
algum aborrecimento, responderemos que os poucos desvios feitos relativamente a
esta aposta em cena são quase que supérfluos, tal é a vida que os actores e a intriga
dão ao filme, que nos fazem ficar sem respiração. Por outro lado, a acção procede de
um meio particularmente potente: o bluff. Este torna possíveis ressaltos psicológicos
retorcidos, através unicamente da argumentação das personagens. Cada teste valerá
com efeito ao mau orador a sua desqualificação e é, por conseguinte, somente o seu
discurso e a sua aparente boa fé que permitirá ao bom orador manter-se em liça.
Além disso, o filme progride em crescendo, o absurdo das situações cresce à medida
que o número de candidatos diminui.

O interesse da história não reside somente, na sua eficácia psicológica.


Enuncia também um discurso resolutamente crítico, embora Marcelo Piñeyro se
defenda de ser “um realizador de filmes políticos”. De facto, não hesita em situar
a sua “comédia de reflexão” (como prefere qualificá-la) no contexto duma reunião
em Madrid do Fundo Monetário Internacional e duma manifestação agitada que a
acompanha. Piscadela de olhos, a única abertura, de resto, sobre o mundo externo
confere uma dimensão internacional a esta sátira arrasante sobre tudo o mundo
económico, já universal pela sua própria decoração: os escritórios da multinacional
assemelham-se aos de Singapura ou de Issy-lès-Moulineaux. Poder-se-á ter algum
alívio em esperar que aí não se passem as mesmas coisas, ou desde que não passem
de certas proporções, mas desenganem-se: porque, por pouco que se tenha andado
à procura de emprego, quem viu o excelente documentário de Sophie Bruno e de
Marc Antoine Raudil, Eles não morrem todos, mas todos são atingidos, reconhece as
terríveis técnicas que fizeram de nós “recursos humanos”.

Um filme a ver!

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Se é necessário que seja um lobo, então sê-lo-ei

Marie, Vincy
Ecan Noire
Disponível em http://www.ecrannoir.fr/
films/filmsc.php?f=2257

Sete pessoas fechadas numa sala e dispostas a fazer tudo o que for necessário
para chegar à final, não nos faz lembrar qualquer coisa? Seguramente que faz.
Mas, desta vez não tem nada a ver com o Big Brother ou com um qualquer outro
programa do género. Brincando ao aprendiz de assistente de laboratório, o realizador
argentino Marcelo Pineyro quis mostrar até que ponto o homem pode ser um lobo
para o próprio homem. A sobrevivência num mundo liberal tem este preço: ficamos
cruéis, cínicos, mentirosos, manipuladores. Num ambiente concentracionário,
teatralmente e sem artifícios, descodifica, disseca e mostra os comportamentos dos
seus congéneres quando as coisas não vão bem. O barulho e a fúria estão na rua,
mas o horror e o desejo estão no 35ª andar. O hábito não faz o monge, pode-se
mudar de camisa, ninguém notará a diferença. É necessário ser-se politicamente
correcto, consensual, conformista. As aparências da perfeição são apenas ilusões.
O controlo das emoções leva-nos para muito mais perto do precipício das nossas
falhas. Há a nossa imagem, o nosso reflexo, a nossa interpretação. E, no final, a
carpa transforma-se em tubarão quando há apenas larvas inchadas neste aquário
pendurado acima da cidade. Sentimento (astúcia) de dominação do mundo.
Esmagamento dos sentimentos, das personalidades, e eliminação das diferenças.
Asfixia dos nossos valores (acrescentados).

Já alguma vez foi sujeito ao “Método Grönholm” aquando de uma entrevista à


procura de que eventualmente tenha feito? Método de pressão psicológica animador,
muito subtilmente a afastar-nos para uma desumanização completa, excedendo às
vezes o quadro da própria moral. Olhar para sete ratos de laboratório disfarçados
em quadros superiores (ou que se sentem superiores) a discutirem curricula vitae,
lucros alcançados e rentabilidade não teria nada de palpitante para um filme.

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À priori. Vejamos as coisas de outro modo: um suspense tipo As Dez Figuras Negras 2,
voyeurismo à Hitchock e sequestração angustiante, O Método metamorfoseia-se em
thriller e não pode ser mais cinegético.

O conceito arriscava-se a rapidamente girar em círculo. Felizmente, o guião


faz subir cada vez mais a tensão à medida que as sequências se sucedem caminhando
para um defeito supremo, imoral, desagradável até ao vómito. Tudo bem capaz de
nos levar a enojar deste sistema. Moralista, mas não romântico, o filme tende para
o maquiavelismo insidioso e para o masoquismo assumido. Munido de diálogos
cortantes e ácidos, de réplicas assassinas e mais que bem sentidas, os personagens -
como tantas caricaturas de jogos de sociedade (Cluedo) - revelam-se complexos e
são alternadamente depredadores e em seguida pretensamente caçados. As verdades
fundem-se sem falsas aparências e fazem doer onde nos dói e, quanto mais a história
progride, quanto mais nos aproximamos do escolhido, do eleito, mais os ataques
de garras tem efeitos mais profundos. A partida de jogo final iniciada pelos três
últimos candidatos em disputa parece quase agradável. Falsa lucidez e verdadeira
hostilidade. Jogo de leis terríveis, o jogo da selva.

Propício à paranóia, o espectador fica muito rapidamente intrigado, apesar


de algumas baixas de ritmos, procurando saber quem vai ser eliminado (uma
espécie de Reality Show) ou pior ainda, como é que vai ser atirado ao chão ou
como que é que se vai desenrascar. É necessário sublinhar que certos actores como
Eduard Fernàndez e Pablo Echarri distinguem-se verdadeiramente do lote e têm um

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Nota dos editores: As Dez Figuras Negras é um romance policial de Agatha Christie publicado 1939. Sinopse: Dez
desconhecidos, que aparentemente nada têm em comum, são atraídos pelo enigmático U. N. Owen a uma mansão
situada numa ilha da costa de Devon. Durante o jantar, a voz do anfitrião invisível acusa cada um dos convidados
de esconder um segredo terrível, e nessa mesma noite um deles é assassinado. A tensão aumenta à medida que os
sobreviventes se apercebem de que não só o assassino está entre eles como se prepara para ir atacando uma e outra
vez… O que se segue é uma obra-prima de terror. À medida que cada um dos hóspedes é brutalmente assassinado, as
suas mortes vão sendo “celebradas” através do desaparecimento de uma de dez estátuas, as “dez figuras negras”. Restará
alguém para um dia contar o que de facto se passou naquela ilha? Em As Dez Figuras Negras, a Ilha do Negro, local
sombrio e desde sempre povoado de mistérios, é palco de uma estranha e implacável forma de justiça, na qual as vítimas
se encontram encurraladas pelas circunstâncias e o agressor é invisível e omnipresente. A sinopse está disponível em
http://www.asa.pt/produtos/produto.php?id_produto=844152&origem=autor&id_autor=1082.

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desempenho brilhante. O primeiro encarna um macho arrogante, que pensa que
a ele nada lhe resiste. O segundo é que é mais desconcertante; umas vezes é vítima
outras vezes é carrasco, não se sabendo mais a que santo dedicá-lo. O seu credo
poderia ser: dividir para melhor reinar. Até ao fim, deixará um gosto amargo de
obscuridade ao serviço da intriga.

Por detrás deste microcosmos de empresa está uma radiografia precisa duma
sociedade sem ideias claras que navega entre tensões e paradoxos, onde os protestos
continuam a ser estéreis e na qual as pessoas esqueceram as coisas elementares que
nos podem trazer alguma felicidade. Esta metáfora convida à reflexão sobre as
relações para com o poder, a falta de escrúpulos e de respeito perante a experiência
que actualmente invade o mundo das empresas. Denúncia, difamação, traição,
estratégias, dissimulação (e mesmo sexo) estão no menu da ementa deste pacto com
o diabo que se veste em qualquer Zara. Mesmo os sentimentos mais honrosos como
o amor não são poupados. Um método que conduz à destruição do indivíduo,
uma imagem perfeitamente representativa no último plano: o candidato finalista
que se perde no meio de uma rua devastada pela manifestação. As tomadas de
vista clássicas (onde grandes planos à maneira de retrato reforçam a impressão de
claustrofobia e onde os split screens do genérico introduzem a noção de luta, tanto
dentro como fora do edifício) estão ao serviço dum guião duma precisão cirúrgica.
Certas cenas parecem ter necessidade de mais alguns esclarecimentos ou parecem
muito simplesmente inúteis para o desenrolar da intriga. Mais continuamente
tenso, o filme seria então uma autêntica maravilha.

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Maquiavel em acção

Tónia Pallejà
La Butaca
Disponível em www.labutaca.net/
films/35/elmetodo.htm

O Método é o primeiro dos seus filmes com acento espanhol, não por ter
este verniz sofisticado e frio que o envolve, mas sim porque a partir desta peça de
teatro, da qual a trama se desliga até ficar apenas com o essencial, se fica mais perto
do abstracto e do universal do que duma geografia concreta, e é, ao mesmo tempo,
tão contemporâneo que quase resulta pós-moderno; passa-se isolado do mundo
exterior para criar um micro-universo que o reflecte com realismo, e cede o terreno
ao que é cerebral e à palavra perante o impulso das emoções ou da acção física
óbvia. No entanto, o que dissimula sob este vestuário intelectual e cosmopolita é
sobretudo outra história humana na qual Piñeyro sublinha, de novo, a luta pela
sobrevivência numa situação extrema, através dum grupo de personagens que,
apesar do seu aspecto de triunfadores, são igualmente vítimas de um sistema que
deixa muito pouca margem para a ilusão e para a esperança.

A peça teatral escrita por Jordi Galcerán é transferida com sucesso para o
cenário da Europa e da América. El Método Grönholm serve unicamente como
ponto de partida para uma versão bastante livre que o dramaturgo catalão ele
mesmo declarou que só reconheceu a sua obra, pelo seu resultado final. Nas mãos
de Mateo Gil, tradicional argumentista de Alejandro Amenábar, e do próprio
Piñeyro, o texto original foi cortado no seu sentido cómico, aumentando o número
de participantes e alterando a grande maioria dos seu argumentos, para construir
um descarnado psicodrama com aspectos de intriga que se situam em torno do
mercado de trabalho agressivo da actualidade. Controvérsias à margem, o que é
certo é que esta aproximação mais chocante e mais grave sobre sete candidatos a
um mesmo posto de executivo que se vêem envolvidos num particular processo
de selecção de pessoal, enquanto os activistas anti-globalização se manifestam nas

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ruas contra o Fundo Monetário Internacional, é inteligente e mantém sempre
presente uma metáfora que convida à reflexão sobre as relações de poder e da falta
de escrúpulos que actualmente invade o mundo empresarial. Cobaias de uma
experiência cruel e retorcida que vai determinar a sua prosperidade profissional,
estes sete protótipos que representam diferentes maneiras de compreender o sucesso
ou de aceitar o malogro, serão isolados num escritório, como peixes num aquário,
sujeitos à observação constante e postos à prova, enfrentando-se uns aos outros para
se estabelecer qual eles é o candidato mais válido, o que se traduz em saber qual deles
está mais disposto a humilhar e a deixar humilhar. Crítica ácida desta encarniçada
batalha que é liberada nos gabinetes para aceder às elevadas esferas – em que vale
tudo porque tudo se pode impor – e em que há umas regras do jogo que pervertem
o indivíduo até extrair de cada um deles o pior que há em cada um ser humano,
ela analisa também as características geracionais onde a preparação académica e a
ambição mal compreendida da juventude vencem os valores tradicionais, como a
experiência, a honestidade, ou de uma tecnologia que despersonaliza as relações
e facilita o trabalho sujo, como é o caso destes computadores com desenhos de
marionetas diabólicas presentes na sala.

Filme de personagens e de diálogos, em que a dinâmica de grupo é o motor


que determina a evolução do filme, O Método congrega um conjunto composto por
destacados actores espanhóis de várias gerações, cujo mais maior sucesso pode ter
sido, talvez, o saberem aproveitar o registo natural de cada um deles para criar um
papel com uma idiossincrasia à sua medida. (...) Todos oferecem, em linhas gerais,
interpretações correctíssimas e bem adaptadas a um sentido de equipa, ainda que
de maneira inevitável a situação se decante, salvo excepções, a favor da solidez e da
desenvoltura dos mais veteranos.

O filme consegue transmitir este clima opressivo de competitividade e de


paranóia crescentes, graças a magistral arquitectura do seu guião. O desacordo
simpático, as dúvidas e a colaboração inicial são substituídas progressivamente
pelas tensões, pelos medos, pela desconfianças e pelos conflitos, enquanto a
traição, as alianças e os sinais de renúncia e de vexame começam a vir à luz do

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dia, reduzindo-se cada vez mais as tiradas de humor que ajudam a oxigenar e a
aliviar a atmosfera tensamente carregada. No início parece simples identificar
e prever os comportamentos e as atitudes que se sucedem no ecrã, pondo-se
facilmente na pele de personagens verosímeis e representativos, que não são
nunca nem bons nem maus, mas vítimas das mesmas circunstâncias. O Método
prende-nos ao ser capaz de pôr uma situação que, sendo extrema e absurda, é
percebida e sentida como provável e reconhecível, e pela sua capacidade em
alimentar o que é suspense e manter a intensidade fazendo uso unicamente
das afirmações que expressam o sentir humano. Contudo, não pode evitar que
o seu interesse vá decaindo à medida que os candidatos mais atractivos forem
eliminados e, desta maneira, alguns dos actores que prometiam dar mais luta
abandonam a partida. Após um certo parênteses do argumento algo caprichoso
que destabiliza o ritmo e quebra com o tom elegante e o conteúdo que tinha
dominado até ali – o que acontece nos lavabos revela-se, obviamente, algo
forçado e pouco provável – os diálogos agudos e dinâmicos do princípio acabam
por conduzirem a um triângulo de índole sexual que não parece trazer nada de
positivo à progressão dramática, mas no qual a presença sempre carregada de
Eduard Fernandez poderia agarrar a atenção.

Obrigado pela encenação teatral, Piñeyro evita as limitações do espaço


fechado com uma certa agilidade e flexibilidade, e consegue extrair o máximo
de expressividade aos actores através de grandes planos que ao mesmo tempo
sublinham a sua vulnerabilidade. Mais discutível é o efeito do ecrã dividido
como maneira de introduzir resumidamente as personagens e de captar o clima
de confrontação que é respirado no exterior, de que se ocupa mais para fins
estéticos do que para uma função narrativa. Em todo o caso, a direcção é mantida
suficientemente discreta e agradável procurando o detalhe como para deixar que
as interpretações e o argumento brilhem como os protagonistas autênticos da
função que assumem. O ambiente insípido, desagradável e irreal da construção
luxuosa onde se passa a acção perfila-se como um reflexo exactamente desta
experiência quase onírica que atravessa os indivíduos, fazendo surgir todo o
desenraizamento e a hostilidade do seu interior, enquanto as marchas populares

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contra a desumanização da economia que se deslocam nas ruas são a outra face,
mais ruidosa e combativa, da mesma moeda, fazendo contraponto do discurso
que se passa no seu interior.

Embora, pela sua abordagem, O Método nos remeta aos formatos BIG
BROTHER, e Piñeyro cite entre as suas referências relativas a Sydney Pollack o
filme They Shoot Horses, Don’t They?, que passou em Portugal, com o título Os
cavalos também se abatem, revela-se mais oportuno aparentá-lo com um outro filme
espanhol que lhe está muito próximo, Smoking room, do qual se aproxima, inclusive,
para além do contexto, da problemática e da abordagem. Sem dúvida, por de trás
deste jogo maquiavélico não custa apercebermo-nos, salvaguardando as devidas
distâncias que estão entre a realidade e a fantasia, duma história de terror ao estilo
de Cubo [de Vincenzo Natali, de 1997] 3, com a diferença de que aqui aos excluídos
não os espera a morte e assumem de maneira voluntária o próprio desafio. Em
suma, uma proposta certamente estimulante e que, embora pudesse ser melhorado
num ou outro detalhe, marca uma nova e agradável distância com respeito a outros
produtos do cinema espanhol e argentino, que não fazem mais do que insistir nos
mesmos tópicos e em esquemas já esgotados. Um filme original e fresco na sua
formulação, perturbador no seu fundo, bem realizado e com um muito bom guião
que não negligencia o compromisso da sua mensagem, e que ganha adeptos quanto
mais se reflecte sobre ele.

3
Nota dos editores: O filme Cubo ganhou o Grande Prémio Fantasporto 99, festival de filmes de terror de
Portugal.
Globalização é um daqueles termos
que passaram directamente da obscuridade
para a ausência de sentido,
sem qualquer fase intermédia de coerência.
Mas deixem-me dizer apenas o seguinte:
a globalização é também muito importante
e é totalmente consistente
com mais e melhores empregos,
salários decentes e empregos decentes.

Robert Reich, ministro do trabalho da Administração Clinton


Defino globalização como
a liberdade para o meu grupo de investir onde quiser,
o tempo que quiser, para produzir o que quiser,
comprando e vendendo onde quiser,
suportando o mínimo de obrigações possíveis
em matéria de direito do trabalho
e de convenções sociais.

Asea Brown Bovery (Presidente do grupo ABB, 12ª empresa mundial)

Juntem o pior do capitalismo


com o pior do comunismo e terão uma ideia
do rumo que a globalização está a tomar.

Alain Supiot
Ciclo Integrado de Cinema, Debates e Colóquios na FEUC

DOC TAGV / FEUC

Integração Mundial, Desintegração Nacional:

a Crise nos Mercados de Trabalho

Textos seleccionados, traduzidos e organizados por:

Júlio Mota

Luís Peres Lopes

Margarida Antunes

Ciclo organizado pelos docentes da disciplina de Economia Internacional

da Faculdade de Economia da Universidade de Coimbra

Colaboração do Núcleo de Estudantes de Economia da Associação Académica de Coimbra

Apoio da Coordenação do Núcleo de Economia da FEUC

Com o apoio das instituições:

Caixa Geral de Depósitos

Fundação Luso-Americana

Fundação para a Ciência e Tecnologia

Fundação Calouste Gulbenkian

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