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Ciência & Saúde Coletiva

ISSN: 1413-8123
cecilia@claves.fiocruz.br
Associação Brasileira de Pós-Graduação em
Saúde Coletiva
Brasil

Ramos de Souza, Edinilsa; De Souza Minayo, Maria Cecília


Policial, risco como profissão: morbimortalidade vinculada ao trabalho
Ciência & Saúde Coletiva, vol. 10, núm. 4, outubro/dezembro, 2005, pp. 917-928
Associação Brasileira de Pós-Graduação em Saúde Coletiva
Rio de Janeiro, Brasil

Disponível em: http://www.redalyc.org/articulo.oa?id=63010415

Como citar este artigo


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917

Policial, ri s co como profissão:


morbimortalidade vinculada ao trabalho

Po l i ce, risk as a profe s s i on :


work-related morbidity and mortality

Edinilsa Ramos de Souza 1


Maria Cecília de Souza Mi n ayo 2

Ab s tract This article brings into focus deaths Re su m o Ab o rd a m - se mortes e agravos à saúde
and aggrava tions on the health of s a fety ’s profe s- dos agentes de segurança pública do Rio de Janei-
sionals of Rio de Ja n eiro, o cc u rred in or out of ro, ocorridos em sua jornada de tra balho ou fo ra
their job journey. This stu dy is about victi m i z a- dela. Efetuou-se um levantamento dos estudos
tion of pol i cem en , and it was done an analysis of exi s ten tes no país sob re vitimização de pol i ciais e
primaries data about accidents and vi ol ences realizou-se análise de dados primários sobre a
morbidity and mortality that victimized agents of m o rbimortalidade por aci d en tes e violências que
Municipal Guard, Military and Investigated Poli- vitimaram as seg u i n tes catego rias: Gu a rdas Mu-
cies of Rio de Ja n eiro St a te betwe en 1994 and nicipais, Pol i ciais Mi l i t a res e Civis do Rio de Ja-
2004. It was used the external causes category of neiro, entre 1994 e 2004, usando-se a categoria
International Disease Classification (IDC-10th causas externas (CID-10a revisão), que inclui
revision), that include all the accidents and ag- acidentes e agressões. Descrevem-se e analisam-se
gressions. There are descri bed and analy zed taxes taxas e proporções de morbi m o rtalidade por aci-
and propo rtions of morbidity and mortality by den tes e vi ol ê n cias, d e s t a c a n d o - sediferenciações
accidents and violences. It is em p h a s i zed the in- internas e o cresci m ento da vi timização nas três
ternal differen ces among the three groups and the c a tego rias em 2003 e 2004. Agressões e aci d en te s
accelera tion of victimization in the three cate- de tr â n s i tosão as pri n ci pais causas de morte e de
gories, mainly of nonfatal injuries in 2003 e 2004. lesões. Elevados riscos de morbimortalidade da
Aggressions and traffic accidents are the principal Polícia Militar são co m pa rados com as duas ou-
1 Dep a rt a m en to de
causes of death and lesions. The Military Policy is tras co rpo rações e à população da cidade do Ri o
Ep i dem i o l ogia e Método s the more victi m i zed in rel a tion to two the ot h ers de Ja n ei ro e do pa í s . O campo de saúde do traba-
Quanti t a tivos em Sa ú de e corpo ra tions, and in rel a tionship of the popu l a- lhador não pode omitir-se, hoje, de pensar nas ca-
Cen tro Lati n o - Am ericano tion of Rio de Janeiro city and Brazil. It is consid- tegorias que atuam na segurança pública, um dos
de Estu dos sobre Violência
e Sa ú de da Escola Nac i onal ered that the occ u pational health area, contem- segmentos mais vulneráveis no ex erc í cio de sua
de Sa ú de Pública. po ra ry, c a n n ot omit to think about the catego ri e s profissão.
Av. Brasil 4036, sala 700, that act in pu blic safety, one of the more vulnera- Palavra s - ch ave Mo rt a l i d a d e , Mo rbi d a d e , Pol i-
Expansão do Ca m p u s ,
Ma n g u i n h o s , 21040-361, ble segments to accidents and death in work. ciais, Saúde ocupacional
Rio de Ja n ei ro RJ. Key word s Mortality, Morbidity, Policemen,
edinilsa@clave s . f i oc ru z . br Occupational health
2 Cen tro Lati n o -
Am ericano de Estu do s
s obre Violência e Sa ú de .
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In trodução saúde públ i c a , a cidadania dos agen tes de seg u-


rança e suas condições de vida, s a ú de e traba-
E s te tex to trata das mortes e agravos à saúde l h o. A literatura atual, port a n to, já apre s enta
dos policiais civis, militares e da guarda mu n i- con h ecimen tos estratégicos, f rutos de investi-
cipal do Rio de Ja n ei ro, ocorri dos dura n te su a gação, c i t a n do-se trabalhos de Muniz & Soa re s
j ornada de trabalho ou fora dela, por motivos (1998), Soa res (1996; 2000), Sa n tos (1997),
de sua atividade social. Nele se busca con tex- Bretas (1997a; 1997b), Ho ll ow ay (1997), Cer-
tualizar as corporações, definir e probl em a ti z a r quei ra (1994; 1996), Donnici (1990), Adorno e
os con cei tos de seg u rança públ i c a , cri m i n a l i d a- Peralva (1997), Kahn (1997), Lima (1995),
de e violência e especificar as três categorias co- Am ador (1999).
mo servidores públ i cos su bm etidos a elevada O pre s en te arti go é parte das várias produ-
c a r ga de ri s co. São descritas e analisadas as ta- ções científicas do Centro Latino- Am ericano
xas de morbi m ortalidade por ac i dentes e vio- de Estu dos sobre Violência e Sa ú de da Fioc ruz
lências, com p a radas en tre si e com as da pop u- ( Cl aves), portanto, da área de saúde pública,
lação brasileira em gera l . vo l t adas para esse grupo de servidores, algu-
Este artigo pode ser con s i derado inédito na mas já re a l i z adas (Mi n ayo & Souza, 2003; Aldé,
lista de temas tratados pelos pe s qu i s adores de 2003) e outras em curso, que visam a com-
saúde do tra b a l h ador. Primei ro porqu e , trad i- preen der, de forma estratégica, as condições de
c i on a l m en te , os estu dos se referem a con d i ç õ e s tra b a l h o, de saúde física e mental e da qualida-
de saúde e trabalho dos oper á rios indu s tri a i s , o de de vida dos policiais civis e militares do Ri o
que tem a ver com uma tendência de toda a de Janeiro.
produção ac adêmica do século 20, fortem ente
i n f lu enciada pelas análises marxistas do mu n-
do social. Como evi dencia a ampla revisão bi- Con cei tos e con te x to
bl i ográfica sobre os serviços no Brasil coorde-
nada por Melo et al. (1998), a qui e internac i o- E s tudar a polícia do Rio de Ja n ei ro é rem on t a r
n a l m en te, a literatura sobre esse setor é muito às origens dessa instituição no país, uma vez
escassa: até hoj e , os serviços con ti nuam a ser a qu e , como capital federal, foi no Rio que sua
parte menos en tendida da econ omia. Esse hia- h i s t ó ria com e ç o u , m a rc a n docom especificida-
to con cei tu a l , no en t a n to, de s toa do que ocorre des nac i onais as relações entre indiv í du o, so-
na re a l i d ade histórica: nas últimas décad a s , os c i ed ade e Estado (Ho ll ow ay, 1997). O seu sur-
s erviços têm repre s en t ado quase dois terços do gi m en to e atuação sem pre foram obj eto de re-
em prego urbano metropolitano no Brasil e re s- sistência e de falta de consenso da sociedade,
pon de por mais da met ade do PI B, numa tra j e- dentre outros motivos, porque a instituição
tória semel h a n te à dos países desenvolvidos policial, em sua origem, con f i g u rou uma im-
(Melo et al., 1998). posição bu roc r á tica de con trole aparen tem en te
No caso dos policiais como trabalhadore s , m oderno numa soc i edade sem as bases essen-
a falta de atenção específica a sua saúde, se faz ciais do projeto liberal, como por exemplo, o
parte do hiato do con h ec i m en to do setor servi- i n s ti tuto da igualdade perante a lei .
ço em geral, como foi assinalado acima, tam- As instituições policiais brasileiras (civis e
bém tem ra í zes históricas mais profundas. Re- m i l i t a re s ) , de um lado, derivam das corpora-
m onta a um ranço de ori gem que opôs a pop u- ções modernas da Eu ropa Ocidental, surgidas
lação e intelectuais aos oficiais da segurança na transição do século 18 para o século 19, for-
pública, o que se acirrou nos per í odos de dita- jadas na idéia de segurança pública como um
du ra militar no Bra s i l . Desta forma, a con s i de- s erviço essencial pre s t ado pelo Estado, con cer-
ração da segurança pública como questão da n en te à garantia de direi tos e ao assen t a m en to
con s trução dem oc r á tica e obj eto da ciência so- da autoridade. De outro, foram criadas para
cial vem se consolidando apenas a partir dos controlar uma sociedade escravocrata, extre-
anos 90. A urgência do tema também se torn o u mamen te hier á rquica e el i tista. Desta form a , ao
releva n te por causa do impacto do aumento lado de seu papel modernizador que tirava o
acel erado da cri m i n a l i d ade urb a n a . As s i m , len- monopólio da violência da mão dos sobera n o s
tamen te vai se superando, de um lado, o vazio portugueses, sua existência efetivou a força re-
da ciência econômica em relação ao setor ser- pre s s ora do Estado contra os escravos, os po-
viços e, de outro, os probl emas ideo l ó gicos qu e bres livres e a população em geral. Sua atuação
exclu í ram da pauta dos temas soc i o l ó gi cos e de histórica ac a bou por insti tuir uma ética discri-
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minatória na pr á tica dos deveres estabel ec i dos tas e colaborar nas operações da defesa civil do
pela autori d ade das leis (Don i cc i , 1990; Santos, mu n i c í p i o. Tem um efetivo de cerca de 6.000
1997; Ho ll ow ay, 1997). Em re s po s t a , a históri a funcionários.
m o s tra qu e , de s de a ori gem, se ex p l i c i tou uma Todas as categorias aqui estudadas atuam
aversão dos brasilei ros às atividades policiais no con cei to de Seg u rança Pública qu e , seg u n-
(Hollow ay, 1997), aversão que permanece . Até do Si lva (1998), a bra n ge a gara n tia que o Esta-
h oj e , o serviço de segurança pública no Rio de do oferece aos cidad ã o s , por meio de or ga n i z a-
Ja n ei ro é malvi s to e malqu i s to pela pop u l a ç ã o ções próprias, con tra todo o peri go que possa
em geral e por motivos diversos: os cidadãos afetar a ordem social, em prejuízo da vida, da
das classes média e abastada reclamam da inse- liberd ade ou dos direi tos de propri ed ade. A se-
gurança e da ineficiência, uma vez que espera- gurança pública é dever do Estado, direito e
riam mais rigor e vigilância dos policiais em re s pon s a bi l i d ade de todo s . E m bora seu con cei-
função da ordem bu r g u e s a ; a população pobre to seja mu i to mais com p l exo do que o de po l i-
e moradora dos bairros periféri cos sente-se ciamen to, a segurança é transformada em
discri m i n ada e maltra t ada por el e s ; e os del i n- mandato à instituição po l i c i a l , de tal forma qu e
q ü en tes os tratam como inimigo número um, a produção e a manutenção da ordem consti-
bu s c a n do evad i r-se de seu olhar ou mesmo tuem a essência de sua missão e de seu proce s-
confrontá-los, escudados exatamen te na “má so de trabalho.
fama” que os acom p a n h a . Arti c u l ada ao con cei to de segurança públ i-
A opinião pública negativa faz parte do ca, está a noção de seg u rança pessoal: esta deri-
ônus do trabalho policial, e em estudos recentes va do mu n do do trabalho e tem um sen ti do or-
alguns autores (Mi n ayo & Souza, 2003; Ama- denador de direi to s . Repre s enta o con ju n to de
dor, 1999) mostram como esses servidores normas de s ti n adas a prevenir aciden tes, qu er
a pre s entam el evado grau de sof ri m en to no tra- eliminando condições inseguras do trabalho,
balho pela falta de reconhecimen to social. O quer prevenindo desastres ocupacionais. Esse
con ceito negativo em i tido sobre eles pelas vá- con cei to é importante para se pensar e analisar
rias camadas sociais está en tranhado na cultu- os policiais como tra b a l h adores, poi s , cuidando
ra. Ele legitima e naturaliza a violência que os da segurança co l etiva são também sujeitos de
vitima, mu i to mais do que a qu a l qu er trabalha- direi to, servidores públ i cos pro tegidos pela
dor, du rante a jorn ada de trabalho ou nos tem- Constituição, que lhes assegura integridade físi-
pos de fo l ga em qu e , curi o s a m en te , aumentam ca e mental, no desempenho de suas atividades.
as ocorrências de lesões e traumas de que são O objeto sobre o qual toda a área de segu-
vítimas. rança atua, por del egação insti tu c i on a l , é a ma-
As corporações Militar e Civil são institui- nutenção da ordem e o controle da violência
ções estadu a i s . A pri m ei ra mantém cerca de 40 social. Dados da Sec retaria Nacional de Segu-
mil agen tes e tem como missão con s ti tu c i onal rança Públ i c a / Senasp (Sen a s p, 2005) do Mi n i s-
opo l i c i a m en to osten s ivo e a pre s ervação da or- tério da Ju s tiça ajudam a estimar numeri c a-
dem pública. A segunda, com um efetivo de men te esse objeto de trabalho: para o ano de
cerca de 11.000 servi dore s , cumpre funções de 2003 houve registro de 6.707.955 ocorrências
po l i c i a m en tojudiciári o, s en do re s pon s á vel pe- criminais nos Estados e de 2.264.829 nas capi-
la inve s ti gação e repressão dos cri m e s . Tais atri- tais do Brasil. No Estado do Rio de Ja n ei ro fo-
buições históricas, re a f i rm adas pela Con s ti tu i- ram registradas 433.988 ocorrências, sen do
ção de 1988, na prática ten dem a se imbricar 228.243 delas na capital. A violência social é
com as da polícia militar, s obretu do em situa- um fen ô m eno com p l exo e difícil de ser def i n i-
ções de exacerbados con f l i tos sociais como os do. Ele discrepa en tre a sua ocorrência real e as
que lhes cabem con trolar no Rio de Ja n ei ro. sensações que gera. No imaginário social, os
A Gu a rda Municipal tem uma história re- s en ti m en tos de medo e de inseg u rança levam a
cen te . Foi criada pela prefeitu ra do Rio de Ja- confundir crimes reais e percepções subj etivas
n ei ro em 1993 como uma em presa pública ten- sobre os ri s cos de ser vítima da criminalidade,
do como funções institu c i onais pro teger ben s , em proporções invers a s . Uma dessas discrep â n-
s erviços e instalações públ i c a s ; fiscalizar, or ga- cias diz re s peito à crença de um permanen te
nizar e ori entar o tr á fego de veículos no mu n i- aumen to da delinqüência, o que às ve zes é real
cípio; ori entar a população local qu a n to a seu s e outra s , não.
d i rei tos de utilização de bens e serviços públ i- A sensação de inseg u rança cre s cen te no Ri o
cos; pro teger o meio ambi en te , a poiar os turis- de Janeiro ocorre , cert a m en te , por vários moti-
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vo s . Primeiro, vem a própria dinâmica da cri- essas mu i to mais el evadas que as da pop u l a ç ã o
m i n a l i d ade na capital, on de ex i s te el evada con- em geral.
centração tanto da população do Estado
(40,2%) como dos registros de del i tos (52,6%),
o que difere to t a l m en te de outras capitais e do Metodologia
país. Por exem p l o, em São Paulo, a penas 27,6%
da população do Estado e 33% das ocorr ê n c i a s E fetuou-se um levantamen to dos trabalhos
c riminais se con cen tram na capital. No país co- ex i s ten tes no país sobre a vitimização de poli-
mo um todo esses va l ores se assem elham mais ciais e, paralelamente, re a l i zou-se uma análise
aos de São Paulo: 22,7% da população e 33,8% de dados primários. Esses últimos se referem a
dos crimes se localizam nas capitais. informações sobre a mort a l i d ade e a morbi d a-
A con centração de população e de crimes de por ac i den tes e violências que vi ti m a ram os
no espaço da capital prom ove um sentimento agen tes da segurança pública que atuam na
geral de insegurança e impo t ê n c i a , mesmo qu a n- Gu a rda Municipal da cidade e das duas Polí-
do se observam qu edas no número de alguns cias, a Militar e a Civil do Estado do Rio de Ja-
del i to s . É preciso ter em con t a , também, que a n ei ro.
sociedade do Rio de Janeiro é das mais politiza- As categorias usadas para classificar os ac i-
das do país e, do pon to de vista filosófico, o con- den tes e violências são as con s t a n tes da Cl a s s i-
ceito de segurança se vincula às expectativas in- ficação In ternac i onal de Doenças (CID) em
dividuais do cidadão moderno, fazendo contra- sua 10ª revisão, den om i n adas causas ex ternas.
pon to com a noção de ri s co. Ela evidencia o Inclu em todos os tipos de ac i den tes (tr â n s i toe
avanço da consciência de cidadania e de bem- tra n s porte , qu edas, a foga m en to s , qu ei m adu ras
estar atingido pela hu m a n i d ade em seu estágio etc.) e as agressões (hom i c í d i o, su i c í d i o, lesões
atual. Ou seja, a exigência cada vez mais elevada e ferimen tos gerados em con f ron to etc . ) . É im-
de segurança pe s s oal traz, simultaneamen te , port a n te frisar qu e , na or ganização de seus da-
senti m en to de maior insegurança (Ch e s n a i s , dos, cada corporação denomina esses eventos
1981; Burke, 1995). Vários estudos feitos no Rio conforme sua conveniência e nem sempre os
de Janeiro, entre eles os de Soares (1996), evi- termos em pregados para de s i gná-las são os uti-
denciam que as classes abastadas que vivem e lizados pelo setor saúde. A Gu a rda Municipal
trabalham nos espaços on de os índices de cri- os nom eia de acordo com a CID. A Polícia Mi-
m i n a l i d ade são rel a tiva m en te baixos são as qu e litar os categoriza como ação vi ol en t a. A Polícia
mais se queixam de insegurança. Militar usa o termo ferid o p a ra designar os qu e
Os policiais e os guardas municipais do Rio sofrem lesões não letais, provocadas por aci-
de Ja n ei ro, por todos os motivos aludidos aci- den tes e ações violentas. E a Gu a rda Municipal
ma, são aqui tratados como categorias que usa a ex pressão a cid ente típico de tra ba l h o.
atuam sob elevado risco, enten dendo-se essa O período estudado é vari á vel para cada
noção sob as abord a gens ep i demiológica e so- uma das instituições, mas, no con ju n to, os da-
cial. Ou seja, essa noção diz respei to, ao mesmo dos inclu í dos com preen dem a série histórica de
tem po, à prob a bi l i d ade das ocorrências de le- 1994 a 2004. As informações foram analisadas
sões, traumas e mortes e ao sign i f i c ado da es- segundo va ri á veis básicas como a causa ex tern a
colha prof i s s i onal que traz intrínseca o gosto que provocou o óbi to ou o ferimen to e o fato
pelo afron t a m en to e pela ousadia como op ç ã o de o agen te estar em serviço ou em fo l ga. Ca l-
e não como de s tino (Bern s tein, 1997; Ca s tiel, c u l a ram-se proporções e taxas de mort a l i d ade
1999; G i d den s , 2002). Seja no sen ti do de peri- e de morbidade seg u n do as va ri á veis estu d adas.
go ou de escolha, o con cei to de ri s co de s em pe- Os den om i n adores usados nas taxas rel a tivas à
nha um papel estrutu ra n te das condições labo- Gu a rda Municipal e à Polícia Civil se referem
rais, ambi entais e relacionais para esse grupo aos efetivos de guardas e de policiais, re s pecti-
social, uma vez que seus corpos estão perma- va m en te, i n form ados por essas insti tu i ç õ e s . Já
n en tem ente expo s tos e seus espíritos não des- o den om i n ador usado no cálculo das taxas dos
cansam (Gomes et al., 2003). Eles vivem o qu e policiais militares é o efetivo médio anual, c a l-
Giddens (2002) denomina de “risco de alta c u l ado a partir do número informado para os
con s eqüência”. O exercício do trabalho de el e- meses de janei ro e de de zembro de cada ano.
vado risco se com prova pelas taxas de mortali- Alguns dados secundários foram assimilados
d ade e de morbi d ade por agressões de que são tal como haviam sido apre s entados nos estu-
vítimas, dentro e fora das corporações, taxas dos originais. Outros foram rec a l c u l ados e isto
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está indicado no tex to, s em pre que ocorreu . As nas foram respon s á veis por 14 óbitos (21,5%
informações estão apre s en t adas em quadro e do total de morte s ) , s en do 10 delas provoc ad a s
gráficos. por proj é teis de arma de fogo (71,4%) e qu a tro
por ac i den tes de tr â n s i to. O ano de maior inci-
dência dessas mortes foi o de 1997 (42,9% de
Re su l t a do s todas as mortes) e o de men or foi 2002 (12,5%).
As agressões repre s en t a ram 30,3% de todos os
Sobre a Gu a rda Municipal feri m en tos decorren tes dos ac i den tes típicos de
trabalho ou 26,6% de guardas feri dos em rel a-
A Gu a rda Municipal, em sua curta história, ção ao total das víti m a s . O ac i rramen todos con-
passou por um per í odo de crescimento da viti- f l i tos teve um papel importante no cre s c i m ento
mização de seus agentes que coincide com o da vi timização não letal, mas não em relação às
ac i rramen to de con f l i tos e turbulência envol- m ortes nas ativi d ades profissionais. No per í odo,
ven do algumas áreas da cidade do Rio de Ja n ei- a maioria dos óbi tos ocorreu em folga (89,2%) e
ro, principalmen te o Cen tro (cerca de 60% das a penas 10,8% acon teceram em serviço.
ocorrências de con f l i tos) e os bairros de Madu- Cerca de 29,5% do total dos guardas mu n i-
rei ra (com 25% dos em b a tes) e de Bangu. En- cipais, correspon den do a 10 mortos por proj é-
tre os even tos que redu n d a ram em vitimização teis de arma de fogo e 348 agred i dos por pe-
estão os conflitos com camelôs que negociam dras, paus e luta corpora l , foram viti m ados por
produtos contra b a n de ados e cargas ro u b adas. causas ex ternas no período. No con ju n to dos
O ano de 2003 pode ser con s i derado a época de agravos de que são vítimas, estão em primei ro
ápice desses con f l i to s . A omissão das autori d a- lugar as doenças do sistema osteomuscular
des qu a n to a ações para a con tenção ou proi bi- (51,2%); em seg u n do, os tra n s tornos mentais e
ção da circulação de merc adorias ilegais por ocupac i onais (16,7%); e no tercei ro (10%), os
um lado, e por outro, a pressão da Gu a rda Mu- traumas por ac i den tes e agre s s õ e s . Do efetivo
nicipal con tra as infrações no comérc i o, fize- médio de guardas no período de 2001/2004,
ram cre s cer a resistência dos com erc i a n tes in- 1.110 (21,1%) entra ram em ben efício por ac i-
formais. Con tudo, os confron tos sempre en- den te de trabalho e 2.347 (44,7%), por doen ç a .
contraram os guardas despreparados e mal Analisando as características de vitimização
equ i p ados, usando equ i p a m en tos de pro teção desses servi dores nos anos de 1994 e 1995, Mu-
apenas para a cabeça e o corpo. As ocorr ê n c i a s niz & Soa res (1998) identificaram como pri n-
de vitimização evi denciaram a necessidade de cipais circunstâncias das lesões, traumas e
pro tegê-los com colete, caneleira, joelheira e mortes, a dinâmica con f l i tuosa (60,5%), a di-
mu n h equ ei ra . nâmica criminal (16,3%) e o ac i den te de tr â n-
Atuando no ordenamento das posturas mu- s i to (9,3%). A primeira corre s pon deu a 79,3%
nicipais, os guardas fizeram vir à tona a arti c u- da vitimização em serviço: em 51,7% dos ca-
lação informal criminosa que havia no Centro sos, os agentes encontravam-se em operação
da cidade, gerando uma pressão da soc i ed ade especial e, em 20,6%, e s t avam de sen ti n ela ou
por ações de controle das ilegalidades. Desse f a zen do policiamen to.
modo, sua atuação de s en c adeou, no ano de Os principais instru m en tos usados nas agres-
2004, o desenvo lvi m en to de iniciativas como a sões aos guardas, quando em serviço, em 37,9%
criação da Del egacia con tra a Pirataria. Igual- dos casos, foram paus e ped ras; em 34,4% hou-
men te , a Guarda Municipal passou a ter mais ve luta corporal. Nas folgas, 44,4% das ocor-
apoio govern a m ental e já se ob s erva uma qu e- rências foram cl a s s i f i c adas como agressões cor-
da nas taxas de vitimização. porais e 33,3% envo lveram armas de fogo (Mu-
No per í odo de 1994 a 2004, m orreram por niz & Soa re s , 1998). Também é grande a pro-
todas as causas (doenças e causas ex ternas) 65 porção de guardas viti m ados em ac i den tes de
(5,3%) guardas municipais e 1.150 (94,7%) fo- trânsito, corre s pon dendo a 22,2% das lesões
ram feridos em aciden tes típicos de trabalho. por causas ex ternas.
No total foram 1.215 viti m ados. O número de O gr á f i co 1 mostra as taxas de vitimização
feridos não letais aqui analisado repre s enta o da Gu a rda Municipal do Rio de Janei ro, para
dos servidores em servi ç o. Sendo a Gu a rd a os anos de 1994 e 1995, segundo Muniz & Soa-
Municipal regida pela CLT, seus servidore s , res (1998). No período de 1999 a 2004, as in-
quando sof rem lesões e traumas nas fo l ga s , não formações aqui analisadas provêm da Empre s a
têm aten d i m en tocorpora tivo. As causas ex ter- Municipal de Vi gilância. Os dados incluem
922

Gr á f i co1
Taxas (*) de vi timização da Gu a rda Municipal do Rio de Ja n ei ro.

Fon te : D ados de Muniz e Soa res (1998) para 1994 e 1995 e da Di retoria de Rec u rsos Humanos da Empresa Municipal de Vi gilância
do Rio de Ja n ei ro para os demais anos.
(*) Taxas por 1.000 po l i c i a i s

óbitos por causas ex ternas e ac i dentes típico s ciais, representando cerca de 96% das LTS no
de trabalho. Nos anos referen tes à década atu a l período. São os praças que estão na linha de
h o uve aumen to de viti m i z a ç ã o. Is to ocorreu, fren te nos con f ron to s .
não tanto pelo crescimen to da mortalidade, Mais rel eva n te ainda é o cre s c i m en to geral
mas, sobretu do, graças ao cre s cente regi s tro do e as diferenças entre as duas categorias no qu e
n ú m ero de feri do s . concerne a Incapacitações Físicas Pa rc i a i s
(IFP): o número médio de oficiais com lesões e
Sobre os policiais militares traumas cre s ceu 166,5% no per í odo e o de pra-
ças, 227,5%. O número médio de praças, no
Os dados a seguir, no quad ro 1, se referem início da série era cerca de 13 ve zes maior qu e
a Licenças para Tra t a m en to de Saúde (LTS) e o deof i c i a i s , p a s s a n doa ser 16.8 ve zes em 2004.
Incapacidade Física Parcial (IFP), que requere- Os praças configuram 93% dos incapacitados
ram afastamento das atividades. Corre s pon- f í s i cos retirados dos serviços osten s ivos para
dem a afastamentos temporários por agravos realizar tarefas internas, no per í odo. No ano de
que retiram os policiais de ações operacionais 1997, 50,2% das LTS e 42,8% das IFP foram
osten s ivas e os mantêm em tarefas internas. provocadas por traumas; e 5,6% das LTS e
Embora as duas categorias de afastamento se 16,9% das IFP deveram-se a problemas psi-
refiram a todos os tipos de agravo e não só a qu i á tri cos (Muniz & Soa res, 1998). Em ambo s
ac i den tes e violências, o quadro tem o obj etivo os casos ressaltam-se os riscos e o estresse vivi-
de mostrar como se distribuem tais ocorrên- do no trabalho.
cias por hierarquia dos servidore s . O gráfico 2 apre s enta as taxas de vitimiza-
Observa-se que o número médio deof i c i a i s ção dos policiais militare s , n elas incluídas mor-
com LTS cre s ceu 95,5% no período, en qu a n to tes e casos de ferimen tos por ação vi o l enta em
o de praças mais que duplicou (108,3%). O nú- serviço, em folga e todos os dados em conjunto.
mero médio de praças com agravos que exigi- Dos 4.518 policias mortos e feri dos por to-
ram afastamento é mais de 20 ve zes o de ofi- das as causas, de 2000 a 2004, 56,1% foram viti-
923

Q u a d ro 1
Distribuição das licenças para tratamento de saúde (LTS) e das incapac i d ades físicas parciais (IFP)
dos policiais militares do Estado do Rio de Ja n ei ro, 2000 a 2004.
Afastamen to tem por á rio 2000 2001 2002 2003 2004
LTS
Número médio
Oficial 22,3 27,9 30,3 41,1 43,6
Praça 539,8 685,0 801,8 919,3 1124,2
Proporção média
Oficial 4,0 3,9 3,6 4,3 3,7
Praça 96,0 96,1 96,4 95,7 96,3
Razão de número médio, 24,2 24,6 26,5 22,4 25,8
Praça/Oficial
IFP
Número médio
Oficial 79,2 105,0 136,6 162,7 211,1
Praça 1081,1 1307,0 1796,8 2123,2 3540,3
Proporção média
Oficial 6,8 7,4 7,1 7,1 6,0
Praça 93,2 92,6 92,9 92,9 94,0
Razão de número médio, 13,6 12,4 13,2 13,0 16,8
Praça/Oficial

Gr á f i co2
Taxas (*) de vi timização de policiais militares do Estado do Rio de Ja n ei ro.

Fon te : D ados de Muniz e Soa res (1998) para os anos de 1994 e 1997 e da As s e s s oria de Im prensa da Polícia Militar
do Estado do Rio de Ja n ei ro para os demais anos.
(*) Taxas por 1.000 po l i c i a i s
924

m ados du ra n te as fo l ga s , con tra 43,9%, em ser- m a res acima dos 70% dos casos de ferimen to
viço. Nesse período, a ação violenta representou de policiais. Em 2002 esse percentual era de
57,2% das causas de suas mortes e feri m en to s , cerca de 39%.
proporção que cre s ceu nos últimos dois anos, No per í odo de 1994 a 1996, os soldados re-
p a s s a n do de 53,2% em 2002, para 63,7% e pre s en t a ram 55,3% dos policiais militares vi ti-
67,1% em 2003 e 2004, respectivamente. mados no Rio de Ja n ei ro ; os cabos, 31,1%; os
Do total de 758 policiais mortos, 173 s a r gen to s , 8%; e os oficiais, os 5,6% re s t a n tes.
(22,8%) estavam em servi ç o. Q u a n do mortos As circunstâncias da vi timização em serviço fo-
em serviço por ação violenta, essa proporção é ra m : dinâmica criminal (cerca de 54%); trânsi-
um po u co maior (26,4%). Os dados mostram to (em torno de 19%); e dinâmica con f l i tuosa
um crescimen to desde o ano de 2002 da pro- (mais ou menos 21%). Em fo l ga , essas propor-
porção de óbi tos em serviço por ação violenta, ções eram de mais ou menos 35%, 29% e 17%,
p a s s a n dode 75% para 88%. O número de po- re s pectivamente. A arma de fogo é o principal
liciais que perderam a vida em serviço foi 2.5 m eio usado pelos agre s s ores para vi timar po l i-
ve zes maior em 2004 qu a n do comparado ao cial em serviço (média de 51%) e em folga (mé-
ano de 2000. dia 55%). Os ac i dentes de trânsito foram respon-
Se por um lado cre s ceu a vitimização dos sáveis por 20,4% da vitimização dos policiais em
policiais – de todas as três categorias – também serviço e 28,1%, em fo l ga. O local das ocorr ê n-
é verd ade que de 2003 para 2004 houve cre s c i- cias corre s pon de às vias públicas (72,7%); ao
m en to de 2,6% no número de ocorrências cri- b a i rro (6,3%); à vizinhança (4,6%); à residên-
minais no Rio de Ja n eiro: foram 536.163 em cia (3,5%); ao espaço das pr ó prias instituições
2003 e 550.262 em 2004. Os del i tos violen to s policiais e de segurança (2,8%); aos bares e si-
não letais contra a pe s s oa cre s ceram 4,6%, p a s- milares (2,1%); e às instituições comerciais e
s a n do de 5.054 para 5.286. A ocorrência de as- f i n a n cei ras (3,3%) (Muniz & Soa res, 1998).
s a l tos a tra n s eu n tes se el evou em 24,4%; os as- A título de com p a ração, d ados dos Estados
saltos a ônibus su bi ram 11,7%; e os latroc í n i o s Un i dos mostram qu e , de 1993 a 1995, apenas
c re s ceram 3,4%. Em contraposição diminuí- 4,9% dos policiais que sof reram ac i dentes ou
ram as seg u i n tes ocorrências: a s s a l tos a banco s traumas foram atingi dos por arma de fogo. Na
(33,9%); seq ü e s tros (33,3%); ro u bos de carga maioria dos casos de vitimização (81,5%), hou-
(21,8%); assaltos a estabelecimen tos comer- ve apenas con f ron to corporal. A taxa norte-
ciais (18,4); a s s a l tos a residências (6,7%); ho- americana de mort a l i d ade de policiais em servi-
micídios dolosos (2,8%); e roubos e furtos de ço passou de 4,70/10 mil para 2,9/10 mil, en tre
veículos (2,6%) (Va s con celos & Goulart , 2005). os anos de 1980 a 1994 (Muniz & Soa res, 1998).
Coi n c i d i n docom a vi timização dos policiais, a No Rio de Janeiro, dos policiais militares
m a i oria dos crimes noti f i c ados na cidade acon- que morreram em serviço, 55,3% estavam tra-
teceu na zona Norte da cidade . balhando em policiamen to geral, dos qu a i s
É import a n te também de s t acar que no con- 41,4% faziam patru l h a m en to motorizado e de
ju n to dos óbi tos por ação vi o l enta morrem 2.8 ro tina; 29,2% exerciam policiamen to dirigi do
ve zes mais policiais militares em folga do que (13,1% de rad i op a trulha e de aten d i m en to aos
os que se en con tram em servi ç o. No en t a n to, a c i d adãos e 12%, em operações especiais); 2,9%
i m portância da ação violenta tem maior mag- efetuavam investigação e diligência; 12,7%
nitude na mortalidade desses últimos (ela re- a tu avam em outros tipos de serviços; e 10,4%
pre s enta 83,2% dos policiais que morreram em estavam de sen ti n ela ou plantão. No per í odo de
servi ç o, com p a rados aos 68,5% dos que mor- 1994 a 1996 as maiores taxas de vitimização
reram em fo l ga ) . ocorreram en tre policiais dos Batalhões servin-
Dos 3.760 policiais militares feridos (em do aos bairros de Ol a ria, Méier, Ben f i c a , Roch a
s erviço e em folga) 48,1% (ou 1.809 policiais) Mi randa e Estácio. Todos são bairros contíguos
e s t avam em servi ç o. Desses que se encontra- ( cerca de 78) situ ados na Zona Norte (Mu n i z
vam em serviço, 1.054 (58,3%) foram atingi- & Soa re s , 1998).
dos em ação violenta, o que repre s enta uma Uma década depois dos estudos de Muniz
proporção maior do que a de 50,5% de feri do s & Soa res (1998), os maiores índices de vitimi-
qu a n do em fo l ga pela mesma causa. No en t a n- zação con tinuam ocorren do com policiais do s
to, a ação vi o l enta tem cre s c i do proporc i onal- mesmos Ba t a l h õ e s : 9o, de Rocha Mi ra n d a ; 20o,
men te vitimizando também os policiais em fo l- de Mesquita; 22o, da Penha; 3o, do Méier e 16o,
ga. Em 2003 e 2004 ela é re s pon s á vel por pata- de Olaria. Neles ocorreram 436 con f rontos
925

(44,4% de todos os 983 acon tecidos em 2004 Sobre os policiais civis


na cidade ) . Nessas jurisdições houve 21 óbi to s ,
quase metade dos 44 ocorridos por ação vio- As informações sobre a polícia civil dizem
l enta em serviço nesse ano. Os policiais são ca- re s pei to às mortes e aos even tos não fatais cau-
çados, atacados e executados por criminosos sados por todas as condições e agravo s , i n clu i n-
( tra f i c a n tes), em ações voltadas ao roubo de ar- do-se as doenças, os aciden tes e as violências.
mas. Os próprios com a n d a n tes das corpora- Essas informações diferem das apre s entadas
ções, responden do à imprensa, admitem qu e sobre as duas outras categorias, por dificulda-
em alguns casos há o envo lvimento de policiais des objetivas de se obterem dados desagrega-
com o cri m e , mas afirmam qu e , na maioria das dos sobre causas ex ternas para esse gru po.
ve ze s , eles são emboscados (Bottari, 2005a, No período de 1994 a 2004 foram aposen-
2005b). Além do risco intr í n s eco ao trabalho, tados por laudo médico 594 policiais civis, en-
mu i tos motivos são evocados como con d i ç õ e s volven do todas as causas geradoras de inva l i-
da vitimização. Den tre el e s , citam-se alguns co- dez temporária e permanen te , incluindo-se
n h ec i dos como o fato de os atuais co l etes por doenças e lesões provocadas por ac i den tes e
eles usados não os pro tegerem contra ti ros de violência. Ao lon go desses anos, a maior taxa
fuzil. E também a obsolescência dos equ i p a- de apo s en t adorias com aval médico ocorreu
men tos ofen s ivo s , d i a n tedas armas po s s a n tes e em 2004 (8,9 por mil policiais civis), en qu a n to
as táticas de ataque dos del i n q ü en tes. Os ana- a men or das taxas ocorreu em 2001, corre s pon-
listas dessas questões consideram qu e , no Rio den do a 3,4/1.000.
de Ja n ei ro, o cre s c i m en to das mortes, tanto de No gráfico 3 apresentam-se as taxas de mor-
policiais como de civis, coincide com o tam- talidade . Para os anos de 1994 e 1995 os dado s
bém cre s cen te envolvimen to de policiais com abrangem os policiais mortos da cidade. No
as redes de tr á f i co de armas e drogas. Assim, re s t a n te do per í odo, eles se referem ao Estado.
parte das agressões seriam “acertos de con t a” Pelos motivos alu d i do s , as informações aqu i
en tre criminosos e policiais corru ptos. analisadas não perm i tem a comparação entre

Gr á f i co3
Taxas (*) de mortalidade de policiais civis do Rio de Janei ro.

Fon te : D ados de Muniz e Soa res (1998) para a cidade nos anos de 1994 e 1995 e dados da Polícia Civil do Estado para os demais anos.
(*) Taxas por 1.000 po l i c i a i s
926

as categorias. Morreram, por todas as causas, pulações tra b a l h adoras no Brasil na con ju n tu-
147 policiais civis no período de 1998 a 2004, ra atual (Mi n ayo Gomez, 2005). Porém, isso
dos quais a grande maioria (120 policiais) en- ocorre de forma muito mais insidiosa entre
con trava-se de fo l ga . g u a rdas municipais e policiais civis e militare s
O pon tomais rel evante das informações tra- do Rio de Ja n ei ro.
zidas pelo gráfico 3 é a elevação das taxas de E m bora os servi dores das três corporações
morte de policiais nos dois últimos anos, pri n c i- con form em uma categoria específica de traba-
p a l m en te qu a n do em fo l ga. D ados de Muniz & l h adores em el evado risco para mortes e morbi-
Soa res (1998) para a cidade do Rio de Ja n eiro dade por violências e ac i den tes, ex i s tem diferen-
i n d i c a rampara os anos de 1994 e 1995 taxas de ciações internas en tre os três gru pos, o que cor-
vi timização de 20,8 e 17,5 por mil policiais, res- re s pon de , dentre outros motivo s , ao processo de
pectivamen te . Gra n de parte das informações es- trabalho de cada um. Por exem p l o, as agressões
t ava cl a s s i f i c ada numa categoria den ominada aos guardas municipais costumam ser menos le-
“ofen s a s”. Em 1994 a taxa total de vitimização tais, pois, em sua maioria, eles são vítimas de
( m ortos+feri dos) foi de 20,8 por mil policiais p a u l adas e ped radas. Já os policiais militares e
civis, en qu a n to apenas a de ofensas não let a i s foi civis são mais agred i dos com armas de fogo.
de 16,6/1.000. Em 1995 o va l or en contrado para Merece atenção a vitimização dos agentes
a taxa total de vi timização foi de 17,5/1.000 e de de segurança em suas fo l ga s , t a n to em ac i den-
14/1.000 para as lesões não letais. Nesses mes- tes de tr â n s i to como por agressões. No caso do s
mos anos, a maior parcela dos óbi tos corre s pon- con f ron to s , algumas evidências podem ser re s-
deu à de policiais em fo l ga . Den tre os vi ti m ado s saltadas. Uma delas, con trad i tori a m ente, se de-
53,1% eram detetives; 10,9% carcerei ros; 18% ve também ao trabalho. Elevado percen tual de
não foram especificados qu a n to à função; 5% policiais (Mi n ayo & Souza, 2003) tem um se-
eram escrivães, 3,8% del egados e 8,4% exerciam g u n do em prego na área de segurança privad a
outras funções. As circunstâncias da vitimização (de banco, p a trimonial, de gru po s , de pessoas),
em serviço corre s pon deram à dinâmica cri m i- continuando assim a usar o tempo livre com
nal em 52% dos casos, s en do 13,3 por ação ar- a tivi d ades de similar el evado ri s co. Outro mo-
m ada de su s pei to s . Os ac i den tes de tr â n s i tores- tivo se deve à pre s ença dos policiais, como ci-
pon deram por 22,7%, e a dinâmica con f l i tuosa, dadãos, em cenas de con f l i tos em bairro s , em
a 18,7% dos traumas e lesões. As circunstâncias bares e em tra n s portes qu a n do, por via de sua
da vi timização dos que estavam em fo l ga fora m : f u n ç ã o, acabam se envolvendo. Mu i tos, tam-
dinâmica criminal (33,3% dos casos, sendo bém, são vítimas de em bo s c adas de del i n q ü en-
28,8% a assalto s ) ; ac i dentes de tr â n s i to(28,8%) te s . Esse último motivo leva a que seja comum
e dinâmica con f l i tuosa (25,5%). o fato de os policiais escon derem seus disti n ti-
Arma de fogo foi o instru m en to re s pon s á- vos e prof i s s ã o, visando diminuir as ameaças e
vel por 48,8 dos casos de vitimização dos po l i- a t a ques que lhes são impingi do s . Não deve ser
ciais civis, s eguida por ocorrências envolven do de s c a rtado também o fato de qu e , no ambi en te
veículos (25%) e luta corporal (13,5%). A via de trabalho das corpora ç õ e s , esses agen tes de s-
pública constituiu o local de 63,2% das ocor- f rutem de maior pro teção grupal e de atenção e
rências. Con tu do, p a rcela con s i der á vel de casos cuidados mu i to mais estruturados e pad roni-
acon teceu em residências (6,8%), nas pr ó prias z ados tec n i c a m en te.
insti tuições policiais (6,4%), no bairro (5,6%) Fica patente que, dentre os três grupos, a Po-
e em bares e similares (5,3%). lícia Militar é a que mais sof re agre s s õ e s , apre-
sen t a n do taxas de mort a l i d ade e de morbi d ade
el evadíssimas. Esse privi l é gio nega tivo pode ser
Con clu s õ e s con s t a t ado, com p a ra tiva m en te , com dados para
o ano de 2000. No Brasil, a taxa de mort a l i d ade
Du ra n te a série estu d ada houve cre s c i m en toda por homicídio na população geral foi de 26,7
vitimização nas três categorias estudadas, so- por 100 mil habi t a n tes e essa taxa na população
bretudo considerando-se as lesões não fatais masculina foi de 49,7. Na capital do Rio de Ja-
nos primei ros anos deste século, com relev â n- n ei ro, os dados são mais el evados: 49,5/100.000
cia para 2003 e 2004. As principais causas de na população geral e 97,6/100.0000 na pop u l a-
m orte , lesões e traumas se devem a agressões e ção masculina. As taxas de mortalidade por
a acidentes de trânsito, o que coincide hoje agressões e aciden tes de trânsito entre agen te s
com informações sobre a vitimização das po- da seg u rança pública (das três categorias) são
927

mais el evadas, menos na Gu a rda Municipal. per í odo de 2001 a 2003 no país e no Rio de Ja-
Nessa, em 2001, a taxa de mortalidade foi de nei ro. De acordo com dados da Sec retaria Na-
55,31/100.000 guardas, a b a i xoda média mascu- cional de Seg u rança Pública/Sen a s p, no Brasil
lina da população do Rio de Ja n ei ro. No en t a n- houve um cre s c i m en to de 30,7% na taxa de
to, na Polícia Mi l i t a r, em 2000, a taxa de mort a- ocorrência criminal, que é de 4.952,1 em 2003;
l i d ade por agressões ch egou a 356,23/100.000. no Rio de Ja n eiro o cre s c i m en to foi de 34,1%,
Na polícia civil, essa taxa, considerando-se todas ten do essa capital a 23a taxa média do per í odo
as causas, no mesmo ano foi de 206,80/100.000. (3.267,9). Em São Paulo, o incremento foi de
Port a n to, com p a ra tivamen te , a Polícia Mi- 20% e a taxa de 4.775,5 situou essa cidade na
litar apre s enta taxas de mort a l i d ade por vi o l ê n- 20a posição en tre as capitais.
cia 3.65 vezes maiores do que a da população D ados da Senasp evidenciam leve redução
masculina da cidade do Rio de Ja n ei ro e 7.2 ve- de 4,3% das taxas de homicídios dolosos en tre
zes a da população geral da cidade . Com p a ra n- os anos de 2001 e 2003, no país. Em São Paulo, a
do-se com o Bra s i l , as taxas são 7,17 ve zes as da qu eda foi de 18,9% com a taxa de 40,0/100.000.
população masculina e 13.34 ve zes as da pop u- No Rio de Ja n ei ro, ao con trári o, h o uve cre s c i-
lação geral. O risco de morte entre Policiais m en to de 3,5%: a taxa em 2003 foi de 38,5/100
Militares é também maior do que entre os mil. No per í odo, a taxa média do Brasil foi de
agentes dos outros órgãos de segurança aqui 35,0/100.000, a de São Paulo foi de 44,3/100.000
a n a l i s ados: chega a ser 6.44 ve zes o da Gu a rd a (sex to co l oc ado en tre as capitais) e a do Rio de
Municipal e 1.72 ve zes o da Polícia Civil. Ja n ei ro foi de 38,8/100.000 (9a maior taxa).
Sob a pers pectiva das internações hospita- Encerra n do esta ref l exão, chama-se aten ç ã o
l a res motivadas por agre s s ã o, em 2000 obser- para a necessidade de estu dos e, pri n c i p a l m en-
vou-se a taxa de 0,10/1.000 habi t a n tes na po- te, de propostas de ação que sejam efetivas e
pulação geral e 0,34/1.000 na população mas- torn em os trabalhadores da segurança públ i c a
culina do país. As taxas de lesões e traumas por m enos vulneráveis. A maioria das medidas pa-
agressões não fatais foram de 4,49/1.000 para a ra diminuir a vitimização passa por propostas
Gu a rda Municipal e de 9,29 para a Polícia Mi- de modernização dos seus processos de traba-
litar, nesse mesmo ano. Com p a rados com da- lho, das estratégias de sua atuação e dos equ i-
dos do Rio de Janei ro, a taxa de morbidade pamen tos de produção dos serviços. Mas refe-
hospitalar da Polícia Militar em 2000 foi 92,90 rem-se também a políticas que promovam a
ve zes maior que a da população geral da cidade diminuição da cri m i n a l i d ade e a mudanças na
e 27.32 ve zes a da população masculina do Bra- cultura de oposição entre policiais e cidadãos.
sil. Foi ainda 2.07 ve zes maior do que a taxa da O campo de saúde do trabalhador hoje, para
Gu a rda Municipal. s er coeren te com a re a l i d ade do mu n do do tra-
Como já foi mencionado, em paralelo ao balho, não pode se omitir de pensar nas cate-
c re s c i m en to da vitimização dos policiais e dos gorias que atuam na seg u rança pública, um dos
guardas, ob s ervou-se, também, a evo lução das segmen tos mais vulneráveis aos acidentes e à
taxas de ocorrências criminais registradas no morte no trabalho.

Co l a boradore s

Ambas as autoras parti c i p a ram de todas as etapas de el a-


boração do artigo.
928

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Artigo apre s en t ado em 10/05/2005


Aprovado em 19/05/2005
Versão final apre s en t ada em 19/05/2005

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