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SOUSA, Maria Laura de Melo. Jogo do Bicho: Incógnita Brasileira. Revista Científica Multidisciplinar
Núcleo do Conhecimento. Edição 08. Ano 02, Vol. 01. pp 161-183, Novembro de 2017. ISSN:2448-0959
RESUMO
O jogo do bicho foi uma loteria inventada no Rio de Janeiro em 1892 com intuito de gerar fundos para o
recém-inaugurado Zoológico da cidade, mas devido a sua grande popularização acabou proibido pelas
autoridades. A ilegalidade não conteve sua expansão e rapidamente outras cidades da federação passaram
a registrar ocorrências desta loteria. Apesar de ser considerada uma contravenção penal, o jogo do bicho
vem sendo, cada vez mais, propagado, em consonância com o princípio de adequação social. Sendo alvo
de divergências doutrinárias sobre a possibilidade de criminalizar ou liberar de vez esse jogo,
apontamentos de desvantagens e vantagens serão demonstrados ao longo dessa pesquisa. Utiliza-se com
método de abordagem o dedutivo e como método de procedimento o bibliográfico e o jurisprudencial.
1. INTRODUÇÃO
O jogo do bicho é uma certame de apostas muito antiga, considerada pelo ordenamento brasileiro e por
boa parte da doutrina – como, por exemplo, Otávio Magano[2] e José Catharino[3] - uma prática ilícita.
Essa modalidade de aposta surgiu em 1892, possui como tema central os animais, e seu idealizador foi o
barão João Batista Viana Drummond, fundador e proprietário do Jardim Zoológico do Rio de Janeiro.
Apesar desse jogo estar prevista no art. 58 da Lei das Contravenções Penais como uma conduta ilegal,
sujeito à multa e a pena restritiva de direito, sua prática vem crescendo exageradamente nos centros
urbanos do país, como também em cidades médias e pequenas.
Ao longo do tempo, o jogo do bicho vem se tornando uma prática rotineira na vida de vários brasileiros e,
consequentemente, gerando muitos lucros para os banqueiros (donos das casas de jogo), que diante do
exposto passaram a contar com um maior número de gerentes e cambistas.
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Este trabalho tem por escopo o estudo da infração do jogo do bicho, que foi definido pelo legislador como
Contravenção Penal pelo Decreto-Lei n.º 3.688/41, e tem como objetivo principal, analisar a questão da
possibilidade de descriminalização do jogo do bicho apontando aspectos relevantes como a evolução do
jogo do bicho e seus aspectos gerais, o posicionamento da doutrina e jurisprudência acerca do tema, a
eficácia da norma em nosso sistema jurídico, bem como o parâmetro da sociedade sobre a liberação ou
elevação ao status de crime desta modalidade de jogo e suas consequências, tendo em vista as leis
vigentes aplicáveis a quem pratica esta infração e seu alcance jurídico processual atual.
A pesquisa se justifica pelo fato de que o jogo do bicho tem se difundido de forma alarmante e permeia as
mais conceituadas Instituições Brasileiras de forma direta e indireta, como na economia, no setor
trabalhista, policial, cultural e até legislativo, buscando esclarecer as suas facetas, bem como os
benefícios e os malefícios. Para isso, procura-se trazer os ensinamentos dos mais respeitados
doutrinadores a respeito do tema apontando as divergências e convergências de opiniões e
posicionamentos, bem como a mais atual jurisprudência e legislação pertinente.
Essa loteria foi criada em 1892 pelo barão João Batista Viana Drummond, fundador do Jardim Zoológico
do Rio de Janeiro. A intenção por trás da ideia era nobre: o barão queria atrair mais gente para o zôo,
compensando o corte de verbas do governo, que mantinha o lugar. Para alimentar toda a fauna,
Drummond mandou imprimir o desenho de 25 bichos nos ingressos. Pontualmente às 5 da tarde, sorteava
um deles. Quem tivesse a figura vencedora ganhava 20 vezes o valor da entrada.
Com o advento da República em 1889, a subvenção foi cortada e o Barão que tinha empregado toda a sua
fortuna na compra de animais para o zoológico e manutenção, passou a experimentar uma grande crise
financeira. Neste momento entra em cena o seu amigo mexicano Manuel Ismael Zevada, que bancava
sem muito sucesso na Rua do Ouvidor no Rio de Janeiro, o Jogo das Flores explorado no México, sua
cidade natal, propõe sociedade com o Barão. Substituindo as flores por 25 animais, eram carimbados e
escritos os nomes de um bicho no bilhete do zoológico que custava mil réis a entrada.
Diante das dificuldades financeiras para alimentar os animais e pagar os trabalhadores não restava outra
alternativa senão pôr fim às atividades do Jardim Zoológico. Porém, o Barão Drummond teve a ideia de
criar uma loteria, onde os bilhetes seriam vendidos no próprio zoológico e valeriam tanto como ingresso
de entrada como de bilhete para participar de um sorteio. Dessa forma, com a finalidade de obter recursos
para a manutenção do Jardim Zoológico do Rio de Janeiro, surge o jogo mais popular do Brasil.[4]
No início, todo visitante do zôo recebia um bilhete com a imagem de um bicho. Mas, a partir de 1894,
cada um podia comprar quantos bilhetes quisesse. Para combater as apostas, que se tornaram uma mania
em toda a cidade, a Prefeitura impediu o sorteio em 1895. Mas deu zebra: em vez de enfraquecer a
jogatina, a proibição fortaleceu os bicheiros. Se antes eles compravam os ingressos no zôo e os revendiam
pela cidade, a partir daquele momento eles se juntaram para realizar o sorteio por conta própria. Nem a
ameaça de cadeia para os bicheiros com a criminalização do jogo, em 1946, conseguiu segurar a jogatina.
Àquela altura, o bicho já era uma mania instalada no imaginário popular, apoiado em uma rede de
relações pessoais e no infalível “jeitinho brasileiro” para driblar a repressão.
A grande popularidade do jogo do bicho alertou a polícia da época e. em 1895, com os lucros
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estratosféricos das apostas, os homens fortes do jogo se uniram com o crime organizado. Eles lançaram
tentáculos em pelo menos seis áreas: tráfico de drogas e de armas, especulação imobiliária, prostituição,
jogos eletrônicos e transporte clandestino, com peruas e lotações. O prefeito Werneck de Almeida
publicou o Decreto de nº 133, que proibia o sorteio dos bichos nas dependências do Jardim Zoológico,
pois as autoridades passaram a considerar o jogo do bicho como um jogo de azar. Em 1899, foi
promulgada a Lei nº 628 que instituiu a pena de um a três meses de prisão para os acusados da prática do
jogo do bicho e, em 1941, o Decreto-Lei nº 3.688 que veio proibir definitivamente a prática do o jogo de
bicho, tipificado tal ato como contravenção penal[5]. Mesmo proibido, o bicho continua até hoje com três
sorteios diários, representando uma pequena fatia da grana suja que alimenta os criminosos.
A história do jogo do bicho já possui 124 anos e é suficiente para provar que ele teve sucesso e hoje é
uma das modalidades mais jogadas por todos os brasileiros. O seu sistema atual é divergente daquele
idealizado pelo Barão Drummond, ele é composto por várias pessoas e obedece a uma hierarquia, onde
primeiramente se tem a figura do banqueiro (“dono” do negócio), que conta com a função de seus
gerentes (auxiliares da administração do negócio) e por último os vendedores (conhecidos como
cambistas) que realizam a anotação das apostas e repassam ao gerente.[6]
A maioria dos dicionários define o jogo do bicho como sendo o “tipo de loteria na qual se joga sobre os
finais 0000 a 9999, cujas dezenas correspondem a 25 grupos, cada um com o nome de um animal, a
saber: avestruz, águia, burro, borboleta, cachorro, cabra, carneiro, camelo, cobra, coelho, cavalo, elefante,
galo, gato, jacaré, leão, macaco, porco, pavão, peru, touro, tigre, urso, veado, vaca.” É também criticado
por ser o jogo dos ignorantes por não obedecer à ordem alfabética.
Desde as Ordenações do Reino até a época do Brasil Holandês, encontramos vestígios de práticas
consideradas como crime que hoje são tipificadas na Lei das Contravenções como, jogos de azar, que
numa e noutra época sua pena variava entre multas e/ou pequenos intervalos de privação de liberdade até
penas mais severas que vigoraram no Norte do Brasil em 1630, por consequência da Invasão Holandesa
[7]
A primeira vez que foi usado o vocábulo contravenção para determinar espécies de delitos foi no Código
Penal dos Estados Unidos do Brasil, de 11 de Outubro de 1890 (arts. 364 a 404), no qual repetia com
pouquíssimos acréscimos os delitos do Código Criminal do Império do Brasil, de 7 de Janeiro de 1831,
primeiro código genuinamente brasileiro, quando trata Dos Crimes Policiais (sic), no Livro IV, Capítulos
I ao VIII, (arts. 276 a 307).
Com pouquíssimos acréscimos, a Consolidação das Leis Penais de 1932, repetiu o mesmo feito. No dia 1º
de Janeiro de 1942, passam a viger simultaneamente o Código Penal, a Lei de Introdução ao Código
Penal e a Lei das Contravenções Penais, esta última, com veemente oposição do revisor Alcântara
Machado[8] que queria mantê-la disciplinada no Código Penal, porém, foi vencido[9] com argumentos de
não se misturarem assuntos de menor importância com obras destinadas a durarem por longo tempo.
Apontado por alguns doutrinadores como verdadeira intromissão do poder de polícia nas legislações
penais, a Lei das Contravenções Penais, de um modo geral, vem perdendo o caráter repressivo e
preventivo à que se pretendia inicialmente com sua entrada em vigor, principalmente após a vigência da
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Lei n.º 9.099/95 (Lei dos Juizados Especiais Cíveis e Criminais) e da Lei n.º 10.259/01 (Lei dos Juizados
Especiais Cíveis e Criminais no âmbito da Justiça Federal), e que foram recentemente alteradas pela Lei
n.º 11.313/06, assunto que analisaremos mais adiante.
No Brasil, segundo a doutrina, a contravenção traz a ideia de ilicitude de menor importância que crime,
“crime-anão” [10], devido a menor pontencialidade em lesar os interesses sociais relevantes que o
legiferante quis amparar. Assim, é comum as pessoas dizerem: “é só contravenção”, ou seja, a população
ameniza ainda mais o que a lei pretendeu amenizar, nessa esteira, incute nas pessoas a ideia de que
contravenção não tem muita importância para nosso ordenamento jurídico. A contravenção penal é todo
delito que prevê cominação de prisão simples ou multa, ou ambas alternativamente ou cumulativamente.
Vale lembrar que existem contravenções penais disciplinadas em outros diplomas legais como, verbi
gratia, na Lei n.º 8.245/91 (Lei do Inquilinato) e na Lei n.º 4.771/65 (Código Florestal), desta forma,
quando outras leis não dispuserem de maneira diversa, serão aplicadas as disposições gerais da Lei das
Contravenções Penais e Código penal, respectivamente nesta ordem, diante do critério da especialidade.
Nessa esteira, é preciso não olvidar que a lei geral que beneficia o réu é exceção ao critério da
especialidade.[11]
O jogo do bicho, considerado uma contravenção, encontra definição legal no artigo 58 do Decreto-Lei n.º
3.688 de 1941, que foi alterado pelo Decreto-Lei n.º 6.259 de 1944, e traz a seguinte redação:
“Art. 58. Realizar o denominado “jogo do Bicho”, em que um dos participantes, considerado comprador
ou ponto, entrega certa quantia com a indicação de combinações de algarismos ou nome de animais, a que
correspondem números, ao outro participante, considerado o vendedor ou banqueiro, que se obriga
mediante qualquer sorteio ao pagamento de prêmios em dinheiro. Penas de 6 (seis) meses a 1 (um) ano de
prisão simples e multa de dez mil cruzeiros, a cinqüenta mil cruzeiros ao vendedor ou banqueiro, e de 40
(quarenta) a 30 (trinta) dias de prisão celular ou multa de duzentos cruzeiros a quinhentos cruzeiros ao
comprador ou ponto. § 1º Incorrerão nas penas estabelecidas para vendedores ou banqueiros:
A razão oficial para proibir o jogo do bicho e os jogos de azar em geral pode ser encontrada em outro
Decreto-Lei. O de 9.215/1946, que revogou a revogação do mencionado artigo 50, considerando, entre
outras coisas, que “a repressão aos jogos de azar é um imperativo da consciência universal” e que “a
tradição moral jurídica e religiosa do povo brasileiro e contrária à prática e à exploração e jogos de azar”.
Foi, portanto, sob essa justificativa claramente moralista (e hoje anacrônica) que o jogo do bicho passou
de prática popular a ilícito penal. É bem verdade que a ilegalização do jogo do bicho não veio sob uma
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roupagem jurídica muito severa. Imagino que ninguém em 1940-41 tenha pensado em transformar o jogo
do bicho em crime, punido com pena de reclusão ou detenção. Acharam por bem colocá-lo com um ilícito
penal menor, uma contravenção, bem próxima de outras contravenções similares, tais como a vadiagem
(artigo 59: “Entregar-se alguém habitualmente à ociosidade, sendo válido para o trabalho [...]”), a
mendicância (artigo 60: “Mendigar, por ociosidade ou cupidez”; artigo revogado desde 2009), e a
embriaguez pública (artigo 62: “Apresentar-se publicamente em estado de embriaguez, de modo que
cause escândalo [...]”).
Mesmo se tornado ilegal, mas ainda parte da cultura popular, o jogo do bicho estava aberto a quem
tivesse a logística criminal para monopolizá-lo. E, assim, aos poucos, fortunas foram feitas e famílias de
exploradores do jogo do bicho criaram máfias dignas de histórias napolitanas ou sicilianas. Obviamente,
já que o jogo era ilegal, as famílias monopolistas tinham de criar e manter uma rede de colaboradores,
seguranças privados e agentes públicos corruptos, de modo que os pontos de apostas fossem divididos
com o menor trauma possível, quer entre famílias, quer com o Estado. No belo romance “Agosto”,
Rubem Fonseca retrata bem a penetração da polícia do Rio de Janeiro pela propina das famílias
monopolistas do jogo do bicho. É claro que, naquela época, as drogas ainda não eram tão duramente
ilegalizadas quanto se tornariam ao longo da segunda metade do século XX, quando elas tomaram o lugar
do jogo do bicho como negócio ilegalizado mais lucrativo.
Na busca por apagar a desvalorizada identidade de bicheiros, os membros das famílias monopolistas
passam a investir em outras atividades sociais, que lhes rendam identidades valorizadas. É novamente
irônico, neste ponto, que uma dessas atividades, seja o carnaval, especificamente o carnaval das escolas
de samba do Rio de Janeiro. A ironia está em que uma atividade ilegalizada por conta da sua afronta a
valores “morais, jurídicos e religiosos do povo brasileiro” busque refúgio simbólico justamente na
atividade e momento social em que todos os valores moralistas e religiosos se encontram oficialmente
suspensos no Brasil, com direito a autorização de nudez, sexo casual em público e outras heresias mais.
De qualquer modo, juntando a ilegalização de uma atividade culturalmente normal para o povo, com o
consequente monopólio da atividade tornada ilegal, com a necessidade das famílias monopolistas do jogo
do bicho de buscar identidades socialmente valorizadas, chegamos a Carlinhos Cachoeira. Ao que tudo
indica, trata-se de uma pessoa que enriqueceu com o monopólio do jogo do bicho, monopólio que lhe foi
fornecido pela ilegalização desta atividade, muitas décadas antes. Segundo expõe Cachoeira “A marca de
bicheiro é poderosa e as instituições do Estado cismam em manter essa paradoxal relação com os
monopolistas do jogo do bicho: milhões de reais em recursos públicos para investigar uma mera
contravenção penal; milhões de reais em dinheiro do bicho para financiar carnavais, políticos e
empresários. Um círculo vicioso que, como uma cachoeira, esconde o real problema: a insustentável
ilegalização do jogo do bicho”.
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Podem praticar a conduta ilícita qualquer pessoa, no entanto, quando analisamos sua estrutura
observamos que o tipo exige plurissubjetividade ativa, ou seja, que haja um sujeito bancando e outro
apostando ou participando de qualquer maneira. Assim, temos a figura do vendedor ou banqueiro,
apostador ou comprador e os intermediários que são equiparados aos primeiros para fins de aplicação da
pena. A Súmula 51 do STJ pôs fim à minoritária divergência jurisprudencial que entendia ser necessária a
identificação do banqueiro ou apostador para punição do intermediário, visto que o tipo em comento
apesar de ser plurissubjetivo não exige a identificação ou punição do banqueiro ou vendedor para punir o
intermediário, pois “a responsabilidade penal é individual, de modo que no caso de co-autoria ou
participação não se exige a punição de todas”[12].
Vale ressaltar que se considera imoral jogar nas loterias exploradas pelo governo, também não seria ilegal
jogar o jogo do bicho, ou seja, o apostador ao jogar não comete delito algum, visto que o ato de jogar não
é imoral; ocorre o mesmo com as pessoas que trabalham direta ou indiretamente para o banqueiro, pois
visam somente uma oportunidade de trabalho e não podemos considerar o trabalho como imoral, contra
os bons costumes.
Almeja-se que, se afastarmos o costume como objetividade jurídica da norma em estudo, afastaremos
também a tipicidade de quem não seja o “banqueiro”, este sim, se considerarmos a objetividade jurídica
realidade, seria o verdadeiro transgressor da norma pelo fato de realizar a exploração do jogo não
permitido pelo legislador, visto que, o que a norma visa proteger é a exploração clandestina e não o ato de
apostar nos jogos de azar. Compete a União, segundo a Constituição de 1988, em seu Artigo 22º, inciso
XX, legislar privativamente sobre: sistema de consórcios e sorteios.
Conforme já dito alhures, o Jogo do Bicho, hodiernamente, é considerado uma atividade ilícita, isso pelo
fato de ser considerado uma Contravenção Penal. Porém, faz parte do dia a dia de muitos brasileiros, seja
no que concerne à prática de tal atividade, seja no que diz respeito ao valor social dada ao jogo do bicho.
De modo geral, os brasileiros não veem tal atividade como sendo ilícita, ao passo em que não há uma
repressão popular contra o jogo do bicho, assim como também não há uma atuação específica do próprio
Poder Público, em combate a realização de tal atividade. Fato diferente do que ocorre com as máquinas
caça-níqueis, sobre cuja atividade há um forte receio de grande parte da população em praticá-la, assim
como do próprio Poder Público, que atua de forma intensa para proibir a prática de tal atividade
(REVISTA ISTO É, 2016).
Não é preciso andar muito pelas ruas para ver a atividade do jogo do bicho sendo desempenhada em
várias localidades de uma determinada cidade. Assim, tal fato demonstra como o jogo do bicho está
diretamente ligado a sociedade, ao passo em que demonstra a aceitação por parte da sociedade bem como
do próprio Poder Público. Se houvesse realmente uma repressão do próprio Poder Público com tal
atividade, assim como ocorre com outras atividades ilícitas, haveria uma perseguição constante, ao passo
em que dificilmente víamos a prática reiterada do jogo do bicho.
Diante dessa aceitação da sociedade em existir o jogo do bicho, faz surgir o princípio da adequação
social, que dispõe, de forma direta, que, para que uma conduta/atividade seja considerada ilícita, não
basta apenas que tal atividade seja tipificada como infração penal pela lei, mas sim, deverá levar em
consideração o fator da ordem social, ou seja, se a sociedade aprova ou não a prática de tal
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conduta/atividade. Com o intuito de melhor explicar o que vem a ser a princípio da adequação social, faz-
se oportuno suscitar a definição de tal princípio, segundo Luis Regis Prado, citado na obra de Rogério
Greco (2008, p. 57 e ss), conforme segue: [...] a teoria da adequação social, concebida por Hans Welzel,
significa que apesar de uma conduta se subsumir ao modelo legal não será considerada típica se for
socialmente adequada ou reconhecida, isto é, se estiver de acordo com a ordem social da vida
historicamente condicionada.
Dessa forma, embora o princípio da adequação social não seja um princípio expresso em nossa
Constituição federal, tem-se que tal princípio sustenta a tese de que as condutas que forem aceitas pela
sociedade, mas que não ofendam a Constituição Federal, estas passam a ser excluídas da esfera penal.
Assim sendo, tendo em vista que uma conduta seja aparentemente típica, esta estará na seara da
atipicidade, uma vez que está aparada pela sociedade.
Como forma de melhor exemplificar a aplicabilidade desse princípio, faz-se oportuno usar o tema da pena
de morte. Este tema, por sua vez, é aceito por grande parte da sociedade, em relação a alguns crimes.
Porém, tem-se que a pena de morte está expressamente vedada pela Constituição Federal, no respectivo
artigo 5º, inciso XLVII. Assim, tal exemplo torna inaplicável o princípio da adequação social, haja vista
existir uma vedação legal, em nossa carta Magna. Já no que concerne à contravenção penal denominada
de Jogo do Bicho, a atividade, por sua vez, é aceita pela sociedade e não há nenhuma vedação expressa na
Constituição Federal/1988. Assim, verifica-se, de forma clarividente, que o princípio da adequação social
é perfeitamente aplicável na atividade do jogo do bicho.
No entanto, embora o princípio da adequação social possa ser aplicado com bastante esmero na atividade
do jogo do bicho, conforme demonstrado alhures, percebe-se, de forma clarividente, que grandes partes
da jurisprudência no âmbito do Direito Penal primam por aplicar a lei penal ao invés de aplicar o
princípio da adequação social. Dessa forma, faz-se oportuno colacionar alguns arestos jurisprudenciais os
quais confirmam que a jurisprudência é pacífica no sentido de que o que deve prevalecer é a aplicação da
Lei Penal e não o princípio da adequação social:
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Compreende-se pela análise dos arestos jurisprudenciais é que enquanto o legislador não revogar o
dispositivo que suscita que o Jogo do Bicho é considerado uma Contravenção Penal, os juízes e Tribunais
continuarão a desconsiderar o princípio da adequação social. De outro norte, aplicando-se o princípio da
adequação social, tem-se que o Jogo do Bicho estará no âmbito da atipicidade e, uma vez no âmbito na
atipicidade, tal contravenção penal não implicará em sanção penal. Não obstante, tem-se que o Jogo do
Bicho deverá sofrer um processo de Abolitio Criminis, ou seja, deverá ser retirada do ordenamento
jurídico por uma lei posterior, de modo que esta descriminalize tal atividade antes considerada como
ilícita.
5. DIVERGÊNCIAS DOUTRINÁRIAS
Os jogos de azar são legalizados na maior parte do mundo. O Brasil está entre as exceções. Além de
Cuba, é o único país não islâmico entre os 156 listados na Organização Mundial de Turismo que ainda
não colocou todas as fichas em um negócio que, pelo menos à primeira vista, é uma mina de ouro. Nos
Estados Unidos, maior mercado de apostas do mundo, o valor movimentado com jogos em 2014 chegou a
US$ 142,6 bilhões, segundo dados da revista The Economist. "É uma forma lúdica e indolor de cobrar
imposto, paga quem busca o entretenimento. Diferentemente de quem aposta na loteria, ninguém joga
pensando em mudar o padrão de vida. É diversão. É muito mais lógico do que querer a volta da CPMF",
afirma Bruno Piovesan, diretor financeiro do Jockey Club do RS.
No Brasil, a prática de jogos do bicho mesmo sendo ilegal, acontece de forma livre em diversas cidades.
Mesmo sendo considerado como uma contravenção penal é notável perceber que além dos aspectos
ilegais essa prática atinge não só a parte jurídica como também a sociedade ao todo nos âmbitos sociais e
econômicos. Essa infração penal ocasiona inúmeros questionamentos quando lida a luz dos princípios
inerentes à missão essencial do Direito Penal. Afinal de contas, por força do princípio da mínima
intervenção, da fragmentariedade, da adequação social e da insignificância, a exploração de Jogo do
Bicho ainda é contravenção penal? Ou melhor, o fato de a prática ser comum na República Federativa do
Brasil não faria com que o costume revogasse o artigo 58 da Lei 3.688/41?
Na busca pelas objeções, é indispensável lembrar as diretrizes traçadas por cada princípio
supramencionado para, ao final, avaliar o posicionamento dominante quanto ao tema. A doutrina se
mostra dividida quanto a legalização do jogo em nosso país, os que são a favor usam comumente os
argumentos de que o próprio Estado explora esta atividade e a sociedade não o recrimina, de outro lado,
os que são contra apontam os enormes prejuízos sociais que a conduta pode causar no patrimônio, no
erário, na moralidade, no incentivo ao ganho fácil, nas instituições e etc, também é uma questão de
ideologia, assim como a igreja sempre pregou e condenou qualquer forma de jogo.
A primeira corrente doutrinária a se posicionar quanto ao tema, fundada na relevância dos costumes como
fonte legítima de Direito no âmbito internacional, admite a revogação de disposição legal pelo costume,
por força do interesse social envolvido. O advogado e mestre em ciências penais André Barros combate
veementemente a ideia de criminalização. Para ele, o jogo, hoje, é praticamente institucionalizado: os
apontadores estão em todas as esquinas, e os bicheiros disputam as bancas a tiro. "A ilegalidade só serve
para corruptos se darem bem", diz. O advogado, mestre em ciências criminais e estudioso do assunto,
André Barros afirma que “A legalização do jogo do bicho será muito boa para o Brasil. Sua proibição é
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uma afronta, um desaforo à cultura brasileira. É como criminalizar o samba. Essa ilegalidade é uma
grande hipocrisia e só interessa ao sistema”.
Outro que defende a liberação do jogo do bicho – e demais jogos de azar – é o senador Mozarildo
Cavalcanti (PTB-RR). Ele argumenta que, ao regulamentar a prática, é possível evitar a associação do
jogo ao crime organizado, fomentar o turismo e ainda aumentar a arrecadação de tributos. Em junho, no
auge da Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) que investiga as ramificações do esquema de jogos
ilegais de Carlinhos Cachoeira, o senador defendeu a realização de um referendo para que os cidadãos
decidam sobre o assunto.
Para Mozarildo, “É uma contradição recriminar a regularização do jogo quando o governo brasileiro
mantém controle sobre as loterias federais. O senador destaca que nas Américas do Sul e Central, apenas
Brasil e Cuba não têm a prática legalizada. Para acabar com isso, no ano passado ele apresentou projeto
para liberar a exploração dos bingos. Os cassinos também estariam livre em hotéis da Amazônia e do
Pantanal, e ainda seria dispensado o visto de turistas estrangeiros para visitar as duas regiões. Segundo o
senador, o objetivo é promover o desenvolvimento e minimizar as desigualdades sociais nessas áreas. As
propostas seguem em discussão”.
Em contrapartida, um artigo publicado pela Revista dos Tribunais da Assessora do Ministério Público do
Estado do Sergipe, especialista em direito penal e processual penal e advogada Maria Luiza Foz
Mendonça mostra um outro aspecto dos reflexos que o jogo traz para a saúde do indivíduo, preocupação
esta que até então não havíamos encontrado em outros doutrinadores[13]. A advogada mostra os riscos
patológicos que o jogo causa em suas vitimas passando por três fases: fase da vitória, fase da perda e por
fim, a fase do desespero. Na primeira fase o jogador experimenta uma excitação indescritível no momento
do ganho, levando-o a jogar cada vez mais e tendo o falso pensamento de que a sorte se deve a suas
habilidades. Na segunda fase, a perda (que é inevitável, tendo em vista o fator sorte da maioria dos jogos),
leva-o a um excesso de otimismo de que irá recuperar sua perda (nesta fase já se considera um estado
patológico). Na terceira fase, do desespero, a situação se complica ao ponto de se afastar da família,
atrasar suas contas, dedicação do maior tempo possível com o jogo, gastos excessivos, e etc, em seguida
os reflexos são previsíveis, pois ao se dar conta da realidade em que se encontra começa a utilizar de
meios ilegais (roubos, furtos, e etc) para pagar suas dividas que não param de crescer. Explica ainda, que
é nesta ultima fase que é comum a exaustão física e psicológica, podendo as vezes tentar o suicídio,
compara-se até mesmo com a dependência alcoólica e de drogas.
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Do exposto, é notório a ânsia da doutrina em contribuir para uma melhor elaboração de leis que busquem
antes de qualquer coisa proteger os interesses da sociedade nos vários seguimentos em que ela possa
influenciar, seja protegendo o patrimônio, as instituições, a moralidade, a saúde, o trabalho e etc, não
restringindo aos interesses de uma só classe de aproveitadores das fraquezas humanas em detrimento da
desenfreada onda de capitalismo em que vivemos. Aponta Jordano Bruno, delegado do Núcleo de
Repressão às organizações Criminosa e à Corrupção (Nuroc) que a “A legalização vai estimular ainda
mais a lavagem de dinheiro, o vício e um monte de outras irregularidades. O jogo é só um fiozinho que
liga a toda uma gigante estrutura que está em sua órbita”.
No que diz respeito as desvantagens segundo os doutrinadores já citados, pode-se considerar a lavagem
de dinheiro, haja vista que os estabelecimentos de jogo seriam usados para lavar dinheiro aplicado por
controladores do crime organizado, como traficantes de droga; dificuldade de fiscalizar: se hoje já é
difícil para policiais e promotores fiscalizarem lavagem de dinheiro nos jogos, será pior quando o jogo for
legalizado;
a desagregação familiar porque os apostadores compulsivos costumam perder fortunas. A legalização
poderia estimular ainda mais o vício e causar um problema de cunho social. Um caça-níquel arrecada, em
média, R$ 1 mil por dia. Cada bingo tem centenas dessas máquinas. Com uma máquina de modelo mais
simples – que custa R$ 2 mil – o dono pode recuperar o investimento em 48 horas.
Por logo, dentre as ações coercivas estatais, visualiza-se a competência Penal, nos termos do princípio da
mínima intervenção, àquela destinada a tratar das lesões mais graves aos bens jurídicos mais importantes.
Importante ainda destacar que o Direito Penal só deve ser considerado quando outro ramo do Direito não
for suficiente para garantir proteção ao bem jurídico tutelado, dado seu caráter fragmentário. No mesmo
sentido, a teoria adequação social, na lição de Luiz Regis Prado, “significa que apesar de uma conduta se
subsumir ao modelo legal não será considerada típica se for socialmente adequada ou reconhecida, isto é,
se estiver de acordo com a ordem social da vida historicamente condicionada”.
Noutro giro, o princípio da insignificância (“crime de bagatela”) impõe aos operadores do direito os
ditames exatos do princípio da mínima intervenção. Por força deste princípio, nos casos em que – apesar
da adequação formal entre o fato previsto na lei como crime e a conduta do agente – a lesão ao bem
jurídico tutelado for ínfima, haverá atipicidade material da conduta e, por silogismo, não se estará diante
de um crime. O Supremo Tribunal Federal entende que a aplicação concreta do princípio da
insignificância está condicionada ao preenchimento, cumulativo, de quatro requisitos, vejamos: ausência
de periculosidade social da ação; reduzido grau de reprovabilidade do comportamento; mínima
ofensividade da conduta do agente; inexpressividade da lesão ao bem jurídico tutelado.
A tendência, a partir dos princípios explicitados, é pela interpretação de que a exploração de loteria
denominada jogo do bicho não possui qualquer relevância jurídica para o Direito Penal e, assim sendo,
deve ser considerada como fato atípico. Todavia, deve-se conhecer, ainda, três correntes que dissertam
quanto a possibilidade, ou não, de revogação de dispositivo legal pelo costume, nos termos do artigo 4º
do Decreto Lei 4.657/42 (Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro – antiga Lei de Introdução ao
Código Civil).
A primeira corrente doutrinária a se posicionar quanto ao tema, fundada na relevância dos costumes como
fonte legítima de Direito no âmbito internacional, admite a revogação de disposição legal pelo costume,
por força do interesse social envolvido com suporte de André Barros (mestre em ciências criminais e
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Por outro lado, a segunda corrente não admite a exclusão de norma do ordenamento jurídico em razão do
costume, mas entende que o julgador não deva aplicar a norma, pois a conduta seria materialmente atípica
com amparo doutrinador Rogério Greco.
Dito posto, por força da prevalência da terceira corrente doutrinária estudada, a conclusão merecida é que
a exploração ou realização de loteria denominada jogo do bicho continua sendo infração penal (Lei de
Contravenções Penais) e poderá sujeitar o infrator pena de prisão simples pelo período de quatro meses a
um ano.
Por fim, deve-se esclarecer que raramente o acusado pela exploração de jogo do bicho é denunciado
apenas pela Contravenção Penal do Artigo 58 da Lei 3.688/41, sendo comum o concurso, formal ou
material, pela prática de crimes de corrupção ativa, lavagem de dinheiro e organização criminosa (Lei
12.850/13), o que aumenta significativamente os limites de pena em eventual condenação. Seja proibindo
ou legalizando o jogo devemos, antes de qualquer coisa, se desvencilharmos do sofisma de que a
sociedade é auto reguladora dos seus próprios princípios e que o Estado é reflexo seu povo, pois do
contrário não haveria necessidade de instituirmos o contrato social que deu origem ao Estado.
6. JURISPRUDÊNCIA
Insurge que não coexista muitos julgados a partir do ano de 1995, no que diz respeito a esse jogo, tendo
em vista que o perfil do infrator do jogo do bicho seja, normalmente de pessoa humilde, laborador, com
ínfima instrução, com bons antecedentes e não reincidente, não se aliciado em algum tipo de delito,
associado com a pouca repressão da polícia e, em conjunto com a edição da Lei n.º 9.099/95, que
proporciona a transação penal e a suspensão condicional do processo, Desta forma, as jurisprudências não
é a mais contemporânea em virtude das poucas chances que se tem de levar a julgamento este tipo de
infração, respaldando a confirmação da vigência da norma em detrimento do costume:
“CONTRAVENÇÃO PENAL - Jogo do bicho - Princípio da legalidade -Costume como fonte do Direito
Penal - Requisitos - Validade da existência da contravenção no sistema normativo (TACrimSP) RT
728/557.”pertencer a um grupo de risco, tais como os viciados em droga, os homossexuais, os bissexuais,
as prostitutas.
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“1-Em cumprimento a mandado de busca e apreensão, foram apreendidos objetos comuns à prática do
delito, bem como surpreendidos os apontadores e os intermediadores do jogo, que foram denunciados.
“2- O fato de a banqueira do jogo não se encontrar, naquele momento, não impede sua condenação, uma
vez que notório o fato de ser a co-ré a dona da banca.
Embora antigos, encontramos duas decisões em que nega vigência a aplicação artigo 58 da Lei das
Contravenções Penais, é o que segue:
“CONTRAVENÇÃO PENAL -- "Jogo do bicho" -- Repressão que não se coaduna com a realidade --
Modalidade contravencional incorporada à consciência popular - Existência de vários tipos de jogos
permitidos pelo Poder Público, gerando a crença da licitude daquela – Absolvição mantida -- inteligência
do art. 58 da Lei das Contravenções Penais. TaCrimSP (RT 606/338).”
Os tribunais não negam vigência à norma em razão da exploração de loterias pelo Estado:
“CONTRAVENÇÃO PENAL - "Jogo do bicho" - Promoção pelo Estado de várias loterias - Alegação
que não pode ser aceita, vez que aquelas estão amparadas por lei, enquanto que tal jogo é punido por lei
em plena vigência - Condenação mantida (TACrimSP) RT 718/417.”
7. PROJETOS DE LEI
Para tentar combater isso, a comissão de juristas que estuda a reforma do Código Penal brasileiro propôs
a tipificação do jogo do bicho para crime, com pena de um a dois anos de prisão. Para o grupo, a
atividade ilegal deve ser levada mais a sério pelas autoridades por estar ligada a crimes como tráfico de
drogas e homicídio. A ideia é extinguir a Lei de Contravenções Penais e transformar em crime não só o
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bicho, mas as demais contravenções previstas nela. No caso dos jogos de azar, ficarão tipificados todos os
que não forem autorizados – as loterias, por exemplo, estão fora da lista.
No Espírito Santo, esse rigor na lei é defendido por Jordano Bruno Leite, delegado do Nuroc que
comandou a operação da última semana. Segundo ele, a dificuldade de fiscalização e o estímulo ao vício
são os principais argumentos. "A lei dá brecha para que se forme uma grande rede de corrução, que usa o
dinheiro arrecadado para financiar campanhas e comprar autoridades", diz. O delegado acredita que uma
possível legalização da prática vai estimular a lavagem de dinheiro. "Vão dizer que tudo o que circular
tem origem nos apostadores. E será bem mais difícil fiscalizar", acredita.
Não foram poucos os Projetos de Lei apresentados no Congresso Nacional nos últimos anos, ao todo são
mais de 60 projetos de lei desde o ano de 1951 até 2004, buscando, na maioria das proposições, a
legalização do jogo do bicho [14]. Vejamos algumas Ementas de Projetos de Lei defendendo a
legalização:
“PL-1212/1991. Ementa: Dispõe sobre a concessão para a exploração da loteria denominada Jogo do
Bicho e dá outras providências.”
“PL-1176/1991. Ementa: Revoga dispositivo do Decreto-lei nº 3.688, de 3 de outubro de 1941 - Lei das
Contravenções Penais. Explicação:
Como não poderia ficar fora deste trabalho, destacamos algumas Ementas de Projetos de Lei, em que se
busca uma maior repressão ao jogo do bicho:
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Atualmente, a maioria dos projetos encontra-se em estado de inatividade, ou seja, sem possibilidade de
votação por arquivamento dos projetos em face de normas do Regimento Interno da Câmara que
burocratizam o andamento, apreciação, discussão, votação e etc. É evidente que nosso poder legiferante
não teve vontade e força política de por fim a uma questão que vem se arrastando desde a metade do
século passado, oportunidade não faltou como acabamos de ver. Apesar de regulamentado, há muito
exige uma solução legal que resolva a questão, pois apesar das leis existentes o jogo continua crescendo
na clandestinidade causando, quiçá, mais malefícios do que se fosse liberado.
Ademais, o Estado é o maior banqueiro oficial de jogos de azar, ou seja, aqueles em que o resultado
depende exclusivamente da sorte. Deixando de lado a imoralidade que o governo diz coibir), citemos
apenas alguns jogos disponíveis no mercado que tem a mesma natureza do jogo do bicho, qual seja, o
fator sorte: Loto, Loto-Mania, Sena, Mega-Sena, Raspadinha, Loteria Esportiva, Quina e etc. Não fosse o
rótulo que o Estado atribui a quem joga ou banca sem o amparo da lei, não seria necessária toda esta
discussão, pois o que se discute é a insensibilidade do Estado em continuar se furtando em regulamentar
de vez a questão do jogo no país elevando-o à condição de crime (se é tão maléfico a sociedade) ou
descaracterizando-o da categoria de contravenção, regulamentando este fato que é inerente ao ser
humano, como podemos observar ao longo da história. O que não podemos concordar é com a hipocrisia
do Estado em deixar que a arcaica e estática letra da lei aponte quando é maléfico e quando não é,
simplesmente voltado para quem se beneficia da jogatina (Loterias Caixa, 2016)[15]
A maior parte dos Projetos é a favor da regulamentação, descaracterizando os jogos em geral da condição
de proibição e revertendo para a sociedade todos os benefícios que se espera que eles tragam com a
legalização. Primeiramente, as vantagens diretas são visíveis, já que o Estado reverte a maior parte
arrecadada em projetos sociais como , Fundo Nacional da Cultura (3,0%), Ministério do Esporte (4,5%),
Comitê Olímpico Brasileiro (1,7%), Comitê Paraolímpico Brasileiro (0,3%), Seguridade Social (18,1%),
Fundo de 51 Financiamento ao Estudante do Ensino Superior (7,76%), Fundo Penitenciário Nacional
(3,14%) e Imposto de Renda (13,8%) [16]
É preciso não olvidar que este mercado emprega milhares de pessoas trabalhadoras e honestas que
necessitam de uma oportunidade neste país onde o índice de desemprego é enorme, e estes trabalhadores
ficam relegados ao destino e sem nenhuma proteção pelas leis trabalhistas e benefícios de que resultam de
uma carteira assinada, outrossim, é preciso ressaltar que este mercado informal não dá a estas pessoas
cidadania, dignidade da pessoa humana e os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa, fundamentos
estes insculpidos na nossa Constituição Federal de 1988, no artigo 1º, incisos II, III e IV, respectivamente.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
A contravenção penal no Brasil, não só a do jogo do bicho, é considerada uma espécie de infração penal
pela Lei e sofreu muitas alterações ao longo do tempo e transformou-se nesta enorme organização em que
a honestidade, a falta de punição efetiva, a não repressão das polícias, o apoio tácito da sociedade e até
mesmo o poder legiferante, veem contribuindo para que esta infração se perdure por mais tempo. A
realidade é que o Estado banca outros jogos de azar, sem ser o jogo do bicho, o que gera a consciência
coletiva de um desvalor da conduta e não de sua ilicitude, pois esta sabe que é proibido e mesmo assim
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não deixa de jogar. O costume não tem o condão de afastar a ilicitude desta conduta, pois a doutrina é
majoritária em negar este tipo de revogação das normas, principalmente as penais.
Porém, a contravenção penal do jogo do bicho não condiz mais com a realidade atual, carecendo que o
legislador busque outras formas de por um ponto final na questão, pois de um lado ele reprime e de outro
usa nosso sistema legalista para explorar sozinho o que ele mesmo condena. Sendo que isso acaba por
criar uma insegurança nos princípios básicos que norteiam toda estrutura do sistema jurídico penal no que
se refere ao desvalor, adequação social e ultima racio do Direito Penal em relação ao jogo do bicho,
alterando os esforços em dar sistemática e coerência ao estudo dogmático da Lei.
A doutrina e a jurisprudência é dividida quanto aos seus posicionamentos sobre a legalização ou não do
jogo do bicho, mas quando se utiliza critérios científicos para dar ou negar vigência à norma, é majoritária
a conclusão de que a norma está em vigor e deve ser aplicada, sobretudo pelo fato de adotarmos a
legalidade como base de nossas limitações de deveres e obrigações para com o Estado, pois do contrário
instaurar-se-ia o caos.
Assim, podemos concluir que o jogo do bicho é uma contravenção penal diante da expressa denominação,
ainda que formal, lhe deu a Lei de Introdução ao Código Penal, porém, se para que seja praticado o jogo
do bicho os seus organizadores pratiquem outros crimes, cabe as policias e o judiciário provar estes
outros crimes para que possam ser responsabilizados, não pelo fato de praticar uma simples contravenção,
mas pelo fato de praticarem outros crimes com a finalidade de se alcançar um determinado objetivo, seja
ele lícito ou ilícito, pois a evolução foi dos meios de se alcançar estes objetivos e não da norma que
incrimina esta conduta.
Os projetos de lei que prevêem sua elevação ao status de crime e sua regulamentação estão tendenciosos a
assumirem o papel que o próprio Estado já assumiu, qual seja, a liberação. É verdade que uma possível
liberação ou uma maior repressão pode prejudicar outros setores como, a economia, o trabalho e uma
série de outros, portando, se faz necessário um longo e sério estudo a respeito do tema para não se tomar
decisões precipitas e deixar de alcançar seus verdadeiros objetivos que são a paz social e a valoração do
ser humano com membro de um Estado, que lhe deve ao menos um pouco de respeito quanto aos seus
anseios e lhes acompanhem na normal evolução e mudança de costumes da sociedade. A certeza de que a
sociedade pode conviver pacificamente com um pouco de impunidade, mas com injustiça, jamais,
conforme arrola o ilustre Professor Adriano Conceição Abílio
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