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06/11/09 - 08h00 - Atualizado em 06/11/09 - 15h24

'Melhores professores de inglês não são


britânicos nem americanos', diz linguista
Para David Graddol, o ideal é que o docente fale a mesma língua do aluno.
Especialista diz que o ensino do idioma no Brasil tem décadas de atraso.

Fernanda Calgaro
Do G1, em São Paulo

Ao contrário do senso comum, o


melhor professor de idiomas não é o
nativo, mas aquele que fala também
a mesma língua do aluno. A
vantagem desse profissional está na
capacidade de interpretar
significados no idioma do próprio
estudante. Com a hegemonia
ameaçada no caso do inglês,
professores americanos e britânicos
devem reavaliar a maneira como
ensinam o idioma.

As conclusões fazem parte de duas


pesquisas desenvolvidas pelo
Para David Graddol, melhores professores de inglês não são
lingüista britânico David Graddol, 56
necessariamente os nativos (Foto: Fernanda Calgaro/G1) anos, a pedido do British Council,
órgão do governo do Reino Unido
voltado para questões educacionais.

No Brasil para participar de seminários sobre língua estrangeira, ele avalia que o ensino do inglês nas
escolas brasileiras está muitas décadas atrasado em relação a outras nações e sugere que o país
aproveite os Jogos Olímpicos e a Copa do Mundo para tentar correr atrás do prejuízo.

Durante 25 anos, Graddol foi professor da renomada UK Open University e atualmente é diretor da The
English Company e editor da Equinox Publishing. Ele prepara um terceiro estudo, este focado mais na
Índia, que será publicado até o final do ano. Leia abaixo os principais trechos da entrevista concedida
ao G1.

G1 – Qual o perfil ideal de um professor de idiomas?


David Graddol - O melhor professor é aquele que fala a língua materna de quem está aprendendo o
idioma. Também é preciso ser altamente capacitado e ter um ótimo domínio do idioma, claro.
Muitas pessoas ainda pensam G1 - O sr. considera então que os professores
nativos estão perdendo terreno para outros que
que os melhores professores
falam também a língua do aluno?
são os nativos. Minha opinião Graddol - Sim e não. O que acontece é que, usando
é que elas estão erradas" uma metáfora, o bolo geral está crescendo, porque
atualmente há cerca de 2 bilhões de pessoas
aprendendo inglês ao redor do mundo. O fato de o
Reino Unidos e os EUA estarem perdendo essa fatia de mercado é enganoso, porque a participação
deles também está crescendo. No entanto, o bolo está crescendo mais e mais rápido. Em muitos
países, há reminiscências românticas acerca do ensino de inglês. Muitas pessoas ainda pensam que
os melhores professores são os nativos. Elas pagam inclusive a mais por isso. No entanto, minha
opinião é que estão erradas. O que deve ser mudada é a maneira como o inglês é ensinado.

G1 - Como assim?
Graddol - O inglês passou a ser encarado como uma necessidade. Muitos países se relacionam e
fazem negócios entre si por meio do inglês, sem que nenhum deles tenha o inglês como primeiro idioma.
Em muitos lugares, o inglês deixou de ser ensinado como língua estrangeira, como na Cinha e Índia,
onde o inglês passou a ser considerado uma habilidade básica. Nesses países, os estudantes
começam a aprender o idioma já nos primeiros anos escolares. A ideia é que mais tarde, quando
atingirem o ensino médio, passem a ter aulas de outras disciplinas por meio do inglês. Historicamente,
falar uma língua estrangeira era sinal de status. Agora, o que acontece é que as pessoas estão
genuinamente tentando universalizar o idioma.

G1 - O uso do inglês como “lingua franca” [quando um idioma é utilizado por pessoas que não
tenham a mesma língua nativa] pode modificar o seu ensino?
Graddol - Há certas coisas que se tornaram comuns e que parecem uma nova variedade de inglês. E
nós acabamos nos habituando a esse novo uso. São coisas simples, como a maneira em que as
palavras são soletradas e todas as vogais, faladas. Muitas das vogais, nós, nativos da língua,
substituiríamos por um único som. Essas peculiaridades, que não necessariamente devem ser
consideradas erros, precisam ser levadas em conta no ensino desse inglês global.

G1- Como avalia o crescimento da demanda pelo ensino de inglês?


Graddol - O que está acontecendo é que, desde a década de 90, houve um aumento gradativo de
pessoas aprendendo inglês e atualmente cerca de 2 bilhões de pessoas estudam o idioma. No entanto,
nos próximos anos, a expectativa é que haja um declínio nessa demanda.

G1 - Como se explica essa previsão de declínio?


Graddol - As pessoas que hoje estão no ensino fundamental e
aprendendo o idioma chegarão ao ensino médio ou superior já
sabendo inglês. Em muitos países da Europa, quando chegam nesse
ponto, esses alunos começam a ter aulas de diferentes disciplinas
em inglês. Então, deixam de ser estudantes de inglês e passam a ser
usuários da língua. Eles não têm mais um professor de inglês, mas
um professor de geografia, por exemplo, que dá aulas em inglês.
Esse declínio não significa que menos pessoas estejam usando
inglês, mas que o inglês, ensinado no ensino fundamental, começa a
fazer parte da alfabetização básica.

G1 - Que idiomas podem representar uma ameaça ao inglês?


Mandarim é um deles?
Graddol - O mandarim não é uma ameaça. Certamente que tem
David Graddol defende que o crescido em popularidade, mas faz parte de um pensamento antigo,
Brasil aproveite as Olimpíadas e
quando se achava que uma língua cresceria à custa de outra. No
a Copa para ensinar inglês à entanto, ambas podem crescer juntas, assim como outros idiomas.
população (Foto: Fernanda
Calgaro/G1)

G1 - Qual o impacto da internet no uso do idioma?


A internet tem uma Graddel - A internet é outro bolo que tem crescido
cada vez mais rápido. E nela são usadas mais
diversidade de línguas, mas o línguas do que antes. É um lugar que acolhe línguas
inglês acaba então sendo menores. Meu nome é galês e, se fizer uma pesquisa
mais comum nos fóruns no Google sobre mim na internet, aparecerão
on-line de discussão e em diversas páginas escritas em galês. Isso é
surpreendente porque, de repente, percebemos que
relatórios técnicos" há um universo paralelo na internet. E o mesmo
acontece com o catalão. E muitas vezes não
tomamos conhecimento disso porque uma página num idioma não tem link para páginas em outro
idioma. A internet tem uma diversidade de línguas, mas o inglês acaba então sendo mais comum nos
fóruns on-line de discussão e em relatórios técnicos.

G1 - O ensino do inglês é bastante rentável para os países onde a língua é falada.


Graddol - Os ganhos com o aprendizado do inglês não vêm só dos cursos de inglês mas também dos
estudantes internacionais que vão para as universidades nesses países para terem aulas em inglês.
Então, esse é outro tipo de exportação que pode ser creditada ao inglês.

G1 - A
O Reino Unido passou a disputar alunos de inglês não só com
crise
competidores tradicionais, como os EUA, mas também com outros países global
da Europa afetou
em
algum
aspecto o ensino do inglês?
Graddel - A crise global foi positiva para o setor porque provocou a desvalorização da libra esterlina e
deixou o Reino Unido mais atrativo. O que aconteceu é que o Reino Unido deixou de disputar esses
alunos com competidores tradicionais, como os EUA, a Austrália e, em certa medida, a Nova Zelândia.
Agora, estamos perdendo para universidades na Europa, que têm cursos de diversas áreas que são
dados em inglês. Um aluno coreano, por exemplo, pode estudar direito na Alemanha e ter aulas em
inglês, além de estar bem no centro da União Europeia e quem sabe até aprender um pouco de alemão.
Para ele, o ganho acaba sendo maior.

G1 - O ensino do inglês deve começar nos primeiros anos escolares? As crianças obtêm
resultados mais consistentes?
Graddol - Diversos aspectos devem ser considerados. É possível começar a estudar inglês mais tarde.
No entanto, se esse início for com 11 anos de idade, por exemplo, o número de horas dedicadas ao
idioma precisa ser mais intenso, com, no mínimo, cinco ou seis horas. E esse ensino tem que ser
bastante eficiente, que contemple o desenvolvimento de diversas habilidades da língua.

G1- Existe então uma idade ideal para começar a aprender inglês?
Graddol - Não. Na verdade, há vantagens e desvantagens em quase todas as idades. Conheço adultos
que, com meia hora de estudo, têm rendimento maior do que uma criança justamente por causa da sua
experiência adquirida ao estudar idiomas. Há vários outros aspectos a serem levados em conta. Um é
que é muito mais fácil criar, numa sala de aula, um ambiente que motive as crianças a aprenderem. Elas
aprendem quase sem perceber. No entanto, o principal argumento talvez seja que, como nem todas as
escolas conseguiriam destinar um dia da semana de uma turma de alunos de 11 anos para ensinar
inglês, o melhor é começar cedo. Assim, é possível obter um progresso gradativo, que permita ao
estudante chegar no ensino médio falando inglês.

G1 -
No Brasil, o inglês é ainda visto como uma língua estrangeira Como
avalia
a
situação do Brasil em relação ao ensino e uso do inglês?
Graddol - No Brasil, o inglês é ainda visto como uma língua estrangeira. Em muitos outros países, as
coisas avançaram muito rapidamente e não é mais visto como uma língua estrangeira. O Brasil parece
estar muitas décadas atrás do resto do mundo em termos de inglês. O que está sendo feito aqui não é
suficiente para produzir pessoas realmente fluentes em inglês. As escolas estão falhando ao ensinar
inglês e isso é uma ótima noticia para o setor privado. As famílias que tiverem condição de bancar os
estudos mandarão seus filhos para escolas de idiomas, o que gera a divisão social.

G1 - As Olimpíadas e a Copa do Mundo podem ser oportunidades para o Brasil correr atrás
desse prejuízo?
Graddol - Certamente. Foi o que a China tentou fazer, usou as Olimpíadas como uma justificativa para
implantar programas de melhoria de conhecimento de inglês para a população de Pequim. Foram
estabelecidas metas. E é isso que o Brasil deveria fazer, porque, se não se estabelece metas, não se
sabe onde quer chegar nem se você chegou lá.

G1 - E deu certo na China?


Graddol - Entre as metas estabelecidas na China, havia algumas em relação a policiais e taxistas, por
exemplo. Mas devo dizer que não deram muito certo. Como alternativa, puseram uma maquininha dentro
dos táxis que emitia a tarifa da corrida para facilitar a vida do turista. No caso do Brasil, o país deve ao
menos tentar garantir que os funcionários de hotéis falem bem o inglês. E as metas precisam ser
estabelecidas já, porque as mudanças levam tempo.

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