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lembrando, é claro, que poesia é

O Renascimento fingimento e que aqueles percalços pelos


português e a lírica quais o poeta passou não estão,
necessariamente, colocados em suas
camoniana obras tal como aconteceram, mas fazem
A literatura de um país está intimamente parte da experiência vivida que se
ligada à história de seu povo. A marca transformou em arte literária..
acentuada de lirismo do período Contextualizando:
medieval irá se constituir em presença
marcante nos períodos posteriores. No Renascimento europeu e
início do século XVI, em 1516, por português
exemplo, surgiu o Cancioneiro Geral, O Renascimento foi um movimento
organizada por Garcia de Resende, uma artístico, cultural e científico que
compilação de poemas de poesia marcou a passagem da Idade Média
palaciana que inclui obras dos séculos para a Moderna. Ele reflete as
XV e XVI. Os poemas, escritos em transformações do pensamento que
português e em castelhano, tratam dos não dizem mais respeito ao sistema de
mais variados temas. Além de ser a valores da sociedade medieval, em que
primeira coletânea de poesia impressa se colocava Deus no centro de todas as
em Portugal, essa compilação coisas, o Teocentrismo. No
testemunha o surgimento da imprensa Renascimento, surgiram novos temas,
nesse país, e representa o principal perspectivas e interesses que não só
repositório de poesia portuguesa da decorreram de, mas também
época. concorreram para o desenvolvimento
Esses poemas, com certeza, devem ter científico e cultural da Europa.
influenciado a obra do poeta Luís de Embora não tenha havido uma ruptura
Camões. Mas você poderá perceber que radical em relação à Idade Média,
ele assimilou, à sua maneira, os grandes sensível diferença entre os dois períodos
temas da época e soube expressá-los por se fez sentir. Essa diferença, decorrente
meio da mais alta literatura, fazendo com do Humanismo que precedeu o
que Portugal não ficasse nada a dever às período renascentista e com ele, às
demais literaturas dessa época... vezes, se fundiu, está ligada à visão do
Homem como centro de todas as
A lírica de Luís Vaz de coisas. Essa é uma visão
Antropocêntrica da vida, como se
Camões costuma dizer, o que estimulou um certo
Pode-se dizer que Luís Vaz de Camões racionalismo..
(1524/25?-1580) foi a voz do É preciso compreender que a razão em
Renascimento português. E ainda hoje, voga no Renascimento não consistia em
podemos ouvir essa voz que se dilui por desprezo aos valores espirituais, por
toda a literatura luso-afro-brasileira.. outro lado, era considerada como uma
Acreditamos que, cruzando aspectos da manifestação do espírito humano que
vida e da obra desse poeta maior, você aproximava o indivíduo de Deus. De
poderá tomar contato com o sujeito e a qualquer modo, ela permitia que o
sua poesia ao mesmo tempo: sempre
homem exercesse sua capacidade de modelos. O homem sábio é, pois,
questionar o mundo, e praticasse um aquele que supera, pelo exercício das
dom concedido por Deus. Esse aspecto ideias, os apelos da matéria e da carne,
pode ser considerado um é aquele que submete o sensível ao
Neoplatonismo ou idealismo platônico, inteligível. (RODRIGUES, 1998, p. 21).
que aparece na poesia de Camões.
As obras renascentistas privilegiavam
as ações humanas, ou seja, o
Platonismo, Idealismo humanismo e, para tanto,
Platônico e representavam-se situações do
cotidiano, reproduziam-se
Neoplatonismo: rigorosamente os traços e formas
O Idealismo é a tendência filosófica humanas, o que se pode chamar de
que valoriza as ideias e o espírito, em naturalismo, no sentido de aproximação
desfavor da consideração do mundo com a natureza humana em contraponto
material. Embora reconheça a ao mundo espiritual. Esse aspecto
necessidade do mundo espaço-temporal, humanista era inspirado na arte da
o idealismo crê que só nas ideias, vale antiguidade clássica greco-latina, das
dizer, só no trabalho abstrato do culturas grega e romana.
espírito, é que se podem encontrar a A burguesia surgida desde a Baixa Idade
verdade e a correção das falhas Média teve seus valores representados
humanas. por essa concepção do mundo e a
O idealismo que nos vem de Platão é valorização das ações humanas fez com
uma filosofia que se inspira na que muitos burgueses, financiassem
separação rigorosa entre o que é do muitos artistas e cientistas surgidos
sensível (coisas) e o que é do inteligível entre os séculos XIV e XVI.
(ideias), separação que foi, reaproveitada
pela igreja, na crença, de que o homem é
Burguesia
um ser que tem um corpo sensível A burguesia é uma classe social que
submetido a uma alma incorporal e surgiu nos últimos séculos da Idade
eterna. Para o Platonismo, a Média (por volta do século XII e XIII)
experiência do mundo sensível é com o renascimento comercial e urbano.
enganosa, pois só o trato das ideias Dedicava-se ao comércio de mercadorias
eleva o homem ao conhecimento (roupas, especiarias, joias, etc) e à
verdadeiro. prestação de serviços (atividades
financeiras). Habitavam os burgos, que
A tradição do Platonismo insiste na eram pequenas cidades protegidas por
existência de dois mundos: “o mundo muros. Como eram pessoas ricas, que
incorporal das ideias”, onde repousam trabalhavam com dinheiro, não eram
os modelos eternos de todas as coisas, bem vistas pelos integrantes do clero
sobretudo do Bem, do Belo e do católico.
Verdadeiro, e o ’’mundo em que
vivemos’’, que é o lugar em que se [...] A burguesia participou do
multiplicam erraticamente as cópias renascimento comercial e urbano.[...]
imperfeitas e degradadas daqueles
Durante grande parte da Idade Média (do (“Cristo morto” e “A virgem do
século V ao XII), o comércio burgomestre Meyer”). Na França:
praticamente inexistiu. Com o final das François Rabelais, Gargântua e
Cruzadas e a abertura do Mar Pantagruel. No campo científico,
Mediterrâneo, o comércio começou a devemos destacar a teoria
crescer novamente. A burguesia heliocêntrica (Nicolau Copérnico,
contribuiu para este processo. Galileu Galilei e Giordano Bruno).,
que abalou o monopólio mantido pela
A aproximação do Renascimento com a
igreja.
burguesia deu-se no interior das
grandes cidades comerciais italianas
O Renascimento Português foi motivado
do período. Gênova, Veneza, Milão,
pelas Grandes Navegações, momento em
Florença e Roma, grandes centros
que os portugueses ’’deram novos
comerciais, propiciaram a intensa
mundos ao mundo’’, impulsionados pela
circulação de riquezas e,
necessidade de novos mercados em uma
consequentemente, de ideias que
Europa que já estava saturada pelo
promoveram a ascensão de uma classe
aumento populacional depois do fim da
artística italiana. Algumas famílias
peste negra.
comerciantes da época realizaram o
mecenato, ou seja, o patrocínio das obras
e dos estudos renascentistas. Camões, vida e obra
O movimento renascentista pode ser Nasceu em 1524/25, em Coimbra ou
dividido em três períodos: o Trecento, o Lisboa, teria descendência galega. Era
Quatrocento e Cinquecento, cada filho de Simão Vaz de Camões e de Ana
período abrangendo, respectivamente, os de D. Fernando.
séculos XIV ao XVI. Destacam-se os
seguintes artistas/filósofos: 1542 a 1545: Camões teria vindo de
« Trecento: o legado literário de Coimbra para a corte em Lisboa.
Petrarca (“De África” e “Odes a
Laura”), que influenciou Camões, e
de Dante Alighieri (“Divina
Comédia”), as pinturas de Giotto di 1545 a 1548: em Ceuta, prestou serviço
Bondoni (“O beijo de Judas”, “Juízo militar, onde perdeu o olho.
1552: feriu Gonçalo Borges e ficou preso
Final”, “A lamentação” e “Lamento
ante Cristo Morto”). por 8 meses, até 1553.
« Quatrocento: obra artística do Depois de uma carta de perdão, se
italiano Leonardo da Vinci (“Mona libertou e
Lisa”) e as críticas ácidas do escritor embarcou no S. Bento p/ Índias po 3
holandês Erasmo de Roterdã anos.
(“Elogio à Loucura”). Foi a Goa, Malabar, China.
« Cinquecento: em Portugal: Gil Dis-se que ele naufragou a caminho
Vicente e Luís de Camões. Na índias, no
Alemanha: quadros de Albercht Camboja e salvou os Lusíadas a nado.
Dürer (“Adão e Eva” e Foi preso em Goa.
“Melancolia”) e Hans Holbein
Voltou a Portugual em 1569.
1570 Os Lusíadas encontra-se quase
pronto
e ele estava pobre.
1572 é publicado Os Lusíadas, última
coisa em
vida que ele fez.
É difícil categorizar a obra camoniana de
Rei D. Sebastião deu-lhe pensão anual d modo rígico, com influência da lírica
15000 trovadoresca e do renascentismo.
com que se manteve até sua morte. A obra Camoniana pode ser dividida em
Foi alvo de vários epigramas de autores 2 categorias:
da « Medida Velha: versos de 5 sílabas
poéticas, redondilhas menores, ou
corte
com 7, redondilhas maiores (usado
devido a
nos vilacetes), inspirado na Lírica
pensão ou
Trovadoresca.
grandeza
« Medida Nova: versos decassílabos
da obra.
do soneto, inspiração renascentista.
Faleceu em
Na canção “Vão as serenas águas...” que
10 Junho de
tomamos contato com aspectos da vida
1580,
do poeta ligados à sua vida em Coimbra,
Lisboa na
já que faz referência ao Mondego, rio
miséria..
que corta a cidade e a aspectos relativos
Escreveu
ao desencanto amoroso do sujeito:

diversos
gêneros
mas a Lírica foi o
gênero mais fecundo do autor.
Em outra figura de mulher misturam-se
neve e ouro, frieza e calor, doçura e
sedução. Essa mesma ambiguidade do
elemento feminino permeia a redondilha
em que o poeta pinta o retrato da mulher
que vai à fonte:

Veja como Lianor é retratada


cromaticamente: a verdura por onde
caminha, a prata das mãos, a escarlata
(vermelho) da cinta, a brancura da neve,
o dourado dos cabelos. Neste retrato
colorido, temos a fusão do elemento
feminino com a natureza por meio da
verdura; a referência à frieza, por meio
da prata e da neve; a referência às cores
Ler interpretação do professor sobre a quentes, que nos remetem ao desejo que
canção anterior na apostila. a mulher provoca no sujeito, quer pela
beleza do ouro, quer pela sensualidade
Episódio de Circena do vermelho que carrega na cinta. O
contraste entre as cores frias e quentes
Odisseia de Homero reflete, de certo modo, o contraste entre
A referência à imagem mitológica e os sentimentos do sujeito em relação à
mundana da Circe, com que encerra o mulher. Este quadro
texto, contrasta, pelos poderes mágicos e vivo também é um bom
mundanos da figura que seduziu Ulisses exemplo daquele
e transformou seus homens em porcos
utilizando elementos mágicos, com a
figura da mulher, que ele constrói ao
longo dos doze primeiros versos do
poema, caracterizada pela brandura,
piedade, humildade, honestidade, doçura,
vergonha, gravidade, bondade, medo,
obediência. Podemos dizer que existem
aí duas
mulheres:
uma que se
mostra e
outra que é,
residindo naturalismo renascentista a que nos
nessa referimos. Não é só por causa do pote
tensão o que leva na cabeça que a mulher vai
Bem e o “formosa e não segura”, mas talvez
Mal.
muito mais pela sedução que exerce todos os países europeus e até das
sobre o sujeito. colônias da América e no Oriente. Em
linhas gerais, caracterizou-se pela
Podemos elencar alguns temas
sofisticação intelectualista, pela
recorrentes na lírica camoniana. Entre
valorização da originalidade, pelo
eles, a valorização da experiência real
dinamismo e complexidade e pelo
em detrimento de um saber imaginativo,
artificialismo no tratamento dos
fruto, em grande parte, do
temas, a fim de se conseguir maiores
antropocentrismo renascentista; a
emoção, elegância, poder ou tensão.
saudade, aspecto do espírito português
Tem como marca a contradição e o
desde o Trovadorismo, vide as Cantigas
conflito. A palavra deriva do termo
de Amigo em que a mulher chorava a
italiano ’’maniera’’, “maneira”,
ausência do amado; as contradições
indicando o estilo pessoal de
inerentes à vida humana que se
determinado autor. Pode-se dizer que o
materializam nos textos, por meio das
Maneirismo marca a passagem do
antíteses e dos paradoxos (como
Renascimento para o Barroco, período
mostramos na imagem da mulher, por
em que as contradIções irão se
exemplo); o desconcerto do mundo, fruto
intensificar.
das ideias de Heráclito (RODRIGUES,
1998, p. 67), redimensionadas para a No poema épico Os Lusíadas, Camões
realidade do tempo de mudanças em que insere o episódio O Velho do Restelo,
o poeta viveu, pela percepção personagem que acompanha a partida da
Maneirista da existência que já revela o expedição de Vasco da Gama em direção
fim do Renascimento e o surgimento do às Índias, na praia do Restelo, e critica o
período Barroco. empreendimento. Ao descrever a figura
desse Velho, Camões confere-lhe uma
autoridade não só pela imagem, “o
Heráclito:(535 a.C. - 475 a.C.) aspecto venerando” que a idade traz, mas
filósofo considerado o “pai da diz também que ele tem “um saber só de
dialética”: experiências feito” que inspira as
palavras do esperto peito, “experto
É o pensador que afirma que “tudo peito”, no dizer de Camões.
flui” do fogo, que seria o elemento do
qual deriva tudo o que nos circunda.

Maneirismo:
Movimento artístico europeu surgido
entre 1515 e 1600, como uma revisão
dos valores clássicos e naturalistas
prestigiados pelo Humanismo
renascentista. Manifestou-se na pintura,
escultura e arquitetura na Itália, onde se
originou, mas também influenciou as
outras artes e a cultura de praticamente
Ainda no epílogo do poema, o poeta seja, pelo imenso sofrimento provocado
reafirma o valor da experiência. Ao pelo distanciamento.
honesto estudo, o saber que vem dos
Neste poema, o poeta recupera a imagem
livros, juntam-se a experiência e o
da madrugada como um ser mitológico, a
engenho:
Aurora de róseos dedos, a deusa grega
’’Mas eu que falo, humilde, baixo e do amanhecer. A madrugada, que traz o
rudo, dia, a claridade e a luz, surpreende a
de vós não conhecido nem sonhado? partida, a separação. A dor e a mágoa dos
Da boca dos pequenos sei, contudo,
que o louvor sai às vezes acabado. amantes são tão intensas a ponto de
Nem me falta na vida honesto estudo, esfriar o próprio fogo dos infernos:
com longa experiência misturado, “tornar o fogo frio/ E dar descanso às
nem engenho, que aqui vereis presente, almas condenadas.” Neste discurso
cousas que juntas se acham raramente.
Que me quereis, perpétuas saudades? fundem-se, portanto, no tema da
Com que esperança ainda me enganais? saudade, paganismo e Cristianismo.
Que o tempo que se vai não torna mais
E, se torna, não tornam as idades.’’ Quanto à temática do desconcerto do
(Os Lusíadas, Canto IV, estrofe 154). mundo, podemos vê-la manifestando-se
claramente nas redondilhas a seguir:
Sobre o tema da saudade, podemos usar ’’Ao desconcerto do mundo
como exemplo, entre tantos, o soneto a Os bons vi sempre passar
seguir: No mundo graves tormentos;
E, para mais me espantar,
’’Aquela triste e leda madrugada, Os maus vi sempre nadar
Cheia toda de mágoa e de piedade, Em mar de contentamentos.
Enquanto houver no mundo saudade, Cuidando alcançar assim
Quero que seja sempre celebrada. O bem tão mal ordenado,
Fui mau, mas fui castigado:
Ela só, quando amena e marchetada Assim que, só para mim,
Saía, dando ao mundo claridade, Anda o mundo concertado.’’
Viu apartar-se duma outra vontade,
Que nunca poderá ver-se apartada. Percebe-se a clara inversão de valores:
Ela só viu as lágrimas em fio,
aos bons sobram os tormentos e aos
Que de uns e de outros olhos derivadas maus os contentamentos. O senso de
Se acrescentaram em grande e largo rio. injustiça amplia-se mais para o sujeito
poético que, ao agir mal, é castigado.
Ela ouviu as palavras magoadas
Que puderam tornar o fogo frio
Para ele, que constitui uma espécie de
E dar descanso às almas condenadas.’’ ser de exceção, paradoxalmente, até o
concerto é desconcerto, ou seja, até
aquilo que é bom torna-se ruim
O tema da partida, da despedida durante
especialmente para o sujeito.
a madrugada, desdobra-se no tema da ’’Mudam-se os tempos, mudam-se as
saudade gerada pela separação vontades,
involuntária, pelo apartamento de duas Muda-se o ser, muda-se a confiança;
vontades que não aceitam essa realidade. Todo o mundo é composto de mudança,
Tomando sempre novas qualidades.
Ao mesmo tempo, e por isso, continuam
unidas pelas “lágrimas em fio” que se Continuamente vemos novidades,
“acrescentam em grande e largo rio”, ou Diferentes em tudo da esperança;
Do mal ficam as mágoas na lembrança,
E do bem, se algum houve, as saudades. Em Portugal, no século XV, a
O tempo cobre o chão de verde manto,
necessidade de conhecimento e domínio
Que já coberto foi de neve fria, do espaço físico fez com que se
E enfim converte em choro o doce canto. desenvolvesse um espírito de ousadia
que levou a uma abertura de
E, afora este mudar-se cada dia,
Outra mudança faz de mor espanto: mentalidades, como disse o próprio
Que não se muda já como soía.’’. Camões: “Novos mundos ao mundo
irão mostrando” Canto II, estrofe 45.
Neste soneto, a temática da mudança Luís de Camões viveu em um período
está associada à temática do desconcerto em que Portugal atingiu o seu ponto mais
e da saudade. Tudo muda tanto que, no alto de domínio do mundo, por causa dos
último terceto, percebemos o paroxismo, Descobrimentos. Essa experiência que
o ponto máximo da mudança: até ela não lhe serviu de inspiração, aliada ao
muda como soía, ou seja, como renascimento cultural, lhe deu a
costumava mudar. conhecer as epopeias clássicas,
Analisamos alguns poemas da Lírica originando, então, a criação de uma
de Camões, no intuito de mostrar a epopeia nacional, pela necessidade que
importância de entrelaçar os portugueses tinham de uma obra
conhecimentos sobre contexto da que cantasse os feitos da nação. Os
época de produção, obras e vida do feitos Portugueses forneceram o
autor, para atribuir sentidos aos argumento, a demonstração da força
poemas que lemos. humana, do domínio da inteligência do
Homem sobre os elementos da natureza.
Camões épico: Os
Estrutura de Os Lusíadas
Lusíadas
Estrutura Externa:
Ao abordar a obra de Camões, não
poderíamos deixar de apresentar, mesmo O poema divide-se em dez cantos, cada
que resumidamente, sua grande obra um deles com um número variável de
épica: Os Lusíadas. Acompanhe, estrofes, que, no total, somam 1102. As
portanto, o texto a seguir. estrofes são todas oitavas, têm oito
versos, e estes são decassílabos, isto é,
Além da poesia lírica, Camões escreveu cada verso tem dez sílabas métricas,
a epopeia Os Lusíadas (1572), o mais obedecendo ao esquema de rimas
importante poema épico da literatura “abababcc” (rima cruzada, nos seis
portuguesa. Epopeia é uma narrativa, primeiros versos, e emparelhada, nos
geralmente em verso, que conta os dois últimos).
grandes feitos de um herói (Ulisses –
em Odisseia, Aquiles – em Ilíada, e Estrutura Interna:
Enéas em Eneida) ou de um povo, como
no caso de Os Lusíadas, que canta as Como a epopeia clássica, a obra de
glórias do povo português no período Camões é constituída por cinco partes:
das Grandes Navegações. O poema tem « Proposição:
como herói coletivo o povo português.
O
poeta

« Invocação:
Nessa parte, o poeta dirige-se às
Tágides (ninfas do Tejo), para lhes
pedir o estilo e eloquência necessários
à execução da sua obra; afinal, um
assunto tão grandioso exigia um estilo
elevado, uma eloquência superior, “de
tuba canora e belicosa” e não de flauta;
começa por declarar aquilo que se daí a necessidade de solicitar o auxílio
propõe fazer, indicando de forma das entidades protetoras dos artistas
sucinta o assunto da sua narrativa: (Canto I, estâncias 4 e 5). O poeta pede
falar não só sobre os navegadores que que as águas do Tejo sejam elevadas à
tornaram possível o império português categoria das águas da fonte de
no Oriente, sobre os reis que Hipocrene, uma nascente de água doce,
promoveram a expansão da Fé e do situada na encosta leste do Monte
Império, mas também sobre todos Hélicon, na Grécia, tradicionalmente
aqueles que se tornam dignos de consagrada a Apolo e às musas, que teria
admiração pelos seus feitos. Esta brotado de uma pedra a partir de uma
proposição ocupa as três primeiras patada de Pégaso, o cavalo alado. Ela
estrofes do Canto I: era considerada a fonte de inspiração
poética por excelência, sendo que
quem bebia das suas águas ficava em
comunhão com as musas.
isso, Camões recorreu a profecias
colocadas na boca de Júpiter,
« Dedicatória: Adamastor e Tétis, principalmente.
É a parte em que o poeta oferece a sua
obra ao rei D. Sebastião (Canto I, 3. Plano Mitológico: dos Deuses ou
estâncias 6-18). Maravilhoso (conflito entre os deuses
pagãos) — Camões imaginou um
« Narração: conflito entre os deuses pagãos: Baco
opõe-se à chegada dos Portugueses à
O poeta canta os feitos dos Portugueses, Índia, pois receia que o seu prestígio
tendo como ação central a viagem de seja colocado em segundo plano pela
Vasco da Gama à Índia. Paralelamente, glória dos Portugueses, enquanto
surge a narração da História de Portugal. Vênus, apoiada por Marte, os protege.
A narração começa “in media res”, ou O maravilhoso tem uma função
seja, no meio da história, já na viagem, o simbólica: esta intriga dos deuses
que é uma característica da epopeia reflete indiretamente as dificuldades
clássica. que os Portugueses tiveram que
A narração desenvolve-se em quatro vencer e inculca a ideia de que os
planos diferentes, mas estreitamente portugueses eram seres predestinados
articulados entre si: para estas façanhas do destino e que
os próprios deuses o desejavam. A
1. Plano da Viagem: A ação central do mitologia permite a evolução da ação
poema é a viagem de Vasco da Gama (os deuses assumem-se como
às Índias. adjuvantes ou como oponentes dos
2. Plano da História de Portugal: Para portugueses) e constitui, por isso, a
enaltecer seu povo, Camões usa intriga da obra. São eles: Júpiter,
artifícios para contar a história do Deus do Céu e da Terra, pai dos
país ao longo do poema: deuses e dos homens; Netuno, Deus
do mar; Vênus, Deusa do amor e da
a. Narrativa de Vasco da Gama ao rei de beleza; Baco, Deus do vinho e do
Melinde — O rei recebe Vasco da Oriente; Apolo, Deus do Sol, das
Gama e procura saber quem é ele e artes e das letras; Marte, Deus da
donde vem. Guerra, velho apaixonado de Vênus;
b. Narrativa de Paulo da Gama ao Mercúrio, Mensageiro dos deuses.
Catual — Em Calecut, uma 4. Plano das considerações o poeta:
personalidade hindu (Catual) visita o Por vezes, normalmente em final de
navio de Paulo da Gama, que se canto, a narração é interrompida para
encontra enfeitado com bandeiras o poeta apresentar reflexões de
alusivas a figuras históricas carácter pessoal sobre assuntos
portuguesas. diversos, a propósito dos fatos
narrados.
c. Profecias — Os acontecimentos
posteriores à viagem de Vasco da Epílogo: encerramento do poema,
Gama não podiam ser introduzidos na que ocupa as estrofes 145 a 156 do
narrativa como fatos históricos. Para Canto X, quando o poeta confessa
estar cansado de cantar para “Gente
surda e endurecida” e que sua pátria
está metida “no gosto da cobiça e na
rudeza de uma austera, apagada e vil
tristeza”:

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