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Home > Artigos > Posvenção: uma intervenção dolorida, porém necessária

Artigos - 27/07/2018

Posvenção: uma intervenção


dolorida, porém necessária
Karina Okajima Fukumitsu é pós-doutora pelo Instituto de Psicologia (IP-USP) e
psicoterapeuta
Por Redação - Editorias: Artigos

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D
… esde 2005, quando da publicação da obra Suicídio
e Gestalt-terapia[1], declarei-me suicidologista,
principalmente porque queria incluir, nas lides
acadêmicas de profissionais da saúde, aulas sobre manejo
Foto: Arquivo
do comportamento suicida, prevenção ao suicídio e
Pessoal acolhimento ao luto por suicídio. Nesse período, recebi
muitas críticas por querer trazer à tona um assunto
… considerado tabu. Sentia-me realizando um “trabalho de
formiga”, sempre no contrafluxo de colegas da profissão
que, inclusive, advertiam que eu “seria rejeitada por alguns
psicólogos por insistir em falar de um tabu”. Além disso, tive
a recusa de três editoras para publicar meu primeiro livro
sobre suicídio, com a alegação de que “era um assunto que
não teria interesse mercadológico”. Nunca imaginei que 13
anos depois de eu ter recebido a primeira negativa editorial,
o cenário mudaria tão bruscamente.

Desiludida com a ausência de apoio de políticas públicas


para a prevenção ao suicídio e considerando a demanda da
prática clínica, na qual recebia várias pessoas enlutadas
pelo suicídio, decidi me aprofundar nos ensinamentos de
Shneidman (1973, 1985, 1993, 1996, 2001).

Direcionei meus estudos para a compreensão do processo


de luto por suicídio tanto no doutorado (2009-2013), no qual
pesquisei o processo de luto de filhos de pessoas que se
mataram, quanto no pós-doutorado (2013-2017), pelo qual
ampliei o escopo dos estudos sobre a posvenção com a
pesquisa “Cuidados e intervenções aos sobreviventes
enlutados pelos suicídios”. Dessa maneira, mudei meu foco
de pesquisa com o intuito de cuidar das “pessoas que
ficaram, que estavam vivas e que precisavam encontrar
forças para continuarem vivas”. Essas pessoas eram os
enlutados e as famílias, cujas preocupações contínuas têm
relação com familiares que tentam se matar.

Iniciado a partir do suicídio de uma pessoa que há pouco


estava viva e de um momento para outro está morta, o
processo de luto se torna uma fase delicada. Durante o luto,
os dias se tornam intermináveis pela montanha-russa
dilacerante. O luto corrói, machuca e faz com que
duvidemos se um dia haverá algum momento em que o
sofrimento cessará. Por esse motivo, a frase “quem mata
quem, quando acontece o suicídio?” (Fukumitsu, 2013, p.69)
se faz presente diariamente na vida daquele que foi
impactado pelo suicídio de um ente querido.

No luto é escancarado um sofrimento que fica por muito


tempo em carne viva e por esse motivo a pessoa que se
matou se mantém pela dor, lembrança do ato suicida e pela
constante busca de explicações. No luto, normalmente não
usamos maquiagem nem adereços que nos enfeitam. É o
estado mais “puro” em que evidenciamos nossa fragilidade.

Postvention é o termo proposto por Edwin Shneidman (1973;


1985; 1993), cujo foco principal é destinado a promover
ações que se ocupam dos enlutados após o suicídio de uma
pessoa querida e que, segundo ele mesmo em outra
ocasião (2008, p. 23, tradução nossa), visam a “uma vida
mais longa, mais funcional e menos estressante do que
seria a expectativa de viverem [após serem impactados pelo
suicídio]”. No Brasil, ainda não encontrado no dicionário da
língua portuguesa, o termo posvenção tem se tornado
gradualmente conhecido.
.


Iniciado a partir do suicídio de uma pessoa que
há pouco estava viva e de um momento para
outro está morta, o processo de luto se torna
uma fase delicada

.
Em curso Suicídio e luto: uma tarefa da posvenção, fui
questionada sobre os requisitos necessários para que um
profissional pudesse se habilitar como “especialista em
processo de luto por suicídio”.

Certamente não tenho a resposta final, mas ousei ofertar


neste artigo algumas das reflexões a respeito dos aspectos
importantes para aquele que têm a intenção de se dedicar
às ações da posvenção. Para que nos aprofundemos na
compreensão do processo de luto por suicídio, o profissional
não deve se limitar apenas em ter simpatia pelos estudos da
prevenção e posvenção ao suicídio, tampouco empatia pela
pessoa em processo de luto, pois dificilmente poderemos
nos colocar no lugar daquele que foi impactado pelo
suicídio, como afirmado em crônica A busca de sentido no
processo de luto: Escuta, Zé Alguém (Fukumitsu, 2014, p.
59): “O sentido pertence ao ‘sentidor’, a quem considero
aquele que sente a dor”.

Questionamentos sobre “se algum dia a pessoa em luto


voltará a sorrir novamente?”, “se as saudades continuarão a
aumentar ou se diminuirão a cada dia?”, “se o
inconformismo a respeito de a pessoa amada ter se matado
passará?” expressam a desesperança, o ceticismo e a
sensação de que o sofrimento nunca passará. Perguntas
que não me sinto capaz de responder, pois acredito que o
suicídio seja como um quebra-cabeças que nunca se
formará, porque a pessoa que se matou levou a peça
principal. Como afirmo: nunca somos os mesmos depois de
um tsunami existencial acontecer.

Entendo que a práxis da posvenção transcende os limites


temporais que comumente acompanho com alguns clientes
em minha prática clínica, na qual percebo que assim que a
pessoa encontra um bem-estar em sua maneira de viver,
finaliza seu processo. Atendendo pessoas enlutadas pelo
suicídio, percebo que o bem-estar é um dos únicos estados
que a pessoa está aquém de ter a experiência. Pelo
contrário, é um constante mal-estar, pois o suicídio não leva
apenas a pessoa que nunca mais o enlutado verá.

O suicídio leva também os sonhos, as expectativas, os


vínculos afetivos que foram abruptamente interrompidos e,
por esse motivo, considero que, no trabalho de acolhimento
ao sofrimento provocado pela morte repentina e violenta, o
estar junto no torpor, tristeza, falta de respostas, raiva,
culpa e arrependimentos faz total diferença. É preciso viver
com compaixão, que segundo Nouwen (2007, p.69) significa
“entrar nos momentos sombrios do outro. É penetrar em
lugares de dor, é não recuar ou desviar os olhos quando
alguém agoniza. Significa permanecer onde pessoas
sofrem. A compaixão é o que nos impede de dar explicações
fáceis e ligeiras diante da tragédia na vida de alguém que
conhecemos ou amamos”.

O respeito para com a dor de outrem sem querer interferir


nem dar conselhos e auxiliar o enlutado a se auto-respeitar
são algumas das principais intervenções do processo de luto
por suicídio. Acima de tudo, repito o que afirmei em estudos
anteriores: “o que conforta talvez não seja realmente o
tempo, mas sim o sentido das vivências que tivemos com as
pessoas que morreram” (Fukumitsu, 2014, p.59).

Meu sonho seria o de não precisar falar sobre posvenção,


pois atinge diretamente minha impotência e sofrimento por
acompanhar inúmeras vidas interrompidas e inúmeras vidas
que se fragmentaram em virtude dos suicídios de pessoas
amadas. Difícil realidade e, por isso, a posvenção nos
convida a pensar sobre o aspecto de ser uma intervenção
dolorida, porém necessária.

Que a prevenção ao suicídio seja cada vez mais expandida


e ampliada para que a posvenção não seja necessária e tão
frequente.

.
Referências

Fukumitsu, K. O. (2013). Suicídio e Luto: histórias de filhos


sobreviventes. São Paulo: Digital Publish & Print.

Fukumitsu, K. O. (2014). “A busca de sentido no processo


de luto: escuta Zé Alguém”. Revista de Gestalt, v. 19, pp. 59-
61.

Nouwen, H. (2007). Transforma meu pranto em dança: cinco


passos para sobreviver à dor e redescobrir a felicidade. Rio
de Janeiro: Thomas Nelson.
Shneidman, E. (1973). Deaths of man. New York:
Quadrangle.

Shneidman, E. (1985). Definition of suicide. Michigan: Wiley.

Shneidman, E. (1993). Suicide as Psychache: a clinical


approach to self-destructive behavior. London: Jason
Aronson.

Shneidman, E. (1996). The suicidal mind. Oxford: Oxford


University Press.

Shneidman, E. (2001). Compreending suicide: landmarks in


20th-Century Suicidology. Washington: American
Psychological Association.

Shneidman, E. (2008). A commonsense book of death:


reflections at ninety of a lifelong thanatologist. United
Kingdom: Rowman & Littlefield Publishers, Inc.

[1] Republicada em 2012 com novo título. Versão de 2005


intitulada “Suicídio e psicoterapia: uma visão gestáltica”.
Campinas: editora Livro Pleno.

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