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CARLOS ALEX DE CANTUÁRIA CYPRIANO

PEQUENA EMPRESA,
DESENVOLVIMENTO SOCIAL E A
AÇÃO INSTITUCIONALIZADORA DO
SEBRAE
CARLOS ALEX DE CANTUÁRIA CYPRIANO

PEQUENA EMPRESA,

DESENVOLVIMENTO SOCIAL E

A AÇÃO INSTITUCIONALIZADORA DO SEBRAE

Tese apresentada ao Programa de Pós-graduação em


Administração, Escola de Administração, Universidade
Federal da Bahia, como requisito parcial para obtenção do
grau de Doutor em Administração.

Orientador: Prof. Dr. Nelson de Oliveira Santos

Salvador
2004
Escola de Administração - UFBA

C996 Cypriano, Carlos Alex de Cantuária.


Pequena empresa, desenvolvimento social e a ação institucionalizadora do SEBRAE / Carlos
Alex de Cantuária. – 2004.
335 f.

Orientador : Prof. Nelson de Oliveira Santos


Tese(doutorado) – Universidade Federal da Bahia. Escola de Administração, 2004.

1. Pequenas e médias empresas – Brasil- Administração. 2. Desenvolvimento econômico –


Aspectos sociais. 3. Ideologia – Aspectos sociais. 4.Empreendedorismo. 5.Pequenas e médias
empresas – Brasil – Competitividade. I. Santos, Nelson de Oliveira. II. Universidade Federal da
Bahia. Escola de Administração. III. Título.

CDD – 658.022
Ao meu avô Cantuária, de quem espelhei a consciência.
Aos meus pais, Siva e Carlos, pequenos empresários que me ensinaram a trabalhar.
A Jundiára, mulher que me incentiva pacientemente ao longo dessa trilha.
A Sivinha e João Olavo, pela desatenção a ser recompensada.
AGRADECIMENTOS

Agradeço primeiramente a todas as pessoas, e foram muitas, que se importaram com este
trabalho e com seu autor ao longo desse período. O incentivo e o apoio recebido de colegas,
amigos e parentes foi fundamental para que pudesse chegar a este ponto. Tenham a mais
completa certeza disso.
Ao meu orientador, Prof. Nelson Oliveira, agradeço mais uma vez. O modo com que
conduziu sua orientação possibilitou-me um aprendizado inestimável e seguro, a partir do
qual pude descortinar a realidade mais amplamente.
Agradeço ao Núcleo de Pós-Graduação em Administração – NPGA da UFBA, ao seu
Colegiado pela confiança depositada na minha capacidade e, especialmente, ao Prof.
Francisco Teixeira, Coordenador do Núcleo.
Aos Professores da Casa agradeço pela oportunidade que tive de aprender com vocês e aos
funcionários, especialmente Anaélia e Dacy, pelo carinho e dedicação com que sempre fui
recebido e apoiado.
Ao pessoal do Centro de Documentação e Informação - CDI do SEBRAE/BA, fundamentais
para a existência deste trabalho, especialmente sua Coordenadora Rita Araújo, e ao Prof.
Lielson Coelho que me abriu as portas do SEBRAE.
Ao pessoal e colegas do CEFET/BA, em especial às Profas. Aparecida Modesto e Regina
Lovatti, agradeço o apoio e a compreensão.
Às Profas. Miriam Freire e Sandra Corrêa do Colegiado do Curso de Turismo e Hotelaria da
UNEB, agradeço pela compreensão e apoio, e ao Sr. Djalma Almeida da Editora e Gráfica da
UNEB, pelo apoio na impressão do trabalho.
Ao apoio recebido dos Profs. Alexandre Paupério, à época Coordenador do Curso de
Administração Hoteleira, e Lúcia Aquino Coordenadora do Curso de Turismo da UNIFACS.
Aos meus alunos agradeço a compreensão e pela torcida. Espero retribuir conforme nossos
encontros reflitam o conhecimento que pude amealhar nesse período.
À Casa de Retiro São Francisco agradeço pelo acolhimento recebido durante o período final
de conclusão do trabalho.
Aos amigos, que participaram mais de perto e contribuíram diretamente de diversas formas
para este trabalho, Alvino Sanches, Ana Paula Gordilho, Izabel Portela, Laura Simões, Maria
Cristina Santos, Nilton Vasconcelos, Ricardo Caribé, Riccardo Urbani, Roberto Masier,
Rogério Albuquerque, Túlio Ferraz, Xando Pereira e aos colegas de turma Clézio Saldanha,
Elias Sampaio, Eline Menezes, Isabela Cardoso e Napoleão Queirós, com os quais
compartilhamos muitas experiências, agradeço de coração.
RESUMO

A proposta deste trabalho consiste em discutir a natureza ideológica da institucionalização da


pequena empresa (PE). Ação que se configura conforme a agência de apoio e fomento, o
SEBRAE, busca ampliar seu campo e escopo de ação, incorporando parcelas crescentes da
pequena produção à lógica da reprodução capitalista, pressupondo que o problema da PE –
atribuído à ausência de uma cultura empreendedora que possibilitasse uma PE competitiva –
pudesse resolver-se com a estimulação à adoção – por parte de um indivíduo cuja ação é
concebida segundo expectativas racionais e utilitárias – de comportamentos sociais
cooperativos e técnicas empresariais modernas, mas ignorando ou omitindo os condicionantes
estruturais que limitam as possibilidades dessa institucionalização, deixando subjacente a
funcionalidade reprodutiva com que essa PE tornada competitiva se integra ao sistema
produtivo sob as novas exigências competitivas postas pelo paradigma tecnológico vigente.
Tal feito garante o aprofundamento e continuidade do processo de desenvolvimento
capitalista nessa nova etapa, sem comprometer seu caráter articulado à reprodução sistêmica
em nível mundial, nem a manutenção dos padrões institucionais desiguais e conservadores
característicos de nosso ordenamento societário. Nossa crítica é direcionada à pretensão da
agência em tornar a PE protagonista de uma transformação social e que tal movimento pode
ter uma amplitude sistêmica. A segunda crítica é dirigida à avaliação que aponta a falta de
uma cultura empreendedora e cooperativa como fator que impossibilita tal pretensão. Tais
pretensão e avaliação não decorrem de uma análise, mas surgem como efeitos discursivos
concretos inscritos no conjunto de enunciações da agência. Nesse caso, a ideologia
identificada pelo trabalho de interpretação realizado revela-se à medida que esse conjunto de
enunciações relaciona-se às condições de possibilidade de reprodução de uma forma de vida
social. Diante do quadro que resulta dessa análise, a PE competitiva mostra-se improvável de
ocorrer com a intensidade propugnada pela agência, bem como de se constituir
qualitativamente como agente ativo da transformação social alardeada.

Palavras-chave: pequena empresa; competitividade; desenvolvimento; ideologia;


empreendedorismo; cooperação.
ABSTRACT

The proposal of this thesis is to discuss the ideological character concerning the
institutionalization of small business, through the analyses of the action of SEBRAE, which is
the agency of support and incentive to the small enterprises (SE). The action of this agency,
takes place from the moment the agency increases its scope of action, including more small
producers in the capitalist reproduction logic. This action assumes the problem of the small
enterprises – a lack of an entrepreneurial culture that makes the small enterprises more
competitive – can be solved by the stimulus of cooperative behavior and adoption of modern
management techniques, which action of an agent is conceived as utilitarian and rational
expectations. However, the agency disregards the structural conditions that limit the
institutionalization of a competitive small enterprise, hiding the reproductive functionality of
SE in the current technological paradigm. This fact allow the continuity of the capitalism
process, without compromising the unequal and conservative institutional patterns of our
societal ordering. The present work criticizes the intention of the above mentioned agency in
having the small enterprises as the protagonist of a social change and whether it would
acquire a systemic behavior. The second critic, focus on the evaluation which indicates the
lack of entrepreneurial and cooperative culture, as the determinant factor that restricts the
achievement of its goal. Both intention and evaluation do not originate from a deep research
but as effects of the agency ideological discourse. The conclusion from the present research
suggests it seems unlikely that the competitive small enterprises may act with the intensity
proposed by the above mentioned agency or that it could act as an active agent to the social
change acclaimed.

Key words: small business; competitiveness; development; ideology; entrepreneurship;


cooperation.
SUMÁRIO

1 – INTRODUÇÃO 8
2 – FUNDAMENTOS TEÓRICOS DA PEQUENA EMPRESA
COMPETITIVA 32
2.1 – A PEQUENA EMPRESA SEGUNDO MARSHALL 35
2.2 – A REELABORAÇÃO DA PEQUENA EMPRESA SEGUNDO STEINDL. 42
2.3 – AS DUAS PEQUENAS EMPRESAS EM SCHUMPETER 47
2.4 – A PEQUENA EMPRESA SEGUNDO VISÕES “INVERTIDAS” 50
2.5 – OS DESDOBRAMENTOS DAS VERTENTES “CLÁSSICAS” 55
2.5.1 – A “criação” de capital social, cooperação e confiança. 58
2.5.2 – Os distritos industriais (em Itália, tipicamente) em alerta 66
2.5.3 – A dinâmica do desenvolvimento tecnológico e a pequena empresa 79
2.5.4 – O empreendedor e o empreendedorismo 94
2.5.5 – A pequena empresa inovadora 106
3 – DESENVOLVIMENTO, DEPENDÊNCIA E ORDEM SOCIAL
COMPETITIVA 113
3.1 – A PEQUENA EMPRESA (SUA PROGÊNIE) NA “FORMAÇÃO DO BRASIL
CONTEMPORÂNEO” 122

3.2 – A PEQUENA EMPRESA NA ORDEM SOCIAL COMPETITIVA DO


CAPITALISMO DEPENDENTE 132

4 – PROCESSO DE INSTITUCIONALIZAÇÃO DA PEQUENA


EMPRESA COMPETITIVA 148
4.1 – FUNCIONALIDADE DA PEQUENA EMPRESA NA REPRODUÇÃO
CAPITALISTA 153

4.2 – IDEOLOGIA E PODER SIMBÓLICO DO SEBRAE 171

4.3 – TRAJETÓRIA INSTITUCIONALIZADORA DO SEBRAE 209

4.4 – A PEQUENA EMPRESA COMPETITIVA, A PARTIR DA “REINVENÇÃO”


DO SEBRAE 254

5 – CONCLUSÕES 288
REFERÊNCIAS 299
ANEXOS 317
1 - INTRODUÇÃO

Várias são as proposições existentes a respeito de vias alternativas de desenvolvimento

social e econômico baseadas na pequena empresa (PE), na sua maioria derivada de

experiências adventícias1 . Embora não se possa dizer tratar-se de algo inteiramente original,

tampouco se pode ignorar a reelaboração de seu papel e função, que passam a ser associados

aos processos de desenvolvimento econômico, tecnológico e social.

O assunto transborda da esfera acadêmico-científica para a profissional-consultiva,

como seria esperado, e hoje se transforma numa espécie de fenômeno não só afeito à esfera da

produção e de sua organização, mas tratado na esfera do econômico, da ciência & tecnologia,

e do desenvolvimento social como objeto da ação pública e de políticas públicas. Sua

repercussão está normalmente vinculada a “projetos” de desenvolvimento nacional no qual

cumpriria um papel estratégico em ambientes capitalistas periféricos. Um “assunto nacional”

socializado maciçamente e que vem freqüentando regularmente os mais diversos espaços da

mídia, os noticiários jornalísticos e dispondo, inclusive, de veículos de divulgação

especializados.

Essa situação se desdobra com a expansão de organismos e ações dedicadas ao

fenômeno e que vai refletir-se, também, na instituição de um espaço de geração e difusão de

conhecimento científico relacionado ao tema, seja através da re-constituição de temáticas

específicas como o empreendedorismo e de cursos especializados sobre o objeto que ganha

1
Não apenas no Brasil esse relevo do pequeno acontece. Na verdade, o fenômeno em si é importado junto com
suas postulações teóricas e metodologias de aplicação. O trabalho de Piore e Sabel (1984) ao discutir o
fenômeno da produção flexível e de Becattini (1979) sobre distritos industriais podem ser considerados como um
ponto de partida para essa reelaboração acerca da pequena empresa.
9

um sentido específico – um status teórico específico, ou pela introdução de disciplinas

relacionadas nos currículos acadêmicos.

A primeira impressão é a de estarmos vivendo uma autêntica “revolução” nas formas

de organização da produção e de termos encontrado uma “saída” para o desenvolvimento

nacional auto-sustentado.

Entretanto, nossa inquietação é despertada quando, através desse espaço midiático

somos constantemente informados tanto a respeito da excepcional “capacidade

empreendedora” de nosso povo, ostentando sempre as primeiras posições no “ranking do

empreendedorismo”2 , quanto a respeito das altas “taxas de mortalidade”, comparadas com a

de outros países tanto ou mais desenvolvidos, que persistem entre as pequenas empresas

nacionais, a despeito dos esforços feitos em prol da PE.

Os motivos mais consensuais sobre a situação geral da pequena empresa e sua

importância socioeconômica decorrem:

- Da sua importância relativa para as economias nacionais em termos de participação na

formação dos produtos nacionais, especialmente em países periféricos;

- da sua função social no tocante à absorção de mão de obra devida à geração de

emprego e renda – aspectos cada vez mais ressaltados à medida que se completam os

processos de reestruturação produtiva e, indiretamente, na medida que implique o

desenvolvimento das forças produtivas;

- de sua menor capacidade relativa de acumulação face às grandes empresas, exceto nos

casos das PE’s que crescem rapidamente3 e de outras intensivas em tecnologia de

produto ou processo, às quais se atribuem características competitivas e;

2
Trata-se de uma sondagem efetuada em diversos paises, na qual o Brasil participa desde 1998, onde se procura
mensurar a iniciativa individual para empreender, conforme Reynolds et al (1999, 2001).
3
Denominam-se “gazelas” as firmas jovens dinâmicas e criadoras de emprego de rápido crescimento e que,
segundo alguns autores, geram a maior parte desses empregos (STAM, 1999). Há uma corrente de estudiosos
que advogam que apenas as gazelas são portadoras das virtudes competitivas atribuídas em geral à PE.
10

- da necessidade de políticas públicas de apoio e fomento, tanto em um sentido

compensatório quanto emancipatório ou integrativo, sendo estes últimos mais

presentes no cenário liberalizante atualmente em vigência.

A justificativa para a implementação de ações estatais (políticas públicas) de fomento

à PE tem sentido econômico, decorrente do uso mais produtivo dos recursos empregados ao

desenvolvimento de tecnologias e competências produtivas, ou sentido social e político de

evitar desemprego, de gerar renda para minorias e de diminuir desigualdades regionais ou,

ainda, associada a critérios de justiça, por compensar deficiências inerentes ao próprio porte e

distorções provocadas pelo próprio sistema capitalista em favor das grandes empresas. Tais

políticas, de amplo espectro de aplicação, podem ser orientadas para o crescimento

econômico e/ou redistribuição mais eqüitativa de riquezas. Além disso, podem ter um caráter

setorial – industrial e/ou social – e ser aplicadas de formas horizontal ou mais específicas e

verticalizadas.

A postulação quanto ao caráter estratégico da PE em ambientes capitalistas periféricos

se constitui num reforço político-institucional significativo tanto para a formulação e

implementação de políticas públicas quanto para o aparelhamento de agências de apoio e

fomento.

O SEBRAE4 é a agência que desempenha esta função de assistência e promoção da PE

e de sua disseminação enquanto fenômeno específico no Brasil. É através de sua atividade

comunicativa e simbólica que a agência não apenas se constitui, como desenvolve um

discurso institucional a respeito da própria natureza da PE, de seus papéis e funções e das

ações voltadas ao seu apoio e fomento. Completa-se assim, com a agência, o aparato onde as

ações e elaborações acerca da PE se instituem5 .

4
Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas.
5
Em 2003 o orçamento da agência foi de R$ 1,4 bilhão (O Sebrae, 2003).
11

A despeito desse aparato, o “ressurgimento” do fenômeno da pequena empresa e dos

aspectos relacionados a sua esfera nos impressiona, inicialmente, quanto a sua própria

concretude e realidade e em seguida, quanto à forma como é tratado, a nosso ver insuficiente,

diante do impacto e repercussão que obtém.

Ao perscrutarmos um pouco mais o objeto confirmamos nossa insatisfação inicial

quanto à ausência de questionamentos na reflexão e construção teórica do fenômeno, tanto

pela esfera acadêmico-científica quanto nas esferas profissional-produtiva e público-estatal

em seus misteres de aplicar tais conhecimentos e de apoiar e fomentar seu desenvolvimento.

Percebemos logo, em parte da produção acadêmica recente, a mesma tendência

normativa e prescritiva, fundamentada em experiências particulares, verificada em outras

temáticas administrativas6 , onde o problema maior reside no caráter epistêmico pretendido.

Noutra parte notamos um certo engajamento no sucesso de experiências estrangeiras

que, a despeito da contextualização intentada, retém um caráter “finalístico” que se torna

problemático conforme venha a estimular uma emulação pouco consciente das

especificidades e diferenças locais e, conseqüentemente, de suas limitações.

De par com as observações acima, correm outras duas, mais genéricas, que consistem

na relativa ausência de um questionamento teórico acerca da natureza do objeto, a falta de

uma visão crítica acerca da reelaboração da pequena empresa7 – não na sua essência

microeconômica, mas justamente por causa dessa focalização excessiva que tende a ignorar

outras influências e determinações que possam estatuir sobre a realidade do objeto; e um certo

empirismo – ativista e pragmático – com que o objeto é idealizado em face das necessidades

sociais e econômicas impostas pela atual conjuntura nacional.

6
Como a temática da qualidade e outras práticas de gestão que tomam vulto considerável a ponto de chegar a ser
denominada como “literatura administrativa de auto-ajuda”.
7
Crítica que difere substancialmente daquela outra, feita anteriormente, no contexto do surgimento da grande
empresa multidivisional, da sociedade anônima conforme Chandler, Berle e Means, Galbraith, entre outros
autores que trataram da empresa capitalista moderna.
12

Conjuga-se a isso alguma insuficiência metodológica no tratamento empírico do

objeto, que se evidencia pelo recurso costumeiro a instrumentos de investigação subjetivos

como pesquisas de opinião e sondagens, elaborados um tanto superficialmente e que não

disfarçam o caráter ora incentivador, ora comprobatório desse fenômeno.

O tratamento conceitual que o objeto pequena empresa recebe termina por reduzir a

“pequena produção”8 – fenômeno histórico amplo que evolui ao longo do processo de

desenvolvimento econômico capitalista segundo trajetórias particulares e específicas a

determinados contextos sociais e políticos – à esfera da produção capitalista enquanto

categoria fenomênica de empresa capitalista, distinto originalmente em termos de porte –

atributo que, secundariamente, vai definir suas características, possibilidades e necessidades –

ignorando sua historicidade, contextualização e, com isso, a especificidade com que se reveste

o modo de relação dessa forma produtiva inserida no espaço capitalista de produção.

Os desdobramentos mais recentes desse “ressurgimento” decorrentes da difusão da

base técnica microeletrônica e da telemática, que resultam em processos de reestruturação

produtiva caracterizados pela desintegração vertical das cadeias de produção e pela

especialização produtiva dos agentes, propiciam mais uma etapa dessa institucionalização da

“pequena empresa capitalista” conforme lhe são atribuídas inerências de natureza competitiva.

Competitividade localizada tanto em aspectos estruturais dessa forma produtiva – a

flexibilidade com que sua estrutura organizacional e produtiva pode adaptar-se velozmente às

mudanças de necessidades dos mercados, igualmente velozes – quanto, e principalmente, na

própria subjetividade do pequeno empresário – concebido como portador de disposições

empreendedoras que o dotam de uma sensibilidade extraordinária em relação aos movimentos

8
Denominamos “pequena produção” à atividade exercida pelo pequeno produtor de forma mais ampla e anterior
ao advento do capitalismo com vistas, primeiramente, à reprodução simples e que no capitalismo vai evoluir
segundo diferentes modalidades que, variadamente, se integram ao processo de reprodução sistêmica do capital,
entre estas a pequena empresa.
Almeida e Mendonça (1989) definem a pequena produção como um conjunto de atividades produtoras de bens e
serviços específicos, organizadas conforme uma estratégia de sobrevivência da mão-de-obra atingida pelas
13

dos mercados, capacitando-o a antecipar, relativamente aos agentes mais integrados às

hierarquias produtivas, a identificação de oportunidades de negócios e de uma capacidade de

liderança de feitio carismático sobre os indivíduos envolvidos na produção, além da

obstinação típica de um “espírito capitalista”.

Ao mesmo tempo, esse pequeno empresário encontra-se organicamente

imerso/imbricado num ambiente social que o incentiva a desenvolver interações cooperativas,

em graus variados de intencionalidade, com os mais diversos agentes, implicando em

aumentos da produtividade conjunta dessas operações.Todo esse movimento decorre de uma

capacidade individual criativa que, reconhecendo as vantagens competitivas de uma postura

estratégica e inovadora, vai buscar não apenas tirar proveito imediato dessa situação, mas

institucionalizar mecanismos que garantam a reprodução continuada dessa “pequena empresa

competitiva”, idealizada como uma estrutura simples mas que tem no seu comando um

indivíduo especial portador do “espírito capitalista” weberiano mesclado às características do

organizador empresarial marshalliano e do inovador schumpeteriano.

A teoria do desenvolvimento econômico busca entender como as circunstâncias

objetivas e subjetivas condicionam a capacidade da sociedade controlar e orientar o processo

de mudança social, examinando as bases materiais do desenvolvimento para evidenciar o

sentido e as conseqüências do processo de incorporação do progresso técnico e o modo como

os dilemas específicos de cada formação social condicionam seu processo de acumulação.

Considerando a existência de várias formas de desenvolvimento do capitalismo, torna-

se absolutamente necessário investigar as possibilidades e limites recíprocos relacionados ao

papel da pequena empresa no processo de desenvolvimento econômico de capitalismos

retardatários e dependentes como o brasileiro.

limitações do mercado de trabalho formal, incluindo nesse espaço estratégico a informalidade, a auto-exploração
e as redes de troca.
14

Na análise dessa relação encontra-se outro foco de insatisfação. É fundamental

reconhecer que não se trata apenas analisar as possibilidades de uma dada PE participar da

dinâmica econômica de uma sociedade de classes, mas de verificar como a ordem econômica,

social e política moldada no capitalismo dependente vai condicionar e regular os dinamismos

e a evolução dessa sociedade configurando as possibilidades e limites de integração da PE aos

padrões específicos – dependentes e subdesenvolvidos – de desenvolvimento capitalista. São

os dinamismos de funcionamento e de evolução dessa ordem societária que permitem

caracterizar a “lógica intrínseca” do capitalismo dependente e, conseqüentemente, a lógica da

pequena empresa.

Pouca ou nenhuma importância é dada à análise da funcionalidade da PE para a

acumulação do sistema produtivo-comercial ao longo das sucessivas fases históricas de sua

organização. Da mesma forma com respeito à natureza das relações sociais de produção nas

quais a PE se envolve, a montante e a jusante de sua posição no campo social. A questão não

reside em discutir a funcionalidade da PE em si mesmo, sua presença ou ausência, mas

discutir uma funcionalidade específica no capitalismo dependente, o que remete a discussão

para o terreno das classes sociais.

Não obstante todas as dificuldades e ambigüidades que envolvem a análise do pequeno

enquanto classe social, não se pode escusar a apreciação, sob a luz dessa teoria, dos requisitos

e das conseqüências que o processo ampliado de incorporação da pequena produção à lógica

sistêmica do capital, através das novas formas de inserção da PE nas cadeias produtivas, estas

também reconfiguradas, e as novas modalidades de relacionamento produtivo e social

pressupostas, propostas sob alegações não só relativas a aumentos de produtividade, mas

quanto ao caráter mais igualitário dessas relações, podem ter em capitalismos periféricos e

dependentes onde opera uma ordem social competitiva restritiva.


15

No entanto, o que percebemos é um esforço na justificação da pequena empresa a

partir de seus aspectos internos e “pessoais”9 , se é possível dizermos isso, como se a pequena

empresa pudesse ser um sujeito, uma entidade portadora de atributos pessoais em si.

As ações voltadas à PE não definem claramente sua orientação fundante por uma

dimensão de cunho societário/compensatório ou por outra concorrencial/competitiva,

refletindo tal ambigüidade. A possibilidade dessa ambivalência ser aparente e passível de

superação pela cooperação competitiva retorna o problema para a verificação do sentido

racional resultante da forma como aqui se desenvolvem as forças produtivas e uma ordem

social competitiva capitalista.

Encontra-se aí a propriedade teórico-metodológica da identificação e análise do

processo de “institucionalização da pequena empresa” que busca compreender, nas

especificidades de nossa formação social e econômica, as circunstâncias objetivas e subjetivas

que vão imprimir uma lógica e dinâmica social à PE, condicionando suas possibilidades

enquanto agente estratégico de desenvolvimento.

De certa forma inverte-se o sentido de análise, no lugar de buscar especificar a PE

segundo uma multiplicidade de funções e arranjos possíveis, verificamos como, em um

determinado contexto, o sentido estruturante das relações sociais de produção institui esse

agente com seu “estilo de pensamento” ou “habitus”. Visualizar os pesos relativos que

compõem a imagem institucionalizada do objeto – a obra e seus autores – evidenciando a

importância de determinados aspectos que sobressaem, diante de outros que subjazem ao

longo do processo, permite uma compreensão mais “realista” das causas, conseqüências

possíveis e interesses envolvidos no fenômeno.

9
Sobre o uso desse termo, quando Paula et alli (2000:10) citando Rubin(1974) diz, a respeito do empresário
capitalista, que “o papel e o lugar do capitalista são os do capital. Ele não é senão a encarnação de uma potência
alienada e alienante, o capital, que em sua dinâmica tanto coisifica relações sociais quanto personifica coisas”
explica o que quisemos dizer.
16

Buscar identificar e analisar como a PE se institucionaliza significa fazer uso de um

quadro analítico mais amplo para compreender as possibilidades e os limites da PE no

contexto específico da dinâmica econômica e social brasileira, buscando uma compreensão

mais fundamental do problema em vez de questões específicas, como a inserção competitiva

da PE na estrutura de produção ou a análise das relações intercapitalistas entre capitais

diferentes ou ainda sobre formas de ativação da capacidade empreendedora individual –

formulações elaboradas dentro de um quadro de desenvolvimento baseado na oferta.

A análise desenvolvida neste trabalho parte do fenômeno incessante de acumulação

capitalista como a instituição basilar que orienta – através de diferentes circuitos e ritmos,

próprios a cada formação social – o próprio sistema com seus componentes. É esse sentido

que permite-nos reconhecer o processo de evolução desse sistema impresso em políticas

mundiais e a persistente presença da PE sobrevivendo segundo capacidades diferentes de

geração e de apropriação do excedente econômico produzido, urdidas sob as condições

institucionais disponíveis para a sua existência.

Daí entendermos que tanto as políticas quanto as instituições envolvidas na ação

pública são apenas um reflexo do real e não sujeitos do real. São as relações e a dinâmica

engendradas pelo modo de produção capitalista que se constituem nos móveis da ação dos

agentes, que são tomados como se fossem, eles próprios, os sujeitos da ação.

Analisamos a atuação do SEBRAE, na perspectiva de identificar como a instituição

reflete o real e, nele, o papel da PE no capitalismo atual. Nesse sentido percebemos que a

organização SEBRAE busca institucionalizar a PE através de uma matriz institucional de

corte liberal e individualista baseada na noção de competição regulada por mercados, na qual

a figura do pequeno empresário capitalista surge como sujeito da ação que vai imprimir este

ou aquele sentido competitivo e evolucionário ao capitalismo.


17

Se isso for verdade, nos moldes institucionais com que o capitalismo dependente aqui

se desenvolve tal possibilidade apenas se concretizará em determinadas situações,

normalmente transitórias ou localizadas em algumas atividades mais dinâmicas – que talvez

nem devessem ser denominadas pequenas – ou então requererá uma ruptura com os padrões

institucionais vigentes que asseguram sua reprodução.

A PE é um objeto que começa a surgir no horizonte da ação pública brasileira no

início dos anos sessenta e que, num intervalo de mais ou menos quarenta anos, passa a ser

proposta em uma versão competitiva pela agência de apoio e fomento, como alternativa

fundamental e mais adequada, diante do paradigma tecnológico e produtivo em vigência, para

um desenvolvimento nacional mais eqüitativo e autônomo.

Tal perspectiva carrega em si um potencial transformador admirável, no entanto, se

confrontado historicamente com o processo de formação e desenvolvimento de nossa ordem

econômica e social, verificamos que a pequena produção transformada em pequena empresa

capitalista teve um significado institucional irrisório.

Não obstante essa ausência de peso histórico-institucional, tal perspectiva vem sendo

muito pouco questionada ao tempo que ganha cada vez mais o espaço midiático, resultando na

tentativa de institucionalização da PE como agente produtivo competitivo inserido num

modelo de desenvolvimento no qual tem um papel estratégico.

O esforço realizado em prol da PE não tem resultado efetivo na configuração de uma

estratégia competitiva – autônoma e sustentada – de desenvolvimento por ela protagonizada,

ou seja, num processo no qual a PE se institua de fato, conhecida e reconhecidamente, como

um agente social de uma ordem social competitiva.

A condição pressuposta para um desenvolvimento onde a PE tenha um

comportamento competitivo inerente, nos termos advogados pela literatura e que têm nos

casos da Itália e EUA dois exemplos emblemáticos (malgrado as particularidades com que se
18

constituíram e os dilemas que cada um vem enfrentando), seria a existência de uma sociedade

capitalista estratificada em classes e inerente a ela uma ordem social competitiva responsável

pelos mecanismos societários de mobilidade, estabilidade e mudança sociais, que permitisse a

vigência de uma dinâmica social mais igualitária, que resultasse na manipulação de controles

sociais reativos, na construção de mecanismos políticos que democratizassem o poder e o

acesso universalizado a certos bens sociais como educação e renda, condições fundamentais

para a constituição desse agente social capaz de organizar e estruturar meios de produção e

articular-se socialmente de forma competitiva.

À medida que tais condições não estejam dispostas, requeridas numa agenda pública

específica ou sequer reconhecidas pelos atores envolvidos com a questão, ou seja, que as

possibilidades de desenvolvimento dessa ordem social vigente, incompleta e restrita em

relação às características acima mencionadas, não se concretizam10 , a PE possível será uma

instituída conforme os mecanismos reprodutores da dependência e subordinação que

caracterizaram e ainda atuam em nossa formação societária, inviabilizando a perspectiva de

constituição de uma pequena empresa competitiva ou antes, de um padrão de

desenvolvimento onde a PE tenha um papel estratégico criativo, cooperativo e empreendedor.

Tal possibilidade se mostrará tanto mais improvável quanto mais for elaborada numa

perspectiva sistêmica, quanto maior for a abrangência com que procurar integrar a pequena

produção à esfera da competição capitalista ou mais amplo for o horizonte de incorporação de

frações ou grupos sociais à dinâmica social competitiva de uma sociedade de classes

capitalista.

A evolução e o aprofundamento do processo de transformação capitalista de forma

parcial, “pelo alto”, e que se nutre da manutenção, “por baixo”, de uma dinâmica de relações

10
A idéia de uma ordem social competitiva incompleta decorre do modo específico com que o capitalismo se
expande no país, ajustando-se às condições prevalentes e com isso, restringindo o grau de universalidade,
eficácia e a intensidade dos dinamismos desintegradores e construtivos da ordenação em classes (FERNANDES,
1981:39).
19

de produção pré ou extracapitalista da qual “retira” sua competitividade, implica no

estabelecimento e manutenção de relações de dominação.

A institucionalização da PE competitiva, cuja efetiva existência mostra-se

incompatível com uma ordem social competitiva parcial e restrita, se constitui numa forma

ideológica através da qual se estabelecem relações de dominação, que permitem a perpetuação

dessa mesma ordem, ao mesmo tempo em que propicia o estabelecimento de relações de

produção adequadas às exigências atuais de reprodução sistêmica capitalista, sob o mesmo

modelo de desenvolvimento dependente. Ou seja, através de um discurso democratizador,

moderno e competitivo, mostra-se duplamente funcional tanto à reprodução sistêmica sob as

exigências atuais de competitividade no plano mundial, quanto à manutenção da estrutura de

poder ultraconservadora e desigual em vigência.

A forma como a PE vem sendo formulada e questionada se mostra incompatível com o

relevo público que o objeto vem adquirindo. O discurso geral sobre o papel da PE no

desenvolvimento social e econômico do país reveste-se de um voluntarismo que encobre um

tom ora ambíguo, parcial ou superficial com que o objeto é tratado, resultando em uma certa

inconseqüência à medida que pouco possa resultar de efetivo na transformação da ordem

social e econômica sob a qual a PE é projetada como agente de transformação.

Qualquer que seja o motivo de tal intensificação de interesse acerca da PE – decorra

de condições objetivas de natureza tecnológica ou organizacional postas pela economia em

sua nova etapa de acumulação ou de opções político-estratégicas de desenvolvimento social e

econômico – não existem razões para uma abordagem insuficiente. Ainda mais quando se

lança mão de recursos institucionais e financeiros públicos para construção de conhecimentos,

difusão de informações e apoio específico para orientar e estimular o comportamento do

agente pequeno, como que criando condições sustentáveis – autoridade, legitimidade e


20

oportunidade – para o seu desenvolvimento individual e institucionalização do modelo de

produção.

A proposta desse trabalho consiste em evidenciar o caráter ideológico da ação

institucionalizadora do SEBRAE, conforme a agência busca ampliar seu campo e escopo de

ações incorporando parcelas crescentes da pequena produção à lógica da reprodução sistêmica

capitalista, pressupondo que o problema da PE – atribuído à ausência de uma cultura

competitiva e de dinamismos sociais que possibilitem uma PE competitiva – se resolva com a

estimulação à adoção – por parte de um indivíduo cuja ação é concebida segundo cálculos

utilitários e expectativas racionais – de comportamentos sociais cooperativos e técnicas

empresariais modernas, ao passo que ignora ou omite os condicionantes estruturais que

limitam as possibilidades sistêmicas de institucionalização de uma PE competitiva, deixando

subjacente a funcionalidade reprodutiva com que essa PE competitiva se integra aos processos

de reestruturação produtiva decorrentes das novas exigências competitivas postas pelo

paradigma tecnológico vigente e, com isso, garantindo o aprofundamento do processo de

desenvolvimento capitalista nessa nova etapa, sem comprometer seu caráter articulado à

reprodução sistêmica em nível mundial, nem a manutenção dos padrões institucionais

desiguais e conservadores característicos de nosso ordenamento societário.

A resposta às questões que consubstanciam nosso argumento torna-se possível

indiretamente, conforme percebemos uma intransparência nos discursos que institucionalizam

a PE competitiva, colocando no horizonte desse processo sua ideologização como alternativa

à ausência dos dinamismos sociais requeridos. Evidenciar a operação ideológica que se erige

em torno da institucionalização da pequena empresa competitiva responde à hipótese básica

de nosso problema.

Este trabalho consiste em interpretar a ideologia contida nas estratégias de construção

simbólica do discurso da agência, explicitando, com isso, a conexão entre o sentido


21

mobilizado pelas formas simbólicas que instituem a PE competitiva e as relações de

dominação que este sentido mantém.

O que acontece, por exemplo, ao se conferir uma subjetividade à PE, transferindo o

foco analítico acerca de sua competitividade das condições estruturais onde se insere para o

campo das capacidades individuais, dotando a PE de uma substantividade particular, ao

mesmo tempo em que cala sobre sua função econômica e política para a reprodução sistêmica

sob o capitalismo dependente.

O presente trabalho diz respeito à institucionalização recente da pequena empresa (PE)

e ao caráter di eológico concomitante que esse processo assume e nosso objeto empírico de

investigação é o discurso da agência de promoção da PE – o SEBRAE, inscrito no seu próprio

marco/ambiente institucional e nos diversos tipos de apoios oferecidos e comportamentos

estimulados através de políticas públicas e das estratégias de ação da agência.

O SEBRAE, enquanto lócus da ação político-estratégica relativa à PE, se constitui na

arena aonde vão se confrontar os diversos interesses relacionados com a PE e seus efeitos, e

se configura como espaço apropriado para refletir o pensamento acerca da PE, influindo no

desenho do marco institucional onde a PE se desenvolve.

A agência reproduz um processo que se desenvolve igualmente fora dela, ao mesmo

tempo em que também o elabora e o difunde. Portanto, sua escolha decorre tanto da natureza

apreciativa e exploratória do trabalho quanto da necessidade de delimitar o campo de

observação, onde ela se destaca, principalmente por suas atividades integradoras –

comunicativa e educativa – e menos por seu papel elaborador.

O contexto atual de reestruturação produtiva sob um novo paradigma tecnológico, em

que o país busca sua reinserção no sistema capitalista global de produção e comércio, confere

maior propriedade a nossa pesquisa, à medida que tais circunstâncias incentivam uma maior

produção simbólica e comunicativa por parte da agência.


22

O objetivo deste trabalho consiste em:

- Buscar evidenciar a importância e pertinência com que o processo de

institucionalização da PE recobre a compreensão e estudo do fenômeno recente

protagonizado pela PE;

- problematizar esta pretensão institucionalizadora competitiva à medida que se revele

inconsistente, parcial ou contraditória em relação ao contexto sócio-histórico onde o

objeto existe e aos eixos teóricos que particularizam estrutural e dinamicamente nosso

desenvolvimento econômico e social e, por fim;

- identificar no discurso da agência de apoio e fomento à PE o uso de estratégias de

construção simbólica como modo de operação ideológica da PE consoante a

problemática institucional apontada .

A “interpretação da ideologia” da PE foi feita através de pesquisa bibliográfica e

análise documental de dados provenientes das principais fontes instituintes do pensamento

institucional acerca da PE, quais sejam:

- documentos estruturantes das políticas públicas voltadas à PE, por constituírem o

modo “oficial” como o institucional-estatal pensa a PE;

- a bibliografia científica, seja de natureza descritiva, analítica ou propositiva, como o

pensamento institucional do especialista-autoridade que confere legitimidade ao

discurso científico, no sentido bourdieusiano e;

- o discurso da agência por meio dos diversos veículos comunicativos, como a Revista

SEBRAE e o informativo eletrônico da revista Pequenas Empresas, Grandes

Negócios, utilizados na sua missão de disseminar, incentivar a PE e, também, de re-

interpretar as políticas públicas através de projetos próprios de intervenção. Note-se

que este discurso é impregnado pelo pensamento institucional do especialista-


23

profissional, o consultor, à medida que este representa a agência, principalmente nas

suas ações de cunho educativo e de capacitação profissional.

Interessante frisar que o pensamento institucional do grande capital acerca da PE não

se evidencia diretamente em geral, mas através de seus representantes. Assim, ele pode estar

impresso na fala dos ocupantes dos cargos dirigentes estatais e/ou da agência ou no seu

próprio discurso, uma vez que seu Conselho Deliberativo Nacional - CDN é formado, quase

na totalidade por representantes de setores estratégicos capitalistas, ou também no

pensamento dos especialistas em geral, conforme seja a percepção que estes têm do fenômeno

relacionado à PE.

A amostragem documental e bibliográfica foi intencional, visando levantar o

pensamento sobre o pequeno nos momentos de maior significância institucional, levando em

conta períodos de inflexão ou crise do processo de desenvolvimento nacional e momentos

mais significativos da trajetória de existência da agência e que podem estar mais

profundamente relacionados ao processo de institucionalização da PE como: a constituição

original da agência CEBRAE; sua transformação em SEBRAE; a incorporação de atividades

voltadas à área de gestão social e da economia informal; a “Reinvenção do SEBRAE”; bem

como a adoção de atividades e programas de orientação específica como Balcão SEBRAE,

PROGER, DLIS, e “Arranjos Produtivos”.

A respeito dos diversos programas e políticas nas quais o SEBRAE participa, é

importante perceber que tal inserção se dá consoante os objetivos de um e de outro se

compatibilizem e que recursos disponibilizados nos programas possam ser captados pela

agência executora. Isso significa a existência de um processo de incorporação que não ocorre

de forma passiva ou neutra, mas através de uma releitura ou interpretação dos objetivos das

políticas/programas pela “ideologia” da agência.


24

O pressuposto de que as políticas públicas operadas pelo SEBRAE refletem a

dimensão institucional da PE é o elemento metodológico que vai permitir a operacionalização

da pesquisa. A compreensão que as instituições têm do pequeno é revelada pelas condições

que lhe são oferecidas. Assim, aquilo que os programas oferecem ao pequeno como linhas de

apoio gerencial administrativo, financeiro e tecnológico, permitem que se deixe ver quem é o

pequeno e qual o seu papel.

Logo, toda a construção argumentativa feita em nível teórico a respeito da

problemática da PE e de seu processo de institucionalização precisa encontrar ou não

correspondência nas ações levadas a cabo pelo SEBRAE e no seu discurso.

Para a realização dessa interpretação da ideologia, o fenômeno da PE precisa ser

situado teoricamente e contextualizado para poder ser especificado. Resulta disso um

conjunto de situações e pressupostos que limitam e direcionam a investigação em termos

teóricos, metodológicos e empíricos.

No segundo capítulo, procuramos situar a PE com base no pensamento teórico em

torno do qual é concebida, elaborado por Marshall (1982), Steindl (1990) e também por

Schumpeter (1982, 1984), autores que vão propiciar os desdobramentos teóricos a partir dos

quais a PE competitiva vem sendo reelaborada. Todavia, é preciso considerar que sobre tais

formulações, originais e contemporâneas, dentro dos limites estruturais técnicos, financeiros e

tecnológicos que lhes são impostos, operam um contexto histórico-institucional, aspectos

conjunturais e interesses que vão condicionar objetiva e subjetivamente a formação de uma

PE.

Daí a propriedade de analisar a PE conforme um fenômeno institucional, que se define

e que se eleva, dialeticamente, a um grau de especificidade e de distinção, como uma forma

produtiva específica, à medida que se desvincula variadamente de formas pré ou

extracapitalistas da pequena produção para se constituir como empresa inserida no contexto


25

da dinâmica capitalista. É nesse processo que podemos localizar as demais determinações que

possibilitam e limitam sua inserção no sistema produtivo e o ambiente onde a subjetividade

dos agentes pode operar.

Importa perceber o quanto a concepção teórica original da PE e seus desdobramentos

de natureza competitiva, pressupõem a existência de uma ordem social competitiva, no

sentido de reconhecer como a PE nacional se conforma à dinâmica das relações

intercapitalistas e às determinações estruturais impostas pelo processo atual de

desenvolvimento econômico e como se harmoniza em relação ao arcabouço teórico constante

nas abordagens neo-schumpeterianas e neomarshallianas que tratam, entre outras coisas, da

natureza e extensão da flexibilização produtiva e tecnológica, da funcionalidade sistêmica, da

propensão à cooperatividade, da racionalidade das formas de articulação intercapitalistas e da

subjetividade da ação empreendedora e inovadora.

No terceiro capítulo procuramos evidenciar a especificidade que caracteriza nossa

formação econômica – dependente e subdesenvolvida – e a originalidade da ordem social –

restrita e incompleta – que se desenvolve aqui e que vai orientar os agentes à competição

intercapitalista com vistas à acumulação. Importa perceber a extensão com que essa

especificidade de nossa formação se reproduz ao longo da intensificação das transformações

capitalistas ocorridas no país no sentido de verificar como podem se constituir em entraves ao

desenvolvimento de uma PE competitiva nos termos exigidos pela dinâmica capitalista atual.

A formação da ordem social competitiva brasileira obriga a que qualquer elaboração

feita a respeito da PE passe pela perspectiva das classes sociais. Os extratos sociais

intermediários aqui são tão ambivalentes enquanto classe quanto os encontrados nas análises

clássicas da pequena burguesia. No entanto, determinados fatores como a condição colonial, a

escravidão, o clã patriarcal e o modelo de colonização (PRADO JR., 1999), e no

desenvolvimento de um modelo autocrático de transformação capitalista que evolui no bojo


26

de um capitalismo dependente (FERNANDES, 1987 e 1981), imprimem uma dinâmica

específica às relações sociais que repercutem implacavelmente sobre esses extratos

intermediários, progênie mais provável da PE, alterando e conformando as disposições desses

agentes à competição capitalista em relação aos moldes tradicionais.

A razão desse cotejo não é desprovida de objetividade. A dependência e a

subordinação são as marcas da integração do pequeno no sistema capitalista monopolista. São

as condições sociais e políticas que estruturam a subjetividade dos agentes pequenos no

espaço competitivo que vão condicionar suas disposições ao empreendedorismo e à

cooperatividade, categorias centrais à nossa análise.

Além disso, o processo de desenvolvimento capitalista é caracterizado por ser

concentrador de rendas e marcado por crises que repercutem na institucionalização da PE

brasileira. É em períodos críticos da economia brasileira e do próprio capitalismo a nível

mundial que a alternativa da PE surge e ressurge.

O primeiro período, que vai do início dos anos 60, marca do fim do terceiro período do

processo de substituição de importações e início do declínio da dinâmica de substituição

segundo Tavares (1983:73), até a metade dos anos 70, início da crise do processo de

industrialização e da escalada inflacionária (SAMPAIO JR., 1999:27), corresponde ao

surgimento do interesse pela PE, vista inicialmente como “empresa nacional” e sua

constituição, mais tarde como agente econômico estratégico capaz de mitigar os efeitos da

crise existente e de reduzir a “brecha” típica da estrutura produtiva nacional dualista. Esta

preocupação inicia um processo de institucionalização de apoios à pequena produção que vai

culminar com a criação do CEBRAE11 em 1972.

O segundo, de meados dos anos oitenta e chegando à atualidade, situado dentro da

chamada crise do fordismo, é marcado pela derrocada do processo de desenvolvimento

11
Centro Brasileiro de Apoio à Pequena e Média Empresa.
27

nacional e por uma crise financeira que leva o país à liberalização econômica progressiva e

que assiste às tentativas de inserção do país na nova ordem mundial através de um conjunto

de mudanças institucionais profundas como a liberalização dos mercados e que provocam

transformações significativas no mercado de trabalho. Nesse segundo momento, mais uma

vez a PE ressurge como alternativa estratégica de geração de emprego e renda e a agência se

transforma12 , adquirindo uma postura privada, antípoda da anterior vinculada a um Estado

protetor, para incentivar uma nova e revigorada PE competitiva e protagonista de um processo

de inclusão social através da cidadania empresarial.

No quarto e penúltimo capítulo apresentamos a trajetória institucionalizadora da PE

realizada pelo SEBRAE procurando evidenciar o caráter ideológico impresso nesse processo.

Para uma compreensão mais crítica do processo de institucionalização da PE, nos

valemos das contribuições teóricas de Talcott Parsons com sua formulação funcionalista do

sistema social, de Mary Douglas com sua análise antropológica do modo de operação das

instituições e de Pierre Bourdieu com seu conhecimento praxiológico, com a noção de habitus

e os conceitos de campo e poder e capital simbólico.

A elaboração sistêmica parsoniana sobre a qual se erige boa parte da análise estrutural

da industrialização brasileira, vai nos permitir apreciar a PE na sua função econômica e

sociopolítica integradoras. O problema dessa abordagem consiste na visão a-histórica, não-

conflitual e racionalista que desenvolve a respeito das relações entre sociedade e economia, na

qual a economia se constitui como um sub-sistema quase autônomo em relação aos demais

que atuam para a reprodução das condições econômicas da sociedade. Tal primazia confere

um relevo particular e funcional à PE cuja atividade não consiste apenas em produzir, mas

produzir sob condições adaptadas à acumulação sistêmica e, além disso, desempenhando

papéis específicos para a manutenção dos valores e normas e integração do sistema, à medida

12
Em 1988 o CEBRAE dá lugar ao SEBRAE nos quadros de uma reforma institucional mais ampla de caráter
privatista e gerencialista, chamada neoliberal.
28

que se projeta como fonte original da ação empreendedora e estrutura nascente de onde evolui

o agente produtivo portador de atributos competitivos, cuja capacidade acumulativa é

condizente com sua situação, o que explica funcionalmente sua adaptação, posição e condição

de existência. Entretanto, tal concepção sistêmica submetida ao plano sócio-histórico-

institucional em que a PE existe e ao contexto dependente sob o qual as relações capitalistas

se desenvolvem revela-se problemática conforme não se evidencie seu funcionamento coeso.

A origem e natureza social do pensamento institucional, a fundação e cristalização das

instituições e seu poder classificatório sobre questões importantes e como pensamento e

compromisso institucional se impõem à realidade das sociedades – a operação institucional,

em suma, “como as instituições pensam” são as questões sobre as quais Douglas (1998)

discorre. Sua utilidade ao nosso trabalho é evidente à medida que nos permite conceber a

idéia de um processo de institucionalização da PE e destacar certos elementos que concorrem

para essa institucionalização. Também por permitir uma reflexão quanto à resistência de

certas práticas sociais, variavelmente específicas ao agente pequeno, em contrapartida às

dificuldades de mudança institucional do pequeno e os efeitos simbólicos derivados da

associação cognitiva institucionalizada entre o termo “pequeno” e as características

dimensionais e competitivas relativas à PE.

Com Bourdieu (1990, 1996, 1998) acreditamos ter encontrado um desenvolvimento

teórico fecundo que nos permitiu superar as questões teóricas mais polêmicas deste trabalho.

Primeiro, o de lidar com argumentos derivados de dois tipos de conhecimento antagônicos –

objetivismo e subjetivismo – que vão fundamentar perspectivas analíticas igualmente

antagônicas que se aplicam à PE. A esse impasse Bourdieu propõe um outro tipo de

conhecimento que denomina praxiológico. Sem entrar no mérito da proposta, podemos dizer

que é essa proposta de articulação dialética entre ator e estrutura, base epistêmica da teoria

bourdieusiana, que podemos usar para analisar a PE instituída como um sujeito. O segundo, o
29

de lidar com o fenômeno da PE no campo das classes sociais sem, digamos assim, entrar no

mérito do pequeno enquanto classe social, através do conceito de campo social. A análise do

posicionamento do agente pequeno, conforme seus interesses e poder em diversos campos

específicos, em concorrência com outros agentes vai nos permitir lidar com a ambigüidade do

agente pequeno sem deixar de situá-lo na luta. Por fim, a noção de habitus vai facilitar a

interação analítica entre o processo de institucionalização do pequeno a sua ideologização

através das práticas instituídas para e nos agentes. Mais uma vez, Bourdieu nos apoiará com

sua formulação sobre poder e capital simbólico para interpretarmos o papel da agência no

processo de institucionalização e de operação ideológica do pequeno.

Sobre a questão da ideologia, Eagleton (1997:15) enumera sem dificuldades dezesseis

definições, mostrando que o poder do conceito reside exatamente na sua “riqueza de

significado” que, comprimido numa única definição, resultaria inútil.

Não é objetivo de nosso trabalho descobrir em que acepção a PE é ideologizada, mas o

fato de que, em existindo essa ideologização, independente da forma como se manifeste,

necessariamente significará, o privilegiamento de uma perspectiva – política, valorativa, de

classe, mais conveniente, ilusória ou falsa – em relação à outra, oposta ou distinta. Contudo,

se verificamos a operação ideológica segundo uma concepção forte ou crítica da ideologia,

ainda mais evidente tornar-se-á o fenômeno.

A análise do modo operatório da ideologia – legitimador, dissimulador e/ou reificador

– através do uso de estratégias de construção de formas simbólicas como a racionalização,

eufemização e/ou naturalização se baseia no trabalho de “interpretação da ideologia” proposto

por Thompson (2000) e que consiste em “explicitar a conexão entre o sentido mobilizado

pelas formas simbólicas e as relações de dominação que este sentido mantém”, se constitui

numa ferramenta empírica oportuna, conquanto é elaborada a partir de uma concepção

bourdieusiana de poder e capital simbólicos e de uma concepção de ideologia baseada em


30

relações de dominação, condição inerente à ordem social competitiva em perspectiva neste

trabalho.

Procuramos identificar os fundamentos institucionais que vão configurar a PE nacional

nas diversas etapas da trajetória institucionalizadora da agência identificando o eixo teórico

com que a PE, seus limites e possibilidades foram formulados.

Identificamos nessa trajetória três etapas principais que respondem pela evolução e

ampliação da ação institucionalizadora da PE em face das mudanças sociais e econômicas

impressas nas transformações capitalistas constantes do processo de desenvolvimento

nacional.

Ao longo dessa análise procuramos evidenciar a preocupação e o esforço da agência

em refletir e/ou questionar as formulações teóricas sob as quais se estruturavam a ação da

agência em face das especificidades contextuais de nossa ordem social e econômica,

especialmente na etapa atual de sua trajetória. Concomitantemente, buscamos identificar no

uso de estratégias de construção simbólica da PE a presença dos modos operacionais da

ideologia, conforme Thompson (2000).

A avaliação conclusiva dessa análise da ideologia da PE contida no discurso da

agência é apresentada no último capítulo do trabalho.

Utilizamos teorias e conceitos bastante polêmicos como ideologia, classes sociais e

instituições. Como a própria PE, no sentido que buscamos construir, são noções tão

significativas e evidentes quanto problemáticas em termos teórico-conceituais. Ceder diante

dessas dificuldades significaria abandonar o poder elucidativo que contêm e, com isso, deixar

de identificar modos pouco visíveis de reprodução ampliada do capital como a integração

funcional subordinada e dependente da PE no capitalismo dependente.

Quando trabalhamos ao nível institucional – interdisciplinar e multi-relacional – para

onde confluem inúmeros fatores e variáveis a capacidade totalizante dos conceitos de


31

ideologia e classe se constituem em ferramentas poderosas para a cognição. Não pretendemos

participar dessa polêmica teórico-conceitual, pois nosso objetivo é retirar dessas teorias sua

forca cognitiva e expressiva, não para discutir o que é a ideologia, mas para perceber o

sentido da operação ideológica em suas variadas acepções.

Da mesma forma, não é preciso definir o que é instituição para poder analisar como

elas se constituem e assim atuam. A análise institucional representa, para o nosso caso, uma

poderosa forma investigativa do campo da ciência política, e atualmente tem se revelado

igualmente útil em outros campos, como história, teoria organizacional e economia. Daí o

expressivo desenvolvimento de diferentes abordagens abrigadas sob a denominação de

neoinstitucionalistas. Entretanto, tais abordagens têm adotado pressupostos racionalistas e

individualistas que não se aplicam ao nosso caso.

Quanto à teoria das classes sociais não pretendemos tratar o pequeno como classe em

si. No entanto, não necessitamos incorporá-lo a uma ou outra classe para perceber os

interesses e conflitos em jogo e o processo de luta elaborado dentro do arcabouço teórico de

classes sociais operando nos campos onde a PE se posiciona como agente produtivo, social e

político. A forma como Bourdieu incorpora classe social através da prática dos agentes em um

determinado campo onde se estabelecem relações de poder, vai permitir-nos a incorporação

das questões de classe levantadas em Fernandes (1987, 1981) ao espaço da PE.

Enfim, o trabalho quer levantar a crítica e mostrar uma outra forma de abordagem da

PE a ser desenvolvida que possa a contribuir em termos de maior efetividade às ações de

apoio e fomento. Daí seu caráter qualitativo e a utilização de uma amostragem empírica

intencional e não-extensiva, cuja orientação metodológica teve a preocupação de recolher

partes de um discurso que, interpretados num contexto sócio-histórico, possam revelar

indícios quanto à ideologização da PE, evidenciando as dificuldades com que a agência se

depara ao definir critérios para as ações de promoção e apoio que desenvolve.


32

2 – FUNDAMENTOS TEÓRICOS DA PEQUENA EMPRESA

COMPETITIVA

A importância de investigar a elaboração conceitual da PE decorre da heterogeneidade

do objeto, da amplitude e diversidade dos tratamentos e interesses teóricos implicados. Em

razão da profusão tipológica que paira em torno do conceito de pequena empresa e da relativa

ambigüidade quanto ao seu papel, é fundamental reconhecer que o conceito em si é menos

importante que o papel que desempenha e as relações que estabelece no sistema, e que, em

última instância, o conceito decorre dessas condições sob as quais a PE se manifesta

concretamente. Assim, investigar quanto ao significado econômico, social e político associado

a ser “pequeno” enquanto empresa e perceber as diferenças, a evolução e a impregnação

ideológica do significado de “pequeno” e de “empresa”, em diferentes contextos sociais e

econômicos, resulta numa compreensão melhorada do fenômeno.

É no contexto da dinâmica econômica capitalista que as elaborações acerca da

pequena empresa ganham sentido. Da mesma forma, o pensamento institucional acerca do

papel da PE também vai se desenvolver no bojo dessa dinâmica.

É o processo de acumulação que se constitui no móvel dos agentes capitalistas em

relações de produção. No entanto, se o desenvolvimento do processo capitalista obedece a

determinações mais gerais, o desenvolvimento das forças produtivas é reflexo da forma como

as relações de produção se desenvolvem e como o trabalho social é organizado – processo

social e político.

Assim, o desenvolvimento é marcado e diferenciado segundo a evolução do modo de

produção capitalista ocorre em diferentes contextos e momentos históricos. Diferentes lugares

experimentam, em diferentes tempos e com diferentes intensidades, o desenvolvimento de


33

suas forças produtivas, engendrando relações de produção mais ou menos capitalistas que, no

seu mister de transformar de forma incessante as condições de produção com vistas à

obtenção de excedentes econômicos e resultar hegemônicas, vão resultar em formações

sociais e econômicas nas quais a PE assume determinado papel e função sistêmicas.

A perspectiva analítica de se levar em conta a historicidade da PE não se baseia numa

idéia de evolução linear das formas de produção, mas como diz Polanyi (1980) na intenção de

buscar “uma explicação da sua orientação em termos de instituições humanas” onde as “cenas

do passado” são usadas para “lançar luz sobre assuntos do presente”.

Arrighi (1996) nos dá um rápido panorama da evolução do processo de acumulação do

capital procurando mostrar que, se existe uma característica permanente nesse processo, esta

consiste exatamente na capacidade do capital em mudar e adaptar-se a novas situações com o

fito de acumular. Embora sua análise se dê ao nível da circulação, o que nos interessa é reter

essa capacidade de adaptação que muitas vezes “retorna” a esquemas já conhecidos como, por

exemplo, a especialização flexível característica da indústria britânica do séc.XIX (ARRIGHI,

1996:293).

A estrutura tripla do capitalismo (BRAUDEL apud ARRIGHI, 1996:10) composta por

três camadas hierarquicamente relacionadas, onde a mais baixa é denominada por vida

material, espaço da não-economia onde “o capitalismo crava suas raízes, mas no qual nunca

consegue realmente penetrar”; uma segunda camada onde prevalece uma economia de

mercado com seus mecanismos de autocoordenação típicos e; a camada superior e capitalista

propriamente dita, chamada de antimercado e tida pelo autor como “o verdadeiro lar do

capitalismo”, é particularmente interessante aos nossos propósitos à medida que auxilia a

interpretar e situar o surgimento da pequena empresa, sua função característica, e de

identificar as modificações pelas quais sua funcionalidade vai sendo remodelada ao longo do

tempo e em diferentes espaços. Essa concepção estrutural braudeliana se fundamenta em dois


34

movimentos articulados dialeticamente e que poderiam ser descritos como se a camada

capitalista se deslocasse “arrastando” uma sobre as outras ao longo do tempo num sentido

evolutivo, ao mesmo tempo em que essa evolução se alimenta dos estágios anteriores dos

quais dependem.

Outras perspectivas analíticas, como a teoria do desenvolvimento desigual e

combinado (LÖWY, 2000), partem da mesma preocupação quanto à transição de um modo de

produção a outro mais evoluído e ao processo de conformação estrutural do capitalismo em

expansão mundial, evidenciando um movimento dialético no qual “ele [o capital] é a ‘luz

universal’ que modifica todas as outras ‘cores’econômicas e sociais” (LÖWY, 2000:160).

Schumpeter (1984) também vai utilizar-se desse formato transitivo para compreender o

processo capitalista em sua evolução.

Essa perspectiva evolutiva e dialética do capitalismo é interessante porque mostra

como a PE – transfigurada nas mais diversas formas produtivas de pequenas dimensões

encontradas na história – se vê “dividida” entre estas camadas, mostrando a múltipla

determinação com a qual a PE se depara na sua constituição, função e motivação.

Isso é particularmente possível em países periféricos onde uma ordem capitalista se

desenvolve de forma original e tardiamente em relação a países onde o capitalismo

desenvolveu-se mais cedo.

A presença permanente da pequena produção, sob configurações estruturais e

dinâmicas funcionais aderentes às diferentes lógicas de cada uma das camadas, mais ou

menos capitalistas, predominando ora em razão de sua função sociopolítica, ora devido à

função econômica ou segundo sua posição dentro do conflito de classes, vai evidenciar uma

ambivalência característica que se manifesta sincrônica e diacronicamente. Assim, a PE vai se

institucionalizando capitalisticamente ao longo do tempo, da mesma forma como, em um

determinado espaço produtivo, seja um país ou um setor produtivo, coexistem pequenas


35

empresas tão distintas em termos de acumulação própria, embora portadoras de uma

funcionalidade específica à ordem capitalista.

Para explicitar melhor o que já foi mencionado de forma pontual, precisamos

fundamentar as questões relativas à PE, suas características internas, suas funções e relações

que estabelece no sistema capitalista. Duas alternativas teóricas nos parecem as mais

apropriadas para tratar de tamanha diversidade. A primeira, de natureza microeconômica e

fundada na melhor tradição neoclássica, origina-se dos trabalhos de Marshall (1982) em suas

considerações acerca da organização e localização industrial, temática reatualizada pelos

chamados neomarshallianos, com os distritos industriais (BECATTINI, 1987). A segunda,

parte da dimensão individual, onde o empresário inovador figura como portador das

qualidades necessárias ao processo de desenvolvimento econômico. É a partir da formulação

original feita por Schumpeter (1982, 1984) que os neoschumpeterianos vão reelaborar a

dinâmica capitalista, a partir de considerações feitas à inovação presente no bojo dos

processos de mudança técnica (FREEMAN, 1982).

2.1 - A PEQUENA EMPRESA SEGUNDO MARSHALL

A PE em Marshall (1982) surge indiretamente, subentendida como empresa

representativa num ambiente de concorrência capaz de produzir lucros normais e não lucros

extraordinários. Sua existência está vinculada à noção de concorrência, enquanto seu

crescimento e transformação em grande empresa geradora de lucros extraordinários se

constituem, para Marshall, em fontes de imperfeição dos mercados. A PE, portanto, se

constitui em fundamento do bem estar em contraposição aos lucros monopolísticos derivados

do aumento de poder e controle da grande empresa.


36

As possibilidades, sinalizadas por Marshall, de sobrevivência dessa empresa

representativa decorrem das “economias externas” e têm um caráter cooperativo que a

literatura posterior vai desenvolver produzindo uma variedade maior de possibilidades em

torno desses sinais originais.

Marshall é considerado por Schumpeter (1958) como um dos primeiros economistas a

perceber a economia como uma ciência evolucionária. Seu foco nas empresas médias inglesas

da época, considerado excessivo e problemático para as pretensões generalistas dos

Princípios, por Schumpeter, nos dá uma pista quanto ao alcance limitado de sua visão sobre

desenvolvimento econômico e organização industrial circunscrito à idéia de mercado de

concorrência perfeita.

No início dos Princípios podemos perceber algumas características que modelam seu

pensamento evolucionista, como a crença na eficiência da organização como um mecanismo

de seleção “natural”; a natureza sistêmica de sua concepção de desenvolvimento e de

progresso onde as idéias de diferenciação e integração são funções importantes para a

compreensão dos processos de organização, mudança e evolução das formas de produção e da

empresa representativa marshalliana.

O outro elemento que necessitamos para compreender a PE segundo Marshall – o

agente produtivo e as condições sociais de sua atividade – podemos retirar da sua própria

condição humana e social. De acordo com Strauch (1982), “a condição pequeno-burguesa e o

molde ético-religioso que essa condição lhe impôs desde cedo” são fatores que, junto com o

utilitarismo de Benthan, influenciaram a obra de Marshall. Percebido como um “moralista

vitoriano” cuja obra reflete as condições sociais e morais de sua época, vai abraçar a missão

de “reabilitar e humanizar a economia política” em contrapartida ao homo economicus da

Revolução Industrial.
37

Desse modo temos as condições e os propósitos que fundamentam e orientam suas

elaborações teóricas acerca de organização e localização industrial, onde a PE se inscreve.

Talvez Marshall (1982) seja um dos apóstolos das habilidades empresariais como fator

explicativo para o sucesso capitalista13 . A descrição que faz dos requerimentos para a direção

bem sucedida de empresas permite não só compor o processo de evolução do homem de

negócios – por suas capacidades individuais intrínsecas e por outras habilidades que

desenvolve na lida diária – como associa esse processo ao crescimento da empresa e,

portanto, ao seu tamanho. A empresa e a capacidade empresarial crescem concomitantemente,

segundo Marshall, e não é por outra causa que pensa que o crescimento desmesurado de

empreendimentos particulares ou governamentais ao lançar mão de métodos burocráticos se

constitui num novo perigo “à vigorosa iniciativa de empresas menores” (MARSHALL,

1982:258). Por outro lado, a falta dessas capacidades está associada ao tamanho das empresas

pois existem “duas séries de forças, uma aumentando o capital controlado por homens

capazes, e outra destruindo o capital que está nas mãos de homens fracos, [que] têm como

resultado uma maior correspondência entre a habilidade dos empresários e o tamanho de suas

empresas” (MARSHALL, 1982:263).

A iniciativa individual é o principal atributo da moderna vida industrial vista como

“uma certa independência e hábito de cada um escolher o seu próprio roteiro, uma confiança

em si mesmo. [...] É a deliberação e não o egoísmo a característica da era moderna”.

Liberdade econômica para Marshall significa “maior confiança do indivíduo em si mesmo,

mais previsão e mais reflexão e livre escolha” (MARSHALL, 1982:26).

13
Sobre isso, Mason (apud HYMER, 1978:42) aponta como missão histórica da economia clássica e da
administração de empresas a defesa apologética da superioridade natural (ou seja, baseada na distribuição
desigual das habilidades e do conhecimento individuais) da tecno-estrutura e do comportamento econômico
promovido pelo sistema de livre empresa em prol do interesse público. Diz o autor que tal defesa foi inculcada
com tal eficácia que qualquer crítica ao sistema só poderia originar-se em outros campos como a política ou a
psicologia e não na própria economia ou administração.
38

Além disso, tanto a noção de concorrência quanto de cooperação apóiam-se em

características fundadas no individualismo e na faculdade individual de fazer escolhas

racionais. Sobre isso ele é categórico:

As características fundamentais da moderna vida industrial (...) podem causar e


freqüentemente causam a concorrência entre uns e outros, mas por outro lado podem
tender, e na verdade presentemente tendem, para a cooperação e a combinação de
todas as naturezas, boas ou más. Mas estas tendências para a propriedade coletiva e
a ação comum são inteiramente diferentes das de tempos antigos, porque resultam
não do costume nem de nenhum sentimento passivo de associação de vizinhança,
mas da livre escolha de cada indivíduo da linha de conduta que lhe parece, depois de
cuidadosa deliberação, a melhor para atender aos seus fins, egoístas ou não
(MARSHALL, 1982:26).

Para Marshall há um movimento de progresso que é imanente ao indivíduo em busca

da elevação de seu bem-estar, de provisionar, para sobreviver e competir. Não importa onde,

vários fatores vão influenciar a velocidade e a trajetória desse percurso, mas não mudam seu

sentido, como no “fluxo e refluxo das ondas na maré do progresso...”. O processo de

crescimento e transformação da produção deve-se ao empresário (business undertaker) que

assume o risco e a administração do negócio como sua participação no trabalho da indústria e

todas as transformações de ordem técnica ocorridas, houvessem ou não acontecido, não

mudariam o curso dos acontecimentos (MARSHALL, 1982:317).

A natureza irresistível e racional do processo de desenvolvimento e a centralidade do

indivíduo na orientação de sua trajetória e ritmo são os pressupostos básicos de sua teoria da

organização e localização industrial.

A noção de economia externa, urdida segundo tais perspectivas, se constitui na

possibilidade pela qual a PE, em cooperação com outras, pode desenvolver economias de

escala e sustentar a competição com outras empresas de maior porte que desenvolvem

economias internas.

Como se vê, Marshall aponta para aspectos estruturais da questão, pelo menos ao

condicionar tal possibilidade ao desenvolvimento geral da indústria ou ao volume total de

produção de um determinado bem na vizinhança, ou seja, conseguida pela concentração de


39

empresas numa dada localização (MARSHALL, 1982: 229), fato que parece não preocupar as

propostas atuais de desenvolvimento concebidas segundo uma dinâmica exclusiva de oferta.

Sob a égide da harmonia e da racionalidade, o autor aponta a possibilidade de

articulação entre grande e pequena segundo modalidade de cooperação decorrente de uma

visão harmônica das relações intercapitalistas, originada da sua moral vitoriana, sempre

reguladas pelo mercado e pelas circunstâncias institucionais vigentes. Porém, antevê os

potenciais desequilíbrios de poder que estruturam essas relações, ao contrário das relações

entre firmas homogêneas, quer dizer, no interior de um conglomerado de pequenas firmas,

onde isto não aconteceria, justamente por causa do conhecimento e confiança existente entre

estes prestadores de serviços (MARSHALL, 1982:253).

A coordenação do processo se dá num mercado de concorrência perfeita através de

mecanismos que levam a situações de equilíbrio. Assim, as empresas vão se sucedendo até

que estes equilíbrios sejam rompidos, iniciando um novo ciclo de mudanças e ajustes.

São vários os fatores que promovem tal localização aproximada, desde as condições

físicas locais à proximidade dos mercados ou diversas formas de patrocínio. A especialização

é automaticamente promovida, uma vez que o conhecimento (know-how) existente aumenta e

o caráter do povo se vincula a tais condições. “Os segredos da profissão [...] ficam soltos no ar

[...]” fomentando novas idéias, a difusão e geração de inovação artesanal, a relação entre

ambiente cooperativo e indivíduo criativo, num aprendizado inconsciente, diz Marshall.

As relações sociais de trabalho são cooperativas devido ao mútuo interesse que as

governa. “As forças sociais cooperam com as econômicas: há freqüentemente uma amizade

profunda entre empregados e empregadores [...]” o que gera uma oferta de mão de obra

especializada abundante e situação de mobilidade para a mão de obra.

A obtenção de informações de forma geral parece ser uma fonte significativa de

vantagem para o conjunto de empresas de menor porte e isso tem um caráter coletivo, uma
40

vez que significa estar em contato com outros: empregados especializados criando amizade e

confiança; empresários vizinhos trocando informações, fazendo negócios ou dividindo

funções; associações para comercializar, de assistência técnica ou propaganda, entre outras

cooperações (MARSHALL, 1982:243).

Tal situação remete à noção de confiança, elemento central ao desenvolvimento

posterior que seu pensamento vai suscitar. Marshall vai postular que a noção de confiança em

sua forma moderna distingue-se de formas passadas pelo viés utilitarista que teria, sendo que

apenas as relações de vizinhança parecem ser atingidas por uma perda relativa de qualidade

ou de confiança em relação àquelas orientadas por interesses (MARSHALL, 1982:27).

Embora não seja considerado como promotor da idéia de capital social, tal formulação

se vincula à natureza desse constructo teórico conforme a possível tensão entre a condição de

proximidade e a perspectiva de se estabelecer relações de confiança se revele aparente, de

acordo com as elaborações mais recentes de capital social e suas diferentes motivações, nas

quais as vantagens de localização de grupos de pequenas empresas são postuladas com base

em formas de solidariedade coletiva produzidas por relações de confiança tradicionais ou

construídas a partir de interesses mais imediatos, que respondem pelo aumento de eficiência

produtiva.

Não obstante os argumentos limitadores que aponta e os aspectos positivos que

desenvolve em relação ao papel da PE, qualquer que seja sua concepção de articulação

cooperativa entre empresas de tamanhos variados, estará inscrita dentro da visão funcional-

sistêmica explicitada por ele mesmo, onde diferenciação e integração são os fundamentos que

organizam o sistema.

A regra geral [...] diz que o desenvolvimento de um organismo, seja físico ou social,
envolve uma crescente subdivisão de funções das suas diferentes partes, ao mesmo
tempo que aumenta a conexão íntima que existe entre elas. Cada uma das partes vê
diminuir sua auto-suficiência, e seu bem-estar passa a depender cada vez mais das
outras partes, de modo que qualquer desordem em uma das partes de um organismo
de desenvolvimento superior afetará também as demais partes (MARSHALL,
1982:212).
41

Da mesma forma, o imperativo da acumulação também é central em Marshall, porém

surge transmutado enquanto exigência evolutiva sistêmica. Ao comparar a semelhança e o

contraste entre um sistema social de castas e a organização industrial, o autor percebe as

transformações ocorridas nos processos industriais e a mobilidade social decorrente dessas

transformações, mas:

Por outro lado, o sacrifício do indivíduo às exigências da sociedade em relação à


produção de riqueza parece, em certos aspectos, ser um caso de atavismo [...]. Isso
porque a divisão do trabalho entre as diferentes categorias da indústria e entre os
diferentes indivíduos na mesma categoria é tão completa e inflexível que os reais
interesses do produtor correm por vezes o risco de serem sacrificados, a fim de
aumentar a soma que o seu trabalho acrescenta à produção total da riqueza material
(MARSHALL, 1982:215).

Embora analistas como Kerstenetzky (2000, 2003) relacione a preocupação do autor

com questões decorrentes da separação entre propriedade e controle da firma capitalista, da

formação de mercados diferenciados e dos diversos padrões de relacionamento entre agentes

em concorrência e/ou cooperação – elementos que apontam para a diversidade histórica e

institucional da análise marshalliana – percebemos uma elaboração conceitual da PE calcada

fortemente na figura do “homem de negócios”, cuja iniciativa individual é responsável pela

competitividade e por uma cooperação racional e deliberada, mas que está inscrito numa

ordem sistêmico-funcional que orienta o desenvolvimento da economia e de uma sociedade

orgânica ao equilíbrio, conferindo ao mesmo tempo, um sentido essencialmente positivo a sua

teoria da organização e localização industrial e limitando o alcance de suas proposições.

O privilegiamento de apenas um lado de suas formulações ou seu emprego acrítico no

tocante às características do homem de negócios e à natureza do processo de desenvolvimento

econômico e social, resultará numa apropriação inadequada de suas idéias e, quem sabe,

ideológica.
42

2.2 - A REELABORAÇÃO DA PEQUENA EMPRESA SEGUNDO STEINDL.

É Steindl (1990) quem vai analisar mais especificamente a existência e a permanência

de uma população de empresas de tamanhos variados no quadro evolutivo do sistema

capitalista. Escrevendo em 1945 sobre as possibilidades de sobrevivência e da política

relacionada à PE nos EUA, reelabora as concepções marshallianas quanto ao tamanho e

crescimento da empresa representativa capitalista e mais tarde, em 1972, revê algumas de suas

posições anteriores condensadas num post-scriptum, procurando analisar a dinâmica do

fenômeno em relação aos desdobramentos do processo de desenvolvimento econômico

capitalista.

Para Steindl (1990:13), a empresa representativa de Marshall não é necessariamente

uma pequena empresa, mas a de tamanho “normal”. Não “é uma empresa ‘jovem’ e crescente,

nem uma empresa decadente”, e sim uma que existe de forma relativamente numerosa,

compondo um grupo mutável e que usufrui de economias de escala para crescer até um

tamanho permitido pelas próprias dificuldades em ampliar seu mercado.

Tal constructo requer a existência de um equilíbrio que pressupõe um sistema de

concorrência perfeita, de um mercado que cresce permanentemente e de um modelo de

relações sociais, democrático e virtuoso, que pode ser entendido através da alusão feita por

Marshall a narrativas onde triunfa o “aprendiz fiel, que acabou por se tornar sócio do negócio

e, às vezes, por se casar com a filha do patrão” (STEINDL, 1990:256).

A necessidade de um crescimento estável dos mercados que se coloca cada dia mais

no horizonte dos distritos industriais italianos como questão crucial de sobrevivência e

competitividade (MISTRI, 1998) parece não suscitar questionamentos nas propostas de

desenvolvimento de arranjos produtivos, vistos mais em função das possibilidades imediatas.


43

Da mesma forma, a generalização, criticada por Steindl, de um processo social de

formação da PE, específico e historicamente situado nas descrições de Marshall, parece não

influir nas cogitações atuais quanto ao caráter do “espírito empreendedor” que origina a PE,

descambando para a ideologia à medida que se postule um caráter universal e natural ao

processo.

Steindl (1990:28) e Marshall concordam quanto à importância das economias de

escala como fator que influencia a posição relativa de empresas com vários tamanhos, e

conforme o progresso técnico torna-se uma variável determinante do processo de

desenvolvimento capitalista, a importância das economias de escala pode ser tomada como

um aspecto praticamente geral que, disponibilizadas tecnicamente para um determinado

tamanho, estarão sempre disponíveis para tamanhos maiores, gerando uma assimetria na qual

“as pequenas empresas nunca podem (a longo prazo) obter lucros maiores que as grandes

empresas”. As deseconomias de escala devidas ao aumento de tamanho e burocratização da

administração, com que Marshall se preocupava, têm pouco peso e são desprezíveis,

conforme o desenvolvimento de tecnologias de informação permita um novo e mais elevado

estágio de concentração de capitais, reafirmando o domínio da grande empresa multinacional.

Mesmo em concorrência imperfeita, o que poderia ser desvantajoso para a grande

empresa, estas poderiam minimizar seus efeitos num prazo um pouco maior, resultando daí

que “as pequenas empresas não podem manter a sua superioridade a longo prazo” (STEINDL,

1990:29). A questão dos prazos de realização é um aspecto importante na análise da dinâmica

econômica da PE que vem sendo pouco ou secundariamente abordada nas propostas baseadas

no empreendedorismo inovativo e cooperativo, uma vez que o foco está colocado em prazos

mais curtos decorrentes tanto da necessidade de reinserção na economia mundial, via

reestruturação produtiva, quanto da necessidade de oferecer alternativas ao problema do

desemprego, legitimadoras da ação pública.


44

Em Steindl (1990) a funcionalidade da PE é decorrente das transformações estruturais

do sistema de produção capitalista, o que faz da competitividade da PE um resultado de

segunda ordem.

Isto é percebido pela forma como a ênfase na aptidão pessoal do empresário aventada

por Marshall é relativizada pela influência de imperfeições de mercado, singularizando a

expectativa de sucesso da PE em relação às circunstâncias específicas de sua posição no

sistema produtivo.

Da mesma forma na tese de extinção das PE14 , quando pondera que sua sobrevivência

em geral pouco ou nada altera o quadro de monopolização e concentração do capital, ou seja,

cada vez menos a PE resiste, altera ou influencia o processo capitalista em seu mister,

assumindo função econômica secundária nos “ramos de ‘pequenos negócios’” que se

caracterizam por desenvolverem mercados diferenciados ou por utilizarem técnicas produtivas

não adaptáveis à larga escala ou ainda por se tratar de ramos novos. Em relação a este último

caso, relacionado à capacidade inovativa da PE, tal possibilidade seria realizável apenas no

curto prazo.

Em virtude do maior custo unitário ou do custo de diferenciação da produção pela PE,

qualquer política de proteção à PE – restritiva, compensatória ou regulatória – não resultaria

em maior eficiência à medida que os benefícios gerados seriam repassados ou aos

consumidores ou a grandes empresas contratantes. Deduzindo daí que os interesses imediatos

14
Segundo Soares (1982), tal argumento se desenvolve à medida que a transformação do capitalismo
monopolista se evidencia, o crescimento do tamanho das empresas e o surgimento de novas formas de
propriedade capitalista, como as sociedades por ações, gera uma expectativa de que as pequenas empresas seriam
inevitavelmente eliminadas em razão de sua menor competitividade em relação às maiores. Diversos autores, no
contexto do desenvolvimento industrial, vão “cultivar” a idéia fazendo a apologia da grande empresa e
reforçando ideologicamente a idéia da fragilidade e deficiência da pequena empresa.
Marshall reconsidera funcionalmente a questão com a tese da “permanência provisória das pequenas empresas”
decorrente dos processos de subcontratação e renovação do mundo empresarial. Steindl reforça tal perspectiva
considerando a existência de fatores irracionais como imperfeições do mercado e o constante aparecimento de
aventureiros.
O papel da PE tantos em contextos de industrialização quanto, mais tarde, em contextos de crise e desemprego
vai sendo urdida ideologicamente sob argumentações funcionalistas, diversas de fundo estratégico como
interiorização, nacionalização ou diversificação do parque produtivo, ou de natureza microeconômica como
45

dos pequenos são, normalmente, contrários ao progresso técnico, o que só é balanceado pelo

fato da condição de domínio ou as altas taxas de lucro das grandes empresas também

implicarem num desinteresse relativo na “causa do progresso técnico”.

Mesmo no post-scriptum de 1972, quando percebe o desenvolvimento tecnológico

recente, a implicação em novas possibilidades para a sobrevivência competitiva da PE se

limita à medida que novos ramos se integrem ao sistema, segundo uma “divisão natural de

funções” que será mais dependente ou autônoma a depender da disponibilidade de “pessoal

especializado e altamente qualificado” que possa “desenvolver e oferecer conhecimentos

tecnológicos” (STEINDL, 1990:139).

A possibilidade da PE ser competitiva reduz-se a uma situação de um alto e estável

nível de emprego que reduzisse a oferta de pequenos empresários ou a possibilidade de uma

ação cooperativa onde fossem possíveis o desenvolvimento de economias de escala e o apoio

financeiro governamental (STEINDL, 1990:121).

Todavia, sobre a possibilidade de cooperação entre pequenos vai advogar a existência

de um simulacro de independência da PE, devido à sua tolerância por parte da grande

empresa. Para Steindl (1990:113), a idéia marshalliana de “novas oportunidades para

pequenos empresários” decorrentes da desintegração vertical da produção não passa de uma

ficção, uma vez que esses “subcontratantes” são bastante fracos do ponto de vista econômico

e, por conseqüência, político. Em vista disso, a possibilidade de ação cooperativa, percebida

como uma escolha alternativa entre a interferência governamental e a subordinação à grande

empresa, é interpretada como restrição à independência do pequeno empresário, valor tão caro

ao credo liberal.

A funcionalidade de segunda ordem também se manifesta no plano social e político da

PE, para Steindl (1990:113), de formas “não muito lisonjeiras”. Uma é a vantagem política

estruturações diferenciadas de mercados (nichos) e setores produtivos (serviços) ou diferentes propensões ao


desenvolvimento de economias de escala, especialização produtiva, etc.
46

que representa para empresas oligopolistas e dominantes a conservação de pequenas empresas

como demonstração de “concorrência”. Outra é a imperfeição do mercado de trabalho que

dota certos ramos de uma “oferta de trabalho barata e desorganizada”, garantindo a

sobrevivência da PE às custas dessa exploração, onde a pressão nos preços é repassada

rapidamente aos salários ao mesmo tempo em que não incentiva o progresso técnico

(STEINDL, 1990:111).

A “tenaz sobrevivência” manifestada “pela disposição ao risco dos pequenos

empresários”, que faz “qualquer pequeno empresário lutar até o fim para preservá-la [a

posição social] até se ver financeiramente incapacitado de continuar” consiste num terceiro

fator de funcionalidade, mais sofisticado, decorrente da valorização do pequeno empresário

como categoria social, descrito por Steindl (1990:112) e que tem correspondência com uma

situação encontrada aqui, onde a vontade de “ser dono do próprio nariz” projeta-se com a

mesma intensidade nos agentes pequenos, porém concebida como um legado cultural

patrimonialista, arcaico e impeditivo do desenvolvimento de relações cooperativas e

competitivas.

Diz o autor, “esse fator se tornará tanto mais importante quanto maior for o

desemprego entre os assalariados”, pois essa possibilidade significa “garantir um emprego

para si mesmo” o que se acrescenta ao fato de adquirir um status social mais elevado. “É

possível que um alto desemprego (especialmente de caráter secular) contribua poderosamente

para a determinada resistência das pequenas empresas”.

Tal fator pode esclarecer quanto à dinâmica demográfica da PE, principalmente a altas

taxas de natalidade e de “empreendedorismo” encontradas em países periféricos, em seu

aspecto estrutural-funcionalista. Nesse sentido, as explicações de ordem cultural que postulam

a superação desse “legado cultural arcaico” através da incentivação em massa à constituição

de uma PE competitiva pode implicar na exacerbação ideológica da funcionalidade da PE.


47

O problema é que a evolução dos processos de desenvolvimento industrial e

econômico são vistos pelo autor como se acontecessem pacificamente, posto que pensados,

abstratamente, no nível microeconômico e como se as novas possibilidades da PE, percebidas

no post-scriptum, derivassem dela mesma e não da necessidade permanente de intensificação

da acumulação. Assim, à funcionalidade estrutural da PE e comportamental de seus agentes,

incorpora-se sua funcionalidade para a acumulação, numa dinâmica cujos centros de controle

não estão localizados na PE.

Com isso queremos dizer que as possibilidades vislumbradas por Steindl e constantes

nos desdobramentos recentes sobre a competitividade da PE, encontram-se, antes,

estruturadas pela dinâmica de reprodução capitalista. Assim, as possibilidades funcionais de

uma PE competitiva entram em contradição com o processo de acumulação à medida que

funcionalidade e autonomia são categorias antitéticas, pelo menos no plano econômico.

2.3 – AS DUAS PEQUENAS EMPRESAS EM SCHUMPETER

A outra alternativa teórica da PE em Schumpeter (1982, 1984) parte da dimensão

individual, onde o empresário inovador é descrito como portador das qualidades necessárias

ao processo de desenvolvimento econômico.

Em Schumpeter a PE também pode ser vislumbrada, na perspectiva individualista,

como espaço de realização do empresário inovador, pela forma competitiva com que se insere

na dinâmica do desenvolvimento econômico, através do processo de “destruição criadora”

que permite a geração de lucros monopolísticos temporários que irão dinamizar o sistema

capitalista engendrando novos ciclos de crescimento econômico.

Mas também pode ser vista de outra forma, como instituição componente das

“camadas protetoras” do capitalismo, à medida que representa concretamente a propriedade


48

privada, instituto capitalista por excelência, cuja “destruição” o autor pressagiava á época que

escrevia. Sobre isso ele diz:

A estrutura política de uma nação é profundamente afetada pela eliminação de uma


multidão de pequenas e médias emp resas cujos donos e gerentes, juntamente com
seus dependentes, agregados e conexões, contam quantitativamente nas urnas e têm
um controle sobre o que podemos chamar de classe dos capatazes que nenhuma
administração de uma grande unidade pode ter; as próprias fundações da
propriedade privada e do livre contrato desgastam-se numa nação em que seus tipos
mais vitais, mais concretos e mais significativos desaparecem no horizonte moral da
população (SCHUMPETER, 1984:183)

Esta visão, malgrado todas as circunstâncias históricas que diferenciam os

capitalismos europeu e norte-americano, coisa que o próprio Schumpeter escrevendo em 1942

reconhece, desemboca no mesmo dilema – a incessante necessidade de transformar o meio

onde se desenvolve, no caso, a transformação do capitalismo concorrencial em monopolista.

É a instituição da propriedade que perde sua “substância material”, na qual o pequeno

empresário se constitui na mais concreta manifestação, que representa a camada protetora do

capitalismo a que se refere15 .

Para a construção dessa perspectiva ele se apóia num momento processual anterior, no

modo “anfíbio” e funcional com que coexistiram estruturas sociais pretéritas como o Rei, a

Corte e a Igreja com a burguesia capitalista.

“Simbiose” ativa e proveitosa cuja eliminação completa e inevitável é questionada

quanto a sua propriedade para a manutenção do sistema capitalista.

Ao romper a estrutura pré-capitalista, o capitalismo rompeu não apenas as barreiras


que lhe impedem o progresso, mas também os esteios que lhe impedem o
desmoronamento. [Posto que] não era meramente questão de se remover o peso
morto institucional, mas de remover parceiros da camada capitalista, cuja simbiose
era fundamental ao esquema capitalista (SCHUMPETER, 1984:182).

Esta passagem nos evidencia que a Schumpeter preocupava antes a dinâmica de

transformação do capitalismo sob novos móveis de desenvolvimento e que, nesse sentido a

15
Importante ressaltar que não é à ação empreendedora que nos referimos enquanto camada protetora do
capitalismo, ou seja, não endossamos a visão segundo a qual a inovação se transformaria em rotina nas grandes
empresas, pondo em risco o sistema capitalista. Sobre essa questão nos baseamos em Langlois (1987). No
entanto, não se pode deixar de perceber como a inovação vai modificar a organização do sistema capitalista e
como este último vai integrar o novo móvel de acumulação à sua dinâmica competitiva, institucionalizando-o.
49

PE tinha, antes, uma funcionalidade de natureza político-institucional que perdia sentido

conforme o capitalismo passava de um modo de desenvolvimento para outro.

Interessante perceber que é a ação subjetiva do pequeno empresário, como proprietário

independente ou como um “burguês racionalista e não-heróico” que vai configurar a PE de

um ou outro modo, afeita ao capitalismo competitivo ou monopolista. A ambigüidade do

papel e posição da PE e do pequeno empresário enquanto classe, estão implícitos no

pensamento do autor ao refletir sobre a funcionalidade e conseqüências da ascensão

concomitante da burguesia capitalista e dos Estados nacionais, que acontece em países

europeus.

Mills (1979) vai mostrar como a “sociedade do equilíbrio automático” norte-

americana, baseada na universalização da pequena propriedade e do pequeno negócio vai

desaparecer diante da transformação do capitalismo de competitivo em monopolista, fazendo

surgir uma nova classe média de funcionários e transformando a idéia de pequena empresa em

competição numa ideologia política da qual se serve a grande empresa monopolista e é

utilizada até hoje na promoção do small business norte-americano (ANGLUND, 1998; ACS

et al, 1998; BLACKFORD, 2001).

Admitindo que a pequena propriedade privada perde seu significado capitalista no

processo de desenvolvimento econômico baseado na inovação e que o empresário inovador se

associa de forma cada vez mais passageira ao espaço da PE para viabilizar sua inovação

(STAM, 1999), podemos colocar em perspectiva desde agora, a possibilidade ideológica com

que a sobrevivência da PE – propriedade privada – vai relacionar-se com a construção

capitalista da PE – inovadora e competitiva.

Temos, portanto, duas matrizes teóricas que tratam de aspectos centrais à PE, que

operam através de eixos analíticos distintos e que, mesmo assim, por distintos caminhos dão

margem à percepção da PE em sua função “protetora” do capitalismo. Marshall, num


50

momento anterior, a partir de uma perspectiva equilibrada, pela sua “normalidade” benévola.

Schumpeter, mais tarde e diante do caráter revolucionário do processo de desenvolvimento

econômico, preocupado com os rumos do progresso econômico, no qual a inovação tendia a

se rotinizar, representando com isso, a destruição do quadro institucional da sociedade

capitalista, onde PE e o empresário inovador eram vítimas não da competição inerente ao

processo, mas de sua burocratização.

Se a inovação não se reduz à rotina, conforme a previsão de Schumpeter, movimento

distinto vai caracterizar o âmbito da propriedade do pequeno empresário. Ainda que adrede a

toda evolução capitalista, se vê encerrado numa ambigüidade entre sua centralidade na

dinâmica inovacionista atual ao mesmo tempo em que vê sua propriedade cada dia mais

imaterializada, confinada à condição de fator de produção intelectual.

2.4 – A PEQUENA EMPRESA SEGUNDO VISÕES “INVERTIDAS”

Uma vez apresentadas as abordagens mais citadas na literatura, podemos retomar a

idéia inicial suscitada quanto ao propósito de “inverter o sentido de análise” para poder

reconhecer a PE segundo suas possibilidades e limites em estruturas capitalistas específicas,

como a brasileira.

Um trabalho que faz interessantes reflexões a respeito do papel socioeconômico e

político da PE em contextos globalizados e se apresenta segundo tal perspectiva analítica, é o

de Montaño (1999:11):

Não é a dinâmica interna que peculiariza estas pequenas unidades produtivas, não é
sua dimensão que explica o papel que cumpre no sistema produtivo-comercial. O
que esclarece sobre suas possibilidades e limites de desenvolvimento empresarial, o
que se coloca como essencial, é o lugar que ocupa na divisão organizativa deste
sistema.

O esforço de conceituação da PE enquanto papel socioeconômico, numa perspectiva

estrutural, vai inverter o ponto de vista analítico fazendo com que as deficiências
51

normalmente apontadas como causas da condição pequena possam ser vistas como

conseqüências de seu posicionamento secundário, subordinado e dependente na estrutura

produtiva capitalista em um determinado contexto sócio-histórico.

Para o autor, o fato da PE empregar poucos trabalhadores, ter baixo volume de

produção, mercado com raio de incidência reduzido, ser pouco complexa no sentido da

centralização de atividades e da divisão de tarefas e papéis ou de ser relativamente informal,

ou seja, de ter uma insuficiente definição de objetivos, normas e sistemas administrativos,

resultam de sua categoria socioeconômica qualitativamente distinta que tem um papel

determinado a desempenhar no sistema de produção capitalista.

Neste tipo de análise, conceituar a PE a partir de suas diferenças quantitativas

representa apenas uma definição intrínseca de algo contido em si mesmo ou, como diz

Montaño (1999:17), reflete apenas uma realidade empírica. Sua denominação como “satélite”

seria mais adequada em termos semânticos do que “pequena” e algumas conseqüências

teóricas a respeito da PE, como pensar a PE no quadro de uma evolução “natural” ou propor o

acesso ao crédito e à capacitação gerencial como condições suficientes para tal evolução,

tomando como modelo uma PE que tenha obtido resultados econômicos elevados, tornam-se

problemáticas, “confusas” ou ideologizadas.

Mediante a interpretação da PE como categoria socioeconômica e segundo uma

perspectiva histórico-dialética, três concepções são projetadas quanto ao papel e inserção da

PE na sociedade (AROCEÑA apud MONTAÑO, 1999:26):

- a PE como ni iciativa privada, sendo o empresário apenas mais um “capitalista em via

de desenvolvimento”, com qualidades pessoais que o habilitam num sistema de livre

concorrência;

- a PE como alternativa ao desemprego, convertida a uma categoria politicamente

estratégica para a legitimação do Estado e do sistema no contexto de reestruturação


52

produtiva, sendo necessário, portanto, sua proteção e promoção através de políticas de

apoio e compensatórias;

- a PE como categoria socioeconômica e política num sistema, como parte integrante de

um contexto socioeconômico, de uma relação política e econômica entre desiguais e

mais, dentro de um estágio do processo histórico.

Essa perspectiva analítica tem a capacidade de propiciar uma visão mais estruturada

do pequeno que pode ser útil se contrastada com outras PE, derivadas de outros processos

históricos e em outras circunstâncias socioeconômicas e políticas.

O trabalho de Hymer (1978) sobre empresas multinacionais, também numa

perspectiva estrutural, nos oferece uma interessante interpretação da evolução da empresa

capitalista. “Invertida” conquanto possamos evidenciar a dinâmica da PE pela descrição de

seu oposto, no sentido específico de não ter evoluído para a grande empresa capitalista.

Para o autor a origem da empresa capitalista deve ser buscada “nas pequenas oficinas,

organizadas pela nova classe capitalista em ascensão”, na forma produtiva que tem como

aspecto distintivo “a capacidade de recolher os benefícios da cooperação e da divisão do

trabalho” e num sistema que tem no mercado e na fábrica a representação de “dois métodos

diferentes de coordenar a divisão do trabalho” (HYMER, 1978:40).

Na sua origem, o sistema capitalista inverte a estrutura que então vigorava. A idéia

macro de mercado, constante desse novo sistema, se estrutura inconscientemente, como

instância coordenadora auto-regulada da produção material, dos fluxos de capital e da

mobilidade do trabalho ao contrário da divisão de trabalho social hierarquizada que existia.

Por outro lado, a idéia micro da fábrica se estrutura hierarquicamente através da subordinação

da mão de obra ao empresário capitalista, enquanto anteriormente os indivíduos, na produção,

eram relativamente independentes.


53

Sob uma perspectiva liberal, onde a relação capital-trabalho era vista de forma

cooperativa e voluntária e as diferenças de poder e autoridade como naturais e decorrentes de

méritos individuais, o aumento de produtividade decorrente se constituía no argumento

decisivo conforme esses resultados fossem distribuídos resultando em melhores condições de

vida para todos.

À medida que o capital total se acumula, a concentração dos capitais individuais

aumenta continuamente e, paralelamente, aprofundando a divisão vertical do trabalho. O

rápido crescimento da economia e a fusão de pequenas empresas resultando em grandes

corporações nacionais, como acontece nos EUA cuja estrutura industrial, que até meados do

séc. XIX consistia em pequenas empresas marshallianas, se modifica mais ou menos

rapidamente.

A situação geográfica e as necessidades decorrentes desse conjunto histórico de

oportunidades criadas pela noção de um mercado nacional, vão permitir o desenvolvimento de

uma nova forma de organização empresarial no qual o capital “adquire novos poderes e novos

horizontes”. Com isso, a coordenação consciente se amplia e a divisão do trabalho dirigida

pelo mercado se contrai, ou seja, o capitalismo já não é mais o mesmo. A perspectiva dessa

mudança continuar a atender grandes parcelas da população a partir do argumento da

produtividade já não verifica como antes.

Diante desse quadro, a economia das grandes empresas vai desenvolver uma pirâmide

administrativa, um sistema vertical de controle, que permitirá uma ampliação e centralização

do processo de produção e distribuição, bem como da esfera decisória jamais alcançada, ao

mesmo tempo em que toma consciência dessa capacidade e poder de controlar sua própria

evolução e desenvolvimento.

Essa evolução, significou um processo simultâneo de diferenciação e integração, sob

uma ordem econômica clássica baseada nas instituições liberais que sustentam a lógica do
54

sistema na qual, enquanto a diferenciação promove uma especialização funcional com vistas à

obtenção de maior produtividade, a integração garante a autonomia decisória, baseada na

manutenção dos valores e visando a reprodução ampliada do capital.

Nesse sentido, as escolhas feitas na estruturação da empresa multidivisional, na opção

pelo desenvolvimento de técnicas capital-intensivas e na constituição de atividades segundo

um gradiente de produtividade, se constituem tão somente em conseqüências dessa ordem

sistêmica capitalista.

O desenvolvimento da empresa pode então ser concebido como um processo de


centralização e aperfeiçoamento do processo de acumulação de capital [...] Seu
poder [da empresa, representada por seu escritório central] reside, em última
instância, em seu controle sobre os homens e sobre o dinheiro, e, se não se deve
superestimar sua capacidade para controlar um vasto império, não há porque
subestimá-la (HYMER, 1978:50).

A lógica da empresa é institucionalizada conforme o arbítrio desse corpo central,

determinando o marco operacional das unidades distribuídas e levando assim à prática sua

concepção sobre os fins e objetivos em longo prazo da empresa.

A relação entre a estrutura micro – a empresa – e estrutura macro – economia

internacional (o que, hoje, poderíamos chamar de globalização) é feita através da teoria da

localização e do esquema proposto por Chandler e Redlich (apud HYMER, 1978) para propor

um “princípio de correspondência” entre a centralização do controle dentro da empresa e na

economia internacional.

Com isso, a empresa multinacional processa uma gama de serializações que encontram

correspondência em variáveis macro. A hierarquia decisória das grandes empresas vai refletir

uma especialização funcional geográfica definindo as estruturas produtivas de apoio (onde a

PE se posiciona), o mercado de trabalho e profissional; a estrutura de renda, de status, padrão

de consumo, a difusão de tecnologias, entre outros elementos, que se organizam serialmente

da metrópole para o hinterland. Não bastasse, para garantir a institucionalização desses

padrões distintivos e subordinativos é necessário o controle dos canais de comercialização e


55

dos meios de comunicação, o que requer a construção de simbologias que valorizem

culturalmente tais divisões e especializações.

A concepção estrutural de Hymer quanto ao processo de internacionalização do capital

nos permite dispor de uma visão histórica e lógica do desenvolvimento da empresa e de um

princípio de correspondência espacial que possibilita o cotejo de diferentes geografias sociais

e históricas. Tal concepção, tendo como eixo instituinte a acumulação sistêmica, pode ser

utilizada para identificar como operam as instituições capitalistas através da análise das

configurações estruturais e da dinâmica das relações de produção.

Tal análise pode ser estendida, por homologia, às inter-relações empresariais dentro de

uma mesma estrutura produtiva incorporando a PE ao esquema analítico, percebendo o modo

refletido como ela vai se integrar de forma subordinada a cadeias de produção capitaneadas

pela empresa oligopolista, suscitando toda a sorte de maquinações simbólicas ideológicas que

podem subjazer sob o pretexto de maior eqüidade nas relações de produção, a partir de

alegações fundadas em habilidades e competências administrativas contidas num “espírito

capitalista empreendedor” natural, nas vantagens competitivas de uma “cultura de

cooperação” ou no sentido social impresso no valor burguês dado à idéia de “independência”.

2.5 - OS DESDOBRAMENTOS DAS VERTENTES “CLÁSSICAS”

Os desdobramentos das duas vertentes teóricas já mencionadas têm pontos de contato

e de distinção no que se refere à PE. Na visão marshalliana, as possibilidades da PE, em

determinadas indústrias, decorrem das possibilidades destas se organizarem de forma a

desenvolver economias externas capazes de contrabalançar as economias de escala internas

típicas das grandes empresas. Essa perspectiva tem sido desenvolvida por diversos autores a

partir de algumas características organizacionais da PE, como a flexibilidade que permite


56

também o desenvolvimento de economias de escopo, de aspectos comportamentais do

pequeno empresário, como a cooperatividade, e de aspectos institucionais potenciais, como a

noção de capital social, de natureza histórico-institucional característico dos ambientes onde a

PE se desenvolve.

Nesta vertente encontramos a abordagem dos distritos marshallianos (BECATTINI,

1987) que se constituem na forma organizacional típica da Terza Italia, terreno onde se

desenvolve o capital social, segundo a perspectiva sócio-histórica de Putnan (1996) que

responde pela natureza das relações sociais cooperativas que conferem competitividade às

comunidades empresariais formadas por PE.

Uma outra vertente parte da análise do regime fordista de produção impactado pelos

desenvolvimentos tecnológicos baseados na microeletrônica e na informática para chegar à

noção de especialização flexível (PIORE e SABEL, 1984), que permitiria à PE a capacidade

de desenvolver uma cooperação competitiva, chamada de eficiência coletiva quando

localizada em um formato organizacional chamado cluster competitivo (SCHMITZ, 1995), ou

de formas flexíveis de organização e desintegração vertical da produção, como os “complexos

de produção flexível” de Scott e Storper, ambos se valendo de outra concepção de relações

sociais cooperativas compreendidas segundo uma lógica funcional ou “relacional” de capital

social (GRANOVETTER, 1973 e 1985; WOLFE, [199-?]).

Já na visão shumpeteriana existem duas questões fundamentais. Uma está centrada na

figura do empreendedor, fonte fundamental do processo de inovação, a outra na dinâmica do

desenvolvimento econômico fundado no progresso técnico.

As formulações disponíveis sobre a atividade empreendedora e a figura do

empreendedor têm fundamentação bastante variada se constituindo num assunto heterogêneo


57

onde o consenso possível reside no fato de se tratar de um campo aberto onde as tentativas de

convergência têm se mostrado pouco auspiciosas16 .

A perspectiva dos lucros monopolísticos temporários derivados do comportamento

inovador engendram uma outra dinâmica competitiva à atividade econômico-produtiva e um

marco institucional peculiar (DOSI, 1990:226) no qual esse processo de criação de assimetrias

competitivas supera a mera disposição individual centrada na figura do empreendedor para

incorporar um aparato político, sócio-cultural e econômico voltado à consecução da inovação

tecnológica de natureza sistêmica. Não é outra a preocupação que Schumpeter tinha com

relação à institucionalização da inovação em um capitalismo que evoluía.

Se na abordagem marshalliana a esfera institucional é fundamental para a construção

dos fatores de competitividade como coesão social, confiança e embeddedness, na outra

abordagem a questão institucional surge como decorrência das transformações que a inovação

– móvel propulsor do desenvolvimento – implica sobre a dinâmica competitiva do sistema

capitalista. A elaboração marshalliana acerca da importância do conhecimento e das

habilidades por parte do “homem de negócios” para realizar a organização intra e interfirmas

também tem pontos de contato com a elaboração schumpeteriana sobre inovação e com as

abordagens evolucionistas posteriores quanto ao processo de capacitação e aprendizado.

Em vista dessas convergências parciais vamos procurar tratar separadamente cada

fenômeno até onde seja possível.

16
A temática do empreendedorismo e do empreendedor se desdobra em várias frentes: Paula et al (2000)
mostram a variabilidade com que sua natureza é proposta, associada alternadamente a figuras míticas opostas
como Prometeu e Fausto; Acs e Audretsch (2001), numa linha liberalista e a partir da natureza filantrópica de
sua ação (ACS e PHILLIPS, 2002), propugnam a emergência de uma “entrepreneurial society”, Langlois (1987)
vê sua obsolescência ao longo da evolução do capitalismo; Negri (1999) vai reconstruir suas funções enquanto
“empresário político” a partir de uma perspectiva pós-fordista e; Carland et al (1988) e Gartner (1988)
polemizam quanto à propriedade de sua definição a partir de uma abordagem comportamental ou se derivado da
esfera da personalidade e de seus traços característicos, o que significa em ultima instância um reflexo da
oposição entre o papel das estruturas e da ação subjetiva.
58

2.5.1 – A “criação” de capital social, cooperação e confiança.

A cooperatividade entre agentes vem sendo discutida, principalmente, no bojo da

teoria do capital social. Nesta distinguem-se duas grandes vertentes: culturalista e

neoinstitucionalista. Na primeira, o capital social se manifesta em moldes mais igualitários

decorrentes de tradições sócio-históricas de cooperação baseadas na confiança estabelecida

por práticas participativas, enquanto na segunda, ele é provocado pela comunhão de interesses

num marco institucional que favorece o estabelecimento de relações cooperativas funcionais,

num quadro marcadamente utilitário onde a confiança decorre de sanções possíveis.

Na vertente culturalista, Putnam (1996:177) afirma que o capital social se manifesta

sob diferentes formas como regras de reciprocidade e sistemas de participação cívica. Diz

respeito à confiança, normas e sistemas característicos de uma organização social que

aumentam a eficiência de uma sociedade facilitando a coordenação de suas ações. Sua

intensidade está relacionada com a existência de instituições cívicas em geral e seu efeito

demonstrado pela relação entre a existência de associações voluntárias e a coordenação

descentralizada de ações coletivas.

Para Lundvall (2002:28) o conceito de capital social se refere, em geral, ao grau que

em uma sociedade civil há uma tradição de cooperação entre pessoas, fora dos círculos

familiares, e de solução conjunta de problemas. O capital social torna-se importante à medida

que transações e processos de aprendizagem podem ser entabulados sem grandes problemas

legais ou práticos e sua manutenção garante competitividade no longo prazo. Sobre política

industrial, por outro lado, práticas fraudulentas e corrupção enfraquecem a efetividade

econômica e minam o capital social. Assim, processos políticos baseados em princípios como

honestidade e accountability bem como ação contra crimes econômicos são dispositivos que

protegem e estimulam o capital social e a inovação. Desigualdades econômicas e de poder


59

crescentes colocam em risco o crescimento, principalmente quando a competitividade se

baseia em coesividade social. A coesividade é um dos importantes elementos do capital social

e que tem grande importância para uma economia de aprendizagem conforme esta requeira

confiança e cooperação para ser efetiva.

Na vertente neoinstitucionalista Coleman (apud MATOS, 2004), considera que o

capital social está sujeito a uma lógica de acumulação e reprodução, determinada por escolhas

racionais dos atores sociais no estabelecimento de estruturas de relações, instrumentalmente

associadas à eficácia da ação coletiva. Estruturas podem ser criadas a partir da confiança

mútua entre os indivíduos e podem traduzir-se em estabilidade das instituições, normas e

obrigações recíprocas, garantindo a eficiência do esforço coletivo e a eficácia dos

investimentos individuais.

Dentro dessa lógica funcional e utilitária o capital social surge de um complexo de

relações variadamente estruturadas, conforme o conceito de embeddedness que considera os

indivíduos imersos/imbricados em uma rede de relações interpessoais. O grau de estruturação

pode variar conforme a natureza, forte ou fraca, dos laços sociais que a constituem, influindo

na qualidade do capital social derivado (GRANOVETTER, 1973 e 1985).

Abu-El-Haj (1999) tece uma crítica às abordagens culturalista e neo-institucionalistas

do capital social apontando o determinismo em que ambas incorrem como o problema a ser

superado.

A crítica ao culturalismo não significa denegar “as virtudes da horizontalidade” para a

mobilização coletiva.

A confiança, a cooperação e a solidariedade brotam sob condições de relativa


igualdade e de ausências de hierarquias impostas. A reconciliação da ação coletiva
com interesses individuais, num quadro de horizontalidade, encoraja e generaliza a
confiança, permitindo a multiplicação das redes cívicas e a valorização do capital
social (ABU-EL-HAJ, 1999:76)
60

Da mesma forma, “a imoderada obsessão dos neo-institucionalistas pelo desempenho

institucional obscurece as condições políticas subjacentes à institucionalização” e não elimina

a necessidade de um “quadro institucional receptivo”.

Todavia, a questão é, na ausência de uma tradição cultural, como chegar a dispor de

instituições sólidas, ainda mais quando o autor afirma que a abordagem neo-institucional

omite a ação das elites políticas em relação ao ativismo institucional, o que nos remete à fonte

original de nossa problemática – a possibilidade de ideologização da cooperação dentro de

uma ordem social competitiva incompleta que engendra e mantém um capitalismo articulado

com interesses reprodutivos hegemônicos e com um projeto de dominação elitista.

Matos (2004), afirma que a definição de Putnam tem uma conotação claramente

positivista à medida que suas “análises quantitativas deixam de fora categorias centrais,

processos sociais como poder, conflitos, etnia, gênero e relações público-privado

privilegiando as variáveis com relações significativas do ponto de vista estatístico”, enquanto

a de Coleman, “deixa de lado todos os aspectos subjetivos das relações sociais que fogem à

racionalidade, desprezando todas as contribuições da sociologia moderna que reservam um

espaço privilegiado para o simbólico e para o imaginário”.

Ramírez-Rangel (2001) analisando os fundamentos da cooperação entre pequenas

empresas apresenta uma modalidade que chama de “cooperação experimental” que, para nós,

se inscreve como a variante da modalidade relacional dos “laços fracos”. Esta vertente não

pressupõe nenhuma precondição para a coordenação bem sucedida entre pequenas empresas,

onde a cooperação “surge de fatores altamente idiossincráticos peculiares a cada situação” e a

confiança pode ser criada conforme os atores, reinterpretando seu passado, recriam sua

identidade.

Segundo o autor, esta abordagem busca superar a contradição entre contexto e ator,

entendendo que os atores reagem às limitações do contexto e “definem-se estrategicamente no


61

próprio ato de constituição do seu contexto” (SABEL e ZEITLIN apud RAMÍREZ-

RANGEL, 2001:168). Tal possibilidade difere das abordagens pós-estruturalistas à medida

que confere uma amplitude à ação individual coordenativa capaz de superar os dilemas da

ação coletiva. Para isso, não pode ser aplicada a contextos pré-condicionados ou admite que

os atores são perfeitamente capazes de transformar o contexto ou atuar cooperativamente a

despeito deste.

Nas abordagens neoinstitucionalistas, a informação se constitui num aspecto central à

colaboração bem-sucedida, seja na perspectiva da formação de redes bem como nas ações de

coordenação que no longo prazo transformam-se em estruturas institucionais (RAMÍREZ-

RANGEL, 2001:168). Isso nos permite aduzir a relevância que terá quando acionada, de

forma institucionalizadora, em processos de mudança comportamental e cultural, e a

possibilidade de operar ideologicamente.

Um exemplo de “cooperação experimental” pode ser encontrado na abordagem de

Wolfe [199-?] que fala de uma “variedade relacional” de capital social tipicamente norte-

americana e diametralmente oposta ao conceito elaborado por Putnam que requereria

elementos não disponíveis de forma institucionalizada no ambiente sócio-histórico norte-

americano. O autor afirma que aplicar concepções européias de confiança ou capital social

nos EUA tem pouca utilidade, daí ser mais apropriado o modelo relacional. Com isso relata

um mecanismo funcional de construção de capital social, segundo uma impressionante

harmonia de interesses. Fica claro o sentido utilitário contido nessa perspectiva que é

formulada a partir de um caso empírico, transformado, a nosso ver ideologicamente, em

“paradigma”:

Social capital in Silicon Valley is grounded in the collaborative partnerships that


emerge out of the pursuit of economic and institutional objectives related to
innovation and competitiveness. It grows out of collaborative networks of
interacting firms, driven essentially by their mutual self-interest in maintaining their
innovative edge. The trust found in Silicon Valley is based on assumptions about the
reliability and reputation of key actors — a performance-focused trust, grounded in
the expectation of how prospective partners will perform in a network relationship.
[...] The variety of trust found in Silicon Valley is characterized as “swift trust,” a
62

form that develops through close, interdependent interaction and reciprocity over
short, intense periods of time 17 (WOLFE, 199-?:13).

A confiança decorre da confiabilidade na performance que é responsável pela

configuração de comunidades empresariais e redes. O caráter funcionalista é explicitado

através de uma seqüência de atos voluntários cujos resultados se acumulam e são distribuídos

de forma equânime sem que qualquer evento possa perturbar a evolução do processo:

Firms faced with this shift [decorrentes da globalização] search for alternative inputs
on which to base their competitive advantage. Such inputs must have a high
potential value and be difficult to imitate or replicate. Social capital represents one
such input. It becomes progressively more valuable as the process of globalization
continues [...] Trust, as a component of social capital, helps overcome market
failures or reduce the level of market costs for firms in densely related networks, by
supporting stable and reciprocal exchange relationships among them. Partners
involved in these relationships establish a willingness to exchange information on
something more stable and enduring than a “barter” basis. Both sides of the
relationship can benefit from lower costs and improved quality in the knowledge
thus attained. As these relations grow and develop, a larger component of the
knowledge shared and transmitted becomes “tacit,” rather than explicit with a
concomitant increase in the level of understanding gained through the exchange.
Ultimately, the relationships can be extended to include other partners of the
respective firms, further enhancing the extent and the value of the network18
(WOLFE, 199-?:12)

A participação cooperativa da PE segundo um capital social cultural configurado

historicamente através da institucionalização da participação cívica ou estruturado segundo

uma rede de “laços fortes”, não parece capaz de superar as disposições hierárquicas e

17
No Vale do Silício, o capital social se fundamenta nas parcerias que surgem do esforço de consecução de
objetivos econômicos e institucionais relacionados à inovação e competitividade. Origina-se em redes de firmas
que interagem orientadas essencialmente por auto-interesses mútuos em manter esse aspecto inovativo. A
confiança encontrada no Vale do Silício baseia-se na suposição acerca da confiabilidade e reputação dos atores-
chave – uma confiança baseada na expectativa de performance, ou seja, fundamentada na perspectiva do quanto
os parceiros corresponderão às expectativas quanto aos relacionamentos na rede. [...] A variedade de confiança
do Vale do Silício se caracteriza como uma “confiança rápida”, modalidade que se desenvolve de forma intensa
durante curtos períodos de tempo, por meio de interações estreitas, interdependentes e recíprocas (tradução
nossa).
18
Em face das mudanças [decorrentes da globalização], as firmas buscam opções nas quais possam fundamentar
suas vantagens competitivas. Tais alternativas devem ter um alto valor potencial e devem ser difíceis de imitar
ou reproduzir. O capital social é uma dessas opções e se torna progressivamente mais valioso conforme o
processo de globalização se amplia [...] A confiança, como componente do capital social, ajuda a superar falhas
de mercado ou a reduzir o nível dos custos de firmas situadas em redes de relacionamentos estreitos e densos, à
medida que as relações de intercâmbio entre as firmas se estabilizam e se tornam recíprocas. Parceiros
envolvidos nesses relacionamentos estabelecem o desejo de trocar informações de uma forma mais estável e
mais duradoura do que seria numa simples “permuta”. Assim, ambos se beneficiam dos custos mais baixos e da
melhoria de qualidade decorrente do conhecimento adquirido. Conforme estas relações crescem e se
desenvolvem, uma porção cada vez maior desse conhecimento compartilhado e transmitido torna-se “tácito”,
aumentando, concomitantemente, o nível de entendimento ganho com as trocas. Enfim, os relacionamentos
podem ser estendidos incluindo outros parceiros, incrementando ainda mais a extensão e o valor da rede
(tradução nossa).
63

subordinativas constantes de uma ordem social competitiva restringida, à medida que, no

primeiro caso, este capital não se criaria e, no segundo, seria afeito justamente àquela

modalidade de relações problemática para uma cooperação competitiva.

Já o capital social “relacional”, estruturado em “laços fracos”, formulados

originariamente pressupondo um “quadro institucional receptivo”, parece-nos a modalidade

mais problemática conforme, na ausência dessas institucionalidades receptivas, sua

implementação é proposta a partir de processos de mudança cultural institucionalizante, sob

alegações racionais e utilitárias, podendo ser objeto de ideologização, no contexto reprodutivo

de um capitalismo periférico.

Matos (2004), contrariamente às alternativas funcionalistas anteriores, aborda o

conceito de capital social numa perspectiva dialética e diferente, donde o compromisso “com

a democracia e com a autonomia da organização local aponta para metodologias baseadas na

filosofia da práxis que considerem a reflexão crítica como a base fundamental da consciência

social, da explicitação das contradições e dos processos dissimulados de poder e dominação”.

Sua preocupação vem do esforço metodológico, racional e subjetivo extraído da

prática no serviço social comunitário onde procura “evitar desejar, pensar e decidir pela

comunidade”, situação imprevista e indesejada, onde lideranças desenvolvidas para superação

da “dependência de fora” acabam agindo como “dependência para dentro”.

Em face do problema concreto vê a necessidade de avaliar os métodos de organização

social que geram a dependência em lugar de construir autonomias e fomentar as iniciativas

locais, tomando como ponto de partida o “patrimônio organizacional das comunidades”.

Embora tal situação, à primeira vista, pareça não ter a ver com redes cooperativas de

pequenas empresas, diz respeito à formação e desenvolvimento do capital social por essas

redes e suas capacidades de organização interna e articulação com o ambiente em condições

mais ou menos similares a das comunidades, nas quais o “patrimônio organizacional” desses
64

coletivos ancora-se, historicamente, em relações verticais de subordinação e dependência, em

práticas assistencialistas e atitudes personalistas de tomada de decisão, tornadas objetivas

conforme a intensidade das necessidades requer resultados quase imediatos que garantam sua

continuidade, reforçando viciosamente o padrão diretivo e clientelista que se quer superar.

O conceito de capital social é reavaliado a partir “de uma releitura dos conceitos de

acumulação e de apropriação”, na qual um conceito mais amplo é definido por Bourdieu

(apud MATOS, 2004) como:

O capital social é o conjunto de recursos atuais ou potenciais que estão ligados à


posse de uma rede durável de relações mais ou menos institucionalizadas de
interconhecimento e de inter-reconhecimento ou, em outros termos, a vinculação a
um grupo, como um conjunto de agentes que, não somente são dotadas de
propriedades comuns (passíveis de serem percebidas pelo observador, pelos outros
ou por eles mesmos), mas também são unidos por ligações permanentes e úteis.
Essas relações são irredutíveis a relações objetivas de proximidade no espaço físico
(geográfico) ou no espaço econômico e social porque são fundadas em trocas
inseparavelmente materiais e simbólicas cuja instauração e perpetuação supõem o
reconhecimento dessa proximidade.

Para Matos (2004), nessa definição, Bourdieu reforça dois enfoques fundamentais à

orientação da perspectiva teórica da nossa pesquisa. O primeiro é a relação de identidade

grupal, como base da formação e da posse durável das relações sociais que formam a essência

do capital social. O segundo é o duplo caráter – material e simbólico – dessas relações,

compreendendo a complexidade e a irredutibilidade do capital social a registros meramente

objetivos e racionais.

Além disso, Bourdieu (apud MATOS, 2004) acrescenta três outras condições da

existência do capital social, fundamentais ao caráter dialético dessa complexidade:

- a primeira, estabelece os limites e a diferenciação do grupo com relação a outros

grupos e à sociedade, como a base essencial à caracterização do capital social, como

dispositivo de poder e de interesses contraditórios;

- a segunda, introduz na dinâmica do capital social o conceito de apropriação, como o

processo de “concentrar nas mãos de um agente singular a totalidade do capital social


65

que funda a existência do grupo”, estabelecendo a contradição dialética no interior do

grupo; e

- a terceira, reconhece a possibilidade e a necessidade de um trabalho de instauração e

manutenção das relações duráveis, como base de um processo dialético de

transformação social pela constituição de capital social, a partir de um esforço

sistemático e estratégico de investimento social direcionado ao desenvolvimento das

relações grupais.

Da prática concreta, o autor afirma a necessidade de um método não-diretivo e

apoiado na reflexão crítica dos mecanismos de poder utilizados na organização de coletivos,

como o papel dos líderes e a dependência que criam, dificultando a construção da autonomia

do sujeito social na formação e apropriação do capital social. Lideranças que se afirmam por

serem diferentes da comunidade, com maior domínio semântico e acesso diferenciado às

instituições (grifos nossos).

Da mesma prática percebe que entre as organizações da sociedade civil mais bem

estruturadas nacional ou regionalmente, há “um certo receio da instabilidade, revertido em

fortes investimentos na consolidação de lideranças e estruturas de coordenação

hierarquizadas, arraigadas à defesa de suas próprias bases políticas e ideológicas, quando não

a interesses pessoais e de grupos”.

Assim, “o peso da dependência, reforçado pelo individualismo e pelas dificuldades nas

relações com as lideranças” se constituem nos principais problemas de organização coletiva

dos grupos, repercutindo na construção da iniciativa própria e autonomia decisória dos

mesmos.

Com isso, os modelos de planejamento participativo projetados ou implementados

pelos agentes de apoio tornam-se pouco consistentes para o engajamento e compromisso dos
66

indivíduos para com as decisões coletivas, tanto pelas deficiências dos métodos, quanto pela

postura condutivista dos agentes externos que os aplicam.

A perspectiva do capital social, portanto, vê-se numa encruzilhada, sua construção

numa perspectiva útil e funcional inviabiliza-se conforme não engendre a lógica ou os

atributos cooperativos necessários e por outro lado, se a tendência à dependência local apenas

reflete uma outra mais geral que limita o espaço de relação dialética entre acumulação e

apropriação, o que também indispõe os agentes à cooperação.

Essa abordagem nos parece a mais adequada para analisar os processos de “criação”

de capital social através de agentes externos como o SEBRAE, no sentido de evidenciar a

convergência entre as intenções manifestadas no discurso “por uma cultura de cooperação” e

a preocupação metodológica na consecução das ações institucionalizadoras dessa cooperação

libertadora.

2.5.2 – Os distritos industriais (em Itália, tipicamente) em alerta.

A vertente teórica neo-marshalliana, estrutura-se a partir da noção de distrito industrial

(DI) marshalliano. Becattini (1987:7) logo na introdução de seu trabalho sobre o distrito

industrial trata de enquadrá-lo como uma “recente fenomenologia industriale” (grifo nosso) e

afirmar que:

Non si tratta [...] di una ‘forma organizzativa’ del processo produtttivo di certe
categorie di beni, ma di un ‘ambiente sociale’ in cui le relazioni fra gli uomini, dentro
e fuori dai luoghi della produzione, nel momento dell’accumulazione como in quello
della socializzazione, e le propensioni degli uomini, verso il lavoro, il risparmio, il
giuoco, il rischio, ecc., presentano un loro peculiare timbro e carattere 19 (grifos do
autor) (BECATTINI, 1987:8).

É definido pelo mesmo como uma unidade de análise:

19
Não se trata de uma ‘forma organizacional’do processo produtivo de certos tipos de bens, mas de um
‘ambiente social’ cujas relações entre os homens, dentro e fora do espaço produtivo, tanto no momento de
acumulação quanto no de socialização, e suas propensões em relação ao trabalho, poupança, jogo, risco, etc.,
apresentam uma marca e um caráter peculiares (tradução nossa).
67

Uma entidade sócio-territorial caracterizada pela presença ativa de uma comunidade


de pessoas e de uma população de empresas num determinado espaço geográfico e
histórico (BECATTINI, 1994:20).

Cuja pretensão analítica é se constituir como:

O ponto de encontro e de intercâmbio de processos tradicionalmente estudados em


análise econômica, como por exemplo, os mecanismos de mercado e da acumulação
capitalista, de processos que têm sido objeto de estudos sociológicos, tais como a
socialização ou o desenvolvimento e a desintegração das instituições sociais, ou ainda
de processos que estão a cavalo nas duas disciplinas, tais como a divisão social do
trabalho e a organização do sistema produtivo (BECATTINI, 1994:31).

Ou seja, um fenômeno histórico e localizado, portador de uma subjetividade peculiar

expressa no comportamento dos agentes e que lhes permite auferir uma eficiência na

organização da produção, que os torna competitivos no marco da produção capitalista atual.

Por certo as estruturas sociais e econômicas condicionam as propensões e relações

entre os indivíduos, razão pela qual Becattini (1987:43) aponta a dificuldade dos modelos

analíticos estruturais em lidar com processos de expansão capitalista, como o ocorrido na

Terza Italia, razão de sua crença em uma linha interpretativa aproximada da de Schumpeter,

onde:

Le decisioni fuori schema, come le imprese che non ci dovrebbero essere, sono
parte essenziale di una realtà in movimento ed ogni schema teorico che le ignore
svolge un ruolo riduttivo e frustrante nei riguardi della ricerca applicata20
(BECATTINI, 1987:43).

Aqui já se pode perceber a convergência entre as duas abordagens, tanto em relação ao

aspecto institucional, menos evidente na abordagem schumpeteriana, se comparada à neo-

marshalliana, quanto à natureza fenomenológica e subjetiva, mais explícita na abordagem

inovacionista do que nas relações e propensões individuais constituintes do distrito industrial.

Segundo Garofoli (1994) as características mais importantes dos distritos industriais

são:

- Forte especialização produtiva ao nível local;

20
As decisões fora do esquema, assim como empresas que não deveriam existir, são parte essencial de uma
realidade em movimento e qualquer esquema teórico que as ignore reduz e frustra as possibilidades da pesquisa
aplicada (tradução nossa).
68

- cobertura de parte substancial da produção nacional do segmento ou do produto

específico pela produção do distrito;

- acentuada divisão do trabalho entre as empresas, o que dá lugar a uma densa rede de

interdependências produtivas;

- a existência de uma multiplicidade de empresas e não uma empresa líder dominante, o

que evita a concentração de poder contratual;

- um impulso na direção da especialização produtiva que aumenta a autonomia das

empresas, ao contrário do suposto pela monocultura posto que se baseia na introdução

de tecnologias de ponta e desenvolvimento de competências;

- formação progressiva de um sistema de informação local no sentido de transformar os

conhecimentos dos agentes em patrimônio local comum;

- profissionalismo difuso dos trabalhadores locais;

- difusão dos contatos pessoais diretos entre os agentes locais, permitindo a transmissão

em cascata dos melhoramentos técnicos e organizacionais e;

- ampla articulação social, acompanhada de processos contínuos de mobilidade social –

taxas elevadas de rotação do emprego para trabalhadores e de renovação das empresas.

A flexibilidade produtiva, baseada na pequena dimensão das unidades produtivas do

sistema não decorre apenas no processo produtivo propriamente, mas em relação a qualquer

fator empregado na produção e também de particularidades da formação social local.

A elevada produtividade das empresas do distrito não decorre de práticas ilícitas como

trabalho clandestino ou sonegação fiscal. A alta taxa de rotação dos trabalhadores não implica

em desemprego nem qualquer tipo de sanção social decorrente da falência, simplesmente a

renovação e reciclagem constantes do espírito empreendedor e da capacidade organizativa dos

operadores.
69

Outros aspectos que nos chamam particularmente a atenção são o grau crescente de

exigência de intervenção pública por parte das forcas sociais locais, o que corresponde a uma

ação pública orientada de baixo para cima, tanto em relação à demanda por serviços sociais

quanto à provisão de serviços “reais” (LIGABUE, [199-?]) para a atuação estratégica do

distrito.

O modelo não é isento de críticas ou “pontos fracos”. O próprio Garofoli (1994:46)

constata que, a despeito do virtuosismo da flexibilidade, a existência de trabalho a domicílio

do tipo mais tradicional e menos protegido, principalmente para tarefas menos qualificadas.

Um dos pontos fracos está relacionado ao modelo no longo prazo. A orientação pelo

mercado, conforme Marshall e Steindl alertavam, a fraca capacidade de terciarização e a

dificuldade de delinear uma estratégia sistêmica são aspectos destacados pelo autor que

possibilitam pensar as dificuldades desse tipo de organização produtiva.

Bagnasco (1999:34), um dos primeiros a apontar o “renascer da pequena indústria”,

também se mostra preocupado com a perspectiva de manutenção do quadro favorável e com a

consolidação dessa forma econômica no longo prazo.

O fato dos distritos já existirem quando formulados por Marshall e das condições

sociais específicas – formadoras do capital social – também já se encontrarem desenvolvidas

na Itália anteriormente ao pós-guerra são as questões clássicas em relação à eficácia do

distrito industrial marshalliano, sua sobrevivência no longo prazo e a possibilidade de

políticas poderem induzir sua criação em outros contextos.

O modelo “canônico” dos distritos italianos, entretanto, está longe de representar uma

modalidade genérica de organização produtiva que possa ser relativamente reproduzida em

outros contextos, conforme vem sendo prescrito como alternativa apropriada para o

desenvolvimento de países periféricos (BERRY, 2000; CEGLIE et al, 1999; COCCO et al,

1999; SENGENBERGER et al, 1990).


70

Sua própria reprodução e sustentabilidade no território vêm sendo questionadas. O

excesso de individualismo é apontado por um líder empresarial/distrital de Montebelluna, um

dos distritos industriais típicos, como o nó górdio da problemática da capacidade de

desenvolver sinergias produtivas em face das exigências atuais impostas aos distritos, o que

coloca em tela um fundamento essencial do modelo (VERGNANO, 2003).

Daí nosso interesse em evidenciar a série de especificações e críticas que vêm sendo

feitas por diversas vertentes teóricas, suscitando dúvidas em relação à própria capacidade do

“modelo” estabilizar-se enquanto tal.

Gorayeb (2002) faz uma resenha pormenorizada sobre a situação atual dos DIs

italianos que enfrentam problemas dos mais variados em relação à manutenção de sua

competitividade. Dentre os vários aspectos que configuram esse cenário cambiante em relação

aos distritos cita: a precarização do trabalho e seus efeitos sobre o tecido socioeconômico; a

reintegração de etapas da cadeia produtiva antes subcontratadas e o crescimento de empresas

em relação a outras – o que revela uma hierarquização crescente, mudança nas relações de

subcontratação ficando mais rígidas e formais, crescimento da dependência em relações a

empresas externas ou aos distritos que passam a controlar alguma etapa crítica das cadeias –

geralmente distribuição e comercialização; até a transferência de unidades produtivas para

locais com mão de obra mais barata.

Em face das mudanças dos processos de globalização dos mercados e do espaço

mundial de produção, Caccia (1999:240) conjetura sobre a transformação dos recursos que

possibilitaram inicialmente a estruturação do modelo de DI italiano virem a converter-se em

“fatores endêmicos de crise”, à medida que estas aglomerações produtivas são “obrigadas” a

integrar-se a um espaço capitalista cuja lógica se constitui num óbice à estabilidade social dos

distritos, condição para o dinamismo sócio-produtivo dos mesmos. Não por outras razões que

Gorayeb (2002:170) aponta para a ausência dos requisitos necessários à criação e apoio de
71

aglomerações de PE – “localidades marcadas pela presença de uma ‘comunidade cívica’

[onde] não se verificaram a presença de políticas industriais ativas, coesão social e de um

ambiente macroeconômico favorável aos empreendimentos produtivos”.

As tentativas de constituição de aglomerações de PE virtuosas e de um capital social

foram inviabilizadas por elementos exógenos a órbita de ação dos agentes, diz a autora. A isto

acrescentamos que tais elementos são estruturalmente limitados, ou seja, um macroambiente

favorável, recursos para financiamento, são coisas que não podem ser atribuídas à

subjetividade dos agentes, a menos quando tais agentes têm seus interesses atrelados a

manutenção desse quadro de dependência.

Como já foi visto, embora a especificidade do modelo italiano de distritos industriais

seja sempre destacada, a perspectiva de replicação dos mesmos é quase sempre postulada,

mesmo com reservas.

No entanto, existem trabalhos que discutem a existência de tal semelhança

fenomênica, enquanto outros refutam seu caráter espontâneo trazendo a discussão para o

terreno das escolhas estratégicas, o que confere primazia às iniciativas empreendedoras.

Rabellotti (1995) chega a questionar a propriedade de se falar sobre um modelo de

distrito industrial, o que adiciona outros aspectos à discussão quanto à replicabilidade dos

distritos, sua especificidade e, mais importante, sua capacidade de reagir à mudanças externas.

Ela também afirma, ao final do texto, que mudanças radicais externas podem gerar novas

formas organizacionais mudando a trajetória evolucionária do distrito e afastando-a daquela

forma canônica e original. Essa capacidade competitiva é particularmente importante em

ambientes fragilizados e mais expostos à competição, como o de países em desenvolvimento.


72

In a dynamic competitive environment the assessment of the capacity of the districts


to structurally evolve in reaction to radical change is a crucial issue particularly if
industrial districts are to be recommended as one of the possible approaches to
industrial organization in developing countries 21 (RABELOTTI, 1995:39)

Isso reforça a idéia de que a capacidade competitiva dos distritos vai depender das

condições estruturais previamente existentes, coisa que a análise centrada no comportamento

estratégico dos atores não alcança, uma vez que suas ações respondem ou buscam modificar

as condições ambientais num dado momento. No entanto, se tratamos o distrito como um

sujeito, este está submetido a determinados limites estruturais impostos pela própria dinâmica

de acumulação capitalista.

Em suma, a dinâmica organizacional dos distritos cada vez mais nos parece decorrer

de um evento que combina de forma especifica um contexto social historicamente gerado a

um momento transitório da organização da produção capitalista.

Por sua vez, as evidências empíricas levantadas em relação ao comportamento do

modelo em diferentes tempos e locais vão orientando o interesse analítico a mudar o foco

sobre o fenômeno, abandonando o modelo original, posto que as exigências da competição

capitalista vão mudando, e aquilo que parecia ser o fulcro do processo revela-se cada dia mais

apenas uma circunstância histórica.

As transformações, no entanto, não são aleatórias ou meramente contextuais, mas

atendem aos requisitos mais fundamentais do processo de acumulação, que condiciona os

agentes portadores de capitais específicos

Rabellotti (2001) mostra os efeitos da globalização sobre o modelo canônico de

distrito industrial verificando que as pequenas empresas estão reduzindo o escopo de

atividades à produção, aderindo à cadeias produtivas globais que dispõem de marcas

conhecidas, com isso apostando no custo prazo às custas de maior dependência futura. Boaro

21
Em um ambiente competitivo dinâmico a valorização da capacidade dos distritos evoluírem estruturalmente
em resposta a mudanças radicais é uma questão crucial particularmente se o modelo de distritos industriais é
indicado como uma das possíveis abordagens para a organização industrial de países em desenvolvimento
(tradução nossa).
73

(2001) mostra que as PE estão se desenvolvendo em torno de poucas empresas líderes e

focalizadas cujos dinamismos é que têm sido responsáveis para o estabelecimento de relações

dentro e fora do local, para a difusão de tecnologia e de conhecimentos, a despeito do papel

que é atribuído às instituições e políticas locais.

Ou seja, se nos afastamos um pouco das questões mais localizadas à manutenção da

competitividade dos sistemas de empresas, no sentido das ações estratégicas que estes podem

ou devem tomar, ou seja, do nível de análise sistêmica e individualista podemos perceber que

tais movimentos visam a atender aos desígnios da acumulação capitalista. Como bem

apontam Amin e Robins (1994:99): “Como sempre, em condições de acumulação capitalista,

o desenvolvimento econômico engendra o desenvolvimento desigual e a desigualdade

espacial”.

Isso significa que mesmo que queiramos analisar as ações dos agentes estas precisam

ser consideradas dentro dos limites estruturais em que elas podem ser exercidas, não é por

outra razão que os fenômenos dos distritos e dos sistemas produtivos de pequenas empresas se

distinguem territorialmente e no tempo histórico.

Quando Rabellotti (1995) descreve a natureza da cooperação e dos laços sociais que

marcam as relações interempresariais para frente e para trás no México, é possível perceber

certos aspectos comuns aos espaços econômicos dependentes, bem como as dificuldades que

a tradução dessas especificidades trazem para a análise comparada. A dinâmica de

acumulação perpetrada nesses países não permite que o foco no preço, como elemento

determinante das relações entre fornecedores e produtores, seja visto apenas como decorrente

de uma cultura não cooperativa, por exemplo.

Paniccia (1998), traz importantes insights sobre as possibilidades de redes de MPE,

mostrando como a literatura sobre distritos industriais não percebe a existência de distinções

bem mais sofisticadas em razão de diversas características e dimensões organizacionais


74

existentes entre os distritos. Nos vinte e quatro sistemas produtivos baseados em MPE na

Itália, denominados “canonicamente” de distritos industriais, percebe-se a existência de

diferentes modelos de organização do trabalho combinados com diferentes conjuntos de

fatores socioeconômicos e diferentes regras de governo e das relações interfirmas. A presença

de elementos que configuram o modelo “canônico” de distrito industrial como confiança,

cooperação, relações de amizade, diferentes modelos de divisão de trabalho,

compartilhamento de valores, competências artesanais, etc., não se verifica ao longo do

período compreendido pela pesquisa, nem tampouco sua difusão pode ser dita generalizada.

Amin e Robins (1994) realizam uma crítica contundente às propostas de

desenvolvimento local/regional baseadas em distritos industriais partindo das formulações de

autores como Piore e Sabel e Scott e Storper, que postulam um caráter paradigmático à noção

de acumulação flexível, sem considerar uma teoria do movimento do capital, tomando como

manifestação de um novo modelo de desenvolvimento pós-fordista, aquilo que não passa de

um reflexo mais totalizado do processo de integração em nível global do capital em busca de

uma estrutura de gestão cada vez mais eficaz e produtiva.

Os “complexos de produção flexível”, expressão cunhada por Scott e Storper (apud

AMIN e ROBINS, 1994) para designar a presença da produção flexível tanto em setores de

alta tecnologia como os encontrados em Silicon Valley, como também em indústrias nas quais

competências técnico-profissionais tradicionais foram redinamizadas, como os setores

representados na Terza Italia, vão progressivamente sendo designados como distritos

industriais, abarcando uma variedade de formas de crescimento regional distintas daquela

originalmente atribuída ao distrito industrial marshalliano (embora os próprios distritos

guardem diferenças entre si), permitindo, ao final, que sejam pensados como um modelo

paradigmático de um estágio que substitui o fordismo, enquanto para os autores se constitui

como reação específica e localizada ao processo de integração global do capital produtivo


75

articulado com o capital financeiro, com o que a afirmativa de Martinelli e Schoenberger

(apud AMIN e ROBINS, 1994: 98) a respeito de que “a crescente fragmentação do sistema

produtivo não deve ser confundida com a do capital e da autoridade”, é explicativa do

processo de reintegração em curso.

A esse processo, que os autores chamam de “nova ortodoxia” embutida nas

formulações referentes à noção de “especialização flexível como novo paradigma social”,

resulta “uma nova mitologia” na qual o distrito industrial – associado indevidamente a

qualquer aglomeração produtiva – pode ser difundindo como um modelo em qualquer local e

do princípio da cooperação presidir as relações de troca em nível intra e interlocal.

Essa “nova mitologia”, num contexto de crise e reestruturação, busca “promover uma

nova visão de progresso social e econômico”, “uma espécie de utopia antifordista” e uma

“futurologia radical”, conquanto as noções de especialização flexível e de um novo localismo

têm aspectos “aliciantes” que deixam “entrever a transformação radical de uma sociedade de

massa em comunidades flexíveis”, sob a égide de “um determinismo tecnológico e

institucional subjacente”, tornando “essa transformação [como] não só desejável, mas também

necessária e inevitável” (AMIN e ROBINS, 1994:79).

A argumentação crítica desenvolvida por Amin e Robins (1994) possibilita que se

cogite sobre o caráter ideológico presente nessas formulações conforme permita visualizar

uma concepção funcionalista da PE como alternativa para a redução de desigualdades sociais

e como forma de construção de um modelo de desenvolvimento autônomo. O texto aponta o

caráter “messiânico” contido na idéia de flexibilidade e cooperatividade características dos

distritos e, com isso, critica a potencialidade que aglomerações produtivas, onde os distritos

italianos figuram como modelos mais puros, possam ter na reconfiguração da organização

produtiva capitalista.
76

Não se trata de desconhecer a singularidade do fenômeno evidenciado pela Terza

Italia, mas de questionar a unção de qualquer aglomeração de pequenas empresas à condição

de forma distinta resultante da evolução do capitalismo e do modelo territorial, descartando, a

priori, a hipótese de que os distritos industriais pudessem ser um fenômeno temporário e

transitório destinado a se integrar em novas estruturas concentradas e centralizadas, ignorando

um conjunto de eventos e situações que apontam para uma situação de instabilidade e

diferenciação do modelo original, como o desenvolvimento de fontes “não virtuosas” de

produtividade, o abrandamento da adoção de inovações, a emergência de uma “elite” de

empresas maiores ou a crescente concentração de propriedade propiciando uma integração

vertical de tarefas e funções. Sem falar nos inúmeros exemplos de “zonas de especialização

recente” que não passam de concentrações de pequenas empresas familiares, em meios rurais,

pouco qualificadas e sem acesso à tecnologia ou serviços especializados, que produzem os

mesmos bens para empresas subcontratantes, “concorrendo ferozmente entre si”.

As empresas são tendencialmente isoladas, fortemente dependentes de um pequeno


de compradores e dificilmente capazes de melhorar sua posição no mercado. A
flexibilidade é aqui simplesmente sinônimo de capacidade de sobreviver, na base de
uma produção artesanal, de responder a novas exigências e de reagir a novos sinais
do mercado. Identifica-se igualmente com a auto-exploração e com a utilização do
trabalho familiar, e também com o recurso à mão de obra barata das mulheres e dos
jovens, sobretudo para as tarefas pouco qualificadas. Trata-se de condições que são
igualmente típicas de grande número de empresas muito pequenas e dos artesãos dos
setores industriais tradicionais dos países em vias de desenvolvimento (AMIN e
ROBINS, 1994:89).

As considerações feitas antes sobre a possibilidade de manipulação ideológica das

elaborações relacionadas aos distritos industriais - perspectiva não trabalhada por Amin e

Robins – podem ser vislumbradas, no entanto, conforme a crítica destes aponta a existência de

“uma mistura insatisfatória de determinismo e voluntarismo” nas concepções de Piore e Sabel

sobre um processo de transformação estrutural e política – que é o que representa no final das

contas o pós-fordismo prenunciado – a partir de considerações estratégicas e táticas dos atores

sociais e do psicologismo impresso em variáveis como a confiança, a solidariedade e a

lealdade em relação à comunidade e a identidade local. Essa mistura se mostrará tanto mais
77

adequada à manipulação ideológica quanto menos apropriadas à consecução desses atributos

flexíveis e cooperativos forem as condições histórico-institucionais encontradas.

Na Itália o fenômeno tem outra natureza e origem, igualmente específica e, portanto,

de singular compreensão e reduzida possibilidade de replicação em outros ambientes

institucionais. É antes de tudo um processo endógeno de onde decorrem várias de suas

características positivas e autosustentadas, que vai emergir no pós-guerra especialmente em

regiões que já dispunham de uma “industria leggera” e de uma forte tradição artesanal em

setores manufatureiros clássicos, para atender a uma demanda interna reprimida que não se

enquadrava na dinâmica de desenvolvimento da indústria pesada italiana, setorialmente

concentrada e localizada no noroeste italiano (Lombardia e Piemonte).

A questão atual consiste, centralmente, no esgotamento do padrão de crescimento

devido à demanda interna e a necessária internacionalização do processo, com a exposição do

modelo e de suas fragilidades dinâmicas e estruturais à dinâmica competitiva impressa nos

processos de globalização produtiva. A questão consiste na dificuldade relativa de

manutenção de determinadas características estruturais do modelo em face das exigências

dinâmicas impostas para integração à competitividade sistêmica global, requerendo para tal

um novo modo de coordenação (BIGGIERO, 1998; BAGNASCO, 1999) que se contrapõe ao

modelo de coordenação social e política local que consagrou o modelo em termos de

eficiência social.

Tendências de hierarquização e de concentração de poder decisório e de resultados

começam a descaracterizá–lo naquilo que é o cerne de sua competitividade virtuosa. A partir

daí, a lógica econômico-social estruturante do modelo mudando, fica em aberto os

prognósticos quanto ao futuro do modelo, baldados os esforços conceituais em torno da idéia

de capital social.
78

Um último aspecto problemático que levantamos reside na necessidade de

transformação permanente das inter-relações internas e externas à área do DI. “A mudança e a

inovação constituem, portanto, condições imprescindíveis para a sobrevivência do sistema

local” (grifo nosso) (GAROFOLI, 1999:41).

Essa imprescindibilidade, no caso da PE adquire um significado particular quando

analisado a partir da dinâmica da acumulação capitalista. A exigência competitiva de um

ritmo mais acelerado de incorporação de inovações ou de resposta às transformações no

ambiente competitivo de produção se configura como a possibilidade de escapar, num

primeiro momento, à integração subordinada pelo capital hegemônico, retendo capacidade de

apropriação do excedente produzido. No entanto, a necessidade de intensificar ou tornar

permanente a geração de assimetrias competitivas imposta à PE não encontra disposição

institucional equiparável que garanta o aproveitamento econômico dessas vantagens.

Em existindo condições favoráveis para a apropriação dessas vantagens competitivas,

o que pode acontecer em ambientes institucionais mais eqüitativos, duas questões ainda

seriam suscitáveis. A manutenção dessa “imprescindibilidade” no tempo e sua distribuição

eqüitativa no espaço, uma vez que a diminuição da velocidade de geração de inovações tanto

quanto sua geração localizada preferencialmente em partes da área, engendraria uma

tendência ao surgimento de hierarquias ou diferenciações no interior das aglomerações

produtivas, considerando que a distribuição de poder entre as empresas constituintes não seja

eqüitativa.

A necessidade acelerada de transformações em contrapartida às dificuldades

institucionalizadas para apropriar-se dos resultados possíveis decorrentes desse dinamismo

competitivo, gera uma dependência que, em países dependentes, são ainda mais extensas e

submetidas a esferas de dependência mais gerais.


79

Essa, digamos assim, “dependência da mudança”, é um dos pontos de contatos com a

abordagem neoschumpeteriana.Além disso, nos permitiria analisar esse fenômeno nas suas

diferentes manifestações em tempos e locais diferentes em termos da capacidade que cada um

desenvolve em termos de garantir um grau de apropriabilidade dos resultados gerados em

termos mais duradouros ou intenso conforme a natureza das relações entre capitais e a

eficiência da transformação inovadora produzida.

O futuro dos distritos industriais italianos na perspectiva evolucionária e

neoinstitucionalista vai depender do fortalecimento e expansão de sua área de influência,

conforme diz Biggiero (1998):

To the extent that capitalism evolves into post-fordism (network-like forms of


industrial organization), the survival of Italian IDs depends on their ability to
strengthen their knowledge-based and trust-based nature and open their local and
productive boundaries within a new perspective of local-global interplay22 .

2.5.3 – A dinâmica do desenvolvimento tecnológico e a pequena empresa

Na vertente neoschumpeteriana, a empresa é a unidade de análise dos processos

econômicos. Percebida como um lócus de processamento e produção de conhecimento,

demanda tempo para aquisição de eficiência estratégica e vantagens competitivas e depende

de interações sociais – sua cultura empresarial – para capacitar-se gerencialmente e, como

conseqüência, ser estrategicamente eficiente.

Segundo Best e Lazonick (apud BURLAMAQUI e FAGUNDES, 1996), inovação e

capacitação organizacional são as principais armas da empresa schumpeteriana e eficiência

estratégica sua preocupação primordial. Esta perspectiva tem a vantagem de conciliar a

instância tecnológica com a organizacional, bem como de introduzir elementos ambientais e

22
Na medida que o capitalismo evolui para uma forma pós-fordista (uma forma de organização industrial
baseada em redes), a sobrevivência dos DI’s italianos vai depender de sua capacidade em fortalecer sua natureza
baseada em conhecimento e em confiança e de abrir suas fronteiras local e produtiva a partir da nova perspectiva
colocada pelas relações local-global (tradução nossa).
80

institucionais à análise, integrando-a num nível mais elevado que a formulação original de

Schumpeter.

A idéia de uma “teoria da organização inovativa” se constitui em torno de três

elementos fundamentais:

- a existência de múltiplas incertezas (de investir, inovar, financeira, produtiva,

tecnológica, competitiva e macroeconômica) relacionadas ao processo de

concorrência;

- a incorporação do chão de fábrica (integração do trabalho direto) ao espaço e dinâmica

competitivos (processo inovativo) e;

- a extensão da coordenação administrativa intrafirma à relação entre empresas (via

networking) com vistas ao desenvolvimento de flexibilidade dinâmica

(BURLAMAQUI e FAGUNDES, 1996:134).

Para Possas (1996) o tema da competitividade é central às análises sobre desempenho

empresarial. No entanto, na nova etapa de desenvolvimento do capitalismo a questão se

desloca da empresa para os chamados “fatores sistêmicos”, ou seja, para as condições do

ambiente competitivo, do sistema econômico e institucional e das infra-estruturas onde as

empresas operam.

Na abordagem neoschumpeteriana, a inovatividade se constitui no objeto de promoção

da concorrência e a competitividade consiste na capacidade dos agentes (empresas) gerar e

sustentar, estrategicamente, processos e ações (que se dão nos mercados) de diferenciação em

relação aos concorrentes. A promoção da competitividade na dimensão sistêmica deve

considerar a conformação de um ambiente competitivo – conjunto de regras, instituições e

“cultura empresarial” – que mantenha os mercados em geral sob constante pressão

competitiva (POSSAS, 1996:83) (grifos e aspas do autor).


81

O mercado, em geral, é o lócus onde se estabelecem relações entre concorrência e

ambiente econômico, enquanto na empresa capitalista se estabelecem as relações entre

concorrência e estratégia. A concorrência, por sua vez, é o processo pelo qual se busca obter o

lucro – móvel da atividade econômica- “virtualmente condenado à diluição na ausência de

inovações”.

Além disso, sob o ângulo da ação e comportamento dos agentes, a adoção das noções

de incerteza no ambiente e de complexidade no processo decisório, em contraposição à

perspectiva racionalista e maximizadora típica da microeconomia, vai permitir ao enfoque

neoschumpeteriano baseado na inovatividade, a percepção da atividade econômica

empresarial como algo essencialmente diversificado.

A heterogeneidade e as assimetrias encontradas na realidade das indústrias [...]


passam a ser encaradas como um resultado em princípio inteiramente normal [...] da
própria operação da concorrência, que é basicamente criadora, embora
secundariamente também niveladora, dessas assimetrias. A geração, difusão e
reprodução, endógenas às indústrias, de assimetrias produtivas (custos, qualidade,
lucratividade), variedade tecnológica (produtos e tecnologia, não necessariamente
comparáveis) e diversidade comportamental (estratégia) entre as empresas
constituem [...] elementos fundamentais para a análise da conformação e
transformação endógenas das estruturas de mercado. Tais estruturas não são
‘dadas’, na realidade como na teoria, mas modificadas constantemente por forças
competitivas, em geral endógenas, decorrentes de estratégias empresariais voltadas
à concorrência e à inovação; embora estas últimas sejam condicionadas pelas
estruturas previamente existentes. Em síntese, a configuração e evolução das
indústrias e mercados devem ser entendidas à luz da interação entre as estruturas
industrial e de mercado e as estratégias empresariais (POSSAS, 1996:88).

Esse trecho nos dá uma compreensão do posicionamento do pensamento

neoschumpeteriano, de sua refutação aos pressupostos individualistas do neoclassicismo –

sem deixar de basear-se na ação subjetiva do sujeito inovador e do condicionamento operado

pelo ambiente e pelas instituições sobre a dinâmica do sistema capitalista.

A forma restritiva como as idéias de diversidade da ação e regularidades estruturais e

institucionais se insinuam – denominado pelo autor de “fatores redutores de incerteza e

atenuadores de dispersão” – parece ficar confinada, no entanto, ao próprio campo tecnológico,

através dos conceitos mais específicos como paradigmas e trajetórias tecnológicas e seus

aspectos correlacionados – oportunidades, cumulatividade, apropriabilidade, entre outros.


82

Além disso, a ênfase na ação estratégica dos agentes faz parecer que os “fatores de redução de

incertezas e atenuadores de dispersão” são estruturas estruturadas pela ação dos agentes, isto

é, que toda iniciativa de mudança é orientada pelos sujeitos individuais ou, o seu contrário,

que a inércia decorre da incapacidade individual.

Acreditamos que tal questão não é apenas de ordem metodológica, mas gnosiológica e,

por isso, em determinadas circunstâncias, pode ser objeto de manipulação ideológica

conforme sirva para o estabelecimento ou sustentação de relações de dominação.

No caso da PE, a idéia de “diversidade comportamental” pode fazer com que

comportamentos resistivos ou passivos do agente pequeno sejam interpretados como decisões

estratégicas inadequadas, justificando a prescrição de ações corretivas de natureza

comportamental como solução “estratégica” do problema, restringindo a possibilidade de se

questionar as estruturas estruturantes que não são “dadas”.

É dentro desse quadro de regularidades tecnológicas que as noções de paradigma

tecnológico e trajetória tecnológica se localizam. A primeira relacionada ao modo não-linear e

cíclico com que evolui o processo de conhecimento tecnológico específico enfatizando a

difusão e reprodução de referências, procedimentos e enfoques comuns, que orientam o

processo. A segunda, como uma seqüência temporal de deslocamentos progressivos de trade-

offs entre variáveis tecno-econômicas específicas a uma dada tecnologia, indicativos do

progresso tecnológico e oriundos do esforço inovativo das empresas e outras instituições. Um

paradigma pode conter várias trajetórias, bem como é possível a coexistência de diferentes

paradigmas, principalmente nas fases de transição.

A difusão de um paradigma, como o atual baseado na microeletrônica e na tecnologia

de informação não implica em homogeneidade absoluta das soluções tecnológicas e

organizacionais e das estratégias adotadas pelas empresas de uma indústria. Embora as

situações absolutas sejam praticamente irrealizáveis, a perspectiva do paradigma aponta para


83

esse sentido. No mesmo passo, existem graus de liberdade que tanto decorrem de resistências

quanto de estratégias de diferenciação ou inovação. A persistência de condições tecnológicas

e produtivas heterogêneas decorre de uma série de fatores onde a idéia de ambiente

competitivo, faz com que opere uma seletividade de mercado

O texto de Burlamaqui e Fagundes (1996) também se desenvolve em torno da relação

polar entre diversidade e regularidade – de um lado as possibilidades diversas da ação

subjetiva do agente criativo, do outro os constrangimentos estruturais como regularidades que

conformam essa ação.

A abertura contida na noção de concorrência schumpeteriana, baseada na idéia de

destruição criadora, ativa e desequilibradora permite se pensar a firma como capaz de

transformar o meio ambiente (consoante diferentes capacitações, competências e objetivos

dos agentes) em busca da criação de assimetrias interfirmas.

Assimetrias tecnológicas, variedade tecnológica e diversidade comportamental são os

três elementos através dos quais se manifesta a diversidade do processo competitivo (DOSI

apud BURLAMAQUI e FAGUNDES, 1996:141). Essas assimetrias também se caracterizam

em razão da oportunidade, cumulatividade e apropriabilidade com que inovações possam

resultar explorar as dimensões econômicas da tecnologia.

O processo competitivo também gera regularidades, que são a contrapartida conceitual

das assimetrias (BURLAMAQUI e FAGUNDES, 1996:143). Os conceitos de paradigma e

trajetórias tecnológicas se constituem em elementos estruturantes, seja através de

irreversibilidades que condicionam um modo de pensar subjetivo e resultam objetivamente

numa especificidade de ativos e num tipo de conhecimento acumulado, seja pela rigidez

comportamental e resistência a mudanças característico de estruturas institucionalizadas.

Sobre isso eles dizem:

Há uma imensa gama de situações onde o peso do passado é tão gra nde, que a
mudança simplesmente não é possível, exceto em ambientes onde há um
84

compromisso permanente com uma filosofia corporativa de aprender a aprender


(BURLAMAQUI e FAGUNDES, 1996:144) (grifos dos autores).

Dois outros mecanismos introdutores de regularidades são utilizados pela pequena

empresa – o aprendizado via interação e a emulação organizacional.

Resulta dessa interpretação que “as instituições podem promover a coordenação

econômica e uma relativa ordem comportamental, na medida em que são responsáveis pela

criação de ‘visões de mundo’ e consensos sobre o funcionamento – presente e futuro – do

sistema econômico e de mercados específicos”.

A função das instituições é potencializada em virtude da existência de “gaps de

informação e competência” que, uma vez reconhecidos faz com que os agentes econômicos

busquem nelas [instituições] “padrões comportamentais e ações estratégicas que traduzam

linhas de menor risco face ao futuro incerto” (BURLAMAQUI e FAGUNDES, 1996:141).

Tal padrão comportamental converge com a afirmativa de Douglas (1998) de que “as

instituições [o pensamento institucional] tomam decisões de vida e morte”.

O aspecto mais problemático dessa abordagem, conforme viemos desenvolvendo a

nossa, aparece aqui. A idéia de que uma “filosofia corporativa” seja um mecanismo

institucional capaz de modificar os condicionamentos estruturais, como os limites decorrentes

do padrão de acumulação e de competitividade sistêmica colocados para a configuração de

uma PE competitiva, a agência de promoção da PE competitiva, que encarna perfeitamente o

papel institucionalizador dessa PE, realizando-o com potencialidade crescente e, se é verdade

que o pensamento institucional tomas decisões de vida e morte, chegamos a uma

encruzilhada: ou a agência vem tomando decisões equivocadas, o que é demonstrado

inalterabilidade do quadro geral da PE, e significa que a perspectiva analítica não dá conta das

questões estruturais da competitividade da PE, ou a agência desenvolve não uma “visão de

mundo”, mas uma ideologia a respeito da PE competitiva, funcional, sim, ao padrão desigual

de reprodução sistêmica do capitalismo dependente.


85

Nas abordagens clássicas da competição as empresas cumprem determinações

impostas pelo meio ambiente (no caso pautadas por critérios de maximização fundado numa

racionalidade substantiva), situação recusada pelo pensamento neoschumpeteriano e que se

contrapõe à idéia de diversidade. No entanto, a extensão com que essa recusa ao

determinismo do enfoque estático da economia neoclássica se dá, pode limitar a capacidade

de perceber as restrições estruturais impostas à ação empresarial, especialmente a pequena

empresa.

Os autores se apóiam no neoinstitucionalismo sociológico e nos trabalhos de Douglass

North, a meio caminho entre as abordagens histórica e sociológica, para compreender a

“emergência, características e o impacto” da dimensão institucional sobre a questão da

diversidade e das regularidades no comportamento dos agentes econômicos. A presença da

incerteza e a complexidade do meio ambiente impulsionam a emergência de instituições.

Como em Possas (1996) as instituições são funcionais às necessidades do agente

(redução de incerteza), a mudança institucional é vista como derivada dessa necessidade e

passível de ser executada estrategicamente de forma tal a conformar um arcabouço

institucional coerente, congruente e consistente. Assim a sociedade é vista como um sistema

interinstitucional.

Entende-se o papel das instituições modelando visões, expectativas, condicionando

ações, criando mecanismo e fixando regras de conduta, entretanto “conflitos de racionalidade

interinstitucionais” podem ocorrer à medida que ações que visam institucionalizar apoios aos

agentes não sejam consistentes com o ambiente institucional onde elas deveriam convergir

(1996:158). Nesse caso, o que se questiona é quem é de fato o agente ou qual a racionalidade

para o qual a “mudança institucional” é projetada – a PE ou o capital?

Para Possas (1996:94) o novo paradigma tem como uma de suas características mais

importantes, principalmente no que diz respeito à PE, a redução da importância relativa das
86

economias de escala internas em face da busca pelo aproveitamento das core competencies,

processo que se dá sob a perspectiva da cooperação entre empresas, que surge, portanto,

como uma forma institucional localizada e datada de interação entre empresas, de caráter não

permanente e voltado à maior competitividade. A cooperação não extingue nem é o contrário

da concorrência. (grifos do autor)

‘Concorrência’não é uma conduta individual ou uma atitude, que pode ser


eventualmente anulada ou invertida legal ou culturalmente, mas um processo
objetivo que tem sua força motriz (a inovação), sua meta (o lucro individual) e seu
meio institucional (o mercado, as leis o Estado) objetivamente definidos, embora
sob formas institucionais historicamente variáveis, e que acaba por se impor mais ou
menos generalizadamente, aí sim, à subjetividade, às condições particulares e às
atitudes dos agentes individuais. (grifos do autor) (POSSAS, 1996:94).

O autor também percebe as dificuldades inerentes às transformações derivadas do

progresso técnico, especialmente em países recém-industrializados, onde processos de

reestruturação industrial se dão sob condições, em geral, de “muito maior fragilidade”,

requerendo, portanto, mais articulação na formulação e execução de políticas e estratégias,

públicas e empresariais. Sobre a natureza dessa interação/articulação, ele diz:

A rejeição desse determinismo estrutural [imposto nos modelos tradicionais da OI]


não nos deve levar, contudo, à posição pendularmente oposta de tomar as
estratégias como arbitrárias e impermeáveis a qualquer teoria ou à busca de
regularidades e vínculos sistemáticos (POSSAS, 1996:91)

Aqui, temos uma perspectiva que busca circunstanciar a relação entre ação e estrutura

de forma contrária àquela anteriormente mencionada, embora a idéia de cooperação acima

proposta seja mais bem compreendida numa perspectiva contratual, o que repõe o viés

individualista às concepções do autor.

O problema, que nos diz respeito mais fundo, é o da valorização de diferentes core

competencies viabilizando a construção de cooperação entre diferentes capitais. É o caso da

possibilidade de alianças entre pequenas e grandes empresas, que não por causa de outra

dificuldade, adotam denominações como subcontratação ou terceirização, cuja diferença de

sentido não se dá apenas em nível lingüístico ou técnico, mas no âmbito da valorização.


87

A abordagem neo-schumpeteriana é, sem dúvida, responsável por uma vasta

evidenciação empírica acerca do papel da inovação tecnológica na dinâmica capitalista e

representa um esforço amplo e fértil de diálogo e síntese conforme incorpora aspectos e

questões elaboradas por diferentes concepções teóricas. Duas possibilidades de integração

teórica serão apresentadas a seguir, ambas com o propósito de ampliar o alcance de uma

teoria da ciência e tecnologia. Embora as duas alternativas permitam contemplar com mais

propriedade o papel da PE no processo de desenvolvimento tecnológico, a primeira nos

parece mais plausível.

Dosi et al.(1992), no texto introdutório de “Technology and enterprise in a historical

perspective”, afirma que fenômenos como mudança tecnológica, institucional e

organizacional têm implicações de natureza tanto histórica quanto teórica. Ou seja, não

apenas a teoria importa para análise histórica, mas a história influi na teoria econômica.

Tal consideração nos interessa sobremaneira, à medida que a história é passível de ser

incorporada decisivamente à análise de processos econômicos, sob uma perspectiva

evolucionária, não apenas em nível sistêmico, mas também em nível dos comportamentos

individuais. Tal perspectiva vai ao encontro de nosso argumento quanto à especificidade

histórica do desenvolvimento do capitalismo nacional em relação aos limites estruturais da

pequena empresa e às condições para a ação do pequeno empresário. Tal discussão contribui

para a crítica relacionada à importação de metodologias e à emulação de experiências

estrangeiras.

Segundo os autores, boa parte da teoria econômica contemporânea defronta-se com a

análise histórica entendendo que esta tem pouco a contribuir. A versão mais forte do

“imperialismo econômico” é um exemplo, baseando-se nas suposições do interesse privado

como microfundamento de todo comportamento; da esfera da mudança (tecnológica) ser

exógena ao domínio econômico e da tendência ao equilíbrio do processo econômico no longo


88

prazo, o que faz das observações históricas apenas demonstrações da realização desse

equilíbrio.

Outras abordagens consideram a história importante conforme permita a reconstrução

da natureza e dos determinantes do curso real dos eventos, ou ainda por permitir a definição

do condicionamento histórico dos processos de desenvolvimento econômico, ou seja, a

história importa conforme permita o entendimento das condições específicas que levam os

processos de desenvolvimento econômico a seguir um determinado caminho e não outro

qualquer, o que vai constituir o campo analítico da path-dependency de processos

econômicos, campo onde historiadores e economistas interagem e onde a reconstrução

histórica funde-se com a análise econômica dos processos de mudança tecnológica.

Numa perspectiva evolucionária, os autores vão mais além ao “colocar história na

teoria”. Consideram que a “racionalidade” dos agentes não é independente da história das

organizações na qual estratégias e capacidades se desenvolvem e nem das interações entre

instituições historicamente construídas, fazendo com que os micro-fundamentos dos

processos econômicos visitem a história.

A análise do papel da tecnologia nas economias industriais segue duas linhas

interpretativas, uma que discute a contribuição da mudança tecnológica para o

desenvolvimento econômico e outra que trata da natureza endógena ou exógena da mudança

técnica em si.

A contribuição da perspectiva histórica vai se evidenciando, ao mostrar como a

tecnologia é induzida pela expansão da demanda nos séc. 17 e 18; os modos como as

inovações são guiadas, ora por escassez de determinado fator ora pelo próprio progresso, ou

como a inovação surge como uma seqüência cumulativa de insights até a síntese cumulativa.

A análise histórica também permite mostrar um complexo inter-relacionamento entre

tecnologia e outros aspectos da mudança socioeconômica, como o decorrente da natureza


89

cumulativa e autopropulsora da tecnologia encabeçada pela idéia de modernização, o que

inclui aspectos como urbanização, educação generalizada, mobilidade financeira e

empreendedorismo, e que vão resultar em regularidade inovativa de longo prazo caracterizada

pela substituição da força de trabalho por máquinas e por novas formas de energia e de

matérias primas.

Tais fenômenos vão engendrar diferentes interpretações, modelos explicativos e

análises das mais variadas, trazendo à luz da ciência uma série de conceitos e noções

relativos.

Análises evolucionárias se utilizam tanto de conceituação teórica quanto de

taxonomias históricas para capturar os aspectos irreversíveis da dependência histórica do

aprendizado tecnológico, a partir das formulações básicas do processo decisório e do

aprendizado. Ou seja, a história também se inscreve na caracterização dos micro-

comportamentos.

Outras análises mostram que variáveis sociais historicamente contingentes podem ser

tão importantes quanto o critério de eficiência na seleção das inovações. Estudos históricos de

caso têm mostrado que os meios através dos quais as inovações são geradas e selecionadas

são complexos e multiformes. Vários autores acreditam na importância de fatores sociais

como o papel de crenças, interesses e escolhas sociais, na modelagem do desenvolvimento

tecnológico. Significa dizer que valores culturais, ideologias políticas, identidades

profissionais, instituições sociais, etc. são tão importantes quanto interesses econômicos.

Outros autores enfatizam a importância do controle social e da viabilidade social em

comparação à eficiência econômica como critério de seleção para trajetórias de mudança. Por

fim, estratégias corporativas também parecem influenciar a direção da mudança técnica.

Tudo isso leva a argumentar que não somente é provável que a mudança siga

caminhos irreversíveis de aprendizado cumulativo e local; mas também os caminhos


90

particulares que surgem ao nível de firmas, indústrias e países são influenciados pelas

características e comportamentos de atores sociais envolvidos no desenvolvimento e adoção

de novas tecnologias. Em ambos os casos a teoria requisita diretamente a evidência histórica

para especificar estes processos.

Sobre a relação entre tecnologia e a forma organizacional da empresa, os autores

atestam que a estabilidade da distribuição do tamanho das firmas, a tendência de longo prazo

de crescimento do tamanho da firma e a significativa mudança das formas organizacionais da

empresa individual são características que marcam os últimos tempos.

Economias de escala e de escopo tanto na produção como em atividades

complementares explicam o tamanho crescente das firmas, mas não explicam uma

distribuição de tamanho mais ampla em determinadas indústrias, nem diferenças intersetoriais

quanto ao grau médio de integração vertical e diversificação horizontal, ou as mudanças

históricas na forma da organização corporativa.

De acordo com a abordagem evolucionária, estruturas de mercado são endógenas aos

processos de inovação e competição, o que faz a distribuição de tamanho depender de

características específicas de cada tecnologia e do grau de desenvolvimento de cada

paradigma tecnológico, favorecendo em determinadas situações o surgimento de novas e

pequenas empresas, enquanto em outros, grandes empresas. Os processos de transição entre

paradigmas tecnológicos também podem modificar as fontes de economias de escala. Com

isso, aponta-se para uma coexistência permanente de firmas com diferentes tamanhos,

resultado de uma permanente diversidade de estratégias. Qualquer distribuição observada vem

a ser o resultado acumulado de histórias de sucessos, falhas e mudanças de participação no

mercado, decorrentes de diferentes tecnologias e ações de marketing.

Em relação a mudanças na forma organizacional, a interpretação chandleriana do

desenvolvimento da organização do tipo “U” para a forma”M” é analisada como um processo


91

de adaptação organizacional a imperativos tecnológicos tendenciais e o padrão estabelecido

de integração vertical atende á lógica da economia de custos de transação. Entretanto, a

natureza do conhecimento específico à firma e a variedade de formas com que ele é gerado,

desenvolvido, estocado e explorado também é crucial para entender as fronteiras evolutivas da

firma. A evolução das estruturas corporativas sempre implica num compromisso difícil entre

os requisitos de compatibilização de incentivos e de eficiência alocativa por um lado e o

imperativo de aprender, descobrir e adaptar-se a circunstâncias inesperadas por outro.

Em resumo, a análise dos padrões de mudança tecnológica e organizacional suporta

uma visão múltipla de dependência histórica e tudo o que foi exposto somente acrescenta ao

argumento no qual:

Specific economic and institutional circumstances may yield to different


organizational arrangements, which, in turn, determine different economic and
technological performances 23 (DOSI et al, 1992:20).

A idéia de convergência para um padrão único de desenvolvimento tecnológico e

organizacional e a idéia de evolução como um processo adaptativo em busca de uma resposta

mais eficiente à dinâmica tecnológica exógena, se mostram inadequadas.

Se interdependências tecnológicas e organizacionais, junto com retornos crescentes

dinâmicos para aprendizado e inércia institucional relativa tendem a prender firma, indústria e

mesmo países num determinado “caminho”, esta dependência se dá não apenas ao nível

sistêmico, mas também diz respeito à natureza e arquitetura organizacional e comportamentos

dos micro-agentes.

Se comportamentos são dependentes da organização e do contexto, e se a distribuição

desses comportamentos tem efeitos irreversíveis sobre o sistema, a análise é forçada a

estabelecer uma microeconomia e uma micro-sociologia de qualquer padrão de

23
Circunstâncias econômicas e institucionais específicas podem resultar em diferentes arranjos organizacionais,
os quais, por sua vez, determinam diferentes performances econômicas e tecnológicas (tradução nossa).
92

desenvolvimento. O contrário também é verdadeiro: o ambiente influencia os

comportamentos, o grau de inovação e a competitividade entre firmas.

The tension between the search for general regularities [...] and the emphasis on the
rich uniqueness of particular experiences is all but resolved. [...] We would consider
this volume a great success if it simply succeeds in adding some insights on the
nature of these historical (technological and organizational) regularities;[...]on how
admittedly heterodox economists can contribute to a conceptual grid for the
interpretation of that complex mixture of necessity, inertia, structures, and also
singularities and micro-deliberations, of which history consists 24 (DOSI et
al,1992:22).

Mesmo não comungando com a maneira pela qual os atores individuais são alçados à

condição de sujeitos da mudança, o que implica necessariamente numa “microeconomia e

uma micro-sociologia do desenvolvimento industrial”, este trabalho nos permite reconhecer

não apenas a importância da análise histórica para o entendimento de processos de

desenvolvimento econômico e de mudança tecnológica, mas também vislumbrar ao longo dos

diversos vieses com que o processo inovativo é investigado os limites e as condições nas

quais a PE pode postular uma participação mais efetiva, em períodos de crescimento

generalizado da demanda, em estágios iniciais de paradigmas tecnológicos ou em

determinadas estruturas de mercado ou em indústrias específicas, ao mesmo tempo em que

percebe como essa participação é sempre circunstancial e transitória.

A proposta de Paula et al.(2001:9) surge conforme evidencia que “o esforço neo-

schumpeteriano de constituir uma teoria do lugar da ciência e da tecnologia na dinâmica

capitalista apresenta uma importante debilidade, na medida em que carece de uma teoria do

capital e da concorrência”. O desenvolvimento neo-schumpeteriano permitiu a superação de

certos limites originais relacionados à economia da mudança técnica, ampliando a concepção

de inovação tecnológica, amplificando a importância e conseqüências do processo de difusão

de tecnologia, de continuidade inovativa e aprendizado tecnológico.

24
A tensão entre a busca por regularidades genéricas […] e a ênfase na riqueza das singularidades de uma
experiência particular está longe de ser resolvida. […] Consideraríamos este livro um grande sucesso se ele
resultasse apenas em adicionar alguns insights acerca da natureza dessas regularidades (tecnológicas e
organizacionais) históricas, [...] se economistas reconhecidamente heterodoxos pudessem contribuir para uma
93

Se a firma pode ser considerada enquanto unidade de análise, como na contribuição de

Chandler que tem o mérito de incorporar a dimensão histórica ao esforço de compreensão do

fenômeno, a ampliação e o aprofundamento da pesquisa exige que se investigue a natureza

variada das relações entre os também variados agentes produtores de inovação, as fontes de

inovação e fluxos tecnológicos decorrentes, resultando na inevitável incorporação de outras

dimensões e níveis de análise, bem como do aparato institucional que se desenvolve em

conseqüência do protagonismo assumido pela inovação tecnológica. Assim, o progresso

tecnológico carece ainda de uma compreensão mais satisfatória quanto aos móveis que

orientam sua transformação, trajetórias e regimes bem como os papéis dos agentes.

Para os autores a centralidade da tecnologia no capitalismo contemporâneo é explicita

e está relacionada a qualquer estratégia de competição do grande capital. Daí apontarem a

possibilidade do capital vir a se constituir como a unidade de análise que faltaria “aos avanços

já acumulados pela tradição neo-schumpeteriana”. Sobre tal possibilidade eles dizem:

A conexão entre uma teoria do capital com a elaboração neo-schumpeteriana sobre


ciência e tecnologia pode permitir um importante salto qualitativo na compreensão
da dinâmica capitalista contemporânea. [...] Esse movimento teórico de síntese de
achados empíricos, diálogo e enriquecimento com outras tradições teóricas,
atualização da compreensão da dinâmica mais complexa e com mais mediações do
sistema capitalista no século XXI, poderá evitar que todo o esforço investigativo
neo-schumpeteriano se perca por falta de síntese teórica capaz de incorporar os
elementos motores do capitalismo e contemplar suas principais metamorfoses.[...]
Para a elaboração de Marx, a construção de uma teoria da concorrência depende de
uma ampliação da compreensão dos dois níveis de análise do capital. A elaboração
neo-schumpeteriana traz elementos para o estudo do capital em geral e da
pluralidade de capitais (PAULA et al, 2001:21).

A análise relacionada às estruturas industriais e de mercado e às ações empresariais é

absolutamente pertinente às questões relativas aos limites e possibilidades de uma PE

competitiva, seja em decorrência das disposições empreendedoras do empresário, pela

capacitação inovativa, ou através do desenvolvimento de economias externas marshallianas e

seus corolários relacionados á cooperação, ao aprendizado e à capacitação tecnológicos e

organizacionais.

grade conceitual que permitisse a interpretação dessa mistura complexa de necessidade, inércia, estruturas, e
94

A pequena empresa participa dessa dinâmica à medida que gera inovações nas mais

diversas formas, seja com o trabalho inventivo do pequeno empresário, seja gerando

inovações incrementais em produto e processo, isoladamente ou integrada a cadeias

produtivas, ou mesmo participando de arranjos produtivos com formatos organizativos

cooperativos e inovadores.

No entanto, as relações entre pequenas empresas ou entre pequenas e grandes

empresas são, em última instância, relações entre capitais concorrentes, não obstante as

profundas diferenças que os constituem. Ao mesmo tempo, a forma específica de relação que

esses capitais assumem no contexto da reprodução sistêmica do capital, representa o resultado

do movimento do capital em geral. Dentro dessa moldura, nos parece que apenas uma PE

inovadora e de base tecnológica, que não é a PE que a agência busca institucionalizar

crescentemente, poderia vir a ser incorporada pela proposta avançada pelos autores.

2.5.4 - O empreendedor e o empreendedorismo

Sem dúvida, a inovação se constitui no móvel da concorrência e tem um papel central

no enfoque neoschumpeteriano. No entanto, principalmente no caso da PE, é preciso situar

adequadamente o papel e as possibilidades da inovação evitando um “inovacionismo”

existente, seja como tábua de salvação para a PE ou como imposição a priori para a

competitividade. Nesse sentido, importa assinalar que o próprio Schumpeter no

desenvolvimento de sua obra vai atribuir um papel cada vez mais importante às condições

institucionais25 para a consecução da inovação (SCHUMPETER, 1984:176). Tal fato introduz

em sua análise econômica uma certa ambigüidade na explicação dos movimentos cíclicos da

economia a partir de uma onipresença da inovação.

também singularidades e micro-deliberações, em que a história se constitui (tradução nossa).


25
Tais condições parecem adquirir um relevo especial sobre os aspectos organizacionais que cercam a inovação.
95

Coriat e Boyer (1985:47) vão abordar de forma apropriada essa ambigüidade sob a

idéia de um “schumpeterismo” - situação que confere legitimidade e coerência às

representações políticas voltadas favoravelmente para os empresários. Acabam por chamar

Shumpeter de, “apóstolo de uma macroeconomia da oferta numa variante, ao mesmo tempo

inteligente e politicamente aceitável”.

Isto nos serve para mostrar o quanto as ações e políticas de apoio à PE, se

comprometidas apenas com a formação de uma nova estirpe de empresários empreendedores

– sujeitos inovadores – numa perspectiva puramente liberal, acabam por descurar de outros

fatores macroeconômicos e de aspectos referentes à organização sociopolítica, inviabilizando

qualquer estratégia de saída da crise ou de instauração de um novo ciclo, não obstante a

realidade dos avanços tecnológicos.

Ainda a esse respeito, Nelson (1992:6) afirma que o erro de Schumpeter teria sido

pensar na possibilidade da inovação ser reduzida a uma rotina, o que não pode. Essa é uma

perspectiva interessante que pode relacionar-se com a questão da PE no processo de inovação.

Não se trata de questionar a atividade inovativa, ato criativo subjetivo e individual por

excelência e não sujeito aos limites impostos por qualquer hierarquia organizacional, nem a

identificação do sujeito inovador com o empresário pequeno e/ou novo que se comporta

economicamente em direção ao lucro empresarial e ao crescimento. Estes são os dois

componentes que permitem essa associação entre inovação e PE. No entanto, não se pode

igualmente aduzir a inovatividade como algo possível de ser desenvolvido ou apropriado em

qualquer circunstância pelo ato de vontade de qualquer agente, mesmo considerando as

diversas formas e meios de desenvolvimento e aplicação de inovações.

Apenas tais disposições individuais não são suficientes. As estruturas institucionais,

além das crises influem na configuração do processo inovativo, como próprio Schumpeter

(1982:6) revela no prefácio à edição inglesa de sua “Teoria do Desenvolvimento Econômico”.


96

Por sua vez, o papel da PE em países periféricos tem sido marginal e mais relacionado

com setores tradicionais e não com setores dinâmicos da economia. Nesse sentido a

perspectiva de transformação do setor PE em ponto de partida da mudança técnica e do

modelo de desenvolvimento parece encerrar uma ideologia, se for baseado apenas na

estimulação do pequeno empresário como sujeito subjetivamente criativo.

Outros fatores e condições, além do modo como estes elementos se institucionalizam,

vão possibilitar que o processo inovativo se desenvolva de um ou outro modo, repercutindo de

uma ou outra maneira para a configuração de um modelo de desenvolvimento pretendido.

Um outro aspecto que pode informar-nos na análise da ação inovativa da PE consiste

em buscar evidenciar como, quanto e por quem os resultados econômicos advindos da

inovação são apropriados. Tal questão permite que se investigue os elementos subjacentes à

idéia de uma PE inovadora quanto a sua origem – se pensado na perspectiva do sujeito

inovador ou enquanto elemento funcional ao sistema capitalista.

Nos EUA, o processo de globalização é considerado nos termos da destruição criadora

schumpeteriana – “a process of entrepreneurial discovery” – e a dinâmica com que novas

empresas – de alta tecnologia e de pequeno porte – surgem enquanto outras desaparecem está

fortemente associado à revigoração da economia norte-americana no final do século passado,

dando sentido a políticas de estimulação à formação de PE (SMALL, 2000; ACS et al, 2000).

As transformações que o processo de globalização vem imprimindo nas relações

financeiras e produtivas também vão modificar profundamente as condições institucionais

onde o empresário vai desenvolver “as novas combinações”. Condições de financiamento,

crédito e o risco associado a ele podem se constituir em empecilhos para que a PE de países

periféricos e dependentes concretize sua missão de gerar inovação constituindo-se em setores

dinâmicos e mais eqüitativos de produção.


97

O quadro institucional da sociedade capitalista descrito por Schumpeter (1984:183),

no caso do Brasil não se configurou com o mesmo peso dado pelo autor ao fenômeno. Assim,

sua destruição prevista, também ocorreria diferentemente do modo descrito pelo autor,

gerando diferentes conseqüências.

Dessa forma, a estimulação do empreendedorismo deve ser considerada não apenas

em termos de sua necessidade, mas em termos de sua repercussão para o desenvolvimento

social, uma vez que o empreendedorismo institucionalizado historicamente aqui por certo tem

outras “fontes” e decorre de diferentes interpretações dadas a seus fundamentos sociológicos

(iniciativa, criatividade, confiança, solidariedade, propriedade, classe, etc.) daquele

desenvolvido em outros lugares e tempos históricos (HOLANDA, 1995; CARDOSO DE

OLIVEIRA, 1996; ESTEVES, 1998).

Para Paula et al.(2000) a naturalização do empreendedorismo, como uma disposição

natural do ser humano, carece de fundamentação mais específica. Na verdade a figura do

empreendedor (entrepreneur) na teoria econômica carece de fundamentação.

A caracterização da figura do empresário faz parte da busca pela burguesia de uma

mitologia capaz de justificar e qualificar sua ação e seus interesses. Tal tentativa se inscreve

na própria cultura ocidental conquanto esta busca instaurar seus heróis fundantes.

A presença ideológica no processo é evidente, se consideramos que a dominação

social depende não só de um aparato repressivo capaz de garantir a propriedade e a ordem

burguesas, mas também da produção e reprodução permanente de idéias-símbolos-valores

cimentadores da legitimação da ordem dominante. Neste sentido, “tem lugar especial a

construção do mito do empresário prometéico, herói da civilização burguesa”.

A abordagem que trata o empreendedorismo a partir dos traços característicos do

empreendedor, opondo o indivíduo que atua estrategicamente e de forma inovadora buscando


98

o crescimento a um outro que acumula com vistas à satisfação pessoal, é bastante forte na

tradição norte-americana.

It is important to state the argument. The point is that we need distinguish between
redistribution and the creation of opportunity. The distinction is similar to the
distinction between small business and entrepreneurship [...] Small business is about
life style while entrepreneurship is about wealth creation26 (ACS e PHILLIPS,
2002:22).

Um exemplo dessa importância é dado por Carland et al.(1988:37) ao comentar sobre

uma pesquisa realizada em 1986 pela “Babson College Entrepreneurship Research

Conference” (que não é outra senão a mesma escola que realiza anualmente a enquête que

classifica os países segundo seus empreendedorismos), onde o tema “entrepreneurial

characteristics and traits” foi escolhido como o mais interessante dentre outros treze temas

correlatos.

Contudo, segundo Paula et al.(2000), “este processo não é linear, consensual nem

unívoco. Tanto no plano das artes, da literatura, quanto no do pensamento econômico e na

sociologia a fixação do papel-significado do ‘empresário’ não admite simplificações” (grifo

nosso).

No pensamento econômico, a figura do empresário e seus papéis são representados de

diferentes maneiras. Nas teorias econômicas convencionais está relativamente ausente e

representa papel secundário nos modelos microeconômicos. Dentre os pensadores clássicos,

ele surge com Cantillon, Say, Marshall, Veblen e Schumpeter, cujas distintas formulações

bastariam para demonstrar que a caracterização da figura do empresário não pode ter uma

natureza simples ou unívoca.

Para Cantillon, é o “modo incerto” de viver que caracteriza o empresário. Já Say o

define de forma mais específica, por “reunir e combinar os diferentes meios de produção para

26
É importante estabelecer este argumento. A questão é que precisamos distinguir entre redistribuição e criação
de oportunidade. A diferença é similar àquela entre pequena produção e empreendedorismo. [...] Pequenos
negócios diz respeito a um estilo de vida enquanto empreendedorismo, à criação de riqueza (tradução nossa).
99

criar produtos úteis”. Para Adam Smith, o empresário surge sob diferentes formas –

adventurer, projector e undertaker - que guardam características morais e virtuosas bem

distintas entre si. A visão de Marshall acerca do empresário é marcada por uma “neutralidade

funcional”, sendo seu papel principal o de organizador da produção.

Em Schumpeter, sua função é inovar – algo semelhante ao projector de Smith – e não

se confunde com a do administrador, nem com a do inventor e menos ainda com o capitalista,

que assume o risco da operação. Já para Knight, o empresário é aquele que toma decisões em

situações que envolvem incerteza, característica que também é encontrada nos discursos

contemporâneos relativos ao empreendedorismo, embora contemple uma perspectiva analítica

distinta da proposta schumpeteriana.

É com Sombart e Veblen, no entanto, que o papel do empresário adquire centralidade.

Sombart vê o empresário, o burguês como a primeira e decisiva força motriz do capitalismo.

O espírito capitalista se constitui como uma síntese entre o espírito de empresa – paixão pelo

dinheiro, amor à aventura e espírito de invenção – e o espírito burguês – prudência reflexiva,

circunspecção calculadora, ponderação razoável e pelo espírito de ordem e de economia.

Se para Sombart existe um inequívoco sentido positivo e progressivo no empresário,

na obra de Veblen há uma tensão própria da constituição humana entre um instinto predatório

e um instinto construtivo que se reflete nas duas matrizes do comportamento econômico sobre

as quais erige sua análise – o negócio e a indústria.

Fazem parte da primeira a aquisição, o lucro, o dinheiro, o proprietário absenteísta e a

propriedade privada –atividades marcadas por agressividade, dominação e conflito. Na matriz

indústria, por sua vez, situam-se a construção, a produção e propriedade coletiva e

cooperação, atividades que dizem respeito à curiosidade desinteressada, à criatividade afetiva,

à perspectiva coletiva, grupal. O negócio é o reino da classe ociosa, de ócio conspícuo, do


100

consumo conspícuo, da emulação pecuniária, da exploração social e da exploração sexual,

enquanto a indústria é o locus do engenheiro, do técnico e do trabalhador.

Para Paula et al.(2000:17), esta divisão do comportamento empresarial tem um sentido

francamente decadentista.

A hegemonia do motivo negócio em relação ao motivo indústria, que ele via


acontecer em sua época, prenunciava a recessão crônica no campo econômico e a
decadência moral permanente no campo sócio-cultural. Sua morte, que coincide
com a grande crise dos anos 30 - e há aí um simbolismo importante - é a
manifestação do desencontro do pensamento burguês com relação a seus sujeitos e
objetos. Depois de Veblen será difícil continuar a ver o burguês, o mundo dos
negócios com as cores do heroísmo e da universalidade.

A essa altura já é possível traçar uma analogia entre a preocupação vebleniana quanto

à evolução do capitalismo e uma outra schumpeteriana relacionada à obsolescência da função

empresarial. Embora em contextos distintos, ambas subentendem os efeitos decorrentes das

mudanças institucionais perpetradas pelo processo de desenvolvimento econômico capitalista

sobre a esfera individual do empresário, independentemente do tamanho de sua empresa e,

evidentemente, sobre a institucionalização da pequena empresa, representada muitas vezes

como uma extensão de pequeno empresário.

Tal analogia reitera a influência de aspectos históricos e contextuais sobre a formação

do espírito e dos comportamentos empresariais e, conseqüentemente, a institucionalização do

papel do empresário. O sentido do desenvolvimento capitalista pressentido por estes

pensadores e explicitado claramente por Veblen ampara a opção de tomar a dinâmica de

acumulação capitalista como eixo analítico da instituição da pequena empresa.

Já Penrose (apud PAULA et al, 2000), num contexto mais contemporâneo marcado

pela emergência das grandes corporações e pelas revoluções tecnológicas, também vai

contribuir para a caracterização da figura do empresário. Ao definir a firma como uma

coleção de recursos produtivos dá ao papel do entrepreneur um sentido funcional ligado ao

fornecimento de entrepreneurial services, em contraste com os serviços gerenciais, o que

confere à elaboração um sentido francamente schumpeteriano. Também discute as


101

oportunidades para as pequenas firmas, construídas por prospective entrepreneurs que

possuem apenas um pequeno capital e habilidades comuns para iniciar um negócio.O espaço

das pequenas firmas são os interstícios da economia – áreas deixadas em aberto pelas grandes

empresas – ou oportunidades que surgem, inevitavelmente, com a difusão generalizada de

conhecimentos tecnológicos.

Ou seja, a formulação de Penrose da função empresarial como um dos serviços

produtivos que alimentam o crescimento das firmas, situada no marco do paradigma

tecnológico atual, rompe com o dilema de Schumpeter, sugerindo que a competência nos

serviços empresariais é crucial para o crescimento da firma, ao mesmo tempo em que aponta

um espaço específico para as pequenas firmas e para os empresários que as constituem

(PAULA et al, 2000:18). Importa reter dessa questão a percepção de que a função da PE, por

vias distintas em diferentes espaços e tempos, se acha invariavelmente integrada à dinâmica

de acumulação capitalista.

Há uma discussão que está longe de terminar quanto à inovatividade da PE em

comparação com a grande empresa. As discussões têm se deslocado para analisar a

inovatividade enquanto produtos e processo inovadores e não mais medida através de gastos

com R&D; segundo tipos de indústrias e de acordo com o que se chama de regimes

tecnológicos rotinizados e empreendedores; segundo o valor das inovações introduzidas e os

tipos de inovação que melhor se adequam às PE e grande empresa.

Segundo esta argumentação se quer evidenciar uma visão da PE não mais como um

clone ineficiente da grande empresa e sim como uma máquina de inovatividade e como

“agente de mudança” (ACS e AUDRETSCH, 2001). Esta crítica é direcionada à abordagem

tradicional da organização industrial, muito forte nos EUA, que vê PE como subótima em

termos de sua eficiência econômica estática enquanto a visão dinâmica, associada ao projeto
102

nacional de recuperação da liderança na corrida tecnológica, a vê como oportunidade para

crescimento.

Uma outra questão diz respeito à apropriabilidade do conhecimento pelo agente ou

pela PE em uma estrutura de mercado onde existem firmas instaladas que desenvolvem

economias de escala. Como a avaliação dos ganhos decorrentes da inovação não pode ser

medida consensualmente, o agente inovador opta por uma nova firma que, demonstrando e

realizando o valor do novo conhecimento, consegue expandir-se enquanto outras permanecem

pequenas, conforme uma dinâmica populacional evolucionária.

Para Audretsch (apud SMALL, 2000) esses novos entrantes dispõem de conhecimento

inovador e os direitos de propriedade vigentes incentivam os agentes a abrir uma nova

empresa no lugar de aplicar seu conhecimento como empregado de uma grande empresa. A

dificuldade que se coloca para eles é a falta de “essential entrepreneurial and management

skills” já que dispõem de conhecimento tecnológico inovador.

Isto permite perceber, sem dificuldades, o sentido de orientações de políticas que

proporcionam as habilidades gerenciais necessárias bem como incentivam a abertura de

pequenas empresas de base tecnológica, o que é bastante diferente do que acontece em paises

periféricos.

O que queremos ressaltar é a existência de uma dinâmica de risco bastante diferente

daquela intentada pelos modelos de cooperativos baseados na noção de capital social de

origem histórica e cultural, como no caso dos distritos italianos. Nessa perspectiva a PE é

organicamente imbricada com a inovatividade posto que esta decorre das interações

interempresas desenvolvidas e sustentadas por laços culturais, políticos e cívicos.Uma

distribuição mais eqüitativa dos resultados decorrentes da inovação é inevitável como

resultado da própria natureza do processo de produção. Normalmente tal inovatividade está


103

mais ligado a processo, habilidades artesanais, inovações incrementais, learning by doing e,

muitas vezes, a setores produtivos mais tradicionais.

Nesse sentido, torna-se possível perceber a natureza funcional da PE como hospedeira

da inovatividade. A forma pequena traz vantagens relacionadas à própria dimensão conforme

aumenta a proximidade entre os agentes intra e interfirmas, que geram e desenvolvem

produtos e serviços de alta tecnologia. Porém, a possibilidade de apropriação dos resultados é

regulada externamente ao modelo, dependendo do arcabouço institucional e regulatório do

local ou do país.

A política antitruste norte-americana, fonte da ideologia da concorrência, mais uma

vez se volta para a proteção dos interesses da PE de base tecnológica, é bem verdade. No

entanto, ao mesmo tempo em que novas instâncias judiciárias têm sido criadas por outro lado

o custo de um processo de defesa contra uma acusação de violação de patente tem dificultado

a vida de novos entrantes pequenos (SMALL, 2000).

A maioria dos autores que falam sobre a PE acentuam sua importância para o

desenvolvimento, conforme seu comportamento tenha se orientado para uma maior taxa de

crescimento e de adição de valor em comparação com as grandes empresas (GE). Todos os

autores apontam sua importância conforme ela desempenha esse papel.

Jovanovic (2000) demonstra, a partir de dados de desempenho no mercado de capitais,

que empresas novas de alta tecnologia têm tido desempenho melhor do que grandes e

tradicionais empresas, que essa superioridade tem sido permanente desde os últimos 70 anos,

que a chegada do computador pessoal favoreceu a pequena empresa e que quatro empresas

com menos de vinte anos de existência – Microsoft, Cisco, MCI e Dell respondem por

aproximadamente 13% do PIB norte-americano.

Para Scherer (apud SMALL, 2000) as PE respondem por parte considerável do

dinamismo da economia norte-americana. Contribuem decisivamente em mercados de


104

produtos e serviços personalizados e as de base tecnológica têm papel significativo no

processo de mudança tecnológica. São dois os problemas das grandes empresas que explicam

tal dinamismo: posições fortes de mercado que desincentivam a introdução de novos

produtos, canibalizando vendas e lucros existentes e sua maior capacitação para responder à

demanda do consumidor através de inovações incrementais e não quando se exige mudanças

radicais na tecnologia e/ou design de produto.

Vejam como Golodner (2000:C-8), chefe da divisão antitruste do Departamento de

Justiça se pronuncia a respeito do empreendedorismo:

It is plain to see why the Sherman Act [...] were vital to the protection of
entrepreneurs in the 20th century. And, today it is clear, they will be even more
vital in the 21th century. Perhaps more than any other society on earth, the United
States is dependent on the willingness of its people to take risks on the pursuit of
success. We practice an intensely entrepreneurial flavor of capitalism. And, we
think of entrpreneurship not just as vital to our economic success, but also to our
social fabric, and our sense of who we are 27 .

Ainda segundo o autor, o empreendedorismo cria certos valores tidos como desejáveis

pelos norte-americanos como oportunidade, responsabilidade em relação aos outros e consigo

mesmo, ganhar ou perder por seus próprios méritos e satisfação pelos frutos do próprio

trabalho duro. A PE funciona também como o portão de entrada para o sonho americano, o

que implica sem dúvida uma operação de natureza ideológica.

Ora, tais valores são justamente aqueles que Mills (1979) aponta como típicos das

antigas classes médias e que se perderam faz algum tempo. No entanto estão sedimentados e

institucionalizados no centro da legislação antitruste e nas disposições íntimas dos advogados,

não obstante toda a influência da escola de Chicago sobre a política antitruste nos últimos

anos (FOER, 2000).

27
É visível porque o Sherman Act […] foi vital para a proteção dos empreendedores no séc. XX. E, hoje está
claro, que ele será ainda mais vital no séc. XXI. Talvez mais do que qualquer outra sociedade sobre a terra, os
Estados Unidos são dependentes da vontade d e seu povo em assumir riscos na busca do sucesso. Sobre o
empreendedorismo, nós pensamos que ele seja tão vital não apenas para o nosso sucesso econômico, como
também para a nossa tessitura social e para o nosso juízo sobre quem somos (tradução nossa).
105

Qualquer que seja a perspectiva de análise da ação da PE sua funcionalidade emerge

como empresa eficiente em termos de atender nichos de mercado que exigem produtos

customizados – o que é um papel já tradicional e que no Brasil tem um espaço considerável à

medida que o mercado voltado cada vez mais para uma cesta de consumo que imita os

padrões de consumo de paises desenvolvidos, tende a favorecer estratégias de diferenciação e

de desenvolvimento de nichos.

Na visão dinâmica e evolucionária desenvolvida por Acs e Audretsch o

empreendedorismo liga-se às noções de mudança e crescimento e parte de uma concepção de

inovação individualista, do agente inovador que pode ser uma única pessoa ou um grupo. Essa

figura é portadora de atributos semelhantes aos daquele empreendedor clássico e precisa ter a

composição – o estofo certo (right stuff) do negociante, como o vendedor de cavalos de Mills

(1979) que é testado no período inicial do negócio, ainda em escala pequena. A diferença se

dá na medida que a dimensão da mudança técnica substitui a noção de independência anterior

como fonte de motivação. No ponto de vista societário esta perspectiva se afasta do modelo

democrático de uma “sociedade do equilíbrio automático” antes existente.

Ainda dentro dessa perspectiva empreendedora dos norte-americanos a questão se

volta para as ações de incentivo desenhadas pela agência de fomento – SBA voltadas para o

apoio de minorias e a afirmação de Acs et al.(1998) quanto à perspectiva de incorporação de

minorias ao empreendedorismo. No caso, estas minorias não teriam as mesmas aptidões dos

norte-americanos e aí seria preciso identificar um tipo de norte-americano entre os norte-

americanos em geral, ou tratar-se-ia “apenas” de um preconceito social. Ainda assim não fica

claro se as políticas de apoio têm a pretensão de que minorias possam vir a ser

empreendedoras ou se então se trata de uma das funcionalidades sociais de PE, gerar

ocupação para os menos favorecidos.


106

2.5.5 - A pequena empresa inovadora

Em relação ao tamanho da firma, outro aspecto relacionado à PE abordado por

Schumpeter (1984), o autor assinalava uma tendência ao crescimento e conseqüente alteração

desse marco institucional, o que levaria a um deslocamento do papel do empreendedor

individual e criativo - o pequeno empresário. Este processo de crescimento altera as estruturas

de firma bem como o papel do empreendedor, agora um capitalista que internaliza através de

uma estrutura de P&D as funções de inovação na empresa.

Com a mudança de paradigma tecnológico, a relação entre tamanho de firma e

atividade inovadora ganha relevância, abrindo várias frentes de investigação (FREEMAN,

1982; BELL e PAVITT, 1992).

Em relação à inovatividade das pequenas empresas em face das grandes, Tether (1998)

faz uma revisão do assunto e questiona essa preeminência conferida às PE’s quando introduz

o valor econômico da inovação como variável a ser ponderada na mensuração da taxa de

atividade inovativa das empresas. Segundo o autor, tal inclusão inverte a posição da PE em

relação à grande.

Já os estudos empíricos feitos por Acs e Audretsch (1988) demonstram que diferentes

ambientes tecnológicos e econômicos – “entrepreneurial or routinized regimes” afetam a

atividade inovativa de pequenas e grandes empresas de forma distinta.

Em outro trabalho Audretsch, Prince e Thuryk (1998) testam o caráter da

inovatividade de PE em relação a duas teorias que postulam diferentes comportamentos

inovativos para a PE. A primeira baseia-se na hipótese que pequenas empresas em indústrias

concentradas dominadas por grandes empresas tendem a ser mais inovativas e a desenvolver

“nichos estratégicos” inovativos como resposta à pressão competitiva, enquanto a segunda

afirma que devido às características específicas das pequenas empresas como, por exemplo,
107

sua flexibilidade e proximidade do mercado em contraposição à capacidade de gerar

economias de escala, escopo e aprendizado, a atividade inovativa destas desenvolve-se

segundo uma “complementaridade dinâmica”. Os resultados revelam que a teoria dos nichos

estratégicos é mais adequada para responder pela ação estratégica da PE, lançando novas

evidências para a questão da eficiência econômica da PE, à medida que podem operar nos

interstícios do mercado, porém de forma inovadora.

Villavicencio (1994), reconhece que o tamanho não mais é fator determinante da

competitividade à medida que se admite “a possibilidade de compreender a dinâmica de um

processo complexo em que as empresas adquirem capacidades de acumulação de experiências

e conhecimentos, muitas vezes intangíveis, para aplicar ou desenvolver tecnologias novas”.

A PE pode se constituir como inovadora conforme a obtenção de conhecimento e o

aprendizado tecnológico desempenhem papéis fundamentais nesse intento. A atividade

inovadora se concretiza não só como efeito das mudanças sociotécnicas impostas por ocasião

de uma nova máquina ou tecnologia adquirida, mas, principalmente, por causa de um

processo onde o elemento humano modifica, de forma incremental, a organização do trabalho

e do processo de produção. Se o modelo taylorista-fordista limitava o processo de

aprendizagem coletiva, a PE pode ser considerada inovadora em termos, não só, de tecnologia

de gestão, mas também, de tecnologia de produto.

A aprendizagem coletiva é “um processo que se pode estudar desde a perspectiva das

contingências internas da empresa, referentes à interação de indivíduos que pertencem a áreas

diferentes e executam funções distintas, quanto do ângulo das contingências externas

correspondentes à interação com fornecedores, clientes e, mesmo, competidores”. Nesse

sentido, “a heterogeneidade tecnológica das PE tem deixado de ser um obstáculo para

converter-se em base estrutural para a adoção de novas tecnologias”, conforme se


108

conscientize e se reconheça o valor que as práticas estabelecidas ao âmbito da produção

possam ter em termos de conteúdo tecnológico (VILLAVICENCIO, 1994).

Segundo a visão de Villavicencio (1994) é possível um entendimento de PE

inovadora, conforme represente uma forma mais competitiva de gestão de produção,

conforme esta PE possa gerir mais economicamente determinadas tarefas da atividade

produtiva, mas necessite subordinar-se às cadeias produtivas e/ou aos circuitos superiores de

reprodução capitalista para a apropriação dessa competitividade.

Em suma, existe uma série de considerações quanto à natureza, tipo, utilidade e outros

atributos da inovação em si e da atividade relacionada à inovação que deixam em suspenso

qualquer afirmação conclusiva quanto às relações entre porte da firma e atividade inovativa e,

por conseguinte, a própria eficiência econômica da pequena empresa.

Para Freeman (1982:111), “o mecanismo social da inovação é o da sobrevivência do

melhor ajustado” e o papel crítico do empreendedor é “aproximar” a tecnologia do mercado,

compreender melhor do que os concorrentes as necessidades do usuário e garantir que os

recursos necessários estejam disponíveis para o desenvolvimento e lançamento, no caso, do

produto (FREEMAN, 1982:126).

De forma mais geral, o autor faz algumas considerações quanto à relação entre

tamanho da firma e inovação, embora cada setor ou indústria contenha sua especificidade.

Um aspecto que pode ser particularmente vantajoso para a PE decorre do fato das

tecnologias da nova base técnica poder gerar oportunidades em áreas não ligadas à produção

em si, ou seja, inovação sem o requisito de investimentos pesados (FREEMAN, 1982:108).

Essas novas tecnologias geram formas distintas de competição, onde o pequeno pode

ter vantagem ou pelo menos deixa de ter algum tipo de desvantagem em relação ao grande.
109

Existe também a questão da inovação não técnica, como no caso de um novo mercado

para um produto existente, caso onde a PE pode participar, bem como no caso das inovações

organizacionais, casos não abordados pelo autor.

Por outro lado, tanto o mercado quanto à tecnologia estão sempre mudando, o que

significa que as grandes empresas com suas estruturas de P&D podem “estocar” inovações

que aguardam uma oportunidade mais favorável de lançamento.

A proximidade com o mercado (demand-pull) pode favorecer a PE no sentido que sua

estrutura inovadora pode estar mais próxima do usuário que a estrutura formal da grande

empresa. Da mesma forma, no caso “science-push” a vantagem se inverte, principalmente por

causa das exigências financeiras para desenvolver P&D.

Quando Freeman discorre sobre a diferença entre invenção e inovação, no sentido da

necessária associação entre o lampejo criativo e o longo caminho até tornar-se um sucesso

inovador fica clara a perspectiva, ou melhor, o alcance da pequena empresa.

O inventor-empreendedor singular como Marconi ou Baekeland pode simplificar


bastante este processo nos estágios iniciais de uma firma inovadora nova, mas nos
últimos estágios de uma firma já estabelecida o processo de ‘acoplagem’ envolve a
ligação e coordenação de diferentes seções, departamentos e indivíduos
(FREEMAN, 1982:112).

Em vista disso, afirma ser mais razoável postular a inovatividade da PE como mais

vantajosa nos estágios iniciais do trabalho inventivo e nas inovações mais radicais e menos

custosas. A grande empresa, por sua vez, leva vantagem nos estágios finais do processo –

desenvolvimento, melhoria de processo e produto e aumento de escala de produção, quando

vários e diferentes especialistas são necessários ou quando existem várias rotas de inovação

alternativas que precisam ser experimentadas e comparadas. Também é desvantajoso para a

PE quando o financiamento da inovação requer volume alto de recursos e quando há

necessidade de lidar com a esfera governamental regulatória.

Ainda sobre a relação entre inovação e tamanho da firma, Freeman (1982) vai mostrar

como estudos baseados em outras variáveis relacionadas – como o gasto de P&D e o número
110

de patentes – podem gerar problemas de interpretação, à medida que não levam em

consideração aspectos institucionais que possam alterar, por exemplo, a disposição dos

pequenos a buscar proteção sob a forma de patentes, bem como o custo relativo desse

processo, ou então as implicações da contabilização da atividade de P&D feita

incidentalmente, de forma amadora ou realizada coletivamente em pequenas empresas.

Sobre o ambiente institucional, o autor afirma que as escolhas estratégicas de uma

determinada firma vão ser influenciadas por seus recursos, sua história, pelas suas atitudes em

termos de gestão, e sua sorte. (FREEMAN, 1982:170). Além disso, salienta a importância que

o contexto histórico tem para cada indústria e cada país em relação à inovação e às estratégias

possíveis para a atividade inovadora.

Outros aspectos internos à organização da firma colocam em vantagem a inovação

feita por pequenas empresas. Estão relacionados à melhor condição para a comunicação e

quando há necessidade de articulação entre diferentes atividades da empresa, como produção

e marketing, ou em relação ao custo, motivação e velocidade do trabalho de desenvolvimento.

Também é possível associar a inovação em indústrias capital-intensivas á grande


empresa, enquanto indústrias onde a intensidade de capital e os custos de entrada e de
desenvolvimento são mais baixos à pequena empresa.
Isso, conclui Freeman (1982:142) tanto confirma a predominância do papel da grande
empresa na inovação industrial gerada no pós-guerra, quanto sugere uma maior eficiência
inovativa da pequena empresa em comparação com a grande. Esses aspectos característicos da
inovação na PE evidenciam a ambigüidade que marca sua inovatividade, funcional à
reprodução sistêmica.
Por outro lado, não se deve perder de vista a grande variedade de PE existentes onde:
The vast majority do not perform any R&D. this innovative small firm is the rare
exception, not the general rule. For every small firm engaged in offensive or
defensive innovation there are dozen which are ‘dependent’ satellite firms, and
hundreds which follow a ‘traditional’strategy – the peasants of industry 28
(FREEMAN, 1982:144).

28
A grande maioria não realiza qualquer ação de P&D. Esta pequena empresa inovativa é uma rara exceção, não
a regra geral. Para cada pequena empresa engajada em inovação defensiva ou ofensiva existem dúzias que são
111

Esta declaração é, de longe, a mais significativa aos propósitos de nosso trabalho,

ainda mais se devidamente contextualizada no espaço do capitalismo norte-americano em

contraposição à realidade nacional, ainda mais se pensada em termos da pequena empresa e

numa segunda derivação, da pequena empresa nacional inovadora.

Muito embora, se deva perseguir a especificidade que cada caso ou situação propicia

para o surgimento da atividade inovativa e seu resultado, assim como faz Freeman, no intento

de buscar compreender quão específica é a relação entre inovação e tamanho de firma, à

medida que se busca consolidar uma alternativa estratégica de apoio e fomento a pequenas

empresas inovadoras, deve-se igualmente levar em conta tanto a especificidade quanto a

situação geral evitando-se assim, um desperdício considerável de esforço e recursos –

individuais e sociais.

Muitas vezes a idéia de pequena empresa está associada à empresa recentemente

constituída. É importante ressaltar que são condições distintas e que tem implicações

igualmente distintas em termos de economia política e políticas de apoio à PE. A permanência

das PE em atividade diz respeito primordialmente aos efeitos sociais que isso acarreta sobre a

distribuição de renda e no que diz respeito à organização da produção, a geração de capital

social. Já o nascimento de novas empresas, que apenas circunstancialmente são pequenas diz

respeito principalmente à estimulação da atividade econômico-produtiva e sua dinâmica

conforme essas novas empresas demonstrem um maior ou menor potencial de crescimento.

Sobre essa associação, Freeman (1982:214) diz que: “a tendência de longo prazo de

concentração de inovações em grandes empresas é bastante consistente com a possibilidade

de ciclos longos de crescimento estarem associados com o ressurgimento de pequenas

empresas inovadoras”, especialmente em novos setores (ou indústrias) e através de pequenas

empresas de rápido crescimento (as chamadas gazelas). Importante perceber que tal

empresas ‘satélites’ dependentes, e centenas que seguem uma estratégia ‘tradicional’ – os camponeses da
indústria (tradução nossa).
112

associação entre pequena e nova empresa pode significar apenas uma situação efêmera e

circunstancial ou senão representar mais um aspecto de sua funcionalidade, conforme um

aumento de taxa de geração de novas empresas signifique um aumento da circulação

econômica.

Sobre as disposições à inovatividade do empresário, Freeman considera que as

perspectivas de sucesso da atividade inovadora dependem em um grau considerável de um

“animal spirits” e limita as possibilidades da PE em face das incertezas possíveis às situações

nas quais os pequenos inovadores estão dispostos a uma grande jogada ou são impelidos ao

jogo por alguma ameaça à própria existência, ou ainda no caso onde, inconscientemente

aceitam um alto grau de incerteza, seja devido ao “animal spirits” ou seu entusiasmo. Nessa

situação, não fariam qualquer cálculo de probabilidade de sucesso ou de superestima dos

resultados.

Se é verdade que “a concorrência através da inovação é sempre descrita como um

processo caracterizado por um alto grau de incerteza” (NELSON, 1992) onde o inovador não

pode prever claramente as conseqüências, existem poucas razões para se supor que, num

contexto econômico de dependência, marcado pelo apoio histórico à acumulação intensiva de

capital e num contexto social marcadamente defensivo caracterizado por um ethos

patrimonialista e conservador, o pequeno empresário seja um empreendedor schumpeteriano.

O modelo institucional concorrencial do Banco Mundial sugerido por Hallberg (1999)

pressupõe um espaço socioeconômico com relativa mobilidade tanto para as iniciativas

empresariais quanto para o fator trabalho bem como meios de acesso ao capital de risco, onde

políticas de apoio às PE se estruturam a partir da identificação de falhas de mercado e falhas

institucionais. No entanto, quando as iniciativas empresariais, se é que podemos assim

denominar, decorrem da falta de alternativas para a própria reprodução, é possível aplicar um

arcabouço ortodoxo para avaliar a intervenção pública para apoio à PE?


113

3 - DESENVOLVIMENTO, DEPENDÊNCIA E ORDEM SOCIAL

COMPETITIVA

A discussão sobre a pequena empresa (PE), conforme pretendemos desenvolver, se

coloca em um contexto de desenvolvimento econômico nacional. Por esta razão, é importante

que desde logo, situemos o contexto em que nosso argumento vai se desenvolver. Como

nosso trabalho tem uma perspectiva analítica institucionalista, é fundamental que este

contexto incorpore a dimensão histórica do objeto que investigamos.

O desenvolvimento e o crescimento econômico constituem temas essencialmente


históricos e [...] devem ser tratados na base da especificidade própria e das
peculiaridades de cada país” posto que, trata-se de saber como o vínculo do capital
com o espaço econômico nacional e com a forca de trabalho condiciona a
“organização da produção” e a “conjuntura mercantil (PRADO JR. apud SAMPAIO
JR., 1999:67).

O problema do desenvolvimento consiste no modo como a economia adquire uma

relativa autonomia em termos dos mecanismos de geração, apropriação e utilização do

excedente social ao domínio das relações de troca e produção e se configura a partir de uma

determinada realidade territorial, devendo ser analisado em termos das relações que este

espaço estabelece no conjunto da economia mundial, daí a centralidade do Estado na

condução e regulação desse processo.

E em relação à PE, a perspectiva estratégica que justifica o seu fomento pressupõe

uma relação positiva entre os efeitos sociais, políticos e econômicos que o desenvolvimento

da PE pode propiciar. São vários os autores que advogam esse papel positivo da PE

(BARROS, 1978; RATTNER, 1985; LA ROVERE, 2001) embora alguns afirmem que não

existem dados que demonstrem a inerência desses atributos (HALLBERG, [s.d.]; TETHER,

1999).
114

O discurso que insere a PE na dinâmica atual da produção capitalista deriva, primeiro,

de sua capacidade competitiva, isolada ou associada em sistemas ou cadeias produtivas,

construída em torno dos conceitos de flexibilidade e cooperatividade e; segundo, do efeito

catalisador dos dinamismos individuais empreendedores que implicam na revigoração das

estruturas produtivas com conseqüências positivas sobre a produtividade. Os efeitos

equalizadores e distributivos resultantes, conferem a esta forma produtiva a capacidade de

realizar, de sua parte, algumas das tarefas “para colocar o processo de acumulação a serviço

de um projeto nacional”.

Isto significa que nações emergentes com economias subdesenvolvidas precisam,

antes de pensar-se integradas ao sistema internacional do capitalismo, libertar-se do esquema

de dependência para, então, poder construir um projeto de desenvolvimento autônomo e auto-

sustentado, tarefa que envolve decisões políticas e está além do terreno exclusivamente

econômico.

Para isso é preciso compreender os determinantes internos do processo de acumulação

resultante do conjunto de relações de troca e produção. É preciso também analisar como o

desenvolvimento capitalista é influenciado pelas relações de concorrência, cooperação e

conflito entre os indivíduos e as classes sociais, o que requer que se considere a combinação

entre economia de mercado, regime de classes e organização estatal do poder político

(SAMPAIO JR, 1999:69).

Nesse sentido, o que importa, segundo Fernandes (apud SAMPAIO JR., 1999:69), é

explicitar as bases sociais e políticas do desenvolvimento, pois, “no fundo, a chamada ‘luta

pelo poder político’ representa uma luta pelo controle da mudança social, pois são seus efeitos

que ditam o sentido, o alcance e a continuidade, a curto ou longo prazo, das alterações

ocorridas no padrão de integração da ordem social vigente” e o que importa é verificar o

quanto esta ordem social competitiva esposa as propriedades socialmente construtivas do


115

capitalismo.

Para o autor, a natureza dependente do capitalismo e o desenvolvimento incompleto de

uma ordem social capitalista resultam num processo político-econômico que, no caso

brasileiro, limita a possibilidade de conciliar desenvolvimento e integração nacional.

Para Martins (1996:16) “o capitalismo dependente está na gênese de classes e grupos

sociais cujos horizontes estão circunscritos e determinados pela promessa de um

desenvolvimento capitalista [...] que não se cumprirá. O capitalismo dependente é

essencialmente constituído de promessas sem destino”. A lógica do capitalismo dependente

“preserva e combina relações sociais atrasadas, outras que ‘não são suas’, organizando-as em

função da racionalidade do capital. É o próprio capital que produz e administra o atraso social

e político, além do atraso econômico”.

Por fim, diante desse modelo de desenvolvimento dependente, que especifica o padrão

de concorrência e a dinâmica de acumulação, cabe indagar sobre a lógica que vai orientar a

incorporação do progresso técnico e as escolhas tecnológicas que vão configurar o sistema

econômico nacional, ou melhor, os efeitos desse processo sobre as estruturas sociais.

Nesse sentido, Furtado (apud SAMPAIO JR., 1999:72) mostra a existência de um

mútuo condicionamento entre a incorporação do progresso técnico, a expansão das forcas

produtivas e a ampliação das necessidades sociais submetidas à esfera mercantil, ou seja, o

caráter do processo de acumulação ao refletir as opções da sociedade num dado momento

histórico entre o aumento da riqueza ou sua distribuição orienta-se pela primeira opção,

condicionando por esta via o processo de incorporação do progresso técnico.

Em países subdesenvolvidos, o regime de acumulação associa-se com a reprodução

desse subdesenvolvimento, à medida que o desenvolvimento das forcas produtivas é

incompatível com a assimilação dos padrões de consumo das economias centrais, fazendo

com que a incorporação do progresso técnico não resulte de um processo endógeno. Ou seja,
116

o processo de acumulação, que depende da capacidade de assimilação do progresso técnico da

sociedade, tende a reproduzir os padrões de consumo das economias centrais, orientados por

interesses exógenos ou conjugados a estes (SAMPAIO JR., 1999:77).

Furtado (1998:49) ao refletir sobre a atualidade do subdesenvolvimento e as

alternativas para superação da dependência tecnológica, aponta para a importância da

discussão sobre a relação entre as formas de organização da produção e os requisitos sociais

para o uso das tecnologias atuais, uma vez que não se trata apenas de introduzir e aplicar tais

técnicas, mas da real possibilidade de acesso a tais tecnologias dentro de uma perspectiva

relativamente autônoma de definição do processo de acumulação, condição para a geração de

efeitos benéficos sobre a distribuição do excedente gerado.

Nesse sentido o apoio ao agente pequeno e sua modernização não se objetiva como

algo positivo em si mesmo. É preciso que esta opção vá encontrar correspondência em

dinamismos socioculturais que venham a estabelecer condições para superação da

subordinação dependente nas relações intercapitalistas heterogêneas que marcam suas

relações com o capitalismo avançado.

Os processos de subcontratação nos seus mais variados moldes devem engendrar

novas formas de relacionamento empresarial, distintas daquelas que vêm marcando as

relações sociais de produção, derivadas da economia colonial e perpetuadas nas diversas

órbitas das progressões de seu desenvolvimento dependente.

Para Furtado (1998:50) as iniciativas mais importantes para a superação do

subdesenvolvimento na segunda metade do século XX, foram levadas a cabo segundo

modelos baseados na coletivização dos meios de produção, na prioridade à satisfação das

necessidades básicas ou no ganho de autonomia externa. Dentre tais alternativas, a última

parece ser aquela que o Brasil vem intentando seguir ou, pelo menos, a mais aderente às

políticas voltadas para a PE como ator estratégico do desenvolvimento. Tecnologias voltadas


117

para o produto e competitividade baseada em economias na produção são os requisitos

competitivos no âmbito externo. O efeito indutor interno está vinculado às próprias

características estruturais da PE enquanto gerador de emprego e renda, alguma seletividade

setorial e desenvolvimento de relações externas mais autônomas. No entanto, segundo o

próprio autor é necessária a identificação de bases sociais, com poder suficiente para impor tal

decisão, que não estão presentes nem “nas elites tradicionais voltadas para a modernização

dependente, nem tampouco nas maiorias preocupadas em ter acesso imediato a melhoras nas

condições de vida” (FURTADO, 1998:53).

Embora tais condições conduzam a mais um tipo de autoritarismo planificador ou a

existência de estratos sociais que pudessem se identificar com tais possibilidades - o que

permite pensar em tipo de pequeno empresário criativo e empreendedor, o que importa é que

tais condições parecem estar ainda longe das intervenções concretas do Estado ou do próprio

empresariado, uma vez que requereriam, como aponta Furtado (1998:54):

- Maior autonomia de decisões que limitem a drenagem do potencial de investimento

para o exterior;

- estruturas de poder que dificultem o acesso a este potencial pelo processo de

acumulação dependente e que abra caminho à homogeneização social;

- um certo grau de descentralização das decisões empresariais que incentive e assegure

o uso desse potencial e;

- estruturas sociais que abram espaço à criatividade num amplo horizonte cultural e

gerem forças preventivas e corretivas nos processos de concentração de poder.

Como se depreende, as dificuldades do processo de homogeneização social

relacionadas às questões estruturais de concentração de poder e acumulação dependente, a que

o autor se refere, parecem estar no centro da perspectiva de uma pequena empresa capaz de

responder positivamente ao desenvolvimento socioeconômico nacional.


118

É dentro da perspectiva exposta que tomamos a análise atualizada de Sampaio Jr.

(1999) acerca dos dilemas do capitalismo dependente e seus limites estruturais no marco do

capitalismo globalizado, mais especificamente, a apropriação que faz das obras de Caio Prado

Jr., Celso Furtado e Florestan Fernandes, em especial este último, para inseri-la no espaço da

PE, procurando retirar dessa reflexão evidências que sustentem uma análise das possibilidades

de constituição de uma PE competitiva que leve em conta os limites estruturais do capitalismo

dependente, em termos das formas institucionais que circunscrevem a PE. Ou seja, os limites

que o capitalismo dependente impõe à construção de um projeto de desenvolvimento

autônomo e auto-sustentado implicam certas relações institucionais que obstaculizam a

constituição de uma PE dotada dos atributos competitivos exigidos pela atual organização da

produção capitalista no marco desse capitalismo globalizado.

Neste novo marco, reduz-se drasticamente a liberdade das economias dependentes

para impulsionar o processo e consolidação de seus Estados nacionais:

Na era da mundialização do capital, o capital internacional com total mobilidade


estabelece de forma determinativa suas estratégias de valorização da riqueza em
escala mundial e por essa lógica resta aos países periféricos franquear seu espaço
econômico, coibir o êxodo de correntes migratórias que gerem instabilidade nos
paises centrais e aliviar o estresse produzido no centro altamente industrializado,
aceitando o papel de pulmão e lixo da civilização ocidental. [Assim] as nações
emergentes ficam sujeitas a processos de reversão neocolonial que desarticulam seus
centros internos de decisão e quebram a espinha dorsal do sistema econômico
nacional (SAMPAIO JR., 1999:24).

Para o autor, tal situação dificulta a construção de mecanismos e processos que

permitam ao país buscar de forma autônoma sua inserção no capitalismo mundial, bem como

à esfera política a função de construção da nação, restando somente a possibilidade de

integração dependente, o que não permite a superação do subdesenvolvimento, pelo

contrário, tende a aprofundar o quadro de desigualdades, colocando em contradição a situação

de dependência e o processo de desenvolvimento nacional.

Segundo Sampaio Jr. (1999) é a redefinição de tempo e espaço, característica do

processo de transnacionalização do capitalismo, que desarticula as bases do regime de


119

acumulação capitalista e o equilíbrio de forças até então vigentes, estabelecendo novas

condições de inserção no sistema capitalista global e requerendo a reelaboração dos projetos

de desenvolvimento nacionais, em especial, das economias dependentes como a nossa.

Um conjunto de fatores e fenômenos decorrentes e estabelecidos pelo novo paradigma

tecnológico e pela financeirização da economia modifica significativamente os parâmetros de

produtividade do trabalho, bem como ampliam consideravelmente o espaço e os modos da

concorrência capitalista, resultando assim, por um lado, na impossibilidade dos sistemas

produtivos acompanharem o novo ciclo de incorporação de progresso técnico e, por outro

lado, na falta de controle sobre os movimentos do capital e, conseqüentemente, dificultando o

controle dos fundamentos macroeconômicos pelos Estados nacionais.

Para os países subdesenvolvidos, isto significa um aprofundamento da problemática de

internalização do circuito de valorização do capital ao espaço nacional..

O capitalismo dependente se caracteriza pela reprodução de uma série de nexos

econômicos e políticos que bloqueiam a capacidade de a sociedade controlar seu tempo

histórico. A perpetuação de mecanismos de acumulação primitiva e a difusão desigual do

progresso técnico fazem com que os produtores não tenham necessidade e possibilidade de

transformar a inovação em arma da concorrência. A manutenção de uma superpopulação à

margem do mercado de trabalho impede que a acumulação tenha que socializar os ganhos de

produtividade do trabalho, de tal forma que a evolução da economia capitalista não pode ser

pensada como decorrente da concorrência e sim como resultado de adaptações a mudanças

exógenas ao espaço nacional, ou seja, a racionalidade econômica passa a ter um caráter

meramente adaptativo (SAMPAIO JR.,1999:92).

O problema da adaptação reside na impossibilidade da transposição automática para a

periferia dos suportes econômicos, socioculturais e morais requisitados por estas

transformações difundidas do centro. Tais condicionantes externos não são capazes de definir
120

unilateralmente o movimento das sociedades dependentes.

Isto significa que o processo de desenvolvimento vai depender do modo como a

sociedade periférica vai responder ao impacto desses condicionantes, cujo sentido, ritmo e

intensidade são condicionados por decisões políticas internas.

O que queremos evidenciar da visão de Sampaio Jr., sem entrar na discussão sobre

suas concepções sobre as relações capitalistas ou a dinâmica de desenvolvimento do

capitalismo, é a existência e os mecanismos de reprodução desses “nexos do capitalismo

dependente”, que impedem ou dificultam a consecução de uma ordem societária onde os

agentes sociais em geral sejam capazes de engendrar ações que venham a, no horizonte e de

forma duradoura, transformar relativamente seus destinos, à medida que o fulcro do nosso

questionamento está na idéia presente no subjetivismo social, que acaba por atribuir aos

indivíduos a responsabilidade exclusiva pela sua posição social.

Para isso vamos nos valer das elaborações feitas por Fernandes (1981, 1987) acerca da

formação e desenvolvimento de uma ordem social competitiva no capitalismo dependente

que começa a se configurar a partir da Independência. Ao mesmo tempo e considerando a PE,

seu agente, como uma categoria social distinguível nas relações que estabelece com outros

agentes posicionados no campo social, buscamos levantar a forma de inserção de sua

progênie, considerada em sua distinguibilidade social, procurando evidenciar as condições

objetivas dispostas para sua existência e reprodução ao longo desse processo, a partir da

interpretação feita por Prado Jr. (1999) da formação do país.

O que nos interessa é identificar os limites estruturais que condicionam a

competitividade da PE e verificar o quanto tais limites estão associados à formação e

desenvolvimento da ordem social competitiva em Fernandes (1987), admitindo para isso que,

na manutenção dessa ordem em seus aspectos fundamentais conformes à evolução da

dinâmica capitalista, tais limites continuariam a viger. A associação da PE (sua progênie) com
121

o tempo da colônia em Prado Jr. (1999) justifica-se como origem da ordem social e, por

conseguinte, desses limites estruturais que, institucionalizados como cultura dessa progênie da

PE, ainda poderiam ser presenciados atualmente. Cumpre salientar que, no caso, evidenciar os

efeitos de uma problemática estrutural através de manifestações culturais, como uma sub-

cultura do agente pequeno em sua progênie, se constitui num artifício usado para mais adiante

poder proceder ao contrário no sentido de identificar a permanência de uma problemática

estrutural pela manutenção da mesma sub-cultura. Não significa que a natureza do problema

seja de ordem cultural ou que possa ser transformado nesse âmbito.

Entendemos a subordinação como uma invariância estrutural que, não obstante, as

transformações capitalistas ocorridas em paises periféricos de capitalismo dependente como o

Brasil, manifesta-se sobre essa categoria social intermédia onde em tempos distintos se

encontram o pequeno e sua progênie, submetendo-os, sob formas e mecanismos diversos, à

mesma lógica subordinativa. Assim, nos apropriamos com certa liberalidade, posto que temos

a pretensão de elaborar um campo da pequena produção, do “modo de pensamento” utilizado

por Bourdieu para “investigar as propriedades invariantes reveladas pela comparação dos

diferentes universos tratados como ‘casos particulares do possível’[...] baseados na hipótese

de que existem homologias estruturais e funcionais entre todos os campos [que] têm uma

eficácia heurística eminente, isto é, a que toda a tradição epistemológica reconhece à

analogia” (BOURDIEU, 1998:67).


122

3.1 - A PEQUENA EMPRESA (SUA PROGÊNIE) NA “FORMAÇÃO DO BRASIL

CONTEMPORÂNEO”

Segundo Prado Jr. (1999) o início do séc. XIX marca ao mesmo tempo uma etapa

decisiva em todos os campos na nossa evolução, por isso um momento de síntese de três

séculos de colonização, e uma chave insubstituível para a interpretação do processo histórico

posterior que vem a ser o Brasil de cinqüenta anos atrás, época em que escreve, mas que pode

ser estendida aos dias atuais. “Criou-se no plano das realizações humanas algo de novo [...]

até uma consciência, mais precisamente uma certa ‘atitude’ mental coletiva particular”, diz o

autor, e completa “este processo histórico se dilata, se arrasta até hoje e ainda não chegou a

seu termo” (PRADO JR., 1999:10). Para compreender e interpretar o Brasil e o meio que o

cerca na atualidade é preciso que “se analisem os elementos da vida brasileira contemporânea

[e] o passado, aí ainda está, bem saliente [...] O Brasil que salta à vista é um organismo em

franca e ativa transformação [mas] em todo caso, atrás daquelas transformações [...] sente-se à

presença de uma realidade muito antiga [...] que não é senão aquele passado colonial”

(PRADO JR., 1999:11).

Aliás, o Brasil parece adentrar mais uma etapa de seu processo formativo sem ainda

conseguir alterar a lógica orientadora desse percurso e nesse sentido, o trabalho de Prado Jr.

constitui-se em reflexão atualizada e pertinente aos nossos objetivos.

Seguindo sua apreciação quanto ao imbricamento entre passado e futuro, o autor

elenca um conjunto de fenômenos não ainda consolidados e que dificultam a autonomização e

auto-sustentação da economia propriamente nacional. Por exemplo, a organização ainda

parcial do trabalho livre, a produção ainda voltada para ao mercado exterior (e cumpre aqui

apontar que tal aspecto não se deve primariamente às características atuais dos mercados

mundiais, mas a necessidades estruturais de nossa economia) e a falta de um mercado interno


123

alicerçado e organizado. Nas relações sociais tal efeito também se manifesta, sendo a

desigualdade perceptível não apenas no campo material, mas no próprio estatuto moral onde

categorias sociais claramente se projetam para o passado.

“O verdadeiro sentido da colonização tropical” aqui impresso é responsável por “um

tipo de sociedade inteiramente original [que] conservará um acentuado caráter mercantil; será

a empresa do colono branco, que reúne à natureza, pródiga em recursos [...], o trabalho

recrutado entre raças inferiores que domina [...] No plano mundial e internacional toma o

aspecto de uma vasta empresa comercial”. Tal sentido “explicará os elementos fundamentais,

tanto no econômico como no social, da formação e evolução históricas dos trópicos

americanos” (PRADO JR., 1999:31).

O caráter “inteiramente original” da sociedade brasileira é um dado importante em

nossa interpretação no sentido de não desprezá-lo como elemento que singulariza o campo de

análise, coisa que vem sendo feita de forma desatenta, como mera declaração ou constatação

de um fato ou como uma variável que manipulada permitisse a comparação com outras

realidades sociais ou a introdução em outra metodologia de análise social.

O relato copioso de situações geradas pelo “sentido da colonização” feito por Prado Jr.

(1999) mostra como a orientação colonial exclusiva para a exploração dos diversos recursos

disponíveis determinou um conjunto de disposições estratificantes sobre as demais esferas da

vida gerando as condições para a institucionalização de práticas, comportamentos, atitudes e

mecanismos socioculturais, políticos e econômico-produtivos.

Já se pode perceber a instauração de uma lógica subordinada entre as diversas

atividades produtivas, uma distinção clara entre a valorização das atividades - aquelas que

mais tarde vão ser desempenhadas pelo pequeno - quando Prado Jr. analisa a configuração da

produção agrícola de subsistência em termos de “seu papel secundário e de nível

extremamente baixo” e que “por efeito de uma espontânea seleção social, econômica e moral”
124

cabe realizá-la “as categorias inferiores da colonização” (PRADO JR., 1999:161).

Infere-se igualmente a amplitude que tais disposições assumem quando ele diz que “o

resultado desta política [...] acabou por se identificar a tal ponto com a sua vida [do Brasil],

que já não se apoiava unicamente em nossa subordinação de colônia”. Assim, o estatuto

colonial ganha estrutura e a dinâmica não só de fato como de direito, cabendo à metrópole

“apenas em contribuir com sua ação soberana para manter uma situação que se tornara

efetiva” (PRADO JR., 1999:126).

Se a uma forma da orientação exploratória intensa e voltada para fora; o espírito

aventureiro e antiecológico voltado a interesses imediatos e o caráter subsidiário e dependente

de atividades de menor capacidade de acumulação; a disposição para o autoritarismo e para a

intervenção (sempre com vistas a garantir privilégios, status e interesses dominantes) ou a

passividade da sociedade podem ser visualizadas no espaço social atual, num regime de

classes plural é possível que as disposições estratificantes ainda se manifestem mesmo neste

regime plural e numa ordem social competitiva desenvolvida.

A “atonia econômica” e “vital” percebida por Prado Jr. (1999:12) como um dos

problemas fundamentais postos em questão desde duzentos anos atrás, precisa ser avaliada e

analisada em termos que levem em causa os elementos específicos da vida brasileira. Os

elementos que a configuram não estão no plano individual conforme o próprio autor percebe,

mas nas condições derivadas da situação colonial que vão se estruturar dali por diante, durante

o processo de formação de uma ordem social competitiva, mantendo em tempos e espaços

econômicos e sociais variáveis, maior ou menor preponderância. O que interessa é perceber

que são condições objetivas que propiciam, não uma, mas várias “atonias”; segundo sua

permanência variável nas diversas etapas da formação social e econômica do país.

O agente pequeno, participante dessa vida em diversos níveis, aspectos e papéis, ocupa

uma posição determinada nos diversos campos onde atua e logra com isso ser influenciado e
125

poder influir. No entanto, a posição decorrente de sua condição pequena, na dinâmica de uma

sociedade relativamente estamental, sobrepuja qualquer outro atributo que possa ter,

reduzindo suas possibilidades de valorizar estes atributos e com isso modificar sua posição.

Esse “freio” sócio-dinâmico que aparece em Prado Jr. (1999), está presente e é o responsável

pela “atonia vital” de nossa sociedade em Fernandes (1981).

A interpretação feita por FERNANDES (1987) da figura do imigrante na “Revolução

Burguesa no Brasil” nos fornece uma evidência histórica concreta quanto à existência de

limites estruturais à competição e à competitividade próprios à ordem social capitalista que se

desenvolvia, que tornam inadequado o tratamento da questão na esfera cultural, mesmo diante

da institucionalização de uma série de hábitos e comportamentos que permitem, que a

problemática seja formulada como uma sub-cultura que, ao transformar-se deixe de exercer os

constrangimentos à instauração de novos comportamentos, hábitos e disposições para a ação

dos indivíduos que a ela estão submetidos.

Considerada, a figura do imigrante, por ter introduzido no Brasil “maneiras de ser, de

pensar e de agir em que o ‘cálculo econômico’ e a ‘mentalidade racional com relações a fins’

acabaram alcançando, pela primeira vez no nosso País, a consistência estrutural e funcional

requerida pelo padrão capitalista de organização da personalidade, da economia e da

sociedade” (FERNANDES, 1987:141), o autor reconhece que tal influência não decorre,

como normalmente se postula, do simples transplante de uma “mentalidade capitalista” como

se sua chegada introduzisse no país os elementos instituintes de uma outra ordem social

competitiva no lugar da ordem social senhorial e escravocrata em crise.

Embora tenha se constituído num núcleo racionalizador capitalista em virtude de sua

origem e das motivações psicossociais de natureza econômica que o traziam à terra,

qualidades que o tornavam um agente privilegiado das transformações estruturais que

ocorriam, enquanto fenômeno cultural instituinte é um mito à medida que o sucesso tenha
126

sido alcançado apenas por um ou outro, não obstante tenha sido construída simbolicamente

uma trajetória lendária em torno de sua figura.

A compreensão dessa passagem tem para nossos propósitos duas significações. A

primeira em relação à metodologia analítica apropriada para lidar com processos originais de

transformação social e econômica, quando mostra como, num determinado momento histórico

específico, são as condições estruturais e sua dinâmica social que condicionam as

possibilidades de mudança e orientam a ação subjetiva dos agentes, o que demonstra a

pertinência do enfoque analítico que adotamos e a inadequação da transposição automática

para abordagens voluntaristas de cunho individualista.

A segunda, em relação à natureza e sentido da função e papel do imigrante no contexto

do desenvolvimento, onde algumas analogias com o pequeno se colocam em perspectiva.

Posicionados em conjunturas de crise, enquanto agentes de transformação, ambos são vistos

como portadores de atributos intrínsecos - individualizados e exógenos à cena local - que os

tornam capazes de instaurar uma nova dinâmica à organização da produção. É como ver de

novo o mesmo fenômeno que Fernandes (1987) demonstrou inadequado do ponto de vista da

análise intentada, ao não levar em consideração os condicionantes estruturais e os limites

institucionais à perspectiva de mudança encapsulada na ação competitiva do pequeno.

Para Prado Jr. (1999), contudo, é a escravidão que, junto com o grande domínio, se

constituem nos dois principais elementos que tornam original e peculiar a colonização do

Brasil, repercutindo fundo na formação social e econômica deste país. A escravidão vai

restaurar aqui uma forma institucional de trabalho que só tem sentido no aspecto material de

realização de uma empresa comercial e que termina por tornar o instituto do trabalho algo

pejorativo e desabonador.

A escravidão e o sistema econômico da produção colonial não permitiriam a criação

de condições objetivas para o trabalho que não seja o escravo, “tão pequena margem de
127

ocupações dignas se destine ao homem livre” - feitor ou mestre dos engenhos; algum ofício se

totalmente branco não for ou, contrariamente, as funções públicas; ou o comércio se do Reino

provir. As armas e a igreja são as principais possibilidades. Com isso:

[Forma-se] um vácuo imenso entre os extremos da escala social [e] entre estas duas
categorias [os senhores e os escravos] nitidamente definidas e entrosadas na obra de
colonização, comprime-se o número[...]dos desclassificados, dos inúteis e
inadaptados; indivíduos de ocupações mais ou menos incertas e aleatórias ou sem
ocupação alguma (PRADO JR., 1999:281).

Dentro dessa camada intermediária “uma subcategoria é composta pelos que vegetam

num remoto qualquer da colônia, mantendo-se ao deus-dará”. Uma segunda parte, nas

cidades, “se encostam a algum senhor poderoso” - são os “agregados”, os moradores dos

engenhos, uma condição original de vassalagem. Por fim, os desocupados permanentes que

“enveredam francamente para o crime” - é “a casta numerosa dos ‘vadios’”, objeto de

preocupação constante das autoridades.

Importa também perceber que este sistema social se constitui a partir de condições

objetivas que se cristalizam a partir dos propósitos e da forma originais como a colonização se

desenvolve.

Nas formas organizativas que desenvolve, o clã patriarcal é o exemplo mais

interessante a nossa conveniência. Pois, sob sua égide instaura-se um domínio que se expressa

por meio de um conjunto vasto de relações sociais e formas institucionais de subordinação e

dependência que ultrapassa de longe as relações de produção escravistas. Ou seja, toda aquela

parcela intermediária da sociedade vai de uma maneira ou outra se definir, identificar-se e

ganhar algum tipo de existência concreta a partir do estabelecimento de relações com o

senhor.

Verdadeira “célula orgânica da sociedade colonial”, o grande domínio vai modelando

as relações sociais sob sua influência, criando um conjunto de mecanismos que, ao mesmo

tempo em que abrandam a crueza e autoritarismo da ordem escravocrata, a reforçam

tornando-a mais aceita e consentida.


128

Compadrio e apadrinhamento, agregados, rendeiros e obrigados são alguns exemplos

de práticas e categorias sociais desenvolvidas. Mesmo as pequenas propriedades não escapam

a essa esfera de influência. Na cidade tal hierarquização é semelhante. À medida que o

comercio é privilégio dos reinóis, surge um conjunto de intermediários, testas-de-ferro e

comissários que assume a mesma estrutura e dinâmica social instaurada pelo grande domínio

e pelo clã patriarcal.

Fora deste núcleo social há um “setor imenso e inorgânico de populações

desenraizadas”, um ambiente de inércia, de desagregação, de “inorganização”, de

precariedade material onde a própria reprodução de tal forma se coloca como problema

imediato que não seria surpresa que as tentativas de identificação social se dessem por

aderência ou através de mecanismos utilitários e que tivessem por contrapartida uma

funcionalidade qualquer à manutenção/integração do próprio sistema. O próprio Prado Jr

(1999:345) percebe quando diz que é justamente essa inércia que “explica suficientemente a

relativa estabilidade da estrutura colonial. [...] É fundada nisto [tênues laços materiais

primários, econômicos e sexuais] que a sociedade brasileira se manteve”.

O papel dessas camadas intermediárias se assemelha à ambigüidade que caracteriza as

classes médias, distinguindo-a da condição escrava e remetendo sua possibilidade de ascensão

social ao plano das iniciativas individuais. Tal situação é adequada à obra colonizadora na

medida em que não põe em risco as condições de reprodução da ordem dominante ao mesmo

tempo em que se constitui na única ou nas raras possibilidades de identificação social.

São várias as passagens relacionadas à vida social, política e administrativa da colônia

e que se estendem até o princípio do séc. XIX, que demonstram que o caráter hierárquico e

subordinado das relações em geral transcende ao econômico e se imiscuem nas demais esferas

da vida brasileira.

Muitas vezes, a condição econômica em si é sobrepujada por outras formas de relação


129

social que classificam a pessoa em uma posição que suas condições de posse não permitiriam.

A nobilitação processa-se pelos mais diferentes e variados meios, porém sempre

associados à esfera do domínio de um senhor/proprietário (agregados, obrigados, testas-de-

ferro, comissários e mesmo os pequenos proprietários), à condição de origem reinol ou a uma

posição na ordem administrativa (militar, eclesiástica, civil ou judiciária).

Tentar estabelecer uma análise em termos da oposição grande - pequeno não parece

apropriado tanto quanto o fazem aqueles que tipologizam a pequena empresa. No entanto, não

se pode deixar de assinalar a importância que o grande tem na formação social e econômica

do país. O grande domínio e o clã patriarcal são expressões concretas que vão estruturar as

relações econômicas e sociais do país e deixam instituído todo um conjunto de hábitos,

normas, comportamentos e valores cujos reflexos são ainda visíveis.

O trabalho de Flexor (1996) nos traz informações sobre as institucionalidades

referentes aos ofícios no período colonial. Sobre a natureza fiscalista do Estado, fato

recorrente ao longo de nossa história, podemos vê-lo não apenas sobre atividade produtiva

principal exportadora, mas também em relação àquelas atividades artesanais e comerciais que

se constituem na progênie da PE.

Não bastasse isso, na produção de bens, a tributação contratada, pela forma como era

praticada, impelia o reduzido número de produtores a limitar ainda sua produção a níveis

garantidos, o que acaba por institucionalizar o que Prado Jr. vai chamar de “atonia

econômica”.

Flexor (1996:182) nos mostra a natureza estamental burocrática com que essas

atividades eram revestidas. Cargas, licenças, fianças, exames, regimentos posturas, correições

e acusações, se constituem na ampla variedade de cargos, tributos e instâncias de controle e

regulamentação a que eram impostas as atividades artesanal e comercial e os ofícios coloniais.

Apesar disso, a burocracia normativa para o exercício dos ofícios, principalmente o


130

tabelamento de preços, não era muito respeitada e a sua desobediência mais ou menos

generalizada. Por sua vez, as contravenções às posturas previam sanções bastante penosas à

época, de natureza pecuniária ou física e moral, quando não ambas. Pelo que podemos

deduzir, tal relação ainda hoje se configura e tem seus efeitos contestados pela literatura

específica.

De uma ou outra forma, mas sempre com o mesmo sentido, o ambiente institucional

da colônia é absolutamente desolador no que tange às possibilidades de produção além das

atividades exportadoras e de atuação, fora a condição de “instrumento vivo de trabalho”. Por

outro lado, sobram condições para o apassivamento, a articulação funcional dependente e

subordinada, a opressão e a desmoralização de qualquer coisa que não estivesse contida no

grande domínio ou na burocracia estamental.

Se a tudo e a todos esse espírito relativo a ganhos o sistema colonial envolve, o extrato

intermediário e indefinido, chamado na ocasião de “povo brasileiro” (PRADO JR.,1999:281)

também vai trilhar a mesma senda, não havendo motivo genérico para que não o faça, que se

possa atribuir a essa camada intermediária e sua contigüidade, de onde, com maior ou menor

precisão o pequeno.

Por outro lado, é possível aventar que, dada sua situação intermediária, menos definida

e ambivalente, num quadro social totalmente polarizado, seriam esses extratos intermediários,

que nem ao menos possuíam uma identidade própria e já montavam a quase metade da

população (COUTY apud PRADO JR., 1999:282), aqueles que maior propensão tivessem a

consagrar os princípios instituídos da época, malgrado todas as conseqüências negativas que

daí adviriam, seja pela posição relativamente favorecida em relação aos escravos, seja pela

falta de alternativas outras e, enfim, pela ambivalência própria dessas camadas.

Se em algum momento histórico da luta de classes no capitalismo, a pequena

burguesia existente nos países onde o mesmo desenvolveu-se nos moldes clássicos, dispôs de
131

condições objetivas que lhe permitisse vir a desenvolver uma consciência de classe enquanto

classe dominada, tais condições no marco do Brasil colônia ou império nunca alcançaram um

limiar sequer de objetividade para as camadas sociais intermediárias ou outros agregados

sociais que gravitavam em torno do clã patriarcal ou do grande domínio e que, mais adiante,

viriam a se constituir como extratos médios e pequena burguesia na formação da ordem social

do capitalismo competitivo no Brasil.

Mesmo considerando o crescimento e a evolução que o país sofre, com os processos

de diferenciação social que vão emergindo e se intensificando, o que torna apenas esses

limites sociais menos distintos e mais plásticos, não conseguimos perceber um movimento de

mudança ou transformação (não é só Florestan Fernandes que atesta tal fato) que possa alterar

substantivamente o quadro institucional vigente. Nesse caso, carece de sentido a necessidade

de maior precisão quanto à especificação do pequeno e com alguma margem de erro, sem

dúvida, podemos convencioná-lo como portador dessas institucionalidades.

É dentro desse quadro institucional que se questiona quão tributário desta ordem social

e moral colonial, fundada na estreiteza com que a forma produtiva original aqui se instala e

vai institucionalizar “um tom geral de inércia” (PRADO JR., 1999:349), é o sentido do

empreendedorismo. E se concordamos com essa vinculação de sentido, independentemente do

grau com que ela se desenvolve, por qual lógica - aquela baseada na cooperação ou na ação

oportunista individual - podemos associar a perspectiva do ganho que estimula o pequeno

empresário brasileiro - campeão mundial de empreendedorismo (REYNOLDS et al., 2000,

2001; EMPREENDEDORISMO, 2003).

Que motivos temos para argüir uma mudança na natureza dessas relações na

atualidade se os números sociais são semelhantes e a lógica exploradora - subordinativa e

dependente - muda de feição apenas para reproduzir-se de forma ainda mais intensificada.

Que motivações dispomos para participar de um espaço competitivo caracterizado pelo


132

“aproveitamento de oportunidades” crendo que ali se possam desenvolver relações de

produção mais eqüitativas - as decantadas “parcerias”. Que razões existem para crer que o

empresário capitalista nacional da atualidade paute suas estratégias em mecanismos que

estimulam a competição como forma de elevação da produtividade, quando o ambiente

ultracompetitivo recém inaugurado instila uma dinâmica empreendedora individualista de

início de ciclo inovativo e econômico que, nos distritos italianos tidos como modelo de

empreendedorismo virtuoso calcado na cooperação coletiva introduz uma série de ameaças à

manutenção e sobrevivência do modelo, enquanto aqui não conseguimos desfrutar com a

amplitude das economias mais avançadas - das conseqüências sociais do desenvolvimento

capitalista.

3.2 - A PEQUENA EMPRESA NA ORDEM SOCIAL COMPETITIVA

O conflito de interesses no capitalismo é algo central à compreensão desse processo,

constituindo-se, propriamente, em seu motor. Todavia, a pretensão das doutrinas liberais em

tratá-los como interesses individuais em confronto uns contra os outros, é para nós

inadequado à medida que, dentre as demais objeções que a teoria das classes sociais

apresente, impossibilita-nos a análise sob a ótica das relações de dominação dos processos de

desenvolvimento em países subdesenvolvidos. Embora todo o conjunto de dificuldades que

cerca a utilização da classificação social, não significa que a lógica dos interesses de classe

não opere concretamente, fato que nos impele a usar este arcabouço teórico que possibilita

uma compreensão específica da natureza conflituosa das relações sociais de produção.

Tal escolha torna-se ainda mais interessante conforme as abordagens da PE em voga,

de fonte liberal que apresentam o conflito individualizado na figura criativa e assumidamente

arriscada do indivíduo empreendedor, e a possibilidade de sua superação à medida que as


133

figuras desse empresário e do trabalhador (especializado) apresentam-se nas relações de

produção ora mescladas ora difusas ou, quando individualizadas, imersas numa relação

inescapável de interdependências que são construídas simbolicamente pela associação de

categorias polares, como o pequeno-grande ou cooperação-competição, cujas matrizes

institucionais são elaboradas cognitivamente a partir de princípios contrários.

Não pretendemos discutir a posição do agente da PE em classes sociais, muito menos

sua possível (ou impossível) consciência ou ação de classe. Mesmo porque tal discussão é

problemática e inconclusa no que diz respeito a um entendimento melhor da dinâmica social

da pequena burguesia.

No entanto, a perspectiva de classes no caso brasileiro contém elementos específicos

que não podem ser deixados de lado sob pena de lançar menos luz ainda sobre essa realidade

desigual que cerca o processo de desenvolvimento nacional e, à medida que o pequeno surge

como forma produtiva que pode protagonizar esse desenvolvimento, a especificidade das

classes sociais no capitalismo dependente precisa ser avaliada em termos de sua influência

sobre a institucionalização do pequeno.

Portanto, não discutimos o pequeno enquanto classe ou fração de classe, mas como

uma categoria social que, em relações sociais especificadas, pode ser visto no limite estrito

dos interesses inscritos na dinâmica dessas relações, ou seja, pode ser percebido atuando em

posições de classe dominante ou dominada.

Inicialmente, importa perceber a centralidade de classe social no processo de

desenvolvimento capitalista, mais especificamente onde o capitalismo conseguiu engendrar

uma “sociedade de classes” caracterizada por possuir:

...uma estratificação típica, na qual a situação econômica regula o privilegiamento


positivo ou negativo dos diferentes estratos sociais, condicionando assim, direta ou
indiretamente, tanto os processos de concentração social da riqueza, do prestígio
social e do poder (inclusive do poder político institucionalizado e, portanto, do
poder de monopolizar o controle do Estado e de suas funções), quanto aos
mecanismos societários de mobilidade, estabilidade e mudança sociais
(FERNANDES, 1981:33).
134

Com isto podemos ver a potência compreensiva que a análise da dinâmica de classes

possibilita. No entanto, conforme o próprio autor já declarava à época da publicação (1971) -

mas nem por isso menos adequado à conjuntura atual - a utilidade do conceito de classe social

vem sendo questionada por razões internas à própria evolução do capitalismo, como se tivesse

sido superado pelo seu próprio estado de desenvolvimento.

Entrementes, duas objeções devem ser levantadas a esse respeito. A primeira revela a

natureza limitada dessa superação uma vez que estejamos vivendo hoje um momento

histórico onde a característica monopolista e hegemônica do capitalismo se reafirma em

escala mundial recolocando a idéia de classes em uma escala mais ampla. A segunda, diz

respeito ao fato de que em países subdesenvolvidos e/ou dependentes tal superação não possa

sequer ser advogada, o que conduz a uma outra argumentação contrária a sua utilização - a da

dificuldade de utilização por se tratar de realidades sociais onde não se desenvolveu uma

“sociedade de classes” nos moldes clássicos.

A esse respeito a contribuição de Fernandes (1981) é inestimável ao perceber a

especificidade na qual o capitalismo e a sociedade se desenvolvem - sem contar com

condições de crescimento auto-sustentado e de desenvolvimento autônomo - de tal modo que

“classes e relações de classe [careçam] de dimensões estruturais e de dinamismos societários

que são essenciais para a integração, a estabilidade e a transformação equilibradas da ordem

social [competitiva] inerente à sociedade de classes” (FERNANDES, 1981:35).

Tal problemática no entanto, não significa que uma “ordem social competitiva” não

exista ou não faça diferença, e sim que precisa ser conceituada, analisada e interpretada tendo

em vista uma situação histórica peculiar, “na qual a realidade se apresenta de uma outra

maneira”. É justamente essa outra maneira da realidade que nos interessa à medida que ela se

insinue certamente sobre o pequeno em sua institucionalização recente.

Além disso, acreditamos que o recurso à análise do pequeno enquanto classe possível
135

é questionável pelos mesmos motivos, assim como é passível de incorporar as mesmas

objeções feitas por Fernandes e acima apresentadas. Se, no bojo dos processos de

reestruturação produtiva o pequeno tem sido explicitamente objetivado enquanto agente de

desenvolvimento capitalista e se, no mais das vezes, tal integração à dinâmica capitalista se

estabelece a partir da dinâmica ultracompetitiva que marca o ambiente produtivo, quando não

através de relações com a grande empresa hegemônica, significa que ao delimitarmos um

campo de relações de produção, faz sentido analisarmos a situação e a posição do pequeno a

partir da dinâmica de classes.

Ordem social competitiva é a forma típica com que a sociedade ao absorver o

capitalismo, como sistema de relações de produção e de troca, organiza institucionalmente o

padrão de equilíbrio dinâmico, inerente à integração, funcionamento e diferenciação desse

sistema, e o adapta a potencialidades econômicas socioculturais existentes naquela sociedade.

Nas sociedades nacionais dependentes, de origem colonial, países de capitalismo

retardatário, o capitalismo é introduzido antes da constituição da ordem social competitiva. O

capitalismo se depara com estruturas econômicas, sociais e políticas elaboradas sob o regime

colonial, parcialmente ajustadas aos padrões capitalistas de vida econômica. Tais estruturas

em relação com os dinamismos do capitalismo mundial vão definir a intensidade e os efeitos

estruturais e dinâmicos dessa fase de transição.

O processo de desenvolvimento do capitalismo dependente vai permitir que relações,

estruturas e funções oriundas de realidades históricas anteriores a sua emergência coexistam e

se superponham às classes de tal forma que os dinamismos de integração social e de

solidariedade típicos de sociedade de classes não conseguem resolver tensões e conflitos

projetados pelas relações de classe. Da mesma forma, a ausência de “dimensões estruturais e

de dinamismos societários” faz com que as contradições de classe sejam escamoteadas,

suavizadas ou anuladas enquanto tais.


136

Se tais condições não permitem que o conceito de classe social se configure como uma

categoria perceptiva e cognitiva, organizadora do comportamento coletivo e dos impulsos

para a negação e destruição da ordem existente, não significa, todavia, que os dinamismos de

classe sufocados sejam suprimidos. É esse lado do fenômeno que nos interessa, como a

dinâmica de classes pode esclarecer quanto à natureza das relações de produção na qual o

pequeno se insere, no contexto de um capitalismo dependente, ou seja, de um capitalismo que

não consegue crescer de forma auto-sustentada e se desenvolver de forma autônoma.

Para Fernandes (1987:150) as estruturas econômicas, sociais e políticas da sociedade

colonial não apenas moldaram a sociedade nacional subseqüente, mas “determinaram a curto

e a largo prazos, as proporções e o alcance dos dinamismos econômicos absorvidos do

mercado mundial”.

Para Fernandes (1987:167), a idéia de competição é central para a compreensão da

especificidade com que se instaura a ordem social competitiva, pois à medida que opera como

fator de retenção e/ou revitalização de privilégios estamentais se vincula a processos que

inibem o desenvolvimento do regime de classes ou que mantém padrões de relações sociais

pré e anticapitalistas.

Trata-se de uma situação ambígua [pois] os dinamismos sociais engendrados pela


competição concorrem para manter ou preservar ‘o passado no presente’. [...] O
horizonte cultural orienta o comportamento econômico capitalista mais para a
realização do privilégio (ao velho estilo), que para a conquista de um poder
econômico, social e político autônomo, o que explica a identificação com o
capitalismo dependente, [e] a persistência de complexos econômicos semicoloniais
[e] a estreita vinculação que se estabeleceu, geneticamente, entre interesses e valores
sociais substancialmente conservadores (particularistas e elitistas) e a constituição
da ordem social competitiva. Por suas raízes históricas, econômicas e políticas, ela
prendeu o presente ao passado como se fosse uma cadeia de ferro. Se a competição
concorreu, em um momento histórico, para acelerar a decadência e o colapso da
sociedade de castas e estamentos, em outro momento ela irá acorrentar a expansão
do capitalismo a um privatismo tosco, rigidamente particularista e
fundamentalmente autocrático, como se o ‘burguês moderno’ renascesse das cinzas
do ‘senhor antigo’ (FERNANDES, 1987:167).

A idéia de uma ordem social competitiva incompleta decorre do modo específico com

que o capitalismo se expande no país, ajustando-se às condições prevalentes e com isso,

restringindo o grau de universalidade, eficácia e a intensidade dos dinamismos da ordenação


137

em classes, e operando sobre uma realidade socioeconômica que só se transformou

superficialmente à medida que a degradação material e moral do trabalho persiste e com ela, o

despotismo nas relações humanas, a superconcentração da renda, do prestígio social e do

poder, a modernização controlada de fora, o crescimento econômico dependente, etc.

Algumas das características específicas que Fernandes (1981:37) alinha a respeito das

classes sociais na América Latina mostram que:

Primeiro, as classes sociais se superpõem a outras categorias sociais de agrupamento,

de solidariedade e de articulação às sociedades nacionais. No entanto, “o núcleo integrado e

expansivo da ordem social competitiva [...] quantitativamente muito reduzido e

qualitativamente pouco dinâmico” atua como “motor da história” (grifo do autor) mais porque

nele estão concentrados os centros de decisão do que por uma lógica própria do capitalismo

moderno. Esse mesmo núcleo é abrangido por círculos sociais “privilegiados” de uma ou

outra forma, de tal sorte que poderiam ser descritos, relativamente, como “integrados” ou

“desenvolvidos”. Tais setores coexistem com a “maioria silenciosa”, uma “massa de

despossuídos, condenados a níveis de vida inferiores ao da subsistência, ao desemprego

sistemático, parcial ou ocasional, à pobreza, à miséria, à marginalidade socioeconômica, à

exclusão cultural e políticas, etc.”

Segundo, esse núcleo - classes mais ou menos integradas - não se vê como classes e

negam esse caráter às demais categorias e à sociedade global. A palavra classe tem uso

ambíguo que serve para designar grupos de status dissimulando com formas de dominação de

classe e conflitos de classe, bem como o jogo econômico, social e político imposto pelos

interesses de classe dominantes.

Por último, as analogias inadequadas com categorias próprias de outras formações

históricas, como a equivalência entre classe e estamento, que acabam por acolher

inadvertidamente “as mistificações da consciência burguesa e os mitos nacionalistas”


138

perdendo a oportunidade de perceber como comportamentos e valores de natureza estamental

são revitalizados por novas condições econômicas, sociais e políticas, dando lugar a uma

estratificação social pluralista, onde “umas classes socais são mais classes que as outras”.

Fernandes (1981:39) afirma que o modo histórico-social de concretização do

capitalismo engendra sua própria realidade e que as classes sociais não são diferentes aqui,

mas o que se distingue é o modo pelo qual o capitalismo se objetiva e se irradia

historicamente como força social, onde as aludidas “debilidades” e “deficiências estruturais”

não são situações em processo de correção, mas situações institucionalizadas e funcionais à

modalidade de capitalismo - dependente.

No plano estrutural, Fernandes (1981) afirma que a sociedade de classes, na América

Latina, é uma sociedade pluriestruturada onde sua peculiaridade resulta não da diferenciação

estrutural, mas das probabilidades de objetivação que encontra sob o capitalismo dependente.

Depende do grau de eficácia com que as funções classificadoras do mercado e as funções

estratificadoras do sistema de produção afetam a “condição burguesa”.

Duas variações típicas são apresentadas. A primeira é derivada diretamente ao padrão

dual de acumulação originária de capital e pela conseqüente modalidade de apropriação

repartida do excedente econômico nacional (sobre-apropriação). As “classes privilegiadas”

sofrem com a insuficiência das ditas funções e com a dependência em relação às economias

centrais que limitam sua “condição burguesa” a formas marginais ou segmentárias. No

entanto, dispõem do recurso a formas estamentais de defesa do prestígio social ou de

solidariedade pessoal ou de autoproteção e cooperação em defesa dos seus interesses de

classe. Com isso, transferem para as classes “baixas” e, em parte, também para as classes

“médias” os custos diretos ou indiretos do privilegiamento de seus interesses, posições e

formas de solidariedade de classe, fazendo com que os efeitos depressivos da apropriação

externa não se reflitam para si, embora “à custa da revitalização de relações econômicas, de
139

controles sociais e formas de dominação variavelmente anacrônicas”.

A segunda, diz respeito aos efeitos indiretos das conexões que se objetivam

estruturalmente entre dependência e subdesenvolvimento, que atrofiam e solapam a base

estrutural de todo o sistema societário afetando todas as classes em suas probabilidades de

atuação social como classe. Não obstante, “o ônus desses efeitos é suportado pelas classes

‘baixas’, em particular pelos trabalhadores assalariados e pelas camadas despossuídas, embora

as classes ‘médias’também sofram, pelas mesmas razões, um debilitamento social crônico”.

Graças a isso, a ordem social competitiva no capitalismo dependente se estrutura em

função de padrões de extrema desigualdade econômica, sociocultural e política, que, no

entanto asseguram a existência, a continuidade, o crescimento e o desenvolvimento da ordem

social competitiva que é possível no capitalismo dependente. “As duas variações apontadas

são apenas aspectos distintos da mesma realidade, evidenciando onde e porque tal ordem

social é ‘desenvolvida’ ou ‘subdesenvolvida’” (FERNANDES, 1981:72).

Assim se estabelecem as condições-limite nas quais a PE pode ser objeto de mudança

social e a natureza dessa mudança no capitalismo dependente. As mudanças técnicas são mais

passíveis de serem introduzidas em relação aos seus efeitos, à medida que estes possam ser

“transferidos” em grau variado para a PE. No entanto, mudanças além da dimensão material

das técnicas como a cooperação intra e interpequenos é algo menos plausível, conquanto sua

efetivação ponha em risco a estabilidade da ordem social competitiva no capitalismo

dependente, ameaçando o limite frágil no qual essa repartição se apóia.

Interessante perceber o quanto o próprio crescimento de uma PE vai se configurar

funcionalmente à autoproteção dessa ordem social do capitalismo dependente embora se

afigure como resultante do dinamismo virtuoso de uma ordem social competitiva capitalista

clássica. Tal perspectiva encerra um aspecto ideológico à medida que subjaza uma possível

relação de dominação.
140

Ora, isso se constitui num ponto crucial ao nosso trabalho, pois coloca em xeque o

sentido no qual o incitamento do agente pequeno ao empreendedorismo, à cooperatividade e à

inovatividade é postulado, conforme tenha ou não como escopo a superação dessas

debilidades estruturais.

O que nos interessa especificamente nesta interpretação sociológica do capitalismo

dependente, nos modos e na lógica com que se instala no país, bem como nas conseqüências

sociais e políticas advindas da dependência, é perceber que a institucionalização dessa lógica

vai possibilitar e orientar a reprodução de suas características em outras instâncias e níveis da

vida econômica, social e política brasileira, dentre as quais o espaço da PE. Ou seja, a PE

também se reparte em arcaico e moderno, também se orienta por esta lógica da dependência,

além da mera subordinação econômica decorrente de sua condição estrutural competitiva. O

sentido, o móvel da PE é instituído também pelo modus operandi do capitalismo dependente

tanto quanto pela sua objetivação intrinsecamente econômica.

A analogia que pretendemos, entre a dependência do capitalismo brasileiro e a

subordinação da PE à esfera capitalista dominante, não é direta e simples, mesmo sendo o

espaço da PE tributário da lógica sistêmica do capitalismo dependente. Todavia, nos

referimos à relativa correspondência, de forma simplificada, entre o pequeno e o grande tanto

como entre os dinamismos interno e externo do capitalismo dependente no que tange às

lógicas de acumulação econômica, às posições relativas em campos específicos como o do

poder e prestígio social e da produção e da necessária articulação de interesses em tempos e

ritmos históricos semelhantes.

Sobre a possibilidade dessa analogia convém levarmos em conta o que Santos

(2003:120) diz:

Os empresários das MPE [micro e pequenas empresas] sabem, pela experiência


presente de seu trabalho, pelas relações pessoais que mantêm com seus empregados
e pelo passado de assalariados e autônomos que marcam a trajetória de muitos, que
suas histórias e suas relações estão associadas muito mais ao trabalho do que ao
capital.
141

Importante frisar que, no caso, as determinações do pequeno vão além das impostas

por suas características econômicas estruturais, em virtude de sua sobre-determinação por

aspectos de natureza social, política e cultural, situadas num determinado tempo histórico. Daí

a relevância do enfoque institucional e da relativização da dinâmica microeconômica sobre o

processo de institucionalização do pequeno para a análise das possibilidades, limites e

tendências atuais quanto a um apoio e fomento ao pequeno.

É evidente que o pequeno tomado exclusivamente em um ponto de vista econômico

micro é disfuncional ao sistema capitalista, daí sua extinção prevista. Significa dizer que as

causas da sua permanência não estão no econômico, a menos de uma possível integração

funcional, o que exige algo mais além das disposições individuais do agente para a integração,

institucionalizado social e politicamente.

Com isso, embora a análise do pequeno enquanto classe em potencial não seja possível

devido a sua situação ambígua, tal qual a pequena burguesia, é possível visualizar o pequeno,

a partir de sua dominância (ou de privilegiamento, para utilizarmos a terminologia de

Fernandes) no campo das classes sociais em suas relações, ora com as posições dominantes do

campo, ora com as dominadas.

É, portanto, a interpretação da dependência, onde a condição de dominância se institui

como protagonista por excelência das relações de produção dando lugar a uma ordem social

competitiva típica na qual as “classes sociais [...] operam unilateralmente, no sentido de

preservar e intensificar os privilégios de poucos e de excluir os demais”, que nos autoriza a

analisar o pequeno como se fosse classe, sem o ser concretamente em si ou para si, a partir

dessa situação de dominância (ou não) nas relações que estabelece com os demais agentes no

campo.

Da mesma forma, o fato descrito por Fernandes (1981:43) de “[as classes sociais]

promove[re]m mudanças e inovações, em geral descritas erroneamente (como se fossem


142

produtos estáticos (grifo nosso) da mobilidade social, da industrialização e da educação),

através das quais a crosta superficial da ordem social competitiva adquire a aparência dos

modelos históricos originais” nos leva de imediato a perceber a dissimulação operada pela

dominância quanto aos conflitos e interesses de classe.

Nesse sentido, a dimensão individualística sob a qual o pequeno é instituído e sobre a

qual operam as “mudanças” e “inovações” aparentes, também nos permite a pensar o pequeno

enquanto classe, como contraponto e recurso analítico às mistificações engendradas pela

classe dominante.

Como no capitalismo dependente, que atinge um crescimento e uma modernização

sem contudo transformar tal condição em fatores concretos de dinamização da ordem

econômica, social e política, a modernização do pequeno - guardados os diferentes ritmos e

tempos históricos - também se incrusta apenas na esfera exclusiva da acumulação e da

racionalização técnica e não cria condições para uma transformação radical das relações com

o núcleo capitalista, não possibilita maior equidade nas relações com o núcleo dominante,

apenas faz aumentar o excedente a ser repartido.

É mais ou menos fácil importar e difundir técnicas, instituições e valores sociais


novos. Porém, é consideravelmente difícil criar as condições materiais e morais que
eles requerem, para produzirem o máximo de eficácia e de rendimento sociais
(FERNANDES, 1981:43).

O que enseja a modernização do pequeno atende antes de tudo às exigências de um

novo padrão produtivo, cujas conseqüências sociais não estão incluídas em si mesmo e, sim,

nas possibilidades de repartição do excedente adicional produzido. Identifica-se como forma

de intensificação da acumulação de capital, expediente próprio do modelo de capitalismo

dependente aqui desenvolvido

Em relação a esse modelo de capitalismo típico local que se desenvolve de forma

articulada, com as raízes lançadas na crise do antigo sistema colonial e com dinamismos

organizatórios e evolutivos incorporados a nações capitalistas hegemônicas, “a acumulação de


143

capital institucionaliza-se para promover a expansão concomitante dos núcleos hegemônicos

[...], as economias centrais e os setores sociais dominantes”, porém de forma tal a manter, sob

novas conexões com o capitalismo externo, o elemento central da economia colonial - a

apropriação e expropriação pré-capitalistas (FERNANDES, 1981:45).

Isto não significa, contudo, dizer que o capitalismo dependente pode ser qualificado

como colonial. O pequeno também não deve ser associado a formas pré-capitalistas, mesmo

que algumas de suas determinações assim indiquem, posto que são formas transformadas pela

evolução capitalista e que estabelecem novas conexões com o sistema de produção capitalista.

Assim, a institucionalização do pequeno, entendida como sua inserção funcional no

sistema de produção capitalista e não mais como atividade marginal desvinculada de nexos

com o campo da produção, deve ser apreciada tanto em termos da incorporação relativa de

aspectos dinâmicos de um capitalismo maduro, quanto pela manutenção de lógicas

estamentais. O que seria constante nesse desenvolvimento são as estratégias de mudança

sempre impostas pelo núcleo capitalista, por intermédio da ação de suas agências

integradoras.

Não são destituídas de razão, portanto, as críticas feitas ao pequeno em virtude de sua

incapacidade de modernizar as relações de trabalho. Porém, é necessário ampliar o horizonte

dessas críticas estendendo-o para além das motivações de natureza técnica e microeconômica,

uma vez que no pequeno também se localizam estas duas dinâmicas que servem aos

propósitos do sistema de produção e ao ritmo de acumulação dependentes, e à reprodução das

forças sociais dominantes.

Portanto, à ambigüidade típica da pequena burguesia nas formações sociais clássicas,

acresce-se aqui a lógica econômica da dependência transposta para as relações entre agentes

econômicos em diferentes posições no campo da produção, que precisam operar de forma

articulada. Como aponta Fernandes (1981:54), “um não se fortalece sem ou contra o outro.
144

[...] Por isso, sobre-apropriação e dependência constituem a substância do processo”.

Tais condições, no entanto, não podem gerar sua auto-superação, embora não seja

sobre isso que nosso trabalho versa. Importante perceber como essa dinâmica contém os

elementos do capitalismo clássico, das condições estruturais, institucionais e funcionais de sua

forma atuante no vir a ser histórico, projetados, porém, em um contexto psicológico,

socioeconômico e político próprio que resulta de sua condição dependente.

Resulta dessa junção de dinamismos associados em dependência, o que é pertinente ao

caso do pequeno, uma realidade econômica onde o padrão de acumulação de capital promove

ao mesmo tempo a intensificação da dependência e a redefinição constante das manifestações

do subdesenvolvimento. Onde os agentes econômicos podem iludir-se no plano psicológico

ou iludir aos outros, no plano político. Pois a sobre-apropriação repartida não deixa alternativa

e assim, independentemente da posição e orientação no espaço econômico, os agentes se

vêem compelidos a dar a mais completa prioridade ao privilegiamento direto de seus móveis

lucrativos em detrimento, intencional ou não, de quaisquer outras orientações a sua ação,

como, por exemplo, para a cooperação.

A possibilidade tão decantada de combinação de competição e cooperação, constante

de abordagens neo-institucionalistas, racionalmente elaborada parece originar-se em situações

históricas onde a experiência da dependência não aconteceu e/ou a situações de subordinação

devidas exclusivamente a limitações econômico-estruturais, passíveis de superação pela via

lógica e política do conflito de interesses organizados. Aqui, as funções do pequeno vão sendo

desempenhadas não apenas pela racionalização técnica, pelo compartilhamento dos riscos,

pelo ônus da criatividade imposta como condição para a realização/integração ao sistema, mas

também e sempre e de forma primordial - a depender do setor, da estrutura concorrencial, do

conteúdo tecnológico e da extensão da integração a cadeia produtiva - da intensidade de

acumulação, da capacidade de sobre-apropriação.


145

As exigências feitas atualmente ao pequeno - criar, racionalizar, exportar ou integrar -

são completamente funcionais aos desígnios impostos pela dependência. Vejamos como

Fernandes(1981:59) explicita tal raciocínio:

A revolução burguesa na América Latina, prende-se a condições estruturais e ritmos


históricos que fazem dela o pivô da associação dependente [...] das economias
nacionais [...] às evoluções externas do capitalismo. Ela separou a integração [...] do
mercado e do sistema de produção da nacionalização [...] da política econômica [e]
da mobilização socioeconômica, cultural e política da ordem social competitiva.
Com isso, as estruturas do capitalismo dependente estão preparadas para organizar a
partir de dentro as ‘condições ótimas’ da sobre-apropriação repartida do excedente
econômico e para renovar continuamente as condições de reincorporação ao espaço
econômico, sociocultural e político das sociedades hegemônicas preponderantes. A
continuidade e a constante renovação dos vínculos de subordinação [...] e da
satelitização dos dinamismos [...] não se impõe colonialmente; mas graças a uma
modalidade altamente complexa de articulação (parcialmente espontânea,
parcialmente programada, orientada e controlada) entre economias, sociedades e
culturas com desenvolvimento desigual, embora pertencentes à mesma civilização.
As duas faces dessa modalidade são o ‘imperialismo econômico’e o ‘capitalismo
dependente’ [...]. O liame que as une, porém, são as decisões internas de burguesias
que desfrutam de autonomia, para escolher soluções alternativas, e de poder, para
impor sua vontade [...]. É um erro crasso subestimar os papéis e as funções políticos
das burguesias latino-americanas na condução de seus negócios [...] Como as
burguesias da Europa e dos EUA, elas envolvem os interesses nacionais e usam o
Estado para atingir seus fins. Se o envolvimento [...] e os usos [...] adquirem um teor
antinacional e trabalham [...] contra a integração nacional [...], isso ocorre porque,
sob o capitalismo dependente, a burguesia não pode realizar-se como classe e impor
sua hegemonia de classe de outra maneira.

No Brasil, a expansão interna do capitalismo se constitui num círculo vicioso

determinado por uma combinação de influências internas e externas que calibram os

dinamismos da sociedade de classes em função dos requisitos de padrões dependentes de

desenvolvimento capitalista.

Decorrem dessa dinâmica, (a) a constante redefinição, intensificada e fortalecida, da

dominação externa, o que leva ao crescente aperfeiçoamento das técnicas de desenvolvimento

induzido, de controle à distância e de exploração indireta; (b) a existência de grupos

privilegiados internos em condições de manter o controle e, com isso, ampliar constantemente

seus privilégios, o que permite o aperfeiçoamento das técnicas de desenvolvimento por

associação dependente, de controle autoritário ou totalitário do poder e de exploração cruel da

massa trabalhadora e; (c) a redefinição e intensificação constantes da acumulação dual de

capital e apropriação repartida do excedente econômico, com o despojamento dos agentes de


146

trabalho, o que enseja a consolidação e aperfeiçoamento de uma ordem social competitiva

capaz de ajustar o desenvolvimento capitalista a formas ultra-expoliativas de dominação

econômica e de exploração do trabalho. (FERNANDES, 1981:76)

O caráter dual da dependência “converte [a modernização] no processo real de

absorção dos dinamismos mais gerais da evolução interna, que se efetivam através da

civilização recebida de fora” (FERNANDES, 1981:75). Tal dinamismo torna compreensível

não apenas o que alguns denominam “colonização cultural” e “importação de metodologias”,

mas também, de forma localizada, o sentido da mudança social e da mobilidade intentada pelo

pequeno ao buscar proteção ou sentimento de pertença e solidariedade de natureza estamental

junto às classes altas, bem como a orientação a “ser dono do próprio nariz” como alternativas

de classificação social adaptadas e disponíveis aos “despossuídos”. Assim, seja onde se

localizar o pequeno no campo das classes ele tende, no capitalismo dependente, a adotar

comportamentos estamentais ou anacrônicos em relação à dinâmica do capitalismo.

Isto, no fundo, significa que os determinantes tecnológicos e organizacionais que

possibilitam a atividade inovativa, gerando maior produtividade e uma condição competitiva

não são suficientes para engendrar por si só um desenvolvimento virtuoso sistêmico onde o

pequeno possa desempenhar um papel nobilitador de trabalho cooperativo e de criatividade

produtiva, quando os limites estruturais e dinâmicos que se impõem à evolução do sistema

capitalista impedem a configuração desses nexos virtuosos com as estruturas extra-

econômicas da sociedade e “não conseguem gerar a base dinâmica necessária à plena

expansão da ordem social competitiva” (FERNANDES, 1981:79).

Sob o capitalismo dependente, a função estratificadora do sistema de produção, onde

se determina o papel do pequeno, é reduzida “ao que é essencialmente instrumental para a

continuidade do crescimento das atividades econômicas organizadas ‘a partir de fora’ ou

através dos ‘setores desenvolvidos da economia interna’”. Resulta desse processo um


147

complexo padrão de mercantilização do trabalho, o que nos diz respeito, onde a cada dia mais

o pequeno (apenas para efeitos desta análise e num nível funcional) pode ser considerado

como trabalho especializado, “o qual articula as relações entre agentes socioeconômicos que

vivem em diversas ‘idades econômicas’ e estão presos [...] a diferentes modos de produção

(variavelmente capitalistas ou pré-capitalistas). É característico desse padrão de

mercantilização do trabalho [...] a existência de um ‘gradiente’ funcional, que vai de uma

condensação funcional positiva máxima a uma posição extrema neutra, passando por vários

graus intermediários de condensação funcional” (FERNANDES, 1981:81).

Tal gradiente pode explicar o amplo espectro de existência do pequeno que varia em

termos de um grau maior ou menor de participação econômica, social e política e de

integração ao sistema de poder, sempre, contudo, limitada a partir dos extratos mais

privilegiados. São esses padrões organizativos - estruturais e dinâmicos - do capitalismo

dependente e subdesenvolvido que orientam (também) o comportamento do pequeno e que

ditam as condições possíveis onde “modernizações” do pequeno podem ser levadas a cabo e

com quais conseqüências.


148

4 – PROCESSO DE INSTITUCIONALIZAÇÃO DA PEQUENA

EMPRESA

Evidenciar o processo de institucionalização da PE significa identificar os elementos e

as perspectivas que orientam esse processo. Ao buscarmos acompanhar este processo em suas

principais fases, a funcionalidade sistêmica da PE se evidencia de forma imanente. Tal

funcionalidade, às vezes, é reconhecível pelo agente pequeno, por outras, não se deixa

perceber explicitamente. Nesse sentido, a funcionalidade da PE se constitui na categoria

analítica através da qual podemos, primeiro, relacionar e perceber como os atributos da PE

competitiva se relacionam às necessidades dinâmicas de reprodução do capital na sua fase

atual, situação que é amplificada e especificada pelas condições estruturais específicas com

que se desenvolve uma ordem social competitiva compatível com o desenvolvimento de um

capitalismo dependente e, segundo, avaliar a extensão com que se põe em perspectiva o

potencial da PE competitiva para modificar essa ordem social e o sentido das transformações

capitalistas, reduzindo as desigualdades sociais decorrentes do padrão de acumulação vigente.

Nosso objetivo, portanto, é procurar evidenciar o sentido fundante do pensamento

institucional acerca da PE, enquanto objeto da ciência e de ações públicas de promoção,

entendendo que tais relações são refletidas nos discursos a respeito da ação, papel e função da

PE, suas características e problemas ao longo de uma trajetória institucional.

Quando falamos em elementos fundantes nos referimos à forma operatória das

instituições sobre os indivíduos nos processos cognitivos de classificação, identificação e

decisão sobre a constituição e fundamentação da realidade social, na perspectiva desenvolvida

por Douglas (1998).


149

Importante reparar que o que estamos analisando é um processo que busca

institucionalizar a PE no bojo das relações de produção capitalistas, ou seja, um processo cuja

lógica instituinte é concebida nos moldes do modo de produção capitalista. Da mesma forma,

queremos com isso denominar PE aquela forma produtiva que já não é pensada de outra

maneira senão segundo as exigências de um sistema de produção capitalista.

O que nos interessa é o pensamento institucional acerca da PE a partir do momento

que esta se distingue de outras formas produtivas organizadas segundo outras relações de

produção, ou então conforme uma determinada forma de produção passa a ser objetivada

como PE capitalista e no sistema capitalista. Com isso queremos dizer que existe um

momento histórico, não precisamente delimitado, evidentemente, que as diferentes formas

que, podemos dizer, compunham uma pequena produção, ou melhor, o resultado da produção

de pequenos proprietários e comerciantes, mais ou menos articulados com sistemas

produtivos dominantes, e que vinham se desenvolvendo desde o modelo de clã patriarcal e do

latifúndio até às etapas iniciais do processo de industrialização, adquirem uma visibilidade

econômica, social e política tal que se institucionalizam logicamente a partir das concepções

constante das relações de produção dominantes. O trabalho de Ferlini (1996) traz uma

importante contribuição a nossa elaboração conforme ressalta, a polarização social e o

ineditismo dessa camada social intermediária e, conseqüentemente, o esforço de

institucionalização empreendido por essas categorias intermediárias que, só bem mais tarde,

podem ser compreendidas naquilo que se chama classe média. Para nós importa perceber a

necessidade de uma visibilidade social como o móvel primordial que orientaria o esforço de

institucionalização. Portanto, a PE desse meio onde o “espírito capitalista” é um estranho no

ambiente institucional, tem especificidades institucionais que não podem ser ignoradas.

A justificativa para considerar a acumulação como fundamento instituinte ou como

eixo analítico do processo de institucionalização do pequeno pode ser extraída da conclusão


150

do trabalho de Behring (1998). Ela vai considerar os fenômenos de reestruturação produtiva,

globalização e neoliberalismo como uma “reação burguesa” à crise delineada a partir da

década de setenta. Embora as interpretações disponíveis sobre o fenômeno divirjam

significativamente entre si, o período é considerado, indiscutivelmente, como uma inflexão no

processo de acumulação capitalista, apontando para uma etapa no processo de

desenvolvimento do capital.

Como resposta à queda das taxas de lucro na década de 70, os anos 80 são marcados
por uma ofensiva revolução tecnológica na produção, pela globalização da economia
e pelo ajuste neoliberal. [Na produção flexível] forja-se uma articulação entre
descentralização produtiva e avanço tecnológico, [...] entre trabalho ext remamente
qualificado e desqualificação. [...] Trata-se de terceirizar e subcontratar uma rede de
pequenas/médias empresas, muitas vezes com perfil semi-artesanal e familiar
(BEHRING, 1998:178).

Além das tecnologias atuais serem poupadoras de mão de obra e capital intensivas, as

técnicas japonesas (JIT e kanban) permitem que a demanda oriente todo o processo de

produção, maximizando a economia de fatores, aí incluído o trabalho humano que sofre os

efeitos deletérios decorrentes desse utilitarismo levado ao extremo.

Ao mesmo tempo em que ocorre uma redução do contingente de trabalhadores que

podem organizar-se, num espaço menos organizado ocorre um aumento do assalariamento

subproletarizado.

Contrapõem-se, aparentemente, a tais eventos a retórica do “capital humano”, o

“sindicalismo de envolvimento” e todo tipo de exortação à cooperação, à modernização ou à

abertura de oportunidades que, ao valorizar o conhecimento e a cooperação, o fazem

desagregando as solidariedades de classe enquanto favorecem o pensamento individualista

desagregado ou menos desagregado – neocorporativo, porém de mais fácil estabelecimento de

acordos (BEHRING, 1998:176).

Se existe um potencial libertário nas novas tecnologias, que exigem do trabalhador um

controle e uma capacidade decisória cada vez mais ampliados sobre o conjunto de operações
151

produtivas que executa, tal situação possibilita uma intensificação acentuada do processo de

acumulação e concentração dos capitais.

Ao considerarmos a acumulação como essência do capitalismo, como forma direta de

entrar em posse de quantidades crescentes de capital, vemos a acumulação como uma

orientação à ação determinante que se desenvolve no bojo de um movimento evolutivo,

digamos, de sublimação do capital, ou seja, de um processo multiforme onde o capital,

valorizando-se crescentemente e diferenciadamente, distingue-se em relação aos demais

fatores produtivos, de forma a assumir uma forma absoluta, meio e fim em si mesmos, em

termos do qual seja possível relacionar, expressar e realizar qualquer outro valor possível e

existente.

A necessidade de manutenção da capacidade competitiva e de aumentos crescentes de

produtividade, por meio do aumento de sua composição orgânica ou através da apropriação

dos resultados provenientes do desenvolvimento e da difusão de inovações em detrimento à

invenção, são aspectos associados com este movimento do capital.

No fundo, não se deve a outra causa o embate entre o Schumpeter da Teoria do

desenvolvimento econômico e o de Capitalismo, socialismo e democracia, da mesma forma

que a “learning economy” da Dinamarca de Lundvall (2002) carece de coesividade social para

poder existir, que os distritos marshallianos italianos parecem aproximar-se de seus limites e

que o entrepreneurship norte-americano é declaradamente ideológico, sendo estimulado e

sustentado por “enforcing incentives e constraints” e por medidas compensatórias

(ANGLUND, 1998; SBA, 2004).

Com isso “funcionalidades tradicionais” da PE precisam ser reforçadas, recicladas e

revalorizadas, além do plano restrito das relações econômicas e novas “funcionalidades”

precisam ser institucionalizadas, conforme mudam os requisitos de reprodução do capital e os

mecanismos de extração de mais-valia são atualizados ideologicamente.


152

Nesse sentido, conforme aponta Löwy (1994:129), funcionalidade e ideologia são

características da consciência de classe burguesa atravessada por dois interesses

contraditórios, o de conhecer a realidade em seu movimento real e o de obscurecer a análise

da totalidade dialética da sociedade capitalista, recorrendo para tal à utilização ideológica do

método natural científico.

Nosso interesse vai deter-se em torno da institucionalização dos atributos competitivos

como o empreendedorismo, à medida que represente: possibilidade de integração sistêmica de

parcela crescente da pequena produção, repercutindo em questões como desemprego e a

forma como ele passa a ser “encarado” pelo pequeno empresário mal sucedido na sua

empreitada; aumento da base tributária e conseqüente descompressão da carga tributária;

ativação da economia pela circulação, derivada de uma demografia expansiva de pequenas

empresas repercutindo em diversos campos de atividade direta e indireta relacionada ao

“mundo da pequena empresa”.

No caso da cooperatividade implica identificar o sentido e a direção com que se

postula o desenvolvimento de ações cooperativas, a fim de que se possa perceber o

fundamento institucional que orientará a mudança dos padrões de relacionamento entre

capital-trabalho, ou o padrão subordinativo das relações intercapitalistas no caso da integração

da PE em cadeias produtivas ou redes cooperativas, uma vez que sob a capa da

cooperatividade pode-se identificar motivações que visam atender primordialmente, os

requisitos da acumulação nos moldes historicamente consagrados.

Em relação à inovatividade, a questão central reside na capacidade da PE em

apropriar-se dos excedentes gerados a partir da inovação e a existência de mecanismos

institucionais de salvaguarda desses interesses.


153

4.1 – FUNCIONALIDADE DA PEQUENA EMPRESA NA REPRODUÇÃO

CAPITALISTA

A funcionalidade da PE se inscreve de acordo com o pensamento funcionalista-

sistêmico de Talcott Parsons, conforme procuraremos evidenciar.

Para Parsons (1961) a idéia de um sistema social é compreendida a partir de quatro

requisitos funcionais primários, que ordenados em termos das relações de controle que

engendram sobre o sistema seriam: manutenção do padrão institucional, integração,

consecução de objetivos e adaptação. Os componentes estruturais de tais sistemas vão se

constituir sempre em padrões institucionalizados de cultura normativa, diferenciados,

segmentados e especificados como: sistemas de valores, normas institucionalizadas,

coletividades e papéis. O sistema social dispõe de mecanismos regulatórios, como o

intercâmbio, a autoridade, a associação e o discurso, e tem a ação como referência, entendida

como comportamento “objetivado”, “adaptativo”, “motivado” e “guiado por processos

simbólicos” (PARSONS, 1961:32).

No sistema de ação social a esfera social – responsável pela interação entre indivíduos

membros de coletividades constituídas – está inter-relacionada à esfera cultural ou “padrões”

de significados – de valores, de normas e de crenças e conhecimento organizados.

Institucionalização refere-se à interpenetração e à integração dessas duas esferas.

A despeito da refinada preocupação de Parsons com a estruturação teórica de seu

modelo de ação social, Blau (1972) nos oferece uma visão bastante didática do que nos

interessa reter dessa perspectiva sociológica funcionalista – o processo de institucionalização.

Segundo Blau (1972), institucionalizar envolve a construção e implementação de

procedimentos formais que visam perpetuar os princípios organizadores da vida social. O

primeiro requisito de uma instituição social consiste em explicitar o curso da ação, estabelecer
154

regras e torná-las um padrão organizado e manifesto de ações e interações sociais

independentemente de quem as realize. Fazer com que essas regras de conduta sejam

legitimadas por valores tradicionais e impostas de forma coerciva por grupos com poder,

tornado-as assim resistentes a mudanças espontâneas, é outro requisito institucionalizador.

The basic cultural values and beliefs that are sacred or virtually sacred to people
make them eager to preserve these ideas and ideals for future generations. The
investments made in the organized patterns of social life that are legitimated by
these values and embody them, [...] make men interested in preserving those too.
Formalized arrangements are instituted perpetuating the legitimate order and the
social values that sustain it through time by making them independent of individual
human beings. The organized community survives total turnover of its membership,
often for many generations... What persists are the principles governing social
relations and patterns of conduct, and the reason for their persistence is that they
have become institutionalized29 (BLAU, 1972:104).

Dois mecanismos sociais complementares preservam as instituições humanas: arranjos

sociais externos que são transmitidos historicamente e valores sociais internalizados que são

transmitidos pelo processo de socialização. As “instituições sociais constituem uma realidade

histórica que existe”, em parte, externa e independentemente dos seres humanos que

constroem as sociedades. Por sua vez, a transmissão dos valores e normas culturais básicos no

processo de socialização é que “dá a estas formas carne, sangue e vida contínua”.

A sustentação das instituições se enraíza na estrutura de poder, uma vez que são os

grupos dominantes que fazem prevalecer suas convicções e submetendo-as de forma coerciva

como normas sociais relevantes.

Portanto, para que determinados aspectos de estruturas sociais tornem-se

institucionalizados é preciso a formalização de padrões de vida comunitária organizada, a

transmissão de valores sociais no processo de socialização e o interesse pela manutenção

desses padrões por parte dos grupos dominantes da sociedade (BLAU, 1972:107).

29
Os valores culturais básicos e crenças que são sagrados ou virtualmente sagrados para os indivíduos faz com
que estes últimos desejem preservar estas idéias e ideais para as futuras gerações. Os investimentos feitos na
organização de padrões de vida social que são legitimados por estes valores, incorporando-os, [...] faz também
com que os homens queiram preservá-los. Arranjos formais são instituídos perpetuando a ordem legítima e os
valores sociais que os sustentam através dos tempos tornando-os independentes dos seres humanos individuais.
A comunidade organizada sobrevive à substituição completa de seus membros, freqüentemente por muitas
155

Blau (1972) inclui o sistema de estratificação social como instituição que tem função

adaptativa, conforme acarrete em um sistema de incentivos ao posicionamento social dos

indivíduos. “Agências administrativas que implementam ações do governo” e “princípios de

gestão e administração duradouros ou permanentes” são vistos como instituições que têm a

função política de consecução de fins, ou seja, a função de perpetuar a autoridade e garantir a

consecução das atividades adaptativas.

Sobre a possibilidade de mudança estrutural Blau (1972:108) afirma que a mudança

social é possível, mas “as instituições impõem limites históricos à estrutura social” que, por

sua vez, constrange estruturalmente a conduta individual.

Ao mesmo tempo, afirma que a herança cultural de uma sociedade contém o que

denomina de “componente contrainstitucional”, ou seja, todos os valores e ideais irrealizados

e que não se encontram explicitados em formas institucionais e que se constituem como fonte

última de mudança social. No entanto, essa possibilidade é limitada e derivada da própria

capacidade institucional de realização dos valores instituídos, pois:

Although some opposition movements formulate revolutionary ideologies that reject


many basic values and advocate the complete overthrow of many institutional
arrangements, they do so within the framework of some of the ideals and ultimate
objectives legitimated by the prevailing culture. [...] The very cultural values that
legitimate existing institutions contain the seeds of their potential destruction,
because the idealized expectations these values raise in the minds of men in order to
justify the existing social order cannot be fully met it and thus may serve as
justification, if need be, for opposition to it 30 (BLAU, 1972:109).

De forma sintética o autor nos dá uma idéia bem esquematizada quanto ao

funcionamento do processo de institucionalização, o que nos permite de forma quase direta

associá-lo ao processo de institucionalização da pequena empresa nacional.

gerações... O que permanece são os princípios que governam as relações sociais e os padrões de conduta, e a
razão para tal persistência é que eles se tornaram institucionalizados (tradução nossa).
30
Embora alguns movimentos de oposição formulem ideologias revolucionárias que rejeitam mu itos valores
básicos e advoguem a completa subversão de muitos arranjos institucionais, eles o fazem dentro de um
arcabouço onde alguns ideais e objetivos últimos são legitimados pela cultura prevalente. [...] Os próprios
valores culturais que legitimam instituições existentes contêm as sementes de sua própria destruição, porque as
expectativas idealizadas desses valores crescem nas mentes dos homens para justificar a ordem social existente e
podem não ser completamente encontradas, podendo assim servir para justificação ou, se necessário, para
oposição (tradução nossa).
156

O uso do discurso como mecanismo regulatório da agência que dispõe de poder

coercitivo (simbólico) para instituir um “padrão de significados” específico, integrado e

adaptado sistemicamente ao todo, enquanto a passagem final nos mostra a lógica com que são

concebidos os processos funcionais e conservadores de mudança social, permitindo-nos

perceber a impossibilidade de incorporar uma mudança que intente modificar estruturalmente

a dinâmica de acumulação nos moldes do capitalismo dependente ou que busque alterar os

dinamismos societários implícitos à ordem social competitiva com ele relacionada.

Na perspectiva sistêmica, a existência de conflitos é entendida como perturbações que

geram ações corretivas que visam o restabelecimento do equilíbrio sistêmico. As diferenças

de interesses são estratificadas de forma a serem incorporados sistemicamente enquanto

mecanismos de competição. É como se, a despeito das individualidades nas quais as ações se

constituem e das estruturas que limitam e orientam tais ações existisse uma lógica de

interdependência que unifica os propósitos dos participantes em torno da manutenção do

sistema. Essa lógica sistêmica se constitui em torno do funcionamento desses quatro

imperativos funcionais. Como sugere Parsons (1961:38):

That is possible to reduce the essential functional imperatives of any system of


action, and hence of any social system, to four, which I have called pattern-
maintenance, integration, goal-attainment, and adaptation. These are listed in order
of significance from the point of view of cybernetic control of action processes in
the system type under consideration31 .

A função de manutenção de padrões diz respeito à manutenção da estabilidade dos

padrões culturais institucionalizados que definem a estrutura de um sistema. Duas questões

são importantes: a primeira diz respeito ao caráter do padrão normativo em si; e a segunda, ao

seu grau de institucionalização. Ou seja, na perspectiva do indivíduo em um sistema social

significa o quanto ele está comprometido e motivado para agir de acordo com certos padrões

31
É possível reduzir os imperativos funcionais essenciais de qualquer sistema de ação e, conseqüentemente, de
qualquer sistema social a quatro, que tenho denominado como manutenção de padrões, integração, consecução
de objetivos e adaptação. Eles estão listados em ordem de importância do ponto de vista do processo de controle
cibernético de ação em sistemas típicos sob consideração (tradução nossa).
157

normativos e o quanto estes padrões deverão ser internalizados na estrutura de sua

personalidade.

O imperativo de realização ou consecução de fins e o de adaptação, dizem respeito à

variabilidade com que um sistema se relaciona com sua situação, ao contrário da constância

que caracteriza os padrões culturais institucionalizados, ou seja, se relacionam com as

estruturas, mecanismos e processos envolvidos nessas relações. A função de consecução de

fins, portanto, busca resolver o problema colocado entre a tendência inercial do sistema e suas

necessidades em virtude dos intercâmbios com uma determinada situação, indicando uma

direção ou meta para solução do problema que está relacionado a uma situação específica.

Como é plausível que exista uma pluralidade de fins ou metas, é preciso que este sistema de

fins seja provido com os recursos (escassos) necessários a sua consecução. A função de

adaptação trata dessa alocação adequada de recursos.

A função integração tem sua importância realçada à medida que se considere que

todos os sistemas – diferenciados e divididos como unidades independentes – precisam ser

tratados em termos da manutenção de seus limites em relação aos demais subsistemas e

sistemas que compõem seu ambiente. Com isso, o problema funcional de integração diz

respeito ao mútuo ajustamento dessas unidades ou subsistemas do ponto de vista de suas

contribuições para o efetivo funcionamento do sistema como um todo. Significa dizer que a

função integração está relacionada com o problema de manutenção dos padrões, bem como

com a situação externa, através dos processos de consecução de fins e adaptação. Parsons

(1961:40) considera que na função integrativa estão focalizados os mais distintos processos e

propriedades de um sistema social e que os problemas dessa natureza se situam no centro das

questões teóricas da sociologia.

A funcionalidade clássica da PE pode ser resumida, segundo Barros (1978:61) em

virtude de: sua contribuição para o produto nacional; absorção de grande contingente de mão
158

de obra; flexibilidade locacional visando a interiorização do desenvolvimento; geração de

uma classe empresarial; atuação no comércio exterior diversificando a pauta de exportações e;

como ação complementar aos grandes empreendimentos.

Percebe-se dessa lista que a funcionalidade da PE opera de diversas maneiras e sobre

diversos campos, diretamente ou indiretamente, como meio ou fim, até a sua mais completa

explicitação/inerência na forma de “ação complementar”. Com isso temos um quadro

sistêmico absolutamente harmonioso, onde cada tipo de unidade vai ter um papel

“determinado com base na eficiência econômica dos fatores de produção do setor”.

Dentro dessa perspectiva os pequenos se transformam em grandes, conforme a

dinâmica de cada setor ou indústria, e a dinâmica demográfica “resulta mais da necessidade

de um aumento da eficiência do sistema do que de um processo de autodestruição das

unidades preexistentes” (BARROS, 1978:62). Também aí surge a relação entre pequeno e

novo “como resultado da maior diversificação da demanda [...] mais oportunidades surjam

para o desenvolvimento de unidades produtivas de pequeno porte”.

Elas servem de suporte, de ponta de lança no novo como teste, além de ser mais uma

empresa atuando nos mercados. Serve aos propósitos da própria acumulação sistêmica quanto

aos propósitos de legitimação social dos governos, como meio de experimentação, como meio

de formação e de inculcação de valores.

Wloszezwoski (apud BARROS, 1978: 64) nos revela o caráter plástico e universal da

PE ao dizer que:

Pode-se estabelecer que, tanto nos países desenvolvidos como nos


subdesenvolvidos, independentemente do regime econômico por eles adotado
(socialista ou capitalista), não existe antagonismo no desenvolvimento e
coexistência de pequenas e grandes empresas. Ao contrário, a pequena empresa
representa não somente uma base material pela qual a grande empresa se origina,
mas representa, também, um complemento para uma rápida industrialização dos
países, os quais têm orientado os seus programas para os grandes projetos
industriais.

Essas possibilidades funcionais adaptativas (competição, subcontratação, ação

acessória, iniciação) não se dão ao mesmo tempo e na mesma intensidades em diferentes


159

contextos capitalistas e estruturas produtivas. Por outro lado, as funções integrativas e de

manutenção de valores ou formativas são desempenhadas em quaisquer circunstâncias

conjunturais, ao passo que requerem adequadas condições políticas para funcionar.

A PE instituída funcionalmente integra-se ao sistema de produção capitalista conforme

um papel e uma posição relativos a sua própria capacidade acumulativa, reconhecíveis pelo

agente pequeno, o que podemos chamar de uma funcionalidade, digamos, “primária”32 .

Todavia, conforme as condições sistêmicas de reprodução se especificam, evoluindo segundo

ritmos e trajetórias distintos, dá lugar a processos re-institucionalizadores que, conforme seu

posicionamento primário se altere, implicará numa operação tanto mais ideológica quanto

esse reposicionamento seja relativizado como transformação sistêmica. Isto não significa que

sobre essas PE não se opere ideologicamente conquanto seja necessário maior intensificação

da sobre-acumulação para atender as necessidades totais de reprodução sistêmica.

Münch (1999) intenta uma nova síntese da teoria parsoniana da ação social

incorporando as elaborações e críticas subseqüentes feitas à abordagem de Parsons, nas

mesmas bases antes propostas, ou seja, “ao mesmo tempo integrando e superando o

positivismo e o idealismo numa teoria voluntarista da ação” (MÜNCH, 1999:177) (grifo

nosso). Nessa concepção atualizada, o subsistema social/cultural do sistema social, “surge do

discurso, conduzido com argumentos (compromissos de valor) regulados pela ordem do

discurso [e] desempenha a função de construção de símbolos de uma maneira socialmente

obrigatória, concretizando a função de manutenção de padrões [...]. O princípio de valor

referente aos argumentos é a integridade de padrões de símbolos e o padrão de coordenação é

a consistência dos sistemas simbólicos” (MÜNCH, 1999:187) (grifos nossos).

A explicação funcional é tida como a mais adequada para a análise das instituições.

32
Com funcionalidade “primária” queremos nos referir à inscrição simples e devida tão somente a sua
capacidade limitada de acumulação, sem precisar para isso de outros constructos ideológicos associados. A PE
em Coutinho e Ferraz (1993) tem esse alcance simples. Souza e Araújo (1983) e Oliveira (1987:32) vão mostrar
160

É preciso considerar uma instituição como o esquema normativo de um sistema


concreto de interações direcionado para um objetivo particular (função) e indicar
quais estruturas, isto é, quais esquemas de interação deverão ser desenvolvidos para
se alcançar aquele objetivo (desempenhar a função); o grau de consecução de fins de
um sistema (desempenho de funções) pode ser determinado segundo o grau de
evidência dos padrões de interação exigidos (MÜNCH, 1999:198).

A explicação da estabilidade e mudança nas instituições apresenta-se como uma

seqüência. Um esquema institucional baseado inicialmente na tradição comunitária é

pressionado por meio de processos de aprendizado, articulação de interesses e orientações

utilitárias para mudanças não-dirigidas ou por pressão dirigida através de um argumento

discursivo que questiona a validade do esquema. O ajuste pode ser gradual conforme existam

procedimentos regulados à disposição, caso contrário, é necessário romper com a tradição

através da mobilização de poder e carisma. Para que uma mudança ocorra, é necessário que

processos outros de tradicionalização e consolidação comunitária restabeleçam o poder social

de coesão e que justificações discursivas garantam a continuidade do novo esquema. Assim,

qualquer mudança não-caótica “depende sempre de processos graças aos quais as instituições

são franqueadas, generalizadas, reforçadas e reconsolidadas” (MÜNCH, 1999:202).

Portanto, padrões culturais/institucionais relativos à PE são elementos portadores de

significados e significações básicas, que organizam o telos sistêmico e que, por isso, devem

ser mantidos e instituídos nos sistemas mais concretos.

Essa rápida descrição das propriedades e pressupostos da abordagem funcionalista

deve-se ao fato da maioria das proposições relativas à PE se embasarem nela. Considerando a

PE como uma estrutura e dinâmica produtiva inscrita num sistema de produção capitalista,

percebemos que esta forma produtiva se institucionaliza, ou seja, adquire um papel específico

que se configura segundo uma série de propriedades funcionais ao sistema como um todo.

No entanto, este sistema social é racionalizado, teórica e analiticamente, e posto em

ação segundo moldes capitalistas harmoniosos e, quando colocados numa perspectiva

sua operação na circulação, Ferreira (2000) na organização industrial. Isso não significa, contudo, que sua
institucionalização não seja operada ideologicamente.
161

analítica conflitiva como a da acumulação capitalista, ambiente econômico distinto daquele

pensado em termos sistêmicos – ainda mais se condicionado por características estruturais e

dinâmicas impostas pelas condições, dependente e subdesenvolvida, originais e específicas da

formação social e econômica brasileira – a análise sistêmica a partir do arcabouço original

parsoniano não se mostra capaz de incorporar as contradições próprias do capitalismo

dependente e da ordem social competitiva subdesenvolvida, à medida que estruturas e

recursos exigidos não se encontram disponíveis.

Segundo a lógica sistêmica, se a PE fosse disfuncional para o capital, seria por ele

adaptada, inserida ou absorvida. Não se trata de manter a PE isolada do sistema, como se

poderia depreender das análises de nichos estratégicos ou de posicionamento intersticial nos

mercados, mas adaptá-la aos interesses da estrutura de reprodução capitalista, através de

vários expedientes que atuam sobre os elementos constitutivos dessa estrutura.

Exclusão (manutenção na condição marginal); assimilação (incorporação superficial

ou ilusória dos novos para processo posterior de adaptação ou cooptação); inclusão (absorção

do novo, transformação em função dos próprios valores e posterior submissão aos interesses

do sistema e retorno à normalidade) são possibilidades inscritas na lógica integradora da

abordagem sistêmica parsoniana.

A institucionalização proposta de uma PE competitiva, empreendedora, cooperativa e

inovadora implicaria, segundo a síntese parsoniana de Münch (1999), em uma transformação

profunda na estrutura sistêmica, especialmente no subsistema comunitário, à medida que

outros padrões culturais institucionalizados precisam ser mantidos. No entanto, quando

confrontamos tal possibilidade com os demais imperativos funcionais percebemos a

emergência de uma oposição inconciliável entre os agentes no sistema econômicos, no que

diz respeito às suas funções de alocação de recursos e preferências. Da mesma forma no


162

sistema político, onde a desigualdade na distribuição de poder e autoridade entre os agentes

coloca em xeque a possibilidade de aceitação e observância das decisões.

A PE enquanto coletividade deve atender aos fins de reprodução capitalista – ou na

linguagem sistêmica – deve ser funcional à ação específica de reprodução capitalista, uma vez

que esta finalidade se situa em ordem superior a outros fins mais individuais. Se a PE

contribui negativamente (é disfuncional) para a economia à medida que não desenvolve

economias de escala e utiliza-se dos fatores de forma sub-ótima, isto passa a ter menor

relevância em relação à reprodução sistêmica, ainda mais quando esses fatores disfuncionais

implicam mais ao nível das unidades individuais (uma PE específica). Nesse caso, uma outra

analogia – a do organismo biológico individual que cresce e adapta-se de acordo com sua

capacidade33 – acompanha a institucionalização funcional da PE por meio de um argumento

darwinista de seleção natural. Nesse sentido, a demografia da PE é legitimada culturalmente e

justificada enquanto processo econômico de adaptação ao mesmo tempo em que funciona de

forma latente para a reprodução do capital.

Santos (1978) num artigo sobre o desenvolvimento da sociologia da ciência auxilia-

nos a compreender as limitações da abordagem funcionalista, ao mostrar quão comprometido

é o desenvolvimento deste ramo da sociologia norte-americana. A visão sistêmica e

funcionalista é construída a partir de um contexto social e político datado e localizado, num

momento em que:

Criavam-se as condições para perguntar pelas funções sociais da ciência [no qual]
impunha-se, como tarefa fundamental, definir as condições da máxima
funcionalidade da ciência, isto é, as condições em que esta deveria ser praticada a
fim de evitar os abusos que se começavam a notar na sociedade americana, mesmo
que para isso fosse necessária a intervenção estatal, sem, no entanto cair no
esmagamento da autonomia da ciência, como acontecia nos estados totalitários. A
enumeração dessas condições revelaria forçosamente que, embora a ciência pudesse
coexistir com diferentes estruturas sociais, era nas sociedades liberais e
democráticas que podia atingir máximo desenvolvimento. É esta tarefa que a
sociologia funcionalista americana - que já há muito fizera a sua ‘opção de classe’ -
impõe a si mesma pela mão de Merton.

33
Marshall já pensava segundo tal perspectiva, ao avaliar a evolução da emp resa representativa (1982:212).
163

Um dos problemas consiste na transformação “pouco sociológica” de um arcabouço

teórico elaborado no contexto específico de uma sociedade liberal avançada em teoria

normativa de aplicação universal. Um dos exemplos mais evidentes desse normativismo

consiste na elaboração de Merton sobre as funções manifestas e latentes, onde

comportamentos claramente irracionais são re-integrados funcionalmente graças a uma

latência sistêmica de segunda ordem que articula os atributos individuais da consciência e

deliberação aos seus contrários.

A diferença entre uma função latente e a operação ideológica que encobre uma relação

de dominação, no nosso caso, reside no fato do sujeito da ação funcional não ser o

beneficiário não-previsto dos efeitos gerados pela função. Merton (1957) quando diz que o

conceito de função latente “clarifies the analysis of seemingly irrational social patterns” isto

diz respeito aos resultados aparentemente irracionais para um determinado sujeito que

resultam de uma ação formulada e levada a cabo por este mesmo sujeito, o que não é o caso

dos efeitos funcionais que a PE tem para a economia circulante, para as ideologias liberais,

para a competitividade aumentada das cadeias produtivas, para legitimar a ação administrativa

pública em relação ao desemprego, entre outras funcionalidades. Os beneficiários se

constituem como sujeitos muito mais amplos, onde o pequeno – agente e objeto da ação –

pode até participar, embora isso não seja incorporado à regra.

A latência no caso, poderia ser arrogada à contínua disposição ao risco, aparentemente

irracional a julgar pelas estatísticas e pelos diagnósticos especializados nos “fatores

condicionantes da mortalidade da PE” (PESQUISA, 1999 e FATORES, 2004), porém

recompensada por razões de status – prestígio e poder advindos da condição de “ser dono do

próprio nariz” ou, quem sabe, em virtude dos benefícios decorrentes da melhora de sua auto-

estima. Todavia, a institucionalidade que recobre estes objetivos não se origina na esfera das

relações sociais capitalistas ou a partir de motivações de ordem coletiva como o


164

desenvolvimento nacional, ou de natureza altruística como a geração de empregos – fatores

que são normalmente apregoados e indicados como estruturante da ação. O mesmo não

poderíamos inferir quando o indivíduo obtém sucesso na sua empreitada, pois nesse caso é

importante que ele relacione esse sucesso aos atributos competitivos apregoados, funcionando

de forma latente para ter prestígio e poder ou para virar um case e, com isso, auferir vantagens

decorrentes dessa visibilidade nos mercados onde atua.

Uma relação funcional latente difere de outra causal conforme essa funcionalidade não

é objetivada diretamente pelos agentes em relação senão como um resultado derivado. Mesmo

assim, uma função intencional deve contribuir para a integração sistêmica estável, que implica

em benefícios correspondentes, e não para gerar uma relação de dominação, daí o caráter

ideológico que requer justificação simbólica.

Se as condições contextuais da época, de certa forma, impuseram escolhas, o mesmo

não se pode dizer dos desdobramentos que o pensamento sociológico funcionalista vai

institucionalizar enquanto sistema de dominação das técnicas e do conhecimento científico.

Segundo Santos (1978):

Foi-se tornando claro que as ciências sociais tinham entrado num pacto social com
as classes dominantes nos termos do qual o desenvolvimento científico-técnico seria
conquistado pelo preço da neutralização política [ou] da cooptação, [onde] os
instrumentos teóricos e metodológicos tinham sido desenvolvidos para colocar o
sistema de dominação fora do horizonte problemático e assim converter todos os
problemas sociais em puzzles com mais ou menos peças, mas sempre em número
limitado e segundo as definições pré-estabelecidas.

Daí, a perspectiva ideológica impregnar conceitos como coesão social conforme

escamoteiam os conflitos ou os interesses associados às necessidades de classificação ou à

orientação da ciência e à institucionalização de uma determinada visão acerca do processo

social.

Subjaz à abordagem sistêmica uma perspectiva aglutinadora de natureza benévola,

uma valoração inerente à integração e à manutenção dos padrões culturais.


165

Em todo momento essa natureza da ação é explicada antes pelos seus efeitos

(consecução de fins) do que a partir das condições em que estão postas (a teoria denominada

de “self-fulfilling prophecy” de Merton se constitui em exemplo típico dessa operação). No

entanto, essa perspectiva de realização das expectativas a partir de uma intencionalidade

manifesta não parece encontrar ressonância no conjunto da nação brasileira que, inclusive

manifesta um simbolismo contrário quando se coloca em perspectiva de realização futura,

como potencial ou esperança. No caso dos agentes econômicos, tal situação não se mostra

viável ou possível, consoante as condições adaptativas e de realização não sejam oferecidas

aos agentes.

Essa postura funcional é particularmente adequada ao caso da PE brasileira, onde um

imperativo que se coloca desde sempre é a superação de um atraso que se manifesta como

ineficiência econômica e comunitária e que faz com que toda a conjugação de esforços não

possa ser acusada de operar contrariamente à necessidade de mudança. Nesse caso, o apelo à

ação política é fundamental no sentido de arregimentar esforços para criar mentalidades

modernas, cooperativas e inovadoras integradas através de intensa mediação discursiva, no

sentido de estabelecer (criar) um padrão cultural adequado economicamente.

Se considerarmos que a nossa formação social e econômica capitalista não se

desenvolveu segundo uma ordem competitiva semelhante a de países onde o capitalismo

desenvolveu-se segundo o modelo clássico, condicionando uma dinâmica social que se

evidencia mais explicitamente nas relações de produção às quais podemos vincular a PE, não

é por outra razão que o foco da análise funcionalista volta-se em grande parte para a crítica à

capacitação gerencial, atividade adaptativa.

Nesse sentido, é providencial a crítica de Godelier (1981:47) feita ao modelo de

Parsons das relações entre economia e sociedade acerca da incapacidade da economia

reconhecer a lógica original das sociedades não capitalistas:


166

A sociedade é vista como um sistema global que articula subsistemas [...] em


funções especializadas [no qual] a economia aparece como um subsistema quase
autônomo [...] e os outros níveis da sociedade como variáveis exógenas que
interferem do exterior na reprodução das condições econômicas da existência social.

No caso brasileiro temos uma ordem social capitalista original caracterizada pela

preservação parcial de padrões sociais estamentais e senhoriais e uma economia

subdesenvolvida que baseia sua competitividade na necessidade de sobreexploração intensiva

do fator trabalho, o que implicaria uma ordem hierárquica das funções de controle distinta da

proposta por Parsons (1961).

Essa discussão tem a ver com a hipótese de que a motivação a constituir uma PE é

antes de natureza social relacionada à posição do sujeito no campo social em termos de status

do que por motivações econômicas.

Imagine uma pesquisa que vá perguntar ao pequeno empresário qual a razão mais

importante, determinante para ter se transformado em PE? É pouco crível que a disposição em

abrir uma empresa e assumir os elevados riscos inerentes a isso possa medrar sem

dificuldades num ambiente onde até bem pouco se organizava como uma burocracia

estamental onde direitos adquiridos era a norma institucional mais vigorosa.

À medida que a perspectiva sistêmica não é capaz de conciliar em seu arcabouço as

contradições que marcam nossa formação social e econômica, ou seja, que se trata de um

fenômeno conflituoso que não consegue ser resolvido em termos funcionais, a abordagem

funcionalista trata como latente a funcionalidade manifesta da PE, pois a incorporação desses

aspectos levaria ou à revelação das insuficiências do sistema e a necessidade de

transformações estruturais, ou revelariam os interesses latentes escamoteados e a necessidade

do desenvolvimento intenso de dispositivos integradores e de sistemas mediadores

discursivos, indicando que qualquer caminho analítico nos leva a revelação de uma operação

ideológica em relação ao papel e à funcionalidade da PE.


167

O Estudo da Competitividade da Indústria Brasileira–ECIB (COUTINHO e FERRAZ,

1993) pode ser tomado como um exemplo da perspectiva funcionalista de análise e, embora

não trate da PE senão incidentalmente, pode ser percebido como manifestação do pensamento

institucional a respeito da configuração sistêmica da indústria brasileira, o que inclui a PE.

No preâmbulo do trabalho são colocados os pilares sobre os quais a análise é

desenvolvida. “A inovação é o motor do desenvolvimento [e] só trará resultados favoráveis se

acompanhada da tecnologia de gestão” (COUTINHO e FERRAZ, 1993:11).

O papel da pequena empresa também é citado no preâmbulo sendo proposto que seu

atendimento seja feito de forma massificada. É assinalado também, o fato da política

industrial brasileira, invariavelmente, não constituir como seu objeto as pequenas empresas.

Seu papel como geradora de empregos resulta na proposta de massificação ao seu

atendimento, uma vez que isso proporcionará o aproveitamento a mão de obra excedente fruto

da modernização. Seu papel no processo de reestruturação produtiva viabilizando as cadeias

produtivas é decorrência de sua maior flexibilidade produtiva. É invocado também seu papel

na inovação tecnológica, embora de modo um tanto vago. Portanto, o pensamento instituído a

respeito da PE está colocado mesmo que de modo implícito.

O papel social da PE fica claramente estabelecido e importa, portanto, ser compensada

por isso e não seria, podemos dizer, ético, fazer com que as pessoas empreendessem por conta

desse papel social, uma vez que não seria esse o objetivo das mesmas. Assim, considerando

todo o elenco de debilidades e fraquezas de que as PE são portadoras, no mínimo deveriam

ser informadas quanto aos riscos, senão qualquer estímulo à PE pode ser visto como uma

indução irresponsável, como mandar uma criança realizar uma tarefa para a qual não está

preparada e cuja responsabilidade não pode ser a ela imputada. Se isso é verdadeiro, ou

melhor, razoável, a atribuição das agências voltadas ao fomento de pequenos negócios deveria
168

primeiro esclarecer os postulantes a empreendedores quanto às suas reais condições, garantir

que estes estivessem conscientes quanto às possibilidades, limites e requisitos para o sucesso.

Dada a centralidade da inovação para a competitividade, pressupõe-se a aceitação por

partes dos agentes e seu envolvimento nesses processos. Num caso onde os agentes tendem a

não cooperar, quaisquer que sejam os motivos, a implementação de políticas centradas em

comportamentos cooperativos, provavelmente, desenvolveria um comportamento errático,

significando uma alternativa com alto grau de incerteza que tenderia a apresentar resultados

insatisfatórios, uma vez que o comportamento cooperativo esperado não é algo

institucionalizado pela sociedade, nem tampouco pelos agentes (TAUILE, 1996; CANO,

1993).

Por outro lado, é bastante possível, quase certo que exista uma fração de agentes que,

melhor informados, mais dispostos ao risco, mais modernos, poderia ser dito, estejam mais

propensos a participar e buscar cooperar em tais programas. Nesse caso, se tomarmos o tecido

industrial brasileiro, provavelmente, tal extrato não se encontraria entre os pequenos

empresários, a despeito da propalada disposição ao risco que caracteriza este agente

produtivo. Assim, a probabilidade de programas deste tipo virem a ser capturados pelo grande

ou por empresas que se encontram no limite superior das faixas classificatórias como

pequenas ou médias, é maior do que a de vir atender as necessidades do pequeno. Gonçalves

(1996); Carullo (1998) e Souza e Botelho (1999) apontam esse viés como característico das

políticas voltadas para o pequeno, o que ao menos ampara nosso argumento, à medida que

não tenhamos a possibilidade de demonstrá-lo empiricamente neste trabalho.

O sentido integrador, coerente e ativo que perpassa a concepção sistêmico-funcional

também é percebido na forma como o trabalho vai se posicionar em relação a uma série de

aspectos problemáticos, enquanto não avança sobre a natureza da problemática, deixando a

impressão de tratar-se mais de um trabalho programático do que analítico. Isso pode ser
169

sentido em relação à forma de colocar em perspectiva a necessidade de uma gestão

empresarial inovativa, tida como responsável pela competitividade e pela liderança na

condução do processo interno, junto ao governo e à sociedade. Afirma que o foco da

problemática da indústria brasileira reside na qualificação da gestão empresarial e no

comportamento autoritário-paternalista do empresariado, impeditivo para a modernização da

gestão. No entanto, não avança nem na identificação das causas de tal comportamento

histórico, nem em proposições no sentido da mudança desse viés, preferindo afirmar que

pouco as políticas públicas podem fazer por se tratar de espaço de decisões privadas e

focalizando a ação para outros elementos e agentes do sistema produtivo. Fica evidente o

limite dessa abordagem que ao não admitir o conflito obriga-se a atuar por ajustamento e a

depender da vontade dos agentes.

A mesma coisa acontece com o papel da cooperação, tida como eixo das mudanças, e

a forma como deve ser incentivada quando inverte o foco do problema e aponta uma série de

medidas a serem aplicadas sobre a força de trabalho para o desenvolvimento de uma gestão

moderna amparada em cooperação, como se a questão se apresentasse como uma disposição

individual dos trabalhadores e numa insensibilidade das camadas empresariais quanto à

necessidade de modificar um padrão de relações sociais de produção autoritário, tributário de

uma ordem social pretérita que ainda faz sentir seus efeitos hoje. Nesse sentido, então seria

pertinente indagar quanto às razões que tornam tais camadas pouco propensas a instaurar um

ambiente competitivo nos moldes do capitalismo dos países avançado ou ainda, indagar sobre

as motivações que teria a força de trabalho para vir a ser cooperativa, criativa, participativa.

No entanto, é como se bastasse a assunção de que a cooperação é benéfica e necessária para a

competitividade, o que é do interesse estratégico do país, para que empresariado e força de

trabalho se pusessem a desenvolvê-la, segundo uma argumentação tipicamente funcionalista.


170

Isto revela a importância da dimensão institucional de análise e, ao mesmo tempo,

revela como a visão sistêmica e funcional pode impedir o reconhecimento do

condicionamento que fatores estruturais relacionados à dinâmica reprodutiva do capital em

países periféricos impõem a determinados fenômenos e como limita a possibilidade de

mudanças à esfera das decisões individuais dos agentes envolvidos. A origem das dificuldades

dessa abordagem se evidenciam quando diz:

Sem compartilhamento dos ganhos de produtividade, fica difícil engajar os atores


sociais na busca permanente da competitividade e fica prejudicada a instauração de
relações de trabalho modernas, negociadas, sem conflitos estéreis (grifos nossos)
(COUTINHO e FERRAZ, 1993:57).

A disseminação de casos de sucesso – uma atividade funcional de integração – é um

exemplo largamente usado, onde as tentativas de emulação mal sucedidas, certamente, são

atribuídas às metodologias de implementação e às suas capacidades intrínsecas de

“sensibilização” ou quanto ao grau de “participação”, gerando a necessidade de novas

metodologias. Na perspectiva neoinstitucionalista sociológica de DiMaggio e Powell (1983),

o isomorfismo organizacional nas suas diversas modalidades trabalha na perspectiva da

existência de um agente interessado e racional que vá fazer uso adequado e estratégico dessa

informação.

O problema relacionado a este tipo de ação parece residir no excessivo protagonismo

dado à dimensão individual tida como determinante das ações estratégicas, como se em outros

ambientes institucionais a cooperação se desenvolvesse apenas a partir do cálculo utilitário

acerca dos benefícios esperados pelos agentes. No entanto, se analisamos as proposições a

partir da lógica reprodutiva do capital, mais central às grandes corporações que absorvem ou

mais rapidamente se adaptam aos novos modelos de gestão e produção, a funcionalidade e

utilidade que reveste estas recomendações, no sentido de facilitar e institucionalizar a

reprodução se tornam evidentes. A mera aplicação de técnicas, modelos, casos não garante a

condução do processo numa mesma direção de outros processos, senão facilitam e preparam o
171

espaço para aqueles agentes que saem na frente e/ou que são propositores mais ativos ou

interessados.

Rattner (1982), desde o início da década de 80 já salientava a necessidade de

“ultrapassar a estreita visão microeconômica, baseada num voluntarismo subjetivo do

empresário, sem atentar aos condicionantes macroeconômicos e sociais” impostos à PE. Mas

também afirmava que a compreensão da PE no conjunto da economia brasileira seria

alcançada mediante a “percepção e interpretação de suas funções no conjunto” o que

permitiria o conhecimento de suas “posições” e das “trajetórias” possíveis no conjunto. Para

isso não bastaria o estudo horizontal e sincrônico dos relacionamentos entre esses elementos,

mas, introduzir no estudo uma dimensão temporal que incorpore “a origem e o

desenvolvimento do ‘todo’, através da reprodução de suas contradições, embora em etapas e

níveis diferentes” (RATTNER, 1982:73). Ou seja, o autor percebe a necessidade de refazer o

quadro analítico do pequeno, o que o leva a evidenciar, como oportunidade funcional-

estrutural, a inescapável articulação do pequeno à grande empresa através de relações

funcionais de complementaridade, subordinação ou dependência. Todavia, não avança na

análise dessas contradições e do que essas distintas alternativas de articulação poderiam

resultar para a PE, deixando a impressão de acolher apenas os atributos positivos passíveis de

ser desenvolvidos na esfera efetiva da produção e das finanças.

4.2 – IDEOLOGIA E PODER SIMBÓLICO DO SEBRAE

Eagleton (1997) afirma que cada uma das concepções construídas acerca da ideologia

pode ser refutada ora como parcial ora como exagerada ou inadequada, sugerindo que melhor

do que definir uma abordagem mais apropriada ao objeto em questão – a institucionalização

da PE – mais adequado e proveitoso seria buscar evidenciar os silêncios de sua forma


172

operacional em relação ao objeto em questão. Nesse sentido podemos partir da consideração

quanto às formas operatórias da ideologia que são freqüentemente consideradas de modo

específico como – unificadoras, orientadas para a ação, racionalizantes, legitimadoras,

universalizantes e naturalizantes (EAGLETON, 1997:50).

Vista como conjunto de crenças particularmente orientado para a ação, Eagleton

(1997:50) sugere que, para ter eficácia, a ideologia deve procurar ligar os dois níveis – prático

e teórico. O conceito de “ideologia operativa” de Selinger exemplifica essa idéia e parece

adaptar-se perfeitamente ao modo de ação institucionalizadora da agência.

Ideologia é uma mescla de crenças e descrenças, normas morais, uma pequena


quantidade de evidência fatual e um conjunto de prescrições técnicas, que assegura
a ação combinada pela preservação ou reconstrução de uma determinada ordem
social (SELINGER apud EAGLETON, 1997:53) (grifos nossos).

A perspectiva de uma “ideologia operativa” adequa-se ao processo de instituição do

pequeno pela ação do Sebrae que na sua ação comunicativa se utiliza largamente desta

mistura de enunciados analíticos e descritivos, de prescrições morais e técnicas e de

conteúdos fatuais e compromissos morais, para fazer agir no e pelo pequeno, deixando

evidente que tal ação ideológica contém um sentido afirmativo e propondo a construção de

um objeto inscrito numa ordem específica o que, ideologicamente, exclui outras

possibilidades constitutivas do real.

Sobre a perspectiva racionalizante da ideologia, embora a psicanálise veja na

racionalização uma necessária ocultação da motivação verdadeira, no caso da ideologia pode-

se defini-la como tentativas sistemáticas de explicar ou tornar plausível aquilo que de outro

modo seria objeto de críticas (EAGLETON, 1997:56). Nesse caso, podemos falar de

racionalização como mecanismo-base da auto-ilusão, uma vez que essa verdade pode estar

oculta também para aquele que racionaliza.

A formulação microeconômica da PE abstratamente transposta sem qualquer

mediação para o real, fornece um arcabouço argumentativo/explicativo racional sobre a PE


173

que, institucionalizado, dificulta sua crítica e autocrítica. A relação entre o despreparo do

pequeno e a necessidade de capacitação, instituída de forma absoluta, é um exemplo dessa

racionalização ideológica transposta para a esfera cultural do pequeno. Outras situações nos

trazem a essa perspectiva, como a estratégia de captação de clientela e legitimação da agência

através do “crédito orientado”34 onde a associação obrigatória entre a concessão de crédito e a

capacitação gerencial, apenas tolerada pelo pequeno empresário, evidencia a racionalização

ideológica associada a um propósito legitimador entre uma “ideologia oficial” em

contraposição a uma “consciência prática”, conforme nos apresenta Eagleton (1997:58).

Bourdieu (1983:56) ao criticar o objetivismo da antropologia social e cultural, nos

possibilita colocar em foco o problema da forma como se dá a construção científica abstrata

da PE que, em vez de procurar saber quanto aos princípios que regem sua prática, a tomam

como um “paralogismo que consiste em tratar os objetos construídos pela ciência [...] como

realidades autônomas dotadas de eficácia social e capazes de agir enquanto sujeitos

responsáveis de ações históricas ou enquanto poder capaz de pressionar as práticas”.

A necessidade de legitimar-se perante a sociedade está ligada à necessidade precisar

evidenciar o caráter social de sua ação, ou seja, não deveria ser necessário demonstrar para o

beneficiário a positividade de uma ação de apoio e fomento, o que, entretanto, aumenta a

crença do agente em si e para seu próprio poder, dialeticamente.

A universalização ou “eternização” de si é um outro expediente usado para alcançar a

legitimidade, fazendo com que valores e interesses específicos sejam projetados e aceitos

como universais. Mas é importante que tal aceitação se caracterize como uma aceitação

“pragmática”, ou seja, por não vislumbrar outra alternativa realista a não ser a de endossar o

direito de dominação posto como legítimo. Não se trata de convencer os outros de que seus

34
Modalidade casada de apoio onde para a operação de crédito implicava a participação em treinamento ou
capacitação gerencial do empresário que foi responsável pelo crescimento e reconhecimento da agência até
quando durou o modelo de financiamento subsidiado. Acreditamos que, atualmente, se a modalidade pudesse
existir, ela operaria no sentido inverso de viabilizar as operações de crédito.
174

interesses estão de acordo com o deles, mas de formular esses interesses de modo a tornar isso

plausível.

A forma como o autor explicita a operação ideológica por uma estratégia de

universalização permite esclarecer como a integração da pequena empresa à dinâmica da

reprodução sistêmica capitalista representa uma operação ideológica onde os interesses do

capital são transmutados nos interesses do pequeno:

Se devo persuadir de que é relevante do seu interesse que eu seja interesseiro, então
só poderei ser efetivamente interesseiro se me tornar menos assim. Se os meus
interesses, para florescerem, têm de levar em conta os seus, então serão redefinidos
com base nas suas próprias necessidades, deixando assim de identificar-se consigo
mesmos. Mas os seus interesses também deixarão de identificar-se consigo mesmos,
uma vez que agora foram retrabalhados de modo a serem alcançados somente a
partir da matriz dos meus (EAGLETON, 1997:61).

O sistema social de Parsons tem essa perspectiva na sua base explicativa. Sua força

coesiva depende da função integrativa, para a qual o sistema de ensino tem um papel

relevante. A própria PE ao permitir um aprendizado empreendedor suportado funciona como

exemplo e demonstração da coesão do sistema.

O poder derivado dessa capacidade de legitimar-se universalizando seus objetivos,

deixando de apresentá-los como parciais, no auge, diz Eagleton (1997:61), “esse poder irá

efetivamente desaparecer”. Como decorrência dessa supremacia, acredita-se que as ideologias

passem a apresentar-se como naturais e auto-evidentes, identificando-se com o “senso

comum”.

A alegada capacidade de “gerar emprego e renda” da PE parece-nos adequar-se a tal

situação. Tal afirmação surge indiretamente, a partir de uma constatação demográfica

específica de empresas e apoiada numa relação entre tamanho e “intensidade de uso do fator

trabalho”, não existindo evidências empíricas que demonstrem essa relação35 . Além disso,

35
Rattner (1982) credita essa dinâmica da PE mais a processos setoriais e circunstâncias conjunturais do que a
uma especificidade da PE. Hallberg [s.d.] afirma não existir uma relação sistemática entre criação de empregos e
tamanho da firma e que tal fato é um dos mitos construídos em torno da figura da PE.
O ressurgimento do empreendedorismo norte-americano baseado nas características “intrínsecas” de promoção
de empregos e inovações da PE acontece no governo Carter, um ex-pequeno empresário, como decisão política
amparada por duas pesquisas que davam conta da PE como “maior fonte de inovação” Meserve (1982) e outra,
175

seria preciso analisar se o contexto atual de desemprego estrutural e de reestruturação das

relações produtivas não traria conseqüências ainda mais desfavoráveis. Em 2002, 85% das

empresas abertas só geram ocupação para seus sócios e não têm empregados, tendência já

verificada em 2001 (ABRIR EMPRESA, 2004; CRESCE NÚMERO, 2004).

À medida que a atividade econômica diminui e o desemprego aumenta, colocando em

risco a sobrevivência da agência, seu discurso básico, antes orientado para o “fortalecimento”

da pequena empresa nacional, volta-se para a “geração” da pequena empresa associado à

geração de emprego e renda, providência que vinha ao encontro também de sua própria

situação. A agência adota um discurso que vai institucionalizar essa associação constituindo-a

no atributo positivo central de identificação da PE – a geração de emprego, sem qualquer

mediação em relação a outros atributos que a destituíam dessa valoração positiva,

reconhecidos e constantes do discurso já instituído, como a alta mortalidade, a debilidade

competitiva, a incapacidade administrativa, o trabalho precarizado e espoliado, entre outras

características (BARROS, 1978). É na unilateralidade e “de-historicidade” desse discurso que,

podemos distinguir a operação de uma estratégia ideológica naturalizante.

Esta analogia entre a PE e a criação de empregos e sua posterior institucionalização

como ação social e desenvolvimentista também está associada com o que Douglas (1998)

chama da facilidade com que o pensamento institucional recorre às analogias e semelhanças

como forma de identificação associativa que atende à demanda, do político ou do cientista36 .

que afirmava que oito em cada dez novos empregos criados nos EUA deviam-se à PE conduzida por David
Birch do MIT.
Segundo Anglund (1998:35): “As notícias de Birch se espalharam rapidamente influenciando, quase de imediato,
as estratégias de estado para o desenvolvimento econômico [e] a causalidade histórica que fazia da pequena
empresa o maior empregador e a maior criadora de empregos da nação logo tornou-se um juízo convencional em
Washington” (tradução nossa). Birch publicaria um artigo no Wall Street Journal censurando os políticos pelo
uso inadequado dos resultados da pesquisa, estes persistiram em retratar a PE como uma “engine of job
creation”.
No início dos anos oitenta a mesma problemática e argumentação vai atrair a atenção de vários segmentos da
sociedade brasileira (TAGLIASSUCHI, 1987).
36
Embora guardando as diferenças entre os efeitos que a escolha a partir de demandas possa ter nas motivações
para a ação dessas duas categorias – político e cientista.
176

A ideologização do pequeno poderia ser refutada segundo um argumento

(EAGLETON, 1997:46) no qual a ideologia seria redundante no ambiente capitalista

moderno, pelo fato de que os agentes teriam consciência quanto à natureza das relações,

fazendo da ideologia uma espécie de “falsa consciência esclarecida”, o que poderia ser

expresso assim: “eles sabem muito bem o que estão fazendo, mas mesmo assim continuam a

fazê-lo”. A ambigüidade do pequeno, que enquanto categoria social intermédia tem como

móveis de sua ação a competição e emulação, seria um apoio a tal situação, pois à medida que

eles agissem de acordo com essa “consciência” da realidade, nossa discussão se esvaziaria e a

agência se isentaria de qualquer responsabilidade dessa natureza. Entretanto, Žižek (apud

EAGLETON, 1997:47) repõe esta questão invertendo-a, argumentando que, se a ideologia é

ilusão, é ela que estrutura nossas práticas. Nesse caso a frase seria: “eles sabem que, em sua

atividade, estão seguindo uma ilusão, mas ainda assim o fazem”. Dessa forma a ideologia não

está inscrita apenas no que se pensa sobre uma situação, mas na própria situação o que, no

caso, implica a ação da agência.

Sobre a tese de que o funcionamento do capitalismo moderno opera praticamente sem

ideologias (EAGLETON, 1997:44), colocando a tecnologia em seu lugar – argumento que

tem um apelo irresistível sobre o pequeno, o que lhe permite abrir mão de justificações

discursivas, ou da existência do capitalismo como modo de produção hegemônico que opera

por si próprio descartando o recurso às subjetividades profundas, o mesmo autor advoga que

tal argumento é no mínimo parcial, uma vez que não se verifica inteiramente na prática, e que

seria manifestado também em capitalismos periféricos ou na pequena empresa, isoladas ou

associadas (o que reforçaria a necessidade da ideologia).

Sobre tal perspectiva o autor relembra que ideologia é uma questão de significado,

enquanto a do capitalismo avançado é “a do não-significado que a tudo permeia”, onde o

predomínio do utilitário e da tecnologia oblitera a significação da vida social, onde o


177

consumismo enreda o sujeito, “libidinalmente”, no nível da resposta visceral e não da

consciência refletida e onde a mídia e a cultura, privilegiando a forma em relação ao

conteúdo, vão patrocinar uma “hemorragia de significado”, causa de várias patologias sociais

em curso (EAGLETON, 1997:45).

Sobre a relação da ideologia com a prática, Eagleton citando Gramsci diz que “a

consciência dos oprimidos é, em geral, um amálgama contraditório de valores absorvidos de

seus governantes e noções que se originam, mais diretamente, de sua experiência prática”

(EAGLETON, 1997:44).

Essa contradição encontra correspondência na análise feita por Chauí (1993:178),

quanto à ambigüidade de nossa cultura – misto de conformismo e resistência – e base sobre a

qual muito do conhecimento tácito e politicamente elaborado é instituído:

A consciência trágica [...] que descobre a diferença entre o que é e o que poderia
ser e que por isso mesmo transgride a ordem estabelecida, mas não chega a
construir uma outra existência social, aprisionada nas malhas do instituído. Diz
sim e diz não ao mesmo tempo, adere e resiste ao que pesa com a força da lei, do
uso e do costume e que parece, por seu peso, ter a força de um destino (grifos da
autora e negrito nosso).

Tal mistura expõe aspectos cruciais que podem fornecer uma interpretação sociológica

mais consistente dos fenômenos que constituem nossa formação social. Segundo a autora, há

um sentido paradoxal em nossa consciência social popular “tecida de saber e não-saber

simultâneos, marca profunda da dominação” (grifo nosso), que navega vacilante entre duas

culturas, uma popular – conformista e resistiva - e outra instruída – positiva e operante.

Ambigüidade e origem popular são duas características que podem ser, no geral,

atribuídas ao agente pequeno, excetuando-se, talvez, aquela PE de base tecnológica

constituída a partir de capacitações específicas e especializadas.

Uma marca dessa existência ambígua pode ser percebida no comportamento relutante,

desconfiado ou “adhocrático” do pequeno, descrito por Carullo (1998:580) e reconhecidas nas

avaliações da agência ao longo de sua existência (BARBOSA, 1981; PINTO, 2004), diante
178

dos apoios em prol de maior competitividade e modernização que lhe são ofertados, bem

como explica o “sucesso” da metodologia que o “crédito orientado” teve para “legitimar” a

ação do CEBRAE/CEAG, quando o processo de institucionalização da PE ainda não tinha a

intensidade comunicativa da atualidade.

A agência e seus interlocutores, igualmente “aprisionados nas malhas do instituído”

segundo sua ideologia vão interpretar tais comportamentos como decorrentes de um apego a

práticas tradicionais, à falta de interesse e de capacidade de percepção das oportunidades ou a

uma auto-suficiência do microempresário que seguia resistindo às dificuldades que lhe eram

impostas, condições que, no limite, são atribuídos a uma “insuficiência” cultural e

educacional do indivíduo, reforçando suas convicções instituídas.

O argumento do “despreparo”, que atribui a origem dos problemas do pequeno à falta

de capacitação técnica em geral e à falta de qualificações pessoais, talvez seja o mais

fortemente instituído a respeito do pequeno, já encontrado em Marshall ou Steindl, cuja fonte

mais provável encontra-se na visão microeconômica e abstrata de firma, embora possa ser

atribuído também a uma visão estratificada da sociedade, ou uma visão darwinista do

processo evolutivo, com a qual Marshall comungava (STRAUCH, 1982) e até devido à

própria denominação – “pequena” – institucionalizada cognitivamente por analogia com seu

oposto – grande (DOUGLAS, 1998).

É nesse sentido que um presidente do CD do SEBRAE/BA, quando indagado sobre

“em que o SEBRAE pode ajudar esses empreendedores?”, diante do resultado de uma

pesquisa que indicava que oito entre dez empresas fechavam nos três primeiros anos de

funcionamento, responde: “Temos buscado viabilizar o acesso ao crédito [enquanto o

empresário precisaria] pratica[r] o planejamento, busca[r] a modernização tecnológica,

gerencia[r] muito bem seu negócio, promove[r] estudos de mercado, se atualiza[r]

constantemente e te[r] visão de futuro e boa dose de ousadia” (PARTICIPAÇÃO, 2001).


179

Resulta dessa institucionalização da incapacidade do pequeno uma desvalorização

relativa de todo o seu saber e habilidades acumulados ao longo de sua vivência, condição

altamente valorizada no modelo canônico dos distritos italianos, por exemplo. Não afirmamos

que não exista uma falta de capacitação específica, no entanto, o ponto de partida é diferente

de se buscar institucionalizar uma incapacidade generalizada decorrente da condição pequena,

o que legitima uma necessidade de capacitação instituída como algo natural e universal.

Se levarmos em conta o exemplo italiano, o argumento da falta de uma “cultura

instruída” cai por terra imediatamente, ao constatarmos que o Nordeste italiano, hoje modelo

de sucesso desses eventos, era ainda no terceiro quartel do século passado uma região que

ostentava os maiores índices de pobreza do país, onde grassava o analfabetismo e cuja renda

provinha em boa proporção de remessas feitas por trabalhadores no exterior.

Portanto, é necessário que um outro olhar seja lançado sobre tais comportamentos à

medida que o argumento clássico não se aplica. Como diz Chauí (1993:122):

Seres e objetos culturais nunca são dados, são postos por práticas sociais e históricas
determinadas, por formas de sociabilidade, de relação intersubjetiva, grupal, de
classe, da relação com o visível e o invisível, com o possível e o impossível, com o
necessário e o contingente (negrito nosso e grifos da autora).

Assim, se o pequeno ora atende, ora não, aos imperativos da competitividade e da

modernização produtiva é por que assim as condições do campo onde se insere possibilitam.

Portanto, a compreensão de suas motivações subjetivas implica a percepção do campo onde

estas são praticadas. Nesse sentido, a utilização da sociologia da prática proposta por

Bourdieu (1990, 1996), como método de superação do embate entre objetivismo e

subjetivismo do conhecimento, através da noção de habitus e dos conceitos de campo e poder

simbólico, vai permitir a interpretação do pequeno considerando as condições onde se

constroem suas opções de ação determinadas segundo uma ordem social estruturalmente

bloqueada para ele.


180

Nesse sentido, bloqueado objetivamente na sua motivação enquanto classe média, sua

ideologização tem um sentido funcional adicional como se fosse um reforço compensatório

para a reprodução capitalista.

O dualismo conceitual encerrado na oposição grande – pequeno reproduz e reforça

uma série extensa de divisões e oposições de caráter antes valorativo que conceitual. Não

obstante as distinções concretas no plano das possibilidades e realizações econômicas, o

pequeno atua ambiguamente enquanto pequeno em si e como pretensão do grande. Seu

devenir se constitui como grande, limitando suas possibilidades concretas de afirmação e

permitindo a manipulação ideológica. Tal perspectiva ontológica é ambígua e se reflete no

processo de valorização em todos os seus âmbitos de existência e atuação. Estigmatização,

discriminação, classificação, serialização são operações sociais que se desenvolvem em torno

do pequeno em um ambiente de desigualdade social crescente e, nesse sentido, a dependência

e o subdesenvolvimento vêm acrescentar e diferenciar-se em relação à perspectiva média e

intermediária do pequeno relativamente ao pequeno de outras formações capitalistas clássicas.

O pequeno se caracteriza pelo embate entre a adoção de práticas concretas utilizadas

no provimento de sua sobrevivência diária e imediata e a adaptação, quase compulsória, e um

outro conjunto modernizador de prescrições e orientações, exteriorizado em relação a sua

prática e objetivado como solução de seus problemas.

A perspectiva impulsionadora da mudança prescrita não encontra correspondência na

sua execução prática e histórica. A emulação concorre com a mudança e o estabelecimento do

si próprio, a identidade se divide entre a cópia e a assunção de si, as possibilidades de

cooperação se dividem entre o compartilhar e a ganância e a inovação também é obstada ora

pela dúvida, ora pelas pulsões à emulação.

O sentido de conformismo e resistência analisado por Chauí (1993) se aplica mais à

percepção de que a cultura popular, no caso do pequeno, engendra uma consciência onde as
181

interpretações ambíguas, paradoxais e contraditórias que coexistem no mesmo sujeito ou

grupo, aparentemente incoerentes, exprimem ao contrário um processo de conhecimento a

partir de ambigüidades que não estão na consciência dessa sociedade, mas na realidade em

que vivem. Nesse sentido a análise da individualidade tem menos a oferecer que a da

totalidade social onde as individualidades podem se exprimir.

A relação entre ideologia e prática tem um lugar central em nossa investigação

conforme o esforço da agência objetive a institucionalização de um conjunto de disposições

práticas em relação ao comportamento – competitivo – do pequeno.

Para Eagleton (1997:55), “o conceito de habitus de Pierre Bourdieu, [...] é um

equivalente da ‘ideologia prática’, focalizando o modo como os imperativos dirigentes são, na

verdade, transmutados em formas de comportamento social rotineiro; mas [...] trata-se de

assunto criativo e amplo e não de um simples ‘reflexo’ das idéias dominantes”. E conclui

dizendo: “Estudar uma formação ideológica é [...] examinar o complexo conjunto de ligações

e mediações entre seus níveis mais ou menos articulados”.

O ferramental teórico e metodológico bourdieusiano é significativo. Ortiz (1983:8)

considera que seu pensamento se organiza em torno de aspectos centrais: o conhecimento

praxiológico, a noção de habitus e o conceito de campo. O fato de Bourdieu pouco lidar

diretamente com o termo ideologia, não faz do conceito algo distante de sua obra. Além da

noção de habitus, os fenômenos que analisa sob a égide do capital simbólico são impregnados

por ideologia. Na verdade, como constata Eagleton (1997:140), Bourdieu está mais

preocupado em “examinar os mecanismos pelos quais a ideologia toma conta da vida

cotidiana”, as “microestruturas” da ideologia.

E é pelo conceito de habitus, “a inculcação de um conjunto de disposições duráveis

que geram práticas particulares” que Bourdieu, segundo Eagleton, se aproxima mais da

ideologia percebendo como o habitus induz “nos agentes sociais aspirações e ações
182

compatíveis com as exigências objetivas de suas circunstâncias sociais [e] em sua forma mais

forte, rejeita todos os outros modos de desejo e comportamento como simplesmente

impensáveis. O habitus assim é ‘história transformada em natureza’” (EAGLETON,

1997:141).

Esta colocação nos permite focalizar com precisão como a promessa ideológica da

competitividade para o pequeno, com todo o potencial transformador instituinte, se configura

na perspectiva de transformar o “pequeno-história” em “natureza-competitiva”.

Nesse sentido um novo habitus competitivo surge como uma incorporação prática de

disposições ao nível da ação subjetiva do pequeno. Novo na perspectiva dos novos atributos

competitivos – funcionais ao capitalismo como a tecnologia, no sentido anteriormente

trabalhado como ideologia. Mas novo também, e principalmente, porque como “inconsciente

cultural” precisa se opor, substituindo o velho habitus.

É exatamente sobre essa idéia de Bourdieu (apud EAGLETON, 1997:141) de

“inconsciente cultural” que, como a idéia de “história transformada em natureza”, consiste na

forma como Bourdieu busca superar a questão básica de sua praxiologia entre objetividade e

subjetividade, ou como ele diria, uma forma de “sair da filosofia da consciência sem anular o

agente na sua verdade de operador prático de construção de objetos” (BOURDIEU 1998:62),

procurando estruturar a subjetividade do agente em sua ação prática, o que poderíamos

chamar de “cultura estruturada”, indicando com isso disposições que não poderiam ser

modificadas através de ações que tenham como objetivo a mudança cultural, entendida aqui

como mudança de comportamentos individuais.

Para Eagleton (1997), o habitus de Bourdieu é a forma prática de construções de

objeto através da qual uma ordem social procura naturalizar sua arbitrariedade, relacionando
183

dialeticamente aspirações subjetivas e estruturas objetivas até a estabilização dóxica37 , ou

ideológica.

A doxa, de certa forma, é o ideológico, é o instituído, o impensado, um conjunto de

pressupostos que os antagonistas admitem como evidentes e aquém de qualquer discussão,

pois se constitui na condição tácita da discussão (BOURDIEU, 1983:145). Numa ordem

social estável é algo inconcebível e sobre o qual não é preciso dizer e que, quando desafiado

então é heterodoxia, contra a qual a ordem deve afirmar suas novas pretensões em uma nova

ortodoxia.

Nesse sentido, as disposições constantes do novo ou velho habitus contêm um sentido

dóxico – ideológico em termos da reprodução sistêmica do capital e podem ser tomados como

indicadores de uma mesma “cultura estruturada”.

O ocultamento dóxico consiste exatamente no fato da agência apresentar-se como

heterodoxia, à medida que postula uma PE competitiva capaz de protagonizar o

desenvolvimento social e econômico do país, enquanto é ortodoxia, que repõe sob novos

moldes e circunstâncias os mecanismos de reprodução sistêmica do capital.

Não é por outra razão que o Conselho Deliberativo do SEBRAE compõe-se por

representes das corporações produtivas empresariais e barram sistematicamente a participação

direta da PE, com o beneplácito do Estado (GODINHO, 1996). A surpresa manifestada por

Addis e Gomes (2001) ao analisar os impactos sociais transformadores da ação do Sebrae

apesar da manutenção de um arranjo corporativista clássico, só é possível por que realizada

por fora do arcabouço teórico que considere a dinâmica da reprodução capitalista.

A idéia de inculcação ideológica de um habitus competitivo, funcional à reprodução

sistêmica do capital pode ser visualizada, conforme a associamos diretamente na sua

enunciação por Bourdieu (1983:60):

37
Para Bourdieu (1990:52), a sociologia norte-americana é feita por doxósofos (Parsons, Merton e Lazarfeld)
que, numa releitura dos clássicos europeus impõem uma dominação sobre as ciências sociais na forma de um
184

As estruturas constitutivas de um tipo particular de meio [a ordem social


competitiva no capitalismo dependente], que podem ser apreendidas
empiricamente sob a forma de regularidades associadas a um meio socialmente
estruturado [a pequena empresa funcional à reprodução sistêmica do capital]
produzem habitus, sistemas de disposições duráveis [os atributos competitivos],
estruturas estruturadas predispostas a funcionar como estruturas estruturantes, isto é,
como princípio gerador e estruturador das práticas e das representações que podem
ser objetivamente ‘reguladas’e ‘regulares’ sem ser produto da obediência a regras,
objetivamente adaptadas a seu fim sem supor a intenção consciente dos fins e o
domínio expresso das operações necessárias para atingi-los e coletivamente
orquestradas, sem ser o produto da ação orquestradora de um regente (negritos
nossos).

A aplicação dessa proposição reside no fato da teoria disponível sobre a PE encontrar-

se presa nessa dicotomia objetividade-subjetividade, proposta em dois tempos: no primeiro,

da negatividade microeconômica e da sociologia funcionalista, quando a PE é configurada e

definida sempre a partir de regularidades dadas fora de sua existência singular, construídas

lógica e racionalmente a posteriori de sua realização, enquanto sua prática é concebida como

e execução inevitável dessa construção teórica ulterior; e no segundo, como possibilidade de

transformação pela ciência/tecnologia disponível, quando sua ação é concebida de forma

individualizada, dotada de um livre-arbítrio, mas também intencionalmente consciente e

deliberada, cuja convergência explicativa ou princípio unificador decorre de um

espontaneísmo natural, evolutivo, obra de uma harmonia misteriosa diante da qual o objeto se

coloca como fato consumado, resolvendo o problema, o que, para Bourdieu (1983:67) só pode

ser fruto de uma “representação ingênua da ação coletiva” que “provém de uma filosofia da

consciência que faz da tomada de consciência uma espécie de cogito revolucionário”.

O papel e a ação do Sebrae no processo de institucionalização ideológica da PE

assume uma posição específica no campo onde a PE disputa posições, considerando que seu

discurso representa um instrumento de conhecimento e comunicação que busca instituir o que

diz e que não se reduz à mera informação. Essa posição é assumida pela agência, por

exemplo, quando se vê no papel de “transformador da sociedade brasileira” através de sua

ação educacional (REFERENCIAIS, 2001).

todo lógico e unificado, funcional e sistêmico que imperou por muito tempo.
185

As diversas abordagens institucionalistas definem instituições de modos diferentes –

direitos de propriedade, formas institucionais, crenças, hábitos, conforme bem descreve

Conceição (2002). Todos esses diferentes olhares da perspectiva institucionalista são válidos

sob um determinado ângulo analítico e mesmo partindo de pressupostos limitados podem,

igualmente de forma limitada, contribuir para uma análise institucionalista. No entanto,

parece haver uma base comum às diversas abordagens quanto à ação institucional, ao papel

operativo das instituições sobre a realidade social onde ela opera, sua ação cognitiva, seu

papel na formação do pensamento que se funda a partir de uma base social.

Segundo Douglas (1998:17) as instituições exercem um domínio sobre os processos de

classificação e reconhecimento de difícil conversibilidade a argumentos racionais, embora

esteja em voga uma “visão não-sociológica da cognição humana” de natureza individualista,

onde qualquer alusão a uma esfera supra-individual de pensamento provoca aversão visceral,

o que já demonstra a origem social do pensamento individual. Comentando o pensamento de

Durkheim diz que “as classificações, as operações lógicas e as metáforas que nos guiam são

dadas ao indivíduo pela sociedade. Acima de tudo, o senso de correção apriorístico de

algumas idéias e a ausência de sentido de outras são lidadas como algo que faz parte do

entorno social” (DOUGLAS, 1998:24).

Se considerarmos que é o pensamento institucional que orienta quanto às decisões de

vida e de morte do indivíduo diante do impasse, uma vez que o raciocínio individual não

consegue resolver tais problemas, porque o pequeno empresário reluta em buscar o apoio do

SEBRAE – somente 3% o fazem mesmo diante do esforço de mídia (FATORES, 2004) – se o

pensamento institucionalizado afirma a falta de capacitação gerencial como fonte da

problemática, diante de um quadro de persistente mortalidade e, por outro lado, porque o

esforço de treinamento gerencial massificado não consegue alterar esse quadro e nem mesmo

conquistar a esfera decisória dos indivíduos interessados.


186

A problemática institucional mereceria um estudo em profundidade onde se buscasse

captar as relações sociais que engendram determinados comportamentos configurando um

quadro analítico mais abrangente que permitisse uma compreensão do fenômeno a partir do

sentido estratégico que se quer atribuir a ele e dentro da dinâmica relacional capitalista,

espaço de sua realização.

Um argumento que poderia ser lançado no sentido de explicar tal ausência por parte da

agência, seria o de Bourdieu (1998:13) a respeito da produção de ideologia por especialistas

em disputa por posições no campo do poder. Nesse sentido as ideologias cumprem funções

produtivas para os especialistas em concorrência pelo monopólio da competência, sendo

duplamente determinadas, suas características mais específicas pelos interesses da classe que

elas exprimem, mas também pelos interesses específicos daqueles que as produzem e à lógica

específica do campo de produção.

Isto coloca em cena, por exemplo, a prolífera produção de conceitos de

empreendedorismo, de programas de apoio e projetos de ação, de geração de metodologias de

implementação e de avaliação de resultados que geram novas propostas, até de modelos de

desenvolvimento baseados em redes, arranjos, etc. de pequenas empresas.

Nesse sentido, a “Reinvenção do Sebrae” aparece como modernização ideológica à

medida que municia a agência com novos argumentos ideológicos que vão permitir reelaborar

seu discurso sob novos argumentos funcionais à reprodução, não se constituindo sequer como

“heterodoxia”, mas como “reciclagem dóxica”.

A partir da primeira síntese de Bourdieu (1998:9) sobre o poder simbólico, podemos

identificar como a agência elabora seu discurso como um “especialista da produção

simbólica”. Nesse sentido convém refazer este percurso38 buscando evidenciar as razões e

conseqüências de tal possibilidade.

38
As interpolações grafadas em negrito são nossas.
187

Para Bourdieu, um sistema simbólico como instrumento de conhecimento e

comunicação [como o discurso do SEBRAE], só pode exercer um poder estruturante porque

é estruturado. Porque se trata de um poder de construção da realidade social, função social do

simbolismo no funcionalismo e, para Durkheim, de integração capaz de produzir o consenso,

mas que nas relações sociais capitalistas se manifesta como função política à medida que se

relaciona aos interesses da classe dominante, como ideologia, apresentando interesses

particulares como interesses comuns ao grupo. Nesse sentido a cultura dominante produz um

efeito ideológico através do estabelecimento e legitimação de distinções dissimuladas através

da função comunicativa. Considerando que as relações de comunicação são sempre relações

de poder, que na forma e no conteúdo dependem do poder dos agentes e/ou instituições

envolvidos nessas relações e que um sistema simbólico realiza a função política de

instrumento de imposição ou legitimação da dominação. Assim, as diferentes classes ou

frações estão envolvidas numa luta simbólica buscando impor a definição de mundo social

mais conforme aos seus interesses, à medida que impõem um campo das tomadas de posição

ideológicas como forma transfigurada do campo das posições sociais. Para Bourdieu, essa luta

pode ser “conduzida por procuração” por especialistas da produção simbólica, [no caso o

SEBRAE, mas também através de representantes/“parceiros”, o que acrescenta maior

aparência de isenção a sua ação] que ao servirem aos seus interesses no campo da produção

simbólica servem aos interesses da classe dominante em outros campos, disputando com isso

o monopólio da violência simbólica legítima. Assim, “os sistemas ideológicos que os

especialistas produzem para a luta pelo monopólio da produção ideológica legítima – e por

meio dessa luta – ,sendo instrumentos de dominação estruturantes pois que estão estruturados,

reproduzem sob forma irreconhecível, por intermédio da homologia entre o campo da

produção ideológica e o campo das classes sociais, a estrutura do campo das classes sociais”.
188

Os sistemas simbólicos quando produzidos por especialistas e apropriado por um

campo da produção relativamente autônomo [no caso da PE em suas relações produtivas e

do apoio, fomento e promoção da PE competitiva] implica numa progressiva de divisão do

trabalho de produção, no caso simbólica que equivale à divisão social do trabalho [de forma

que o SEBRAE se distingue cada vez mais da PE, mas a domina simbolicamente. Nesse

sentido, a evolução da agência ao passar, relativamente, da esfera direta do Estado para

a esfera privada significa um maior grau de monopólio da violência simbólica].

Decorre dessa característica que as funções e a estrutura das ideologias são devidas às

condições sociais de sua produção e de sua circulação e às funções que elas cumprem para os

especialistas que as produzem e, depois para os não-especialistas. Da mesma forma que são

duplamente determinadas e devem suas características mais específicas aos interesses das

classes ou frações que elas exprimem, mas também aos interesses específicos daqueles que a

produzem e à lógica específica do campo de produção [o que remete à questão da

convergência entre a ameaça à extinção da agência no final dos anos oitenta e sua

transfiguração em serviço autônomo, com “S”, passando daí por diante a acumular

crescentemente capital simbólico].

A homologia entre os dois campos, o da produção ideológica e o da luta das classes

faz com que as lutas no campo autônomo [do apoio à PE] produzam “formas eufemizadas”

[como os atributos da competitividade na forma de um habitus da PE competitiva] das

lutas econômicas e políticas entre as classes e, segundo Bourdieu (1998:14), “é na

correspondência de estrutura a estrutura que se realiza a função propriamente ideológica do

discurso dominante [...] que tende a impor a apreensão da ordem estabelecida como natural

(ortodoxia) por meio da imposição mascarada (logo, ignorada como tal) de sistemas de

classificação e de estruturas mentais objetivamente ajustadas às estruturas sociais” [no caso a

institucionalização da PE e do habitus do seu agente]. É tal correspondência de sistema a


189

sistema que esconde aos olhos dos produtores como aos olhos dos “profanos” que os sistemas

de classificação reproduzem de forma irreconhecível as taxinomias políticas e que a

axiomática específica de cada campo especializado é a forma transformada dos princípios

fundamentais de divisão do trabalho, ou seja, o efeito propriamente ideológico consiste

exatamente na imposição de sistemas de classificação políticos sob a aparência legítima de

taxinomias culturais e [organizacionais relacionadas à ação produtiva, no caso]. A força

dos sistemas simbólicos é devida ao fato das relações de força que eles exprimem só se

manifestarem em forma irreconhecível como relações de sentido.

O poder simbólico como poder de constituir o dado pela enunciação, de fazer ver e

fazer crer [a PE como competitiva ou não] graças ao efeito específico de mobilização, se for

reconhecido, ignorado como arbitrário, ou seja, o poder simbólico se define numa relação

determinada entre os que exercem o poder e os que lhe estão sujeitos, na própria estrutura do

campo em que se produz e reproduz a crença [a transformação da sociedade através da

cultura empreendedora e a PE competitiva como agente estratégica dessa

transformação]. O que faz o poder das palavras – dos conceitos – e das palavras de ordem

[“o problema da PE não é ser pequena é estar isolada”] poder de manter ou subverter a

ordem, é a crença na legitimidade das palavras [o que explica a centralidade dos “cases de

sucesso”, das pesquisas apresentadas de maneira a espelhar apenas determinados

ângulos da informação e da realidade, a constituição do “problema da PE” e, em

concomitância sua solução e, por fim, da “midiatização” de uma cultura do pequeno].

O poder simbólico é um poder subordinado, forma irreconhecível de outras formas de

poder e para que possa realizar a transformação, ou seja, de instrumento de conhecimento e de

comunicação a instrumento de poder é preciso que se descrevam as leis de transformação

[permitir a reprodução sistêmica e intensificada do capital, nos moldes do capitalismo

dependente através da PE competitiva] destes diferentes tipos de capital em capital


190

simbólico e, o trabalho de dissimulação e de transfiguração [a operação de ideologização

dos atributos da competitividade] que permite a transubstanciação das relações de força em

um poder “capaz de produzir efeitos reais sem dispêndio aparente de energia” (BOURDIEU,

1998:15).

A concepção de “discurso competente” elaborada por Chauí (1997) converge com a

idéia bourdieusiana de um poder simbólico de nomeação exercido por especialistas

autorizados, em última instância, pelo Estado. A autora critica uma visão racionalista do real,

que justifica ideologicamente uma racionalidade hegemônica que determina as opções dos

sujeitos sociais. Sua análise nos interessa e nos auxilia à medida que seu desenvolvimento vai

considerar o poder instituinte implícito nas noções de Burocratização e Organização,

argumentos fundamentais da agência SEBRAE.

A ideologia, forma específica do imaginário social moderno, é a maneira


necessária pela qual os agentes sociais representam para si mesmos o aparecer
social, econômico e político, de tal sorte que essa aparência [...] é o ocultamento ou
a dissimulação do real. [...] É um corpo sistemático de representações e de
normas que nos ‘ensinam’ a conhecer e a agir. [...] O discurso ideológico é aquele
que pretende coincidir com as coisas, anular a diferença entre o pensar, o dizer e o
ser e, destarte, engendrar uma lógica da identificação que unifique pensamento,
linguagem e realidade para, através dessa lógica, obter a identificação de todos os
sujeito sociais com uma imagem particular universalizada, isto é, a imagem da
classe dominante (CHAUÍ, 1997:3) (grifos nossos).

Nesse sentido, é preciso ter a habilidade de recusar toda a indeterminação social e

política que está implícita na produção do saber – trabalho para elevar à condição de conceito

uma situação de não-saber, obscuridade indeterminada – papel da ideologia sob a forma de

conhecimentos e idéias instituídas proferidas num discurso competente.

“Discurso competente é aquele que pode ser proferido, ouvido e aceito como

verdadeiro ou autorizado porque perdeu os laços com o lugar e o tempo de sua origem. [...] É

o discurso instituído”. Nele, a linguagem permitida e autorizada segue a seguinte regra: “não é

qualquer um que pode dizer a qualquer outro qualquer coisa em qualquer lugar e em qualquer

circunstância” (CHAUÍ, 1997:7).


191

Para Chauí (1997:8) essa classificação do discurso se localiza no processo de

burocratização das sociedades contemporâneas, contido na ascensão e expansão do Estado; e

na assunção da idéia de “Organização” como portadora em si e para si de uma “racionalidade

imanente ao social”, sendo que ambos se manifestam crescentemente sobre todas as

dimensões da vida humana.

Burocratização e Organização se auto-reconhecem e se auto-legitimam através de um

discurso competente com dupla orientação – como discurso do poder e como discurso do

conhecimento – que, ideologicamente, se tenta ocultar. Os dois pressupõem uma crença na

realidade da sociedade onde a racionalidade instrumental supera qualquer questionamento

quanto à racionalidade dos fins; a existência de um sistema de autoridade baseado na

hierarquia que associa responsabilidade ao poder reificando este último, provocando o

reconhecimento recíproco dos participantes como superiores e subalternos e; por fim, a idéia

de que a direção decorre de uma razão administrativa interna aos imperativos da racionalidade

da Organização, ou seja, “tem-se aparência de que ninguém exerce poder porque este emana

da racionalidade imanente do mundo organizado ou, se preferimos, da competência dos

cargos e funções que, por acaso, estão ocupados por homens determinados” (CHAUÍ,

1997:10).

No mundo da produção, a organização aparece como idéia que serve para “cimentar a

crença na existência de estruturas que existem em si e funcionam em si sob a direção de uma

racionalidade que lhes é própria e independente da vontade e da intervenção humana” e a

ideologia “realiza-se pelo descomunal prestígio conferido ao conhecimento, confundido com

a ciência através do “discurso do especialista” inspirado, não em idéias ou valores, mas

baseado na suposta realidade dos fatos e eficácia dos meios de ação.

A investigação da ideologia consiste em revelar o ponto a partir do qual o discurso do

especialista é determinado. Sobre isso Chauí (1997:11) é explícita, quando diz que:
192

A condição para o prestígio e para a eficácia do discurso da competência como


discurso do conhecimento depende da afirmação tácita e da aceitação tácita da
incompetência dos homens enquanto sujeitos sociais e políticos. [...] Para que esse
discurso possa ser proferido e mantido é imprescindível que não haja sujeitos, mas
apenas homens reduzidos à condição de objetos sociais (grifo nosso).

Isto é feito pela primeira modalidade do discurso competente (discurso administrativo

como racionalidade do real) ao mesmo tempo em que “a outra modalidade do discurso

competente entra em cena para ocultar a verdade de sua primeira face [ou seja] para tentar

devolver aos objetos sócio-econômicos e sócio-políticos a qualidade de sujeitos que lhes foi

roubada”. Só que esta tentativa se realiza através da competência privatizada, pois invalidados

como seres sociais e políticos, os homens seriam revalidados por intermédio de uma

competência [empreendedora] que lhes diz respeito enquanto sujeitos individuais ou pessoas

privadas, constituídos pelo mesmo discurso competente do conhecimento.

Com isso são elaborados vários “discursos segundos ou derivados” que outorgam

competência àqueles que os assimilam, fazendo-os crer que são sujeitos, ensinando-os como

se relacionar com o mundo e com os demais homens, realizando a mediação do homem com

sua ação e com sua presença no mundo através de modelos científicos e de artifícios

promotores de conhecimento que, no entanto, “constrangem cada um e todos a se submeterem

à linguagem do especialista que detém os segredos da realidade vivida e que,

indulgentemente, permite ao não-especialista a ilusão de participar do saber”. A não

submissão ao discurso competente significa o “risco de ver-se a si mesmo como

incompetente, anormal, a-social, como detrito e lixo” (CHAUÍ, 1997:13).

Nesse sentido a ciência da competência reduz-se a um procedimento ideológico

através do qual a ilusão do conhecer demonstra o poderio daqueles especialistas autorizados e

“o conhecimento como competência instituída e institucional [...] é arma para um projeto de

dominação e de intimidação social e política” (CHAUÍ, 1997:13).

Quando falamos em transformação ideológica da PE num sujeito, ou seja, da

existência de um imaginário econômico, social e político do pequeno subjacente às


193

proposições relacionadas ao papel e possibilidades da PE, enquanto agente estratégico do

desenvolvimento, isto tem a ver, como reflete Chauí (1997:4) com o fato de, na ideologia as

idéias estarem “fora de lugar”; de serem tomadas como determinantes do processo histórico

quando, na verdade, são determinadas por ele. Tem a ver com o fato de que as idéias não

precedem o real, mas o exprimem de imediato no aparecer ou de forma mediata na reflexão.

Em suma, “as idéias deveriam estar nos sujeitos sociais e em suas relações, mas, na

ideologia, os sujeitos sociais e suas relações é que parecem estar nas idéias”. Idéias, no caso

do pequeno, que são produzidas e “ensinadas” através de um “discurso competente” que,

muitas vezes, se coloca como tal, independente da abordagem teórica utilizada mas que,

normalmente, utiliza-se do argumento da cientificidade e da autoridade associada a este.

Chauí (1997:5) ao refletir quanto às idéias estarem também fora do tempo na ideologia

diz: “afirmar que nela [na ideologia] as idéias estão fora do tempo é perceber a diferença entre

o histórico ou instituinte e o institucional ou instituído. A ideologia teme tudo quanto possa

ser instituinte ou fundador, e só pode incorporá-lo quando perdeu a força inaugural e tornou-

se algo já constituído”. Daí a necessidade das instituições se fundamentarem na natureza ou

algo de ordem já instituída para ganhar legitimidade. As transformações que o discurso

ideológico a respeito do pequeno sofre ao longo do tempo não põem em questão o

pensamento institucional acerca do pequeno. Os discursos acerca da inovatividade ou

cooperatividade do pequeno repõem sob nova capa o instituído (ou ideológico) acerca da

subjetividade criativa da ação individual e da natureza harmoniosa e funcional existente nas

relações de produção capitalistas.

A análise até então empreendida procurou identificar a forma de ideologização da PE

num nível mais geral e holístico do fenômeno, bem como procurou evidenciar a forma como

esse processo é realizado pelo Sebrae enquanto um “especialista da produção simbólica” que

detém o poder de exercer a violência simbólica como poder de nominação – “discurso


194

competente” – e de inculcação de instrumentos de conhecimento e de expressão – arbitrários

– embora ignorados como tal – da realidade social.

No entanto, como salientou Eagleton, para Bourdieu interessa identificar as

“microestruturas da ideologia”, como lócus de evidenciação empírica das “formas

eufemizadas” – a inculcação de um habitus – resultantes do trabalho de dissimulação e

transfiguração das ideologias e das formas e mecanismos com que exerce a violência

simbólica.

Nesse sentido, a proposta de Thompson (1995) mostrou-se uma ferramenta apropriada

conforme retoma as formas operatórias da ideologia encontradas em Eagleton (1997) e

procura desenvolver uma abordagem metodológica da questão da análise da ideologia

apropriando-se do aparato bourdieusiano relativo a capital e poder simbólico, convergindo,

portanto, com nossas necessidades.

A questão da instituição ideológica da PE – questão da nossa pesquisa - passa pela

necessária consideração a respeito da forma e dos meios utilizados para sua

institucionalização como tal.

Verificamos que a ação institucionalizadora da agência especializada na promoção da

PE, o SEBRAE, canaliza uma porção considerável de seus recursos para a ação comunicativa,

publicizando e difundindo informações relativas do e para a PE, constituindo-se como um

sistema de conhecimento e de expressão acerca do pequeno. Tal fato torna-se cada vez mais

central aos seus objetivos, conforme a educação e o fomento ao empreendedorismo assomam

o papel de “transformadores da sociedade brasileira”, enquanto processo de “transferência

cultural e de libertação pelo saber” que associados ao “pensar e agir empreendedores aceleram

a construção de uma nação mais justa” (REFERENCIAIS, 2001:7).

Nesse sentido, nossa preocupação voltou-se para o processo de produção de formas

simbólicas utilizadas na institucionalização do pequeno, o que nos permitiu realizar uma


195

interpretação do discurso em torno do pequeno, verificando o quão funcional e ideologizado

este pode ser.

Considerando que o discurso da agência é cada vez mais “midiatizado”, o trabalho de

Thompson (1995) mostrou-se bastante valioso por considerar insatisfatória a forma como os

problemas da ideologia lidam com a comunicação de massa à medida que formas simbólicas

permeiam o mundo social e ao tomar como “ponto de partida o conceito e a teoria de

ideologia” para repensá-los à luz do desenvolvimento dos meios de comunicação como

característica da cultura moderna.

Percebendo a convergência de suas considerações sobre a “questão da ideologia” com

o pensamento de Eagleton (1997), especialmente no que diz respeito aos aspectos

operacionais por nós incorporados à discussão em foco, ao mesmo tempo em que o autor

constrói seu argumento a respeito da produção e recepção de formas simbólicas e de sua

relação com os contextos sociais nas quais são produzidas a partir do aparato conceitual

elaborado por Bourdieu (1998), tomá-lo como ferramenta empírico-metodológica pareceu-nos

adequado e convergente com nossos propósitos. Entretanto, como nos interessa evidenciar

indícios da ideologização da PE e não realizar a investigação completa proposta por ele,

discutindo o próprio espaço de mídia como ideológico, nos limitamos a utilizar apenas alguns

de seus instrumentos de análise em nossa investigação sobre a ideologização do pequeno nas

formas simbólicas constituídas pelo e no discurso do Sebrae. Aqui, acreditamos seja possível

fazer tal uso sem entrar no mérito da construção de seu argumento em relação à análise da

ideologia.

A estratégia analítica proposta por Thompson (1995) parte de considerações feitas ao

conceito e teoria da ideologia e da noção proposta relativa à “midiação da cultura moderna”,

com o que propõe um referencial metodológico para a interpretação e análise da ideologia.

Ideologia que, nesse âmbito, é definida como:


196

[...] as maneiras como o sentido, mobilizado pelas formas simbólicas, serve para
estabelecer e sustentar relações de dominação: estabelecer, querendo significar que
o sentido pode criar ativamente e instituir relações de dominação; sustentar,
querendo significar que o sentido pode servir para manter e reproduzir relações de
dominação através de contínuo processo de produção e recepção de formas
simbólicas (THOMPSON, 1995:79) (grifos do autor).

Thompson (1995) chama a atenção de um aspecto central às nossas preocupações ao

propor um conceito de ideologia para se referir às formas como “o sentido (significado) serve,

em circunstâncias particulares, para estabelecer e sustentar relações de dominação” o que

exige, e isso também nos parece adequado aos nossos propósitos, investigar “as maneiras

como o sentido é construído e usado pelas formas simbólicas de vários tipos, desde as falas

cotidianas até às imagens e aos textos complexos [e] os contextos sociais dentro dos quais

essas formas simbólicas são empregadas e articuladas”. Com isso se pode saber se e como “o

sentido é mobilizado pelas formas simbólicas em contextos específicos, para estabelecer e

sustentar relações de dominação” ou, em outros termos, se é ou não ideológico

(THOMPSON, 1995:16).

Dentre as considerações e limites impostos ao conceito de ideologia usado pelo autor

vale a pena ressaltar a objeção feita à utilização do conceito como parte da grande narrativa

teórica da transformação cultural associada ao surgimento das sociedades industriais

modernas, como a secularização progressiva das crenças e práticas e a racionalização da vida

social. Nessa narrativa, a ideologia pode ser tomada como um sistema de crenças que, em

substituição à religião e à magia, traz novas formas de consciência e novos referenciais de

sentido. O problema advindo dessa concepção de ideologia está no descuido com o processo

de “midiação da cultura moderna” através do qual formas simbólicas mercantilizadas se

tornam cada vez mais acessíveis a um número maior de receptores de forma que as

experiências das pessoas tornam-se cada vez mais mediadas por esses sistemas técnicos de

produção e transmissão simbólica. Tal objeção relaciona-se com nosso objeto e com as

circunstâncias com as quais ele é instituído, como já nos referimos acima, uma vez que a
197

disseminação e publicização de conhecimento “midiatizado” são crescentes e fazem parte dos

objetivos assumidos oficialmente pela agência.

A idéia de desenvolvimento de uma “midiação da cultura moderna” significa uma

realidade onde “a produção e recepção de formas simbólicas é sempre mais mediada por uma

rede complexa, transnacional, de interesses institucionais” o que permite perceber como a

“transmissão cultural das formas simbólicas” através da “comunicação de massa institui um

corte fundamental entre produtor e receptor”. Tal situação permite o desenvolvimento de

novas situações onde sejam engendradas relações de dominação menos evidentes,

administráveis e legitimáveis por “meios técnicos” e que desconectam o tempo e o local com

as mensagens comunicadas, fazendo com que a mobilização do sentido tenha cada vez mais

capacidade de transcender o contexto social dentro do qual as formas simbólicas são

produzidas. Interessa-nos por ter a ver com uma universalização do sujeito pequeno em

tempos de economia e produção globalizadas, porque em alguma extensão permite unificar

ideologicamente (anulando, menosprezando ou encobrindo as diferenças) contextos sociais

díspares onde, por exemplo, se quer reproduzir o fenômeno do pequeno. No entanto,

assumimos nossa concordância com a perspectiva sem precisar entrar no mérito da extensão

com que ideologias são amplificadas pela “midiação” entendendo que tal processo não se

contrapõe ou substitui o capital simbólico da agência, como se a ideologização pudesse ser

atribuída à “midiação” em si, e sim ao contrário, conforme exprime uma midiação que

decorre de uma decisão da própria agência (THOMPSON, 1995:22).

A “metodologia de interpretação” vem a ser uma proposta de análise crítica das

relações entre ideologia e cultura moderna estruturada em três fases que compreendem uma

análise sócio-histórica, por entender necessária a consideração às condições sociais e

históricas de produção, circulação e recepção das formas simbólicas que se dão em contextos

estruturados; a análise formal ou discursiva das formas simbólicas e; finalmente, a


198

interpretação ou reinterpretação, com a explicitação criativa do que é dito ou representado

pela forma simbólica.

A análise da ideologia é proposta como uma versão específica da hermenêutica de

profundidade elaborada por Ricoeur com o objetivo de realçar o caráter ideológico das formas

simbólicas, ou seja, de realçar como seu sentido serve para estabelecer e sustentar relações de

dominação. Assim, “interpretar” a ideologia significa explicitar a conexão entre o sentido

mobilizado pelas formas simbólicas e as relações de dominação que esse sentido mantém. A

interpretação da ideologia se apóia nas fases de análise sócio-histórica e formal ou discursiva

“com o objetivo de desmascarar o sentido que está a serviço do poder” (THOMPSON,

1995:35)

Além disso, a análise das formas simbólicas vai levar em conta a problemática

específica ao processo de midiação por meio de um “enfoque tríplice” que vai além da análise

da estrutura e conteúdo das mensagens da mídia ao considerar a recepção e apropriação das

mesmas. Com isso uma atenção especial é dada à “apropriação cotidiana dos produtos de

comunicação de massa”, ou seja, como o sentido mobilizado pelas formas simbólicas é

entendido e avaliado pelas pessoas que recebem e incorporam tais mensagens.

A proposta no todo possibilita que a tarefa de interpretação da ideologia permita uma

outra compreensão das formas simbólicas, levando as pessoas a repensar e questionar sua

compreensão cotidiana e até mesmo a re-analisar – os fundamentos e as formas de sustentação

das relações estruturadas de poder e dominação, levando ao que Bourdieu chama de

“transformação interpretativa da doxa”, “tomando consciência do arbitrário” imposto

simbolicamente e, com isso, possibilitar ao discurso heterodoxo destruir as falsas evidências

da ortodoxia, restauração fictícia da doxa. Doxa entendida como o conjunto de pressupostos

admitidos como evidentes, pelos agentes em antagonismo dentro de um campo, aquém de

qualquer discussão, pois constituem a condição tácita para a discussão, o impensado, o pré-
199

existente e que Eagleton (1997:62) vai entender como o resultado particularmente bem

sucedido da ideologia, que praticamente impede a crítica por tornar a realidade social,

redefinida pela ideologia, coextensiva a ela.

Isso é, particularmente, o que nos moveu à medida que permitia mostrar um modo

alternativo de se “ver” o pequeno e com isso instaurar outras modalidades de compreensão e

análise desse objeto.

Thompson (1995:79) entende por formas simbólicas um amplo espectro de ações e

falas, imagens e textos, que são produzidos por sujeitos e reconhecidos por eles e outros como

constructos significativos. Falas lingüísticas e expressões sejam elas faladas ou escritas são

consideradas cruciais. O caráter significativo das formas simbólicas pode ser analisado em

termos de seus aspectos intencional, convencional, estrutural, referencial e contextual – este

último de particular significado por indicar que as formas estão sempre inseridas em contextos

e processos socialmente estruturados.

O autor esclarece, utilizando o referencial teórico bourdieusiano, que existem

diferenciações sistemáticas em termos da distribuição ou do acesso a recursos de vários tipos.

As pessoas, em virtude de sua localização num campo social ou numa instituição, têm

diferentes quantidades e graus de acesso a recursos disponíveis. Tal localização oferece a

essas pessoas diferentes graus de poder, aqui entendido como poder para tomar decisões,

conseguir objetivos e realizar interesses. Por relações de dominação, portanto, se entende

quando da natureza sistematicamente assimétrica dessas relações.

Com essa conceituação o autor propõe um campo de análise sobre os modos

operacionais da ideologia ligados à utilização de estratégias de construção simbólica,

conforme mostrado na Figura 1.

Importante frisar, que tais modos não são únicos os meios de operação ideológica, que

as associações propostas com determinadas estratégias simbólicas também não são únicas e,
200

por fim, que tais associações não implicam necessariamente que estas estratégias sejam

intrinsecamente ideológicas, ou seja, a mera constatação de construção estratégica de formas

simbólicas não autoriza a identificação da presença de ideologia, e somente “a análise

cuidadosa das maneiras como as formas simbólicas se entrecruzam com relações de

dominação em circunstâncias particulares e concretas” poderá intentá-lo.

Modos Gerais Algumas Estratégias Típicas de Construção Simbólica


Legitimação Racionalização
Universalização
Narrativização
Dissimulação Deslocamento
Eufemização
Tropo (sinédoque, metonímia e metáfora)
Unificação Estandardização
Simbolização da unidade
Fragmentação Diferenciação
Expurgo do outro
Reificação Naturalização
Eternalização
Nominalização/passivização
Figura 1 – Modos de operação da ideologia conf. Thompson (1995:81)

Conforme ressaltamos anteriormente, é através desses modos e estratégias que

procuramos efetuar a evidenciação empírica das “formas eufemizadas” – a inculcação de um

habitus – resultantes do trabalho de dissimulação e transfiguração das ideologias impressas no

sistema simbólico constante do discurso do SEBRAE.

A racionalização como estratégia de construção simbólica opera com sentido

legitimador à medida que “constrói uma cadeia de raciocínio que procura defender, ou

justificar, um conjunto de relações, ou instituições sociais, e com isso persuadir uma

audiência de que isso é digno de apoio” (THOMPSON, 1995:82). O discurso permanente e

periodizado sobre a importância da PE, sua importância no produto, no emprego e também o

discurso de sua problemática, da mortalidade excessiva em si e sem qualquer outra referência

conjugada, pode ser um caso onde essa racionalização opera instaurando um clima de apoio

necessário e justo, mas que visa legitimar o objeto tanto quanto o agente à medida que é
201

produzido e veiculado pela agência da agência 39 . Ao enaltecer as qualidades do pequeno ou

relembrar sua problemática, o apoio a PE confere um capital simbólico à instituição que trata

do pequeno mais que ao próprio pequeno. Esse deslocamento é pouco percebido, é

tipicamente uma violência simbólica que suavemente promove uma dominação que opera

indiretamente num esquema que poderia ser descrito dessa maneira: o discurso enaltecedor do

pequeno, em si débil e, portanto, merecedor do apoio, instituído por cima e pela competência

técnica e forte da agência especialista, dotada de competência. Com isso instaura-se uma

autoridade simbólica a qual diz e nomina o que e como deve ser feito e o que não deve ser

dito.

O sentido de dominação encontra-se no propósito de legitimação sem a necessária

explicitação da intenção, à medida que a comunicação do mesmo conteúdo não representa um

valor em si. Um argumento contrário aduziria ser desnecessário tendo em vista a agência deter

outorga pública para tratar do objeto, o que ao invés de desautorizar nosso argumento o

fortalece conquanto Bourdieu relembra que a força simbólica não decorre da palavra, mas de

sua legitimidade, tarefa que exige ser reconhecido.

A proliferação de projetos, programas e parcerias provoca um aumento significativo

da exposição na mídia, uma das razões prováveis para o desenvolvimento de uma agência

noticiosa. Além disso, a agência conta com um aparato comunicativo expressivo, pois além

das campanhas publicitárias, conta com uma editora, o expressivo crescimento do número de

escritórios regionais e locais com Balcões de atendimento e formas variadas de atividades

como cursos, seminários e palestras através dos quais veicula seus discursos.

Essas estratégias operam combinadas gerando um reforço mútuo, tal como no caso da

universalização, onde determinados “acordos institucionais que servem aos interesses de

alguns [...] são apresentados como servindo aos interesses de todos, e esses acordos são vistos

39
O SEBRAE dispõe da Agência SEBRAE de Notícias, órgão ligado a Unidade de Marketing e Comunicação.
202

como estando abertos, em princípio, a qualquer um que tenha a habilidade e a tendência de ser

neles bem sucedido” (THOMPSON, 1995:83). Nesse caso parece situar-se o discurso da

possibilidade aberta do sucesso “desde que ...” ou da inerência da competitividade, enfim, de

determinadas condições e disposições que, conjugadas, inapelavelmente levarão ao sucesso.

Um sucesso universal inscrito na idéia de que todos têm esse desejo e sua realização está ali,

ao seu alcance, traduzido no banner “o Mapa da Mina” de um informe publicitário do

SEBRAE publicado na home-page da Revista “Pequenas Empresas, Grandes Negócios”. Nas

seções seguintes do informe algumas matérias invertem o tom do discurso, como em

“Fórmula mágica não existe”. Todavia o sentido já foi expresso e já atendeu aos propósitos

ideológicos. Além disso, o texto “conscientizador” não desfaz a perspectiva de acesso ao

sucesso, apenas o condiciona reificando-o, ou seja, tratando a perspectiva do sucesso através

da adoção de uma gestão moderna e competitiva, como um processo mecânico que opera em

fases e operações sintetizáveis, que vem a ser outro modo de operação ideológico.

Sobre a perspectiva de universalização do sucesso, opera uma outra estratégia – a

narrativização, exemplificada à exaustão pelos “cases” de sucesso e, às vezes, histórias de

vida que narram como o sucesso foi alcançado – a superação pelo esforço individual e pela

adoção racional das técnicas prescritas – transcendendo com isso a existência do conflito, da

diferença e da divisão de poder. Essas histórias são, normalmente voltadas para trás com a

intenção de contar “como era antigamente” ou “cases” recentes, cujo horizonte de duração

foge aos propósitos da ideologia.

A dissimulação é outro modo de operação ideológica através do qual estratégias

simbólicas podem engendrar relações de dominação pelo fato de serem ocultadas,

obscurecidas, ignoradas ou representadas de forma a desviar a atenção ou disfarçar sobre

certas relações e processos existentes. Sobre esse modo de operação é impressionante o fato

da não publicização da “subordinatividade” do pequeno, como se a competitividade o pusesse


203

em condições gerais de competir. Na verdade apenas a natureza assimétrica das relações de

produção onde o pequeno se envolve é dissimulada, uma vez que as debilidades intrínsecas do

pequeno, contrariamente, são bastante difundidas e naturalizadas mediante analogias físicas

inscritas no par pequeno-grande. O deslocamento também pode ser encontrado, por exemplo,

na forma como se trata “cientificamente” o problema da mortalidade elevada e prematura da

PE. A extinção das PE é atribuída na maioria das vezes a problemas de gestão, ou seja, do

âmbito da decisão individual, enquanto pouco se alude aos limites estruturais, como sua

função anticíclica, por exemplo. A dissimulação talvez esteja entre as estratégias mais usadas

em virtude da descontextualização, de-historicização e deslocamento da problemática da PE.

Uma outra estratégia de dissimulação é a eufemização onde “ações, instituições ou

relações sociais são descritas ou redescritas de modo a despertar uma valoração positiva”,

com o que se procura suavizar o uso de determinados termos. O uso figurativo da linguagem

ou de formas simbólicas também se constitui numa estratégia de dissimulação. As formas

mais comuns são a sinédoque, a metonímia e a metáfora. Sobre estes usos podemos situar

todo o esforço feito em torno do par pequeno-grande, a positivação em geral do pequeno, o

enaltecimento do espírito do pequeno empresário em relação a sua criatividade,

empreendedorismo e disposição ao risco e, por outro lado, a quase completa ignorância

quanto à natureza das relações de trabalho na pequena empresa.

A sinédoque opera através da confusão ou inversão das relações entre coletividades e

suas partes, entre grupos particulares e formações mais amplas – a noção de parceria e a

exacerbação de suas possibilidades positivas com o ocultamento das negativas pode ser o

lócus operacional da sinédoque. Da mesma forma em relação à atribuição de características

individuais, locais ou situacionais ao pequeno, genericamente e vice-versa. A metonímia, de

uso extensivo na propaganda, envolve o “uso de um termo que toma o lugar de um atributo,

ou de uma característica relacionada a algo para se referir à própria coisa, embora não exista
204

conexão necessária [ou exclusiva] entre o termo e a coisa”. (THOMPSON, 1995:85). Sobre

isso, muitas vezes a referência ao pequeno é feita através das características que se quer

realçar (gerando um sentido), positivo ou negativo, e que não são relacionadas com todos os

pequenos, nem exclusivas do pequeno. Na metáfora temos a aplicação de um termo ou frase a

um objeto ou ação à qual ele, literalmente, não pode ser aplicado. A tensão levantada por essa

apropriação semântica inadequada gera um novo sentido do qual se tira proveito – a relação

pequeno-grande e todas as decorrências do sentido que é obtido com a justaposição de

contrários pode ser um exemplo. Um outro exemplo é a analogia genética do pequeno,

quando essa perspectiva é apenas uma dentre outras situações do pequeno. O exemplo vem do

termo “pequenas empresas, grandes negócios” contra o qual se poderia argumentar que o uso

figurativo da linguagem está longe de ser predominantemente ideológico. Porém, é uma

maneira eficaz de mobilizar o sentido no mundo sócio-histórico e que, assim mobilizado em

certos contextos pode estar envolvido com poder e servir para criar, sustentar e reproduzir

relações de dominação. Sobre essa questão, voltamos ao argumento de Žižek (apud

EAGLETON, 1997:47), quanto à existência de uma “falsa consciência esclarecida” que

afirma que a ideologia está na situação em si.

Um terceiro modo de operação das ideologias é a unificação. Aqui a própria

designação “pequeno” pode ser objeto de orientação de um sentido ideológico quando se tenta

colocar sob o mesmo teto pequenos tão distintos, ou quando se afirma que qualquer pequeno

pode vir a ser objeto de apoio no sentido do sucesso. A não distinção das diversas situações

onde o pequeno se insere e a prescrição indiscriminada de soluções para o pequeno pode ser

descrita como uma tentativa de padronização que visa instituir um sujeito dotado de

predicados específicos e que, portanto, pode e deve ser orientado a agir em conformidade com

tais padrões. A inculcação desse padrão de deficiências pode gerar um sentido incapacitante.

No geral, as estratégias unificadoras ou padronizadoras buscam amplificar as semelhanças


205

ocultando as diferenças em relação ao todo, ocultando os demais limites à integração

capitalista realmente competitiva do pequeno.

Sobre o quarto modo de operação das ideologias, a fragmentação, que opera através de

estratégias como a diferenciação e o expurgo do outro, o que se pode perceber é que ao

estabelecer critérios de excelência para o que seria um pequeno competitivo, todo aquele que

assim não o faz fica fora desse padrão de pequeno e, por isso, pode ser tratado como diferente

ou como contra-modelo. A propósito, o sucesso do pequeno em outros países a partir da ação

cooperativa entre pequenos também propicia que o pequeno nacional seja diferenciado a

partir de uma idéia culturalista da não propensão do nativo à cooperação.

É justamente em torno da idéia de cooperação que percebemos a possibilidade de

atuação do último modo de operação ideológica – a reificação. Nesse caso “as relações de

dominação podem ser estabelecidas e sustentadas pela retratação de uma situação transitória,

histórica, como se essa situação fosse permanente, natural, atemporal” (THOMPSON,

1995:87). A disposição à cooperação é vista de forma apriorística, como algo humanamente

racional e, portanto, eterna e imutável e acima das disposições sociais ou de um caráter

nacional através dos tempos, o que termina por se constituir em algo que pode ser

desenvolvido sempre e em qualquer situação de produção, encobrindo com isso todo o

conflito característico das relações de produção e, especificamente, a natureza assimétrica e

subordinada das relações entre pequeno e grande.

Já a dificuldade à cooperação é vista como resultante do nosso processo de

desenvolvimento histórico e social, composto cultural de um ethos nacional, o que explicaria

entre outras coisas a elevada mortalidade, a pouca expressão do conjunto de PE na economia

em relação a outros países mais cooperativos. O problema não está na expressão destes fatos

como evidências estatísticas de diferenças, mas na medida que tais relações são utilizadas de

forma determinística, como a questão da necessidade de mudança cultural, que possibilita que
206

um amplo espectro de ações seja usado de forma ideológica para justificar uma ação

institucionalizadora do pequeno por parte da agência.

Mas é a estratégia de naturalização que acreditamos ser outra das mais utilizadas na

perspectiva ideológica, pois ela se presta em duplo sentido. Por exemplo, o pequeno é

instituído como um sujeito portador de características “naturais”, uma debilidade e inaptidão

naturais enquanto padrão de gestão e comportamento. No entanto, o pequeno indivíduo é, ao

mesmo tempo e contraditoriamente, portador “natural” de determinadas características como a

iniciativa, a disposição para empreender e a criatividade. Tal processo de naturalização

implica em dois corolários não evidentes que, esses sim, evidenciam o caráter ideológico da

estratégia. Em caso de insucesso, o primeiro justifica – através da natureza – a mortalidade

elevada das PE, evitando com isso qualquer vindicação a respeito do apoio recebido, o

segundo incentiva a um estado permanente de iniciativa empreendedora e inovadora, de tal

forma que insucessos anteriores são atribuídos a fatores internos à própria dimensão

empreendedora individual e, no caso de sucesso, este é atribuído à segunda causa40 . A

debilidade naturalizada do pequeno desloca qualquer vindicação à natureza subordinada das

relações intercapitalistas, à inexistência de compensações a tal desigualdade ou a ausência de

um quadro institucional que regule estas relações. Quando muito tal assimetria verificada nas

relações é atribuída a uma – também “natural” – característica hierarquizante constitutiva das

relações sociais no país.

Sobre a naturalização, a perspectiva institucional desenvolvida por Douglas (1998:55)

afirma que é no nível antropológico que as instituições se fundamentam e se estabilizam, ou

40
Em matéria recente apresentada na TV, o pequeno empresário, naquele preciso instante “bem sucedido” é
instado a refletir acerca dos motivos que o levaram a perder os negócios anteriores e termina por atribuir seus
insucessos anteriores a uma falta de planejamento evidenciado na falta de capital de giro na primeira vez e a falta
de mais conhecimento do mercado na outra oportunidade. O que seria curioso, é que tal situação parece deixa -lo
satisfeito à medida que é valorizada como uma vantagem futura – o aprendizado, sublimando os insucessos e,
com eles, todo o questionamento possível. Esse é apenas um exemplo entre tantos, mais ou menos semelhantes,
veiculados nos programas voltados aos pequenos negócios.
207

seja, que adquirem a legitimidade “natural” que as tornam, cognitivamente, uma instituição

social. Sobre isso ela diz:

É necessário existir uma analogia por meio da qual a estrutura social de um conjunto
fundamental de relações sociais será encontrada ou no mundo físico ou no mundo
sobrenatural ou na eternidade ou em qualquer outro lugar, contanto que não seja
encarada como um arranjo socialmente elaborado (DOUGLAS, 1998:58).

Portanto, as analogias físicas e naturais relacionadas à condição de pequeno se

constituem em elemento de reforço e legitimador de sua institucionalização.

Mais que apenas legitimar, a capacidade instituinte possibilitada por analogias

encontradas numa oposição natural encontrada no par “pequeno vs. grande”, se constitui no

fundamento explicativo das diferenças gerenciais e administrativas da PE em relação ao

padrão grande empresa e mais, a possibilidade de associar por analogia a mesma oposição a

um conjunto muito maior de fatores e propriedades da PE. É possível encadear um conjunto

de atributos de naturezas distintas a partir de uma analogia com uma propriedade natural a

qual é relacionado como oposição. O exemplo inspirado em Douglas (1998) abaixo

apresentado indica esse efeito analógico instituinte.

Pequeno Grande
Despreparo Preparo
Incapaz Capaz
Arcaico Moderno
Morte Vida
Prejuízo Lucro
Problema Solução

A possibilidade dessas analogias se associarem à conceitualização da pequena

empresa, ou seja, se constituírem como fundamentos institucionais da PE é colocado por

Douglas (1998). Para a autora, “para que uma convenção passe a ser uma instituição social

legítima é necessário uma convenção cognitiva paralela que lhe dê apoio” (DOUGLAS,

1998:56). Nesse caso, “a analogia compartilhada é um instrumento para legitimar um

conjunto de instituições frágeis” (DOUGLAS, 1998:59). Exemplo desse processo de


208

fundamentação das instituições através da transposição de analogias extraídas da natureza

para outros domínios de significação é encontrado com facilidade. “Na moderna sociedade

industrial a relação analógica da cabeça com a mão foi usada [...] para justificar a estrutura de

classe [...] e a divisão do trabalho entre o trabalhador manual e o trabalhador intelectual.”, diz

a autora (DOUGLAS, 1998:59).

Segundo Douglas (1998), as analogias extrapoladas para outros domínios de

significado se constitui num recurso retórico de grande poder. A capacidade instituinte dessas

analogias pode ser um poderoso recurso de dominação ideológica.

Com base na analogia “as instituições sobrevivem àqueles estágios em que eram

convenções frágeis. Elas se baseiam na natureza e, em conseqüência, na razão. Sendo

naturalizadas, fazem parte da ordem do universo e, assim, estão prontas para fundamentar a

argumentação” (DOUGLAS, 1998:61).

No entanto, “o empenho em fortalecer instituições sociais frágeis assentando-as na

natureza é derrotado tão logo seja reconhecido como tal. É por isso que as analogias fundantes

precisam ser ocultas e que o domínio do estilo do pensamento sobre o mundo do pensamento

tem que ser secreto” (DOUGLAS, 1998:62). É justamente sob esse aspecto

ocultado/dissimulado que opera a ideologia, conforme procure apresentar os fatos e

fenômenos relacionados à PE sob determinados aspectos em detrimento de outros.

A nominalização, como estratégia que consiste em tender a representar um processo

como coisa, sem sujeito ou ação produtores da coisa. Sobre isso podemos refletir acerca do

sentido envolvido na maneira com que a “mortalidade” e o “despreparo” são tratados como

uma questão relativa à PE. O que se pode inferir sem um exame mais profundo é o tom

generalizado de desinteresse pela questão, seja no sentido de identificar ou de conhecer a

coisa (PE) que se situa no cerne dos objetivos da agência. Veja que neste como em outros

casos não queremos discutir o sentido ideológico da mortalidade em si, mas a revelação da
209

ideologia através do posicionamento da questão no campo da problemática da PE e a pouca

atenção da agência dispensada à reflexão sobre tal questão.

Ao buscar efetuar uma análise do discurso do SEBRAE nosso intento foi o de

evidenciar a operação de ideologização da PE através da produção de “formas eufemizadas”

transfiguradas como um habitus competitivo constante nas formas simbólicas utilizadas no

discurso da agência. Nesse sentido, nos limitamos a utilizar parcialmente a metodologia

proposta por Thompson (1995) sem a perspectiva de realizar uma quantificação ou

explicitação dos mecanismos da operação ideológica segundo sua proposta. Entendemos que

isso seria objeto de um estudo mais específico, à medida que esta metodologia se confirme

adequada como pareceu ser em nosso caso. Além disso, a abertura de um campo de discussão

nos parece um propósito valioso, conforme o próprio autor reconhece:

Engajar-se na interpretação da ideologia é uma atividade arriscada e cheia de


conflitos. É arriscada porque o significado de uma forma simbólica não é dado de
antemão, fixo, determinado; oferecer uma interpretação é projetar um significado
possível, um dentre muitos significados possíveis que podem divergir, ou conflitar
com outro. Esse conflito potencial toma uma forma diferente no caso da
interpretação da ideologia. Pois a interpretação da ideologia envolve não apenas a
projeção de um significado possível, mas também a afirmativa de que tal significado
serve, em certas circunstâncias, para estabelecer e sustentar relações de dominação.
A interpretação da ideologia penetra, então, no domínio das afirmações e contra-
afirmações, da argumentação e contra-argumentação; não é apenas uma projeção de
um significado possível, mas uma intervenção potencial na vida social, isto é, uma
projeção que pode intervir nas próprias relações sociais que o objeto de
interpretação serve para sustentar. Interpretar uma forma simbólica como ideologia é
abrir a possibilidade à crítica, não apenas de outras interpretações (inclusive as
interpretações dos que constituem o mundo social), mas também das relações de
dominação em que esses sujeitos estão inseridos (THOMPSON, 1995:380).

4.3 – TRAJETÓRIA INSTITUCIONALIZADORA DO SEBRAE

Em 2002 o SEBRAE, completou trinta anos de ação institucional e, ao longo deste

tempo, teve seu papel institucional consideravelmente ampliado em comparação aos

propósitos iniciais do Centro Brasileiro de Assistência Gerencial à Pequena e Média Empresa-

CEBRAE.
210

O livro de Mancuso (2002) “SEBRAE 30 anos parceiro dos brasileiros”41 pode ser

considerado um documento institucional do SEBRAE, à medida que disponibiliza para

análise um conjunto de informações que seria difícil para um pesquisador “outsider” coligir.

Trata-se de uma coletânea de depoimentos atuais e históricos dos principais personagens

desse itinerário institucional conjugados às diretrizes organizacionais e políticas de ação que a

agência formulou e implementou na sua trajetória evolutiva resultando numa obra que,

segundo palavras do diretor-presidente da instituição na apresentação do trabalho, “intenta

contar a história [da] rica evolução institucional” de uma organização que “perseguiu de

forma coerente e obstinada, finalidades e objetivos claramente definidos, [...] formou sua

própria cultura e vem promovendo, competentemente, ações eficazes e estrategicamente

orientadas para alcançar esses objetivos”.

O livro tem também um propósito “mais pragmático”, diz o diretor-presidente, pois à

medida que “a matriz organizacional do Sistema SEBRAE vem se consolidando adquirindo

estabilidade e permanência” e tem entre suas características “a agregação de forças da

sociedade em torno de objetivos compartilhados” – o atendimento às MPE’s42 e a

“disseminação do espírito de empresa como indutor do desenvolvimento” – “tudo isso torna

mais relevantes a disseminação e o debate do ideário do SEBRAE, de seus princípios, em

suma, de sua cultura institucional”.

O destaque dado a essa apresentação deve-se, primeiro, ao reconhecimento da

importância da ação institucionalizante do SEBRAE, segundo, que essa institucionalização

tem como pressuposto o compartilhamento de seus objetivos com a sociedade e se propõe ao

debate de seu ideário e, terceiro, pelo fato decisivo de objetivar o desenvolvimento da

41
Esta seção do trabalho vai ser desenvolvida em torno do livro de Mancuso (2002). Nesse sentido julgamos
desnecessária a repetição constante da citação do autor, ficando estabelecido que apenas as informações oriundas
de outras fontes serão devidamente citadas ao longo do texto. Todos os grifos não referenciados no texto são
nossos.
42
MPE - Micro e pequenas empresas.
211

sociedade. É justamente sobre a institucionalidade desse “compartilhamento” que nossa

atenção se concentra no sentido de evidenciar os aspectos ideológicos que a sustentam.

O argumento original quanto ao despreparo do pequeno e micro empresário, derivado

da análise microeconômica da firma numa abordagem neoclássica do pequeno capital, se

constitui num dos fundamentos instituintes da ação da agência, revelado sob os diversos

ângulos de sua ação em todos as etapas de sua evolução. A pequena empresa, apreendida

individualmente como uma firma, precisa adotar uma postura competitiva com vistas a

mitigar suas dificuldades inerentes ao porte. O pequeno empresário é o sujeito determinante

dessa competitividade à medida que adote um comportamento competitivo, não apenas

voltado à gestão racional da firma, mas também em relação ao ambiente empresarial e ao seu

próprio comportamento empreendedor. Com isso, a ação da agência tem um viés

comportamentalista que lhe é característica fundamental.

“O SEBRAE nasce como suporte de capacitação empresarial a programa de crédito

destinado a médias empresas” (2002:13). Nos anos oitenta a agência quase sucumbe à crise,

mas se transforma no “atual modelo institucional do SEBRAE” com a mobilização de

“lideranças empresariais e pequenos empreendedores, com o apoio da opinião pública e do

Congresso”.

A partir daí, amplia sua ação muito além do trabalho de “assistência técnica direta”,

expandindo sua inserção com programas de ações comunitárias e setoriais, ocupando um

espaço significativo na mídia, tanto para aumentar sua visibilidade como agência

especializada, quanto para sensibilizar a sociedade quanto ao papel do pequeno e recorrendo a

parcerias e terceirizações no sentido de ampliar sua atuação de apoio, fomento e

sensibilização.

A análise dessa trajetória nos permite delinear três grandes etapas de consolidação da

atividade da agência e configuração de sua ação institucionalizadora da pequena empresa. A


212

fase inicial desta trajetória institucional se caracteriza pelo foco essencialmente assistencial

constituído a partir da visão institucional que forma sobre a PE e sua problemática gerencial.

A conjuntura da época orienta sua ação para o crescimento das empresas fundamentado pela

perspectiva de crescimento econômico do país e pela necessidade de apoio à empresa nacional

no processo de industrialização, ou para uma ação de padrão assistencialista desenvolvido

junto à microempresa, normalmente urbana, apoiado na idéia já desenvolvida quanto à

capacidade de gerar emprego da pequena empresa.

A mudança de Cebrae para SEBRAE se constitui numa segunda fase que poderia ser

denominada de crescimento e vai ocorrer justamente quando o país “pára de crescer”. Por

isso, a agência desenvolve uma identidade de natureza empresarial, desenvolvendo

“produtos” variados e adaptados às novas circunstâncias da vida econômica do país ao mesmo

tempo em que busca ampliar e consolidar seu espaço institucional intensificando e ampliando

o raio de ação assistencial, de forma mais auto-sustentável. Nessa fase a agência se constitui

como um serviço autônomo, passando a ter uma natureza jurídica de empresa privada, o que

também vai influir no modelo de gestão que passa a adotar e, principalmente, na visão

institucional de pequena empresa.

A terceira fase, que chega aos dias atuais, pode ser projetada a partir de sua

“Reinvenção”, na virada do século, corresponde a uma inflexão na sua trajetória que marca o

fim, diríamos da etapa de consolidação da imagem institucional e o início de uma etapa de

realização, possibilitada pelo “capital institucional” acumulado, com crescimento acelerado

em virtude de uma nova forma de atuação mais estratégica que procura desenvolver, “criando

um ambiente favorável ao desenvolvimento dos pequenos negócios e do empreendedorismo”.

Trata-se agora não apenas de atender a uma demanda, mas de criar sua própria demanda, a

partir de um discurso existente (importado) sobre o protagonismo da PE competitiva, onde o


213

pensamento institucional anterior é apenas deslocado, permitindo seu desenvolvimento em

qualquer conjuntura, de crescimento ou recessiva.

Ao longo desse percurso é possível ver como a questão teórica relacionada ao pequeno

e seus limites, presente nos tempos iniciais da instituição, ajusta-se primeiro diante de

questões conjunturais mais prioritárias como o crescimento do país e a própria sobrevivência

da agência e seu aparelhamento e, em seguida, diante das questões criadas quanto a sua auto-

sustentabilidade e desenvolvimento e aproveitamento das potencialidades criadas. Como se o

foco no pequeno passasse a ser derivado das necessidades institucionalmente criadas pela

própria agência, como formas transfiguradas dos requisitos reprodutivos do capitalismo e dos

agentes capitalistas mais privilegiados com a dinâmica sócio-produtiva da PE.

Nesse sentido vários jargões são criados e divulgados na mídia como: “o novo

SEBRAE articula e ‘faz acontecer’” e “o SEBRAE para todos”.

O “SEBRAE para todos” estabelece algumas prioridades entre as quais podemos

salientar a “educação empreendedora para milhões”, onde não apenas se intenta preparar

pequenos empresários ou estimular a formação de pequenas empresas, mas estabelecer

“empreendedorismo como qualidade essencial” de um novo mundo no qual o emprego não

estará disponível e a capacitação para trabalhar por conta própria será a única saída para a

sobrevivência. “Ampliar a cooperação” se fundamenta na idéia de que é possível cooperar e

competir a partir da racionalização e cálculo dos interesses. A concepção de “redes solidárias”

parte do pressuposto que “não há quem não tenha algo em comum com a causa da pequena

empresa”, enquanto “tratamento diferenciado” se baseia no princípio que os pequenos

negócios trazem resultados diretos e sustentáveis mais “que política alguma de promoção

social consegue alcançar” (2002:23).

Para Mancuso (2002:28), a iniciativa do governo ao criar o CEBRAE respondeu à

necessidade de preservar um espaço para a empresa nacional, no bojo de um processo de


214

“reestruturação do setor produtivo” (grifo do autor), com a conjugação de instrumentos de

crédito e de assistência técnica. “Setores nacionalistas e de esquerda incorpora[va]m, desde

então, um discurso de ‘proteção’ à empresa nacional. Ainda não se falava em pequenas

empresas”.

O Documento 33 do Conselho de Desenvolvimento da Presidência da República no

final do governo JK; os programas do BNDE – FIPEME e da SUDENE em 1965 e 1967,

respectivamente e a publicação pelo IPEA de “Pequenas e médias empresas” de autoria de

Barros e Modenezi em 1973 se constituem nos primeiros documentos relacionados ao

universo da pequena empresa no Brasil. Segundo o então ministro do planejamento Reis

Velloso, “era preciso ver o assunto da pequena empresa no quadro de fortalecimento da

empresa privada nacional. [...] Ao lado de uma reestruturação setorial, surgiu a idéia de dar

capacidade gerencial à pequena empresa para que ela se tornasse competitiva e pudesse

crescer, [...] e passasse a ter expressão dentro da economia brasileira” (2002:44). Nesse

sentido, não era a perspectiva que potencializa o papel social da PE que orientava a criação da

agência, mas uma idéia de modernização e reorganização industrial a partir da empresa

privada nacional como pequena empresa ela mesma ou como fornecedora de pequenas

empresas.

“O Cebrae nasce ‘dentro’ do BNDE”, que tinha como objetivo o desenvolvimento da

infra-estrutura industrial do país. Segundo seu primeiro executivo, o CEBRAE surge de um

“sentimento profundamente egoístico”, pois resultava da constatação que o problema da

indústria pesada emergente era a falta de financiamento para sua produção que era consumida

pelas pequenas e médias empresas, ou seja, tratava-se de criar condições para que aquelas

empresas pesadas pudessem pagar os financiamentos obtidos junto ao banco. Daí a criação do

FIPEME – Programa de financiamento à pequena e média empresa, o que exigia


215

paralelamente a criação de uma unidade técnica específica que orientasse o pequeno

empresário a elaborar seu projeto, entre outras atividades.

O primeiro relatório de atividades do programa em 1966, portanto antes da criação da

agência, já relatava os preceitos básicos da pequena empresa – “o despreparo do empresário

de menor porte, a falta de estrutura empresarial, a inexistência de organização contábil

administrativa, a insuficiência de capital de giro, necessidade de assistência técnica, bem

como o pouco conhecimento sobre o mercado e a concorrência”.

É em torno desse conjunto de “problemas” que ainda hoje se articulam as ações de

apoio à PE – capacitação gerencial, apoio creditício, colocação no mercado e informações.

Em convênio com o MIT, desenvolve-se o SIPEME – Sistema de informações

gerenciais para as pequenas e médias empresas, que vão se constituir no “livro de ouro” dos

consultores para enquadramento, elaboração e implementação de projetos para PE.

Percebemos aí a abordagem formal e microeconômica com que a PE surge no quadro

político-econômico nacional e as implicações que tal perspectiva vai orientar na

institucionalização do pequeno – seu significado estratégico funcional e derivado vão se

constituir nos fundamentos institucionais mais importantes a orientar todo o pensamento e

formulação de apoios e fomento. Em um manual do CEAG/BA43 a orientação recomendada à

ação dos técnicos no atendimento aos pequenos empresários diante da reclamação do

empresário “sobre a insuficiência de recursos” é de procurar “diagnosticar as causas reais dos

problemas gerados, os quais geralmente são decorrentes de manejos incorretos de capital

[...] fatores tipicamente identificados como despreparo administrativo-gerencial”. Segue

uma série de perguntas que devem ser feitas ao empresário visando detectar o grau desse

despreparo de forma a possibilitar uma oferta mais adequada de um “programa de

treinamento” ou de uma “consultoria” [ASSISTÊNCIA, 197-:1]. Nessas perguntas não há

43
Centro de Apoio Gerencial/BA.
216

menção a aspectos conjunturais ou estruturais que possam ter afetado a atividade da PE, de

forma que a avaliação de necessidade é feita a partir do pressuposto da problemática de

origem interna e individual.

No âmbito da SUDENE o pequeno tem uma trajetória relativamente distinta. Criada

para promover o desenvolvimento do Nordeste brasileiro, segundo concepção de Celso

Furtado, vai prever desde 1967 Núcleos de Assistência Industrial-NAIs que visavam

“promover, mediante crédito e assistência técnica, a modernização e o crescimento de

unidades industriais de menor porte”. Embora desenvolvida de forma mais desconcentrada e

tendo o foco direto no pequeno, a visão construída do pequeno não escapa à lógica

microeconômica que então era, e ainda é, hegemônica.

Também na SUDENE, a formação dos consultores empresariais que vão assistir à PE

é feita através de um acordo de cooperação com instituição estrangeira holandesa e, com

patrocínio da USAID, técnicos vão conhecer as experiências de apoio à PE realizada em

outros países.

Mesmo uma perspectiva crítica que consubstancia algumas análises levadas a cabo

nesta primeira fase do Sistema, não contemplava alternativa outra senão a do crescimento da

empresa diante das tendências concentradoras e centralizadoras evidenciadas por esta

abordagem mais estrutural (FUNDAÇÃO, 1980; SOUZA e ARAÚJO, 1983). Análises feitas

já assinalavam a natureza estrutural da questão, reconhecendo a articulação entre o moderno e

o tradicional como típico do “desenvolvimento desigual e combinado” e/ou “heterogeneidade

estrutural”, percebendo os efeitos danosos que o processo de concentração econômica

imprimiam a este segmento, compreendendo a funcionalidade da PE e os limites estruturais

impostos ao seu desenvolvimento (FUNDAÇÃO, 1980:9). No entanto, isso não parecia influir

nas atividades ou na reflexão da agência.


217

Embora a PE fosse abordada de outra forma no âmbito da SUDENE e seus

desdobramentos, essas duas visões acabavam convergindo diante da conjuntura de

crescimento que o país ainda atravessava.

Para Alves (1981), que parece exemplificar a visão do BNDE, a problemática da

pequena empresa era também a da empresa nacional, o que mostra que inicialmente o foco da

agência incorporava também a média empresa, o que, em face da problemática da época

significa endossar as análises que mostram que os extratos de maior porte eram privilegiados,

assim como o foco no crescimento numa abordagem da empresa individualizada. Os textos da

época não fazem menção a formação de aglomerações empresariais, no entanto, o texto de

Alves (1981) foi preparado para ser apresentado num seminário internacional em Turim,

quando os distritos marshallianos já eram uma realidade.

O diagnóstico normal apontava a falta de capacidade empresarial e gerencial, de mão-

de-obra especializada, de conhecimento tecnológico e a falta de crédito subsidiado para

capital de giro. As soluções também se repetiam em tornos de “um amplo programa de

treinamento e assistência técnica” para a “insuficiente capacidade de gerência” decorrente da

“limitada oferta de capacidade empresarial”. O processo clássico de formação do pequeno

empresário descrevia que “as causas desta incapacidade [gerencial] são bastante conhecidas”

e começam com a “própria origem do pequeno empresário” que por não ter acesso ao ensino

formal vai formar sua empresa. A “falta de qualificação” em relação às “múltiplas funções

administrativas” se constitui como “elemento restritivo ao bom desempenho” fazendo com

que “empregue todo seu esforço de maneira empírica” e não dispondo de tempo para

planejar, organizar e controlar (ALVES, 1981).

Nesse conjunto de avaliação, proposição e reflexão, ao qual poderíamos incluir a

necessidade de desenvolver metodologias de capacitação mais efetivas, temos uma síntese do

pensamento institucional acerca da PE nos oitenta e que se estende com pequena variabilidade
218

até hoje (LAGES, 2004; PINTO, 2004). Por esse viés, podemos concluir que fatores

considerados positivamente no modelo canônico italiano, como as habilidades empíricas, ou

sequer considerados, como o acesso ao ensino formal44 , no caso brasileiro são tidos como a

causa fundamental do problema.

A visão da SUDENE, nos anos oitenta, era semelhante. O empresário é despreparado

para organizar e administrar em virtude de não conhecer as técnicas apropriadas de gestão e

não utilizar instrumentos gerenciais de controle. Mas sua importância era devida às funções

sociais e econômicas que desempenhava na geração de empregos e produtos para

determinados segmentos da população e mercados consumidores. A orientação da agência

visava o crescimento da firma, embora reconhecesse a necessidade de “sustentação” e de

“garantir a sobrevivência dessas atividades”. Os programas assistenciais formulados eram de

natureza financeira quando “constatada a carência imediata de capital” e com o “interesse em

prover o microempresário de estratégias de gerenciamento mais racionais dentro das

possibilidades estruturais da microempresa”. No entanto, os cursos desenvolvidos aplicavam

conteúdos do tipo “estrutura organizacional formal e informal”, “preparação do manual de

organização”, “descrição de cargos” e “tempos e movimentos” (BARBOSA, 1981), estranhos

à realidade da microempresa.

O quadro institucional se repete na avaliação dos esforços educativos feito pela

agência que identifica como obstáculo maior a sua missão educativa a “baixa conscientização

do pequeno empresário e no seu elevado grau de resistência em participar dos programas de

capacitação e treinamento” (ALVES, 1981:18). Daí, a permanente preocupação com as

metodologias, até hoje (PINTO, 2004).

No entanto, é importante sublinhar que a alusão clássica de um “baixo nível de

management” da PE é feito sempre em referência ao seu crescimento e significa dizer que

44
Cumpre lembrar sempre que o analfabetismo no Nordeste italiano era bastante elevado ainda na segunda
metade do século XX.
219

para deixar de ser pequeno e crescer seria preciso desenvolver uma capacitação gerencial mais

especializada, o que difere da forma como o despreparo do pequeno empresário se

institucionaliza – como um atributo pessoal inerente ao pequeno, o fator mais importante de

seu insucesso e como causa para a mortalidade elevada das pequenas empresas nascentes.

Significaria dizer que a simples permanência/sobrevivência do pequeno, na ausência de

capacitação, seria obra do acaso.

Cumpre salientar que não queremos dizer que a educação não é importante ou que a

PE não tem problemas de natureza gerencial, mas evidenciar o propósito oculto com que tal

argumentação é realçada em detrimento de outras, como o formalismo (SOUZA e ARAÚJO,

1982) por exemplo. A visão formalista inverte a análise da problemática do pequeno fazendo

com que, por exemplo, a “contabilidade desorganizada ou apenas para finalidades fiscais”

seja percebida apenas como fator causador dos problemas administrativos do pequeno.

Atualmente, essa capacitação técnico-gerencial foi deslocada por outra de natureza

estratégico-competitiva, dita empreendedora, responsável por uma dinâmica na geração de

pequenas empresas, enquanto a anterior (sua falta) responde pelo insucesso. Ser competitivo

significa aderir conscientemente, como habitus, aos novos requisitos quase integrativos da

produção capitalista e, se não der certo, paciência porque “a vida é assim” e você não se

encontrava adequadamente capacitado.

Essa possibilidade vai permitir que a agência responda (institucionalmente) ao mesmo

tempo pela identificação do problema do pequeno e pela produção da solução do problema.

Nesse sentido, a avaliação da eficácia de sua atuação institucional através da verificação da

eficácia com que dissemina uma visão a respeito da PE e sua problemática não pode ser

confundida com avaliação de sua atuação em apoio e fomento da PE, pois significaria a

avaliação dos fins últimos – o fortalecimento da PE – através da verificação efetiva da

eficácia dos meios utilizados.


220

Avaliação parece ser uma dimensão dilemática para a agência e isso nos parece um

indicador da ideologização da PE. Desde o ni ício de suas atividades a agência vem tentando

avaliar o impacto de sua ação. Essa preocupação já se manifesta em 1984 quando a agência

manifesta a intenção de desenvolver uma forma de avaliar sua atividade que “possibilit[e] de

forma permanente mensurar o impacto das ações, identificando as reais conseqüências sobre o

público-alvo”(PRODIME, 1984:155). As justificativas apresentadas são sempre pertinentes,

tanto em relação à utilização dos recursos públicos como na perspectiva estratégica do

programa em si. Além disso, se constitui em ferramenta da agência para monitoração da

efetividade de suas atividades. Os discursos em geral em relação à avaliação são consistentes

e colocam essa atividade como fundamental para a ação da empresa. Esta preocupação é

expressa no PRODIME45 dentre seus objetivos centrais: Avaliar a rentabilidade social e

privada do programa; avaliar o desempenho das microempresas atendidas e apenas

diagnosticadas; verificar e quantificar o impacto em nível das empresas atendidas e; criar

condições para que este instrumento de avaliação possa ser utilizado pelo sistema Cebrae.

Enquanto os objetivos específicos seriam: Avaliar a mortalidade e a mobilidade setorial das

microempresas; identificar o grau e percepção do empresário quanto ao significado do

PRODIME e; mensurar o efeito emprego.

Entretanto, ao longo de nossa pesquisa não encontramos qualquer documento a esse

respeito que ultrapassasse a alçada da proposição. Atualmente, está em fase de implantação

experimental um novo modelo de gestão baseado em resultados chamado GEOR – Gestão

estratégica orientada por resultados (LAGES, 2004) que, talvez possa gerar informações sobre

a efetividade real de sua ação, muito embora, a taxa de mortalidade, já prevista em 1984, não

obstante ser um dado agregado, poderia refletir no longo prazo ou tendencialmente um

45
`Projeto de Apoio à Microempresa Municipal.
221

resultado. Todavia, com a divulgação da última pesquisa (FATORES, 2004), os resultados se

comparados com outros disponíveis não indicam qualquer alteração significativa no período.

Em 1985 o sistema continua afirmando a necessidade de avaliar sua atuação em

termos do impacto concreto sobre a realidade das PE, sem conseguir estabelecer um critério

ou metodologia avaliadora de aplicação generalizável. Desde o início que a agência reconhece

e alega a necessidade de atuar de forma mais bem ajustada às necessidades da PE, ou seja,

reconhece sua natureza diferenciada e “potencialidades”, entretanto tal reconhecimento se dá

sob a égide de um pensamento tecnocrático (NOVO, 1985).

A institucionalização do despreparo do pequeno empresário significa a eternização das

debilidades da PE, coisa que o esforço educativo permanente desenvolvido pela agência não

vai resolver, por que não é para ser resolvido, como demonstra o conteúdo inadequado do

curso de Treinamento Gerencial Básico – TGB, mas instituída como tal naturalizando o

fracasso. Fracasso que justifica a manutenção do esforço educativo e a aplicação de

variedades de tecnologias educativas e de informações como o principal pilar do apoio a PE,

ao mesmo tempo em que sua posição em relação à agência se define por esta

institucionalidade.

O CEBRAE surgiria em 1972, pensado desde o início com uma estrutura adaptável às

peculiaridades regionais, ao mesmo tempo em que a PE era contemplada indiretamente pelo I

PND onde uma política industrial reconhecia a insuficiência de capital, a escala inadequada

de produção e o baixo nível de management da indústria nacional (2002:40). Seu primeiro

Conselho Deliberativo é formado por representantes do BNDE, FINEP e ABADE46 que

redigem o estatuto da instituição cuja finalidade centra-se na assistência às PE e no

treinamento empresarial. Nos anos seguintes a sua criação o Cebrae busca treinar e capacitar

pessoal para prestar assistência e consultoria e até meados dos setenta “atravessa uma fase de

46
FINEP – Financiadora de Estudos e Projetos e ABADE – Associação Nacional de Bancos de
Desenvolvimento
222

afirmação de seu papel institucional, com experimentação e aprendizado. Mas também já

procura desenvolver processos de massificação da assistência gerencial” com a utilização de

mídias de grande penetração como a televisão, o jornal e o rádio.

Metodologias e programas eram importados, adaptados e aplicados47 . Segundo

depoimento de um ex-colaborador, “a ênfase era muito centrada na questão do conteúdo, de

modernizar a gestão das pequenas empresas. Naquele momento estávamos formando essa

massa crítica, pois o Cebrae era praticamente uma grande empresa de treinamento e

consultoria”. Relevante também é o depoimento de uma “técnica atuante na época” sobre o

modelo comportamentalista desenvolvido e praticado pela agência e que vai se revelar

paradigmático por toda sua existência. Dizia ela que: “o curso básico de consultor dava ênfase

aos aspectos comportamentais. E os técnicos já vinham de lá [do exterior] com essa

sementinha. Contratados pelo sistema, e verificado que tudo isso existia na prática, criava-se

um espírito de corpo fundamental para o sucesso da organização” (2002:53).

Esse enfoque comportamental é explicitado na metodologia do TGB e se constitui até

hoje num dos pilares institucionais que governam a ação da empresa, impregnando as

metodologias baseadas na tentativa de mudança cultural do pequeno empresário. Em 1984 se

propunha uma metodologia de abordagem, o MAPA-Metodologia para Autodiagnóstico e

Planejamento de Ações, calcada no modelo sócio-técnico e de visão sistêmica através da qual

o empresário poderia atuar estrategicamente e, adequadamente informado e assistido, tirar

partido positivo em relação ao seu posicionamento estratégico no mercado e das condições

estruturais que limitavam sua ação (PRODIME, 1984).

Embora se argumentasse, conforme depoimento do próprio presidente da agência à

época, sobre o desenvolvimento de metodologias de atuação que refletissem a experiência

47
Segundo depoimento de um ex-colaborador captado por MANCUSO (2002:53) todos os dirigentes do sistema
foram treinados em Turim e depois percorreram países da Europa, Estados Unidos e Japão e Taiwan levantando
os mecanismos e políticas de apoio ao pequeno. Além disso, especialistas franceses, alemães e norte-americanos
eram contratados e convidados para palestras e treinamentos mediante convênios com SUDENE e UNICAMP.
223

brasileira e de outras partes do mundo “adaptadas, com vantagem, ao modelo brasileiro”, o

que se aplica de forma consistente e que vai se institucionalizar são os diagnósticos de cunho

microeconômico relacionado às desvantagens de escala da pequena empresa e uma

abordagem de atuação de enfoque comportamental que se baseia na mudança cultural do

pequeno empresário, ao mesmo tempo em que não observa as especificidades decorrentes de

uma realidade econômica original, que era percebida pelo pequeno empresário 48 .

Em 1976, por ocasião de seu terceiro estatuto, o CEBRAE passa denominar-se Centro

Brasileiro de Apoio à Pequena e Média Empresa, em vez de Centro Brasileiro de Assistência

Gerencial. O IPEA passa a integrar o conjunto de membros instituidores da agência e a

presidir o Conselho Deliberativo da entidade. Além disso, absorve o Programa Nacional de

Treinamento de Executivos- PNTE da Secretaria de Planejamento herdando a Central

Brasileira de Casos, mecanismo criado para registro e difusão de casos concretos exemplares

e de interesse didático. O enfoque prescritivo também vai se constituir numa ferramenta

metodológica largamente utilizada pela agência ao longo de toda sua existência.

O PROMICRO 49 é criado em 1977 e traz consigo a denominação “microempresa” e

um programa de aplicação uniforme em todo o território nacional, o “crédito orientado”. A

conjugação de crédito e assistência gerencial potencializou a expansão das atividades da

agência, que ganhou visibilidade que até então não dispunha. Entretanto, as condições

relativas favoráveis de oferta de crédito, fazem da assistência técnica conjugada que consistia,

principalmente, na implantação de controles gerenciais e, conseqüentemente, no aumento do

grau de formalização da atividade gerencial e contábil, um remédio amargo para muitas

pequenas empresas. Isto é evidenciado pelas próprias avaliações feitas pela agência e pela

dinâmica da demanda pelos serviços da agência.

48
Na experiência italiana com os “centros de serviços reais” é a demanda quem organiza e define as
necessidades de apoios ficando o centro incumbido de provisionar os recursos necessários (LIGABUE, [s.d.]).
49
Programa de Apoio à Microempresa.
224

Como no PROMICRO a oferta de apoios financeiro e gerencial eram associados, era

evidente o interesse exclusivo no financiamento, ao passo que a razão avaliada pela agência

para tal situação era a existência de um “comportamento resistente a mudanças” do

empresário e sua não participação era vista como manifestação de uma “auto-suficiência” do

segmento decorrente de “necessidade de valorização de sua trajetória individual de

realização” em face da elitização da educação no país. A alegação de resistência e auto-

suficiência é a mesma de hoje, tanto que pesquisa recente indicou que apenas 3% das

empresas em funcionamento admitem procurar o apoio do SEBRAE (FATORES, 2004), da

mesma forma como são poucos os programas que associam crédito e capacitação50 .

A concepção normativa da PE produz uma blindagem que dificulta a percepção da

realidade, o que é evidenciado nas avaliações de treinamentos efetuados onde foram

registradas algumas, não muitas, declarações que afirmavam “não ver validade”, “não

acreditar”, “não julgar adequado às necessidades” ou “não precisar dos referidos

conhecimentos” (BARBOSA, 1981). A resposta institucional é a proposição de uma

metodologia “mais prática” e com o uso de uma “linguagem mais acessível” ao público,

enquanto não encontramos sequer menção à possibilidade de inadequação dos conteúdos,

donde se pode inferir que tais declarações não ensejavam qualquer consideração ou reflexão

crítica sobre a questão. MACHADO [198-] discute aspectos metodológicos relativos ao

treinamento gerencial aplicado a “empresários com alfabetização rudimentar [...] ou mesmo

analfabetos” no âmbito do PROMICRO, sugerindo que o treinamento assumisse uma

dimensão mais cognitiva ou sensibilizadora no lugar de um treinamento tradicional com aula

expositiva e conteúdos previamente selecionados pelos capacitadores, como solução ao

problema do desinteresse decorrente do caráter compulsório do treinamento.

50
O programa Brasil Empreendedor do BNDES é um dos poucos a fazer essa conjugação.
225

A ação assistencialista conjugada com uma visão normativa da problemática da PE

gera uma solução de continuidade, ou seja, um mecanismo circular de auto-alimentação. Ao

assumir que o microempresário é “despreparado” significa que o mesmo não está capacitado a

conhecer e reconhecer as dificuldades que impedem seu desenvolvimento. Da mesma forma,

ao identificar normativamente os problemas da microempresa, significa uma concepção de

capacitação que não vai modificar a situação real da PE, o que realimenta o diagnóstico do

“despreparo”, gerando a necessidade de novas soluções educacionais pela agência. Este

movimento vem se repetindo ao longo dos trinta anos de existência da agência. É verdade

quanto à ocorrência de transformações no ambiente produtivo, mas isso não parece ter afetado

nem a natureza do “despreparo” do microempresário, nem o grau de efetividade das “soluções

educacionais” sempre renovadas, especialmente quanto aos “referenciais metodológicos para

uma nova práxis educacional”.

O mecanismo de avaliação utilizado engendra essa dinâmica circular, à medida que a

agência “educa” o empresário, para avaliá-lo em seguida quanto à natureza dos problemas de

gestão da empresa. Por outro lado, a avaliação, também normativa, estrutura as possibilidades

à visão inscrita na sua normatividade com que a PE é concebida, de forma que não há como

escapar à lógica encerrada nessa circularidade. Tal lógica propicia o cultivo de uma aura

vitimizada do pequeno que passa a orientar suas respostas, suas demandas e seu

comportamento em torno dessa perspectiva conformista, não passiva, mas apassivada.

O texto de Mancuso (2002) também nos permite perceber como o desenvolvimento da

agência e a afirmação de seu papel institucional são marcados mais por eventos

circunstanciais ou impostos pelas situações conjunturais do que derivado de um pensamento

estratégico a partir da análise do problema específico da PE nacional. Como no caso da

orientação estratégica para exportação – “consórcios exportadores” – que é formulada e


226

implementada devido ao fato do presidente à época originar-se dos quadros do Banco do

Brasil, facilitando as relações da agência com a CACEX.

A existência de preocupação com desenvolvimento local/regional e com aglomerações

produtivas é manifestada desde a década de 80, mesmo que tivesse outras motivações como a

busca de maior efetividade nas ações da agência. O CEAG/BA buscou implementar vários

projetos com uma perspectiva coletiva e territorializada como PROGERAR, Microrregional,

Pequenos Negócios Não Agrícolas-PENNA e manufaturas comunitárias, dentro de um

programa proposto para “recuperar, fortalecer e desenvolver as MPME’s, especialmente as

microempresas existentes nas regiões objeto e de ação do PAMI- Programa de Ação

Municipal Integrada, além de identificar oportunidades de investimento nestas áreas, através

de ações integradas e complementares à assistência financeira”. Além dos objetivos

“clássicos”, este programa visava “mudanças sociais e comportamentais”. O chamado

“potencial associativo”, no entanto, era trabalhado como “apoio mercadológico” à medida que

visava melhorar as condições para aquisição de insumos e venda de produtos através de ações

cooperativas, o que mostra o limite como a cooperatividade era instituída (A

PARTICIPAÇÃO, 1986).

Sobre o desenvolvimento de “mentalidade associativista”, o que se percebe é que a

prioridade e a importância dada a este tipo de ação era secundária, desde a ênfase na

apresentação dos diversos programas e projetos, na falta de detalhamento quanto a sua

implementação e da ausência de menção quanto aos mecanismos de avaliação e explicitação

de resultados (PRODIME, 1984).

Já em 1979, o corpo técnico da instituição apontava a necessidade da agência buscar

consolidar um papel político a respeito do apoio à PE, com o que os escalões superiores não

concordavam. Outro evento significativo a esse respeito foi a instituição de um Fundo de Aval
227

para as operações de crédito cuja proposição existe desde 1974 e ainda hoje tem seu

funcionamento e utilização limitados51 .

Durante todo o tempo de sua existência com “C”, o Cebrae, que nasce de um “paper”

do então Diretor de Operações Especiais do BNDE para o Presidente do Banco, precisa se

esforçar permanentemente para viabilizar sua existência e para isso contava com uma

argumentação de natureza mais técnica-operacional do que política. Na década de oitenta,

esse esforço é ainda mais intensificado, em razão da situação de crise que o país enfrentava,

quando a instituição teve por duas vezes ameaçada sua continuidade. Tal situação implica em

mudanças na sua ação institucional que passa a voltar-se “para dentro” numa perspectiva de

racionalizar suas operações devido ao contingenciamento de recursos, como também a de

orientar-se em consonância às políticas mais gerais, que buscavam produzir superávits

comerciais. Assim surgem programas como o PRONAEX, voltado para a pequena e média

empresa exportadora. Isso significa uma mudança considerável de foco em relação aos

argumentos anteriores que embasavam o apoio ao pequeno e micro, bem como significava um

favorecimento da parte superior da ampla faixa na qual se situa o segmento de micros,

pequenos e médios negócios.

Descentralização – como universalização da ação adaptada às diferentes condições de

cada região do país – e participação – como atuação integrada a outras instituições para

melhor coordenar e focalizar a promoção da PE, eram os dois princípios que pautavam a ação

da agência desde sua criação (NOVO, 1985). No entanto, uma ação integrada e coordenada

representa sérias dificuldades para garantir os recursos e equalizar informações sobre políticas

e programas de ação e, considerando a estrutura corporativista de organização e divisão de

poder que caracteriza(va) o Estado, essa perspectiva sempre se mostrou mais própria à

51
O Fundo de Aval do BNDES – FGPC, instituído em 1999, vem apresentando resultados declinantes tanto de
número de operações quanto em volume de recursos desde 2002, sendo que até julho de 2004 alcançou apenas
cerca de um terço da atividade em relação ao mesmo período do ano anterior, evidenciando o curto fôlego dessas
228

retórica do que à realidade. Um exemplo dessa disputa corporativista ocorreu entre o BNDE e

o Cebrae em torno do Programa Cebrae/Seplan que proporcionava assistência financeira e

apoio técnico-gerencial a microempresas a partir da decisão do Cebrae e não do agente

financeiro. (RESENDE, 1985).

O ano de 85 para o Cebrae representa a consolidação de mudanças, um novo modelo

operacional, integração de vários programas para três: PROMICRO, PROPEME e

PRONAEX. O PROPEME desenvolve-se através de estratégias setoriais e microrregionais.

Esperava-se obter com esse novo modelo operacional resultados expressivos e que cada

agente estruturasse um sistema de avaliação qualitativa dos impactos que as mudanças

deveriam ocasionar nos programas em termos “da realidade socioeconômica e política de

cada Unidade da Federação” (NOVO, 1985).

Programas setoriais surgiram a partir do início dos oitenta como o PROGERAR que

pode ser considerado como o embrião do PRODER atual, as Bolsas de Negócios, o PRONAC

e o PRONAGRO, voltados, respectivamente, para a pequena empresa comercial e

agroindustrial. O “Programa de apoio tecnológico às micro e pequenas empresas” existe desde

1981 quando foi instituído o PROCITEC que depois passou a ser chamado PATME. No

entanto, essa nova forma de atuação visava também uma racionalização e otimização das

atividades em vista das restrições que a conjuntura da época exigia. Dentro dessa perspectiva

restritiva evidencia-se um movimento que busca enquadrar as ações e o uso de instrumentos

de ação de forma a otimizar os recursos do Sistema. “Integrar e concentrar todos os

instrumentos e esforços em ações demandadas regionalmente” passa a ser a forma mais

racional e otimizada de atuação. Assim toda a diversidade das situações nas quais o pequeno

estava inserido e que poderiam ser objeto do apoio poderiam ser enquadradas a um conjunto

delimitado e organizado de programas e ações, relativizando as premissas de adaptação às

iniciativas e a incapacidade desse tipo de ação se converter numa fonte de dinamismo para a PE, pelo menos
aqui no Brasil (BNDES - BOLETIM MPME julho 2004).
229

necessidades. “Concentrar suas ações em determinadas regiões ou setores, considerados

prioritários ou importantes para a comunidade empresarial ou governos locais” é uma

iniciativa que encontra “receptividade junto ao Núcleo Central do Sistema [...] melhorando a

imagem dos CEAG’s como agentes de mudança” (NOVO, 1985).

Tal situação conduz a um uso clientelístico dos serviços da agência, capaz de adequar-

se às diversas demandas corporativistas setorializadas geograficamente e ao mesmo tempo

atender aos requisitos de racionalização e controle da máquina da agência. Esta tendência

racionalizadora vai se refletir sobre o conjunto de mecanismos de atuação da agência. A partir

de 1985 se delineiam as grandes áreas de atuação do Cebrae, presentes até hoje, dentro das

quais instrumentos específicos de ação são disponibilizados: a capacitação gerencial – linha

tradicional de ação; os instrumentos de mercado que se consubstanciam como “geradores de

oportunidades de negócios”; os instrumentos de desenvolvimento tecnológico que objetivam

“um grande programa de modernização do parque industrial das MPMEs” articulado com os

organismos de geração e desenvolvimento tecnológico e instrumentos de crédito orientado,

em articulação com agentes financeiros.

Queremos afirmar que a pequena empresa sempre foi percebida e tomada enquanto um

objeto que preenchia uma função econômica e social cuja reprodução era fundamental aos

interesses dos segmentos produtivos nacionais situados além da própria pequena empresa,

porém submetidos às circunstâncias conjunturais de cada momento da economia brasileira. O

peso político do pequeno vai se constituir antes como um problema do que como uma

alternativa estratégica. Seja no sentido primevo de assegurar demanda para a indústria pesada,

ou para mitigar a questão do desemprego que crescia durante esta década de oitenta.

Nesse entremeio a agência buscava viabilizar sua própria existência desenvolvendo

ações orientadas pelas circunstâncias, ora privilegiando a microempresa regional/local, ora a

média empresa exportadora, ora uma ação estruturante, ora um esforço voltado para a
230

realização de resultados. Nessa dinâmica incerta a PE figura como um meio e não uma

alternativa e muito menos um sujeito econômico ou político. Nesse sentido seria concebível

que pudesse se organizar enquanto ator político capaz de fazer representar seus interesses. O

pouco esforço feito para estabelecer ações associativas tem um alcance limitado às questões

técnicas decorrentes das economias de aglomeração desenvolvidas ou então o escopo

associativo tem uma dimensão local ou setorial, porém nunca uma perspectiva de

representação de interesses enquanto segmento organizado.

Evidências claras deste problema localizam-se tanto na questão da representação das

pequenas empresas no Conselho Deliberativo da entidade, quanto nas dificuldades

encontradas pela gestão de Antonio Guarino de Souza, único pequeno empresário a ter

ocupado a presidência do Cebrae, o que acontece num momento político singular – a “Nova

República”, onde o simbolismo encarnado no retorno de um Estado democrático foi

aproveitado politicamente de diversos modos.Entretanto, esta gestão durou apenas dez meses

em razão das críticas endereçadas à política econômica e aos efeitos que o Plano Cruzado teve

sobre os pequenos negócios.

De 1979 a 1981 são realizados três congressos nacionais da pequena e média empresa,

sob promoção das federações representativas dos setores produtivos e das associações

comerciais paulistas. O resultado mais expressivo desse “esforço de mobilização” é a

aprovação do primeiro estatuto da microempresa (Lei n. 7.256/84) a despeito de “toda a

dificuldade criada pela burocracia, que até hoje põe areia em qualquer processo” diz Afif

Domingos, ex-presidente do CDN do SEBRAE, à época, presidente da Associação Comercial

de São Paulo e incentivador desses congressos.

Em relação à composição do Conselho Deliberativo Nacional - CDN, a ausência de

uma representação direta do segmento empresarial que se constitui na razão de existência da

agência parece ser algo, no mínimo inopinado. Num país onde as relações sociais apresentam
231

um viés fortemente hierárquico e a desigualdade de acesso aos bens é evidente, apenas a

representação por intermédio das entidades corporativas da categoria empresarial, como as

confederações nacionais da indústria e comércio, apenas para citar as mais destacadas, não

contribui para a organização da PE. Isso se torna menos defensável ainda quando existe

dispositivo de lei desde 1988 que obriga a existência de três assentos no CDN a serem

ocupados por representantes do segmento e, finalmente, fica pior quando o argumento usado

para justificar a não deliberação do assunto arroga em sua defesa a questão da representação

cartorial por parte de uma suposta representação direta da pequena empresa, evidenciando os

interesses corporativos em jogo e possibilitando o questionamento quanto à natureza e sentido

que orientam as altas deliberações da agência.

A conjuntura restritiva dos anos oitenta obriga a agência a tornar-se auto-sustentável,

ou seja, a estabelecer relações de mercado, o que implica desenvolver estratégias

mercadológicas tanto no sentido de aumentar e afirmar seu papel institucional de agência de

apoio e fomento da PE, como no sentido mais específico de criar produtos e estimular o

consumo desses produtos, de criar as necessidades para os produtos que “vende”.

A gestão de Fernando Carmona tem como destaque, segundo o próprio, “a conquista

de estabilidade financeira” que é conseguida com a transformação do CEBRAE de sociedade

civil sem fins lucrativos ligada ao Ministério do Planejamento em unidade orçamentária da

administração pública vinculada ao MIC. O governo democrático de Sarney “entrou logo

cortando o orçamento dos CEAG’s” o que provoca em 1986, segundo Guarino de Souza o

naufrágio do CEBRAE. A criação da ABACE – Associação Brasileira de Agentes do

CEBRAE vem desse período, como reação à situação precária dos CEAG’ e preocupação

com o futuro do sistema.

A escalada inflacionária que marca o final dos oitenta provoca uma diminuição crucial

na demanda espontânea por parte dos empresários dos serviços oferecidos pelo CEAG, além
232

do órgão viver sob sucessivas reduções orçamentárias o que impõe o estabelecimento de

linhas de ação auto-sustentáveis e de geração própria de receita. Isto é uma evidência do

afastamento gradual entre a agência e a microempresa, que passa a atuar na área de

consultoria empresarial. Por outro lado, gera um problema de função para o CEAG/BA que

tinha no crédito orientado sua capacidade de inserção no tecido microempresarial, prejudicada

em razão do quadro inflacionário e dos indicadores recessivos.

O PRODIME revelava essa preocupação ao incluir em seus objetivos “minimizar a

importância do crédito, tirando-lhes o papel de carro-chefe no atendimento empresarial”

(ORÇAMENTO, 1989). O treinamento empresarial passa a desempenhar um outro papel no

conjunto de serviços do sistema Cebrae conforme se constitui em “excelente canal para

divulgação e venda de outros serviços [e] consolida a imagem do CEAG/CEBRAE como

órgão de formação empresarial” (ORÇAMENTO, 1989). A partir de 1989 começam a ser

desenvolvidos projetos de incentivação ao empreendedorismo como o projeto de “Iniciação

Empresarial”, que consistia na elaboração de plano de negócios e análise de viabilidade

econômico-financeira, embora fosse justificado como um “poderoso instrumento de

prevenção da mortalidade das micro e pequenas empresas”. Em 1990 são propostas iniciativas

de natureza educativa voltadas ao público estudantil secundarista, universitário e profissional

superior como os projetos “Empresário 2000”, “Empresário dos Anos 90” e “Treinamento

Gerencial Avançado” (ORÇAMENTO, 1989).

Tais iniciativas refletem a conjuntura da época. Embora o “Balcão” tenha sido criado

em 1983, é com o esvaziamento da área de crédito, que a agência inverte suas prioridades

voltando-se para a área de consultoria contratada e o treinamento empresarial, passando a

buscar e selecionar o seu público com palestras e atividades que visam apresentar o quadro de

apoios existentes para o pequeno empresariado (ORÇAMENTO, 1989).


233

Assim o Cebrae passa a envolver-se com a dimensão política da PE, à medida que sua

extinção coloca-se em perspectiva. Não com a extinção da PE, mas com a extinção do órgão

público de apoio à PE. O sentido com que “o vetor político” da agência surge deve-se antes à

natureza corporativista de organização de interesses (MARQUES, 1997; LOBATO, 1997 e

ADDIS et al, 2001) do que devido a uma propriedade da organização de interesses da PE.

Embora seja interpretado por ex-dirigentes como decorrente de uma cultura organizacional

cunhada no sentimento de dever para com a nação ou fruto de uma “’ideologia’ em favor da

pequena empresa”.

Completa o ciclo dos oitenta, a gestão de um “político”, Paulo Lustosa, que em 1986

“coloca o foco do Cebrae nas políticas públicas (assim como o presidente originário do Banco

do Brasil havia colocado a agência no negócio de exportação). Provoca o surgimento de

grande espaço na mídia para a questão das pequenas empresas”. Ele mesmo diz que “um dos

marcos significativos de nossa atuação no CEBRAE foi colocar a questão da microempresa

no dia-a-dia das pessoas” (2002:89). A partir desse momento, pequena empresa e ação

empreendedora passam a ser vistos na televisão e através de uma publicação especializada.

Ainda segundo Lustosa “criou-se naquele tempo, a mística da pequena empresa. Ficava bem

às pessoas falar sobre a pequena empresa, usá-la como bandeira política. Isso nós

capitalizamos demais. [...] O que fez do CEBRAE uma máquina de sonhos, uma luta

permanente” (2002:90). Segundo Mancuso (2002:86), “pela primeira vez forma-se uma

‘opinião pública’ sobre os pequenos negócios”. Formação de opinião que começa a fazer

largo uso de uma linguagem figurativa e a empregar estratégias eufemizadoras na sua

comunicação simbólica

A perspectiva de extinção da agência, portanto, se conjuga com uma nova postura da

agência em relação a sua produção e ao seu papel político, traduzida na preocupação com a

opinião pública e no recurso à mídia. Com a conjuntura pós Plano Cruzado, onde milhares de
234

pequenos negócios encontravam-se falidos ou à beira da falência, resulta, em 1988, no

dispositivo constitucional que prevê tratamento diferenciado à pequena empresa, garantindo

com isso, evidentemente, a necessária existência de um organismo que trate da questão.

A evidência de que a PE surge em um vazio institucional, ou seja, que não se constitui

enquanto ator político e que não passa de um objeto abstrato construído a partir de

elaborações de uma economia neoclássica e de uma sociologia funcionalista de cunho

comportamentalista, pode ser levantada ao analisarmos as relações entre a agência e o

governo nesse período de crise.

Durante a segunda metade da década de oitenta até a transformação da agência em

serviço social autônomo e sua desvinculação da administração pública, por duas vezes

cogitou-se a extinção da agência. É justamente no momento em que a PE mais precisaria de

apoio, com a abertura da economia brasileira e quando a questão da competitividade torna-se

palavra de ordem, no início do governo Collor, que o Cebrae vive “sua crise mais aguda”, e

sua extinção é consumada, de fato, por meio da Medida Provisória 151 que desvincula vários

órgãos do governo, entre eles o Cebrae.

No entanto, a defesa do Cebrae no Congresso é forte e conta com o firme apoio das

entidades de classe empresariais e da associação dos funcionários da entidade, culminando

com a reversão da questão e com a transformação da entidade em serviço social autônomo, o

SEBRAE com “S”. Sobre essa “operação de guerra” onde o envolvimento dos funcionários

foi fundamental, um funcionário declara que: “Fizemos um lobby muito simpático, porque

tínhamos resultados a apresentar. Foi muito gratificante observar que deputados e senadores

reconheciam a importância do trabalho do CEBRAE local, em seu Estado” (2002:94).

Curiosamente, nos questionamos a respeito da natureza desses “resultados apresentados”, haja

visto a dificuldade crônica da agência em avaliar os resultados de sua ação. Da mesma forma,
235

é curioso notar que o esforço para o lobby não tem sido suficiente em outros temas

relacionados à PE, como o caso de políticas compensatórias.

A constituição do novo SEBRAE requereu uma “engenharia institucional” capaz de

agradar aos segmentos corporativos que se beneficiavam das políticas. O apoio irrestrito pela

manutenção do Sistema resiste ao novo modelo de financiamento da agência autônoma de

serviço social, originado mediante acréscimo das contribuições das empresas. A composição

do Conselho Deliberativo da entidade é objeto de intensa negociação, gerando disputas que

ainda mais recentemente evidenciam o caráter corporativo que orienta as deliberações

emanadas por esta instância institucional, configurando em boa parte sua ação institucional.

Interessante destacar o depoimento de Pio Guerra, representante dos interesses do agro

e ex-presidente do CDN da instituição, sobre a participação de três entidades representantes

dos interesses dos microempresários de caráter nacional no Conselho52 : “E assim foi criado o

Conselho Nacional. Mas até hoje não foram incluídas essas três entidades, por várias razões.

A principal razão é a diversidade de entidades que se dizem representantes de pequenas

empresas. Como existem três vagas, quem vai dizer qual entidade, se A, B ou C tem esse

direito? Essa dúvida permanece até hoje. Cada uma que se apresenta, se diz nacional, cada

qual fundada, cartorialmente ou não, com esse espírito de ter assento ao Conselho. E essa

dúvida precisa ser ainda dirimida pelo Poder Executivo e pelo Congresso Nacional”

(2002:99).

Sobre a composição e representatividade do CDN, o primeiro presidente do mesmo

depõe, dizendo que a preocupação fundamental se baseou numa “idéia de universalidade”

quanto à participação de “todo o setor produtivo”. Tal preocupação advinha da perspectiva do

52
A aprovação da legislação que instituía a forma de contribuição para o SEBRAE foi objeto de um acordo
proposto pelo relator da matéria no congresso, Sen. Mansueto de Lavor, que, em troca, exigiu a participação de
três entidades representativas dos microempresários na composição do Conselho Deliberativo Nacional da
instituição (MANCUSO, 2002:99). Tal dispositivo, por ocasião da tentativa de reeleição de Afif Domingos para
a presidência do CDN, resultou em intensa articulação e disputa política por parte das confederações
empresariais (AITH, 1996 e SOUZA, 1996).
236

SEBRAE “servir a todos os segmentos das pequenas empresas”. Essas falas demonstram a

profundidade com que o corporativismo brasileiro está instituído na ação dos atores políticos

e na representação de interesses. Seu aspecto cartorial manifesta-se dialeticamente na sua

própria negação e sua presença na incapacidade de ver o pequeno como o outro ou de ver-se

como pequeno. Além disso, manifesta-se mais uma vez a funcionalidade da PE no

pensamento institucional da agência, através de suas lideranças “preparadas” (ao contrário do

pequeno empresário “despreparado”) incapazes de refletir o sentido das relações entre

diferentes capitais e, com isso, relativizar a setorialidade da PE.

Aquele que “denunciou” o mecanismo cartorial foi guindado à presidência após uma

intensa disputa política, na qual se visualiza sem dificuldades o concerto corporativista das

entidades de representação dos setores produtivos tradicionais em torno da direção da agência

(GODINHO, 1996; YOUNG, 1996; BRAMATTI, 1996; SOUZA, 1996).

Aqui nos parece operar um modo ideológico de construção simbólica fundamental,

que Thompson (1995) chama de fragmentação, através de uma estratégia de diferenciação na

qual a pequena empresa é formulada como algo distinto da empresa capitalista em geral,

necessitando para isso de um aparato institucional específico. No entanto, para efeitos de

deliberação acerca de toda essa diferenciação e ação diferenciada, submete-se aos interesses

daqueles atores, justamente dos quais a pequena empresa precisa diferenciar-se, ou seja, o

diferente é instituído pela visão do ator que não é capaz de vislumbrar essa diferença, razão da

própria diferenciação.

Construído o novo Sebrae, é realizada uma “ampla pesquisa nacional” cujo

diagnóstico quer avaliar a competitividade da PE. Inicia-se nesse momento, a “era da pequena

empresa competitiva” que sob diferentes vertentes vai se desenvolver até os dias atuais. Esta

pesquisa aponta resultados baseados na mesma ótica analítica tradicional, ou seja, uma

minoria que utiliza sistemas e técnicas gerenciais mais modernas, ausência até de sistemas
237

gerenciais elementares na maioria e menos de um terço obedecem a procedimentos

relacionados à qualidade e segurança tecnológica e mercadológica (2002:102).

O ano posterior a sua transformação, 1991, é considerado como um “marco da

reconstrução do Sistema de Apoio às MPE”, tornando necessário a conquista de credibilidade

perante os pequenos negócios como “instituição capaz de dar respostas às demandas de

segmento”, à medida que estabelece como função própria o “papel de agente de

desenvolvimento” (RELATÓRIO, 1992:5). Suas ações, concebidas a partir da “identificação

de demandas” se desdobram entre atendimentos no Balcão Sebrae, cursos, feiras e

diagnósticos de empresas (RELATÓRIO, 1992:6).

O desempenho operacional do Sebrae/BA em 1992 apresentou um incremento em

relação ao exercício anterior no número de atendimentos do Balcão Sebrae (intenções em

montar um negócio) de 189%, em termos de número de cursos e de pessoas treinadas de mais

de 519% e de 445% em números de diagnósticos empresariais realizados (RELATÓRIO,

1992:8). Esse aumento, no entanto, não pode ser creditado exclusivamente à iniciativa da

agência, mas também como indicativo dos processos de reestruturação que estavam em curso

a partir de 1990.

O “Programa de Modernização de Gestão Empresarial”, considerado prioritário e

“responsável por parte significativa dos resultados alcançados”, era concebido como atividade

de “capacitação empresarial”, “gerenciamento” e “modernização dos métodos de gestão” para

os quais ainda utilizava-se do “Treinamento Gerencial Básico”. A mudança efetiva-se apenas

na amplificação das ações, não implicando em qualquer alteração qualitativa e, muito menos,

numa mudança da visão instituída do pequeno.

Dentre as empresa “sensibilizadas” 95% eram microempresas e a demanda espontânea

por serviços e informações disponibilizados pelo Balcão Sebrae era composta por pessoas

físicas e microempresas.
238

A menção à cooperação ou à ação conjunta ou adensamento produtivo, principalmente

no projeto de “Modernização de segmentos tradicionais da indústria baiana” já era feita e a

estratégia de apoio privilegiava os agrupamentos empresariais tanto em nível setorial quanto

em nível associativo, embora a “dificuldade de agregação” tenha sido a principal dificuldade

encontrada.

A concepção que se tinha sobre avaliação de resultados decorria da simples realização

das ações, ou seja, pressupondo-se que o problema da PE reside na falta de capacitação, o

problema e o objetivo consistiam em sensibilizar e agregar interessados. Uma evidência dessa

orientação pela oferta pode ser percebida no projeto “Desenvolvimento empresarial dos

setores comercial e de serviços” onde, dentre ações desenvolvidas, a de autodiagnóstico –

única que exigia o engajamento da PE – era a que não conseguia atingir a meta prevista e

tinha um desempenho bastante aquém das demais como diagnósticos, cursos, palestras,

seminários e consultorias.

A visão normativa em relação à PE e sua problemática e uma postura prescritiva no

que diz respeito a sua ação pode ser percebida nos produtos do programa “Difusão de

informações empresariais” onde boa parte se constitui em manuais do tipo “Como montar

um...” e publicações dos perfis de diversos segmentos de PE, informação que interessa em

primeiro plano aos possíveis fornecedores da PE perfilada.

Em suma, tratava-se de atender a uma demanda crescente de pessoas que buscavam

constituir a PE em decorrência dos processos de reestruturação produtiva em curso e do

desemprego decorrente. Daí a ênfase colocada para o próximo exercício na elaboração de

“diagnósticos precisos, capazes de identificar oportunidades de negócios a nível local”

(RELATÓRIO, 1992:25).

A era da competitividade do SEBRAE com “S” inicia-se com o estabelecimento de

novas políticas de ação adicionadas às políticas tradicionais voltadas, a modernização da


239

gestão empresarial, fomento à capacitação tecnológica e difusão de informações empresariais.

O incremento da competitividade passa a fazer parte do universo de possibilidades à

disposição da PE. Além disso, três novas políticas demonstram a expansão do escopo de

atuação institucional do Sebrae: geração e disseminação do conhecimento da realidade das

MPE; articulação do sistema SEBRAE com entidades de apoio às MPE e desregulamentação

e tratamento jurídico diferenciado que, finalmente, ganha o status de linha de ação

permanente da agência, pois até então ações relacionadas eram desenvolvidas de forma

pontual e não específicas. Isto significa que apenas ao fim de quase duas décadas de

existência, questões relacionadas a políticas compensatórias (tributária, fiscal e creditícia)

ganham densidade suficiente para serem institucionalizadas enquanto princípios de ação da

agência, o que ainda não significa a convergência efetiva de esforços, nem a produção de

resultados efetivos relacionados a esse tipo de ação.

As duas outras políticas dizem respeito principalmente à “proposta de mobilizar e

articular politicamente a sociedade em prol das micro e pequenas empresas” como ação

institucionalizante que “marca profundamente a segunda metade da primeira administração do

Sebrae, em sua nova fase institucional”, diz Mancuso (2002:104). Diz ainda que “cabe ao

SEBRAE planejar estrategicamente, com o apoio de especialistas em marketing e propaganda,

a definitiva inserção das micro e pequenas empresas como foco das atenções nacionais”.

“A presença massiva do SEBRAE na mídia” pode ser considerada a característica

marcante da ação institucional da agência a partir desse momento. Ao divulgar a PE a

agência, concomitantemente, se autopromove. A ordem de prioridade da fala do presidente à

época evidencia isso: “Número um; o SEBRAE é o grande agente de desenvolvimento. Dois:

o cliente do SEBRAE está em todas as esquinas e é o grande gerador de empregos”. Para ele,

segundo Mancuso (2002:107), “só a pequena empresa é capaz de promover desenvolvimento

mais equânime, equilibrado, com distribuição de renda”. Após dois anos de reestruturação,
240

“nos apresentamos à sociedade, não institucionalmente, mas através da pequena empresa”.

Nesse momento o SEBRAE institucionalizava, de fato, a pequena empresa brasileira, e que

deveria ser competitiva, se seguisse às prescrições recomendadas pela agência. Os “Balcões

Sebrae” eram implantados “a todo vapor”, em 1992 já existiam quase trezentos balcões e em

1994 o Sistema já contava com dois mil e quinhentos funcionários, cifra bastante diferente

dos restantes cento e sessenta funcionários do CEBRAE Nacional de 1990.

Em 1993, a orientação para as ações da agência estadual – SEBRAE/BA – era dada

pelos Princípios da Qualidade: promover ampla descentralização da gestão técnico-

administrativa; consolidar a interiorização da Agência; firmar a atuação setorial e espacial de

forma descentralizada, massificando a oferta de produtos e serviços, ao mesmo tempo em que

consolida o Balcão como principal instrumento de atuação; formalizar um amplo acordo de

cooperação com os parceiros, no sentido de multiplicar a capacidade de atuação no Estado; e

aperfeiçoar e melhor qualificar o processo de trabalho, através de investimento em recursos

humanos e informatização (PROGRAMA, 1994).

Com base nesses princípios e em uma pesquisa que revelava a imagem da agência e

seu atendimento como positivos, a continuidade das políticas foi proposta para os anos

seguintes. Além disso, em 1994 a instituição buscaria desenvolver novas metodologias para

mensurar a qualidade e avaliar os impactos dos serviços prestados a nossa clientela, criando

as condições adequadas para identificar novas demandas por produtos e serviços

(PROGRAMA, 1994). Os compromissos da diretoria se consubstanciavam em princípios

gerais de ação que preconizavam: uma postura ética e política permanentes na busca da

conscientização do cidadão pequeno empresário; a promoção da desregulamentação de

processos e procedimentos que afetam a vida empresarial e da internalização de padrões de

gerenciamento da Qualidade Total; a implementação decisiva de uma política de avaliação

que possibilite medir quais os resultados efetivos das ações e projetos desenvolvidos; a
241

questão da competitividade como elemento de referência maior para toda e qualquer ação

implementada.

A estratégia institucional “de primeira linha” da agência priorizava duas frentes, o

Balcão Sebrae e o Programa Descentralização das atividades do Sebrae/BA. O objetivo do

Balcão era, “com apoio massivo da mídia” ser considerado como “porta de entrada em nível

de excelência técnica, responsável pelo atendimento ágil e de qualidade da demanda

espontânea, disseminando informações em todas as áreas de interesse da gestão empresarial”.

Já o programa de descentralização visava superar as limitações da demanda

espontânea através de atuação programada em nível municipal ou em bairros, massificando o

atendimento ao público empresarial. Resultou dessa ação o cadastro das empresas, o perfil do

segmento empresarial e um plano de atendimento que se constitui num conjunto de ações

como cursos, consultoria e projetos.

Dentro desta estratégia “a agência conseguiu ampliar e diversificar o leque de sua

clientela, ao tempo em que firmou um conceito institucional enquanto gestor de políticas

públicas voltadas para as MPE’s” (PROGRAMA, 1994:7).

As premissas, entre outras, que priorizavam a implantação de projetos eram a

viabilização preferencial de grupos de empresas em nível setorial ou espacial e a ênfase no

papel chave da área de informações, na produção e disseminação através da realização de

estudos técnicos, pesquisas, sondagens de opinião e editoração que permitam ao empresário

os meios para “gerenciar as empresas em condições mais adequadas” e o aperfeiçoamento do

programa de capacitação gerencial das MPE’s através de ações casadas de treinamento/

consultoria, que se revertam de forma objetiva e rápida em mudanças no padrão de

gestão (PROGRAMA, 1994).

O modelo de operação do Sebrae passa, em 1993, a buscar “o apoio de vários

parceiros [...] com vistas a multiplicar a capacidade de atuação dos organismos envolvidos
242

com a problemática das MPE’s”. Empresas de consultoria e consultores autônomos são

submetidos a “um trabalho de catequese sobre a realidade e as oportunidades no âmbito das

MPE’s” (PROGRAMA, 1994). Nesse momento, ao papel instituinte da agência na qualidade

de especialista se acresce o de catequista como formador de conhecimento que precisa

encontrar ressonância num ambiente mais amplo.

A justificativa das ações de capacitação gerencial permite explicitar o sentido do

envolvimento de consultores externos: “É o caminho mais correto para disseminar a cultura

do Sistema”, além da possibilidade de ampliação do campo de atendimento. Além disso,

“ficou mais solidificada, a idéia de que desenvolvimento e modernização passam,

necessariamente por transformações culturais envolvendo os titulares das micro e pequenas

empresas” (PROGRAMA, 1994).

Para a agência, “os resultados são positivos, o que indica a necessidade de ampliá-los e

aperfeiçoá-los”. O poder instituinte e o papel de especialista da construção simbólica da

agência se evidenciam no programa de informação. Admitido como importante para os

pequenos negócios, sua ênfase é colocada na consecução da “transformação do padrão

gerencial” através da disseminação e repasse de informações “decodificadas no nível de

compreensão dos titulares das MPE’s” (PROGRAMA, 1994).

Aos programas de atuação operacional - capacitação gerencial, desenvolvimento

tecnológico, mercado e informação - acrescentam-se outros de natureza institucional

decorrentes de expectativas mais amplas que requerem a capacitação interna da agência –

desenvolvimento de pessoal, modernização e informatização – e seu papel institucionalizador

- comunicação social e marketing e articulação institucional. No orçamento de 1994 da

agência estadual, 68% das despesas têm origem em ações de natureza institucionalizadora.

Aos demais programas sobram boas intenções, mas faltam recursos. Ao programa de

desenvolvimento tecnológico, com amplo conjunto de linhas de atuação (assistência


243

tecnológica, PATME53 , SEBRAETEC54 , incubadoras de empresas, conservação de energia,

qualidade e produtividade, normas técnicas, propriedade industrial), cabe somente 6,6% do

orçamento (PROGRAMA, 1994).

O programa de estudos e pesquisas, que tem como objetivo “aprofundar o

conhecimento sobre a realidade das MPE’s”, fato que se constitui num “imperativo básico

para que o Sistema Sebrae possa cumprir sua missão institucional”, conta com recursos que

montam a apenas 4,4% do total orçado para o exercício, sendo que parte considerável destina-

se à elaboração de perfis empresariais e manuais onde “a realidade das MPE’s” é menos

problematizada do que apresentada como oportunidade de investimento (PROGRAMA,

1994).

Já o programa de comunicação social e marketing vem integrar o propósito de

consolidar o papel da agência em relação ao fomento de pequenos negócios. Aqui percebemos

a presença de um dos fundamentos institucionais da PE que subsistem desde os primeiros

textos do CEAG, mesmo que de forma não explícita, aquele que atribui ao pequeno

empresário uma resistência e/ou auto-suficiência em relação à ação da agência, acarretando a

necessidade da agência difundir sua imagem institucional. Se num momento anterior o

recurso à agência se devia a questões ad hoc como o crédito orientado, à medida que os

recursos subsidiados se esgotam e o desemprego cresce, os motivos para a demanda de

serviços e produtos da agência também mudam.

Dentre os objetivos específicos do programa sublinhamos o interesse da agência em

consolidar sua imagem como agente de fomento dos pequenos negócios e sua valorização

perante a sociedade, bem como estimular a participação de setores da sociedade em projetos

de valorização das MPE’s. A agência buscava valorizar seu objeto de interesse ao mesmo

tempo em que angariava apoios às suas ações e se afirmava como agente por excelência desse

53
Programa de apoio tecnológico junto às micro e pequenas empresas, em convênio com a FINEP, que visa
prestar consultoria tecnológica em termos de tecnologia de processos e produtos.
244

objeto, o que significa uma ação institucionalizante integrada que acaba por criar as próprias

condições de existência nesse movimento onde se confundem meios e fins.

Resulta desse processo que ação da agência só pode ser avaliada em termos

finalísticos e não apenas por avaliações parciais, uma vez que estas podem apenas avaliar a

eficácia dos meios utilizados pela agência e não sua própria finalidade. Se o objetivo maior da

agência é fortalecer o pequeno, e para isso define que deve desenvolver um papel

institucionalizador do próprio conceito de pequeno competitivo, como chave para o alcance

desse objetivo maior não pode avaliar sua atuação apenas pela consecução dessa

institucionalização, e sim se sua ação institucional foi adequada no sentido de verificar os

efeitos sistêmicos do pequeno tornado competitivo.

O esforço de comunicação e de produção simbólica tinha como objetivo, conforme

declara o ex-presidente Brito, mostrar a todos os segmentos da sociedade “que e pequena

empresa é a força social da economia. [...] O SEBRAE, como autor da mensagem, veio a

reboque”.

A reboque também começa a ser esboçada, em nível institucional, a idéia do

empreendedorismo como um comportamento compatível com a idéia universalista de

realização pessoal, “dos sonhos” ou do “querer é poder”. Universalidade que era compatível

com a perspectiva de competitividade que norteava as ações públicas de reestruturação da

estrutura produtiva nacional.

A primeira grande campanha do SEBRAE tem o slogan “Pequena empresa – valorize

essa idéia”. A tese que consubstancia a campanha, segundo o responsável pelo Programa de

Comunicação do SEBRAE à época, tinha como premissa que ao valorizar a importância da

MPE, “o SEBRAE se legitima em sua ação como principal defensor desse segmento. [...]

Todo o nosso foco foi no sentido de valorização. Usamos de tudo para isso: mídia eletrônica

54
Serviço a cargo do SEBRAE/BA similar ao proporcionado pelo PATME.
245

e impressa, merchandising em quase todos os programas da TV brasileira” (BAIÃO apud

MANCUSO, 2002:108). Para ele essa valorização fazia sentido, pois “o tecido empresarial

brasileiro” é formado por micro e pequenos empresários.

Não obstante as boas intenções inscritas nessa estratégia, o não reconhecimento e

consideração aos limites estruturais aos quais a PE está subordinada, a concepção

microeconômica abstrata da PE e o desenvolvimento de uma ação institucional centrada na

formação de culturas propícias à PE baseadas na mudança de comportamento dos atores

individuais revela-se pouco eficaz diante dos objetivos intentados. Pelo contrário, resultam

numa operação ideológica a respeito da PE e de suas possibilidades que propiciam utilizações

oportunistas do tema. Isto pode ser percebido no depoimento de Baião sobre as campanhas de

valorização da PE quando afirma que “em toda sociedade desenvolvida, há uma harmonia

muito grande entre a pequena empresa, a grande empresa e o Estado. Nosso trabalho foi em

cima disso” e resultou que muitos prefeitos se elegeram “compromissados com a pequena

empresa”, incluindo dispositivos nas leis orgânicas municipais garantindo tratamento

diferenciado para as MPE. Esta perspectiva quanto à existência de relações intercapitalistas

harmoniosas é duplamente equivocada. Primeiro, ao pretender reproduzir aqui a supostamente

existente harmonia entre capitais diferentes de países desenvolvidos. O segundo equívoco é

quanto à existência dessa harmonia e de seus termos. Essa harmonia permeia a literatura sobre

a PE, seja aquela do capital social nas duas vertentes, nas abordagens que advogam a

conjugação da cooperação com competição, ambas inscritas numa perspectiva sistêmica

baseada no estrutural-funcionalismo norte-americano.

A relação harmoniosa com o Estado varia de positiva com o poder legislativo derivada

do apelo eleitoral que a temática do pequeno suscita, ao enfrentamento com o executivo,

principalmente em questões fiscais, conforme se evidencia na declaração de um ex-presidente


246

do CDN sobre “a dificuldade criada pela burocracia, que até hoje põe areia em qualquer

processo”.

Ao longo de sua existência a agência o SIMPLES 55 é percebido por um ex-presidente

como a coisa mais importante em contraste com a “visão fiscalista” destacada por Cascaes

(apud PIO, 2003) que o vê como um instrumento de simplificação da arrecadação mais que

uma política compensatória56 . Para Durante, ex-diretor executivo, a lei do SIMPLES se

constitui na “grande conquista de todos os tempos da existência do SEBRAE” (2002:118),

enquanto um ex-superintendente do SEBRAE/BA, vê a PE “bem atendida na questão fiscal”.

Inquirido quanto à vantagem do SIMPLES para a PE, declara a existência de um “jogo de

mão dupla” conforme permite um aumento da base fiscal e até aumento na arrecadação em

troca da saída da “clandestinidade [e] marginalidade” da PE (TENDÊNCIA, 1999).

O desemprego crescente e o aumento da atividade informal são incorporados à esfera

de ação da agência. Por esta vertente se desenvolve uma outra linha de ação, além daquela da

competitividade, que consiste na criação de um ordenamento legal favorável aos pequenos

negócios. A partir daí um novo discurso se estabelece, como o de Herbert de Souza, o Betinho

por ocasião do início de uma parceria entre IBASE e SEBRAE, no qual a dignidade, a

resistência e a solidariedade dos pequenos são transpostas simbolicamente nos atributos da

pequena empresa competitiva como criatividade, cooperatividade e capacidade

empreendedora, os quais, se estimulados, provocarão “uma revolução pela produção e pela

cidadania, que vai tirar da miséria e do desemprego milhões de pessoas, tanto nas cidades

como no campo” (2002:114).

Nos anos noventa o treinamento empresarial evolui, embora a difusão de

conhecimentos gerenciais básicos continue sendo uma atividade importante em vista de uma

55
SIMPLES – Sistema Integrado de Pagamento de Impostos e Contribuições das Microempresas e Empresas de
Pequeno Porte.
247

demanda permanente57 . A auto-implantação é o conceito básico dos programas modernização

da gestão. A capacitação empresarial é massificada, passando do atendimento individual e

personalizado à execução terceirizada, e as metodologias evoluem, segundo a agência, de

soluções prontas e acabadas para “soluções participativas”, onde o papel do empresário é

preponderante com programas auto-aplicáveis. Isto, todavia não significa alteração na

natureza prescritiva do processo. A participação se limita ao modo de adoção dos

fundamentos modernos de gestão, não colocando em questão os próprios fundamentos, ainda

gerados numa perspectiva analítica micro e comportamentalista.

Na fase atual “o empresário lidera o processo de mudança [e] assume compromisso

com as transformações em sua empresa” enquanto os conteúdos, “estruturados em módulos

didáticos” e com “linguagem a adequada”, são denominados “kits-programas” (2002:123), ou

seja, a fase atual é marcada por conteúdos mais universais e padronizados em pacotes

ideológicos e, por outro lado, técnicas de persuasão ou sensibilização cada vez mais

elaboradas.

A disseminação desses conceitos modernos de gestão, de metodologias da qualidade

total, de responsabilidade ambiental e social, de capacitação tecnológica, busca criar um

microempresário à imagem do executivo de grande empresa. São diversas as falas de

dirigentes da agência onde se pode evidenciar a idéia de um micro ou pequeno empresário

portador dos mesmos atributos, atitudes e comportamentos requeridos por um executivo de

56
Uma evidência disso está no fato de menos de 2% das empresas devedoras da Receita Federal e optantes do
SIMPLES terem buscado parcelar seus débitos em condições consideradas vantajosas pela própria Receita
(POUCAS, 2004).
57
Conforme o orçamento do CEAG/BA de 1989, as ações de capacitação gerencial respondem por 35% do total
orçado, enquanto a difusão de informações representa 29,6%, mercado 16,7%, tecnologia apenas 6,3% e
associativismo 7,4%. Se relacionamos estes percentuais a atributos da PE competitiva vemos que a
cooperatividade e a inovatividade representam apenas um pouco menos de 14% do esforço da agência, enquanto
as atividades educacional e comunicativa empreendedora são responsáveis mais de 65% (ORÇAMENTO, 1989).
Em 1990, o quadro não se altera significativamente. O Balcão do Empresário passa de 18,6% para 15% do total
de dispêndios, as ações de associativismo e apoio às iniciativas comunitárias rurais somam 11,4%, ações de
capacitação empresarial, treinamentos e consultorias somam 36,4% e as atividades voltadas ao mercado,
inclusive ações para subcontratação industrial de MPMEs, respondem por 12,2%. As ações tecnológicas crescem
passando a um total de 17,8%, embora a metade decorra de programas de economia dec energia (PROPOSTA,
1990).
248

uma multinacional, o que evidencia que a concepção micro e abstrata da PE tem um reflexo

especular na concepção do ator empresarial.

No final do século os princípios orientadores do SEBRAE mais uma vez se ampliam e

evidenciam duas vertentes principais. Uma que busca integrar a PE a cadeias produtivas

inseridas numa dinâmica produtiva globalizada, voltada para o desenvolvimento da

competitividade sistêmica, através de programas da capacitação tecnológica via incubação,

por exemplo, e ampliação de fundos de aval e financiamento de capital de risco. Esta vertente

tem como eixo estratégico a integração da PE com o grande capital e como benchmarking o

modelo norte-americano de redes tecnológicas à moda “Silicon Valley”. Na outra vertente,

mais social e menos econômica, a questão é mitigar o problema do desemprego através do

auto-emprego, disseminar a crença na possibilidade de vir a ser dono de seu próprio negócio,

tendo sucesso à medida que seja empreendedor. A esta vertente se alinham ações que buscam

simplificar, interiorizar, sensibilizar, modernizar a vida da MPE. Em concomitância a tais

princípios de orientação a agência busca aumentar a capacidade de auto-sustentação e a

manutenção e ampliação de sua visibilidade como agência devotada à causa da PE. Em 1998,

o SEBRAE fez mais de sete milhões de atendimentos (2002:138), número significativo se

consideramos uma população de mais de 1,9 milhões de micro e pequenas firmas no país

(NAJBERG et al, 2000).

A redução da mortalidade vem sendo proclamada como prioridade quase no mesmo

tempo que a agência busca desenvolver uma metodologia de avaliação efetiva de resultados.

Em 2000, na posse de mais um presidente do CDN, os objetivos prioritários declarados são

“reduzir o tempo de maturação e os índices de mortalidade dos empreendimentos [e] obter

resultados concretos de longa duração”, tendo como objetivo geral a capacitação competitiva

para geração “de empregos, de riqueza e bem-estar a população brasileira” e para a inserção

sólida da MPE no fluxo comercial internacional do país.


249

“Não custa nada fazer uma autocrítica [...]”. Assim começa a proposta do diretor-

presidente da agência de “fazer com que as pequenas empresas se tornem o elemento central

de qualquer política de desenvolvimento que se instale no país” (2002:144). A “Reinvenção

do SEBRAE” é tida como resultado de uma “profunda autocrítica” que revela entre outras

coisas que os instrumentos tradicionais de promoção da PE são “insuficientes” para provocar

impacto junto à “imensa e heterogênea” clientela da agência. Ou seja, a autocrítica chega a

conclusão de que é preciso intensificar ainda mais as ações de promoção e ampliar o conjunto

de programas de ação, de modo a “não restar aspecto ou setor algum da atividade da PE que

não [venha] a ser assistido, de alguma forma, por algum programa ou ação”. Inclui-se aí a

formação de parceiras, a terceirização de execução de atividade de capacitação, “a

multiplicação de multiplicadores”. Em decorrência deste “redirecionamento estratégico”, sem

que esta autocrítica resvale sequer nas questões tão priorizadas por várias presidências

anteriores da excessiva mortalidade e da falta de um mecanismo de avaliação da efetividade

da ação da agência, Mancuso (2002:144) afirma que “a PE, enfim, mostr[a] a sua face mais

dinâmica e moderna, de vanguarda”. A inversão ideológica dos fins se entremostra na

dinâmica de ampliação pretendida pela agência, conforme nos perguntamos acerca do sentido

existente na relação entre a expansão maximizada de atividades e uma “face de vanguarda” da

PE.

A conclusão efetiva dessa autocrítica está simbolizada no slogan que nasce dessa

“Reinvenção” – “o SEBRAE para todos”, que reforça “o SEBRAE que faz” dos anos 90.

Significa reconhecer-se como “agência de desenvolvimento da pequena produção no país”

sustentada “pelo dinamismo de uma cultura verdadeiramente empreendedora” (2002:142).

Esse processo de discussão e reflexão institucional marca o momento em que a agência

assume como objeto de sua ação o “cliente potencial” priorizado em relação à pequena

empresa constituída, ou seja, formaliza uma orientação que já vinha sendo praticada na
250

medida que a ação da agência se voltava mais à criação de pequenas empresas do que ao

fortalecimento das existentes. Significa a convergência de todos os mecanismos institucionais

no sentido da incorporação ao universo do empreendedorismo capitalista da chamada pequena

produção que inclui as atividades informais, artesanais e individuais de natureza mais ou

menos capitalista.

Idéia que se choca com o argumento feito por um ex-dirigente que, como se movido

pelo remorso, afirma que “quanto menos usar o SEBRAE melhor” seria um indicador de

missão cumprida (2002:165).

Dentro desse ânimo que a agência chega à fase atual de ação institucionalizadora,

fundamentada cada vez mais na institucionalização e difusão em escala nacional de uma sub-

cultura empresarial de caráter liberal, baseada na ação e interesse individuais como

mecanismo, ao mesmo tempo gerador de competitividade empresarial e de capital social.

O SEBRAE com “S” ao se propor como agência de desenvolvimento do pequeno

atuando de forma descentralizada, não apenas através de seus escritórios, mas também através

de inúmeras parcerias e formas similares de associação de objetivos, busca contemplar o

desejo de seu primeiro diretor-presidente, atuando como “uma ponte”, liderando pelo

conhecimento e sendo o “pólo catalisador, disseminador e de transferência de experiências”

(2002:108).

Do diagnóstico crítico, os pontos vulneráveis destacados são a falta de harmonia entre

unidades, o que é compreensível dada à variedade de programas, processos e ações onde a

agência se envolve; a dificuldade de mensuração de resultados e a necessidade de integração

entre produtos, processos e informações gerados pela agência. Se consideramos a idéia da

agência como “uma ponte”, não conseguir definir e medir sua produção e não saber o que e

para quem produzir, significa dizer que o principal problema da agência é o contrário do que

se propõe a ser.
251

Ao reconhecer a importância do conhecimento, “que vem das Ciências, em rápida

evolução”, como uma das bases de conhecimento que precisa ter para conseguir realizar o

objetivo geral de “fazer acontecer” e diante da possibilidade gerada pela análise que apontava

a falta de fundamentos estruturais para a empreitada de transformação intentada, não poderia

confundir o fato de ser “uma máquina de sonhos”, conforme expressou um ex-presidente do

CEBRAE no final dos oitenta – alvorecer do novo Sebrae, com ser movido por sonhos e

volições.

A retórica é contundente ao dizer que: “A PE é a solução para duas das principais

macroprioridades do país”: o “combate à exclusão social” que não pode ser realizado “apenas

com políticas sociais compensatórias”, pois “não são políticas libertadoras. A libertação

se dá através da autonomia, do trabalho, do negócio [...]”. A outra macroprioridade são as

exportações sendo que a PE pode se transformar na base exportadora do Brasil, seguindo o

caminho da Itália. (2002:147). Tal perspectiva, no entanto, revela uma compreensão

equivocada, a nosso ver, do fenômeno da PE italiana, o que não deveria acontecer com uma

instituição com trinta anos de existência que tem a sua disposição um conjunto de

informações que permitiria uma avaliação crítica de seus postulados no lugar da formulação

de um conjunto de avaliações equivocadas sobre o fenômeno da PE italiana (2002:147).

Primeiro, porque o caminho italiano da exportação não foi nem é uma escolha

estratégica deliberada de forma autônoma. Segundo, negar a participação do Estado no

estímulo à PE italiana e valorizar de forma negativa aspectos informais das relações de

trabalho dos distritos italianos, não é um recurso argumentativo adequado para inferir como

necessária e indispensável a iniciativa do Estado brasileiro na criação de políticas públicas, ou

para responsabilizar a formalização do informal pelo sucesso do caso italiano, quando na

verdade as políticas brasileiras são políticas no papel que um Estado interveniente controla e

distribui segundo critérios relativamente arbitrários, como faz o próprio Sebrae que não
252

submete suas decisões alocativas a estratégias mais gerais e mais estáveis. Quanto à questão

formal-informal, a transposição velada para o caso brasileiro é inadequada, pois em se

tratando de realidades sociais absolutamente distintas, não podem ser comparadas por meio de

simples justaposição. Esse disfarce evidencia mais uma faceta da realidade ocultada na ação

da agência. Evidencia-se nesse discurso a presença latente de elementos característicos do

quadro neopatrimonialista descrito por Werneck Vianna [199-], onde o processo decisório

localizado no nível da política central e o interesse na formalização como meio de

subordinação e controle do processo de acumulação pelos agentes hegemônicos, conquanto o

aumento da base tributária decorrente da formalização permitiria a redução da carga

tributária58 .

A terceira fase do sistema SEBRAE marca uma clara opção pela integração da PE às

estruturas produtivas. “Reforçamos nosso papel de indutores dos elos de ligação nas cadeias

produtivas”, afirma um ex-presidente do CDN oriundo da FIESP de onde também já foi

presidente (2002:169). Entretanto, tal integração da PE nas cadeias produtivas não é

problematizada em qualquer sentido, nem mesmo no sentido de verificar a natureza eqüitativa

dessas relações, como acontece em outros ambientes onde essa integração é intencionada

(ACS e AUDRETSCH, 2001), mas, pelo contrário, é considerada em si mesmo positiva,

deixando entrever o sentido orientador impresso nas ações da agência.

Resulta do “Redirecionamento Estratégico” – a “Reinvenção”, um conjunto de

princípios onde vigora um idealismo moral em descompasso com a realidade histórica das

relações sociais no país e, até mesmo, pela própria natureza da concorrência intercapitalista,

especialmente entre pequenos capitais e entre capitais de portes distintos. Vários desses

princípios são adjetivados com expressões que reforçam o conteúdo moral implícito, por

vezes de forma tautológica ou revelando um sentido impositivo, de corte autoritário, como ao

58
Num recente evento promovido pelo SEBRAE/BA sobre a Lei Geral da MPE, este argumento foi expresso e
defendido publicamente por um dirigente da agência de forma natural e lógica.
253

propor o “respeito absoluto ao ser humano”; o “interesse genuíno pelo desenvolvimento

sustentável da micro e pequena empresa”; a “austeridade [e] uso criativo dos recursos”

institucionais; uma “comunicação honesta e verdadeira [com] transparência [e] gestão

aberta”; a “eliminação radical das situações potenciais de conflito de interesses que possam

gerar desvios em relação ao propósito maior”; a “ausência de politicagem, cinismo, ceticismo,

críticas destrutivas”; uma “competência classe mundial”; a “consciência quanto ao propósito

último em tudo o que se faz” e “universalidade de acesso” (2002:151).

Considerando que tais princípios emanam de uma reflexão da coletividade, a

expressão acentuadamente moralista resultante revelar-nos-ia seu contrário, ou seja,uma

situação de moralidade deficitária ou o reconhecimento da possibilidade de ideologização do

papel da PE. Assim, a proposição de um interesse genuíno coloca em perspectiva a existência

e a operação de um interesse de outro, como também a de uma comunicação falsa.

Por outro lado, considerando que a agência controla um orçamento equivalente ou até

superior ao de ministérios (SOUZA, 1996), a pretensão de isolamento da agência em relação à

esfera da política e dos interesses, enquanto ela própria se vê e se propõe atuar politicamente

em prol dos interesses do pequeno, como também a partir de uma proposta de mudança

cultural, parece-nos padecer de ingenuidade, como se fosse possível eliminar radicalmente,

via declaração de princípios, os conflitos de interesses existentes, no lugar de buscar incluir na

sua agenda a discussão sobre os interesses subjacentes ao espaço da PE, o que não faz.

Ao analisarmos o sentido dessas adjetivações percebemos a operação ideológica nos

termos e modos propostos em Thompson (1995:82) como uma dissimulação ideológica onde

a problemática da PE é deslocada pelo discurso afirmativo e comprometido da agência com a

“causa da PE”. Tratar a PE como se ela tivesse uma causa libertadora transfigurada como

“competência classe mundial” já coloca a reificação como possibilidade de ideologização.

Também podemos perceber a ideologia à medida que o discurso busca simbolizar a existência
254

de um conjunto de ideais e propósitos unificados na luta contra um outro expurgado que

existe em uma realidade fragmentada moralmente, como na luta entre a “transparência” contra

a “politicagem” situações igualmente reificadas, e mais uma vez na pretensão de “eliminação

radical do conflito”.

A comunicação apologética do empreendedorismo e a racionalização justificadora da

cooperação estão presentes no discurso atual, no entanto, sua manipulação chega ao

paroxismo na pesquisa sobre mortalidade das microempresas (FATORES, 2004) na qual

situações generalizadas são atribuídas na comunicação apenas às empresas extintas,

imprimindo um sentido à comunicação de acordo com interesses da agência (RIBEIRO,

2004).

4.4 – A PEQUENA EMPRESA COMPETITIVA, A PARTIR DA “REINVENÇÃO” DO

SEBRAE

O SEBRAE não apenas se constitui em foro estimulador do pensamento sobre a PE,

mas se desincumbe das tarefas relativas à esfera técnica, difundindo, potencializando e

implementando programas e políticas públicas voltados à PE e se constitui em arena política

real para a qual convergem diversos interesses dos diferentes atores políticos implicados de

alguma forma com a PE e seu espaço.

A agência, antes de sua “Reinvenção”, assim se definia:


O Sebrae - Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas é um serviço
autônomo, instituído sob a forma de sociedade civil, sem fins lucrativos, destinado
a induzir e apoiar o desenvolvimento das Micro e Pequenas Empresas.
O SEBRAE apóia micro e pequenos empresários interessados em tomar seu negócio
mais competitivo e lucrativo, dando-lhes acesso à informação necessária, a
instrumentos de capacitação gerencial e tecnológica e de promoção de novas
oportunidades de mercado.
O objetivo é desenvolver e consolidar os empreendimentos de pequeno porte,
aumentando a produtividade e a qualidade dos produtos e serviços que oferece,
soluções que contribuem para o desenvolvimento com mais empregos e renda.
Esta é a missão do SEBRAE59 (grifos nossos)60 .

59
Fonte: http://www.sebrae.org.br. Em 10/10/1998.
255

SEBRAE caracteriza-se, entre outros aspectos, pelo fato de ser uma entidade

“autônoma”, ou seja, com liberdade de ação típica da iniciativa privada tanto em relação a

uma atuação concreta desimpedida dos entraves burocráticos comuns ao terreno público,

quanto em relação à responsabilidade pela orientação estratégica de suas ações.

A natureza de seus objetivos aponta tanto no sentido da expansão ou crescimento -

“desenvolver” - quanto no da permanência ou manutenção - “consolidar”, com a finalidade de

gerar emprego e renda dentro do que se convenciona chamar desenvolvimento61 .

A extensão do conceito de desenvolvimento utilizado pelo SEBRAE supera a idéia de

que o maior porte das operações de produção da empresa garanta, por si só, este

desenvolvimento. Mesmo que o foco de sua atuação consista na busca por “aumento” da

produtividade e qualidade, entende-se tal atributo enquanto em consonância com os objetivos

propostos, que são implementados através de ações visando informar, capacitar gerencial e

tecnologicamente e promover a pequena produção.

Embora seja um organismo de caráter privado, o SEBRAE tem participação e

ingerência do Estado, expressando, portanto, a política pública para a pequena produção, o

que podemos entrever na citação abaixo:

O SEBRAE é um sistema nacional de apoio às micro e pequenas empresas, fundado


pela parceria entre Estado e iniciativa privada. Constitui-se de uma unidade central
de coordenação, sediada em Brasília, e de 27 outras unidades regionais, em cada
Estado e no Distrito Federal.

As unidades do SEBRAE estaduais e do Distrito Federal têm autonomia

administrativa e flexibilidade no direcionamento de projetos e programas, de acordo com os

interesses regionais. São orientadas por Conselho Deliberativo próprio, conforme diretrizes do

Conselho Deliberativo Nacional62 .

60
Também nesta seção do trabalho todos os grifos não referenciados no texto são nossos.
61
O sentido que se pretende para desenvolvimento é diferente da noção restrita de crescimento, quantificável,
normalmente associada ao termo. Assim, por desenvolvimento, num sentido amplo, se quer associar a idéia de
permanência, de sobrevivência, além de incorporar a melhoria qualitativa, o aprimoramento.
62
A composição do CDN encontra-se no Anexo A.
256

Representantes do governo e da iniciativa privada formam o Conselho Deliberativo


Nacional do SEBRAE. O conselho elege o seu presidente e a Diretoria Executiva da
entidade nacional para mandato de dois anos, cabendo reeleição.

Apesar da constituição de mecanismos voltados ao fomento e apoio da PE desde a

década de 60 e com a constituição do CEBRAE em 1972, os resultados dessas ações e

políticas públicas tem sido desde essa época considerados pífios (GONÇALVES, 1996). Em

1999 decide-se por um redirecionamento estratégico da instituição, reconhecendo-se a

insuficiência do SEBRAE em termos dos efeitos de suas ações face ao potencial de

contribuição da PE (DIRECIONAMENTO, 1999). A partir daí adota-se a perspectiva da

“Reinvenção do SEBRAE”63 como forma de transformação estratégica na atuação de fomento

e apoio à PE.

Nesse novo formato, a julgar pela pretensão de vir a se constituir em “vanguarda do

conhecimento” e detentor de “grande capacidade de articulação” (DIRECIONAMENTO,

1999:6), a missão informativa e difusora se evidencia como a mais adequada

estrategicamente. Ou seja, podemos aventar que agora, o principal papel objetivado pelo

SEBRAE é o de pretender institucionalizar de forma ampliada uma PE característica.

No tocante a sua capacidade de articulação, ou seja, de aproximar-se do ambiente onde

a PE e sua problemática se concretizam para “fazer acontecer” está subjacente a tal

perspectiva a dinamização da dimensão política de sua atuação – entendida aí nos dois

sentidos possíveis, ou seja, estimulando a participação do pequeno empresário como

interlocutor agora capacitado, além de interessado na discussão de seu futuro.

Schmidt Fº (2001), a propósito, enfatiza a perspectiva estratégica de estabelecimento

de redes e parcerias como formas privilegiadas de “fazer acontecer”. Nesse caso, os dois

vetores de formatação dessas ações são “educação e tecnologia”, o que reforça a nossa

perspectiva quanto ao protagonismo das dimensões institucional e política devem ter para o

“SEBRAE reinventado”.
257

Nessa “Reinvenção” o tom do discurso oficial de apresentação também é alterado:

O Sebrae - Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas é uma


instituição técnica de apoio ao desenvolvimento da atividade empresarial de
pequeno porte, voltada para o fomento e difusão de programas e projetos que
visam à promoção e ao fortalecimento das micro e pequenas empresas.
Seu propósito é trabalhar de forma estratégica , inovadora e pragmática para
fazer com que o universo dos pequenos negócios no Brasil tenha as melhores
condições possíveis para uma evolução sustentável, contribuindo para o
desenvolvimento do país como um todo, conforme descrito no documento
Direcionamento estratégico 1999-2000.
Foi criado por lei de iniciativa do Poder Executivo, concebida em harmonia com
as confederações representativas das forças produtivas nacionais. Sem essa
parceria entre os setores público, privado e as principais entidades de fomento e
pesquisa do País, esse modelo não teria a eficiência e a eficácia que tem revelado
ao longo do tempo.
O Sebrae é predominantemente administrado pela iniciativa privada. Constitui-se
em serviço social autônomo - uma sociedade civil sem fins lucrativos que, embora
operando em sintonia com o setor público, não se vincula à estrutura pública federal.
A instituição é fruto, portanto, de uma decisão política da cúpula empresarial e
do Estado, que se associaram para criá-la e cooperam na busca de objetivos
comuns. É, por isso mesmo, uma entidade empresarial voltada para atender ao
segmento privado, embora desempenhe função pública e tenha sempre em
consideração as necessidades do desenvolvimento econômico e social do País.
Criado em 1990 pelas Leis 8.029 e 8.154, e regulamentado no mesmo ano pelo
Decreto nº 99.570, o atual Sebrae surgiu numa época de grandes transformações do
ambiente econômico, social e político brasileiro 64 .

Da mesma forma, em relação ao seu Conselho Deliberativo Nacional que mantém a

mesma composição de antes:

O órgão máximo do Sistema é o Conselho Deliberativo Nacional, ao qual compete


traçar as políticas e estratégias gerais de atuação, instituindo normas e orientando o
trabalho de todo o conjunto.
Este Conselho, já em sua composição, reflete e traduz a parceria que criou o
Sebrae e respalda suas atividades. Integram-no representantes das seguintes
entidades [...].

Este discurso, agora aparentemente, menos formal, mais moderno – por pretender ser

ágil, efetivo e voltado aos interesses daqueles que se constituem como objeto de sua ação – e

aberto, à medida que passa a declarar-se fruto da ação política, apresenta-se também mais

contraditório que antes. É possível entrever-se a funcionalidade da PE denotada pela sua

ausência (da PE) no processo de formulação e deliberação acerca daquilo que lhe interessaria

sobremaneira (a agência). É flagrante também a contingência que cerca seus objetivos e a

63
Direcionamento Estratégico 1999 – 2000: A Reinvenção do SEBRAE.
64
Fonte: http://www.sebrae.org.br. Em 15/05/2002.
258

contradição existente nos termos que emprega para declarar sua efetividade em razão das

circunstâncias que a levaram a reformar seu próprio discurso.

A funcionalidade da PE é encontrada também na avaliação feita por Cascaes,

entrevistado por Pio (2003). Segundo o entrevistado, nos anos 80 iniciou-se um movimento de

organização das PE, também constatado por Soares (1982), que, segundo Cascaes, “foi

‘assassinado’ pela tecnocracia apegada à visão fiscalista”. Para o entrevistado, a falta de um

ordenamento jurídico específico à PE não permite que se a reconheça e com isso “o campo

está aberto para a prevalência da visão fiscalista”. O exemplo dessa visão é “o Simples [que]

não passa de uma ferramenta da Receita”. Segundo Cascaes, o maior problema da PE decorre

da não existência de quem formule suas políticas públicas. A agência SEBRAE que “pode ser

um ótimo executor de políticas públicas [...] é um pouco vítima da falta de clareza em

relação aos problemas das pequenas empresas. Na prática o Sebrae cria a sensação de que o

segmento é atendido suficientemente” (CASCAES apud PIO, 2003).

O que se depreende dessa alegação é que as políticas são formuladas não para a PE,

mas para atender às funções que a PE deve desempenhar. Assim, existem políticas que

objetivam a geração de empregos, a articulação com cadeias produtivas e clusters dominados

por grandes empresas, que visam a capacitação e/ou requalificação de mão de obra, entre

outros esforços. Um exemplo citado é a ampliação do microcrédito que, para Cascaes,

beneficia antes o aumento do consumo e não a PE propriamente, o que pôde ser evidenciado

recentemente, quando em uma das primeiras iniciativas do atual governo, diante de um

quadro recessivo que se anunciava, esse sentido foi declarado explicitamente.

A ideologia se desvela a cada vez que um membro do CDN da agência fala em nome

dela. Assim acontece, por exemplo, quando Monteiro Neto (apud DIRECIONAMENTO,

2003) diz que a agenda de trabalho do SEBRAE “busca sintonizar as ações da instituição com

a prioridade dada pelo governo à PE como instrumento eficaz para expandir o emprego,
259

gerar e distribuir renda e promover a inclusão social. [...] A nova ênfase requer e pressupõe a

promoção de mudanças estruturais significativas [como] disseminação da cultura

cooperativa e do empreendedorismo, pela capacitação na gestão, pelo amplo acesso à

tecnologia, ao mercado, ao crédito”.

A contradição se evidencia conforme o papel sistêmico reservado à PE implica que

seus atributos competitivos sejam incentivados como um meio através do qual ela possa

desempenhar seu papel, enquanto o discurso da agência confere a iniciativa do processo

empreendedor à ação subjetiva do pequeno como um fim que, desenvolvido através de um

processo de mudança cultural/comportamental, desperta no pequeno empresário as

disposições subjetivas latentes que possibilitarão sua inserção ativa no sistema produtivo,

modificando sua perspectiva de sobrevivência.

No bojo do Direcionamento Estratégico de 1999 – a Reinvenção do SEBRAE – a

educação e fomento ao empreendedorismo assomam o papel de transformadores da

sociedade brasileira, a primeira enquanto processo de transferência cultural e de libertação

pelo saber que associados ao pensar e agir empreendedores aceleram a construção de uma

nação mais justa (REFERENCIAIS, 2001:7).

Resulta desse processo a decisão de praticar uma “educação continuada” no campo da

educação empreendedora, proposta como um novo olhar sobre o empreendedor e de uma

nova forma de desenvolver, organizar e oferecer “soluções educacionais”, que vai substituir

a visão anterior considerada “fragmentada” e com programas de capacitação pontuais”. A

definição de empreendedor é “o indivíduo que possui uma atitude de inquietação, ousadia e

proatividade na relação com o mundo. Essa postura, condicionada por características pessoais,

pela cultura e pelo ambiente, favorece a interferência criativa e realizadora, resultando em

ganhos econômicos e sociais” (REFERENCIAIS, 2001:9).


260

A idéia de educação continuada – “expressão de uma tendência fundamental das

sociedades modernas” - inspira-se em Gadotti (apud REFERENCIAIS, 2001) que vê o

“homem como um processo em andamento, em um constante movimento de adaptação à

mudança provocada pela técnica, pelas ciências e pelo modo industrial de produção”. Essa

idéia encerra uma perspectiva problemática onde a ciência e a técnica são tomados como

variáveis independentes às quais resta ao homem adaptar-se. Nesse sentido a educação não

pode aspirar senão a uma função integradora que, no lugar de buscar propiciar uma alteração

na estrutura sistêmica, vai agir no sentido de conformar possíveis tentativas de transformação

à sua lógica.

Embora a proposta de mudança faça referência a uma teoria educacional sociocrítica e

afirme considerar a dimensão social do ser humano, não parece disposta a incorporar uma

perspectiva de educador-aprendiz, estabelecendo uma atitude de reciprocidade em relação aos

saberes constituídos acerca da pequena empresa, mas de manter-se numa posição douta sobre

as necessidades e a propriedade dos conhecimentos a serem socializados. O que parece

animar a nova proposta é a perspectiva aberta por novas tecnologias de comunicação e

informação educacionais que permitiriam maximizar a efetividade da difusão desses novos

saberes, principalmente a disposição empreendedora, a despeito de a agência afirmar que um

de seus objetivos seja o “conhecimento da realidade das MPE’s”.

Dolabella Chagas (2000), um dos principais formuladores da “cultura empreendedora”

que a agência almeja disseminar, concebe o empreendedorismo brasileiro como um

fenômeno sociocultural. Tal perspectiva tem como corolário, primeiro, colocar a solução da

questão no plano comportamental por meio de informação e incentivação, à medida que a

competitividade da PE é determinada pela subjetividade dos indivíduos. Segundo, como o

próprio autor reconhece, significa a inutilidade da emulação de experiências estrangeiras e o

necessário recurso “às nossas origens e raízes” buscando “o nosso próprio caminho”, como se
261

esses comportamentos e atitudes pouco competitivos viessem se conformando e estabilizando

ao longo do tempo.

Mas, simplesmente remeter a problemática da competitividade à esfera da cultura

pouco pode dizer sobre as condições objetivas sob as quais essa “cultura” emerge. Relacionar

cultura ao nível individual ou pensá-la enquanto estágio de desenvolvimento das faculdades

humanas, conforme perspectivas etnocêntricas estreitas e positivistas – consideradas

ultrapassadas – que serializam as culturas em superiores ou inferiores, modernas ou arcaicas,

consiste num argumento que não subsiste ao exame, se questionado sob a dinâmica das

relações sociais, a não ser no sentido político ideológico de impor uma cultura dominante.

A análise empreendida tem também um forte caráter utilitário, conforme reduz o

recurso à história como uma seqüência de atos dispostos no tempo, que reconhecidos em seus

efeitos pudessem orientar e justificar uma mudança pretendida, o que limita a análise da

atividade empreendedora a sua dimensão formal-conceitual e ignora as condições sociais de

sua produção.

O determinismo cultural com que o autor fundamenta a questão propicia uma inversão

ideológica, conforme identifica num aspecto cultural “histórico” o inimigo a ser expurgado:

A percepção social da atividade empresarial não é positiva o suficiente para gerar


motivação entre os jovens [...] Aqui é comum associar, ainda que equivocadamente,
o termo empresário à pessoa que busca enriquecimento a qualquer custo, [e] muitas
vezes a economia de mercado é percebida como algo negativo. Há a crença de que
competição acirrada exige a utilização de qualquer artifício (DOLABELLA
CHAGAS, 2000:92).

Para o autor, é a “imagem negativa” e derivada da “realidade brasileira” que torna o

interesse no campo do empreendedorismo insuficiente para “criar uma massa crítica que

viabilize a existência de uma ‘cultura do empreendedorismo’”, o que se constitui num

evidente “raciocínio equivocado”, pois “é puro preconceito achar que um determinado

segmento social” possui valores éticos em maior ou menor grau que outros, significando que

“um dos grandes desafios dos que lidam com o ensino do empreendedorismo é combater a
262

imagem distorcida que parte de nossa sociedade tem da atividade empresarial”

(DOLABELLA CHAGAS, 2000:93).

Uma outra característica da realidade brasileira que, segundo Dolabella, dificulta a

institucionalização do conceito de empreendedorismo seria a “cultura da ‘grande empresa’no

ensino”. Evidentemente que tal “cultura” não se limita ao ensino, nem mesmo se trata de uma

“cultura”. É no mínimo inadequado imaginar o desenvolvimento do capitalismo nacional

como um processo cultural que resulta numa imagem distorcida da atividade empresarial e

num apego à cultura da grande empresa. Nesse argumento identificamos a conjugação de dois

modos operatórios da ideologia – reificação e dissimulação – à medida que nominaliza a

“grande empresa comercial-exportadora” e o “capitalismo selvagem” de Prado Jr. e

Fernandes, respectivamente, como causas de um problema ignorando o sentido das relações

que condicionam e configuram estes fenômenos, deslocando o eixo de análise da percepção

social negativa acerca da atividade empresarial e cultura ao grande ao tratar como causa o que

é resultado.

O transplante da ideologia norte-americana de fundo tocquevilleano também se

evidencia claramente nas declarações de um gerente nacional de políticas públicas da agência:

[...] é preciso destacar a importância estratégica dos pequenos negócios. O


pequeno é que faz um grande país, uma grande economia. É um círculo virtuoso.
[...] Quando se pensa em um país, as coisas de fato acontecem nos municípios, onde
mora o cidadão. O mesmo raciocínio vale para microempresa. Nela está a gênese e o
protagonismo da economia (BRASIL, 2003:26).

A identificação da dinâmica social descrita por Tocqueville no recente fenômeno das

PE inovadoras dos EUA, como no caso exemplar do Vale do Silício, já nos parece equivocada

por não incorporar à análise as especificidades do processo, o contexto em que ocorre e por

acabar associando o fenômeno a um processo de natureza cultural/comportamental.

A transposição dessa dinâmica para o Brasil é ainda mais errônea, seja como lógica

inerente ao pequeno ou como desejo ou possibilidade estratégica, à medida que não leva em

conta as diferenças na dinâmica reprodutiva do capital, conforme afirmamos ao longo do


263

trabalho, mas também por ignorar a trajetória de industrialização do país e o papel do Estado,

a ação pública na configuração dessa trajetória e, dentro disso, o papel institucional irrisório

da PE.

Esse mesmo gerente vai afirmar “a vocação do Brasil como berço dos pequenos

negócios, [os quais] funcionam como mola propulsora da economia” (BRASIL, 2003:25).

Nesse caso poderíamos entender a “propulsão” do pequeno como funcional à dinâmica

reprodutiva, na circulação ou na produção, porém, subordinada a cadeias produtivas

controladas por grandes empresas onde desempenha funções parcelares de maior

produtividade relativa, o que restringiria o protagonismo do pequeno.

Mas o sentido simbólico conferido não é esse, e sim um que apóia a visão

tocquevilleana e se apresenta de forma evolucional onde o pequeno no berço, conforme

cresce, propulsa a economia. Essa idéia, presente em vários discursos acerca do pequeno,

revela-se problemática conforme se evidencie que essa iniciativa propulsiva do pequeno não

decorre de escolhas deliberadas, mas da necessidade imposta pela falta de alternativas, que

não a de ter que “tentar a sorte” ou “se virar como pode”. A partir daí podemos reconsiderar

os termos em que o país revela uma vocação para gerar pequenos negócios, todavia, esta não

terá o sentido simbólico que a agência busca configurar e, se acrescentamos ao cenário o fato

do Estado historicamente vir privilegiando o grande capital (FERREIRA, 2000), então essa

vocação perde sustentação argumentativa e revela-se ideológica.

Um ex-superintendente da agência estadual afirma que o papel do administrador da

agência “é o do educador [...] que desperta no indivíduo o espírito empreendedor, orienta o

empresário para tornar-se competitivo [e] assegura condição de sobrevivência à pequena

empresa”, o que põe em evidência a idéia de um espírito empreendedor natural e universal,

bem como a promessa implícita que associa o poder da agência em garantir a existência e o

desenvolvimento desse espírito que já existe em cada um. A abordagem prescricionista, que
264

reforça ainda mais o poder da agência, se evidencia quando a agência se vê, através da figura

de direção do superintendente/administrador que diz: “somos, sobretudo, provedores de

soluções. [...] Funcionamos como o médico que faz o diagnóstico e dá o remédio[...]”

(TENDÊNCIA, 1999).

Esse discurso que é, variadamente, geral a respeito da PE, encerra-se numa

ambigüidade latente à medida que um “espírito empreendedor”, existente naturalmente no

pequeno, requer que seja despertado, ou seja, não se reconhece e necessita que outrem o

declare. O mesmo sentido é encontrado em outros aspectos dessa PE, como a questão de seu

despreparo gerencial que, uma vez tratado pela agência, poderia desenvolver-se em plenitude.

Nesse sentido é como se a PE dispusesse de todos os recursos necessários à competitividade

menos um, o de refletir sobre si próprio, o que torna problemática sua assunção como sujeito

da ação.

A idéia, problemática, de uma PE protagonizar um processo de desenvolvimento

socioeconômico inscrito em uma perspectiva sistêmico-funcional também se evidencia na

resposta que o mesmo dá quando inquirido sobre as relações contraditórias [sic], diríamos

assimétricas, entre grandes e pequenas empresas, dizendo: “a tendência natural é os negócios

serem desenvolvidos por pequenas empresas. As grandes [empresas] são [...] federações de

pequenas empresas” e, mais adiante, “o apoio à grande empresa é fundamental, até porque a

grande empresa é geradora de pequenas empresas [...] e não pode existir sem a presença da

pequena e vice-versa” (TENDÊNCIA, 1999).

A perseverança do pequeno faz parte desse pacote empreendedor, num mecanismo

sutil que associado à natureza subordinada e dependente da PE, serve para justificar seu

sucesso limitado. Nesse sentido, o atributo associado da propensão ao risco como

característica do comportamento empreendedor surge como disposição deliberada do sujeito e


265

não originada de circunstâncias como a falta de alternativas à sobrevivência ou expectativa de

emprego, fazendo de qualquer coisa que apareça uma oportunidade.

A ideologização do indivíduo empreendedor e da imperiosa necessidade de uma

cultura empreendedora revela-se na medida que os discursos mostram-se desencontrados

quanto à natureza dessa aptidão empreendedora.

Um ex-superintendente da agência estadual afirma categoricamente que “o espírito de

empreendedor no Brasil é o maior do mundo. De cada oito brasileiros um é empreendedor

nato”. Para em seguida emendar: “mas esse espírito precisa ser modulado, precisa de

sustentabilidade para que as coisas realmente aconteçam” (FALTA, 2003). Um discurso

dessa natureza pressupõe a existência de uma causalidade entre capacitação e mortalidade,

relação que ainda não pôde ser comprovada apesar de todo o esforço empreendido pela

agência ao longo de sua atividade.

A cultura empreendedora como solução significa o tratamento do problema ao nível

individual, como se o problema estivesse em cada um, o que traz de volta o argumento que

atribui as mazelas da sociedade ao caráter dos indivíduos. Entretanto a causalidade acima

mencionada não transparece institucionalizada, senão como uma possibilidade, ou seja, não

significa que aquele que desenvolver essa cultura necessariamente sobreviverá, enquanto os

argumentos antecedentes são normativos e prescritivos ao identificar o problema do pequeno

e indicar a solução para eles, o argumento conseqüente é hipotético, e sobre ele o discurso da

agência se restringe a exemplificar os casos de sucesso.

Para um gerente da agência estadual esse empreendedorismo elevado deve-se “á

facilidade de o brasileiro se adaptar e buscar alternativas nos momentos de adversidade [e]

em razão do alto nível de desemprego” (FALTA, 2003). Aqui o discurso revela que, a

despeito de seu propalado despreparo, o pequeno é percebido ativamente, como capaz de


266

avaliar sua situação e tomar decisões estratégicas, revelando o caráter ambíguo e problemático

com que seu despreparo é postulado e as formas de superá-lo são formuladas.

Enquanto o presidente da agência partilha da idéia de que todos somos potencialmente

empreendedores e temos sonhos de realização (GIANNI, 2004), no bojo de um discurso

convocatório e consoante com o resultado das pesquisas que colocam a população dentre as

mais empreendedoras do mundo (REYNOLDS et al, 1999 e 2001), um outro dirigente da

agência estadual afirma que “empreendedores natos são excessão [sic]” e que “ser

empreendedor é uma forma de ver o mundo”, de modo que “todas essas características podem

ser aprendidas e desenvolvidas” (BARNUEVO, 2004).

Para ele, “o empreendedor de sucesso é formado por competências (conhecimento,

instrução, leitura, pesquisa) e atitudes: ética, capacidade de liderar, bom relacionamento,

humildade, disciplina e autenticidade”, uma quantidade superlativa de qualificações. E como

se não bastasse, “o empregado também deve ter um comportamento empreendedor”. Ao

colocarmos tal possibilidade no quadro sistêmico com que o SEBRAE se propõe a

implementar, resultaria num país repleto de gestores competitivos que, inevitavelmente,

transformariam sua realidade social e econômica.

O empreendedor inovador [empresário ou empregado] tem enorme vontade de


vencer, sente-se responsável pelo seu negócio e pela sua própria vida. Ele entende a
empresa como parte de sua missão na terra, é voltado para o marketing e vendas,
conhece profundamente seu negócio em todas as dimensões de mercado,
concorrência e ambiente e é obstinado pela qualidade e excelência [...] considera o
cliente um Deus e simplesmente ama superar suas expectativas [...] com visão de
futuro e consciente da necessidade de sobrevivência da empresa, o empreendedor
inovador reinveste parte importante dos seus lucros no próprio negócio
(BARNUEVO, 2004).

Considerando que, para ele, o empreendedor nato não existe, todo esse conjunto de

aptidões precisa ser transferido e a inculcação ideológica se apresenta como uma estratégia

justificável de “produção” desse empreendedor.

Ao final, o discurso do especialista da produção simbólica – o vaticínio terrível que

não deixa qualquer outra possibilidade no horizonte da questão: “o empresário ou o


267

empregado que não tiver esse perfil pode se considerar fora do disputado mercado”, pois da

mesma forma que o empresário precisa se relacionar, o empregado que não tiver esse espírito

“estará dentro dos indicadores de desempregados do País, mesmo que ele seja competente”

(BARNUEVO, 2004).

Podemos ver nessa visão do diretor da agência, além da incapacidade de refletir a

natureza contraditória das relações sociais de produção, a presença das invariâncias estruturais

que conformam o capitalismo dependente manifestadas na falta de alternativa com que a

situação é posta e na subordinação inexorável com que as relações sociais precisam se

organizar para permitir, não uma transformação do padrão dessas relações, o que colocaria em

perspectiva a possibilidade de um outro modelo de desenvolvimento, mas a necessidade de

um sobre-esforço para o atendimento das exigências impostas ao país no quadro mais geral da

reprodução capitalista.

A “midiatização” crescente dos processos comunicativos modernos possibilita que

interesses institucionais influenciem os processos de produção e transmissão de formas

simbólicas que, cada vez mais se constituem em meios através dos quais se infundem

“culturas”. Entretanto essa disseminação de culturas instrumentalizada por formas simbólicas

se dá num contexto social estruturado e permeado por relações de poder e formas de conflito,

resultando na constituição significativa e contextualização social dessas formas simbólicas.

Isso implica que tais formas são objeto de processos de valorização, tanto simbólica quanto

econômica, constituindo-se num meio privilegiado de transmissão e operação ideológica

(THOMPSON, 1995).

Conforme já ressaltamos, desde a “Reinvenção” que a comunicação passa a ser uma

atividade estratégica fundamental para o SEBRAE, reforçada à medida que a agência toma a

si uma missão educativa relacionada à cultura empreendedora. Com isso, sua ação

institucional cada vez mais passa a valer-se do recurso comunicativo, o que significa dizer que
268

sua ação comunicativa não é apenas informativa, mas tem uma intencionalidade formativa e

instituinte – conceitual.

O pensamento conceitual ou lógico, segundo Chauí (1997a:163), opera por método e

busca a articulação racional entre elementos homogêneos. Assim, conceito ou idéia se

constitui como uma explicação da essência ou natureza própria e específica de um ser. Um

conceito é o resultado de uma análise ou síntese dos dados da realidade ou do próprio

pensamento a respeito desse ser. Não é a coisa, mas a compreensão intelectual da coisa.

De forma semelhante, para Severino (1996:152):

O conceito é a imagem mental por meio da qual se representa um objeto, sinal


imediato do objeto representado. O conceito garante uma referência direta ao objeto
real. Esta referência é dita intencional no sentido de que o conceito adquirido por
processos especiais de apreensão das coisas pelo intelecto [...] se refere a coisas, a
objetos, a seres, a idéias, de maneira representativa e substitutiva. [...] Portanto, o
conceito representa e ‘substitui’ a coisa ao nível da inteligência.

O discurso do Sebrae, embora não faça qualquer referência à natureza ideológica que

conceitos como o de empreendedorismo, por exemplo, possam portar, utiliza-se da linguagem

conceitual para instituir e valorizar a PE.

A página “Ambiente Educacional SEBRAE”, no Portal de Educação do SEBRAE65 , é

aberta com uma citação de Idalberto Chiavenato, um autor nacional muito conhecido no

campo da administração de empresas, que define educação como “toda a influência que o ser

humano recebe do ambiente social durante toda a sua existência, no sentido de adaptar-se às

normas e valores sociais vigentes e aceitos". Nessa definição percebe-se claramente o sentido

funcionalista parsoniano, adaptativo e integrador, que lhe é atribuído, indicando a extensão da

compreensão que a agência tem quanto aos propósitos da educação e a forma que deve

imprimir às ações educativas desenvolvidas. Característica que a agência não nega quando

diz: “Para o Sebrae, educação e empreendedorismo fundem-se em uma experiência singular

em sua execução, mas ampla e integradora em sua concepção”.

65
FONTE: http://educacao.sebrae.com.br/. Disponível também no ANEXO B.
269

O conceito de empreendedorismo, dada sua subjetividade, propicia um terreno fértil

para a imaginação conceitual. Para o SEBRAE e para a ABASE66 , “empreendedor é o

indivíduo que possui ou busca desenvolver uma atitude de inquietação, ousadia e pró-

atividade na relação com o mundo, condicionada por características pessoais, pela cultura e

pelo ambiente, que favorece a interferência criativa e realizadora, no meio, em busca de

ganhos econômicos e sociais”.

A agência conforme se auto-identifica como repositório dos anseios da pequena

empresa, não pode eximir-se de refletir sobre as dimensões, aspectos e elementos inscritos na

linguagem conceitual que adota à medida que esta interfere, condiciona e estimula, as

tentativas de transformação sociocultural, seu principal vetor de ação na atualidade.

A lista de “Conceitos de empreendedorismo” constante do portal de educação do

SEBRAE67 nos mostra o emprego de uma linguagem essencialmente figurativa, esvaziada

conceitualmente, mas dotada de um sentido simbólico, persuasivo e incentivador, que busca

estabelecer uma relação significativa com a realidade social do agente pequeno ou em vias de

se constituir assim. A dissimulação ideológica, operada por meio de estratégias de

eufemização e tropológica (com o emprego da metonímia e da metáfora), combinada com

uma estratégia de fragmentação, buscam diferenciar o empreendedor dos demais agentes

econômicos, ao mesmo tempo em que intentam inverter a situação desfavorável da condição

pequena, sem contudo, descer a considerações mais objetivas de natureza conceitual.

Filion e Dolabella, dois especialistas em pequenas empresas e empreendedorismo

muito referenciados nos círculos acadêmicos específicos, se referem ao empreendedor de

forma aproximada como “alguém que equilibra o sonhar com o fazer” e “alguém que sonha o

sonho acordado e busca transformar o seu sonho em realidade”, respectivamente. Nessas duas

definições o sonho em si já encerra uma dimensão ideológica conquanto sirva para produzir

66
Associação Brasileira dos SEBRAEs Estaduais
67
Vide ANEXO B.
270

signos na vida social, para orientar a ação ou para conferir identificação aos indivíduos

(EAGLETON, 1997:15).

Essa dimensão ideológica, todavia, ganha contornos distintos conforme oriente a

possibilidade do indivíduo transformar sua vida a partir apenas de sua vontade e

determinação, o que não é necessariamente verdadeiro e ainda menos quando essa

possibilidade è projetada sistemicamente, como natural do homem em si e universal para

qualquer homem que busque capacitar-se adequadamente.

É o que faz a agência, primeiro, ao afirmar que a educação passou a ser o determinante

fundamental não só para inovação tecnológica, como também para o futuro das pessoas, razão

pela qual suas ações educativas se compõem de “sonhos e objetivos concretos” sintonizados

com a realidade atual e que vislumbram uma sociedade mais justa que ofereça “mais

oportunidades de evolução pessoal e profissional”. Segundo, ao citar L.J. Fillion, que diz: "O

Brasil está sentado em cima de uma das maiores riquezas naturais do mundo ainda

relativamente pouco explorada: o potencial empreendedor dos brasileiros”.

Existe uma iniciativa em curso desde 1999 denominada “Global Entrepreneurship

Monitor-GEM” que busca mensurar e avaliar a atividade empreendedora e que tem como

carro-chefe, a medição da taxa de empreendedorismo de cada país participante (REYNOLDS

et al, 2000 e 2002; EMPREENDEDORISMO, 2003; RELATÓRIO, 2004). Segundo Almada

(2004), a grande novidade para este ano é o Brasil ocupar o terceiro lugar no

empreendedorismo de oportunidade, enquanto em 2002 o país ocupava o primeiro lugar em

empreendedorismo por necessidade.

Esses dois conceitos procuram distinguir o indivíduo envolvido num empreendimento

a partir da identificação de uma oportunidade, daquele outro que o faz mesmo sem ter

identificado essa oportunidade, ou seja, por necessidade decorrente do fato de não dispor de

uma forma regular de reprodução simples, normalmente, o trabalho assalariado. Tal distinção
271

não nos parece estar situada sobre um mesmo vetor diferenciando-se em grau ou direção, e

sim perspectivas antitéticas, à medida que revela características e causas distintas e

contraditórias, revelando, talvez, o último, um não-empreendedorismo uma vez que não lhe

regulam o comportamento nem a ação, os mesmos atributos e perspectivas do primeiro. A não

ser, e é aí que a ideologia se revela, que tal contradição não importe para os efeitos desejados

da pesquisa, tanto no sentido ilusório quanto auto-ilusório, conforme Eagleton (1997).

Os discursos produzidos com base nos relatórios de pesquisa tendem a associar esses

índices de empreendedorismo a disposições culturais existentes, significando que uma cultura

empreendedora pudesse variar acentuadamente de um ano para outro e depois voltar, ou não,

a níveis anteriores, revelando uma plasticidade cultural incrível, qualquer que seja o conceito

de cultura que se busque para fundamentar tal processo.

De acordo com o último relatório (RELATÓRIO, 2004), a Argentina, por exemplo, é

um país que, subitamente, desenvolveu uma cultura empreendedora alçando-o aos primeiros

lugares no mundo, mesmo reconhecendo a existência da crise estrutural por que vem

passando. Mas, a transformação cultural mais espetacular que o empreendedorismo vem de

Uganda que, com todo o respeito ao seu povo, viu-se transformado no país de maior índice de

empreendedorismo do mundo, onde um em cada três ugandenses que têm entre 18 e 64 anos

são empreendedores. A despeito de qualquer consideração relativizante que possa ser alegada,

está concretamente publicado que em torno de 30% da força de trabalho de Uganda são

empreendedores, e esse fato criado é utilizado nos discursos que valorizam e estimulam o

empreendedorismo. Não se pode supor que tais pesquisas não contenham uma ideologia que

as justifiquem, ou seja, a simples não manifestação direta daquilo que está concretamente

afirmado, não é suficiente para pretender ou afirmar isenção ideológica, Seria muita

ingenuidade considerar que a pesquisa busca evidenciar apenas o sentido que o

empreendedorismo, enquanto uma disposição cultural subjetiva – traço cultural decorrente de


272

uma forma de organização social ou da tradição de uma sociedade capitalista construída a

partir da ação individual livre e libertadora, assume no desenvolvimento econômico dessa

sociedade, conquanto o refinamento metodológico da pesquisa ignora variadamente os

aspectos estruturais e conjunturais que atuam sobre os resultados. Informar dados sem essa

preocupação nos parece ter a clara intenção de municiar “cientificamente” um processo

ideológico.

A “naturalização” ideológica do empreendedorismo contribui para o encobrimento dos

estímulos artificiais feitos. Para justificar a iniciativa do pequeno, funcional à reprodução

sistêmica do capitalismo, especialmente em períodos de crise, de mudança paradigmática ou

em transições institucionais, usa-se um argumento do empreendedorismo e de suas vantagens,

ao passo que para explicar a mortalidade e as dificuldades desse mesmo empreendedorismo e

buscando escapar da contradição, usa-se argumentos naturais, psicológicos, remete-se à

alçada individual e do acaso.

A institucionalização do empreendedorismo como cultura transfere para o agente

pequeno a responsabilidade não só dos efeitos positivos decorrentes dessa sua nova postura,

mas também os negativos que sua ação na produção possam ter, ou seja, a institucionalização

de características do empreendedor como a disposição ao risco facilita que ele se conheça e

reconheça em termos de sua ação individual – só depende de você – coloca-o no centro da

cena competitiva, desincumbe relativamente o Estado, e arrefece o conflito social iminente

conquanto ele passe a considerar-se, ilusoriamente, sujeito de seu destino68

A ideologia também está presente em outro trabalho importante patrocinado pela

agência que aborda a questão da mortalidade das micro e pequenas empresas (MPE). Dada a

importância do tema, FATORES (2004) deveria refletir um avanço quanto à concepção e

68
Como a personagem “Rico” de SENNETT em “A corrosão do caráter”.
273

estruturação da pesquisa que poderia ser o instrumento, “tão desejado”, de avaliação da

efetividade da ação da agência, em torno de seus objetivos fundamentais, o de fortalecer a PE.

No entanto, fica evidente a orientação impressa em determinadas perguntas

estruturadas nos questionários, repetidas de enquêtes anteriores (PESQUISA, 1999), ao tempo

que outros questionamentos, mais significativos em termos da possibilidade de apontar

caminhos alternativos ou obstáculos à ação da agência, deixam de ser feitos, permitindo o

questionamento de sua cientificidade em contraste com um sentido mercadológico presente,

conforme se infira a existência de um interesse subjacente à publicação dos resultados

relacionado ao objetivo de consolidação da imagem institucional da agência.

Em relação ao principal dado levantado, a taxa de mortalidade, comparação com a

pesquisa semelhante realizada cinco anos antes (PESQUISA, 1999) nos mostra que a situação

não se alterou significativamente. Embora a pesquisa anterior tenha coberto um território

menor e organize seus resultados diferentemente, os valores atuais se situam medianamente

em relação aos valores mínimo e máximo apresentados antes69 . Na verdade, o comportamento

da taxa de mortalidade parece ser histórico. No início dos oitenta, segundo estimativas e

pesquisas da época (RATTNER, 1984:70), metade das PME fracassava durante os primeiros

cinco anos, e até 90% encerravam suas atividades antes de completar dez anos.

Em FATORES (2004) a primeira informação a destacar é a identificação dessa

pequena empresa que fracassa a taxas elevadas. Noventa e seis por cento das empresas

extintas são microempresas com 3,2 empregados em média. Dessas empresas extintas apenas

3% atuam na indústria e a quase totalidade se divide quase ao meio entre comércio e serviços.

Se estas empresas seguem uma distribuição semelhante a da totalidade do país,

podemos supor que sejam, em sua grande maioria, pequenos comércios varejistas de ramos

69
Considerando que as amostras de cada estado pesquisado tiveram o mesmo tamanho, a média aritmética dos
resultados por Estado pode representar uma média geral. Assim, as taxas de mortalidade média encontradas na
pesquisa anterior seriam de 43%, 52% e 60%, enquanto na pesquisa recente são 49%, 56% e 60%,
respectivamente para empresas como um, dois e três anos de atividade. (PESQUISA, 1999 e FATORES, 2004)
274

tradicionais (AS MICRO, 2003) ou pequenas firmas individuais de prestações de serviços

pessoais. Não é difícil imaginar que poucas poderiam ser consideradas empresas de base

tecnológica ou empresas cuja complexidade de gestão exija o uso de ferramentas modernas de

gestão, como sistemas informatizados de controle financeiro, operacional ou comercial.

Em linhas gerais podemos dizer que a crítica ao modo como essas pesquisas são

concebidas e seus resultados divulgados giram em torno de três questionamentos. O primeiro

diz respeito à escolha metodológica por uma pesquisa de opinião e a importância dada à

opinião dos empresários sobre determinadas questões fundamentais aos objetivos da pesquisa

como as causas da mortalidade. Considerando que o fundamento institucional da PE mais

fortemente inculcado decorre da pressuposição da relativa incapacidade gerencial e

despreparo técnico do pequeno empresário, a este não poderia ser imputada competência para

responder sobre os “fatores determinantes” de seu insucesso.

Se um dos objetivos específicos da agência é disseminar uma “cultura

empreendedora” e que, em vista disso, ela desenvolve um esforço significativo e variado em

termos de atividades de marketing institucional, o cuidado metodológico a ser tomado para

identificar as causas da mortalidade da PE seria o de isolar a influência que o esforço para

institucionalização de uma sub-cultura específica ao comportamento de pequeno empresário

pudesse projetar nas suas respostas. No entanto, é exatamente sobre esse tipo de dado que a

pesquisa se fundamenta.

Mesmo levando em conta que o empresário sondado, por ser a fonte direta e primária

de informação, apenas declara os fatos concretos que conduziram sua empresa ao fracasso,

ainda assim, a interpretação teórica utilizada para associar as respostas dadas a causas

racionalizadas em termos teórico-gerenciais é limitada ao escopo das análises de natureza

micro e viés neoclássico, o que temos visto ser insuficiente para a compreensão da estrutura e

dinâmica da PE.
275

Daí decorre a segunda questão que diz respeito à interpretação que é feita dos dados

levantados e ao esforço teórico no sentido de correlacionar tais dados à problemática da

pequena empresa. Chama-nos a atenção a natureza mecanicista da análise que atribui a

alegação de “falta de capital de giro” a um mero e exclusivo “descontrole de fluxo de caixa”

ou “problemas financeiros” a uma “situação de alto endividamento”, ambas decorrentes de

uma “falha gerencial” que vai se constituir por intermédio dessa interpretação na principal

explicação e evidência empírica da elevada mortalidade da PE.

Tal análise encontra a PE como uma abstração formal e não como uma realidade

social que se concretiza num determinado tempo e espaço históricos, ignorando também as

condições conjunturais da ação dos agentes participantes. É possível entrever nessa análise

aquilo que chamamos de institucionalização ex-nihilo da PE, ou seja, uma concepção de PE

abstraída da realidade que não é confrontada pelo próprio objeto instituído, à medida que este

existe apenas como idealização e o que existe, na realidade, é ignorado ou não é capaz de

expressar-se socialmente.

A terceira questão diz respeito à seleção de determinados resultados, aqueles que

legitimam a ação da agência, em detrimento de outros que, ao contrário, poderiam suscitar o

questionamento da forma como a agência atua.

Na pesquisa anterior (PESQUISA, 1999), em nove dos onze estados pesquisados, o

percentual de empresas que buscaram apoio/consultoria no SEBRAE foi maior nas empresas

extintas do que nas empresas em atividade, o que deveria merecer a atenção da agência no

sentido de verificar uma possível correlação entre a situação de crise na PE e a busca de

apoio. No entanto, é ressaltado apenas o reduzido percentual absoluto de empresas que

buscam o apoio da agência. Essa forma de seleção “proveitosa” dos dados levantados pela

pesquisa é percebida em vários aspectos interpretados e podem redundar em reforço à

construção simbólica da PE que a agência busca instituir. A forma de apresentação dos


276

resultados de uma pesquisa, ao favorecer determinadas informações em detrimento de outras

que ficam menos visíveis, permite o uso mercadológico dessas informações realçadas

(COELHO, 1996).

A pesquisa FATORES (2004) não registra diferenças significativas entre os

proprietários de empresas extintas e ativas quanto a aspectos como sexo, idade, atividade

exercida anteriormente ou escolaridade. Sobre a escolaridade importa perceber que 75% dos

proprietários das empresas extintas tinham escolaridade entre colegial completa e superior

incompleta e superior completa ou mais. Tal constatação se contrapõe à afirmação tradicional

relativa ao despreparo ou incapacidade do pequeno empresário, mesmo que se questione a

qualidade da educação formal ou a necessidade de formação específica, com o que se pode

contra-argumentar questionando o grau de complexidade da gestão de uma pequena empresa

típica brasileira, conforme já mencionado.

Ao constatar, todavia, que este percentual corresponde não somente aos negócios

extintos mais também aos em funcionamento, percebemos que esta pode ser uma

característica do pequeno empresário nacional, que não é outro senão aquele oriundo das

classes médias e que sofre de forma mais aguda a problemática do desemprego, que dispõe de

melhores condições para alavancar recursos para a formação de uma PE e também aquele

mais submetido ao discurso do empreendedorismo, tanto pela capacidade de apreensão desse

discurso quanto pela posição e situação social que ocupam, ou seja, escolarizados e

submetidos a fortes pressões para ascender socialmente.

Na análise quanto às razões para ter iniciado o negócio, as alegações não diferem

substancialmente entre os proprietários de empresas extintas ou ativas. Na pesquisa anterior

(PESQUISA, 1999), a opção “identificou uma oportunidade de negócio” – que vem a ser a

condição-chave para identificação de comportamento empreendedor70 e, por isso, o

70
Conforme as indicações constantes no portal de educação do Sebrae (http://educacao.sebrae.com.br/).
277

comportamento mais estimulado por todas as metodologias disseminadas pela agência – foi a

mais alegada por ambos os tipos de empresários. A segunda razão mais citada, para as

empresas ativas é “ter experiência anterior”, enquanto para empresas extintas é “ter tempo

disponível”. A combinação dessas respostas permite que se advogue como motivações

fundamentais a necessidade de ascensão social combinada à própria necessidade de

reprodução, situações estruturadas, enquanto a disposição individual de identificação de

oportunidade demonstraria, de forma semelhante para os dois tipos de empresário, apenas a

existência de uma racionalidade orientadora do processo.

A situação não muda significativamente na pesquisa recente quando as alegações

“desejo de ter o próprio negócio”, “estar desempregado”, “identificação de oportunidade de

negócio” e “aumentar renda/melhorar de vida” são as mais freqüentes. Contrariamente à

pesquisa anterior a “identificação de oportunidade” aparece como a terceira razão mais citada,

enquanto o “tempo disponível” ainda é mais freqüente entre as empresas extintas do que entre

as empresas ativas e a opção “ter experiência anterior” passa a apresentar uma correlação

positiva com a situação das empresas extintas, o que deveria também merecer a atenção da

agência.

A pesquisa nos oferece uma informação significativa ao mostrar o volume expressivo

de recursos – quase vinte bilhões de reais no período de três anos – que não são recuperados

pelas microempresas que sucumbem, recursos cuja transferência resulta num movimento de

concentração de renda, supondo que algo em torno de dois terços desses recursos são

imobilizados e correspondem a uma parcela da demanda por bens de capital (máquinas,

equipamentos, mobiliário, etc.), normalmente produzidos nos circuitos superiores da

economia e produção.

Esta informação é significativa conforme permite separar a ação de promoção e

incentivação da PE das ações que buscam fortalecê-la, evidenciando que uma incentivação
278

inconseqüente pode ser prejudicial à economia social do país, o que deveria ser objeto de

preocupação efetiva da agência.

Quanto à forma de divulgação desses resultados, FATORES (2004) suscitou um

conjunto de matérias jornalísticas sobre seus resultados, divulgadas e veiculadas pela Agência

SEBRAE de Notícias, que repercutiram na imprensa em geral.

Interessa-nos salientar o sentido que orienta a seleção de informações dentro do

universo de dados produzidos pela pesquisa. Ao mesmo tempo, relacionar essas mensagens

selecionadas a processos de construção simbólica tanto da pequena empresa em si quanto de

sua agência promotora.

Uma das matérias se intitula “Estudo revela que empresas extintas não procuraram

apoio do Sebrae”. O discurso, de tom didático, afirma que, “basicamente”, o alto índice de

mortalidade decorre da falta de habilidades administrativas e gerenciais do empreendedor,

associando isto ao fato destas empresas extintas não terem procurado o apoio do SEBRAE.

Embora a matéria não divulgue essa quantidade específica e, no seu lugar, apresente o número

de empresários, dentre as empresa extintas, que iniciaram o negócio sem experiência anterior

no ramo, deixa de informar que um número significativo de empresários malsucedidos

procurou auxílio e tinha experiência, e que entre as empresas ativas as características não

diferem significativamente, ou seja, os perfis quanto à experiência e busca de auxílios

externos não diferem significativamente entre as empresas extintas e as empresas em

operação (RIBEIRO, 2004a).

O assunto do despreparo do microempresário volta à ribalta na matéria intitulada

“Falhas gerenciais obrigam fechamento precoce de empresas brasileiras” ao afirmar que “as

empresas brasileiras morrem mais devido a falhas gerenciais do que por problemas

conjunturais ou taxação tributária” (RIBEIRO, 2004b).


279

O primeiro questionamento, já mencionado, decorre do procedimento metodológico

que recorre à opinião daquele empresário, considerado incapacitado, para extrair informações

válidas. Na verdade, o respondente não faz isso, pois tal conclusão resulta da interpretação

dos dados feita pelos autores da pesquisa. Por isso, é possível questionar a maneira como as

alternativas de resposta estruturadas no instrumento de pesquisa são associadas à ordem de

“causas das dificuldades e razões para o fechamento da empresa”.

O segundo questionamento decorre da qualidade da análise pretendida ao isolar

“causas econômicas conjunturais” de outras categorias de causas e fazendo com que as

respostas “problemas financeiros” e “falta de capital de giro” (primeira e terceira opções de

resposta mais citadas) sejam interpretadas como resultado exclusivo de “falhas gerenciais”.

Considerando o cabedal de conhecimento da agência em relação ao objeto MPE em

sua existência concreta, parece-nos inadequado não reconhecer a relação entre um quadro

recessivo, demonstrado pela própria pesquisa nas opções de resposta “falta de clientes” e

“maus pagadores” (segunda e quarta mais citadas), e a utilização à exaustão das fontes de

recursos, o alto risco assumido no investimento por falta de recursos para obtenção de

informações e/ou a falta de suportes financeiros adequados para este tipo de investimento –

dados que a pesquisa também levanta. Isolar estas “causas” técnicas e, em seguida,

secundarizá-las relativamente aos aspectos conjunturais parece-nos ser o resultado de uma

inversão onde se procura uma razão à qual se possa atribuir um resultado pressuposto.

Além disso, a matéria “se esquece” de mencionar que também entre as empresas em

atividade a “falta de capital de giro” corresponde a 42% das respostas dadas, exatamente o

mesmo percentual encontrado entre as empresas extintas.

Duas outras matérias praticam o mesmo modelo de seleção de informações para

divulgação, informando apenas os dados que estabelecem nexos simbólicos entre a

problemática da MPE e a ação da agência para a “solução” desta. A matéria “Pesquisa revela
280

que 32% de empresas extintas não buscaram assessoria” afirma também que “apenas 3% das

empresas extintas nos últimos quatro anos buscaram ajuda do Sebrae” passando em seguida a

promover os produtos educacionais e voltados para a capacitação empresarial (MANFRINI,

2004d). Contudo, o que a matéria não diz é que entre as empresas ativas apenas 2% buscaram

o Sebrae e que, igualmente às empresas extintas, 67% das empresas ativas não procurou

qualquer ajuda ou contaram apenas com a assessoria do contador.

O mesmo tipo de seleção ocorre na matéria “Maioria das empresas extintas não

participava de associações” onde um dos gestores da agência declara que “em muitos casos,

as empresas extintas cresceram, tiveram problemas e ‘morreram’ sozinhas, muitas vezes,

exatamente por causa dessa solidão” (MANFRINI, 2004c), deixando de esclarecer que as

empresas am atividade também, e em proporções semelhantes, não desenvolvem relações

associativas.

Por fim, após concluir que a principal causa de mortalidade é o despreparo do

pequeno, a matéria jornalística oficial informa que “o presidente do Sebrae destacou que a

pesquisa fez um diagnóstico que vai permitir à instituição definir campos de atuação para

cumprir sua missão de apoiar a micro e pequena empresa” (MANFRINI, 2004a). parece-nos,

no mínimo, estranho que, após tanta expertise no campo da PE, uma pesquisa dessa natureza

possa ainda ser de natureza exploratória para a agência.

Sobre a cooperação, a abordagem que Costa (2002) desenvolve, e que reflete o

pensamento institucional da agência sobre a cooperatividade, está calcada numa visão

subjetivista das relações sociais e no primado da ação subjetiva na construção dos nexos

sociais que orientam as práticas de uma sociedade, aquilo que Bourdieu (1998:61) chama de

“velha filosofia do sujeito ou da consciência, a da economia clássica e do seu homo

economicus que regressa hoje com o nome de individualismo metodológico”.


281

Ao afirmar que “primeiro, nós formamos os hábitos, depois, eles nos formam”

(BOURDIEU, 2002:30), o autor explicita o sentido subjetivista que orienta os processos

sociais em geral e sua transformação. No caso, um discurso exortativo que repete inúmeras

vezes as vantagens, as características, a importância, a possibilidade e necessidade de se

cooperar e estabelecer relações de confiança, mas que passa do nível descritivo ao nível

propositivo de uma “cultura de cooperação” sem qualquer mediação analítica a respeito dos

processos que geraram tal situação, nem das condições e possibilidades para a consecução de

tal mudança.

Ao postular que a cultura da cooperação não acontece por causa da “atitude básica das

pessoas de desconfiar umas das outras e das instituições” (COSTA, 2002:16), identificando a

origem do problema “[n]esses traços culturais, herança trágica de nosso passado colonial”

expressos como “dragões da maldade” nas figuras do clientelismo, fisiologismo, na

burocracia e corporativismo da administração pública e na auto-suficiência e formalismo da

esfera técnica (2002:21), o autor propõe a necessidade de construção e acumulação de capital

social, para o qual contribuem virtudes individuais e sociais, estas últimas “menos estudadas”,

lócus da confiança.

Embora não faça qualquer questionamento quanto ao fato das “virtudes sociais

[serem] menos estudadas do que as virtudes individuais”, o autor adverte que “para fazer

nascer a confiança [...] não basta fazermos a pregação [e] o discurso racional acerca dessa

virtude. É preciso criar condições que propiciem a mobilização das pessoas” (itálico do autor)

(COSTA, 2002:32). É, portanto, na mobilização que a questão se resolve, mas uma

mobilização que se “expressa por meio de um imaginário social convocante. Uma visão,

uma imagem do futuro desejado, que seja capaz de envolver as pessoas em termos de razão,

emoção e ação” (2002:36).

A ideologia afirmativa e operante se manifesta como:


282

Um imaginário social convocante [que] deve ser um amálgama de componentes


racionais, emocionais e pragmáticos. O componente racional deve ser a resposta
inteligível, lógica e clara a uma situação ou problema real. O componente emocional
deve ser a capacidade de mexer com as pessoas no mais fundo de si mesmas,
despertando orgulho, desejo, auto-estima individual e coletiva, sentido de
pertencimento, confiança em si mesmas, uma nas outras e nas instituições. E,
finalmente, os componentes pragmáticos, ou seja, a definição clara e objetiva das
ações a serem realizadas, das tarefas que cada um deve cumprir em seu âmbito de
atuação, para que se alcance o objetivo comum (COSTA, 2002:37).

Nesse discurso percebemos como a visão sistêmica emerge como uma linguagem

adequada à operação ideológica, criando funções, separando papéis e organizando as ações

com vistas à reprodução das condições, do status quo.

Embora faça restrições quanto ao uso da retórica e do marketing (o próprio texto

excede no sentido exortativo e no uso de ilnguagem figurada) na construção da mobilização

convocatória, bem como aponte o necessário envolvimento de outros sub-sistemas sociais na

criação das condições necessárias – “a comunidade que decide” e a “que estuda”, a

formulação do autor não avança no questionamento e se esgota na mobilização convocatória,

que passa de meio a um fim em si mesmo. Nesse sentido, a ideologia não se revela apenas

afirmativa, mas contém um sentido capaz de acobertar relações de dominação conforme não

identifique a posição do sujeito que mobiliza e cria o imaginário social no campo das relações

sociais.

O uso metafórico da linguagem, a orientação exclusiva para a mobilização e a

ausência de questionamento quanto à origem da não-cooperação, apenas descrita como

cultura, são elementos que contribuem para a interpretação quanto à forma ideologizada com

que uma cultura de cooperação é proposta, entendendo o texto de COSTA (2002) como

tributário e convergente com o pensamento institucional da agência acerca da PE.

O argumento básico para a promoção de redes de cooperação interempresarial decorre

dos possíveis benefícios coletivos resultantes, estratégia conveniente para países em

desenvolvimento que precisam recuperar o hiato tecnológico e econômico, e para a PE, onde

a questão de escala é primordial. Tal conveniência, no entanto, cria um ambiente propício ao


283

desenvolvimento de intervenções sempre de cima para baixo, como se o problema fosse tão

somente a questão das condições subjetivas para o florescimento de redes cooperativas e

assim, automaticamente, os resultados benéficos desse processo surgiriam da mesma forma,

inexoráveis.

O aspecto metodológico (de sensibilização e governança) para implementação de

redes de cooperação, nesses casos, emerge como a condição determinante do sucesso dessas

redes. Além disso, a neutralidade (desinteresse) do agente incentivador/promotor do processo

aparece como o elemento capaz de gerar confiabilidade entre os participantes que, situados

em ambientes carentes de confiança, torna tal aparição, acrescida da competência técnica,

condição suficiente para o desenvolvimento do “capital social” necessário à configuração de

tais arranjos onde os ganhos são evidentes.

Quando nos referimos à natureza desigual institucionalizada nas relações entre capitais

de diferentes portes, ou seja, nas relações pequeno-grande, o fazemos a partir de uma analogia

com a dinâmica de subordinação e dependência que caracterizam um conjunto mais amplo de

relações sociais e econômicas de países subdesenvolvidos (FERNANDES, 1981) e, em

termos relacionais, conforme representam agentes em disputa por posições de poder num

campo determinado de relações (BOURDIEU, 1996:18).

A reprodução desse padrão de relações é encontrada também na afirmação feita por

Souza e Araújo (apud TAGLIASSUCHI, 1987:65) quando dizem que “[...] a problemática do

setor informal [e de pequenas empresas] é, com alguns aspectos novos, a ampliação do debate

mais global em busca de uma explicação para a miséria ou o subdesenvolvimento nos países

atrasados”.

O sentido com que determinadas práticas organizacionais, inscritas no que se chama

de “gestão flexível”, são institucionalizadas no capitalismo dependente e na ordem social


284

competitiva parcial pode ser percebido através de várias experiências de desenvolvimento

local.

Lima (2001) analisa as relações de trabalho desenvolvidas em cooperativas de

produção têxtil nordestinas, política de relocalização industrial experimentada como

alternativa competitiva através da redução dos custos com o trabalho. Nesse sentido, políticas

de descentralização industrial tornam-se ambivalentes quanto ao seu caráter social, se a

avaliação é feita num domínio maior que o regional/local. As cooperativas de produção

organizadas em parceria entre os governos estaduais do Nordeste brasileiro e empresas, de

setores produtivos como calçados e vestuário que se caracterizam pelo uso intenso de mão de

obra na fase de acabamento, se constituem no exemplo dessa ambigüidade, à medida que são

efetivamente operações de terceirização disfarçadas como iniciativa cooperada.

As cooperativas nordestinas, que são cooperativas de terceirização, são chamadas de


‘falsas cooperativas’, ‘cooperfraudes’ e coisas assim.[...] o fato é que tais
cooperativas constituem um bom negócio mais para as empresas do que para os
trabalhadores. [...] O debate jurídico sobre a natureza dessas cooperativas[...] aponta
em geral o caráter fraudulento do modelo (LIMA, 2001:415).

Este caso não retrata apenas um exemplo isolado ou relacionado a uma conjuntura

específica, mas, conforme tem no Estado o incentivador e subvencionador principal do

arranjo, evidencia a forma como as relações capital-trabalho se fundamentam ainda hoje,

quando a condição para a competitividade aparece cada vez mais atrelada ao estabelecimento

de relações mais eqüitativas, e o quadro institucional que decorre dessa fundamentação tem

sua expressão simbólica mais rematada no que se chama “custo Brasil”.

O que fica patente nessa situação, diante da incapacidade das estruturas empresarial e

política em romper com a condição de dependência econômica, é a falta de iniciativa à

transformação dessas relações diante da solidez com que práticas sociais arcaicas ainda se

reproduzem, porém sob capas denominadas “flexibilização”, “empregabilidade” ou “trabalho

autônomo e cooperativado”. Em relação ao pequeno, acreditamos que nada muda

substancialmente, quanto mais se sua contribuição puder ser codificada, ou seja, reproduzida
285

por outros agentes, como dizem os evolucionistas, ou noutra linguagem, quanto menos poder

o pequeno detenha nas relações que estabelece no sistema produtivo.

Souza e Araújo (1983:205) verificam que os vínculos derivados das relações de

subcontratação não desenvolvem os efeitos benéficos previstos na literatura, como garantia de

mercado e fluxo de mudanças tecnológicas da grande para a pequena empresa, senão sob uma

lógica de subordinação que “transferia para o grande estabelecimento parte significativa do

aumento de produtividade obtido” pela pequena empresa.

A pouca atenção dada pela agência à natureza assimétrica das relações entre pequenas

e grandes empresas, deixa-nos entrever seu caráter ideológico quando é identificada em

diferentes contextos (ACS et al, 2001) e é reiterada por especialistas contratados pelo próprio

Sebrae (ESPECIALISTA, 2004).

Estas relações de subordinação estão de tal forma estruturadas e institucionalizadas,

que se torna difícil, senão impossível, sua superação através dos mecanismos institucionais de

mercado, ditos competitivos, disponíveis. Tanto assim que os autores advogam a necessidade

de “criação e manutenção permanente de um conjunto de condições institucionais e

organizacionais que não permita uma subordinação do subcontratado” no grau evidenciado

pela pesquisa dos autores. Vão além dizendo que “uma ação governamental sem uma

ampliação, sob qualquer forma, do poder de barganha do subcontratado poderá simplesmente

significar uma ampliação e manutenção de relações perversas de trabalho, sob a tutela e

incentivo, agora, do próprio setor público”.

Sobre isso se manifesta o presidente da agência, por ocasião da publicação dos

resultados da pesquisa sobre a mortalidade da PE (MANFRINI, 2004b), dizendo:


286

Hoje elas (pequenas empresas) morrem por causa disso, pelo seu despreparo e pelo
ambiente muito hostil que as afetam”, no entanto, “o amparo virá com a Lei
Geral71 , que deverá prever simplificação tributária, redução de burocracia, regras de
crédito, de acesso à tecnologia e às compras governamentais de forma diferenciada.

No entanto, tais dispositivos compensatórios não se constituem por si próprios em

condições institucionalizadas, uma vez que não resultam na alteração do padrão de relações

sociais. Ou seja, não é possível descartar a idéia de que tais simplificações terminem por se

constituir em estratégias simbólicas que apenas buscam tirar o pequeno da informalidade,

situação evidentemente vexativa – ainda mais se puser em risco ou contingenciar projeto do

pequeno vir a “ser dono do próprio nariz”, para aumentar a base tributária, o que não é do

interesse exclusivo da PE72 .

A proposta em curso, feita por um ex-presidente do CDN da agência, de criação da

figura do “empreendedor pessoa física” (MIGNONE, 2004) é emblemática. A proposta é

apresentada como medida de “inclusão no campo econômico”, onde “o capital da pessoa seria

o próprio trabalho [e] o que sobrar é a renda sobre a qual ele pagará imposto. Com total

simplicidade e podendo gerar empregos”, diz o proponente.

A explicitação da estratégia é literal. A funcionalidade ao processo de acumulação é

subsumida por outras, de natureza prática, conforme promova uma série de facilidades para o

“capitalista trabalhador” ou vice-versa – parece não existir distinção – decorrente de sua saída

da informalidade, assim como para o sistema que passaria a contar com novos contribuintes.

No entanto, o que esta proposição funcional – sob o argumento da inclusão promotora

da cidadania – nos revela indiretamente, é mais uma manifestação do formalismo jurídico a

perpetrar a eternização de barreiras sociais à cidadania, trazendo à baila a existência de

71
Existe em curso a proposta de criação de uma Lei Geral das MPEs, que visa regulamentar o tratamento
diferenciado (compensatório) previsto constitucionalmente, na qual se prevê a simplificação e redução dos
tributos e contribuições que incidem sobre a PE, nos três níveis de governo, além de tratar da desburocratização,
do acesso ao crédito, às compras governamentais, às informações de mercado e à tecnologia.
72
O governo acaba de lançar um pacote tributário que reduz consideravelmente os impostos para microempresas
(geralmente informais) que faturam até trinta e seis mil reais por ano (GOVERNO, 2004) cuja finalidade é
conferir “cidadania empresarial” em troca de um aumento de receita tributária e de melhores condições de
competição para as empresas formais (que sonegariam menos conforme melhorassem as condições de
competição).
287

entraves históricos à democratização dos meios de produção, longe ainda de serem superados.

Reflexo das mudanças estruturais em curso, onde a manutenção dos mecanismos restritivos

do formalismo jurídico institucionalizado se torna cada dia mais insustentável, visa a

institucionalização eufemizada de outras relações sociais no marco do mesmo processo

acumulativo.

Independentemente da forma como viria a ser institucionalizada, tal proposta resultaria

em mais uma forma institucional que intenta a supressão das relações capital-trabalho, à

medida que a totalidade de relações sociais de produção se transforme em relações entre

capitais, cuja valorização dar-se-ia no marco do processo de desenvolvimento econômico.

As possibilidades desses diminutos “capitais” se reproduzirem capitalisticamente são

menores ainda, à medida que perdem a “competitividade” que a informalidade lhe conferia,

embora, do ponto de vista da luta de classes, tal instituto pode vir a representar uma alteração

significativa no atual quadro de forças.


288

5 - CONCLUSÕES

Neste trabalho apresentamos um conjunto de indícios da natureza ideológica da PE, na

forma como vem sendo institucionalizada pelo SEBRAE, especialmente a partir de sua

“Reinvenção”.

Entretanto, apenas a apresentação de evidências ideológicas não era suficiente, posto

que precisaríamos demonstrar o sentido mais geral da operação ideológica, seja para

identificar os interesses envolvidos, as estratégias utilizadas ou o sentido impresso à

consciência do pequeno.

Foi necessário, portanto, desenvolvermos um argumento que buscasse problematizar a

realidade vivida pela PE – estrutura e agente, o que acreditamos ter conseguido, à medida que

o nível institucional de análise permitia levantar um ângulo de abordagem do objeto PE capaz

de revelar mecanismos funcionais à reprodução sistêmica capitalista até então pouco

utilizados nesse campo temático.

Da mesma forma, cremos ter desenvolvido uma problematização acerca do objeto,

considerado em sua sócio-historicidade, capaz de articular os aspectos estruturais e dinâmicos

do desenvolvimento socioeconômico nacional às postulações competitivas com que a PE vem

sendo considerada na literatura.

A possibilidade de tratar a subordinação vislumbrada na abordagem do capitalismo

dependente como um traço invariante de nossa formação social e do padrão de relações

sociais, permitiu-nos associar a dependência estrutural do capitalismo brasileiro às relações

em que a PE se insere na dinâmica produtiva atual sob a capa de formas estratégicas das ações

empresariais. Nesse sentido, as evidências conclusivas de uma construção simbólica


289

ideologizada da PE como agente ativo do desenvolvimento, confirmaram e reforçaram a

propriedade metodológica da analogia intentada.

Consideramos proveitosa a definição da funcionalidade como categoria analítica

central, conquanto nos permitiu associar as dimensões econômico-produtiva e social ao

âmbito da operação ideológica possibilitada pelo poder instituinte das analogias naturais ou

extraordinárias e do pensamento sistêmico-funcional.

Da mesma forma, o valor da análise institucional se confirmou à medida que

possibilitou-nos uma visão longitudinal sob determinados aspectos que, fora dela

permaneceriam ocultos, como a natureza essencialmente prescritiva das ações, a necessidade

permanente de metodologias de implementação renovadas ou o despreparo institucionalizado

como natureza.

Para chegar à conclusão quanto à ideologização da PE, o trabalho precisou evidenciar

a contextualização social e o sentido significativo através dos quais a agência vai amparar sua

ação comunicativa e simbólica. Ou seja, ao atribuir à PE um protagonismo no processo de

desenvolvimento produtivo e socioeconômico do país, procurando instituir a PE como

estrutura produtiva dotada da capacidade intrínseca de geração de emprego e renda e como

lócus da atividade empreendedora, da cooperatividade e inovatividade.

Procuramos evidenciar outros aspectos que contextualizam sócio-historicamente a

ação da agência, consubstanciando seu caráter ideológico, como: a inobservância relativa à

historicidade das formas produtivas existentes e de suas inter-relações; a não consideração aos

aspectos originais e específicos que conformam nosso capitalismo – dependente e

subdesenvolvido, bem como a natureza da ordem social competitiva que se instaura no bojo

desse capitalismo e as conseqüências daí advindas sobre a organização da produção e relações

sociais de produção; a não evidenciação da funcionalidade econômica e política da PE à

reprodução sistêmica do capital e à legitimação do Estado neoliberal diante da “questão


290

social” do desemprego, respectivamente e; a abordagem enviesada adotada, ao pôr em relevo

a subjetividade da dimensão empresarial – atitude que encontra sua quintessência na tentativa

de institucionalização da PE como um sujeito, portador de um habitus orientador de sua

prática – em detrimento à objetividade estrutural econômica da pequena empresa.

Foi possível constatar, neste ínterim, que a agência adapta seu discurso conforme às

exigências da dinâmica reprodutiva capitalista, constituindo-se ela própria funcionalmente a

essa dinâmica.

A incapacidade questionar seus pressupostos quanto à natureza do pequeno e dos

exemplos que intenta emular, mesmo diante de evidências que apontam e colocam o

fenômeno na berlinda quanto a sua efetividade, estabilidade e natureza transformadora.

A adoção de uma visão culturalista que é concebida numa perspectiva interiorizada

racionalista e essencialmente individualizada que impede que se busque identificar as

condições que estruturam tal cultura.

Foi possível evidenciar que as práticas de mudança não vão além das ações dos

próprios agentes produtivos tidos como sujeitos, passando ao largo das esferas decisoras

fazendo com que o largo emprego da retórica discursiva e da exortação se constituam com um

fim em si mesmo.

O processo de mudança cultural não pode prever o que vai acontecer, ficam

encerrados na própria lógica à medida que atuam pelo lado da oferta, pressupondo primeiro

que o problema seja de natureza cultural e segundo que ofertada uma alternativa que se

mostra racionalmente mais atraente, seja também racionalmente adotada e com isso mude a

cultura, desenvolvam-se as novas institucionalidades.

A “dificuldade de agregação” de interesses ou de cooperação, para sermos mais atuais,

já é mencionada desde os anos oitenta nos relatórios do SEBRAE/BA. Significa que, de uma

maneira ou outra, são trinta anos de atuação segundo uma abordagem de “transformação de
291

atitudes” cujo “percurso é muito difícil” e sobre a qual “não se têm respostas” e “muito há

para se aprender nos próximos anos” (CAPORALI et al, 2003).

Um ponto de partida de nossas conclusões está em reconhecer que o objetivo principal

da agência consiste, primeiro, em desenvolver uma PE empreendedora, cooperativa e

inovativa, e segundo, em ampliar consideravelmente o universo de agentes a serem

incorporados por essa dinâmica produtiva. Para isso busca instituir essa PE competitiva

projetando-a como agente estratégico de desenvolvimento, protagonista de um processo de

transformação capaz de alterar os padrões de relações sociais vigentes e instaurar um novo

modelo de desenvolvimento mais igualitário e menos desigual no país, resultando,

concomitantemente, na solução dos problemas da PE.

Essa institucionalização baseada na mudança cultural e de comportamentos

individuais se utiliza crescentemente de estratégias de comunicação e de construção de formas

simbólicas onde a educação é o suporte principal dessa ação institucionalizadora.

Circunstâncias conjunturais específicas sinalizam as mudanças estratégicas que

orientam sua ação – o risco da própria sobrevivência, adoção de uma lógica de mercado na

sua política de ação, o desemprego crescente e os processos de reestruturação produtiva

exigidos – e passam a orientar tanto a potencialização de suas ações educativas quanto à

ampliação do universo de ação bem como o novo escopo da PE competitiva.

O discurso da agência se configura de forma complexa e a ideologia não se evidencia

em um sentido apenas. Se tomamos a ideologia em perspectiva pelos “silêncios de sua forma

operacional” podemos argüir em defesa de nossa hipótese, a persistência com que a agência

adota uma abordagem teórica do fenômeno que não coloca em tela os limites estruturais

impostos pela dinâmica de reprodução capitalista à ação da PE, evidenciada pela ausência de

questionamentos e análises dessa natureza realizadas pela agência, embora a perspectiva


292

analítica de alguns trabalhos feitos nos anos oitenta se orientasse por esse viés analítico73 . Ao

contrário, prefere tratá-lo a partir de uma perspectiva cultural, empenhando-se obstinadamente

a mudar o comportamento dos agentes, a despeito das dificuldades e dos insucessos

resultantes, opostos à natureza pragmática com que a agência se propõe a atuar.

Atitude volitiva que vai encontrar respaldo no funcionalismo parsoniano concebido

como “uma teoria voluntarista da ação” (MÜNCH, 1999), condizente com a concepção de

ideologia como um conjunto de crenças voltado para a ação, a partir da qual, de uma forma

geral, parece predominar a ideologização da PE. Ideologia afirmativa e operante, constituída

como um sistema simbólico de conhecimento e comunicação.

É nesse sentido que a agência vem buscando consolidar uma posição de especialista da

produção simbólica acerca da PE, opção estratégica que tem sua origem em dois momentos de

inflexão na sua trajetória, o primeiro quando passa à condição de serviço autônomo mais

vinculado à esfera dos interesses empresariais corporativos e, o segundo, mais específico, a

partir de sua “reinvenção” quando essa orientação se materializa como um objetivo

estratégico da agência.

Ao interpretarmos o discurso da agência, convém lembrar, conforme Eagleton

(1997:172), que buscamos ver a ideologia não tanto como um conjunto de discursos, mas “um

conjunto particular de efeitos dentro dos discursos”, ou seja, o que nos interessa ressaltar são

os efeitos que resultam, por exemplo, da institucionalização do despreparo universalizado do

pequeno em relação dialética com a inexorabilidade da capacitação e da tecnologia.

As diversas estratégias ideológicas contidas nas construções simbólicas dos discursos

se evidenciam como ideológicas quando examinadas em seu contexto discursivo, ou seja,

quem está falando o quê, com quem e com que finalidade.

73
Fundação (1980); Souza e Araújo (1982; 1983); Soares (1982).
293

Nesse sentido, a ideologia está contida na medida que ajuda a “legitimar uma ordem

social injusta” e a manutenção do status quo. Nesse caso não importa se as idéias e crenças

em questão são verdadeiras ou não, ou se são motivadas ou não de maneira fraudulenta ou

indigna. Mas o discurso geral também é ideológico conforme engendra uma “ilusão social em

massa” ao colocar no horizonte a transformação social a partir do pequeno empreendedor e, à

medida que represente uma visão de classe dominante, na qual atribui à PE uma função que,

necessariamente, a subalterne em termos da apropriação do excedente produzido, o

componente ideológico do discurso é de natureza genética.

Em relação aos elementos empíricos e reais que compõem o pensamento institucional

da PE, como sua mortalidade elevada, a não utilização de técnicas administrativas, a falta de

atributos gerenciais e, inclusive, os “cases de sucesso”, o que importa é perceber a forma

como são introduzidos nos discursos, não por seu próprio valor, mas como suporte para uma

visão global de mundo do próprio discurso. Ou seja, “as verdades empíricas são organizadas

como componentes de uma retórica global”, que pode, portanto, deixar de funcionar como

verdade se a retórica exigir. Isso explica porque as alegadas negatividades da PE deixam de

ser importantes ou consideradas à medida que os agentes incorporam o novo habitus

competitivo. Nesse caso, a ideologia assume a forma de uma “complexa rede de elementos

empíricos e normativos, dentro do qual a natureza e organização dos primeiros é, em última

análise, determinada pelos requisitos destes últimos” (EAGLETON, 1997:33).

Isto significa que a nossa crítica é direcionada à pretensão da agência em tornar a PE

protagonista de uma transformação social e que tal movimento pode ter uma amplitude

sistêmica. A segunda crítica é dirigida à avaliação que aponta a falta de uma cultura

empreendedora e cooperativa como fator que impossibilita tal pretensão. Tais pretensão e

avaliação não decorrem de uma análise, mas surgem como efeitos discursivos concretos

inscritos no conjunto de enunciações da agência. Nesse caso, a ideologia identificada pelo


294

trabalho de interpretação realizado revela-se à medida que esse conjunto de enunciações

relaciona-se às condições de possibilidade de reprodução de uma forma de vida social.

Sobre as diferentes formas de manifestação da ideologia, seus efeitos e funções,

percebemo-la como um emaranhado complexo de enunciações interdependentes que se

apóiam e se justificam numa dinâmica que se aproxima do conceito de “ideologia operativa”

de Selinger (apud EAGLETON, 1997:53), onde em uma formação ideológica encontram-se

processos de acordos, ajustes e permutas entre uma visão de mundo e elementos prescritivos

mais concretos, mesclando crenças e descrenças, normas morais, evidências fatuais e

prescrições técnicas, com o objetivo de assegurar a ação combinada pela preservação de uma

determinada ordem social.

Assim, o uso inadequado de modelos, no caso da apologia ao modelo italiano feita por

um ex-presidente da agência, oculta um propósito racionalizador à medida que busca

organizar numa determinada e exclusiva direção o pensamento acerca do fenômeno e de sua

replicação. O mesmo acontece ao percebermos o sentido implícito na construção da trajetória

da PE, de sua situação arcaica ou neonata à sobrevivência bem sucedida, como uma seqüência

de fases às quais são aplicados um conjunto de procedimentos, técnicas e atitudes.

O fato da ação do Sebrae ser dirigida para o pequeno e não pelo pequeno, não apenas

os colocam em posições sociais diferentes, mas obriga a agência a, permanentemente, buscar

legitimar sua ação. É nesse sentido que o “espírito empreendedor” associado à idéia de auto

realização do pequeno como um direito garantido é postulado como universal e eterno. Da

mesma forma acontece com idéia pacífica e harmoniosa constante da integração às cadeias

produtivas onde cada um cumpre sua função e no final, ganhamos todos.

A naturalização da mortalidade e da incapacidade técnica do pequeno talvez seja a

forma mais ideologizada da PE. Para algo ser ideológico não é necessário que seja falso em si.

A mortalidade alta e a falta de capacitação não envolvem falsidades, todavia são ideológicos
295

conforme o uso que é feito dessas realidades servem para reforçar seu próprio poder e

envolvem relações de dominação. Por outro lado, declarar que esta mortalidade decorre da

falta de capacitação, inferindo daí que, se fosse capacitada, se houvesse recorrido ao apoio ou

levado em conta o conhecimento oferecido pela agência não morreria, envolve uma distorção

e mistificação da realidade. Nesse caso, a ideologia se manifesta como uma “contradição

performativa” (TURNER apud EAGLETON, 1997:35) onde a verdade do enunciado não

encontra correspondência na sua negação, ou seja, na situação real da questão. A ideologia

como “contradição performativa” também se evidencia na forma como os fatores de

mortalidade são comunicados e na alegação de que o recurso ao SEBRAE implicaria na

sobrevivência da PE. Nesses casos a ideologia se manifesta no nível epistêmico, mas são, ao

mesmo tempo, funcionais para a manutenção do poder da agência em dizer ou nominar

(EAGLETON, 1997:35).

Embora a idéia do despreparo tenha uma origem abstrata, tal constructo é

racionalmente objetivado e as possibilidades para sua superação são propostas ao nível das

subjetividades individuais, dada sua natureza “genética”. O despreparo como instituição do

pequeno, expressão da violência simbólica da agência e princípio legítimo de dominação,

funciona impedindo a ação objetiva do pequeno, como se fosse uma barreira cognitiva quanto

às possibilidades do pequeno. Tal situação leva à “vitimização do pequeno”, como ideologia

funcional aos interesses dominantes.

Aquilo que denominamos de funcionalidade reconhecível, embora seja do interesse

dominante, não pode ser admitido como ideológico, conquanto não se trata de iludir sobre

algo. No entanto, a funcionalidade ocultada é ideológica, especialmente se calcada no

estabelecimento de relações assimétricas que, se reveladas, poriam em risco o projeto de

dominação e a estabilidade da ordem social estabelecida, viabilizando, por exemplo, a

organização dos interesses subalternos. A incitação ao empreendedorismo forjada


296

funcionalmente no sentido do fomento ao consumo, como no caso da oferta casuística de

microcrédito ou no sentido de reduzir os custos do trabalho formal e, em geral, os custos de

controle da produção, como acontece nas “cooperfraudes”, são exemplos que podem ilustrar a

necessidade de ocultação ideológica.

O renovado e permanente interesse em avaliar os resultados finalísticos da ação da

agência ou a preocupação com a mortalidade muito mais alta que a de outros países ou ainda

a declaração de que a “pesquisa realizada” permitirá equacionar melhor forma de reduzir a

mortalidade, e também as declarações envidando esforços no sentido de regulamentar o

tratamento diferenciado para os desiguais, são ideológicos à medida que envolve alguma

falsidade necessária para que as pessoas acreditem que algo está sendo feito e/ou que vai ser

corrigido ou mesmo que são inevitáveis como a mortalidade em si. Nesse sentido a inculcação

da crença na ação “em favor de” faz parte da função da ideologia dominante.

Embora tenhamos evidenciado um conjunto de estratégias de construção simbólica

cuja utilização pressupõe uma perspectiva de dominação – na constituição e na manutenção

do poder simbólico da agência – outras concepções ideológicas mais neutras também operam,

mostrando como esse processo de institucionalização da PE enfeixa diversas concepções ou

visões ideológicas. No entanto, o que importa salientar é a natureza funcional auxiliar que tais

ideologias neutras assumem na operação e afirmação ideológicas da PE competitiva, o que

explica, possivelmente, o fato da agência não buscar consolidar uma linguagem que expresse

uma “ideologia oficial” da PE.

O problema não está na ideologia “empreendedorista”, no sentido mais neutro ou

segundo uma abordagem mais substantiva em si mesmo, mas à medida que tal ideologia

torna-se funcional à reprodução sistêmica do capital e o ocultamento dessa funcionalidade

confere à ideologia um caráter não mais neutro, e sim forte ou negativo.


297

Nesse sentido, evidências como o crescimento de “empresas sem empregados” e as

“cooperfraudes” e propostas como a criação do “empreendedor pessoa física” e de

formalização da PE como forma de reduzir a carga tributária das empresas estabelecidas,

deixam claro que o que está em jogo não é a PE em si, ou o que possa acontecer com uma ou

qualquer PE, mas a PE funcional a uma lógica reprodutiva específica que precisa rearticular-

se aos novos determinantes competitivos postos pelo capitalismo global, ou então uma PE que

legitime a questão do desemprego.

Dessa forma, mais uma vez, a capacidade competitiva que dependia do baixo custo da

mão de obra agora depende da capacidade de desintegrar para depois reintegrar fases ou

etapas das cadeias produtivas transferindo custos e riscos para terceiros ou subcontratados

devidamente capacitados tecnicamente e impossibilitados de reflexão enquanto

ideologicamente alçados a sujeitos da ação. Repete-se sob nova forma a dupla articulação

dependente presente desde a formação original de nosso desenvolvimento capitalista.

No entanto, para que esta competitividade disponha de um horizonte de realização,

uma certa estabilidade é requerida. Para isso, a ação integradora da agência vai instituir ou

ideologizar a competitividade da PE, da fé “empreendedorista” universalizada à

cooperatividade racionalizada, do despreparo racionalizado à naturalização da mortalidade.

A ideologia assume um papel central para a integração funcional, à medida que a

universalidade, a racionalidade, a logicidade, a harmonia e a voluntariedade da ação que o

constructo funcional-sistêmico pressupõe apenas são possíveis à medida que ignoram o

conflito e impedem o desvelamento das contradições. Nesse sentido, a transformação cultural

intentada é funcional, independentemente das possibilidades de vir a acontecer.

Diante do quadro que resulta dessa análise, a PE competitiva mostra-se improvável de

ocorrer com a intensidade propugnada pela agência, bem como de se constituir

qualitativamente como agente ativo da transformação alardeada.


298

Enfim, o trabalho buscou levantar a crítica e mostrar uma forma possível de

abordagem da PE com o intuito de contribuir para maior efetividade às suas ações de apoio e

fomento. Sua orientação metodológica teve como preocupação, ao recolher partes de um

discurso e interpretá-los num contexto sócio-histórico problematizado, revelar indícios

suficientes quanto à ideologização da PE, evidenciando as dificuldades com que a agência se

depara ao definir critérios para as ações de promoção e apoio que desenvolve. O impacto

econômico decorrente da elevada mortalidade e seus efeitos, mensurados pela agência

(FATORES, 2004), justificam nossa preocupação e o escopo deste trabalho.

Conforme Eagleton (1997), o estudo da ideologia é um exame das formas pelas quais

as pessoas podem chegar a investir em sua própria infelicidade. No entanto, supondo que

ninguém jamais está inteiramente iludido, a crítica da ideologia, ou a “reinterpretação da

doxa” segundo a terminologia bourdieusiana, torna possível àqueles sob opressão, alimentar

as esperanças e desejos que só poderiam ser realizados, de maneira realista, pela

transformação de suas condições materiais.

Se o trabalho pode apontar para algum desdobramento seria o de desenvolver a

discussão em torno das diferentes formas de ideologização da PE no sentido de buscar

transformar essas formas de consciência, urdidas com “a tenacidade e a penetração das

ideologias dominantes” que as permite “fazer acontecer”, como declara o bordão da

“reinvenção”, pois, como bem diz Eagleton (1997:195), “se uma teoria da ideologia tem

algum valor, este consiste em auxiliar no esclarecimento dos processos pelos quais pode ser

efetuada praticamente tal libertação diante de crenças letais”.


299

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