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Publicação: 09/2005
Revisão: 06/2012
Marcelo Guterman1
Terça-feira, 19 de fevereiro de 2002. A diretoria da Keep Cool Asset Management (KCAM) está
reunida há mais de três horas, estudando a Circular 3.086, emitida pelo Banco Central na sexta-
-feira anterior e modificada na segunda-feira seguinte (anexo 1), e discutindo o que fazer com os
fundos DI administrados pela empresa.
O mercado vem se deteriorando aos poucos, permeado pelo pessimismo em relação às reais
chances do candidato da situação nas eleições presidenciais desse ano (figura 1). Além disso, a
situação externa também não ajuda, ainda navegando na incerteza dos ataques terroristas em
Nova York em setembro do ano anterior.
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Este caso foi desenvolvido pelo professor Marcelo Guterman, com base em dados públicos. Keep Cool Asset
Management e Sleep Tight Asset Management são nomes fantasia de duas empresas reais de administração de recursos.
Os nomes dos profissionais envolvidos são fictícios. O caso é somente para fins de discussão em sala de aula: não se
propõe julgar a eficácia ou a ineficácia gerencial, nem tampouco deve servir como fonte de dados primários.
Aproximadamente 50% da carteira dos fundos DI da instituição era formada pelo que se
convencionou chamar de “pacotes cambiais”, operações de NTN-Ds com swap para DI (tabela
1a). Estava aí a saída, comemorou Silas Alvarado, o diretor de vendas, muito preocupado com o
impacto que a marcação a mercado poderia ter sobre a performance dos fundos DI. O ponto
central da questão era que esses pacotes, adquiridos da tesouraria do banco desde 101% até
110% do CDI2, tinham sido leiloados no dia anterior pelo Banco Central a uma taxa equivalente
a 115% do CDI3. A BM&F já havia chamado margem adicional como garantia aos swaps para
DI’s ali registrados 4 . A saída, comemorada por Silas, era continuar contabilizando esses
“pacotes” pelo seu preço pactuado, e não pelo valor de mercado.
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Além disso, completou Silas, os resgates dos fundos estavam, por ora, restritos aos grandes
investidores. Ele tinha receio que um aumento da volatilidade pudesse gerar pânico entre os
pequenos investidores, causando uma fuga em massa desse tipo de investimento. Do alto de
seus 20 anos de experiência no mercado financeiro, não era a primeira vez que via uma crise
ameaçar o seu bônus anual e não estava disposto a reviver essa experiência.
Gliter voltou à carga, lembrando que os resgates estavam sendo pagos com a venda dos
títulos mais curtos, que tinham mais liquidez. Assim, o perfil da carteira ia se alongando aos
poucos. Além disso, a cada venda de títulos, a diferença entre o preço de venda (menor) e o
preço contabilizado na carteira (maior) entrava como prejuízo na carteira, fazendo com que a
rentabilidade do fundo sofresse, e aumentando a probabilidade de resgates posteriores.
O diretor de investimentos, João Malaquias, calado até aquele momento, tratou de colocar
alguns panos quentes, ainda que reconhecesse a gravidade da situação. Tinha a informação de
que os “pacotes cambiais” já estavam sendo negociados a 111% do CDI 6 , em resposta à
introdução do artigo 5o, sobre a contabilização de hedge. Além disso, acreditava que o Banco
Central não continuaria com essa postura rígida em relação à marcação a mercado, mesmo
porque precisaria rolar cerca de US$ 4 bilhões ao mês em títulos cambiais a partir de abril7. Com
relação à situação econômica em si, acreditava que esse ano não fosse diferente dos anteriores,
com Lula começando na frente nas pesquisas, para perder fôlego na medida em que a campanha
avança.
Terça-feira, 19 de fevereiro de 2002. A diretoria da Sleep Tight Asset Management (STAM) está
reunida para analisar a mesma Circular 3.086. Ainda que menos tensa que a reunião de sua
congênere situada do outro lado da avenida, também algumas decisões estavam sobre a mesa.
A STAM já adotava critérios de marcação a mercado para todos os seus ativos. A diretora
jurídica, Marilia Lombardo, lembrou que a obrigatoriedade do critério de marcação a mercado já
estava determinada por lei desde 1996, quando o Banco Central regulamentou o funcionamento
dos Fundos de Investimento Financeiro (FIF), por meio do Regulamento Anexo à Circular 2.616.
Em seu artigo 17, o Regulamento diz, textualmente:
“As quotas do fundo devem ter seu valor calculado diariamente, com base em
avaliação patrimonial que considere o valor de mercado dos ativos financeiros
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Até por isso, a participação dos chamados “pacotes cambiais” em seus fundos DI era
relativamente menor que a média do mercado, uma das razões pelas quais sua rentabilidade
estava perdendo terreno em relação à concorrência. Em fevereiro, o fundo DI da STAM estava
rendendo 98,5% do CDI até o dia 18, contra 101,7% do CDI do fundo da KCAM no mesmo
período. Além disso, a marcação fazia com que o fundo DI da STAM fosse muito mais volátil
que o de seu concorrente (figura 2).
Oswaldo Cetip, o diretor de vendas, viu na Circular 3.086 a oportunidade para recuperar o
terreno perdido. Sempre foi voto vencido na tentativa de adequar os procedimentos da STAM
ao de seus principais concorrentes. E, por isso, vinha sofrendo grandes pressões da força de
vendas, que não tinha à disposição um produto competitivo. Agora, afinal, não marcar a
mercado, pelo menos até o dia 30 de junho, estava dentro da lei.
Regina Almeida, a compliance officer, não podia acreditar no que estava ouvindo. Justamente
agora que o mercado seria obrigado a caminhar na direção das práticas adotadas pela STAM,
não podiam abandoná-las. Era uma questão de respeito aos investidores, dizia, sem o que seria
impossível evitar a transferência de riqueza entre cotistas.
Por outro lado, Marcos Del Zim, o diretor de investimentos, informou que havia conversado
com alguns concorrentes no mercado, e todos ainda estavam estudando a implementação do
disposto na Circular 3.086. Não havia consenso a respeito, mas sentiu que a tendência era de que
a implementação não seria imediata.
Há basicamente duas formas de contabilização dos ativos em carteiras ou fundos: pela curva
do papel ou pelo seu valor de mercado. Na primeira, os títulos são contabilizados pelo seu valor
de aquisição, acrescentado dos rendimentos pactuados no momento da aquisição do título. Na
segunda, os títulos são contabilizados pelo valor com que seriam negociados no mercado. A este
segundo método chamamos Marcação a Mercado, ou Mark to Market (MTM). Esse método é
especialmente recomendável para fundos de investimento, pelos motivos que veremos adiante.
8 Art. 14: Entende-se por patrimônio líquido do fundo a soma algébrica do disponível com o valor da carteira, mais os
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O que é um fundo DI
A crise da Marcação a Mercado atingiu fundos de todos os tipos, mas de maneira especial os
fundos DI. Não porque sejam fundos mais arriscados, mas justamente pelo contrário: por serem
os fundos mais conservadores, considerados o “porto seguro” da indústria, foi simplesmente
chocante para a maioria dos investidores descobrirem que os fundos DI não eram como a
Caderneta de Poupança.
Segundo o Banco Central, que era o órgão regulador na época para esse tipo de fundo, o
fundo referenciado DI deveria seguir os seguintes três critérios para ser assim classificado:
Essa definição do Banco Central para fundos referenciados foi a única mantida pela CVM,
quando da definição das categorias de fundos em sua legislação.
Apesar de serem considerados o “porto seguro”, essa definição deixa à mostra algumas
fragilidades desse tipo de fundo. As principais são as seguintes:
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Ao exigir que 95% das operações estejam atreladas ao CDI ou à SELIC, a legislação deixa
à discrição do gestor o que fazer com os restantes 5%. Em tese, o fundo poderia utilizar
esses 5% até para comprar ações.
Da mesma forma, os 20% do patrimônio que não estão vinculados a títulos com baixo
risco de crédito, podem ser investidos em títulos de qualquer emissor, trazendo um risco
de crédito incompatível com o propósito do fundo. A própria definição de “baixo risco
de crédito” não é pacífica na indústria.
No entanto, a crise da Marcação a Mercado não teve sua origem em nenhuma das
fragilidades apontadas acima, mas sim, na própria natureza dos títulos indexados ao CDI.
A rentabilidade dos títulos pós-fixados é atrelada a um determinado índice. Além disso, esses
títulos pagam uma determinada taxa prefixada. Por exemplo, um título cambial paga a variação
do câmbio (índice) mais uma taxa prefixada (exemplo: 4% ao ano).
No caso dos títulos atrelados à taxa do CDI ou à SELIC, o mecanismo é o mesmo: esses títulos
rendem a taxa CDI ou SELIC e mais uma taxa prefixada. Essa taxa é chamada de spread, que
pode aumentar ou diminuir, fazendo com que o valor presente do título diminua ou aumente,
respectivamente. Quanto mais longo o vencimento do título, mais intenso é esse efeito. O
mesmo raciocínio vale para estruturas formadas por títulos e derivativos, cuja rentabilidade em
conjunto esteja atrelada ao CDI ou à SELIC.
Podemos observar, na tabela 2, a deterioração observada nos spreads das LFT’s de diversos
prazos de vencimento durante o mês de fevereiro de 2002. Essa desvalorização deveria estar
refletida nos valores das cotas dos fundos DI que adotassem a marcação a mercado.
Os “pacotes cambiais”
O Banco Central vinha, desde o final do ano anterior, tendo dificuldade para colocar seus
títulos. As taxas pedidas pelas tesourarias dos bancos vinham subindo, em função do risco
percebido pelo mercado. Além disso, a procura por hedge cambial vinha aumentando
dramaticamente.
Por outro lado, fundos de investimento são compradores cativos dos títulos do governo. Com
um caixa pronto para investir, os fundos não têm saída a não ser comprar o que está disponível
no mercado. Como a oferta de títulos privados é muito estreita, restam os títulos públicos como
lastro para esses fundos.
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Com esse cenário em mente, podemos entender o porquê dos chamados “pacotes cambiais”
ocuparem uma parte significativa das carteiras dos fundos DI do mercado. Um “pacote cambial”
é uma NTN-D (título atrelado ao dólar) combinada com um swap para DI. Dessa forma, apesar
do nome, o “pacote cambial” tem rentabilidade atrelada à taxa do CDI. A operação funcionava
da seguinte forma: o Banco Central fazia leilões de NTN-D. Dessa forma, atendia a necessidade
de hedge cambial por parte das tesourarias e clientes dos bancos. Às tesourarias, por outro lado,
não interessava o título – dado que o risco de crédito era percebido como alto – mas apenas o
hedge cambial. A próxima fase da operação seria repassar as NTN-Ds para os fundos de
investimento, com um swap para DI. Assim, as tesourarias ficavam com a ponta do dólar (hedge
cambial), enquanto os fundos ficavam com a ponta do DI. Se o câmbio se desvalorizasse, os
fundos perderiam com o swap, mas ganhariam com as NTN-Ds, de modo a garantir uma
rentabilidade próxima ao DI. Veja uma representação esquemática dessa operação na figura 3.
Essa operação era muito rentável para os fundos de investimento e para as tesourarias. O
risco maior era a sua baixíssima liquidez.
Como visto no item anterior, no mínimo 95% dos recursos dos fundos DI devem estar
aplicados em títulos ou operações cuja rentabilidade final seja atrelada à variação do CDI ou da
SELIC. A seguir, uma breve descrição das operações que mais comumente eram encontradas
nesse tipo de fundo:
LFT: as Letras Financeiras do Tesouro são títulos emitidos pelo Tesouro Nacional e sua
remuneração é indexada à taxa SELIC.
O gestor do fundo DI, além de tomar decisões em relação ao prazo dos títulos que fazem
parte da carteira, também decide qual o mix de operações entre as modalidades vistas acima.
Cada uma dessas operações têm características próprias e envolvem riscos diferentes.
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O maior risco desse tipo de operação é função da sua maior virtude: pelo fato de vencer todos os
dias, o gestor deve renovar essas operações todos os dias. No limite, uma carteira aplicada
somente em operações compromissadas precisaria ir ao mercado todos os dias para buscar
tomadores para os seus recursos. É o chamado risco de reinvestimento.
As LFT’s, por outro lado, possuem vencimento mais longo. Portanto, o risco de
reinvestimento é bem menor do que nas operações compromissadas. Por outro lado, o seu risco
de mercado é maior. As LFT’s são negociadas com um ágio ou deságio (spread) em relação ao
seu valor ao par. Assim, sempre que o ágio aumenta ou diminui, o valor da LFT varia. A
liquidez desse tipo de título é razoavelmente alta.
Por fim, os títulos com outros indexadores ou prefixados, conjugados com derivativos, são
operações que, via de regra, apresentam rentabilidade superior. Sua liquidez, no entanto, pode
ser bastante limitada, principalmente quando são operacionalizadas com swap. Sendo um
contrato de balcão, normalmente não se consegue desfazer o swap até o seu vencimento, sendo
necessário realizar outro swap inverso, se a intenção for desfazer a operação.
Podemos dividir o mercado brasileiro de asset management em dois grupos: gestores ligados a
conglomerados financeiros e gestores independentes. O primeiro grupo domina a indústria
(tabela 3). Sleep Tight e Keep Cool pertencem ao primeiro grupo. Os organogramas das duas
empresas preveem a existência da função do Compliance Officer (figuras 4a e 4b).
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Outra posição fundamental é a de risk officer, que geralmente é o responsável, entre outras
funções, por desenvolver os modelos de apreçamento dos ativos. É também importante que esse
profissional tenha reporte independente.
Sem hora para terminar, as discussões avançam na STAM e na KCAM. Os possíveis cursos de
ação são definidos e os prós e contras são estudados. Cada uma das duas empresas enfrenta
problemas distintos, cada um complexo à sua maneira.
Os profissionais ali presentes talvez não desconfiem, mas seus empregos podem depender
das decisões que eles, e seus colegas em outras empresas de asset management, estão tomando
neste momento.
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D E C I D I U:
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I - na data da operação:
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a) política de utilização;
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Obs.: Retransmitida em razão de alterações nos artigos 5º e 12.
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Vencimento
Dia 2 anos 3 anos 4 anos 5 anos
1/2/2002 0,26% 0,32% 0,36% 0,43%
1/2/2002 0,26% 0,32% 0,36% 0,43%
1/2/2002 0,26% 0,32% 0,38% 0,44%
1/2/2002 0,26% 0,32% 0,40% 0,44%
1/2/2002 0,26% 0,33% 0,41% 0,45%
1/2/2002 0,27% 0,35% 0,41% 0,46%
1/2/2002 0,32% 0,35% 0,42% 0,46%
1/2/2002 0,32% 0,36% 0,42% 0,46%
1/2/2002 0,33% 0,36% 0,43% 0,45%
1/2/2002 0,33% 0,37% 0,43% 0,45%
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30
set/01
nov/01
25
jan/02
20
15
10
0
Lula Roseana Ciro Garotinho Serra Enéas Indecisos
50
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jan/02
40
35
30
25
20
15
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Retornos Diários
DTAM
120% KCAM
115%
Retornos (% do CDI)
110%
105%
100%
95%
90%
ago/01 set/01 out/01 nov/01 dez/01 jan/02 fev/02
Fonte: ANBID.
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g a ag I
pa p D
-D
o ria ar-
dó a
TN
lar
nd r a ó l
N
Fu sou D
Te ap
Sw
Fundo de
Investimento
-
Fundo recebe dólar da NTN-D
Fundo paga dólar do SWAP
Fundo recebe DI do SWAP
Exposição final do fundo: DI
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Conselho de
Administração
Presidente do
Banco Keep Cool
Compliance
Officer
Presidente
Da KCAM
Diretor
Controler
Jurídico
Risk
Officer
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