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CURSO DE FILOSOFIA
FORTALEZA
2017
INTRODUÇÃO
2 A ARTE NA ATUALIDADE
“Não é suficiente dizer, a este respeito, que a arte está ameaçada pelos
poderes do Estado. Se isto fosse verdade, o problema seria simples: o
artista lutaria ou cederia. A partir do momento em que se percebe que o
combate reside dentro do próprio artista, o problema se torna mais
complexo, e também mais mortal. O atual ódio pela arte, do qual nossa
sociedade oferece tão belos exemplos, é eficaz porque é mantido pelos
próprios artistas. A dúvida dos artistas que nos precederam estava ligada ao
seu talento pessoal. A dos artistas de hoje está ligada à necessidade da sua
arte, portanto, da sua própria existência.” (CAMUS, A. Discours de Suède
– pag 3)
“Desde então, não é surpresa que essa sociedade não tenha solicitado
que a arte fosse um instrumento de liberação, mas um exercício de
simples divertimento. Assim, por dezenas de anos foi satisfeito todo um
belo mundo no qual as dores são principalmente as dores relacionadas ao
dinheiro e as preocupações são unicamente as do coração. A prova disso
está nos romances mundanos e na arte mais fútil possível, da qual Oscar
Wilde, pensando nele mesmo antes de conhecer a prisão, dizia que o
maior de todos os vícios era o de ser superficial.” (DS – pag 5)
“Na maior parte dos casos, o artista tem vergonha de si mesmo e de seus
privilégios, se é que ele os possui. Antes de qualquer coisa, deve responder
à questão dirigida a si mesmo: a arte é um luxo enganoso? A primeira
resposta honesta é a seguinte: de fato, a arte é um luxo enganoso. Perante
tanto mistério, se esta arte deseja continuar sendo um luxo, ela deve aceitar
ser também uma mentira” (DS – pag 4)
A revolta funciona como uma lente para o artista. Sem a revolta, o artista não
conseguirá passar o plano do individual. Seus sentimentos serão expostos, mas não
compartilhados. A opacidade da realidade e a densidade histórica dos tempos atuais
promovem uma difícil tarefa para o artista. Não cair na reclusão, não se esconder do
mundo e não tornar sua arte apenas particular. A solução está em saber mensurar a
realidade, em saber de uma forma singular transformar determinado assunto em
universal.
A pichação é uma arte quase que exclusiva das periferias das cidades. É a
experiência da pobreza que leva os pichadores a almejarem um local para pichar.
Pode ser considerada a arte dos limites, pois em muitas situações os pichadores
correm o risco de vida para conseguirem deixar sua marca. Vários já morreram para
consegui-lo. Nesse momento, para os pichadores, a arte vale mais que a própria
vida, a qual eles diariamente colocam em perigo. Segundo o artista Adriano Choque,
em entrevista concedida no documentário “Pixo”, são três os motivos que levam um
artista a pichar: primeiro, o fato de o cidadão pobre estar sempre calado e sem
direito a expressão faz com que ele se manifeste através da pichação; segundo
porque é o ego do artista que está em jogo, ele se diverte e se populariza através do
picho, uma maneira de ser respeitado; e terceiro, porque quer denunciar que a
realidade é de exclusão e marginalidade, quando na verdade a cidade é composta
por todas as classes.
Portanto, querer calar essa voz é querer acabar com as periferias, com a
pobreza e com a injustiça. Pode-se observar isso na fala de Binho Ribeiro, grafiteiro,
à revista Carta Capital: “Como você vai abrir diálogo com quem está revoltado? Fica
difícil resgatar um jovem gerando tanto ódio ao poder público. Precisa de inclusão,
não de marginalização”
Figura 2
CONCLUSÃO
O elemento crucial para que a arte não se perca em objetos que só possuem
valor para a própria arte é a revolta. É através da revolta que o artista consegue
enxergar aquele sentimento em si que é pertencente aos outros, que é comum aos
homens de seu tempo. O que geralmente provoca a revolta é a experiência da
pobreza junto da experiência da natureza. Ambos mostram o absurdo histórico
metafísico da existência do homem. Mostram sua fragilidade, sua busca por se
eternizar. A pichação tem em sua gênese todos esses elementos, por isso pode ser
considerada genuinamente uma arte, produzida e vivida por artistas revoltados.
“A primeira e única evidência que assim me é dada, no âmbito da
experiência absurda, é a revolta. Privado de qualquer conhecimento,
impelido a matar ou consentir que se mate, só disponho desta evidência,
que é reforçada pelo dilaceramento em que me encontro” (HR - pag 418)
“A revolta clama, exige, ela quer que o escândalo termine e que se fixe
finalmente aquilo que até então se escrevia sem trégua sobre o mar. Sua
preocupação é transformar. Mas transformar é agir, amanhã, será matar,
enquanto ela não sabe ainda se matar é legítimo (...) É preciso que ela
consinta em examinar-se para aprender a conduzir-se” (HR – pag 419)
REFERÊNCIAS
CAMUS, A. Discours de Suède: L’artiste et son temps. Tradução de Lidia Rogatto.
26.ed. Paris: Gallimard, 1958.
CAMUS, A. O Estrangeiro . São Paulo. Victor Civita, 1982.
CAMUS, A. O Homem Revoltado. Record, 1993.
INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA – IBGE. Acesso à
internet e à televisão e posse de telefone móvel celular para uso pessoal. Rio
de Janeiro, 2016. ISBN: 9788524043758
JANKOWSKI, A. A pixação não é arte...e não é para ser. São Paulo, 17 jan. 2017.
Disponível em: < http://paragrafo2.com.br/2017/01/19/a-pixacao-nao-e-arte-e-nao-e-
para-ser/>. Acesso em: 28 jan. 2017.
MATUOKA, I. Na repressão de Doria contra a arte de rua, alvo é a juventude
periférica. Carta Capital. São Paulo, 28 jan. 2017. Disponível em: <
http://www.cartacapital.com.br/sociedade/na-repressao-de-doria-contra-arte-de-rua-
alvo-e-a-juventude-periferica>. Acesso em: 28 jan. 2017.
PIXO. Documentário de João Wainer e Roberto Oliveira. São Paulo, 2009.
Disponível em < https://vimeo.com/29691112>. Acesso em: 28 jan. 2017.