Escolar Documentos
Profissional Documentos
Cultura Documentos
Aline Alves e filha Yasmin, que tem autismo LEO MARTINS / AGÊNCIA O GLOBO
RIO- Páginas em branco em um caderno talvez lembrem a alegria de um novo começo em
algum canto por aí. Mas, no caso de Aline Alves, as pautas limpas no material escolar de
Yasmin, de 6 anos, minaram dia após dia a esperança de ver a filha autista desenvolver sua
capacidade de aprendizado. A ausência das primeiras lições nas folhas de Miguel, de 7
anos, diagnosticado com síndrome de Asperger, também foi o estalar de dedos que
despertou a mãe Ana Kelly Oliveira para uma realidade triste: a falta de inclusão das
crianças com algum tipo de deficiência nas escolas do país.
— Não tem nada no livro, no caderno, do jeito que vai volta dentro da bolsa. Nem no lápis
ela pega. Pode ser que ela não consiga? Sim. Mas se ela não for estimulada, não
conseguirá mesmo. Eu vejo que ela tem condições de aprender. É muita tristeza, me sinto
incapaz — conta Aline enquanto seca algumas lágrimas.
— Se ela fizer alguma necessidade na fralda, eles me ligam para ir lá trocar, se eu não for
ela fica molhada. Eu fico pensando: será que isso é normal? Esses dias estava no banco e
fui às pressas de mototáxi para trocá-la, quando cheguei ela estava toda encharcada
sentada na carteira. Nem a fralda tiraram — conta Aline.
LEGISLAÇÃO DESCUMPRIDA
Casos como o de Yasmin se multiplicam pelo país. A inclusão feita aos trancos e barrancos
resulta em um índice irrisório de alunos com deficiência nas salas de aulas. Uma pesquisa
inédita feita pelo Instituto Unibanco, com dados do Censo Escolar 2015, revelou que no
primeiro segmento do ensino fundamental os estudantes com necessidades especiais
correspondem a apenas 2,9% dos alunos, e o índice cai para 1,8% no segundo segmento
da mesma etapa. A evasão desses estudantes ao longo da trajetória estudantil faz com que,
quando cheguem no ensino médio, correspondam a apenas 0,8% das cerca de oito milhões
de matrículas desta etapa.
Em janeiro deste ano, entrou em vigor em todo país a Lei Brasileira de Inclusão (LBI), que
entre diversos direitos assegura a oferta de sistema educacional inclusivo e fornecimento de
profissionais de apoio para esses alunos. No município do Rio, as barreiras frequentes no
caminho dessas famílias chamaram a atenção do Ministério Público (MP). Para fazer valer,
além da LBI, uma lei municipal de 2013 que criou o cargo de agente de apoio à educação
especial e instituiu três mil vagas para a função em toda a rede municipal de educação, o
MP moveu uma ação civil pública contra a prefeitura exigindo o preenchimento das 150
vagas de agente disponibilizadas em concurso público realizado em 2014. Nos termos da
lei, os agentes de apoio ocupariam as salas de aula para auxiliar nas atividades aplicadas
pelo professor,, além de estimular o desenvolvimento dos alunos, cuidar da higiene e da
alimentação dos estudantes.
Ana Kelly Oliveira e seu filho Miguel, que tem Síndrome de Asperger LEO MARTINS /
AGÊNCIA O GLOBO
Tentar uma vaga de agente de apoio foi justamente a saída encontrada por Ana Kelly
Oliveira para ocupar um dos hiatos presentes na educação de crianças como seu filho
Miguel, diagnosticado com síndrome de Asperger. A conta era simples: além de conseguir
um trabalho, ela poderia ter a sorte de ser alocada em uma escola onde seu filho também
estudasse. Ana foi aprovada na seleção, mas sua colocação na prova não permitiu que ela
fosse chamada.
— Eu queria ser a mediadora dele, ou trabalhar na mesma escola que ele estudasse. Esse
ano as coisas melhoraram, porque a professora dele já tinha experiência. Quando o
ambiente é propício e acolhedor para a criança, ela começa a fluir. Só que tem que ter uma
professora assim. Esse ano eu dei sorte, mas e no próximo? — questiona. — Por isso é
importante a figura do agente de apoio, que está ali para fazer esse trabalho.
'ELE NÃO TEM NENHUM ATAQUE NÉ?’
— Ele tem ótimas notas, o problema é a interação social. A professora achava que ele tinha
que ficar sentado as quatro horas que nem as outras crianças. Mas ele tem os momentos
dele. Transferi ele da escola particular e coloquei na municipal, onde havia educação
especial. Quando matriculei a professora me perguntou ‘ele não tem nenhum ataque né?’.
Se até em uma escola com educação especial tem uma professora que não sabe o mínimo,
imagina nas outras. Ele voltava com o caderno em branco da escola. A maioria das mães
da educação especial é muito sofrida e calejada— opina Ana.
Mesmo em número maior que os agentes, os estagiários não são capazes de suprir a
demanda. Nas salas de Yasmin e Miguel, por exemplo, não há estagiários para auxiliar os
professores. Já Ana Beatriz, de 7 anos, que tem paralisia cerebral, conta com uma
estagiária em sala. Mas sua mãe, Simone Barbosa, precisa se revezar com ela porque o
turno de aula é maior que o de estágio.
— Falam desse negócio de inclusão, mas eles não estão incluindo nada. Sempre estou na
escola à disposição para ajudar. Chego às 7h30 e fico até 8h para esperar a estagiária
chegar, depois volto às 11h para rendê-la — critica Simone. — A professora não inclui
minha filha, não chega nem perto. A paralisia cerebral afetou somente a parte motora, então
ela entende tudo, só precisa de mais explicação. É muito triste. É como se ela estivesse ali
morta.
A falta de acesso não fica só no conteúdo. Estudando no terceiro andar de uma escola sem
rampas, Ana Beatriz precisa ser carregada pela mãe até a sala de aula. O mesmo acontece
quando a menina quer ir ao banheiro, inadequado a deficientes.
— Faz muita falta a inclusão diária. A sala de recursos é melhor que nada, mas no dia a dia
a criança tem necessidade de ter uma escola que a estimule, caso contrário é um trabalho
perdido. Quando a criança vê que o amiguinho está fazendo uma atividade e ela não, se
sente excluída, isso é muito prejudicial— explica a fonoaudióloga Danielle Damasceno, que
trabalha com inclusão de crianças com deficiência.