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Observando crianças concentradíssimas , um menino curiosamente se aproxima com a

intenção de se enturmar. Porem quando o mesmo se aproxima, não é recebido de forma


educada, então corre em direção a sua mãe que se encontra do outro lado da rua e reclama
sem entender
- O que os meninos seguram de tão valioso Mamãe?
sua mãe retruca
- Se és tão valioso não podemos tocar, filho

Crianças com deficiência são vítimas da exclusão nas escolas


Pesquisa revela que falta de acolhimento expulsa alunos com necessidades especiais das
salas de aula do país
POR PAULA FERREIRA

28/08/16 - 04h30 | Atualizado: 28/08/16 - 10h18

Aline Alves e filha Yasmin, que tem autismo LEO MARTINS / AGÊNCIA O GLOBO
RIO- Páginas em branco em um caderno talvez lembrem a alegria de um novo começo em
algum canto por aí. Mas, no caso de Aline Alves, as pautas limpas no material escolar de
Yasmin, de 6 anos, minaram dia após dia a esperança de ver a filha autista desenvolver sua
capacidade de aprendizado. A ausência das primeiras lições nas folhas de Miguel, de 7
anos, diagnosticado com síndrome de Asperger, também foi o estalar de dedos que
despertou a mãe Ana Kelly Oliveira para uma realidade triste: a falta de inclusão das
crianças com algum tipo de deficiência nas escolas do país.

— Não tem nada no livro, no caderno, do jeito que vai volta dentro da bolsa. Nem no lápis
ela pega. Pode ser que ela não consiga? Sim. Mas se ela não for estimulada, não
conseguirá mesmo. Eu vejo que ela tem condições de aprender. É muita tristeza, me sinto
incapaz — conta Aline enquanto seca algumas lágrimas.

O isolamento de Yasmin na classe da Escola Municipal Professor Firmo Costa, em Bangu,


compõe um drama que piora a cada palavra narrada pela mãe. Aline deixou de trabalhar
fora para se dedicar aos cuidados da filha, que não fala. E mesmo quando Yasmin está na
escola, a mãe precisa ficar alerta.

— Se ela fizer alguma necessidade na fralda, eles me ligam para ir lá trocar, se eu não for
ela fica molhada. Eu fico pensando: será que isso é normal? Esses dias estava no banco e
fui às pressas de mototáxi para trocá-la, quando cheguei ela estava toda encharcada
sentada na carteira. Nem a fralda tiraram — conta Aline.
LEGISLAÇÃO DESCUMPRIDA

Casos como o de Yasmin se multiplicam pelo país. A inclusão feita aos trancos e barrancos
resulta em um índice irrisório de alunos com deficiência nas salas de aulas. Uma pesquisa
inédita feita pelo Instituto Unibanco, com dados do Censo Escolar 2015, revelou que no
primeiro segmento do ensino fundamental os estudantes com necessidades especiais
correspondem a apenas 2,9% dos alunos, e o índice cai para 1,8% no segundo segmento
da mesma etapa. A evasão desses estudantes ao longo da trajetória estudantil faz com que,
quando cheguem no ensino médio, correspondam a apenas 0,8% das cerca de oito milhões
de matrículas desta etapa.

— Não é um problema dos alunos não quererem continuar na escola, é um problema de só


algumas escolas conseguirem acolher. O Brasil tem uma agenda explícita de escola
inclusiva, mas o esforço e o resultado estão muito aquém do que necessitamos. Avançamos
no campo regulatório e falhamos no ponto vista de tornar essa inclusão efetiva — comenta
Ricardo Henriques, superintendente executivo do Instituto Unibanco.

Em janeiro deste ano, entrou em vigor em todo país a Lei Brasileira de Inclusão (LBI), que
entre diversos direitos assegura a oferta de sistema educacional inclusivo e fornecimento de
profissionais de apoio para esses alunos. No município do Rio, as barreiras frequentes no
caminho dessas famílias chamaram a atenção do Ministério Público (MP). Para fazer valer,
além da LBI, uma lei municipal de 2013 que criou o cargo de agente de apoio à educação
especial e instituiu três mil vagas para a função em toda a rede municipal de educação, o
MP moveu uma ação civil pública contra a prefeitura exigindo o preenchimento das 150
vagas de agente disponibilizadas em concurso público realizado em 2014. Nos termos da
lei, os agentes de apoio ocupariam as salas de aula para auxiliar nas atividades aplicadas
pelo professor,, além de estimular o desenvolvimento dos alunos, cuidar da higiene e da
alimentação dos estudantes.

Ana Kelly Oliveira e seu filho Miguel, que tem Síndrome de Asperger LEO MARTINS /
AGÊNCIA O GLOBO
Tentar uma vaga de agente de apoio foi justamente a saída encontrada por Ana Kelly
Oliveira para ocupar um dos hiatos presentes na educação de crianças como seu filho
Miguel, diagnosticado com síndrome de Asperger. A conta era simples: além de conseguir
um trabalho, ela poderia ter a sorte de ser alocada em uma escola onde seu filho também
estudasse. Ana foi aprovada na seleção, mas sua colocação na prova não permitiu que ela
fosse chamada.

— Eu queria ser a mediadora dele, ou trabalhar na mesma escola que ele estudasse. Esse
ano as coisas melhoraram, porque a professora dele já tinha experiência. Quando o
ambiente é propício e acolhedor para a criança, ela começa a fluir. Só que tem que ter uma
professora assim. Esse ano eu dei sorte, mas e no próximo? — questiona. — Por isso é
importante a figura do agente de apoio, que está ali para fazer esse trabalho.
'ELE NÃO TEM NENHUM ATAQUE NÉ?’

Depois de peregrinar por escolas (públicas e particulares) em busca de ensino adequado


para o filho, Ana Kelly chegou à conclusão de que a educação no Brasil está longe de ser
inclusiva.

— Ele tem ótimas notas, o problema é a interação social. A professora achava que ele tinha
que ficar sentado as quatro horas que nem as outras crianças. Mas ele tem os momentos
dele. Transferi ele da escola particular e coloquei na municipal, onde havia educação
especial. Quando matriculei a professora me perguntou ‘ele não tem nenhum ataque né?’.
Se até em uma escola com educação especial tem uma professora que não sabe o mínimo,
imagina nas outras. Ele voltava com o caderno em branco da escola. A maioria das mães
da educação especial é muito sofrida e calejada— opina Ana.

Embora a Prefeitura do Rio tenha atendido à determinação do MP e preenchido as 150


vagas do concurso, o órgão abriu novo inquérito civil público para apurar a falta desses
agentes nas escolas. De acordo com o MP, o procedimento foi instaurado porque “ainda há
uma grande demanda por mediadores”. A afirmação se confirma quando confrontada com
alguns dados entregues ao MP pela administração municipal. Segundo a prefeitura, para
atender aos 13 mil alunos que têm algum tipo de deficiência, havia, até o início do mês, 85
agentes em atividade (os demais ainda em processo de nomeação) e cerca de 700
estagiários (em 2015 eram 2.042).

Mesmo em número maior que os agentes, os estagiários não são capazes de suprir a
demanda. Nas salas de Yasmin e Miguel, por exemplo, não há estagiários para auxiliar os
professores. Já Ana Beatriz, de 7 anos, que tem paralisia cerebral, conta com uma
estagiária em sala. Mas sua mãe, Simone Barbosa, precisa se revezar com ela porque o
turno de aula é maior que o de estágio.

— Falam desse negócio de inclusão, mas eles não estão incluindo nada. Sempre estou na
escola à disposição para ajudar. Chego às 7h30 e fico até 8h para esperar a estagiária
chegar, depois volto às 11h para rendê-la — critica Simone. — A professora não inclui
minha filha, não chega nem perto. A paralisia cerebral afetou somente a parte motora, então
ela entende tudo, só precisa de mais explicação. É muito triste. É como se ela estivesse ali
morta.

A falta de acesso não fica só no conteúdo. Estudando no terceiro andar de uma escola sem
rampas, Ana Beatriz precisa ser carregada pela mãe até a sala de aula. O mesmo acontece
quando a menina quer ir ao banheiro, inadequado a deficientes.

De acordo com a prefeitura, os alunos da educação especial recebem o atendimento


educacional especializado (AEE), realizado nas salas de recursos multifuncionais. O serviço
“tem a função de identificar e elaborar recursos de acessibilidade desses estudantes,
eliminando barreiras e favorecendo o processo de inclusão”. Segundo a Secretaria de
Educação, todos os professores do AEE recebem formação continuada.
Embora todos os alunos citados na matéria recebam atendimento da sala de recursos em
geral uma vez por semana, profissionais da área indicam que a falta de um serviço diário
pode acabar anulando esse trabalho.

— Faz muita falta a inclusão diária. A sala de recursos é melhor que nada, mas no dia a dia
a criança tem necessidade de ter uma escola que a estimule, caso contrário é um trabalho
perdido. Quando a criança vê que o amiguinho está fazendo uma atividade e ela não, se
sente excluída, isso é muito prejudicial— explica a fonoaudióloga Danielle Damasceno, que
trabalha com inclusão de crianças com deficiência.

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