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Artigo Calculo de Correntes de Curto
Artigo Calculo de Correntes de Curto
Gilberto de M. Falcoski1
Aderbal Arruda Pentado Jr2
1) Objetivo:
Fornecer todas as equações para que engenheiros responsáveis por cabines primárias possam
calcular a corrente que penetra a terra pela malha, durante faltas à terra. Esta corrente é chamada
também corrente de terra, ou corrente de malha, e é utilizada para o dimensionamento da malha de
terra da cabine, determinando-se as tensões de toque e passo, exatamente como é feito em
subestações de maior porte. Sem o conhecimento desta corrente é praticamente impossível o
dimensionamento de uma malha de terra para cabines, pois neste caso a corrente de falta total seria
assumida para a corrente de malha, o que levaria a valores altíssimos da extensão de cobre, assim
como da área, necessários.
Em cabines aterradas desta forma, ocorrendo uma falta fase-terra no lado de alta tensão dos
transformadores, teremos o surgimento de potenciais no solo conforme figura 1, durante o
escoamento de corrente para a terra através das hastes. Para as linhas equipotenciais próximas às 3
hastes, a ddp entre elas não é elevada, porém para as equipotenciais mais distantes, a ddp entre estas
e as hastes aumenta consideravelmente. A tensão entre as hastes e uma equipotencial muito afastada
é denominada “sobretensão em relação ao infinito” ou “sobretensão em relação ao terra remoto”, e
os cálculos mostram [1,2] que pode variar entre 300 V e 1500 V aproximadamente, para uma rede
primária com neutro multi-aterrado e tensão nominal 13,2 kV. Para redes primárias sem neutro,
somente com as 3 fases, este valor pode atingir até 7000 V, para a mesma tensão nominal. Uma
pessoa tocando qualquer parte metálica da cabine, ou abrindo a porta no instante da falta, terá
portanto entre a mão e os pés uma ddp com estes valores, muito além do que as normas atuais
permitem [ NBR 5410, NBR 14039, IEEE 80] . O controle destas situações perigosas [8] se dá por
meio de uma malha de terra localizada abaixo da cabine (não pode estar deslocada), para a qual se
deve calcular as tensões de toque e passo nos piores casos. Ou seja, as cabines primárias devem ser
aterradas por meio de malhas adequadamente dimensionadas e não por algumas hastes, como na
figura 1.
1
Engenheiro projetista de sistemas de potência, da Eletrizar Eng., mestrado em sistemas elétricos de
potência pela USP, GilbertoMagFalc@aol.com
2
Professor Doutor da Politécnica da USP, consultor em sistemas de potência, Aderbal@pea.usp.br
2
cabo
terra
ENTRADA DISJ
2.4 TRAFO 1 TRAFO 2
U = 5 KV
11.2
U=TERRA
U=O VOLT
linhas equipotenciais
Em sistemas de média e alta tensão são comuns as faltas para terra, por exemplo, um isolador do
transformador, que falha. Temos abaixo o esquema desta situação em uma cabine de transformação
de consumidor.
solo
sendo: It, corrente de malha, nossa incógnita ; Ian, corrente auto-neutralizada, que retorna pelo
neutro devido exclusivamente à mútua entre os cabos fase e neutro ; I1 e I2 as correntes no neutro
que saem para a terra pelos vários aterramentos.
Na cabine primária sob falta, um cabo fase foi curto-circuitado com o cabo neutro e a barra terra.
Entre este ponto da rede primária e a terra temos o seguinte circuito equivalente:
Ponto em falta
lader01
Zs Zs Zs Zs Zs Zs
Zp Zp Zp Rf Zp Zp Zp
Onde: Rf – resistência para terra no ponto em falta, no caso, a da malha da cabine primária
Zs – impedância própria de Carson devida ao cabo neutro (é necessário que se use a
chamada “impedância de Carson”, pois ela leva em conta circuitos elétricos
com retorno de corrente pela terra; ver item 6)
Zp – impedância para terra do cabo neutro, no caso das hastes de aterramento nos postes
Desta figura definimos o vão como sendo a distância entre 2 postes aterrados, que na maioria dos
casos é constante.
Sob as hipóteses (não sendo satisfeitas, contornar o problema conforme itens 6,7 e 9):
1) Todas as Zs iguais.
2) Todas as Zp iguais.
3) Circuitos laders infinitos, ou seja, muito extensos (sendo que este conceito é univocamente
determinado abaixo, item 8, por equações).
4) Todos os vãos iguais.
Podemos substituir cada lader por sua impedância equivalente Zinf, obtendo o circuito simplificado:
I1 It I2
Zinf Zinf
Zs Zs 2
Zinf = + + Zp Zs
2 4
No caso geral Zs e Zp são ambos complexos, porém na prática Zp é número real, pois representa a
resistência para terra nos postes, que é resistência ôhmica (sem parte imaginária). O número Zs é,
na prática, de fato complexo, apresentando partes reais e imaginárias significativas.
Ocorrendo a falta entre fase e terra, uma parcela da corrente de falta, denominada corrente auto-
neutralizada Ian, retorna pelo cabo neutro devido à mutua entre cabos neutro e fase. Esta corrente é
calculada por meio do fator de acoplamento definido como [6]:
µ = Zm / Zs
onde: Zm é a impedância mútua, de Carson, entre cabos fase e neutro, para um vão
Zs como acima
Ian = µ If
Podemos agora estabelecer o circuito completo para a rede primária em falta, circuito este
equivalente à situação representada na figura 2 :
+ If
fem trafo
Ian
ponto P em falta
It'
I1 I2
Zinf Up It Zinf
Temos entre o ponto em falta e a fonte um gerador de corrente de valor Ian, representando a
corrente que retorna à fonte diretamente pelo cabo neutro, não saindo para a terra em ponto nenhum
do sistema elétrico. As correntes I1 e I2 saem para a terra pelos circuitos lader do cabo neutro.
Observar que Ian e I1 correm pelo mesmo cabo neutro, sendo a separação acima apenas um recurso
matemático para a solução do circuito. A corrente procurada é It, facilmente calculada deste
circuito, bastando aplicar um divisor de corrente em It’. A impedância do cabo fase não precisa ser
conhecida, pois já foi considerada no cálculo de If, por componentes simétricas. Pelo mesmo
motivo, também não entra neste cálculo a fem do transformador, que é igual a Ufase nominal. Para
5
a resistência terra da malha da concessionária, em geral podemos despreza-la, pois é um valor muito
baixo (aproximadamente entre 0,1 e 0,5 ohm).
Vamos utilizá-la para validar a impedância equivalente do lader, que conforme mencionado apenas
vale para lader infinito. Este poderá ser considerado infinito se [6]:
−S
CE =
ln(K1)
Zp
onde: S - comprimento do vão ; K1 - módulo do complexo K =
Zp + Zinf
Sucintamente, ela é definida como (ver [1]) a distância do circuito lader em que a corrente que sai
para a terra pelo aterramento no poste, é (1/e) vezes a corrente que sai para a terra no primeiro poste
(ao lado da falta). Ou seja, após a distância de 1 constante de espaço a corrente que sai para a terra
pelo poste é 37% da corrente no primeiro poste ao lado da falta.
Demonstra-se que neste caso uma corrente ainda maior que a dos itens anteriores será drenada pelo
cabo neutro, tendo portanto a corrente de terra, calculada conforme acima, certo erro, porém
conservativo. Este erro será tanto maior quanto mais próxima da fonte for a falta, porém sempre a
favor da segurança. Lembrar, contudo, que a corrente de falta If é bem maior do que a corrente If
6
no ponto situado a 2CE da subestação, sendo importante que se use a If correta. Resumindo,
calcula-se a corrente de terra como se a falta fosse em 2CE, todavia considerando-se para a corrente
de falta fase-terra o seu valor no ponto de fato em falta.
Se este circuito tiver extensão inferior a 2CE, não poderemos substitui-lo por sua impedância
equivalente Zinf, logo na figura 5 ficaremos com apenas um lader (a montante da falta), o que
evidentemente piorará a drenagem da corrente de falta.
Tendo-se o valor da corrente de terra na cabine em falta, aplica-se equações tradicionais conforme
IEEE 80 [8,10] para encontrar-se as tensões de toque e passo. Estando estes valores dentro do
suportável pelo corpo humano, conforme estabelecido em normas (NBR14039, NBR 5410), pode-
se considerar o projeto da malha de terra encerrado. Caso contrário, a malha deve ser modificada
(aumentar extensão dos cabos, quantidade de hastes, área total, etc...), as tensões de toque e passo
devem ser recalculadas e comparadas novamente com os limites suportáveis pelo corpo humano.
fases 13,8 KV
cabos ACSR 1/0
1,5 m
neutro multi-aterrado
cabo ACSR 1/0
12 m
solo
Figura 6 - Disposição dos condutores no poste
- Impedância própria dos cabos fase (de Carson), com retorno pela terra:
Za = 0.986 + j 1,537 = 1,826 57,32 ohm/mi
- Impedância própria do cabo neutro, com retorno pela terra:
Zn = Za
- Impedância mútua entre fase e neutro, com retorno pela terra:
Zm = 0,093 + j 0,76 = 0,766 83,02 ohm/mi
- Impedância de sequência zero da linha trifásica:
Zo = 1,48 + j 2,14 ohm/mi
- Impedância de sequência positiva da linha trifásica:
Z1 = 0,893 + j 0,72 ohm/mi
- Impedâncias sequenciais do transformador:
Z1 = Zo = j 1,45 ohm
NOTAS:
1) Foram assumidos cabos com alma de aço meramente pela facilidade de se encontrar seus
parâmetros em livros, enquanto que para cabos de alumínio sem alma de aço, bastante comuns
em redes de distribuição, temos que recorrer aos fabricantes.
2) A seção do cabo neutro está igual à dos cabos fase, conforme norma interna Eletropaulo
[9]. Havendo redução da seção do neutro em relação aos cabos fase, evidentemente a
drenagem da corrente de falta piora, e como mostram os cálculos deste artigo, pioram também
as condições para a cabine do consumidor. Ou seja, o neutro com mesma seção que as fases é
um fator positivo para a segurança nas instalações do consumidor.
4) Para resistividades do solo com relativamente pequenas variações em torno de 100 ohm*m,
podem ser adotados os valores acima para as impedâncias da rede. Para variações maiores
naturalmente as impedâncias devem ser recalculadas.
Vamos supor esta rede primária alimentando uma cabine primária a 1,5 km da origem (distância
maior que 2 CE), que sofre uma falta entre fase e terra nos barramentos de alta tensão.
Consideraremos também as seguintes resistências de aterramento:
rede01
cabo fase
+ If
fem trafo
ponto P em falta
cabo neutro multi-aterrado
1 1 1 1 5 1
ohm ohm ohm ohm ohm ohm
Aplicando-se as equações fornecidas, reduzimos este circuito para o circuito da figura 5, onde:
Para o circuito da figura 5, conhecidos os parâmetros acima, a solução é trivial, não sendo
necessário um computador para resolve-lo. A solução final consta na figura 8.
9
2,8 kA |_ -68
13) Conclusão:
Utilizando-se as equações fornecidas neste artigo pudemos calcular a corrente de terra em uma
cabine primária, valor bem inferior à corrente de falta FT calculada por métodos tradicionais. Para o
caso real utilizado como exemplo obtivemos 127 A para a corrente que penetra a terra pela malha
da cabine primária, enquanto que a corrente total de falta FT é 2,8 kA. Com a corrente 127 A
podemos dimensionar a malha de terra da cabine e calcular tensões de passo e toque segundo os
procedimentos tradicionais usados no Brasil, considerando a norma IEEE 80 [8,10] (pois não há
norma brasileira equivalente). Se o cálculo da corrente de terra não tivesse sido executado teríamos
que supor 2,8 kA para a corrente de terra, o que levaria a valores absurdos de extensão de cobre e
área necessários, praticamente inviabilizando o projeto rigoroso de uma malha.
14) Bibliografia:
[4] CLARKE, E. Circuit analysis of AC power systems. New York, John Wiley, 1943. V. 1,
cap. 11.
[5] MELIOPOULOS, A.P. Power systems grounding and transients. Marcel Dekker Inc., 1988.
[6] ENDRENYI, J. Analysis of Transmission Tower Potentials During Ground Faults. IEEE
Transactions on Power Apparatus and Systems, v. PAS-86, n. 10, p. 1274-1283, October 1967.
10
[8] THE INSTITUTE OF ELECTRICAL AND ELECTRONICS ENGINEERS IEEE Guide for
safety in AC substation grounding. Norma técnica ANSI/IEEE Std 80-1991.