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Resumo: O presente artigo analisa as relações entre a trajetória das contas externas brasileiras e as
políticas econômicas implantadas no país no período de 1947 a 2002, por meio de revisão bibliográ-
fica a respeito da política econômica, conjuntura interna e externa no período e de levantamento
estatístico, conforme estrutura das contas externas brasileiras. A análise permitiu estudar as implica-
ções da trajetória econômica do país em relação às contas externas.
Palavras-chave: contas externas brasileiras.
Abstract: The present article analyzes the relation between the course of the Brazilian external bills
and the economic politics implanted in the country from 1947 to 2002. It begins with a bibliographic
review about the economic politics, internal and external conjuncture in that period of time, and the
statistic analysis of the structure of the Brazilian external bills. The analysis allows to study the relation
between the external bills and other economic indicators (like GDP) pointing the implication of the
external bills in the course of the economy.
Keywords: Brazilian external bills.
Período 1: de 1947 a 1967, tendo em vista da década de 1960, percebe-se que os superávits
que, paralelamente, e apesar do amplo recurso da balança comercial não ultrapassam os três dí-
ao financiamento externo, observou-se um no- gitos, alcançando, inclusive, déficits nos anos de
tável “fechamento” da economia entre 1947 e 1960 e 1962.
1980, sendo que este movimento foi mais inten- Porém, o mais interessante no Quadro 01 é
so entre fins dos anos 1940 e meados da década notar a tendência deficitária da conta de transa-
de 1960 (SERRA, 1998). Também é interessante ções correntes, como um todo, e a grande parti-
citar que o ano de 1967 foi incluído neste perío- cipação da conta de serviços e rendas para este
do por ser o início de uma virada de política resultado. Assim, o país depois de desfrutar de
econômica, já que é o ano inicial do “milagre” uma posição credora em termos líquidos no fim
econômico; dos anos 40, acumulou uma dívida que, no iní-
Período 2: de 1972 a 1989, leva em conta os cio da década de 1980, alcançava uma pro-
últimos anos do “milagre” (1972 e 1973), os cho- porção próxima a um quarto do PIB e duas ve-
ques externos do petróleo (1973 e 1979), a cha-
zes e meia o valor das exportações. Deste total,
mada “década perdida” (década de 1980), e o
aproximadamente um terço empregou-se no pa-
início da abertura econômica do país com o go-
gamento dos juros, ou dois terços se forem con-
verno de Fernando Collor (1989);
sideradas as amortizações (SERRA, 1998).
Período 3: de 1991 a 2002, abrange o apro-
Este endividamento crescente pode ser me-
fundamento da abertura econômica do país, a
lhor visualizado no Quadro 02. Pode-se perce-
partir da prática de políticas neoliberais, até o fi-
nal do governo FHC. ber que nos anos de 1948, 1960, 1962, 1967 e
1968 o país fechou seu balanço de pagamentos
com resultados negativos, e nos demais anos os
2. 1947 – 1967: O “Fechamento” da Economia
déficits em transações correntes foram financia-
O período pós-guerra foi caracterizado pelo
dos via superávits na conta capital e financeira,
notável desempenho do PIB brasileiro, que
o que confirma que o “fechamento” da econo-
cresceu a uma taxa média maior que 7% ao
mia, no que se refere a transações reais, deu-se
ano, superando o crescimento do conjunto dos
paralelamente a ampla utilização de financia-
países capitalistas desenvolvidos e subdesenvol-
mento externo.
vidos, próximo à média dos países socialistas
(SERRA, 1998). Quanto à grande participação da balança de
O interessante no desempenho deste perío- serviços e rendas no agravamento dos déficits
do é que confirmou o efetivo deslocamento em transações correntes, o mais interessante a
das exportações como principal fonte de de- ser citado é a evolução da importância da conta
manda para o crescimento, pois enquanto a rendas neste resultado, como pode ser visto na
expansão do PIB foi de 7,1% ao ano, as expor- Figura 01, pois esta conta é formada pelas tran-
tações, em quantidade, cresceram a 5,6% e o sações relacionadas com salários, remessa de lu-
coeficiente de exportações com relação ao PIB cros e pagamento de juros. Portanto, tal conta
declinou de 14,8%, no início do período, para passa a ser tão grande que, a partir de 1965, atin-
7,6% (SERRA, 1998). ge a maior participação dentro da balança de
Esta menor importância das exportações pa- serviços e rendas.
ra o crescimento pode ser melhor visualizada na A evolução das contas externas brasileiras
evolução da balança comercial demonstrada no (descrita acima) ocorreu influenciada pela políti-
Quadro 01, já que mesmo ocorrendo um vulto- ca de desenvolvimento traçada pelos governan-
so “fechamento” da economia no que se refere tes do país durante este período, caracterizada
às importações, entre 1947 e 1980, com intensi- pelo enfrentamento à situação externa criada no
dade maior entre fins dos anos 1940 e meados pós-guerra e pelo Plano de Metas do governo JK.
Desta forma, é importante apontar que o Porém, como já foi mencionado, esse fenô-
chamado choque externo provocado pelo petró- meno de abertura do coeficiente de importações
leo em fins de 1973 incidiu sobre uma situação foi acompanhado por um excessivo crescimento
de preços e de balanço de pagamentos tendenci- das exportações brasileiras. Desta forma, não
almente vulnerável. No que se refere mais especi- houve pelo lado do comércio de mercadorias,
ficamente ao balanço de pagamentos, a despro- qualquer pressão indutora da tomada de capitais
porção embutida na estrutura econômica não de empréstimo ao longo do ciclo expansivo, co-
poderia ser corrigida no curto prazo, de modo mo pode ser visto no Quadro 03, o qual de-
que a prolongação do ciclo expansivo 1967-1973 monstra que, até 1973, o déficit comercial era pe-
exerceria fortes efeitos aceleradores sobre a de- queno ou até nulo. Por outro lado, quanto à
conta de serviços, que está diretamente ligada à
manda de importações (SERRA, 1998).
produção, houve uma evolução expansionista
Assim, pode-se dizer que o primeiro movi-
do déficit, como pode ser visto no Quadro 04.
mento de aceleração da dívida externa coincide,
Porém, a pressão destes serviços produtivos sobre
temporalmente, com o ciclo expansivo de 1967- a tomada de capitais de empréstimo foi inferior
1973, sendo justificado pelo governo como uma ao déficit apontado, já que a entrada de capital
condição sine qua non que expressava a contri- foi muito superior à necessidade de financia-
buição de poupanças externas ao esforço de de- mento deste déficit, como pode ser observado
senvolvimento da economia nacional. Assim, as no Quadro 05.
condições de domínio da tecnologia de ponta, Desta forma, pode-se afirmar que a contra-
os interesses do grande capital internacional e partida do significativo impulso sofrido pela dí-
questões relativas à dimensão de mercado aca- vida externa deve ser buscada na esfera das rela-
bam por fazer com que o atendimento da de- ções financeiras da economia brasileira com o
manda doméstica de bens de capital implique resto do mundo e não na suposta necessidade
um determinado volume de importações com- de superar constrangimentos do setor interno
plementares à produção interna (CRUZ, 1999). (CRUZ, 1999).
Já o recrudescimento da inflação, que vinha poupança privada voluntária para financiar o in-
ocorrendo desde 1973, foi acompanhado, a par- vestimento não se realizou, fazendo com que o
tir de meados de 1974, por um forte declínio do financiamento necessário ocorresse via fontes ex-
ritmo de expansão da economia. Em termos ternas, internacionais ou estatais, por meio de ta-
anuais, a taxa de crescimento do PIB declinou de xas de juros subsidiadas (SERRA, 1998).
14%, em 1973, para 9,8%, em 1974, e 5,6%, em Entre 1973 e 1980 observou-se um novo ci-
1975. Porém, o declínio de 1973 para 1974 obser- clo de “fechamento” estrutural da economia em
vou-se simultaneamente a uma significativa relação ao exterior, tendo o coeficiente de im-
elevação da taxa de investimentos da economia. portações declinado em relação ao PIB. Sendo
O aumento do investimento agregado, em 1974, que o declínio das importações, como pro-
superou amplamente o crescimento do PIB, porção da produção na indústria de transforma-
alcançando 16,2% e, ainda, em 1975, a diferença ção, foi o ponto mais significativo de redução.
se manteve significativa, não havendo, também, Porém, a taxa de crescimento do volume de
nenhuma restrição física pelo lado das importa- exportações, embora tenha declinado considera-
ções, que, em volume, aumentaram 35%, em velmente com relação ao período 1967-1973,
1974, com relação a 1973 (SERRA, 1998). manteve-se em nível razoável, pouco abaixo do
“Assim, a inflexão do ciclo não se deveu a crescimento do PIB e superior às exportações
problemas de demanda pelo lado do investimen- mundiais (SERRA, 1998).
to agregado, tampouco a restrições de oferta de O biênio de 1979-1980 foi representado pelo
importações. As dificuldades surgiram pelo lado agravamento notável da inflação e do desequilí-
da demanda corrente de bens de consumo não- brio externo, embora a economia tivesse manti-
duráveis e duráveis” (SERRA, 1998). do o desempenho produtivo observado no qüin-
O desempenho da economia neste período qüênio anterior. Uma grande parcela de respon-
foi condicionado, em grande parte, pelo II Plano sabilidade por esse agravamento coube, sem dú-
Nacional de Desenvolvimento. Sua extraordiná- vida, ao novo choque externo representado pelo
ria especificidade é que foi formulado e parcial- recrudescimento da inflação mundial, sob a lide-
mente implantado (a partir de 1974), precisa- rança do petróleo, simultaneamente a uma forte
mente quando a economia brasileira esgotara a deterioração das relações de troca do Brasil. Tam-
fase expansiva iniciada em 1967 e a economia bém a elevação da taxa de juros internacional
mundial entrava em sua mais severa recessão des- cumpriu um papel negativo, seja pelo aumento
de os anos 1930. Na prática, o II PND foi parci- dos serviços da dívida externa ou pelo estreita-
almente desativado a partir de meados de 1976, mento do raio de manobra da política monetária
devido, fundamentalmente, à adoção de uma doméstica (SERRA, 1998).
política antiinflacionária de natureza contencio- Por outro lado, na medida que os indicadores
nista. Mas, vale observar que a canalização da convencionais de vulnerabilidade externa se
agravaram; que o volume de financiamento os 200% ao ano já em 1983. Entre 1986 e 1990
externo necessário alcançou dimensões clara- cinco tentativas heterodoxas de estabilizar a in-
mente não marginais no mercado financeiro flação fracassaram: os Planos Cruzado (1986),
internacional; e que o nível de operações de Bresser (1987), Verão (1989), Collor I (1990) (RI-
alguns bancos norte americanos com o Brasil GOLON; GIAMBIAGI, 1999).
se aproximou do percentual permitido para
Além disso, a partir de 1979, a tendência de
aplicações em um só país, fizeram-se presentes,
deterioração das contas públicas foi agravada pe-
com efeitos ponderáveis, as pressões dos ban-
la reversão das condições do mercado financeiro
cos internacionais, tanto no sentido de aumen-
internacional. O aumento das despesas com en-
tar o spread dos empréstimos ao Brasil como
no de promover alterações na política econô-
cargos da dívida – associado à elevação das taxas
mica doméstica em uma direção mais orto- de juros internacionais em 1979 – deveu-se à
doxa e contencionista (SERRA, 1998, p.116). contratação de mais dívidas externa e interna. A
elevação das taxas de juros domésticas, em 1981,
Assim, no período de 1979-1980, há uma também contribuiu para a expansão da dívida
volta na situação de desequilíbrios na balança interna e das despesas com juros. De 1982 em
comercial que apresenta um déficit aproximado diante, a crise da dívida externa foi administrada
de US$ 2,8 bilhões em 1979. E, como esse resul- domesticamente com a transferência de riscos
tado reflete os efeitos diretos e indiretos do se- cambiais do setor privado para o Banco Central.
gundo choque do petróleo, e do retorno a uma Desta forma grande parte dos custos financeiros
conjuntura recessiva acompanhada de acelera- resultantes da maxidesvalorização de 1983 recaiu
ção inflacionária nas economias capitalistas sobre as contas públicas (RIGOLON; GIAM-
avançadas, fica claro que os períodos em que se BIAGI, 1999).
agravam os déficits na conta de mercadoria e de Tendo em vista a inflação elevada e a crise
serviços produtivos são os mesmos em que so- das finanças públicas criou-se um ambiente ex-
brevêm situações de liquidez restrita e de agrava- tremamente desfavorável para o investimento e
mento dos déficits puramente financeiros o crescimento entre 1981 e 1989. Sendo que a
(CRUZ, 1999). inflação elevada minava a função alocativa do
No período de 1981 a 1989, o crescimento sistema de preços e aumentava consideravel-
econômico foi modesto e errático, com a renda mente a incerteza e o risco associados aos proje-
per capita declinando à taxa média de 0,5% ao tos de longo prazo. E a crise das finanças públi-
ano e o PIB real aumentando apenas 1,4% ao cas inibia o investimento privado de diversas
ano. O crescimento mais lento do produto foi maneiras, seja por contribuir para o aumento da
acompanhado por forte contração na taxa de incerteza macroeconômica, ou porque o finan-
investimento, que caiu de 23% do PIB, em ciamento requeria taxas de juros reais elevadas
1980, para 17%, entre 1981 e 1989 (RIGOLON; competindo na alocação de recursos com o se-
GIAMBIAGI, 1999). tor privado, ou, ainda, porque as medidas de
O período descrito acima foi caracterizado ajuste fiscal muitas vezes se concentravam no
pelo constante crescimento da inflação, uma corte de investimentos públicos complementa-
vez que a resposta acomodatícia de política res ao investimento privado, notadamente em
monetária aos efeitos do segundo choque do pe- infra-estrutura econômica (RIGOLON; GIAM-
tróleo e do choque dos juros internacionais, em BIAGI, 1999).
1979, e a simultânea redução da periodicidade Desta maneira, a saída para buscar o cresci-
dos reajustes salariais resultaram na duplicação mento seria novamente se voltar para a utiliza-
da inflação anual, que alcançou o patamar de ção de poupança externa, o que havia sido, co-
100% entre 1980 e 1982. E, em conseqüência da mo já foi mencionado, muito importante para o
maxidesvalorização cambial de 1983, a inflação financiamento no programa de substituição de
dobrou novamente de patamar, ultrapassando importações da década de 70, porém esta pratica-
mente desapareceu após a crise da dívida. A cres- em torno de 1%, pode-se dizer que ela é inferior
cente escassez de recursos externos para o investi- a seu peso econômico, o que resulta, em parte,
mento é latente pela saída crescente de capital, do modelo de desenvolvimento voltado para o
como pode ser observado, no Quadro 04, pelo mercado doméstico, principalmente no que se
aumento significativo do déficit da conta de ren- refere ao primeiro período analisado neste traba-
das desde 1981, quando o capital externo que lho, que tem sido gradualmente revisado, desde
entrou no país nos períodos anteriores passa a sa- a década de 1990 (OCDE, 2001).
ir via remessas de lucro e serviços da dívida. Esta
Em contraste ao seu modesto papel no comér-
carência de capital externo também fica evidente cio mundial, o Brasil tem sido um dos maiores
na emergência de superávits na balança comerci- receptores tanto de crédito externo quanto de
al, sendo que em 1981 a balança comercial apre- investimento estrangeiro direto, tendo absor-
senta um saldo positivo superior a US$ 1 bilhão, vido recursos significativos de organismos
como pode ser visto no Quadro 03. internacionais. Entre as economias em desen-
É importante citar que as dificuldades exter- volvimento, o país possui o maior estoque de
nas foram ainda maiores a partir da moratória dívida externa obtido de fontes privadas (ban-
do México, em setembro de 1982, quando se al- cos e emissões de bônus), sendo a maior parte
terou definitivamente o sistema internacional de devida pelo setor privado. Juntamente com
China e México, o Brasil é um dos maiores
empréstimos privados, fechando, de vez, as pos-
receptores de investimento estrangeiro direto
sibilidades de retornar a ter um plano de desen-
líquido (IDE). Esses ingressos de capitais refle-
volvimento financiado da mesma forma como tem-se no importante papel desempenhado
eram os planos desde a década de 1960 (TAVA- pelas companhias estrangeiras no setor produ-
RES, 1986). tivo, as quais detêm 11% do capital da econo-
Desta forma a equipe econômica perdeu to- mia e produzem 14% do produto brasileiro.
talmente a iniciativa de criar um plano para a re- No segmento manufatureiro, as companhias
tomada do crescimento e para o enfrentamento estrangeiras registram participação ainda
dos problemas externos do país, até capitular di- maior, correspondente a 34% do faturamento
ante do FMI, no final de 1982. Mas é relevante (OCDE, 2001, p.34)
lembrar que, em termos de disponibilidades, o Os Planos Collor I e II foram os primeiros
FMI estava longe de poder resolver o problema passos, na década de 1990, em direção à já citada
do reequilíbrio das contas externas nacionais. Is- revisão do modelo de desenvolvimento, sendo
so porque, somadas, todas as linhas a que o Bra- caracterizados como um ambicioso programa de
sil poderia ter acesso num esquema de liberação abertura comercial. Entre 1989 e 1992, as tarifas
em três anos pouco superavam os US$ 5,5 bi- médias foram reduzidas de 39% para 15%, e a
lhões, quando só a conta de juros em 1983 ultra- lista de importações proibidas foi abolida. Os
passava os US$ 12 bilhões (TAVARES, 1986). gestores econômicos reconheceram a importân-
cia da concorrência externa para o atendimento
4. 1991-2002: A Abertura Econômica da demanda e para a moderação das pressões
Na virada do milênio, o Brasil era um dos 10 inflacionárias. O governo também intensificou a
maiores países do mundo, contribuindo com integração regional e expandiu aos demais países
aproximadamente 3% do PIB mundial, o que da América do Sul os acordos bilaterais com a
eqüivale a US$ 1 trilhão (medido em termos de Argentina, o que conduziu ao tratado do Merco-
paridade do poder de compra). Os 167 milhões sul, assinado em março de 1991. Esse tratado
de brasileiros equivalem a uma proporção simi- estabeleceu as etapas para a união aduaneira ple-
lar da população mundial. Considerando-se a su- na entre Brasil, Argentina Uruguai e Paraguai”
perfície, o Brasil encontra-se entre os cinco maio- (OCDE, 2001).
res do mundo. Porém, no que diz respeito a sua Assim, desde 1990, o intercâmbio brasileiro
participação nos fluxos mundiais de comércio, global duplicou de US$ 52 bilhões, naquele ano,
para US$ 114,3 bilhões em 1997. Sendo que este trada líquida de capital superou as importações
crescimento, a partir do começo da década, de- líquidas de bens e serviços.
ve-se à expansão das importações, que aumenta- Em relação à conta capital e financeira, Car-
ram de US$ 21 bilhões, em 1991, para US$ 53,3 neiro (2002) diz que o movimento de integração
bilhões, em 1996, como pode ser visto no Qua- da economia brasileira aos fluxos de capitais re-
dro 06. Porém, no mesmo Quadro, pode-se no- vela um padrão bastante semelhante ao conjun-
tar que, menos brilhante e por isso motivo das to dos países periféricos. Observando o Quadro
críticas mais ferrenhas ao Plano Real, implantado 07, percebe-se que há uma etapa inicial de cresci-
a partir de 1994, foi a evolução das exportações mento muito intenso no saldo da conta capital e
que cresceram de US$ 31,6 bilhões, em 1991, financeira, entre 1991 e 1993, que é atenuada pe-
para apenas US$ 47,7 bilhões, em 1996. la crise mexicana. Segue-se um novo incremen-
Desta forma, os resultados comerciais contri- to, entre 1995 a 1996, antes do agravamento da
buíram fortemente para a deterioração do saldo crise asiática e um forte declínio em 1999, com
de transações correntes, visível no Quadro 06. pequena recuperação em 2000, que não chega a
atingir os picos anteriores. Nova queda é registra-
Porém este desempenho também decorreu da
da em 2002.
ampliação do saldo negativo de serviços e ren-
Uma avaliação da composição da conta fi-
das, como também pode ser visto no mesmo
nanceira pela ótica dos fluxos líquidos mostra
quadro.
quatro momentos distintos, sendo a liderança
Os resultados das contas de comércio podem
dos empréstimos de curto prazo, num primeiro
ser explicados por meio da ótica da política
momento, em 1992, substituída pela do portfólio
monetária pois, com o Plano Collor, reinaugura-
em 1993/1994, sucedida pela do financiamento
se mais uma fase de valorização da moeda nacio- de longo prazo em 1995/1996, e finalmente, pelo
nal, o que traz conseqüências adversas para a IDE desde então. As perspectivas do fluxo de ca-
conta de comércio, embora ocorra expansão da pitais líquidos melhoraram a qualidade da capta-
atividade produtiva (BRITO, 1998). ção, cujo sentido foi o da substituição dos fluxos
Desta maneira, inaugura-se, neste instante, de maior pelos de menor volatilidade. Essa carac-
uma trajetória declinante nas contas de comércio terística, todavia, não elimina a ampliação da vul-
até 1996, como pode ser visto no Quadro 06, e nerabilidade do balanço de pagamentos, porque
um caminho inverso da conta de capital, que to- esta última está associada não só à volatilidade e
ma um trajeto ascendente, como pode ser obser- reversibilidade dos fluxos, mas também, e em al-
vado no Quadro 07. Destaca-se, porém, segundo guns momentos principalmente, ao comporta-
Brito (1998), que as reservas oficiais só começa- mento dos estoques de capitais internalizados
ram a se expandir ao final de 1991, quando a en- previamente (CARNEIRO, 2002).
eventuais ataques especulativos contra a taxa de montante das reservas internacionais, asseguran-
câmbio e para que a economia pudesse absorver do a manutenção do valor externo da moeda.
uma deterioração do saldo em transações corren- Assim, a utilização da âncora cambial tinha co-
tes (MARGARIDO, 1997). mo objetivo a constituição de reservas internaci-
onais altas que permitissem desencorajar tentati-
Em relação à política cambial, a prática de
minidesvalorizações diárias que acompanha- vas de especulação contra a paridade estabeleci-
vam as expectativas de inflação, de modo a da. A manutenção dessas reservas significava, to-
manter estável a taxa de câmbio real, não foi davia, manter elevada a atratividade da nova
mudada, de modo a evitar uma valorização moeda para estimular os fluxos de capitais
cambial mais acentuada e uma perda de com- (CARNEIRO, 2002).
petitividade do setor exportador no período Porém, nos primeiros anos da abertura , co-
anterior à implementação do plano. Além mo já foi mencionado, os fluxos mais voláteis –
disso, a previsibilidade do comportamento da portfólio e empréstimo de curto prazo – consti-
taxa de câmbio continuava a ser importante tuíram as principais formas de absorção de recur-
para se atrair fluxos de capitais. A política
sos financeiros, o que forçava a prática de altas
monetária baseada em elevadas taxas de juros
reais ganhava novo impulso. Em suma, cabia
taxas de juros na moeda doméstica para manter
ao governo Itamar Franco ampliar a aposta no os fluxos líquidos elevados (CARNEIRO, 2002).
modelo de integração financeira externa que As altas taxas de juros domésticas passaram a
vinha sendo construído desde fins de 1991, ser utilizadas com mais força pelas autoridades
com o predomínio dos fluxos de capitais nas econômicas a partir de junho de 1994, com a
formas de investimento estrangeiro de portfó- implantação do regime de câmbio flexível com
lio e de empréstimos externos securitizados, metas de expansão monetária. Assim, a valoriza-
marcados pela presença de forte elemento ção do Real foi mantida pelo Governo como
especulativo e de curto prazo (MARGA- base da estabilização econômica, já que os
RIDO, 1997, p.49).
preços ficaram atrelados à taxa de juros, provo-
Assim, pode-se dizer, do ponto de vista fi- cando forte entrada de capitais especulativos
nanceiro, que a afirmação da abertura econômi- (GRIECO, 1999).
ca do país, no Plano Real, significou a volta de Porém, a possibilidade de contar com os ca-
financiamento externo abundante até 1997, per- pitais estrangeiros de curto e de médio prazo pa-
mitindo superar a permanente escassez de divi- ra a sustentação do Plano Real viu-se ameaçada
sas típica da década anterior e que se expressava no período compreendido entre dezembro de
no baixo valor das reservas internacionais e na 1994 e março de 1995, dados os efeitos da crise
instabilidade da taxa de câmbio. A abertura per- mexicana, que levaram à crise cambial neste últi-
mitiu, portanto, ampliar consideravelmente o mo mês (MARGARIDO, 1997).
Como enfrentamento desta crise, no que se que estes investimentos geram remessas de lu-
refere à política cambial, a única medida adotada cros e dividendos num momento seguinte. Po-
pelo governo foi a implementação de um siste- rém, de 1999 para 2000, ocorre uma queda nas
ma de bandas cambiais e que, em virtude da for- remessas, indicando uma intensificação do ciclo
ma como foi feita e do movimento especulativo de investimentos externos, o que certamente está
que se seguiu, gerou uma minidesvalorização do associado ao aumento das inversões em empre-
Real. Além disto, o governo evitou a imposição sas adquiridas previamente, sobretudo naquelas
de restrições mais fortes às importações, limita- privatizadas. Este aumento de inversões contras-
das a medidas como o aumento das alíquotas ta-se com o baixo crescimento da economia bra-
em setores que não prejudicassem o esforço de sileira entre 1998 e 2000, o que indica que o ci-
estabilização e de modernização produtiva e a clo expansivo do IDE guarda maior correlação
imposição de um sistema de cotas para as impor- com os ciclos econômicos nos países centrais
tações de automóveis (MARGARIDO, 1997). (CARNEIRO, 2002).
Os governantes, nesta época, apostavam que Também é importante citar que, em 1999 e
as reformas, apontadas como fundamentais até o 2000, o peso do investimento direto continua
dia de hoje, conjuntamente com a abertura às elevado, apesar do esgotamento temporário das
importações, aumentariam a produtividade, a privatizações. Isso se deveu à ampliação das fu-
eficiência e a competitividade externa da econo- sões e aquisições no âmbito privado, ampliação
mia, permitindo compensar no médio prazo o esta estimulada pela desvalorização cambial pós
impacto da valorização cambial e reverter os dé- 1999 e conseqüente barateamento dos ativos.
ficits comerciais (MARGARIDO, 1997). Dentro disto, percebe-se que os novos investi-
Mas, já em princípios de 1995, não mais per- mentos se concentraram, sobretudo, no setor de
sistiam dúvidas sobre o déficit recorde em contas serviços e, especialmente, naqueles cuja atividade
correntes, fortemente influenciado pelo déficit não produz divisas. É o caso de energia, gás e
na balança de serviços e rendas, o que fica claro água, correios e telecomunicações, e também a
ao observar o Quadro 06. O déficit em transa- intermediação financeira, que passaram a con-
ções correntes bateu a casa dos US$ 18 bilhões, centrar cerca de um terço do estoque de investi-
resultado muito parecido ao verificado na balan- mento estrangeiro no país (CARNEIRO, 2002).
ça de serviços e rendas.
Pode-se, portanto, falar num deslocamento de
Com os Quadros 09 e 10 podem ser visuali- grande intensidade do fluxo de IDE, da indús-
zadas a evolução das diversas contas da balança tria e de ramos tradables e dentro dela, para o
de serviços e rendas, durante o período de análi- setor de serviços que é na sua quase totalidade,
se desta parte do trabalho. Nota-se que, no to- um produtor de non-tradables. A combinação
cante aos serviços, as viagens internacionais e os da elevada participação do investimento patri-
transportes apontam déficits expressivos no perí- monial no total do IDE e o direcionamento
odo como um todo. Já no que se refere a rendas, para os setores non-tradables poderão criar
fica nítida a grande participação das rendas de in- sérios constrangimentos no balanço de paga-
vestimentos, e, a partir de 1995, observa-se um mentos, se e quando houver uma nova retra-
ção de novos investimento (CARNEIRO,
salto das rendas referentes aos investimentos em
2002, p.279)
carteira que, em 1999, atinge a maior participa-
ção entre os investimentos. Com as questões levantadas até aqui, fica
A partir do Quadro 10 pode-se perceber que, nítido que a continuidade da política econômica
além do salto evidente das rendas de investimen- de redução da taxa de inflação, verificada no go-
to em carteira, as rendas de investimento direto verno de Fernando Henrique, causou uma evi-
também tiveram resultados importantes no perí- dente situação de desestabilização macroeconô-
odo. Isto se deve ao crescente patamar de investi- mica, marcada pela criação ou agravamento de
mentos diretos estrangeiros, entre 1995 e 1998, já desequilíbrios internos e externos e pela trajetória
de stop and go determinada, em grande medida, dada a magnitude e a natureza do passivo exter-
pelos erros de política econômica e pela situação no (CARNEIRO, 2002).
internacional (GONÇALVES, 1998). Um aspecto desta vulnerabilidade externa
Assim, a política baseada na abertura finan- diz respeito aos desequilíbrios de fluxos, isto é,
ceira trouxe como resultado, de maior destaque, quando se toma a relação custo do passivo líqui-
o rápido crescimento do passivo externo da eco- do/PIB, nota-se que essa vem assumindo valores
nomia brasileira. Esse desempenho tem a sua tra- progressivamente mais altos desde 1997. Portan-
jetória colada ao ciclo de crédito internacional, to, a desvalorização cambial ocorrida em 1999
vale dizer, aceleração até 1997 e desaceleração a apenas agravou o problema, situando a transfe-
partir de então. Esta última, todavia, não foi sufi- rência de recursos líquidos no patamar de 3% do
ciente para refletir-se numa melhoria dos indica- PIB. Este é, certamente, um valor muito elevado
dores de endividamento medidos relativamente quando comparado com outros períodos históri-
ao PIB em razão da desvalorização cambial em cos e expressa tanto o nível mais alto da taxa de
1999. Assim, ao final do processo, pode-se carac- juros quanto as novas exigências de remuneração
terizar uma situação de grande vulnerabilidade, do IDE (CARNEIRO, 2002).
REFERÊNCIAS
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